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A LEI DE TERRAS DE 1850


E A REAFIRMAÇÃO DO PODER BÁSICO
DO ESTADO SOBRE A TERRA
José Luiz Cavalcante

I. Introdução A terra, nessa nova perspectiva, deveria


transformar-se em uma valiosa mercadoria,
século XIX inicia-se marcado pelas capaz de gerar lucro, tanto por seu caráter

O
transformações do sistema capitalista mundial,
que aos poucos deixava de se basear numa
economia comercial e avançava para uma
economia industrial. Esse processo vai apresentar
específico quanto por sua capacidade de gerar
outros bens. Procurava-se atribuir à terra um
caráter mais comercial e não apenas um status
social, como era característico da economia
modificações no cenário das relações dos engenhos do Brasil colonial.
socioeconômicas em vários países, trazendo Esse assunto no Brasil seria alvo de
novas práticas para a obtenção de lucros. inúmeros debates, pois o país havia herdado
As nações industrializadas, como a do período colonial uma situação
Inglaterra e a França, buscavam matérias- extremamente confusa sobre a questão da
primas, fonte de energia para suas indústrias terra, o que acarretaria a criação da Lei 601
e mercado consumidor para seus produtos de 1850, a chamada Lei de Terra de 1850.
fabricados. A expansão dos mercados e o Na primeira metade do século XIX, a
desenvolvimento do capitalismo resultaram presença de industrialização ainda era um
em alterações nas relações políticas e pouco tímida, e a economia brasileira baseava-
econômicas dos países industrializados, pois se num sistema agrário arcaico, dependente
estes começaram a impor aos países pobres da exportação de um produto primário, o café,
condições para se adequarem ao sistema. e baseado no trabalho escravo. O tráfico
Podemos tomar como exemplo as pressões negreiro, devido às pressões internacionais
feitas pela Inglaterra para o fim do contrárias a esta prática, estava vivendo seu
monopólio comercial que alguns países fim gradativo; até que, em 1850, a Lei Eusébio
possuíam em suas colônias. de Queirós aboliu definitivamente o tráfico
Nesse sentido, várias discussões geradas do cenário nacional. Tornava-se necessário,
pelas modificações econômicas e comerciais então, pensar na substituição do trabalho
entraram na pauta mundial. Entre elas, a escravo. Este seria um dos argumentos
questão da terra. Segundo Emilia Viotti da utilizados nos debates que girariam em
Costa, as transformações na economia torno das novas formas de distribuição da
mundial provocaram uma reavaliação da terra no Brasil.
política da terra, e em diferentes países foram Portanto, havia uma necessidade de
decretadas leis em torno desta questão. No ordenação jurídica, pois era necessário
século XIX, a terra passou a ser incorporada à revalidar as concessões de sesmaria e legitimar
economia comercial, mudando a relação do a posse, prática que crescia desordenada no
proprietário com este bem. final período colonial. Junto dessas
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preocupações havia uma outra, conseqüente controle da distribuição de terra, fato que
da escassez do braço escravo. motivou inúmeros debates. O primeiro
Apesar de não serem primordiais, as personagem a levantar esse questionamento
polêmicas sobre as mudanças na forma da foi José Bonifácio de Andrada e Silva.
aquisição da terra e a substituição da mão-de- Bonifácio foi um dos primeiros a apresentar
obra escrava estarão relacionadas nas um projeto para revalidação das concessões
formulações das políticas sobre a terra, pelo de sesmaria e para a regularização das posses.
menos no Brasil, pois de ambas dependiam o Segundo ele, não era possível apenas terminar
desenvolvimento econômico. com o regime de sesmarias, sem antes criar
políticas para normalizar as terras.
II. Formulações de políticas em torno da terra Em 1821, José Bonifácio considerava
fundamental uma nova legislação sobre a
Quando se iniciou a ocupação em sesmaria. Afirmava que as terras concedidas
território brasileiro, umas das medidas por sesmaria, mas não cultivadas, deveriam
tomadas para distribuição de terra foi a adoção retornar ao patrimônio nacional, deixando-
do regime de sesmaria, que perdurou por todo se aos donos meia légua quadrada, quando
o período colonial. No final do século XVIII, muito, sob a condição de logo cultivá-las.
disseminava a aquisição da terra por posse. Defendia também a regularização das terras
A origem do posseiro remonta-se ao adquiridas por posse dizendo que seus donos
início do período colonial, porém sua maior deveriam perdê-las caso não as cultivassem
representatividade será no século XVIII. No dentro de um prazo fixo determinado, com
entanto foi durante o período que vai de exceção dos terrenos cultivados com mais de
“1822 até 1850, [que] a posse se tornou a 400 braças para estender a sua cultura. Além
única forma de aquisição de domínio sobre disso, incluía uma política de venda de terras
as terras, ainda que apenas de fato, e é por e a proibição de novas doações, a não ser em
isso que na história da apropriação territorial caso específicos. Em seu projeto, José Bonifácio
esse período ficou conhecido como a ‘fase propunha também beneficiar os europeus
áurea do posseiro”.1 pobres, os índios, os mulatos e os negros forros.
As concessões de sesmarias eram feitas, Porém esse projeto jamais saiu do papel.
devendo os sesmeiros cumprir determinadas As propostas de José Bonifácio feriam
obrigações; entre elas a de comprometer-se a claramente os interesses dos sesmeiros ou grandes
cultivar a terra. Entretanto, muitos sesmeiros posseiros, pois os obrigavam a cultivar as suas
não cumpriram com esse acordo, e esse respectivas terras, bem como os proibiam de
precedente possibilitou o surgimento do adquirir novas extensões através da tradicional
posseiro, que passou a ocupar e a cultivar as política de doação ou apropriação de terras.
terras improdutivas. Tratava-se de um projeto de intervenção pública
Num primeiro momento, o posseiro, na distribuição de terras e, portanto, limitava o
na figura do pequeno lavrador, surgia como poder dos senhores e possuidores de terras, que
uma grande ameaça ao regime de sesmaria. estariam submetidos aos interesses mais gerais
Todavia, ao longo dos anos, este passou a se da coroa. Suas propostas não foram levadas
figurar no grande fazendeiro, fazendo assim adiante, porque Bonifácio teve de se afastar da
com que muitos sesmeiros assumissem o política junto com todos os integrantes do
papel de posseiros. partido brasileiro.
Para organização política do país, essa Somente com a resolução de 17 de
situação gerou um caos, pois se perdia o julho de 1822 é suspensa a concessão de

