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NAZARETH WANDERLEY

Este livro contém um balanço dos


MARIA DE NAZARETH BAUDEL WANDERLEY estudos rurais brasileiros desde os
anos 1960. Ele contempla o debate
em torno de cinco temáticas: a agri-
cultura e a acumulação do capital;
Trata-se de uma obra de balanço bibliográfico da a subordinação do trabalho e a re-
produção acadêmica dos temas rurais brasileiros nas sistência dos trabalhadores rurais;
últimas décadas. Nesse percurso, a autora descreve a concentração fundiária e as lutas
o ambiente intelectual em que as principais reflexões pela terra; o campesinato e a agri-
cultura familiar; o mundo rural no
ocorreram, como centros de pesquisa, estudos, asso-
Brasil moderno. São olhares plurais
ciações e encontros acadêmicos existentes em vá- e complementares sobre processos
rios momentos dos períodos históricos tratados. Ao sociais, quase sempre simultâneos,
privilegiar o recorte temático e não o cronológico, a marcados pela diversidade e pela

Um saber necessário
obra adquire uma relevância específica, posto que os complexidade e em constante mu-
tação. Espera-se que esta obra pos-
temas não surgem abstratamente, mas estão inseri-
sa estimular as jovens gerações de
dos nos contextos históricos da acumulação do capi- pesquisadores a situar nos grandes
Maria de Nazareth Baudel Wan-
derley é doutora em sociologia pela
tal e da estruturação das relações sociais no campo. debates suas próprias questões de
Universidade de Paris X–Nanterre, A forma didática e clara da exposição alia-se aos ri- pesquisa.
França. Foi professora da Unicamp gores do conteúdo analítico. Sem sombra de dúvida,
até 1997, quando se aposentou. É um saber necessário aos estudiosos do campo e da
coordenadora do Laboratório de Es-
cidade, aos integrantes de movimentos sociais e aos
tudos Rurais do Nordeste, grupo de

Um saber necessário
pesquisa vinculado ao Programa de que almejam um mundo sem injustiças sociais.
Pós-Graduação em Sociologia, da Maria Aparecida de Moraes Silva
Universidade Federal de Pernambu-
co (UFPE) e inscrito no Diretório dos
Grupos de Pesquisa do CNPq. Pu-
os estudos rurais no Brasil
blicou, entre outros, O mundo rural
como um espaço de vida (Editora
da UFRGS, 2009). Em 2011, recebeu
o prêmio Florestan Fernandes, con-
cedido pela Sociedade Brasileira de
Sociologia.

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Um saber necessário

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universidade estadual de campinas

Reitor
Fernando Ferreira Costa

Coordenador Geral da Universidade


Edgar Salvadori De Decca

Conselho Editorial
Presidente
Paulo Franchetti
Alcir Pécora – Christiano Lyra Filho
José A. R. Gontijo – José Roberto Zan
Marcelo Knobel – Marco Antonio Zago
Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara

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maria de nazareth baudel wanderley

um saber necessário
os estudos rurais no brasil

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo


sistema de bibliotecas da unicamp
diretoria de tratamento da informação

W183s Wanderley, Maria de Nazareth Baudel. 1939-


Um saber necessário: os estudos rurais no Brasil/ Maria de Nazareth Baudel
Wanderley. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2011.

1. Sociologia rural. 2. Desenvolvimento rural – Aspectos sociais. 3. Movi­


mentos sociais rurais. 4. Agricultura familiar. I. Título.

cdd 301.35
338.1
e-isbn 978-85-268-1156-0

Índices para catálogo sistemático:

1. Sociologia rural 301.35


2. Desenvolvimento rural – Aspectos sociais 301.35
3. Movi­mentos sociais rurais 301.35
4. Agricultura familiar 338.1

Copyright © by Maria de Nazareth Baudel Wanderley


Copyright © 2011 by Editora da Unicamp

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Dedico este livro a Abdias e Marina,
meus amores essenciais.

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Sumário

Prefácio .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

i Agricultura e acumulação de capital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23


A consolidação de um novo paradigma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
A modernização da agricultura e a dominação do capital . . . . . . . 28

ii A subordinação do trabalho e a resistência dos


trabalhadores rurais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
A modernização incompleta.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Os trabalhadores rurais na cena política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

iIi A concentração fundiária e as lutas pela terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63


A “perversa aliança” entre capital e propriedade
fundiária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
As lutas pela terra e os assentamentos rurais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

iV Por uma outra agricultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75


Subordinação versus autonomia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
O agricultor familiar, um ator social do mundo rural
contemporâneo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

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V O mundo rural no Brasil moderno: espaços de diversidade.. . . . . 1 05
Que rural? Que rurais? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 07
Pobreza rural e as políticas sociais para vencê-la . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 12
Desenvolvimento rural sustentável.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 18

Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

Referências bibliográficas .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 35

