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Setenário de

Pentecostes
Dons do Espírito

Premissa: O primeiro Dom de Deus é o próprio Espírito Santo: Altissimi donum Dei.
Está em nós por missão ou envio. Dele procedem todos os demais dons, naturais e
sobrenaturais, são efeitos totalmente gratuitos do seu amor (cfr. Is 11, 1-3): sabedoria,
inteligência, conselho, fortaleza, entendimento e temor conformidade com Cristo
(Rm 8, 29). Sendo Cristo Cabeça, o comunica aos seus membros, como que alma da
Igreja.

São hábitos sobrenaturais infundidos por Deus nas potências da alma para receber e
secundar com facilidade as moções do Espírito Santo, sobrenaturalmente.

São necessários, pois cada um recebe segundo a sua capacidade; também por isso, são
necessários para a salvação, devido a nossa inclinação ao pecado.

São hábitos; as bem-aventuranças são atos. Começam com o temor e terminam com a
sabedoria, o mais excelente.

I. Temor de Deus

1. É possível que Deus seja temido?

a) O objeto do temor é um mal futuro que pode nos sobrevir. Mas de Deus, que é a
suma bondade, não pode nos sobrevir mal algum. Logo, não pode e nem deve ser
temido.

b) O temor se opõe à esperança, como ensinam os filósofos. Porém temos suma


esperança em Deus. Logo, não podemos temer-lhe e ter esperança ao mesmo tempo.

Apesar destas dificuldades, é coisa clara e evidente que Deus pode e deve ser temido
retamente. Não é possível temer a Deus enquanto bem supremo e futura bem-
aventurança do homem; neste sentido é objeto unicamente de amor e desejo.
Porém Deus é também infinitamente justo, que odeia e castiga o pecado do
homem; e, neste sentido, pode e deve ser temido, pois pode infringir-nos um mal
como castigo [consequência] de nossas culpas: “Deus não fez a morte (...) mas os
ímpios a chamam com suas obras e palavras”. ( Sb 1, 13-16)

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JUSTIÇA-CASTIGO - TEMOR
MISERICÓRDIA - ESPERANÇA

2. TIPOS DE TEMOR

1) Temor Mundano. “Aquele que tentar salvar a sua vida, perdê-la-á. Aquele que a
perder, por minha causa, reencontrá-la-á” (Mt, 10, 39). Santa Teresa de Jesus dizia
que preferia ser antes “ingratíssima contra o mundo todo” do que ofender em um só
ponto a Deus.

2) Temor servil.

a) Se o medo do castigo constitui a única razão para evitar o pecado, então este medo
em si constitui um verdadeiro pecado: (p.ex., aquele que dissesse: “Cometeria o
pecado se não houvesse inferno”).

b) Temor por ser ofensa de Deus e, ademais, porque nos pode castigar se o
cometemos. É a chamada dor de atrição. Se chama também temor simplesmente servil.

3) Temor filial imperfeito. – É aquele temor que evita o pecado porque nos separaria
de Deus, a quem amamos; não é perfeita, posto que ainda leva em conta o castigo
próprio que lhe sobreviria: a separação do Pai e, por tanto, do céu. É o chamado
temor inicial, que ocupa um lugar intermediário entre o servil e o propriamente filial,
como vamos ver.

4) Temor filial perfeito. – É próprio do filho amoroso, pendente das ordens do pai,
a quem não desobedecerá unicamente para não lhe desagradar, mesmo sem ameaça
alguma de pena de castigo. É o temor perfeitíssimo daquele que sabe dizer com toda
verdade: “Ainda que não houvesse céu, eu te amaria, ainda que não houvesse
inferno, te temeria” (Santa Teresa de Jesus).

Segundo São Tomás, só o amor filial perfeito entra no dom de temor, porque se
funda diretamente na caridade e reverência a Deus como Pai.

Com estas noções já podemos abordar a natureza íntima do dom de temor.

3. Natureza do dom de temor

O dom de temor é um hábito sobrenatural pelo qual o justo, sob o instinto do


Espírito Santo e dominado por um sentimento reverencial para com a majestade de
Deus, adquire docilidade especial para apartar-se do pecado e submeter-se
totalmente à divina vontade.

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4. Seu modo deiforme

Deus é a causa suprema e exemplar de todos os dons sobrenaturais que recebemos de


sua divina liberalidade. Mas parece que com relação ao dom de temor não é possível
encontrar n’Ele nenhuma sorte de exemplaridade, já que em Deus é absolutamente
impossível a existência de qualquer classe de temor. Mas como descobrir em Deus um
modelo do dom de temor?
O Espírito de Deus é um Espírito de temor, assim como é de amor, de inteligência,
de ciência, de sabedoria, de conselho, de fortaleza e de piedade. Em sua ação pessoal
no mais íntimo da alma, o Espírito do Pai e do Filho transmite algo da infinita
detestação do pecado que existe no próprio Deus, e de sua vontade de se opor ao “mal
de culpa”, e de sua ordenação do “mal de pena” por sua vingadora justiça para sua
maior glória e para restituir a ordem no universo.

- Antes de mais nada, uma detestação enérgica do pecado, ditada pela


caridade; ademais, um sentimento de reverência para com a infinita grandeza
daquele cuja soberana bondade merece ser o fim supremo de cada um de nossos
atos, sem o menor desvio egoísta em direção ao pecado.

O modo deiforme do Espírito de temor se mede pela santidade de Deus.

5. Virtudes relacionadas

O dom de temor se relaciona de forma muito especial com a esperança, a temperança,


a religião e a humildade.

Vejamos com mais detalhes

a) A esperança – “A esperança – escreve a este propósito o padre Philipon


– induz à alma humana, consciente de sua fragilidade e de sua miséria, a
refugiar-se em Deus, cuja onipotência misericordiosa é a única que pode
liberá-la de todo mal.