1
GARCIA, Paulo. Terras Devolutas, apud SILVA, p. 81.
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sesmarias pelo então príncipe regente D. Em 1835, quando Feijó foi eleito o
Pedro. Nesse momento, o posseiro passa a ter único regente, as questões sobre as terras
uma importância social, pois a resolução o ficaram em segundo plano, devido às diversas
reconhecia como parte integrante no conturbações sociais: revolta dos Cabanos
desenvolvimento da agricultura, e muitos (Pará), dos Balaios (Maranhão) e agitações da
viam no regime de sesmaria o responsável pela Praieira (Pernambuco).
miséria e pelo atraso da agricultura do país. Ainda assim, algumas medidas foram
Não se permitiam novas concessões de colocadas em prática. Em 1838, a Câmara
sesmaria, nem se admitiam as novas posses, indicou uma comissão encarregada de fazer
porém reconheciam aquelas ocorridas antes um levantamento das terras devolutas. Em
da resolução. julho de 1842, o Governo Imperial solicitou
Apesar da resolução, os problemas à Seção dos Negócios do Império do Conselho
relacionados ao controle da aquisição de terras de Estado que formulasse modificações e
não foram resolvidos, pois novas concessões critérios para a obtenção de terras no Brasil.
continuavam a ser efetuadas e o número de A proposta visava regularizar as concessões de
posseiros crescia sem controle algum. sesmaria e a política de colonização.
Passados sete anos da criação do projeto Os autores do projeto de lei – Bernardo
de Bonifácio, surgia no cenário outro Pereira de Vasconcelos e José Cesário de
personagem, Padre Diogo Feijó, responsável Miranda Ribeiro – juntaram as duas
por outro projeto sobre a questão da terra. questões. O principal objetivo desse projeto
Com sua proposta pretendia democratizar o era promover a imigração de trabalhadores
acesso à terra e também lidar com a questão pobres, em razão da insuficiência de
da defesa do direito de propriedade, para que trabalho escravo. Visava também proibir
fosse possível deter ou pelo menos minimizar novas concessões de terras bem como
os efeitos da concentração fundiária. reconhecia todas as posses tomadas depois
Feijó pretendia legitimar as posses dos da resolução de 1822.
sesmeiros, porém era necessário que estes as Apresentado em 1843 para apreciação
detivessem por período superior a dez anos e dos deputados do império, com algumas
estas não apresentassem contradição com a modificações, o projeto apresentava o
apresentação do título valioso (comprimento seguinte:
da medição e demarcação a área a ter sido
cultivada). Os sesmeiros estavam obrigados a 1) Regularização da propriedade
aproveitar suas terras, ou vendê-las, caso não territorial:
as cultivassem dentro de um prazo de cinco - Revalidar as sesmarias caídas em
anos. No projeto de Feijó, o parcelamento das comisso (ou seja, que não cumpriram
terras devia basear-se na unidade familiar; em as condições de doação);
outras palavras, era a consolidação de - Legitimar as posses de período
pequenas unidades familiares, que superior a um ano e um dia e que não
aumentavam à medida que crescia o número ultrapassem meia légua quadrada no
de seus componentes, incluindo aí os escravos. terreno de cultura e duas léguas nos
Os que se beneficiaram com o projeto de Feijó campos de criação;
eram todos cidadãos emancipados. - Registrar e demarcar as posses num
Os projetos de Bonifácio e Feijó visavam prazo de seis meses. Após esse prazo,
estimular a imigração. A preocupação de ambos aplicar multa e se, após seis anos, não
