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DESIGUALDADE DE GÊNERO E TRABALHO NA AGRICULTURA

FAMILIAR: ENTRAVES E POSSIBILIDADES

Victor Hugo de Santana Agapito

Resumo: A modernização da produção agrícola brasileira tem trazido contigo diversas


alterações substanciais nas relações de trabalho no campo, bem como a construção de um
novo paradigma que vai muito além dos próprios sistemas produtivos. Por outro lado, as
discussões de gênero, mesmo que advindas de muito tempo atrás, têm ganhado cada vez mais
força levantando novas indagações e, por consequências, ansiando também novas respostas.
Nesse sentido, a mulher camponesa tem, em decorrência dessas transformações, ocupado um
novo lugar no que tange às relações de trabalho e ao seu meio social, especialmente no âmbito
da agricultura familiar. Assim, se questiona: em que aspectos se encontram as particularidades
do papel da mulher dentro na constituição da sociedade produtiva do campo e como se deu
essa construção a partir das modificações recorrentes? A partir disso, o presente artigo tem
por objetivo, por meio principalmente de revisão bibliográfica e pesquisa documental, analisar
as peculiaridades do paradigma atual da mulher camponesa a partir do seu lugar, propondo,
primeiramente, uma teorização concisa sobre a construção histórica das formas de trabalho e
as relações de produção no meio rural; bem como também uma discussão acerca do
protagonismo do trabalho feminino através da história da formação do campesinato brasileiro
e sua e; por fim, analisar no que consistem essas mudanças e quais seus reflexos e resultados,
fazendo um apanhado contextual da situação da mulher trabalhadora rural frente as
dificuldade decorrentes das questões de gênero e de classe ainda enfrentadas nos dias de hoje.
Palavras-chaves: Agricultura; desigualdade de gênero; trabalho rural; sujeitos sociais;
emancipação.

INTRODUÇÃO

Sabe-se que, em toda sua história, que o Brasil foi marcado pela sua má distribuição
de terras, tendo sua origem no sistema de capitanias hereditárias, transitando pela divisão em
sesmarias que vigorou até poucos meses antes da proclamação de independência. Após 28
anos da extinção de sesmarias o país teve a sua primeira lei sobre terras editada e sancionada
pelo Imperador. Nesse contexto, mesmo com sua amplitude, a “Lei de Terras”, como
conhecida até hoje, não teve seu maior problema resolvido, a sua distribuição.

Com a promulgação do Código Civil de 1916, o trabalhador rural, conhecido como


foreiro, residia e trabalhava na terra, de onde tirava todo o seu sustento e de sua família, onde
passou a ser denominado como “pequeno produtor”, que em meados dos anos 90 passou a ser
conhecido no meio acadêmico como “agricultura familiar”.

Dentro do amplo contexto econômico e jurídico, este estudo discute a “cegueira” em


relação à desigualdade de gênero no meio rural revelando que a mulher não tem seu labor na
agricultura reconhecido, e tão pouco valorizado, padecendo com diferentes discriminações.
Isso é muito bem demonstrado na centralidade das narrativas masculinas, onde exalta-se o
trabalho masculino, ignorando, a contribuição feminina quando a mesma pode executar
trabalhos leves e pesados com zelo.

Contextualizaremos como a problemática de gênero que acaba por fomentar de


maneira velada a desigualdade e a participação feminina no meio rural, não reconhecendo
suas múltiplas atividades desenvolvidas, sendo ela sujeito ativo em seu meio. Dessa forma,
reconhece assim a invisibilidade da mulher agricultora, não tendo seu trabalho reconhecido,
mesmo realizando atividades relevantes a mesma é vista como “ajudante”, ignorando assim
que em diversas formas as mulheres estão presentes no desenvolvimento do país.

Nas ultimas décadas os movimentos feministas têm crescentes ganhos na busca de


direitos iguais aos do homem, com diversas reivindicações no campo, obteve o
reconhecimento da ausência de espaço no âmbito rural. Observa-se que mesmo com a
implementação de políticas com aberturas de credito rural para mulheres não teve um grande
resultado pelo desconhecimento das agencias bancarias, agricultoras ou até mesmo o governo.

Dessa forma, com o não reconhecimento do trabalho da mulher camponesa, o que se


percebe é uma dificuldade em se romper a estrutura patriarcal sendo desenvolvidos pelas
instituições públicas modelos que acabam por priorizar o homem com fácil acesso a créditos e
aquisições de equipamentos, nos levando a crer que ele é o principal individuo no
desenvolvimento das atividades rurais.