Quanto mais débil e miserável se sente o fiel, quanto mais inclinado a cair, mais se
refugia em Deus, como uma criança carregada no colo de seu pai.

b) A temperança. – O dom de temor visa principalmente a Deus, fazendo-nos evitar


cuidadosamente tudo quanto possa ofender-lhe e, nesse sentido, aperfeiçoa a virtude
da esperança, como já dissemos. Porém, secundariamente, pode se direcionar a
qualquer outra coisa da qual o homem se aparte para evitar a ofensa de Deus: os
prazeres carnais -, reprimindo-os; ajudando e reforçando a virtude da temperança, que
é a encarregada de moderar aquela tendência desordenada.

c) A religião. – Como é sabido, a religião é a virtude encarregada de regular o culto


devido à majestade de Deus. O culto à divindade se enche desse temor reverencial que

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experimentam os próprios anjos ante a majestade de Deus: tremunt potestates: “Santo,
Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos”.( Is 6, 3.)

Fusiona-a com o dom de piedade, que põe em nossa alma um sentimento de amor e de
filial ternura, fruto de nossa adoção divina, que nos permite chamar a Deus de Pai
nosso.

d) A humildade. – O contraste infinito entre a grandeza e santidade de Deus e nossa


incrível pequenez e miséria é o fundamento e a raiz da humildade cristã; mas só o
dom de temor, atuando intensamente na alma, leva a humildade à perfeição sublime
que admiramos nos santos.

Através da temperança, o dom de temor atua sobre a castidade; sobre a mansidão;


sobre a modéstia, suprimindo em absoluto qualquer movimento desordenado interior
ou exterior; e combate as paixões que, juntamente com a vanglória, são filhas da
soberba: a jactância, a presunção, a hipocrisia, a pertinácia, a discórdia, a réplica irada
e a desobediência.

6. Efeitos do dom de temor nas almas

1) Um vivo sentimento da grandeza e majestade de Deus, que as submerge em uma


adoração profunda, cheia de reverência e humildade.

É então quando a humildade chega ao seu cume. Sentem desejos imensos de “padecer
e ser desprezado por Deus” (São João da Cruz). Não se lhes ocorre ter o mais ligeiro
pensamento de vaidade ou presunção. Veem tão claramente sua miséria, que, quando
lhes elogiam, parece-lhes que zombam deles (Cura d’Ars).

Esse respeito e reverência ante a majestade de Deus se manifesta também em todas as


coisas que de algum modo dizem respeito a Ele. A igreja ou oratório, o sacerdote, os
vasos sagrados, as imagens dos santos..., todos os veem e tratam com grandíssimo
respeito e veneração.

2) Um grande horror ao pecado e uma vivíssima contrição por tê-lo cometido. –Em
realidade, é então quando a esperança chega a um grau incrível de heroísmo, pois a
alma chega a esperar “contra toda esperança”, como Abraão, (Rm 4, 18) e a lançar o
grito sublime de Jó: “Se ele me mata, nada mais tenho a esperar, e assim mesmo
defenderei minha causa diante dele”. (Jó 13, 15.)

Santa Teresa de Jesus escreve que “não podia haver morte mais dura para mim, do
que pensar se tinha ofendido a Deus”.

3) Uma vigilância extrema para evitar as menores ocasiões de ofender a Deus. – é


uma consequência lógica do efeito anterior.

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4) Desprendimento perfeito de tudo o que é criado. – O dom de ciência – como
veremos – produz este mesmo efeito, embora desde outro ponto de vista. É que os
dons, como dissemos, estão mutuamente conectados entre si e com a caridade, se
entrelaçando e se influenciando mutuamente.

7. Bem-aventuranças e frutos que dele se derivam

Segundo o Doutor Angélico, com o dom de temor se relacionam duas bem-


aventuranças evangélicas: a primeira – “Bem-aventurados os pobres, porque deles é o
reino dos céus”(Mt 5, 3.) – e a terceira – “Bem-aventurados os que choram, porque
eles serão consolados”.( Mt 5, 5.)

Por isso se vê claramente que o dom de temor refreia todas as paixões, tanto as do
apetite irascível como as do concupiscível. Porque, pelo medo reverencial à majestade
divina ofendida pelo pecado, refreia o ímpeto das irascíveis (esperança, desesperação,
audácia, temor e ira), e rege e modera todas concupiscíveis (amor, ódio, desejo,
aversão, gozo e tristeza). É, pois, um dom de valor inestimável, embora ocupe
hierarquicamente o último lugar entre todos.

Dos chamados frutos do Espírito Santo, (Gl 5, 22-23.) pertencem ao dom de temor a
modéstia, que é uma consequência da reverência do homem ante a divina majestade, e
a continência e castidade, que se seguem da moderação e canalização das paixões
concupiscíveis, efeito próprio do dom de temor.

8. Vícios opostos

Segundo São Gregório, ao dom de temor se opõe principalmente a soberba, mais


intensamente ainda do que à virtude da humildade.

Indiretamente se opõe também ao dom de temor o vício da presunção, que injuria à


divina justiça ao confiar excessiva e desordenadamente na misericórdia.

9. Meios para fomentar este dom

Podemos e devemos pedir ao Espírito Santo que seus dons atuem em nós, fazendo ao
mesmo tempo de nossa parte tudo quanto pudermos para nos dispor a receber a divina
moção, que colocará em movimento os dons.

Aparte dos meios gerais para atrair para si o olhar misericordioso do Espírito Santo –
recolhimento profundo, pureza de coração, fidelidade à graça, invocação frequente do
divino Espírito etc. –, eis aqui alguns meios relacionados com maior proximidade ao
dom de temor:

a) Meditar com frequência na infinita grandeza e majestade de Deus.

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b) Acostumar-se a tratar a Deus com confiança filial, porém cheia de reverência e
respeito.
c) Meditar com frequência na infinita malicia do pecado e conceber um grande
horror para com ele. “É horrendo – disse São Paulo – cair nas mãos do Deus
vivo” (Hb 10,31):

* pensar nisso com frequência;


* fuga das ocasiões perigosas;
* a fidelidade ao exame diário de consciência.
* sobretudo, a consideração de Jesus Cristo crucificado, vítima propiciatória por
nossos crimes e pecados.

d) Colocar cuidado especial na mansidão e humildade no trato com o próximo.

e) Pedir com frequência ao Espírito Santo o temor reverencial de Deus,


convencidos de que “o temor de Deus é o princípio da sabedoria” ( Eclo 1,15) e de
que é mister operar nossa salvação “com temor e tremor”,( Fl 2, 12.) seguindo o
conselho que nos dá o próprio Espírito Santo por meio do salmista: “Servi ao Senhor
com temor e prestai-lhe homenagem com tremor” ( Sl 2, 11).

