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A arte sempre foi um meio de viajar entre mundos, com

esse pensamento em mente eu comecei a criar, a desenhar,


e minha e a minha primeira forma de criação se deu através
de criaturas, seres mágicos, monstros, para além do que a
realidade nos permite.

Nessa primeira obra eu apresento um monstro, recorri ao nanquim


puro, sem diluições, para ter apenas o preto no branco.
Gostaria de destacar aqui as hachuras, que executam o papel de
sombra e destacam as feições da garota, e o contorno em branco,
que não são linhas brancas propriamente ditas, e sim a ausência do
preto.
Neste momento reflito sobre a obra do artista japonês Junji Ito, pois
foi somente após ver as criaturas dele, tão bem destacadas na
dicotomia do preto e do branco, que eu decidi me utilizar do nankin
e das hachuras em meu trabalho.

Sigo utilizando o nanquim puro, valorizando as linhas e o contorno,


e aqui eu gostaria de destacar as hachuras e os pontilhismos que
ainda se fazem presentes em minha obra, mas também destaco o
foco central, nos olhos da garota, que assume um papel de
protagonista em primeiro plano, escapando dessa moldura invisível
que sustenta a paisagem atrás dela.
No momento dessa obra, eu me vi instigada pelo trabalho da Frida
Khalo, não no estilo, mas a olhar para dentro, refletir sobre mim
mesma, sobre meu mundo, sobre o meu trabalho. A garota ao
centro, com tantos detalhes e coisas acontecendo atrás dela, surgiu
da necessidade de me expressar, e rever o que eu estava fazendo
até o momento.

E então 2020 aconteceu, e com ele o deslocamento do mundo.


Um deslocamento do mundo extremamente significativo para
todos, um deslocamento de um mundo social para um mundo
introvertido, individual, de um mundo físico para um mundo virtual,
de um mundo afetivo para um mundo de inseguranças.
Em 2020 o meu mundo se deslocou por completo do papel para a
ilustração digital.
Em um primeiro momento, na ilustração digital, o desenho se
mostra quase imperceptível, dando palco para a pintura. Mas as
linhas, o contorno, ainda assumem papel de extrema importância
aqui, são elas que ditam o tom do trabalho final, elas que
comandam o desenho, eu não consigo visualizar como executar a
pintura sem antes ver o contorno pronto.
Eu gostaria de destacar alguns detalhes que o suporte digital me
permite executar, sem a necessidade constante de estar me
preocupando se a tinta está acabando, se eu preciso ou não
comprar um pincel específico. Aqui as possibilidades de cores e
materiais são infinitas.
Pensando sobre a relação entre o desenho e a pintura na
ilustração digital, o meu trabalho passa a ser fortemente
influenciado pela obra do Frank Cho, um quadrinista estadunidense
que, ao meu ver, trabalha com maestria a dinâmica entre a linha e a
cor.

E foi olhando para o trabalho dele que minha atenção se voltou


para personagens da cultura pop, passando por mais um
deslocamento de mundo, me voltando para a cultura que eu
consumo, algo exterior, não mais criaturas e seres que só
habitavam a minha mente, mas algo comum.
Passei a fazer releituras dessas personagens, transmitindo o meu
olhar sobre elas, trazendo-as para uma realidade mais próxima da
minha, ou levando meu traço para uma realidade mais próxima
delas.
Nessa obra eu destaco alguns acessórios que a personagem não
possui originalmente, mas eu atribuí a ela no intuito de aproximar
ela do meu mundo, no exercício de imaginar como ela seria em
determinados contextos da minha realidade.
E na pesquisa de recriar personagens já existentes, em contextos
do meu mundo, eu me deparei com trabalho do Gabriel Picolo, que
executa justamente essa ideia de pegar personagens consagrados
das histórias em quadrinhos, e coloca-los em situações cotidianas,
comuns da maioria dos jovens.

Me apropriando da ideia de dar uma nova roupagem as


personagens, eu me voltei para o mundo da moda.
Nessa obra por exemplo, eu destaco a maquiagem e os acessórios
que eu atribuo a personagem, pois estes estão em alta no
momento. Principalmente entre a comunidade jovem da internet.
Mas essa ideia de buscar referencias no mundo da moda já era
algo que eu havia encontrado antes de executar, no trabalho do
Hirohiko Araki, consagrado artista japonês que sempre se debruçou
sobre a moda na hora de criar, e hoje eu me vejo fazendo o mesmo,
rolando o feed do instagram para ver quais são as últimas
tendências na hora de recriar algum personagem.

2020 foi um ano de deslocamento de mundo, foi um ano em que


conhecemos outra realidade, mas o deslocamento do mundo
proporcionado pela arte não é algo novo a arte sempre foi uma
janela para uma outra realidade, um outro tempo. Mas dessa vez
até a arte teve de se deslocar das galerias para portais online, e
sites.
Neste ano de pandemia e isolamento é a arte que tem sustentado
a humanidade no deslocamento do mundo que nos foi imposto, pois
seriamos incapazes de passar por tudo isto sem poder olhar por
uma janela e viajar, nem que sejam por alguns segundos, através
de uma foto, um desenho ou uma música.
Em 2020 o meu deslocamento de mundo ocorreu para o mundo
digital, e eu encontrei nele, na ilustração digital, a minha paixão, a
minha vocação, e é através dela que eu pretendo seguir a minha
jornada como artista daqui em diante.

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