era conter os abusos de sesmeiros e dos grandes tivessem sido demarcadas nem
posseiros, que incorporavam extensas glebas de registradas seriam incorporadas ao
terras, mas não as cultivavam. Estado.
4
2) Atribuições do Estado: cativos para o centro-sul do país, onde a
- Imposto territorial anual, cultivados economia efervescia, gerando um tráfico
ou não; interprovincial.
- Taxa de revalidação das sesmarias e O fim do tráfico permitiu a existência
legitimação das posses; de investimentos em outras atividades
- Promoção pelo governo imperial da econômicas (bancos, ferrovias, etc.),
venda de terras devolutas, em porções contribuindo para a adaptação da sociedade
nunca inferiores a um ¼ de légua brasileira às exigências capitalismo. Portanto
quadrada, e reserva de terras para era necessário que o escravo deixasse de ser
colonização indígena e construção uma mercadoria rentável e que a terra
naval; assumisse esse papel o mais breve possível.
- Proibição de novas concessões de A substituição do trabalho escravo pelo
sesmaria, somente terras na faixa de 30 trabalho livre deveria ser realizada de forma
léguas da fronteiras; gradativa, porém a grande preocupação era a
- Proibição de novas posses. respeito de quem financiaria a vinda de
3) Colonização Estrangeira: trabalhadores imigrantes para assumir as
lavouras. Entre tantas discussões, levantou-se
- Os recursos assim como os impostos a possibilidade de que a venda de terras
arrecadados nas vendas de terras propiciaria subsídios para custear a aquisição
serviriam para financiar a vinda de de mão-de-obra.
“colonos livres”.2 A Lei de Terra de 1850 teve seu
diferencial em alguns aspectos em relação ao
Esse projeto foi aprovado na Câmara, projeto apresentando em 1843, apesar de
apesar de contrariar alguns deputados, pois não ainda apresentar dois de seus grandes
foi aplicado, ficando esquecido durante sete anos, problemas: a regularização territorial e a
enquanto o gabinete ministerial esteve nas mãos imigração. A partir da criação dessa lei, a terra
dos liberais. Somente quando os conservadores só poderia ser adquirida através da compra,
assumem novamente é que são retomadas essas não sendo permitidas novas concessões de
discussões, que seriam embrionárias para sesmaria, tampouco a ocupação por posse,
promulgação da Lei 601, de 1850. com exceção das terras localizadas a dez léguas
do limite do território. Seria permitida a venda
III. A Lei de terra de 1850 de todas as terras devolutas. Eram
consideradas terras devolutas todas aquelas
O ano da criação da Lei de Terra que não estavam sob os cuidados do poder
coincide com o da Lei Eusébio de Queirós, público em todas as suas instâncias
que determinava a proibição do tráfico de (nacional, provincial ou municipal) e
escravos em território brasileiro. É importante aquelas que não pertenciam a nenhum
destacar que essa lei não causou impacto particular, sejam estas concedidas por
imediato na disponibilidade da mão-de-obra sesmarias ou ocupadas por posse.
cativa, pois entre 1840 e 1850 entraram no No período colonial, o termo “terra
país cerca 500.000 escravos,3 e as culturas devoluta” era empregado para designar a terra
tradicionais (cana-de-açúcar, algodão e tabaco) cujo concessionário não cumpria as condições
da região norte do país viviam seu momento impostas para sua utilização, o que ocasionava
de decadência, ocasionando a liberação de seus a sua devolução para quem a concedeu: a