«Não me move» (Santa Teresa de Ávila)

Não me move, Senhor para Te amar Que ainda que não houvesse Céu eu Te
O Céu que me prometestes amaria,
Nem me move o inferno tão temido E ainda que não houvesse inferno Te
Para deixar por isso de Te ofender. temeria.

Tu me moves, Senhor, Nada tens que me dar para que eu Te


Move-me ver-Te queira,
Pregado em uma Cruz e escarnecido Pois mesmo que eu não esperasse o que
Move-me ver teu Corpo tão ferido, espero,
Movem-me tuas afrontas e tua morte. O mesmo que Te quero
Eu te quereria.
Move-me enfim o teu amor,
E de tal maneira, (atribuído a Santa Teresa de Ávila)

II. O dom de Fortaleza

Na escala ascendente dos dons do Espírito Santo ocupa o segundo lugar o dom de
fortaleza, encarregado primeiramente de aperfeiçoar a virtude infusa com o mesmo
nome.

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1. Natureza

O dom de fortaleza é um hábito sobrenatural que robustece a alma para praticar,


por instinto do Espírito Santo, toda classe de virtudes heroicas com invencível
confiança em superar os maiores perigos ou dificuldades que possam surgir.

É um hábito sobrenatural, como os demais dons e virtudes infusas.

Toda classe de virtudes heroicas.

“E, por isso, o dom de fortaleza se estende a todas as dificuldades que podem surgir
nas coisas humanas... O ato principal do dom de fortaleza é suportar todas as
dificuldades, seja nas paixões, seja nas operações” (In III Sant. D.34 q.3 a.1 q.2
sol.).) Por isso, o dom de fortaleza, que tem de abarcar tantos e tão diversos atos de
virtude, necessita, por sua vez, ser governado pelo dom de conselho.

A virtude da fortaleza tem seus limites na potência humana, mas “Com meu Deus
atravesso a muralha”,( Sl 18, 30.) ou seja, transpassarei todos os obstáculos que
possam surgir para alcançar o último fim, pois concede a confiança de afrontá-los e
superá-los todos, como faz o dom análogo do Espírito Santo.

O dom de fortaleza, ao contrário, apoiando-se completamente na divina onipotência, se


estende a tudo, se basta para tudo e faz exclamar com Jó: “Sê tu mesmo a minha
caução junto de ti, e quem ousará bater em minha mão?”.( Jó 17,3.); “Tudo posso
naquele que me conforta”.( Fl 4, 13.)

A fortaleza, como virtude, está sempre unida ao freio e ao juízo da prudência cristã;
o dom, por sua vez, empurra a resoluções que, sem ele, pareceriam ser presunções,
temeridades, exageros.

a) A fortaleza natural ou adquirida robustece a alma para suportar os maiores trabalhos


e expor-se aos maiores perigos, como vemos em muitos heróis pagãos; mas não sem
certo tremor e ansiedade, nascido da clara percepção da fraqueza das próprias forças,
únicas com que se conta.

b) A fortaleza infusa se apoia, certamente, no auxílio divino – que é em si onipotente e


invencível -, mas conduz em seu exercício ao modo humano, ou seja, segundo a regra
da razão iluminada pela fé, que não acaba de tirar totalmente da alma o temor e o
tremor.

c) O dom de fortaleza, por sua vez, lhe faz suportar os maiores males e expor-se aos
mais inauditos perigos com grande confiança e segurança, enquanto movida pelo
Espírito Santo não mediante o ditame da simples prudência, senão pela altíssima
direção do dom de conselho, ou seja, por razões inteiramente sobrenaturais e divinas
( Cf. João de São Tomás, In II-II d.18 a.6.).

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2. Importância e necessidade

a. perfeição da virtude cardeal de mesmo nome, para a de todas as virtudes infusas


e, às vezes, inclusive para a simples permanência no estado de graça. Vejamo-lo
em particular.

O próprio Espírito Santo rende pela boca de São Paulo seu próprio testemunho: “Pela
fé subjugaram reinos, exerceram a justiça, alcançaram as promessas, obstruíram a
boca dos leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada,
convalesceram da enfermidade, se fizeram fortes na guerra, desbarataram os
exércitos estrangeiros” ( Hb 11, 33-34).
b) Para a perfeição das demais virtudes infusas.

c) Para permanecer em estado de graça. – Há ocasiões em que o dilema se apresenta


inexoravelmente: o heroísmo ou o pecado mortal, um dos dois.

Espírito Santo pela boca de Jó: “A vida do homem sobre a terra é uma luta”.( Jó 7,
1.)

“Sentimos em nossos membros outra lei que repugna a lei de Deus e nos empurra
ao pecado”,( Rm 7, 23) ao que é preciso resistir se não se quer chegar à desoladora
conclusão daquele poeta pagão que dizia: “Vejo o melhor e o aprovo, porém, faço o
pior”.

a) Batalha contra nossas paixões.


b) Batalha contra o mundo.
c) Batalha contra o demônio.

3. Efeitos que produz na alma

São admiráveis os efeitos que a fortaleza produz na alma. Eis aqui os principais:

1) proporciona para a alma uma energia inquebrantável na prática da virtude.

2) Destrói por completo a tibieza no serviço de Deus.

3) Faz da alma intrépida e valente ante toda classe de perigos ou inimigos, como
os Apóstolos e Mártires, porque “é preciso obedecer a Deus antes que aos
homens” (At 5, 29). Depois deles são inumeráveis os exemplos nas vidas dos
santos. Podemos apenas conceber as dificuldades e perigos que tiveram de vencer
um São Luís, rei da França, para se colocar à frente da cruzada; uma Santa
Catarina de Siena para fazer o papa voltar a Roma; uma Santa Joana d’Arc para
lutar com as armas contra os inimigos de Deus e de sua pátria, etc.

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4) Faz suportar as maiores dores com gozo e alegria: “Cheguei a não poder
sofrer – dizia Santa Teresinha do Menino Jesus –, porque me é doce todo o
padecimento”.
5) Proporciona à alma o “heroísmo do pequeno”, ademais do heroísmo do
grande.

4. Bem-aventuranças e frutos correspondentes

Quarta bem-aventurança: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de santidade,


porque eles serão saciados”, (Mt 5,6) porque a fortaleza recai sobre coisas árduas e
difíceis.