1 DO LATIFÚNDIO À AGRICULTURA FAMILIAR COMO ALTERNATIVA DE


PRODUÇÃO

Para se falar de agricultura familiar é necessário, antes de tudo, que se faça uma
contextualização histórica no que diz respeito à distribuição de terras no Brasil. A história
fundiária brasileira é marcada por grandes propriedades rurais e pela má distribuição de terras.
A origem da concentração de terras no país se deu, primeiramente, através do sistema de
capitanias hereditárias e, posteriormente, pela divisão destas em sesmarias, ainda no Século
XVI. Nas palavras de STÉDILE:

A primeira forma de distribuição da terra foi o sistema de capitanias hereditárias,


pelo qual a Coroa destinava grandes extensões de terra a donatários, que eram
sempre membros da nobreza portuguesa ou prestadores de serviço à Coroa. Em
troca de favores e tributos, eles recebiam essas concessões, obrigando-se a explorá-
las e, sobretudo, á protegê-las, tendo ainda o direito de deixar para seus herdeiros
essas terras. Os donatários tinham o direito de repartir e distribuir parcelas de sua
capitania, que eram chamadas de sesmarias entregues aqueles que, além de interesse,
apresentassem recursos para explorá-las. Isso implicava produzir gêneros
comercializáveis, gerando tributos e, consequentemente lucros para a Coroa. (1997,
p.14).

No que se refere à produção nas sesmarias, essa se caracterizava pela monocultura


(de cana-de açúcar e posteriormente, também de café), pelo trabalho escravo e pelo mercado
exportador (MORISSAWA, 2001). Segundo Holanda (1976), em virtude da necessidade de se
exportar a produção agrícola para a Europa, os primeiros latifúndios se localizavam no litoral,
de modo que este fato marcou o desenvolvimento do Brasil, através do povoamento do
território brasileiro de forma irregular. O período sesmarial encerrou-se no início do Século
XIX, quando, pela Resolução de 17 de julho de 1822, o regime de sesmarias foi extinto. A
partir de então, deixou de existir regulamentação a respeito da aquisição de terras no país, de
modo que a única maneira de se “adquirir” 1 terras passou a ser a posse. Desta forma, o
número de posseiros cresceu bastante, iniciando-se o regime de posses. Neste sentido, enuncia
Lima:

Apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las tornou-se cousa corrente entre nossos


colonizadores, e tais proporções esta prática atingiu que pode, com o correr dos
anos, vir a ser considerada como modo legítimo de aquisição do domínio,
paralelamente a princípio, e, após, em substituição ao nosso tão desvirtuado regime
de Sesmarias. Os dois processos chegaram a ter-se por equivalentes. Depois da
abolição das Sesmarias – então a posse passou a campear livremente […]. Era a
ocupação, tomando do lugar das concessões do Poder Publico, e era, igualmente o
triunfo do colono humilde […]. (LIMA, 1990, p. 51)

Em 1850, foi promulgada a Lei nº 601 Euzébio de Queiroz, mais conhecida como
Lei de Terras, que previa a regularização das sesmarias (exceto as que haviam caído em
comisso), a legitimação das posses ocorridas entre 1822 e o ano de promulgação da referida
Lei e a demarcação de terras devolutas. Desta forma, a partir de 1850, após a regularização
das propriedades anteriormente citadas, passou-se a ter, como única forma de obtenção de
terras no Brasil, o pagamento por estas à Coroa portuguesa. Desta forma, segundo Silva
(1996), qualquer terra brasileira que não tenha como marco inicial de propriedade a
regularização/regulamentação promovida pela Lei de Terras ou a obtenção da Coroa
portuguesa, é passível de desapropriação. É possível concluir, portanto, que a Lei de 1850
consolidou o latifúndio no cenário agrário brasileiro.

No mesmo sentido, foi promulgado o Código Civil de 1916, no qual foi


regulamentado o aforamento/enfiteuse. Este instituto previa que o proprietário de terra

1
O termo está entre aspas em virtude da impossibilidade de se regulamentar a propriedade através da posse, nos
moldes da legislação vigente (SILVA, 1997).
poderia ceder todos os direitos sobre essa a terceiro que lhe pagasse foro 2. Tendo em vista que
a aquisição de terras era inacessível ao trabalhador do campo, tornou-se comum o exercício
do instituto do aforamento no cenário agrário. O foreiro (trabalhador rural que cultivava a
terra mediante pagamento do foro ao latifundiário) trabalhava e residia na terra, de forma que
desta vinha todo o seu sustento e de sua família. Contudo, om o advento do capitalismo no
campo, na década de 1930, muito camponeses foreiros passaram a ser expulsos da terra para
ceder espaço à produção demandada pelo capitalismo. Nas palavras de Elide Rugai Bastos:

Como já assinalado, um dos marcos principais do desenvolvimento do capitalismo


no campo é a crescente subordinação da terra ao capital, o que provoca fenômenos
aparentemente diversos, mas indicativos de um único processo: expulsão de foreiros,
cujas terras são ocupadas pela produção capitalista; destituição do “morador” das
condições que lhe permitem a produção de seus meios de vida; a extinção de
contratos de parceria; submissão da produção do pequeno proprietário. (BASTOS,
1984, p. 10)