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Prefácio

Há pouco mais de 40 anos, em 1970, era publicado o primeiro


artigo de Nazareth Wanderley — “Mudanças e tensões sociais no
meio rural de Pernambuco”, na Série Agricultura dos Cadernos
do Con­depe, em Recife, sua cidade natal, onde (poucos sabem) ela
se formou em direito, e de onde sairia anos mais tarde para a
con­tinuação de seus estudos na Universidade de Paris-Nanterre,
na qual foi aluna de Henri Mendras e Marcel Jollivet, consti­
tuindo desde então um fortíssimo vínculo com a tradição da so­
ciologia francesa. De volta ao Brasil, após três anos de trabalho
na Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural,
co­meça sua carreira acadêmica na Universidade Estadual de
Cam­pinas (Unicamp), em 1978, inicialmente integrando o Gru­
po de Estudos Agrários do Instituto de Filosofia e Ciências Hu­
manas, e mais tarde fundando o Centro de Estudos Rurais nesse
mesmo Instituto. Nas duas décadas que permaneceu na Unicamp,
foram dezenas de trabalhos publicados — alguns dos quais se
tornariam verdadeiros clássicos nesse campo das ciências sociais;
foram dezenas de dissertações e teses por ela orientadas — de
alunos seus que se tornariam influentes autores da sociologia
rural brasileira, como Ricardo Abramovay, Leonilde Medeiros,
Regina Bruno, Alfio Brandenburg, Sergio Schneider, Fernando

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Lourenço, para ficar em alguns poucos nomes e ser assumidamente


injusto com aqueles que, por limitação de espaço, sou obrigado
a omitir; e foi ainda um período de participação ativa na cons­
tituição desse campo de estudos no Brasil, com seu papel de
destaque em importantes associações científicas, como a Associa­
ção Programa de Intercâmbio de Pesquisa Social em Agricultura
(Apipsa), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (Anpocs) e, mais recentemente, a Rede de Es­
tudos Rurais. De volta a Pernambuco após sua aposen­tadoria,
agora na Universidade Federal desse estado, continua liderando
pesquisas, formando novas gerações de estudantes, coordenando
grupos de trabalho e, sobretudo, brindando estu­dan­tes, pes­qui­
sadores e planejadores de políticas com suas reflexões de tremenda
atualidade sobre o rural brasileiro.
É porque essa sua trajetória pessoal e profissional se funde
com a trajetória recente das ciências sociais aplicadas ao
entendimento do “mundo rural” que tive o prazer, juntamente
com Ana Lúcia Valente, da Universidade de Brasília, de convidar
a professora Nazareth Wanderley, de quem sou mais um discípulo,
a escrever o texto que agora vem a público. Isso aconteceu por
ocasião da realização do XXXIII Encontro Anual da Anpocs,
quando coordenávamos o Grupo de Trabalho “Ruralidade,
território e meio ambiente”. Nossa ideia, àquele momento, era
criar um espaço em que se pudesse refletir criticamente sobre os
estudos rurais brasileiros e pensar as questões postas a uma agenda
de pesquisa para o início do século XXI numa perspectiva inova­
dora. E, para isso, um balanço da produção acadêmica das déca­
das anteriores era o inevitável ponto de partida. Era assombroso
constatar que pesquisadores iniciantes não contavam, até então,
com uma boa obra de referência que servisse de guia à entrada
nesse rico e complexo terreno. Era lamentável admitir que pesqui­
sadores mais experientes não contassem com um texto denso de

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balanço sobre essa área de pesquisas. Estava claro desde o mo­


mento inicial de planejamento daquele Grupo de Trabalho que
tal tarefa não podia ser realizada por outra pessoa que não fosse
Nazareth, como todos a conhecem. O resultado expresso nas pró­
ximas páginas mostra que esse intuito inicial foi plena­mente atin­
gido. Não é exagero dizer que o leitor encontrará aqui a melhor
introdução disponível à vasta produção brasileira dedi­cada à
questão agrária e aos processos sociais rurais, constatação que se
justifica por uma série de razões.
Uma primeira razão que leva à afirmação acima é a ampla
cobertura desse balanço e a invejável propriedade com que a au­
tora atravessa períodos, costura continuidades, sublinha rupturas,
encontra unidade na diversidade de abordagens, faz da pluralidade
da produção acadêmica um fértil e vasto campo de análise, numa
espécie de sociologia da sociologia rural, ou, mais amplamente,
das ciências sociais aplicadas ao rural, uma vez que não se restringe
aos domínios de uma de suas disciplinas. São nada menos do que
267 publicações referenciadas, muitas das quais marcaram época
e influenciaram gerações de pesquisadores, analisadas com elegân­
cia, acuidade e espírito crítico.
Uma segunda razão é a estrutura adotada para a apresentação
desse balanço. Sabiamente a autora evita o recorte temporal, por
saber que as fronteiras rígidas de datas não permitem captar as
in­ter­penetrações temáticas entre obras, escolas de pensamento e
períodos. Em vez disso, o leitor encontrará uma organização em
torno de cinco grandes temas: “Agricultura e acumulação de
capital”, “A subordinação do trabalho e a resistência dos tra­ba­
lhadores rurais”, “A concentração fundiária e as lutas pela terra”,
“Por uma outra agricultura”, “O mundo rural no Brasil mo­der­
no: espaços de diversidade”. Aqui a forma expressa o conteúdo.
Esses grandes temas são na verdade grandes questões postas à
sociedade e às ciências sociais para interpretar o lugar do rural na