Os frutos do Espírito Santo que respondem a este dom são a paciência e a


longanimidade. O primeiro, para suportar com heroísmo os sofrimentos e males; o
segundo, para não desfalecer na prática prolongada do bem.

5. Vícios opostos

Segundo São Gregório, ao dom de fortaleza se opõe o temor desordenado ou


timidez, acompanhado muitas vezes de certa frouxidão natural, que provém do amor
à própria comodidade, nos impede de empreender grandes coisas pela glória de Deus e
nos impulsiona a fugir da abjeção e da dor.

6. Meios de fomentar este dom

Ademais dos meios gerais para o fomento dos dons (recolhimento, oração, fidelidade
à graça, invocar ao Espírito Santo, etc...), afetam muito de perto ao dom de fortaleza
os seguintes, entre muitos:

a) Acostumar-se ao cumprimento exato do dever, apesar de todas as


repugnâncias.
b) Não pedir a Deus que nos tire a cruz, senão unicamente que nos dê força
para suportá-la santamente.
c) Pratiquemos, com valentia ou debilidade, mortificações voluntárias. Esses
mil pequenos detalhes da vida diária: guardar silêncio quando se sente a
comichão de falar; não se queixar nunca da inclemência do tempo, da qualidade
da comida, etc.; receber com humildade e paciência as gozações, repreensões e
contradições, e outras mil pequenas coisas do mesmo tipo, podemos e devemos
fazê-las nos violentando um pouco com ajuda da graça ordinária.
d) Busquemos na Eucaristia a fortaleza para nossas almas. – A Eucaristia é o
pão dos anjos, mas também o pão dos fortes. Como robustece e conforta a
alma este alimento divino!

III. O dom de Piedade

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Tem por missão fundamental aperfeiçoar a virtude infusa do mesmo nome – derivada
da virtude cardeal da justiça -, imprimindo em nossas relações com Deus e com o
próximo o sentido filial e fraterno que deve regular o trato dos filhos de uma mesma
família para com seu pai e seus irmãos. O dom de piedade nos comunica o espírito de
família de Deus.

1. Natureza

O dom de piedade é um hábito sobrenatural infundido por Deus com a graça


santificante para excitar em nossa vontade, por instinto do Espírito Santo, um afeto
filial para com Deus, considerado como Pai, e um sentimento enquanto irmãos nossos
e filhos do mesmo Pai, que está nos céus.

Sobre esta definição convém destacar o seguinte:

a) O dom de piedade, como dom afetivo que é, reside na vontade como potência da
alma.

b) Se distingue da virtude infusa de mesmo nome na qual tende para Deus como Pai –
assim como o dom –, porém com uma modalidade humana, ou seja, regulada pela
razão iluminada pela fé; enquanto que o dom o faz por instinto do Espírito Santo, ou
seja, com uma modalidade divina incomparavelmente mais perfeita.

c) O dom de piedade se estende a todos os homens enquanto filhos do mesmo Pai, que
está nos céus. E também a tudo quanto pertence ao culto de Deus – aperfeiçoando a
virtude da religião até o máximo -, e ainda a toda a matéria da justiça e virtudes
anexas, cumprindo todas suas exigências e obrigações por um motivo mais nobre e
uma formalidade mais alta, ou seja: considerando-as como deveres para com seus
irmãos, os homens, que são filhos e familiares de Deus.

2. Importância e necessidade

O dom de piedade é absolutamente necessário para aperfeiçoar até o heroísmo a


matéria pertencente à virtude da justiça e a todas suas derivadas, especialmente a
religião e a piedade, sobre as quais recai de uma maneira mais imediata e principal.

As coisas do serviço de Deus – culto, oração, sacrifício, etc. – se cumprem quase sem
esforço algum, com refinada perfeição e delicadeza: trata-se do serviço do Pai e já não
mais do Deus de tremenda majestade.

E no trato dos homens, que toque de acabamento e beleza coloca o sentimento


entranhável de que todos somos irmãos e filhos de um mesmo Pai, às exigências, em si
já sublimes, da caridade e da justiça!

Descobrem sem esforço o sentido religioso que pulsa em todas as coisas.

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3. Efeitos que produz na alma

São maravilhosos os efeitos que produz na alma a atuação intensa do dom de


piedade.
1) Uma grande ternura filial para com o Pai que está nos céus. – é o efeito
primário e fundamental. “Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para
viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos:
Aba! Pai! O Espírito mesmo dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de
Deus” (Rm 8, 15-16).

Santa Teresinha do Menino Jesus – em quem, como é sabido, brilhou o dom de


piedade em grau sublime – não podia pensar nisto sem chorar de amor.

A oração predileta destas almas é o Pai Nosso. Santa Teresa de Jesus: “Espanta-me
ver que em tão poucas palavras estejam encerradas toda a contemplação e a perfeição,
parecendo que não temos a necessidade de estudarmos nenhum livro: basta-nos o Pai-
nosso”.

2) Nos faz adorar o mistério da paternidade divina intra-trinitária. Gosta de


repetir no mais fundo de seu espírito aquela sublime expressão do Glória da
missa: “Te damos graças por tua imensa glória: propter magnam gloriam tuam”. É
o culto e a adoração da Majestade divina por si mesma, sem nenhuma relação com os
benefícios que dela tenhamos podido receber. É o amor puro em toda sua
impressionante grandeza, sem mescla alguma de elementos humanos egoístas.

3) Um filial abandono nos braços do pai celestial.

4) Nos faz ver no próximo a um filho de Deus e irmão em Jesus Cristo:

5) Nos move ao amor e devoção às pessoas e coisas relacionadas de algum modo


com a paternidade de Deus ou a fraternidade cristã: amor filial para com a
Santíssima Virgem Maria; os anjos e santos, que são seus irmãos maiores, que já
gozam da presença contínua do Pai na mansão eterna dos filhos de Deus. Às almas do
purgatório, às quais atende e socorre com sufrágios contínuos, considerando-as como
irmãs queridas que sofrem. Ao Papa, o doce “Cristo na terra”, que é a cabeça visível
da Igreja e pai de toda a cristandade. Aos superiores, nos quais se concentra,
sobretudo, em seu caráter de pais mais do que de chefes ou inspetores, servindo-lhes e
obedecendo-lhes em tudo com verdadeira alegria filial; à pátria; às coisas santas,
sobretudo as que pertencem ao culto e serviço de Deus (cálices sagrados, custódias,
etc.). Santa Teresinha estava felicíssima por seu ofício de sacristã, que lhe permitia
tocar os vasos sagrados e ver seu rosto refletido no fundo dos cálices...