Nesse contexto, o camponês, detentor do minifúndio, passa a constituir força


opositora ao latifúndio (SCHNEIDER, 2003) e ao próprio capitalismo (BASTOS, 1984). Na
década de 1970, os camponeses minifundiários passaram a ser denominados “pequenos
produtores”, em uma tentativa de dissociá-los da politização presente no termo “camponês” –
em virtude da multiplicação de movimentos de resistência conhecidos como “ligas
camponeses”, que atuaram em meados no Século XX. “Pequeno produtor” trazia, então, uma
conotação de pertencimento do camponês ao cenário de capitalismo no campo (SCHNEIDER,
2003). Os estudos do camponês/pequenos produtores no meio acadêmico culminaram na
utilização do termo “agricultura familiar”, em meados da década de 1990.

Do mesmo modo, corrobora MATTEI (2014) que é justamente esta forma de


produção que se encontra em evidência atualmente no meio rural brasileiro, ao agregar
famílias, propriedades agrícolas, trabalho na terra, ao mesmo tempo em que se cultuam
valores e tradições. Isto tudo conforma uma grande diversidade econômica, social e cultural
que dinamiza os processos sociais rurais. Os agricultores familiares são, portanto, os foreiros,
os camponeses, os pequenos agricultores. Para o ordenamento jurídico, de acordo com a Lei
Federal n. 11.326/2006:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor


familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo,
simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
2
Nas palavras de Elide Rugai Bastos, em seu livro “As ligas camponesas” (1984), foro seria “o pagamento da
renda da terra, que é feito em dinheiro”. Em outras palavras, o foro seria o pagamento em dinheiro, ao
proprietário da terra, pelo direito de cultivá-la.
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas


vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas


do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder
Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011)

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

§ 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de


condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração
ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.

§ 2º São também beneficiários desta Lei:

I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata


o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o
manejo sustentável daqueles ambientes;

II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata


o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha
(dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a
exploração se efetivar em tanques-rede;

III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos
II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio
rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;

IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I,


II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente.

V - povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos


incisos II, III e IV do caput do art. 3º ; (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011)

VI - integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos


e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II, III e IV do
caput do art. 3º . (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011) (BRASIL, 2006).

Neste contexto, pode-se afirmar que a agricultura familiar é aquela exercida em


pequenas propriedades, com mão de obra de membros de uma família e por esta regida, e de
onde venha a maior parte do sustento deste núcleo familiar. Tem caráter de subsistência, que
coexiste com a agricultura voltada para a produção capitalista e, por mais que o produto de
ambas possa ser, ao fim, mercantilizado, os sistemas de produção e seus princípios são
diferentes (FRIEDMANN, 1978 apud SCHNEIDER, 2003). Embora possua as características
anteriormente elencadas, a agricultura familiar tem importante papel na produção agrícola
nacional, conforme dados do Ministério da Agricultura (2019), uma vez que, conforme
o Censo Agropecuário de 2017, levantamento feito em mais de 5 milhões de propriedades
rurais de todo o Brasil, aponta que 77% dos estabelecimentos agrícolas do país foram
classificados como da agricultura familiar. Em extensão de área, a agricultura familiar
ocupava no período da pesquisa 80,9 milhões de hectares, o que representa 23% da área total
dos estabelecimentos agropecuários brasileiros.

De acordo com o levantamento, a agricultura familiar empregava mais de 10 milhões


de pessoas em setembro de 2017, o que representa 67% do total de pessoas ocupadas na
agropecuária. A agricultura familiar também foi responsável por 23% do valor total da
produção dos estabelecimentos agropecuários. Dessa forma, apesar de ser indispensável à
sociedade, a agricultura familiar enfrenta grandes e históricos desafios, como a concentração
fundiária, a monocultura demandada pelo capitalismo e a consequente pobreza no campo.
Neste mesmo sentido, entende MATTEI (2014) que nesta trajetória histórica o espaço rural
brasileiro, apesar de diverso e heterogêneo, continuou sendo fortemente marcado por uma
estrutura fundiária desigual e injusta, com tendência histórica à concentração da propriedade
da terra, que provoca exclusão social e pobreza estrutural, constituindo-se em forte empecilho
ao desenvolvimento rural.

Além disso, esse espaço continua sendo marcado também por uma agricultura
patronal que reproduz no país um modelo embasado na monocultura e que gera degradação
ambiental, exploração do trabalho agrícola, exclusão social e concentração da renda. No
mais, mesmo com os desafios, segundo o Ministério da Agricultura (2019), a “agricultura
familiar é a principal responsável pela produção dos alimentos que são disponibilizados para o
consumo da população brasileira”. Desta forma, conforme se percebe, embora precise resistir
aos efeitos da agricultura capitalista no campo, a agricultura familiar não apenas subsiste,
como exerce papel indispensável na sociedade.