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formação e na evolução do Brasil contemporâneo. E essa é uma


das grandes contribuições de Nazareth Wanderley: mostrar, sem
qualquer resquício saudosista ou passadista, como a questão agrá­
ria marcou a constituição do país e como suas heranças se mos­
tram presentes nas características da nossa estrutura produ­tiva,
em que modernidade rima com desigualdade e insustentabi­
lidade, nas características dos movimentos sociais e sua capacidade
de reinventar formas de mobilização e de exposição dos conflitos,
nos traços marcantes da atuação multifacetada do Estado.
Uma ideia central que emerge das partes que compõem esse
balanço é justamente esta: independentemente do ângulo de
análise ou do período histórico, há uma “questão rural” não resol­
vida na formação brasileira. Diferentemente de outros países que,
em algum momento, fizeram um pacto social em torno da
valorização dos seus espaços rurais e das classes sociais que tinham
nesses espaços seu lugar de vida e de trabalho, no Brasil houve
uma clara opção pela via conservadora. Mas isso não eliminou
essas outras formas sociais que, reiteradamente, tentam romper
o bloqueio — noção cara à autora — à sua reprodução social e à
sua plena inserção na ordem competitiva. Esse é o rico campo de
análises dos estudos rurais projetado nos desdobramentos do
balanço feito aqui: hoje a questão agrária se funde e, principal­
mente, se atualiza nas mani­festações recentes da questão regional,
da questão ambiental, da questão social. Não se trata, pois, de
meras recorrências de um ve­lho tema, mas de suas metamorfoses,
o que sob o ângulo refle­xivo faz toda a diferença e exige uma
atualização constante das ferramentas de análise.
Como nada é perfeito, há neste trabalho ao menos uma ausên­
cia, e seria uma ausência imperdoável não fosse ela motivada pela
discrição e elegância da autora: ela não cita nas próximas páginas
qualquer um de seus próprios trabalhos. E é claro que qualquer
balanço ficaria incompleto sem uma menção às suas principais

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obras. Por isso, este Prefácio, além de apresentar a publicação,


pro­­cura minimamente corrigir essa lacuna.
De início, cabe citar a coletânea muito oportunamente publi­
cada em 2009 pela Editora da UFRGS: O mundo rural como um
espaço de vida — Reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura
familiar e ruralidade, que veio a corrigir uma brutal falha do
mercado editorial de obras acadêmicas no Brasil. Esse livro
tornou possível aos leitores interessados o acesso aos principais
artigos de Nazareth Wanderley que haviam sido publicados so­
mente de maneira isolada em coletâneas e revistas científicas.
Trata-se de um dos mais importantes livros da história dos es­
tudos rurais brasileiros e referência obrigatória para pesqui­sadores
dedicados ao tema.
Na parte do livro dedicada ao tema da questão fundiária, cabe
destacar dois trabalhos: Capital e propriedade fundiária na agri­
cultura brasileira e A modernização sob o comando da terra: os im­
pas­ses da agricultura moderna no Brasil. Lidos juntos, os dois tra­
balhos evidenciam a peculiaridade da formação das classes e,
con­comitantemente, a constituição dos portadores sociais do
projeto de modernização que foi levado a cabo na agricultura
brasileira, em que a escala se tornou um requisito do acesso aos
bens públicos necessários à formação da competitividade, como
se o tamanho fosse uma condição de eficiência. Ali se mostra que
no Brasil não se teve a formação de uma classe de proprietários
rurais, mas sim uma classe de dirigentes da produção agrícola,
para quem a propriedade fundiária é um elemento básico. Daí
que a modernização ocorrida nos últimos 40 anos não teve na
de­si­gualdade e na pobreza rural meros efeitos colaterais: essas
mazelas são, a um só tempo, condição e consequência da via
escolhida.
Na parte dedicada à agricultura familiar e ao campesinato, o
destaque vai para o texto O camponês, um trabalhador para o

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capital. Nesse artigo de 1979, podem-se encontrar os liames que


atam essa figura, mesmo quando de posse de seu pequeno esta­
belecimento agropecuário, à mesma condição de classe partilhada
pelos trabalhadores rurais, possuidores apenas de sua força de
trabalho. Nele se pode também encontrar o primeiro tratamento
na literatura brasileira de um tema que ganharia força com os
conhecidos e igualmente importantes trabalhos que José Eli
da Veiga e Ricardo Abramovay publicariam no início dos anos
1990 — o papel dessa forma social de produção nas condições da
acumulação capitalista.
E, na parte dedicada à ruralidade nas sociedades modernas, o
destaque vai para o texto A emergência de uma nova ruralidade nas
sociedades modernas avançadas: o rural como espaço singular e ator
coletivo. Esse texto, como o próprio título anuncia, reconstitui a
sin­gularidade do rural para enaltecer a multiplicidade de funções
que esse espaço cumpre mesmo no período de mais intensa
urbanização na história da humanidade. E coloca a questão-chave
para interpretar as dificuldades de passar do atual padrão de
uso dos recursos naturais a outro mais próximo da ideia de sus­
ten­tabilidade: num quadro de crescente heterogeneização e de
di­versificação de seus usos sociais, quem é o agente daquilo que
a lite­ratura especializada convencionou chamar de “nova
ruralidade”?
Quem frequenta os congressos e os periódicos dedicados aos
estudos rurais brasileiros verá de maneira cristalina como esses
três grandes temas que pautaram a agenda de estudos da autora
refletem, mais amplamente, boa parte da produção recente desse
campo de estudos no Brasil.
Outro trabalho incontornável é a parte dedicada ao Brasil no
estudo internacional comparado publicado em dois volumes por
Hughes Lamarche: A agricultura familiar, escrita em colabora­
ção com Anita Brumer, Fernando Lourenço e Ghislaine Duqué.