4. Bem-aventuranças e frutos que dele se derivam

a) Bem-aventurados os mansos, porque a mansidão tira os impedimentos para o


exercício da piedade.

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b) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque o dom de piedade
aperfeiçoa as obras da virtude da justiça e todas suas derivadas.

c) Bem-aventurados os misericordiosos, porque a piedade se exercita também nas


obras de misericórdia corporais e espirituais.

5. Vícios opostos

Os vícios que se opõem ao dom de piedade podem ser agrupados sob o nome genérico
de impiedade. Por outra parte, “a piedade, enquanto dom, consiste em certa
benevolência sobre-humana para com todos”, considerando-os como filhos de Deus e
nossos irmãos em Cristo. E, neste sentido, São Gregório Magno opõe ao dom de
piedade a dureza de coração, que nasce do amor desordenado a nós mesmos. Ao
contrário, quanto mais caridade e amor de Deus tem uma alma, mais sensível é a
todos os interesses de Deus e do próximo.

Porém os verdadeiros sábios são os mais piedosos, como Santo Agostinho, São
Tomás, São Boaventura, São Bernardo, e na Companhia, Lainez, Suarez, Belarmino,
Leslio.

6. Meios de fomentar este dom

Aparte dos meios gerais para fomentar os dons do Espírito Santo (recolhimento,
oração, fidelidade à igreja, etc. ), se relacionam com maior proximidade ao dom de
piedade os seguintes:

a) Cultivar em nós o espírito de filhos adotivos de Deus e em tudo agradá-lo.

b) Cultivar o espírito de fraternidade universal com todos os homens. O próprio


Cristo quer que o mundo conheça que somos discípulos seus no amor entranhável
que tenhamos uns aos outros. ( Jo 13, 35.)

c) considerar todas as coisas, mesmo as puramente materiais, como pertencentes


à casa do pai, que é a criação inteira.

d) Cultivar o espírito de total abandono nos braços de Deus.

IV. O dom de Conselho

1. Natureza do dom de conselho

O dom de conselho é um hábito sobrenatural pelo qual a alma em graça, sob a ação
do Espírito Santo, intui retamente, nos casos particulares, o que convém fazer para
alcançar o fim último sobrenatural.

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Sobre essa definição, deve-se notar principalmente o seguinte:

a) Os dons do Espírito Santo não são moções transeuntes ou simples graças atuais,
mas hábitos sobrenaturais infundidos por Deus na alma juntamente com a graça
santificante.

b) O Espírito Santo põe em movimento o dom de conselho como única causa


motora; mas a alma em estado de graça colabora como causa instrumental,
através da virtude da prudência, para produzir um ato sobrenatural, que procederá
enquanto à substância do ato da virtude da prudência e, enquanto a sua modalidade
divina, do dom de conselho ( Mt 10, 19-20: “O Espírito Santo falará em vós!”)

c) Por isso o modo da ação é discursivo na virtude da prudência, enquanto que o dom
é intuitivo, divino ou sobre-humano.

2. Importância e necessidade

É indispensável a intervenção do dom de conselho para aperfeiçoar a virtude da


prudência, sobretudo em certos casos repentinos, pois não dá para considerar:
memória do passado, inteligência do presente, docilidade, sagacidade, razão,
providência, circunspecção e cautela ou precaução. (cf. II-II q.49 a.1-8).

É difícil ser manso como a pomba e sagaz como a serpente: (Mt 10, 16.).

Exemplos: como no silêncio de nosso Senhor diante de Herodes; na admirável resposta


que deu para salvar a mulher adúltera ou confundir aos que lhe perguntaram
maliciosamente se deveria se pagar o tributo a César; no juízo de Salomão; na empresa
de Judith para libertar o povo de Deus do exercito de Holofernes; na conduta de Daniel
para justificar a Susana da calunia dos dois velhos; na de São Paulo quando enredou a
fariseus e saduceus entre si e quando apelou para o tribunal de César, etc, etc., e
muitos outros casos do mesmo estilo.

3. Efeitos do dom de conselho

São Admiráveis os efeitos que produz nas almas afortunadas onde atua. Aqui estão
alguns dos mais importantes:

1) Nos preserva do perigo de uma falsa consciência.

2) Resolve, com inefável segurança e acerto, uma multidão de situações difíceis e


imprevistas (Cura d’Ars no confessionário).

3) Inspira os meios mais oportunos para governar santamente aos demais.

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4) Aumenta extraordinariamente nossa docilidade e submissão aos legítimos
superiores, porque o Espírito Santo lhes impulsiona a isso. Deus determinou que o
homem Lhes inspira a humildade, submissão e obediência a seus legítimos
representantes na terra (caso de Santa Teresa de Jesus com os seus confessores).

4. Bem-aventuranças e frutos correspondentes

Santo Agostinho associa ao dom de conselho a quinta bem-aventurança,


correspondente aos misericordiosos. (Mt 5, 7).

5. Vícios opostos ao dom de conselho

Ao dom de conselho se opõem, por defeito: a precipitação em obrar e a


temeridade, que supõe uma falta de atenção às luzes da fé e à inspiração divina por
excessiva confiança em si mesmo e nas próprias forças.

E por excesso: se opõe ao dom de conselho a lentidão excessiva.

6. Meios de fomentar este dom

a) Profunda humildade para reconhecer nossa ignorância e demandar as luzes do


alto.

b) Nos acostumar a proceder sempre com reflexão e sem pressa.

c) Atentar em silêncio ao mestre interior: A santidade perfeita consiste em não


recusar nada ao Amor.

d) Extremar nossa docilidade e obediência a quem deus colocou na igreja para


nos governar.

V. O dom de Ciência

1. Natureza

O dom de ciência é um hábito sobrenatural infundido por Deus com a graça


santificante, pelo qual a inteligência do homem, sob o influxo da ação iluminadora
do Espírito Santo, julga retamente as coisas criadas em função do fim último
sobrenatural.