2 A DESIGUALDADE DE GENERO NO MEIO RURAL NOS TEMPOS PRESENTES

A desigualdade de gênero é um problema que assola a sociedade brasileira em todos


os seus recortes, e não seria diferente no meio rural, onde, ainda nos tempos presentes, a
desigualdade social se expressa principalmente no percebimento de uma hierarquia do ser, ter
e estar entre homens e mulheres. De tal forma que a presença da desvalorização, exploração e
opressão feminina é irrefutável (BUARQUE, 2015) e se mostra como o cerne da questão, que
acaba por desencadear outra série de dilemas e violências sofridas por estas, sempre em
estado de subordinação. Isso é muito bem constatado quando, ao se observar o labor de
mulheres agriculturas, por exemplo, o com que se depara é o pouco reconhecimento dessas
atividades como “trabalho” em si, visto que a visão predominante é que se trata apenas de
trabalhos domésticos ou de atividades complementares ao trabalho masculino:
Diversos estudos que examinaram a divisão do trabalho por sexo na agricultura
permitem concluir que as mulheres (e, de um modo geral, também as crianças e os
jovens) ocupam uma posição subordinada e seu trabalho geralmente aparece como
'ajuda', mesmo quando elas trabalham tanto quanto os homens ou executam as
mesmas atividades que eles. (BRUMER; PAULILO, 2004, p. 210)

Acontece que a própria concepção de trabalho é definida de maneira pouco objetiva:


os estudos que discutem essas ideias geralmente têm como critério de sua divisão a separação
entre os espaços onde tais tarefas são desempenhadas e a moradia do indivíduo, onde a ênfase
é dada principalmente ao é que feito na composição do processo produtivo, deixando de lado,
pelo menos por hora, a relação entre trabalho doméstico e profissional (HIRATA, 2002).
Contudo, para a autora, é de extrema importância a análise da temática tendo como critério a
divisão do trabalho, a fim de que não se caia no vício de deslegitimar o trabalho doméstico
como “trabalho” em si.

Outro aspecto muito presente como justificativa ao se determinar os papéis de gênero


frente ao trabalho no campo é o das características físicas: o que faz com que, por serem
responsáveis pelos afazeres domésticos, as mulheres sejam vistas perante a sociedade como
frágeis e de contribuição pouco importante ao meio em que vivem, enquanto os homens são
destinados à lavoura e à agricultura em grande escada. Dessa forma, apesar de ser um estigma
predominante, é passível de controvérsias, como bem pontuam Brumer e Paulilo (2004), ao
dizerem que, ainda assim a mulher pode executar tanto trabalhos leves quanto pesados,
podendo atuar na colheita de produtos agrícolas, carregando seus filhos e é responsável, em
diversas culturas, pelo abastecimento manual de água da comunidade.

E é nesse sentido que as mulheres, enfrentando dificuldades em decorrência da não


inserção da sua força de trabalho no processo de produção da agricultura patronal, vê no
desenvolvimento de um outro modelo de produção, o da agricultura familiar, uma estratégia
de sobrevivência (BUARQUE, 2005), que vem a ser alimentado principalmente pela força de
trabalho feminina e infantil. Esse modelo tem, inicialmente, uma concepção bastante genérica
(WANDERLEY, 1997:4), pois a relação entre propriedade e trabalho pode adquirir formas
sociais muito variadas. É um modelo que goza de autonomia econômica, refletida na
capacidade de prover a subsistência do grupo familiar atendendo suas necessidades básicas
imediatas e a reprodução de culturas familiares através das gerações.

Acontece que, ainda dentro desse modelo, genuinamente variável e determinado de


acordo com circunstâncias regionais, geográficas, sociais, dentre outras, as relações desiguais
de gênero continuam presentes, sempre desvalorizando as tarefas executadas por mulheres e
inviabilizando seu protagonismo frente ao trabalho. Neste tipo de agricultura, a divisão
laboral é marcada pela atividade produtora na roça e o trabalho doméstico em casa, ou
também com base em quatro elementos (CARNEIRO, 1981; HEREDIA 1979): a roça,
ambiente predominantemente masculino; a casa 3, local onde a mulher desempenha grande
parte dos seus papéis sociais; a criação, onde o exercício do poder é dividido entre ambos o
sexos, ficando o homem responsável pelo gado e a mulher pelos animais de pequeno porte
(GARCIA JR, 1989); e o quintal que carece de esclarecimento e objetividade quanto à divisão
das atividades respectivas. Dessa maneira, ficando o homem principal responsável pelo
desenvolvimento da agricultura e a mulher ocupando um local secundário de participação, o
resultado é a invisibilidade, nos termos de Carneiro (1981), “socialmente construída e
intimamente relacionada com sua organização”, de modo que o fato de a mulher não ter o
poder do estabelecimento agrícola torna desconsiderável o reconhecimento de sua
participação no processo produtivo (BRUMER, 1990).