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Nesse estudo fica claro que a diversidade de situações encontradas


aqui ou na Europa não esconde o fato de que o elemento comum
na variedade de situações pesquisadas é o caráter familiar do
trabalho, da gestão e da posse da terra. Trata-se de uma crucial
contribuição para compreender essa diversidade, os condicionantes
e as implicações desse conjunto de situações que vão da mais
tradicional agricultura camponesa àquelas formas mais tecni­
ficadas e plenamente inseridas em mercados, e contrastar a con­
dição da agricultura familiar brasileira com exemplos marcantes
da realidade internacional.
Por fim, cabe citar o artigo publicado no quinto número da
Revista da Associação Latino-Americana de Sociologia Rural, “A
sociologia rural na América Latina: produção de conhecimento
e compromisso com a sociedade”, texto que foi a base da
conferência proferida por Nazareth Wanderley na abertura do
VIII Congresso Latino-Americano de Sociologia Rural, realizado
(por coincidência ou por uma espécie de “sincronismo junguiano”
se alguém assim preferir) em Pernambuco, em novembro de
2010. Nesse belíssimo texto, recheado de referências científicas
e artísticas, Nazareth parte da afirmação de que “o rural não é
uma essência, a-histórica, que deva ser reconhecida indistinta­
mente, em todos os lugares e todos os tempos”, para apresentar
uma reflexão em torno justamente da relação espaço–tempo, a
partir de três inflexões: “o passado, que constitui o legado da
história; o presente, percebido através do debate da sociologia
rural contemporânea; e o futuro, livremente imaginado como
uma utopia”.
O resultado é, ao olhar o passado, um tributo a uma tradição
que tem como expoentes nomes como Joaquim Nabuco, Josué
de Castro, Celso Furtado, Manuel Correia de Andrade, João
Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Dom Helder Câmara,
Gregório Bezerra, e tantos outros. Ao olhar para o presente, diz

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Nazareth, eis nossas questões: “que atores sociais são referidos ao


mundo rural? que antagonismos profundos estruturam sua
realidade? que novas configurações sociais e espaciais se
desenham?”. Diz ela:

Enquanto houver em nossas sociedades indivíduos e grupos sociais


que vivam ou desejem viver em conformidade com as formas so­
ciais decorrentes da vida em pequeno grupo, nesses espaços, conti­
nuamos devedores à sociedade de um pensamento social sobre o
“mundo rural”. Sem essa realidade, uma parte de nossas sociedades
seria amputada, e sem esse pensamento social, as ciências sociais
ficariam capengas.

Sobre o futuro, quatro processos são apontados como vetores


que redefinem a inserção do rural nas sociedades latino-ameri­
canas: os avanços da genética e da ecologia com suas repercussões
para a crítica ao produtivismo, a consciência crescente sobre a
necessidade de conservação da natureza, as conquistas tecnológicas
da comunicação e suas implicações para o rompimento do secular
isolamento de tantas comunidades e regiões, e a ampliação da
democracia, que se faz acompanhar do reconhecimento de direi­
tos históricos e muitas vezes negados. Nessa redefinição, diz ela,
por se tratar do futuro, o rural só pode ser pensado como utopia.
Não no sentido enganador do termo. Mas no seu melhor sentido,
daquilo que é imaginado, desejado, mas ainda não encontra lugar
no tempo presente. Um lugar que, espera-se, salde as dívidas
sociais do passado, reconcilie, em vez de dicotomizar, a sociedade
e a natureza, e deixe para trás a associação que tantas vezes se faz
entre ruralidade e atraso. Nazareth termina o texto voltando a
João Cabral, Luiz Gonzaga, e citando a cirandeira Lia de Ita­
maracá: “Esta ciranda não é minha só. Ela é de todos nós. Ela é
de todos nós”.

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Quem estava lá viu uma plateia de centenas de pessoas aplau­


dir de pé ao final da conferência; viu vários pesquisadores expe­
rientes de olhos marejados pela emoção ao presenciar como um
pequeno capítulo da história da ciência era, naquele momento,
contado por uma de suas principais protagonistas. Ali, tanto
quanto na obra e na vida de Nazareth Wanderley, a razão estava
de braços dados com a emoção, numa demonstração de que,
contrariando Goethe, a ciência não precisa ser “cinza como toda
teo­ria”; ao con­trário, a ciência é mais rica quando se nutre do
“verde que é a cor da árvore da vida”. Assim como naquela sua
conferência a autora reverenciou ícones da política, da ciência e
das artes, todos eles dali, do “seu canto do mundo”, pedindo-lhes
a bênção, termino este Prefácio agradecendo a ela por mais este
belo texto, desejando boa leitura a quem passa por estas linhas e,
final­mente, pedindo sua bênção, Nazareth Wanderley, professora
de todos nós.
Arilson Favareto

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Introdução

Ao pretender elaborar um balanço da produção científica de um


determinado período, correm-se enormes riscos. A fixação impre­
cisa dos marcos temporários pertinentes, a simplificação das
questões centrais, a dificuldade para construir as mediações entre
essas diversas questões, a omissão de autores ou de atores sociais
estão entre os principais desafios que precisam ser evitados para
que o balanço proposto não se torne uma mera enunciação de
fatos e obras mal articulados entre si.
Não é demais, também, se perguntar para que serve fazer um
balanço. No caso presente, esse tema me foi proposto pelos
coor­de­nadores do GT 35 do 33o Encontro Anual da Anpocs,
Aril­son Fa­vareto e Ana Lúcia E. F. Valente. No que me diz
respeito, esse esforço tem um duplo objetivo: por um lado,
ajudar-me a melhor sistematizar minhas próprias reflexões, no
presente, ao trazer à tona as questões fundamentais que his­to­
ricamente construíram o fio condutor de minha compreensão
do mundo rural brasileiro. Em um certo sentido, faço esse
balanço para mim mesma, con­tem­porânea que sou da publica­
ção das obras aqui mencionadas; por outro lado, espero que essa
sistematização possa servir de roteiro que estimule as jovens
gerações de pesquisadores, que estão ainda em formação, a ler