* É um hábito sobrenatural infundido por Deus com a graça santificante. – Não


se trata da ciência humana ou filosófica, nem da Teologia. Mais brevemente: é a reta
estimação da presente vida temporal ordenada para a vida eterna.

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* Pelo qual a inteligência do homem. – O dom de ciência é primariamente
especulativo, e secundariamente prático.

* Julga retamente. – Entendimento: sem emitir, porém, juízo sobre elas (“simplex
intuitus veritatis”). O dom de ciência julga retamente das coisas criadas em função do
fim último sobrenatural.

“A sabedoria e a ciência – escreve o P. Lallemant – têm algo em comum. Ambas


fazem conhecer a Deus e às criaturas. Mas quando se conhece a Deus pela criaturas e
quando nos elevamos do conhecimento das causas segundas à causa primeira e
universal, é um ato de ciência. E quando se conhecem as coisas humanas pelo gosto
que se têm de Deus e se julga dos seres criados pelos conhecimentos que se têm do
primeiro ser, é um ato de sabedoria.”

“O invisível de Deus, seu eterno poder e divindade, são conhecidos mediante as


criaturas”. (Rm 1, 20.)

2. Importância e necessidade

O dom de ciência é absolutamente necessário para que a fé possa chegar a sua plena
expansão e desenvolvimento ao dom de entendimento. Não basta apreender a verdade
revelada, é preciso que se nos dê também um instinto sobrenatural para descobrir e
julgar retamente as relações dessas verdades divinas com o mundo natural e sensível
que nos rodeia.

O dom de ciência presta, pois, inestimáveis serviços à fé, sobretudo na prática: “dedit
illi scientiam sanctorum”. ( Sb 10, 10.)

3. Efeitos

Eis aqui os principais:

1) Nos ensina a julgar retamente as coisas criadas em função de Deus. O nada das
coisas criadas, contemplado através do dom de ciência, fazia com que São Paulo as
estimasse todas como esterco, a fim de ganhar Cristo; (Fl 3, 8.) e a beleza de Deus,
refletida na beleza e fragrância das flores, obrigava São Paulo da Cruz a lhes dizer
entre transportes de amor: “calai-vos florzinhas, calai-vos...” E este mesmo sentimento
é o que dava ao Poverello de Assis aquele sublime sentido de fraternidade universal
com todas as coisas saídas das mãos de Deus: o irmão sol, o irmão lobo, a irmã flor...

2) Nos guia certeiramente acerca do que temos de crer ou não crer.

3) Nos faz ver com prontidão e certeza o estado de nossa alma: Com razão dizia
Santa Teresa que “em aposento onde entra muito sol, não há teia de aranha escondida”.

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4) Nos inspira o modo mais acertado de nos conduzir com o próximo em função
da vida eterna. – Neste sentido, o dom de ciência, em seu aspecto prático, deixa sentir
sua influência sobre a própria virtude da prudência, de cujo aperfeiçoamento direto se
encarrega – como já vimos – o dom de conselho.

6) Nos desprende das coisas da terra (o caso de Santa Teresa e as jóias).

7) Nos ensina a usar santamente as criaturas.

8) Nos enche de contrição e arrependimento de nossos erros passados.

4. Bem-aventuranças e frutos derivados

Ao dom de ciência corresponde a terceira bem- -aventurança evangélica: "Bem-


aventurados os que choram, porque eles serão consolados” (Mt 5,5).

5. Vícios contrários ao dom de ciência

Ignorância. Esta ignorância pode ser culpável e construir um verdadeiro vício contra
este dom, seja pela vã presunção, confiando demasiadamente em nossa ciência e
nossas próprias luzes, pondo com isso obstáculos aos juízos que deveríamos formar
com a luz do Espírito Santo.

O próprio Cristo nos avisa no Evangelho: “Por aquele tempo, Jesus pronunciou estas
palavras: Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas
coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos”. (Mt 11, 25)

6. Meios de fomentar este Dom

a) Considerar a vaidade das coisas terrenas.

b) Acostumar-se a relacionar a Deus todas as coisas criadas.

c) Opor-se energicamente ao espírito do mundo.

d) Ver a mão da Providência no governo do mundo e em todos os acontecimentos


prósperos ou adversos de nossa vida.

e) Preocupar-se muito com a pureza de coração: “Sou mais sensato do que os


anciãos, porque observo os vossos preceitos” ( Sl 118, 100).

VI. O dom de Entendimento

O dom de entendimento – o mesmo que o de ciência, mas em outro aspecto – é o


encarregado de aperfeiçoar a virtude teologal da fé.

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1. Natureza

O dom de entendimento é um hábito sobrenatural, infundido por Deus com a graça


santificante, pelo qual a inteligência do homem, sob a ação do Espírito Santo, se faz
apta para uma penetrante intuição das coisas reveladas e também das naturais, em
função do fim último sobrenatural.

É, simplesmente, a contemplação infusa da qual falam os místicos (Santa Teresa,


São João da Cruz, etc.), que consiste em uma simples e profunda intuição da
verdade: “simplex intuitus veritatis”.

O dom de entendimento se distingue, por sua vez, dos outros três dons intelectivos
(sabedoria, ciência e conselho) em que sua função própria é a penetração profunda
nas verdades da fé no plano da simples apreensão (ou seja, sem emitir juízo sobre
elas), enquanto que aos outros dons intelectivos corresponde o reto juízo sobre elas.
Este juízo, quando se refere às coisas divinas, pertence ao dom de sabedoria; quando
se refere às coisas criadas, é próprio do dom de ciência, e quando se trata da aplicação
aos casos concretos e singulares, corresponde ao dom de conselho.

Abarca tudo quanto pertence a Deus, ao homem e a todas as criaturas com sua
origem e seu fim.

2. Necessidade

Por muito que se exercite a fé de modo humano ou discursivo (via ascética), jamais se
poderá chegar à sua plena perfeição e desenvolvimento. Para isso é indispensável a
influência dos dons de entendimento e de ciência (via mística).

* A fé é, em si mesma, um hábito intuitivo e não discursivo.

Entende-se por fé pura – escreve sobre isto um autor contemporâneo – a adesão do


entendimento à verdade revelada, adesão fundada unicamente na autoridade de
Deus que revela.