Por outro lado, essa falta de reconhecimento do trabalho feminino na agricultura


familiar não é inerente somente aos homens, mas também às próprias mulheres, que através
de um processo de socialização incisivo conjecturam um habitus permanente onde os homens
por vezes até reconhecem a participação feminina na produção agricola, mas sempre em
segundo plano, em face da sua pouca permanência no espaço de produção e do tipo de papel
que cumpre, reforçando sempre as relações desiguais de gênero, como também completa
Sabbato e Melo:

A ideologia patriarcal que reconhece a supremacia dos homens na sociedade ainda é


uma forte marca no meio rural [...]. As mulheres trabalham pesado nas roças, hortas
e quintais, mas essas tarefas são caracterizadas como complementares e vistas
apenas como uma ajuda para a família – os estereótipos que caracterizam o lugar
inferior da mulher na sociedade ainda marcam fortemente as mulheres rurais
(MELO; SABBATO, 2009, p. 113).

Os estudos de Herédia e Cintrão, (2006), a partir de análise feita no ano de 2002,


também mostram claramente que o trabalho da mulher é muito visto como mera “ajuda” e
sem reconhecimento, inclusive pelas próprias mulheres que o realizam:

As mulheres representavam 72% das pessoas ocupadas em atividades de produção


voltadas para o consumo, um peso significativo. [...] o que é uma indicação
adicional de que o trabalho da mulher nas atividades de consumo (em geral
relacionadas ao “quintal”) é visto como uma extensão do trabalho doméstico,
3
Segundo Bruschini e Rosemberg (1982), no primeiro são executadas no dia a dia todas as tarefas que permitem
ao trabalhador descasar e repor suas energias para um novo dia de produção, enquanto o segundo diz respeito às
atividades referentes à manutenção e a formação do trabalhador, bem como suas gerações conseguintes, onde se
encontram a gravidez, o parto, a proteção e socialização dos filhos, dentre outros. BRUSCHINI, Cristina e
ROSEMBERG, Flúvia. Trabalhadoras do Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982.
reforçando a invisibilidade que cerca a percepção sobre o papel feminino na
agricultura familiar. A não auto identificação das mulheres como trabalhadoras na
agricultura pode estar também se refletindo no fato das mulheres representarem
apenas 33% do total da população ocupada na agricultura, número 15% inferior ao
peso das mulheres na população rural (48% em 2002), indicando que uma parcela
das mulheres rurais pode não ter se declarado como ocupada na agricultura,
provavelmente por não considerar suas atividades como “trabalho” (HEREDIA;
CINTRÃO, 2006, p.5)

Entretanto, mesmo diante de um quadro estagnado de desigualdade social


relacionado diretamente às questões de gênero no campo, é perceptível que a discussão vem
estando cada vez mais presente nesse âmbito. Isso é visto, por exemplo, no engajamento cada
vez maior de mulheres camponesas se mobilizando para tomarem decisões sobre as próprias
vidas e tendo posicionamentos que se contrapõem cada vez mais à estrutura patriarcal
predominante (BUARQUE, 2005). Além do mais, essas mulheres têm cada vez mais rompido
com forças de opressão que determinavam a direção de suas existências, historicamente
pautadas pela tradição ou pelo anseio de manutenção estrutural daquela sociedade em que
estão inseridas, de tal modo que o seu posicionamento subalternizado, naquele modelo de
comunidade, se mostrava necessário para um estado ao menos contraditório de felicidade e
bem estar social coletivo.

Diante dessa situação, outro fator passa a merecer atenção: se trata do fenômeno de
masculinização do meio rural e a grande mobilidade de mulheres aos centros urbanos, o que
acaba, de alguma maneira, também inviabilizando a ocupação de espaços no campo por estas,
em decorrência de outros fatores que, num primeiro momento pode surgir como um indício de
empoderamento e emancipação social, mas que revela outras estratégias familiares de
reprodução familiar (ANJOS, BRUMER, 2008), que reforçam o poder do patriarcado no que
diz respeito, principalmente à matéria de sucessão da propriedade familiar, formação
educacional e profissional de futuras gerações em segmentos não agrícolas, bem como o
próprio intuito de impedir que mulheres ocupem espaços.