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diretamente os autores citados e a situar, no grande debate, suas


próprias questões de pesquisa.
O período considerado, que se inicia em meados dos anos
1960 e vai até os dias atuais, não é homogêneo. Em grandes li­
nhas, e levando em conta a história política do país, é possível
dis­­tinguir dois subperíodos: o que corresponde aos governos
militares — 1964-1985 —, marcado pelo grande apoio do Estado
à modernização da agricultura e à expansão capitalista da fronteira
econômica, pela repressão aos movimentos sociais e pelo bloqueio
à implantação de projetos de reforma agrária; e o que se inicia
com a redemocratização do país, em 1985, que favoreceu a conso­
lidação dos movimentos sociais e o debate democrático e re­gis­
trou a emergência de uma pluralidade de sujeitos de direitos que
reclamam o seu reconhecimento na sociedade brasileira. Por um
outro ângulo, mais diretamente ligado à problemática rural,
pode-se pensar que a criação do Ministério do Desenvolvimento
Agrário e a implantação do Programa de Apoio à Agricultura
Familiar (Pronaf ) inauguram um novo período, cuja tônica é
dada pela ênfase no desenvolvimento rural susten­tável e pela
valorização da agricultura familiar, o que, na verdade, seria um
desdobramento do último período anteriormente referido.
Devo advertir, no entanto, que os temas dos capítulos não
correspondem a períodos distintos, que pudessem ser colocados
numa sequência temporal. Dizem respeito, antes, a olhares plu­
rais e complementares sobre processos sociais, quase sempre si­
multâneos, eles mesmos marcados pela diversidade e pela com­
plexidade e em constante mutação.
Construir um balanço não significa citar todos os autores que,
de uma forma ou de outra, participaram dos debates, mas exige
que esses debates sejam bem apresentados, usando-se para isso
passagens ilustrativas que expressem o essencial das questões em
apreço. Da mesma forma, não posso ter a pretensão de apresentar

UM SABER NECESSARIO.indb 20 09/01/2012 15:28:17


Um saber necessário | 21

uma leitura original e pioneira, pois numerosos e de grande


capacidade de síntese e problematização são os balanços feitos ao
longo do período considerado e que me serviram igualmente de
inspiração. (Ver as Referências bibliográficas.)
Correndo o risco de tornar o texto extremamente entrecortado,
assumi citar as passagens que me pareceram explicativas de cada
questão, convencida de que as palavras usadas pelos autores
revelam a intensidade da problemática contemplada e, ao mesmo
tempo, a força de suas argumentações. Os textos foram transcritos
literalmente e os grifos registrados são sempre dos autores.

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UM SABER NECESSARIO.indb 22 09/01/2012 15:28:17
i
Agricultura e acumulação de capital

A consolidação de um novo paradigma

O final dos anos 1960 é um período extremamente rico para a


produção do conhecimento sobre o mundo rural brasileiro. É
nes­­se momento que se consolida no país um novo paradigma a
respeito dessa realidade que, superando alguns dos temas presen­
tes nos debates precedentes, se constitui como um patamar a
par­tir do qual novas questões podem ser formuladas e pesquisadas.
Trata-se, fundamentalmente, da resolução do longo debate
político-acadêmico em torno do dilema feudalismo-capitalismo,
pela afirmação da natureza capitalista da agricultura brasileira
e da superação da visão dualista, que defendia a existência parale­
la de dois “Brasis”, pelo reconhecimento da centralidade do pro­
cesso de acumulação capitalista no país. Admite-se, também,
nesse momento, que a sociedade brasileira assume, a partir dos
anos 1930, uma nova fase de seu processo de desenvolvimento,
que se caracteriza pelo caráter urbano-industrial hegemônico.
O ponto de partida é, sem dúvida, a obra de Caio Prado Jú­
nior, um dos expoentes do debate feudalismo-capitalismo, que
combateu profundamente as teses feudalistas, particular­mente
aquelas defendidas pelo Partido Comunista Brasileiro. Esse autor

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24 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

defendeu em seus escritos a natureza capitalista da sociedade


brasileira e as consequentes implicações sobre seu pro­cesso de
transformação. Para Caio Prado Júnior, no centro das questões
estavam as relações sociais de trabalho e produção predominantes
na agricultura brasileira, por ele consideradas não como “res­
quícios feudais”, mas como sobrevivência do sistema escravista,
existente no Brasil até 1888:

Mas essas sobrevivências escravistas (que são frequentemente apon­


tadas pelos teóricos do feudalismo brasileiro como “restos feudais”),
longe de constituírem obstáculo ao progresso e desenvolvimento do
capitalismo, lhe têm sido altamente favoráveis, pois contribuem
para a compressão da remuneração do trabalhador, ampliando com
isso a parte da mais-valia e favorecendo, por conseguinte, a acu­mu­
lação capitalista. O que sobra do escravismo representa assim um
ele­mento de que o capitalismo se prevalece e em que frequentemente
se apoia, uma vez que o baixo custo da mão de obra torna possível
em muitos casos a sobrevivência de empreendimentos de outra
forma deficitários. (Prado Júnior, 1966, p. 150)

O capitalismo que se reproduz no Brasil tem particularidades


que decorrem de sua condição colonial original, da significação
es­trutural do sistema de escravidão e da importância histórica da
con­centração da terra, como elemento central de controle dos
re­cursos produtivos e do poder político. Essas particularidades se
ex­pressam no fato de que, em muitas circunstâncias, as relações
de trabalho e de produção, até então predominantes no meio
ru­ral brasileiro, não correspondiam às relações capital–trabalho
pró­prias do capitalismo, mas reproduziam um trabalhador de
mui­tas formas responsável direto pela sua própria subsistência. O
que até então era interpretado como relações não capitalistas, que
geravam uma sociedade também não capitalista, passa a ser com­
preendido como a forma mesma do capitalismo na agricultura
brasileira.