3. Efeitos

1) Nos faz ver a substância das coisas ocultas sob os acidentes. “Lhe vejo e me vê”,
como disse ao santo Cura d’Ars aquele simples aldeão possuído pelo divino Espírito.

2) Nos desvela o sentido oculto das divinas Escrituras. – é o que realizou o Senhor
com seus discípulos de Emaús quando “lhes abriu a inteligência para que
entendessem as Escrituras” (Lc 24, 45).

3) Nos manifesta o significado misterioso das semelhanças e figuras.

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4) Nos desvela sob as aparências sensíveis as realidades espirituais. – A liturgia da
Igreja está cheia de simbolismos sublimes que escapam em sua maior parte às almas
superficiais.

5) Nos faz contemplar os efeitos contidos nas causas.

6) Nos faz ver, finalmente, as causas através dos efeitos.

São Tomás, modelo de ponderação e serenidade em tudo quanto diz, quem escreveu
estas assombrosas palavras: “Nesta mesma vida, purificado o olho do espírito pelo
dom de entendimento, pode-se ver a Deus em certo modo”.

Aqueles tiveram a felicidade inefável de que o Espírito Santo, pelo dom de


entendimento, lhes dera o verdadeiro sentido de Cristo – “Nos autem sensum Christi
habemus” (1Cor 2, 16.) –, que lhes faz ver todas as coisas através do prisma da fé:
“O justo vive da fé”. (Rm 1, 17.)

4. Bem-aventuranças e frutos que derivam deste dom

Ao dom de entendimento se refere a sexta bem-aventurança: a dos limpos de


coração. (Mt 5, 8.)

Nesta bem-aventurança, como nas demais, se indicam duas coisas: uma, a modo de
disposição ou de mérito (a limpeza do coração), e outra, a modo de prêmio (o ver a
Deus); e nos dois sentidos pertence ao dom de entendimento.

5. Vícios contrários

São Tomás dedica uma questão inteira ao estudo destes vícios. São principalmente
dois: a cegueira espiritual e o embotamento do senso espiritual. E as duas procedem
dos pecados carnais (luxúria e gula).

* a luxúria – que leva consigo uma mais forte aplicação ao carnal – produz a cegueira
espiritual, que exclui quase por completo o conhecimento e apreço dos bens
espirituais;
* a gula produz o embotamento do senso espiritual, que debilita o homem para esse
conhecimento e apreço, de maneira semelhante a um objeto agudo e pontudo – um
prego por exemplo – não pode penetrar com facilidade na parede se tiver a ponta
obtusa.

Esta cegueira da mente – falta de recolhimento interior e espírito de oração;


São cegos, porque não abrem mão dessa lâmpada que ilumina um lugar
tenebroso (2Pd 1, 19.), e muitas vezes com presunção pretendem guiar a outros
cegos (Mt 15, 14).

6. Meios de fomentar este dom

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a) Avivar a fé, com ajuda da graça ordinária (disposição para receber, com o
esforço que nos cabe).

b) Perfeita pureza de alma e corpo. - Ao dom de entendimento, como acabamos de


ver, corresponde a sexta bem-aventurança, que se refere aos “limpos de coração”.
c) Recolhimento interior. – O Espírito Santo é amigo do recolhimento e da solidão.
Somente ali fala no silêncio das almas: “As levarei à solidão e lhes falarei ao
coração”. (Os 2, 14).

d) Fidelidade à graça. – A alma deve estar sempre atenta para não negar ao Espírito
Santo qualquer sacrifício que lhe peça: “Se hoje ouvireis sua voz, não endureçais
vossos corações”. (Sl 94, 8.) “Não contristeis o Espírito Santo de Deus” (Ef 4, 30)
até poder dizer com Cristo: “Faço sempre o que é do seu agrado” (Jo 8, 29). Não
importa que os sacrifícios que nos pede muitas vezes pareçam superar as nossas forças.
Com a graça de Deus, tudo se pode – tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 13)
– e sempre nos resta o recurso à oração para pedir ao Senhor antecipadamente isto
mesmo que quer que lhe demos: “Dai-me, Senhor, o que mandas e manda-me o que
quiseres” (Santo Agostinho, Confissões 1.10 c.29). Em todo caso, para evitar
inquietações e tormentos nesta fidelidade positiva à graça, contemos sempre com o
controle e os conselhos de um sábio e experimentado diretor espiritual.

e) Invocar ao Espírito Santo, não nos esquecendo da nossa união à Maria, que
atrai o Espírito.

VII. O dom de Sabedoria

O dom encarregado de levar a sua última perfeição a virtude da caridade é o de


sabedoria.

1. Natureza

O dom de sabedoria é um hábito sobrenatural, inseparável da caridade, pelo qual


julgamos retamente de Deus e das coisas divinas por suas últimas e altíssimas causas
sob o instinto especial do Espírito Santo, que nos faz saboreá-las por certa
conaturalidade e simpatia.

Pelo qual julgamos retamente. – Nisto, entre outras coisas, se distingue do dom de
entendimento. O próprio deste último – como já vimos – é uma penetrante e profunda
intuição das verdades da fé no plano da simples apreensão, sem emitir juízo sobre elas.
O juízo é emitido por outros dons intelectivos na seguinte forma: acerca das coisas
criadas, o dom de ciência; e enquanto à aplicação concreta a nossas ações, o dom de
conselho. Enquanto supõe um juízo, o dom de sabedoria reside no entendimento como
em seu sujeito próprio; mas como o juízo, por conaturalidade com as coisas divinas,
supõe necessariamente a caridade, o dom de sabedoria tem sua raiz causal na caridade,

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que reside na vontade. Em virtude desta suprema direção da sabedoria por razões
divinas, a amargura dos atos humanos se converte em doçura, e o trabalho em
descanso.

Santa Teresa: “Oh! valha-me Deus! Quão diferente coisa é ouvir estas palavras e crer
nelas, ou entender por este modo quão verdadeiras são!”(Moradas séptimas, 1,7)).