Desse modo, é notório que as mulheres não receberam reconhecimento no passado,


como trabalhadoras, em decorrência das suas atividades produtivas não se inserirem dentro do
ciclo de produção em massa e se reservarem quando não aos limites domésticos, somente à
agricultura familiar e tendem, também, a não serem reconhecidas no presente e no futuro, uma
vez que as próprias transformações sociais que protagonizam e que num primeiro momento se
apresentam como benéficas acabam por serem apropriadas pela estrutura social de forte viés
patriarcal em que são inseridas servirem para desencadear um outro tipo de exclusão.
Assim, Buarque (2005) também constata que mesmo com a presença de políticas
públicas e movimentações em prol da valorização da mulher no meio rural nos últimos anos,
esta, mesmo que desempenhando os mesmos papéis masculinos, é menos reconhecida, menos
valorizada, menos remunerada e ainda tem seus proventos sujeitos ao domínio do patriarca da
família. Por consequência, gozando de menos conforto, menos autonomia, menos chances de
ascensão social, participação na vida política, bem como demais direitos ditos fundamentais e
que não deveriam depender de questões relacionadas ao gênero.

3 EMANCIPAÇÃO E REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO MEIO RURAL: O


PRONAF – MULHER E SUA EFETIVIDADE

Diante da problemática apresentada, muitas são as saídas possíveis. No que tange à


responsabilidade do poder público na propositura de alternativas, há de se mencionar a
apresentação de modelos de políticas públicas voltadas às mulheres camponesas com o
objetivo substancial de promover a emancipação e a independência dessas pessoas no
contexto produtivo em que estão inseridas. Entre tais iniciativas é possível citar, a título de
exemplo, o Programa para o Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
(Polonordeste) (FONTE, 1996), entre outras muitas, cujas características principais são de
assistenciais, socioeconômicas e participativas (DEMO, 2003), entretanto, podem ser também
preventivas, compensatórias e redistributivas (SANTOS, 1998).

Dentre todas, a da qual se valerá a análise se trata das políticas compensatórias, que
em síntese são promovidas para tentar reparar a falta de aplicabilidade ou ineficácia de
políticas preventivas anteriores e, como objeto de exemplo desta, é possível trazer à luz o
Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, cujo principal
objetivo é fomentar a agricultura familiar, que hoje figuram mais de 75% dos
estabelecimentos agrícolas brasileiros e têm renda média mensal de R$ 1783,00. Entretanto,
quando planejado, não houve nenhuma incorporação de pautas de gênero nas suas diretrizes, o
que resultou numa totalidade de 93% e contemplados apenas do sexo masculino (AMB,
2000), o que acabou por evidenciar outra demanda por parte não só da população mas
também por parte do próprio programa, a fim de alcançar seus objetivos iniciais. Em caráter
expositivo, as normas atualmente vigentes sobre a possibilidade de contemplação pelo Pronaf,
conforme Lei da Agricultura Familiar n° 11.326 de 2006 versam:

a) explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário,


comodatário, parceiro, concessionário do Programa Nacional de Reforma Agrária
(PNRA), ou permissionário de áreas públicas; b) residam no estabelecimento ou em
local próximo, considerando as características geográficas regionais; c) não
detenham, a qualquer título, área superior a 4 (quatro) módulos fiscais , contíguos ou
não, quantificados conforme a legislação em vigor; d) obtenham, no mínimo, 50%
da renda bruta familiar da exploração agropecuária e não agropecuária do
estabelecimento; e) tenham o trabalho familiar como predominante na exploração do
estabelecimento [...]; f) tenham obtido renda bruta familiar nos últimos 12 meses de
produção normal, que antecedem a solicitação da DAP3 , de até R$360.000,00
(trezentos e sessenta mil reais), considerando neste limite a soma de 100% (cem por
cento) do Valor Bruto de Produção (VBP), 100% do valor da receita recebida de
entidade integradora e das demais rendas provenientes de atividades desenvolvidas
no estabelecimento e fora dele, recebida por qualquer componente familiar,
excluídos os benefícios sociais e os proventos previdenciários decorrentes de
atividades rurais; [...] (BRASIL, 2006).

Nesse mesmo sentido, a falta de um recorte de gênero em programas de fomento à


produção no meio rural não é uma especificidade brasileira, mas muito comum na América
Latina, onde não se percebe uma preocupação real na inclusão e integração de mulheres nesse
processo de produção e, ainda que certos textos normativos prevejam essa possibilidade,
muito pouco de fato é trazido aos termos práticos:

[...] em nível internacional, governamental e não-governamental, há um aparente


acordo com o enfoque às mulheres e ao desenvolvimento [...] Isto não significa,
necessariamente, que o gênero tenha sido incorporado satisfatoriamente na ampla
variedade de disciplinas de planejamento preocupadas com a vida das comunidades
pobres dos países do Terceiro Mundo [...] minha experiência pessoal [...] tem me
levado a convicção de que as mulheres estarão sempre marginalizadas da teoria e da
prática do planejamento, a menos que as preocupações teóricas feministas sejam
adequadamente incorporadas dentro de um marco de planejamento de gênero,
reconhecido como um enfoque específico de planejamento em si mesmo. (MOSER,
1991, p. 58-59).

