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SÓ O CAPETA LINGUARÁ
CAIXA PRETA (SASKIA, BERNARDO OLIVEIRA, 2022), ESCASSO (GABRIELA GAIA MEIRELLES, CLARA
ANASTÁCIA, 2022), AS LAVADEIRAS DO RIO ACARAÚ TRANSFORMAM A EMBARCAÇÃO EM NAVE DE
CONDUÇÃO (KULUMYM-AÇU, 2021), TENHO RECEIO DE TEORIAS QUE NÃO DANÇAM (GAU SARAIVA,
2021)
JULIANO GOMES
samba gospel da Pastora Ana Lúcia que encerra o antiensaio de Saskia e Bernardo.
A noção de racialidade liberal-conservadora direitinha que vigora nos setores uni-
versitários de classe média no Brasil – um antirracismo fofo de butique – não terá
instrumentos pra lidar com esta pletora de signos que é um braço do revolucionário
projeto Ciranda do Gatilho – que inclui também Negro Léo (autor do fonograma
Mulato, que encerra Escasso). A constância da tela em negro nos lembra que esse
retângulo é, via de regra, uma caixa, preta. E o filme trata de ocupá-lo de diferen-
tes maneiras constantemente: grafismos, efeitos, arquivos, pinturas, resoluções
variadas, letreiros e ruído. Mais transborda do que aborda. Caixa é também nome
de um instrumento crucial nas sonoridades amefricanas. Caixa é também cabeça,
meu coco, é também pulmão, torácica, é espaço vazio (tema da epígrafe do filme),
platô de preenchimentos mil – “o oxigênio está me matando”, diria a Voz em Vaga
Carne, psicografada por Grace Passô. A imagem negra aqui é, acima de tudo, múlti-
pla, contraditória, rasurada, pois entende-se que o que funda o racismo é a ideia de
propriedade. Portanto, mergulhemos no piche do impróprio. “Piorou”, diria Tantão
– outro linguará citado e excitado neste magma. Para tal lúdico voo no abismo, tudo
é apropriado, tudo é, afinal, impróprio, sem direitos de imagem, mas sim devires
e deveres. Deveres éticos de fazer de uma estética constantemente variante a
forma de uma inquietação driblante, perigosa, que enxerga ponte entre o terreiro e
o culto, entre a estereotipia beiçuda e a mais lírica melodia. Caixa-preta como toda
grande teoria gosta de problema, alimenta-se deles, não desvia, se lambuza, bebe
violência e expele graça.
Afinal, o trabalho das con-danadas da terra – fio que une este grupo de trabalhos
– é essencialmente um expediente de transmutação que faz da expressão seu treino
e sua nascente. O labor trans-secular das práticas de sociabilidade não tuteladas
se especializou e aguçou a produção de línguas como forma básica de ser e estar.
Portanto, hoje, mais do que inovar estratégias de agitar os linguajares, já é hora de
olhar o patrimônio onipresente e invisível de táticas rueiras de investigação expres-
siva. E o que esses filmes dizem e desdizem é que essa matéria viva e duracional,
vivida, mora aqui, na beira do rio, na casa tomada, no fio desencapado, parado na
esquina, na gira da vigília, justamente no vazio disfarçado da caixa, esperando que
alguém dê um toque e reative o que mora em todo lugar.
10 A 20 DE NOVEMBRO
13 SESSÃO DE ABERTURA
59 SESSÕES ESPECIAIS
CARLA ITALIANO, DANIEL RIBEIRO e JÚNIA TORRES
87 O ponto na imagem
JEAN-LOUIS COMOLLI
125 ÁRTICO/AMAZÔNIA
NINA VINCENT IANNES
160 PRETO-ALVO-PRETO-IMAGEM-PRETA-CÂMERA-PRETA-TINTA
O Pantanal é preto (Raylson Chaves, 2022) e
Primo da Cruz (Alexis Zelensky, 2022)
LORENNA ROCHA
220 Índices
222 Créditos