2
Op. cit., pp. 97-98.
3
Ibidem, p. 123.
5
Coroa. Com tempo, esse termo passou a ter para a fundação de povoamentos, para
o significado de vago. aberturas de estradas, para a fundação de
Esses dois significados são confundidos estabelecimentos públicos e para a construção
na lei, pois todas as terras não ocupadas ou naval. Tratava-se de um aparato para assegurar
não cultivadas (condição do concessionário) o controle da terra pelo poder público.
deveriam ser tratadas como terras devolutas e, Em pouco mais de vinte artigos, a Lei
portanto, pertencentes ao patrimônio nacional. de Terra de 1850 tentou corrigir os erros
No caso da posse seriam regularizadas cometidos pelo Brasil durante o período
todas as terras cultivadas ou com algum colonial (nas concessões de sesmarias) e início
princípio de cultura e que constituíssem a da independência até sua promulgação (o
morada habitual do posseiro. Era também crescimento do número de posseiros) e, dentro
necessário demarcar e medir suas terras, em das possibilidades, promover a imigração a fim
prazo a ser fixado. No caso de não de substituir o trabalho escravo. A Lei de Terra
cumprimento dessas determinações, a de 1850 é significativa no que se refere à
legitimação da posse não seria efetuada. O ocupação da terra no Brasil, pois a partir dela
posseiro apenas recebia o título da posse, a terra deixou de ser apenas um privilégio e
porém não se tornava o proprietário. Se passou a ser encarada como uma mercadoria
houvesse posses localizadas no interior ou nas capaz de gerar lucros.
limitações de alguma sesmaria, seria
reconhecido como proprietário aquele que IV. O regulamento de 1854
realizou as benfeitorias.
A lei não só proibia a posse como Após quatro anos de sua
também declarava que “os simples roçados, promulgação, a Lei de Terra seria
queimas de mato ou campos, levantamento regulamentada e executada através do
de ranchos ou outros atos de semelhante decreto 1318, de 30 de janeiro de 1854.
natureza” não eram considerados como tal.4 O regulamento determinava que a
No que diz respeito à imigração, a lei partir de um prazo a ser fixado todos os
determinava a permissão de venda de terras possuidores deveriam registrar suas terras. Para
aos estrangeiros e, caso houvesse interesse, realizar esse registro deveria procurar a
estes poderiam se naturalizar. Mas, como se paróquia onde se localizavam suas terras.
sabe, as terras eram vendidas por um preço Utilizando-se dos registros paroquiais
relativamente alto, dificultando a aquisição de terra – a Igreja era vista como um meio de
por parte dos colonos. divulgação, pois estava presente nas diferentes
Antes da promulgação da Lei de Terras, localidades do país –, o proprietário era
os lotes eram cedidos gratuitamente aos obrigado a registrar sua terra: “os vigários
colonos, que se instalavam por conta própria, paroquiais eram responsáveis de receber as
por conta do governo ou por conta das declarações com duas cópias, possuindo, o
companhias de colonização. Após essa lei, em nome da terra possuída; designação da
regra, o governo cedia gratuitamente as terras freguesia em que está situada; o nome
às companhias, que por sua vez as revendiam particular da situação, se o tiver; sua extensão
aos imigrantes em condições lucrativas. 5 se for conhecida e seus limites”.6
Estabelece ainda ao Estado o direito de Para sistematizar e organizar a posse das
reservar terras para a colonização indígena, terras públicas, o governo imperial criou a