Nesse sentido, a desigualdade de gênero acaba por ser fomentada de maneira velada,
a partir de ferramentas bastante sutis que, quando não impedem, dificultam a participação
feminina. Além do mais, se tratando do Pronaf, a falta de um recorte específico de gênero não
faz vista, igualmente, à existência da trabalhadora, mulher, no meio rural, sua contribuição da
produção familiar e também o entendimento desta como um membro ativo desse modelo
social e de produção, destinando a ela, no final das contas, sempre o ambiente doméstico,
afazeres relacionados à manutenção da casa e o cuidado com os filhos, distanciando sua
existência da condição de atores sociais autônomos (LOBO-SOUZA, 1991). Contudo, não há
de se falar em impedimento explícito à participação feminina no programa, o que ocorre, de
fato, é realmente uma inércia, como se este não estivesse atento às diversas particularidades
do ambiente rural no que tange às questões de gênero e, agindo de maneira inerte, acabou por
negligenciá-las.

Por conseguinte, em decorrência de diversas reivindicações de movimentos


feministas do campo, o Programa de Ações Afirmativas do ministério do Desenvolvimento
Agrário reconheceu esse déficit de acessibilidade feminina ao Pronaf e instituiu a Portaria n°
121 de 2001 que estabeleceu a cota de 30% de participação feminina no Pronaf
(FERNANDES, 2013; BUTTO, 2005). O referido dispositivo propôs o reconhecimento de
que a falta de espaço e acesso para mulheres em relação ao crédito à terra e à educação era o
motivo basilar do fomento à desigualdade de gênero e à exclusão social no meio rural.
Segundo a redação do texto normativo, apenas 12% das mulheres eram titulares de terras e
que o acesso ao crédito não excedia os 10% (FERNANDES, 2013), e que, por fim, essas
mulheres, em situação marginal dentro da contemplação do programa acabavam por ter
acesso a somente 29,4% da renda que era obtida pelos homens, ainda que desempenhassem os
mesmos papéis na prática.

No entanto, apesar de a portaria garantir nos seus artigos 1° e 2° 30% dos recursos
relativos às linhas de crédito do Pronaf e demais ações preferencialmente a mulheres
agricultoras, e no seu artigo 3° recomendar inclusive a criação de uma linha de crédito rural
exclusiva para mulheres, a mesma portaria não apresentou nenhum mecanismo que visasse
garantir a efetivação dessas diretrizes e a verdadeira participação feminina, visto que não
houve acompanhamento de orientações específicas e nem levados em consideração obstáculos
particulares enfrentados por essas beneficiárias. Tendo, por fim, segundo Melo (2003),
mantendo a participação feminina no programa ainda abaixo da casa dos 10% até as
mudanças trazidas pelo governo do Presidente Lula, a partir de 2003 (FERNANDES, 2013;
BUTTO, 2005).

O Pronaf Mulher foi criado no Plano Safra 2003/2004 (SILVA, 2019), onde
inicialmente não falava de uma linha de crédito especificamente para mulheres, mas sim de
uma espécie de sobreteto de 50% ao valor total destinado previamente ao Pronaf visando
investimentos às famílias agricultoras com enquadramento nos requisitos vigentes. Os
obstáculos deparados eram os de que, a falta de documentação pessoal ou que versavam à
titularidade da terra acabavam por inviabilizar o acesso à linha de crédito. Além disso, o fato
de estar ligada ao crédito do marido fazia com que muitas das vezes o valor da dívida da
família excedesse o limite possível, levando em consideração a recorrência de
desconhecimento desta dívida. Outro fator de impedimento é o de que a DAP, que era o
instrumento de operação do crédito Pronaf, não via necessidade do registro do cônjuge como
segundo titular do crédito, o que acabava direcionando os investimentos apenas ao homem, já
que este era tido perante o programa como o “chefe” da família, cerceando a autonomia
feminina na gestão do recurso e na participação das diretrizes do estabelecimento agrícola.
Já no Plano Safra 2004/2005 o Pronaf Mulher passou a figurar como uma segunda
operação de crédito na família (SILVA, 2019). Ou seja, independentemente do crédito que já
poderia ter sido acessado pelo homem, a mulher agricultora agora poderia também fazer uma
outra solicitação de modo que não interferisse no seu alcance. Contudo, ainda assim, Filipak
et. al (2012) constataram que a participação feminina não obteve o resultado esperado: o
motivo verificado foi o de que, na maioria dos casos, nem o governo, nem as agricultoras,
nem os responsáveis pelas agências bancárias não tinham conhecimento desta referida cota de
participação, ocorrendo, por consequência, sua não aplicação, negligenciando mais uma mês
toda a problemática em torno da desigualdade de gênero no meio rural.

