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“NINGUÉM MANDOU ZOMBAR DE DEUS”

É comum que mortes trágicas de personalidades famosas e, notadamente, reconhecidas pelo seu
trabalho provoquem reações diversas nas pessoas. No entanto, quando essas mortes alcançam
pessoas que publicamente se expuseram de alguma forma a afrontar a fé, as crenças e a própria
divindade alheias, a imaginação e as emoções, principalmente das que se sentiram ofendidas devido
a sua fé, parecem ser aguçadas. E isso é bastante perceptível nas redes sociais, quando relacionam,
ou veementemente não relacionam, a morte de tais celebridades como sendo castigo por terem
zombado de Deus. Vimos reações desse tipo na morte de John Lenon, Marilyn Monroe, Bon Scott,
o caso do transatlântico Titanic, Cazuza, Trancredo Neves e, mais recentemente, de Ricardo
Boechat.

Dentre todos os atributos divinos, os que mais são destacados nesse contexto são a justiça e o
amor de Deus. Baseando-se nestes atributos e sendo conduzidos por suas emoções e seu imaginário,
muitos se expressam afirmando que a morte, às vezes inesperada, de alguém que afrontou Deus foi
ocasionada pela aplicação da justiça divina. Ou ainda, que tal morte nunca teria sido resultado do
castigo de Deus, porque Deus é amor. E isso é apenas um resumo muito simplório do que corre por
aí e que envolve até líderes cristãos.

Porém, é preciso relembrarmos de alguns premissas:


1. Deus é o doador e o sustentador da vida (1Sm 2.6): é Ele quem dá e é Ele quem tira. Deus tem
controle de nossa vida em suas mãos.

2. Deus aplicou sua justiça em pessoas: podemos citar vários exemplos bíblicos, dentre eles o
dilúvio (Gn 7); a destruição das cidades Sodoma e Gomorra (Gn 19); os profetas de Baal (1 Rs 18);
o casal Ananias e Safira (At 5).

3. Deus agiu com amor as pessoas: podemos também citar alguns exemplos, dentre eles o
livramento Noé e sua família da morte (Gn 7); o livramento de Ló e sua família (Gn 19); o
livramento do bebê Moisés da morte; o livramento do pequeno Davi de um urso e de um leão (1Sm
17) e ao ressuscitar Lázaro (Jo 11). Podemos acrescentar, baseado em Eclesiastes 9.2 e Mateus 5.45,
que Deus abençoa a justos e a injustos/ímpios.

4. A imutabilidade e a unidade divina: no contexto abordado, precisamos recorrer a outros atributos


de Deus, além dos que já foram citados, que são a imutabilidade e unidade divina. A imutabilidade,
também chamado de inalterabilidade, que pode ser descrito como “Deus é imutável no seu ser , nas
suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas; porém, Deus age e sente emoções, e age
e sente de modo diversos diante de situações diferentes” (Wayne Grudem). Podemos sim dizer que
Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13.8). A unidade de Deus é assim também descrita por
Grudem: “Deus não está dividido em partes; porém percebemos atributos de Deus enfatizados em
momentos diferentes”. Grudem continua:
“Em termos de aplicação prática, isso significa que jamais
devemos pensar, por exemplo, que Deus é um Deus
amoroso num momento da história, e um Deus justo ou
irascível noutro momento. Ele é sempre o mesmo Deus, e
tudo o que diz ou faz é plenamente coerente com todos os
seus atributos. Não é correto dizer, como alguns já
disseram, que Deus é um Deus de justiça no Antigo
Testamento e um Deus de amor no Novo Testamento.
Deus é e sempre foi infinitamente justo e também
infinitamente amoroso, e tudo o que ele fez no Antigo
Testamento, como no Novo Testamento, é absolutamente
coerente com esses dois atributos” (Teologia Sistemática
Atual e Exaustiva – Wayne Grudem, p.127)
Baseado nessas premissas, quando tomamos um posicionamento de atribuirmos determinado
acontecimento à justiça de Deus ou não atribuirmos devido ao amor de Deus, estamos incorrendo
em alguns erros. Primeiramente, estamos praticando um reducionismo divino achando que Deus
pensa da mesma forma que nós seres humanos ou tenha o mesmo senso de justiça que temos. O
profeta Isaías registra a declaração de Deus a seu povo: “Porque os meus pensamentos não são os
vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55.8). Em
segundo lugar, já que não podemos entender em sua plenitude os propósito divinos, quando
afirmamos que tal morte ocorreu por “isso” ou não ocorreu por “aquilo”, estamos julgando – e Jesus
nos orienta sobre isso (Mt 7) – e nos posicionando num lugar que não é nosso e sim restritamente de
Deus: o Justo Juiz.

Portanto, concluo que o que cabe a nós como cristãos, nesses casos, é lamentar por uma vida
que se foi e, provavelmente, sem se render aos pés de Jesus, pois a vontade de Deus é que todos
sejam salvos (1Tm 2.4); é chorar com os que choram (Rm 12.15) – os familiares que ficaram; é não
buscar os porquês – creio que, em muitos casos, estes pertençam a Deus –, mas buscar o que esses
acontecimentos devem despertar em nós cristãos. E devem despertar o “Portanto ide, fazei
discípulos de todas as nações...” (Mt 28.19a).

Pr Glauco Pinheiro

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