4
Art. 6º.
5
Op. cit., p. 189.
6
Ver MOTTA, p. 161.
6
Repartição Geral das Terras Públicas – órgão foram um fracasso. Poucas sesmarias foram
responsável por dirigir a medição, dividir e revalidadas ou posses foram legitimadas,
descrever as terras devolutas e prover sua conforme exigia lei. O governo imperial
conservação. Essa repartição era subordinada abandonou a inspeção de terras públicas em
ao Ministério da Agricultura do Império. O 1878, depois de ter realizado pouquíssimo
regulamento também determinava a criação para impor a lei.
de um órgão responsável para tais realizações Vale ressaltar que a Lei de Terra é mais
nas províncias. um processo de discussão dos vários grupos
Nas províncias, cria-se o cargo de juiz políticos que davam sustentação ao Império,
comissário de medição e a Repartição Especial e seu resultado em momento algum teve o
das Terras Públicas. O juiz comissário era objetivo em interferir nos interesses dessa elite
nomeado pelo presidente da província e não política e econômica, constituída em grande
tinha o direito de recusar o cargo; pois, se isso parte por fazendeiros. A terra continuou a ser
ocorresse, poderia ser multado. A repartição adquirida sem o controle do Estado, sob a
especial era constituída pelo Diretor-geral proteção de documentos forjados. Apenas
(nomeado por decreto imperial), pelo Fiscal- após a Proclamação da República é que a Lei
tesoureiro, pelos oficiais, pelos amanuenses e de Terra foi revista.
pelos porteiros-arquivistas. Também cabia à Somente a província de São Pedro, do
repartição criar os distritos de medição, Rio Grande do Sul (RS), apresentou mais
compostos pelo Inspetor-geral das medições informações sobre o serviço de terra (pelo
(nomeado pelo governo imperial sob proposta menos em documentos apresentados).
do Diretor-geral), pelos escreventes, pelos Acredita-se que o ocorrido deve-se ao fato
desenhistas e pelos agrimensores. desta ter sido a região mais procurada por
As atribuições do juiz comissário eram parte do imigrante, fazendo com que os
autorizar as medições e as demarcações das possuidores de terra providenciassem a sua
terras já registradas nas paróquias. Os juízes regularização imediata, a fim de efetuarem
só poderiam realizar esse serviço caso este fosse prováveis negócios. A diferença entre São
requisitado pelo ocupante da terra. Após a Paulo e Rio Grande do Sul é que neste
requisição, o juiz a transmitia à repartição houve uma imigração formada por
especial que executaria o serviço. Pouco se fez pequenos núcleos (pequena propriedade) e,
em relação às medições e às demarcações, pois, naquele, a chamada imigração particular foi
como dependiam dos particulares para executar mais intensa.
o serviço, a procura não ocorria com vigor. No decorrer desse processo, mostrou-
A Repartição Geral de Terras Públicas se que o trabalho do imigrante não substituiu
e as repartições especiais nas províncias foram por completo o trabalho do escravo e essa
extintas em 1861, quando foi criado o substituição só ocorreria de fato no final do
Ministério de Agricultura, Comércio e Obras. século XIX e início do XX. Pelo contrário,
Em 1874, cria-se uma comissão do tornou-se mais intenso o tráfico interno de
Registro Geral e de Estatística das Terras indivíduos provenientes das regiões da
Públicas, que pouco realizou e logo foi extinta. agricultura decadente, sobretudo do
Somente em 1876, é criada a Inspetoria de Nordeste, que vieram para as regiões sul e
Terras e Colonização, que perdurou até o final sudeste. A região sudeste, devido às grandes
do Império. fazendas de café, que eram responsáveis pelo
De acordo com Thomas H. Holloway,7 crescimento econômico do país, recebeu
a Lei de 1850 e sua regulamentação em 1854 grande parte desses escravos. Além disso, a

7
HOLLOWAY, p. 173.
7
província de São Paulo foi a única capaz de províncias dependiam dos cofres do Império
financiar a contratação de mão-de-obra para esse fim.
estrangeira por conta própria, pois a Sendo assim, podemos concluir que a
concentração da produção cafeeira havia lhe Lei de Terras só fez reafirmar e estimular a
dado um grande impulso; enquanto as outras tradição latifundiária brasileira.

BIBLIOGRAFIA

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