Já Silva et al. (2016) observaram que o acesso ao Pronaf por mulheres entre os anos
de 2013 e 2015 foi de 28,14% do total de contratos, o que enseja em apenas 15,8% do total de
recursos. Nesse tocante, mesmo que o primeiro número se aproxime da meta previamente
estipulada, 30%, a proporção quando se trata de recursos é bastante inferior. Outra informação
que deve ser trazida à pauta é a de que a média dos valores contratados por agricultores gira
em torno da metade do que é contratado por homens, isso ocorre, segundo os autores, em
consequência da grande desvalorização do trabalho feminino e a secudarização de sua
participação no processo de produção quando colocadas diante das atividades desempenhadas
pelos homens. Sendo assim, após décadas de atividade do Pronaf Mulher, o que se percebe é
que houve um engajamento um pouco maior por parte de mulheres agricultoras (SILVA,
2019), especialmente nas regiões Sul e Nordeste do Brasil verificando positivamente a
potencialidade do programa, ainda que não tenha sido explorado nas suas possibilidades
máximas e completamente efetivas.

Destarte, conforme muito bem observado por Melo (2003), ainda que os resultados
não sejam totalmente os esperados e haja uma desigual participação feminina em relação aos
homens no Pronaf, as experiências relatadas pelas beneficiárias era de ineditismo e satisfação,
principalmente por finalmente serem reconhecidas como agricultoras e sujeitos protagonistas
na produção agrícola. No entanto, houve relatos de que em alguns casos o processo de
decisão, seja de se recorrer à linha de crédito, seja na maneira de geri-lo, teve participação do
homem, como um concessor da oportunidade de acessar o crédito à mulher. Esse mesmo
comportamento também foi observado por Filipak et al (2012 apud SILVA, 2019), onde em
assentamentos rurais de São Paulo e do Paraná, a decisão partiu do homem, reforçando sua
autoridade perante o núcleo familiar e a mulher acabou desempenhando um mero papel
mediador no processo.
Diante dessa situação, o diagnóstico majoritário é o de alguns fatores limitadores do
programa: déficit de assistência e uma dificuldade enorme de se romper com a estrutura
patriarcal que ainda vigora no meio rural brasileiro, que acaba por designar a figura feminina
ao ambiente doméstico e à atividade reprodutiva (SANTOS 2019). Nas palavras de Santos
(SANTOS apud SILVA, 2019), o processo emancipatório feminino no campo só ocorrerá
quando houver o rompimento dessa estrutura, muito arraigada nas heranças tradicionais e
após tanto essas políticas quanto a atuação do poder público seja repensada de modo a
considerar tamanhas particularidades, abrindo espaço amplo para uma atuação dialógica com
essas pessoas, de forma que consigam se entender como sujeitos de direito, entender suas
demandas, suas necessidades e, de maneira articulada e concisa, consigam pleiteá-las perante
a sociedade garantindo seu legítimo espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das analises deste estudo, conclui-se que as mulheres culturalmente por
serem associadas como “fracas” e somente ao trabalho domestico, nãos sendo esse
considerado produtivo, foram durantes séculos excluídas de sua autonomia econômica, um
componente de grande importância para sua liberdade. Mesmo com as mudanças na sociedade
possibilitando a inserção feminina na comunidade, sendo ela através da escolarização ou
trabalho fora do ambiente domestico há ainda uma grande desigualdade relacionado ao
gênero, as mulheres camponesas ainda tem menos conforto, percebem salários menores e
sofrem restrições em sua capacitação.

O estudo das questões de gênero no âmbito rural é de grande importância, pois


demonstra que permanecem ocultas da sociedade as atividades produtivas femininas, em
consequência a hierarquização do trabalho dentro do seio familiar, sendo o homem
responsável pelos negócios e a mulher secundaria na participação dos proventos ao lar, vinda
da relação da desigualdade de gênero. Para que a mulher consiga sua independência o
processo ocorrera quando houve a ruptura enraizada das heranças patriarcais de nossa
sociedade como um todo. Havendo uma grande necessidade do empoderamento feminino,
capacitando e explorando a produção agrícola destas.

De modo que é essencial que o Estado ajude essas mulheres a transformar suas
condições de desigualdade, possibilitando assim as condições de autonomia pessoal rompendo
a dependência tradicional de subordinação ao homem seja ele pai, companheiro, irmão, tios
entre outros. Além do mais, para confrontar essa desigualdade, o recorte de gênero necessita
ser incluído nas políticas publicas, é fundamental que o Estado projete uma ação
governamental com o objetivo de fortalecimento das mulheres, ampliando a cidadania e a
democracia, para uma atuação no combate a desigualdade existente entre os gêneros de
maneira eficaz, reconhecendo assim, as diversas experiências que compõem como classe,
geração, sexualidade e raça.

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