Classes de sabedoria:

a) Sem causa, tem dela um conhecimento vulgar ou superficial (p. ex., o aldeão que
contempla um eclipse sem saber a que se deve aquilo).
b) Causas próximas, tem um conhecimento científico (p.ex., o astrônomo ante o
eclipse).

c) Últimos princípios do ser natural, possui a sabedoria filosófica, ou meramente


natural, que recebe o nome de metafísica.

d) Guiado pelas luzes da fé, possui a máxima sabedoria natural que se pode alcançar
nesta vida (a teologia), que está intimamente ligada à sobrenatural (cf. I q.1 a.6c e ad
3).

e) Guiado por instinto divino as coisas divinas e humanas por suas últimas e
altíssimas causas – ou seja, por suas razões divinas –, possui a autêntica sabedoria
sobrenatural, que é, precisamente, a que proporciona à alma o dom de sabedoria em
plena atuação: “Provai e vede o quão suave é o Senhor” (Sl 33,9).

2. Importância e necessidade

O dom de sabedoria é absolutamente necessário para que a virtude da caridade possa


se desenvolver em toda sua plenitude e perfeição.

O místico deveria ser precisamente o normal em todo cristão, e o é, de fato, em todo


cristão perfeito.

3. Efeitos

1. Dá aos santos o senso do divino, de eternidade, com que julgam todas as


coisas.

* Não chama desgraça ao que os homens costumam chamar (enfermidades,


perseguição, morte), mas unicamente ao que o é em realidade, por sê-lo diante de Deus
(o pecado, a tibieza, a infidelidade à graça).

* “De que me vale isto para a eternidade, para glorificar a Deus?”, costumava se
perguntar São Luis Gonzaga.

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2. Faz viver de um modo inteiramente divino os mistérios de nossa santa fé.

“Porque o Espírito penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus” (1Cor 2,10).

3. Faz viver em sociedade com as três divinas pessoas, mediante uma participação
inefável de sua vida trinitária.

4. Leva até o heroísmo a virtude da caridade. – É precisamente a finalidade


fundamental do dom de sabedoria. Amam a Deus com um amor puríssimo, somente
por sua bondade, sem mistura de interesse ou de motivos humanos.

Santa Teresinha do Menino Jesus: “Uma noite, não sabendo como testemunhar a
Jesus que lhe amava e quão vivos eram meus desejos de que fosse servido e
glorificado por toda parte, me sobreveio o triste pensamento de que nunca, jamais,
desde o abismo do inferno, lhe chegaria um só ato de amor. Então lhe disse que com
gosto consentiria em me ver abismada naquele lugar de tormentos e de blasfêmias
para que também ali fosse amado eternamente. Não podia lhe glorificar assim, já que
Ele não deseja senão nossa bem-aventurança: mas quando se ama, alguém se vê
forçado a dizer mil loucuras” (Historia de uma alma c. 5 n.23; 3a ed., Burgos 1950).

É o triunfo definitivo da graça, com a morte total do próprio egoísmo.

No aspecto que concerne ao próximo, a caridade chega, paralelamente, a uma


perfeição sublime através do dom de sabedoria. Veem a Cristo nos pobres, nos que
sofrem, no coração de todos os irmãos..., e correm para lhe ajudar com a alma cheia de
amor.

O egoísmo pessoal com relação ao próximo morreu inteiramente.

5. Proporciona a todas as virtudes o último rasgo de perfeição e acabamento. – É


uma consequência do efeito anterior. Modalidade deiforme.

4. bem-aventuranças e frutos que dele derivam

São Tomás, seguindo Santo Agostinho, atribui ao dom de sabedoria a sétima bem-
aventurança: Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”
(Mt 5, 9.).

* Enquanto ao mérito (“os pacíficos”), porque a paz não é outra coisas senão “a
tranquilidade da ordem”; e estabelecer a ordem (para com Deus, para com nós mesmos
e para com o próximo) pertence precisamente à sabedoria.

* E enquanto ao prêmio (“serão chamados filhos de Deus”), porque precisamente


somos filhos adotivos de Deus por nossa participação e semelhança com o Filho
unigênito do Pai, que é a Sabedoria eterna. Enquanto aos frutos do Espírito Santo,

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pertencem ao dom de sabedoria, através da caridade, principalmente estes três: a
caridade, o gozo espiritual e a paz.

5. Vícios opostos

* estultícia ou necedade espiritual, que consiste em certo embotamento do juízo e do


senso espiritual que nos impede de discernir ou julgar as coisas de Deus segundo o
próprio Deus pelo contato, gosto ou conaturalidade, que é o próprio do dom de
sabedoria. Mais lamentável ainda é a fatuidade, que leva consigo a incapacidade total
para julgar as coisas divinas. Logo, a estultícia se opõe ao dom de sabedoria como
coisa contrária; a fatuidade, como a pura negação.

São Paulo: “O homem animal não compreende as coisas do Espírito de Deus” (1Cor 3,
14).

6. Meios de fomentar este dom

a) Nos esforçarmos em ver todas as coisas desde o ponto de vista de Deus.

b) Combater a sabedoria do mundo, que é estultícia e necedade ante Deus. – A


frase é de São Paulo. (1Cor 3, 19.) O mundo chama de Sábios aos néscios ante Deus.
(1Cor 1, 25).

Queremos realmente conhecer se somos do número de Sábios ou néscios?


Examinemos nossos gostos e desgostos, seja ante Deus e as coisas divinas, seja entre
as criaturas e coisas terrenas.

Há três classes de sabedoria reprovadas nas Sagradas Escrituras, (Tg 3, 15) que
são outras tantas loucuras verdadeiras: a terrena, que não gosta mais do que das
riquezas; a animal, que não apetece mais do que os prazeres do corpo e a diabólica,
que põe seu fim em sua própria excelência.

E há uma loucura que é verdadeira sabedoria ante Deus: amar a pobreza, o


desprezo de si mesmo, as cruzes, as perseguições, o ser louco segundo o mundo.

c) Não se afeiçoar em demasia às coisas deste mundo, mesmo que sejam boas e
honestas.

d) Não apegar-se aos consolos espirituais, mas passar a Deus através deles.

Deve-se estar pronto e disposto a servir a Deus na obscuridade, assim como na luz, na
secura assim como nos consolos, na aridez e nos deleites espirituais. Deve-se buscar
diretamente a Deus nos consolos e não os consolos de Deus.

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Fonte: MARÍN, Fr. A. R. – El Gran desconocido (El Espíritu Santo y sus dones), VI
ed., BAC, Madrid, 1987.

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