UM SABER NECESSARIO.indb 24 09/01/2012 15:28:17


Um saber necessário | 25

Diversos pensadores participaram das reflexões que se desdo­


braram a partir de então. Citarei aqui, em especial, Florestan
Fer­nandes, Francisco de Oliveira e José de Souza Martins. Para
Florestan Fernandes, a forma histórica que assume o capitalismo
agrário no Brasil, sob a hegemonia da economia urbano-indus­
trial, pode ser explicada pelo que ele denomina “a dependência
dentro da dependência”:

[...] as evoluções que se iniciaram com a desagregação da economia


escravocrata associaram-se a tendências de formação de um mer­
cado de trabalho e de dinamismos econômicos que impunham, a
partir de dentro, modelos de relações econômicas que, anterior­
mente, só se estabeleciam a partir de fora. Aos poucos, surgiram
vários tipos de vínculos heteronômicos, através dos quais a econo­
mia agrária evolui na direção do capitalismo moderno, mantendo
laços de de­pen­dência, diante das economias centrais, ou criando
no­vos laços de dependência em face dos focos internos de cres­
cimento eco­nômico urbano-comercial e urbano-industrial. (Fer­
nandes, 1973, p. 135)

A consequência dessa dupla dependência se traduz, antes de


tudo, na transformação da economia agrária numa fonte pro­
dutora de excedentes apropriados pelos setores ur­ba­nos hegemô­
nicos. É para garantir essa vinculação que ela repro­duz as relações
de produção e trabalho que estão na origem do que Florestan
Fer­nandes considera uma “atrofia do padrão de desenvolvimento
capitalista da economia agrária” (1973, p. 137). A empresa rural
é, assim, capitalista, sem que isso signifique a reprodução, no
setor agrícola, das relações de trabalho inseridas na dinâmica do
mercado de compra e venda de força de trabalho:

[...] para que o capital possa reproduzir na economia urbana o


trabalhador assalariado, é necessário que exista na economia agrária
o capital que reproduz o trabalhador semilivre. Do mesmo modo,

UM SABER NECESSARIO.indb 25 09/01/2012 15:28:17


26 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

o despossuído, que não logra, sequer, a proletarização, na economia


agrária, está na raiz das possibilidades de trabalho assalariado do
operário urbano. (Fernandes, 1973, p. 142)

Os empresários rurais têm uma posição privilegiada nessa es­


trutura, na medida em que são eles os agentes imediatos da cap­
tação dos excedentes agrícolas destinados aos setores domi­nantes,
através do que sedimentam a base material de sua própria re­pro­
dução social. De outro lado, encontra-se a grande maioria dos
trabalhadores e agricultores, que não participam diretamente
desses mercados.

Os estratos possuidores rurais não se ressentem dessa situação,


porque eles extraem de ambos os processos o privilegiamento
relativo de sua própria condição econômica, sociocultural e política.
O mesmo não sucede com as massas despossuídas rurais, que se
veem irremediavelmente compelidas ao pauperismo e condenadas à
marginalização. É nesse nível que se desvendam as iniquidades e a
impotência da economia agrária brasileira: uma moenda que destrói
inexoravelmente os agentes humanos de sua força de trabalho.
(Fernandes, 1973, p. 133)

Em 1972, Francisco de Oliveira publicara, no número 2 da


Re­vista Estudos Cebrap, o artigo “A economia brasileira: crítica à
ra­zão dualista” (Oliveira, 1972), outro marco importante do pen­
sa­mento da época. Em oposição à visão dualista sobre o “atrasado”
e o “moderno”, o autor defende que “na maioria dos casos [essa
oposição] é tão somente formal; de fato, o processo real mostra
uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários,
em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência
do ‘atrasado’ [...]” (Oliveira, 1972, p. 7).
Como Florestan Fernandes, Francisco de Oliveira também
afir­ma que o Brasil vivia, desde os anos 1930, uma nova fase, ca­
racterizada por “um novo modo de acumulação, qualitativa e

UM SABER NECESSARIO.indb 26 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 27

quantitativamente distinto”, da economia agrário-exportadora,


“que dependerá substantivamente de uma realização interna cres­
cente” (Oliveira, 1972, p. 9). No contexto dessa nova fase, a
expansão capitalista impõe ao que Oliveira considera o “problema
agrário” um “complexo de soluções”, “cujo denominador comum
residiria na permanente expansão horizontal da ocupação com
baixíssimos coeficientes de capitalização e até sem nenhuma
capitalização prévia: numa palavra, opera como uma sorte de
‘acumulação primitiva’” (Oliveira, 1972, p. 16).
Naturalmente, como se apressa a esclarecer o autor, não se
trata de uma mera aplicação literal do conceito marxista de acu­
mulação primitiva, introduzido para explicar os processos origi­
nários do capitalismo. Esse conceito é aqui redefinido para dar
conta da realidade específica da economia brasileira:

Em primeiro lugar, trata-se de um processo em que não se expropria


a propriedade [...] mas se expropria o excedente que se forma pela
posse transitória da terra. Em segundo lugar, a acumulação primitiva
não se dá apenas na gênese do capitalismo; sob certas condições
específicas, principalmente quando esse capitalismo cresce por elabo­
ração de periferias, a acumulação primitiva é estrutural e não apenas
genética. (Oliveira, 1972, p. 16)

José de Souza Martins, em diversos artigos publicados igual­


mente nos anos 1970, também traz contribuições decisivas às
questões colocadas ao debate. Como os demais aqui citados, ele
reafirma os profundos vínculos que articulam o mundo rural ao
conjunto da economia e da sociedade brasileiras:

A situação agrária [...] não constitui uma aberração ante o desen­


volvimento atingido pela sociedade urbana brasileira. Antes, o
desenvolvimento urbano, particularmente o da economia in­
dustrial, só foi e tem sido possível graças à existência de uma
economia agrária estruturada em molde a suportar e absorver os

UM SABER NECESSARIO.indb 27 09/01/2012 15:28:18


28 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

custos da acumulação do capital e da industrialização. (Martins,


1975, p. 39)

Numa perspectiva histórica, referindo-se à substituição,


ocorrida a partir do final do século XIX, do trabalhador escravo
por colonos e moradores, ele afirma:

A produção capitalista de relações não capitalistas de produção


expressa não apenas uma forma de reprodução ampliada do capital,
mas também a reprodução ampliada das contradições do capitalis­
mo — o movimento contraditório não só de subordinação de
relações pré-capitalistas, mas também de criação de relações
antagônicas e subordinadas não capitalistas. Nesse caso, o capita­
lismo cria a um só tempo as condições de sua expansão, pela incor­
po­ração de áreas e populações às relações comerciais, e os empecilhos
à sua expansão, pela não mercantilização de todos os fatores en­
volvidos, ausente o trabalho caracteristicamente assalariado. Um
complemento da hipótese é que tal produção capitalista de relações
não capitalistas se dá onde e enquanto a vanguarda da expansão
capitalista está no comércio. (Martins, 1979, p. 21)

A modernização da agricultura e a dominação do capital

A partir de então, os caminhos estão abertos para o aprofunda­


mento desse corpo teórico. O desafio é tanto maior, pois estão
em curso no Brasil novos processos sociais, os quais vão transfor­
mar a realidade agrária e os mecanismos de sua articulação ao
conjunto da sociedade, que se configura como uma sociedade
urbano-industrial consolidada (Sorj, 1980).
O elemento principal desses processos consiste na moderni­
zação da agricultura (Castro, 1979). Trata-se de um vasto progra­
ma, realizado por iniciativa do Estado, que visava modificar os
processos de produção tradicionais pelo aumento do uso de in­

UM SABER NECESSARIO.indb 28 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 29

sumos de origem industrial. O próprio Estado se modificou,


criando ou redefinindo instituições aptas a prestar a assistência
necessária aos “empresários” rurais, convidados a se modernizarem
(Pinto, 1995). O Estatuto da Terra (Lei no 4.504), promulgado
em 30 de novembro de 1964, traz em sua segunda parte as normas
gerais que devem orientar a política agrícola. Sob sua inspiração,
o Estado cria as instituições necessárias à implantação da nova
política e disponibiliza recursos significativos para sua efetivação.
O Estatuto da Terra é, na verdade, a primeira lei brasileira,
após a Lei de Terras, de 1850, que normatiza o uso da terra no
país e estabelece as diretrizes referentes ao desenvolvimento rural.
Esse texto legal é dividido em três títulos. O primeiro trata das
disposições preliminares, que afirmam os princípios gerais e os
conceitos que os inspiram; o segundo contém os dispositivos re­
fe­rentes ao uso da terra e à reforma agrária, e o terceiro é dedicado
ao que denomina Política de Desenvolvimento Rural. No que se
refere a esta última, o Estatuto da Terra determina os meios que
serão mobilizados para a consecução do desenvolvimento rural:
assistência técnica; produção e distribuição de sementes e mudas;
criação, venda e distribuição de reprodutores e uso da inseminação
artificial; mecanização agrícola; cooperativismo; assistência finan­
ceira e creditícia; assistência à comercialização; industrialização e
beneficiamento dos produtos; eletrificação rural e obras de in­
fraes­tru­tura; seguro agrícola; educação, através de estabelecimentos
agrícolas de orientação profissional; garantia de preços mínimos
à produção agrícola. Sob sua inspiração, através de leis comple­
men­tares, as instituições necessárias à implantação da nova po­
lítica foram sendo constituídas. Durante muitos anos, particu­
larmente durante os governos militares, o Estatuto da Terra foi o
instrumento jurídico no qual os movimentos sociais se apoiaram
em suas lutas em favor da reforma agrária. Muitos dos seus crí­
ticos, no entanto, consideravam que sua parte final — sobre

UM SABER NECESSARIO.indb 29 09/01/2012 15:28:18


30 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

política agrícola — teria sido mais efetiva do que a primeira,


referente à reforma agrária, sobretudo, na medida em que aquela
havia sido francamente canalizada em benefício dos grandes
proprietários.
A respeito das inovações introduzidas no campo da legislação
brasileira (ver mais adiante menção ao Estatuto do Trabalhador
Rural), Moacir Palmeira afirma:

Antes de indicar uma política, a nova legislação impôs um novo


recorte de realidade, criou categorias normativas para uso do Estado
e da sociedade, capazes de permitir modalidades, antes impensáveis,
de intervenção do primeiro sobre esta última. Ao estabelecer, com
força de lei, conceitos como latifúndio, minifúndio, empresa rural,
arrendamento, parceria, colonização etc., o Estado criou uma ca­
misa de força para os tribunais e para os seus próprios programas de
governo, ao mesmo tempo que tornou possível a sua intervenção
sem o concurso de mediadores e abriu espaço para a atuação de
grupos sociais que reconheceu ou cuja existência induziu. Nesse
sentido, independentemente da efetivação de políticas por ela pos­
sibi­litadas — a reforma agrária, a modernização agrícola, a colo­
nização são exemplos —, a nova lei passou a ter existência social a
partir da hora em que foi promulgada. Tornou-se uma referência
capaz de permitir a reordenação das relações entre grupos e propiciar
a formação de novas identidades. (Palmeira, 1989, p. 95)

É importante registrar que, no debate brasileiro, a constatação


dos avanços e da significação do processo de transformação foi
frequentemente acompanhada da visão crítica de suas implicações
para a sociedade. De fato, a modernização da agricultura, em sua
dupla dinâmica, vai marcar o conjunto do setor agrícola. Por um
lado, seus resultados positivos, no que se refere à consolidação do
mercado de produtos agrícolas orientados para o consumo urbano
e de insumos industriais destinados a empresas agropecuárias, são
obtidos graças às mudanças na base técnica da produção. Es­sas
mudanças são representadas pelo incremento do uso de má­qui­nas

UM SABER NECESSARIO.indb 30 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 31

e equipamentos, bem como de insumos produtivos de ori­gem


industrial. Assim sendo, a modernização produz um pa­drão de
viabilidade econômica que passa a ser referência a to­dos os esta­
belecimentos agrícolas, quer o tenham atingido ou não.
Porém, por outro lado, esse processo se mostrou fortemente
seletivo, atingindo diretamente apenas certo tipo de unidades
pro­dutivas que realizam determinadas culturas ou criações, em
algumas áreas específicas do país, e transformando desigualmente
as diversas fases do processo produtivo. José Graziano da Silva
refere-se, a justo título, à “relativa debilidade que as transforma­
ções capitalistas, em geral, têm assumido no campo” e qualifica
esse pro­cesso como “uma lenta e, por isso mesmo, dolorosa mo­
der­nização em alguns produtos específicos, numa espécie de
‘capitalismo de fachada’” (J. G. da Silva, 1982, p. 66). Graziano
con­clui, interpretando o processo analisado:

A acumulação de capi­tal necessita não da “racionalização” da agri­


cultura, mas da sub­mis­são da agricultura à racionalidade do setor
industrial, o que pode, eventualmente, ser combinado com certo
grau de “irracio­na­lidade” relativa da produção agrícola. (J. G. da
Silva, 1982, p. 67)

Em sua tese de doutorado, Ângela Kageyama analisa a dife­


renciação regional dos impactos da modernização (Kageyama,
1985). Adotando um enfoque comparativo, no tempo e no es­
paço, ela oferece uma profunda e detalhada demonstração das
trans­formações ocorridas na agricultura brasileira entre 1960 e
1980 e revela o quanto esse processo estava largamente concen­
trado no estado de São Paulo. Assim, apenas a título de ilustração,
em 1980, enquanto em São Paulo a área trabalhada correspondia
a 68,9% da área total, no Brasil como um todo ela abrangia
apenas 31,4%; o número de tratores por 10 mil pessoas ocupadas
chegava a 855 em São Paulo e a 238 no conjunto do país; as des­

UM SABER NECESSARIO.indb 31 09/01/2012 15:28:18


32 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

pesas reais por hectare de área explorada (em cruzeiros de 1977,


deflacionadas pelo Índice de Preços Pagos pelos Agricultores, da
FGV) eram, respectivamente, de CR$ 2.138,00 e CR$ 556,00, e as
despesas por pessoa ocupada (também em cruzeiros de 1977, de­
flacionadas pelo Índice de Preços Pagos pelos Agricultores, da FGV)
variavam de CR$ 24.549,00 — São Paulo — a CR$ 7.566,00 —
Brasil (Kageyama, 1985).
Ainda nos anos 1970, o movimento do capital na agricultura
se orienta em duas direções complementares: o aprofundamento
dos processos de articulação agroindustrial e a ampliação do seu
campo de dominação para além dos espaços já conquistados,
estendendo sua fronteira econômica.
Com efeito, os estudiosos da problemática agrária, especial­
mente os economistas, apontam para o surgimento de uma nova
fase do desenvolvimento da agricultura, que se caracteriza pela
constituição dos “complexos agroindustriais” e pela “emergência
do capital financeiro, como uma nova forma de organização dos
mercados rurais e de comando da acumulação de capital na agri­
cultura” (G. C. Delgado, 1985, p, 112).
Num texto que se tornou clássico, um grupo de pesquisadores,
coor­denado por Ângela Kageyama, refere-se “à passagem dos
‘com­plexos rurais’ para uma dinâmica comandada pelos ‘com­
plexos agroindustriais (CAIs)’”:

Esse processo envolve a substituição da economia natural por ativi­


dades agrícolas integradas à indústria, a intensificação da divisão
do trabalho e das trocas intersetoriais, a especialização da produção
agrí­cola e a substituição das exportações pelo mercado interno como
elemento central de alocação dos recursos produtivos no setor
agropecuário. (Kageyama, 1996, p. 116)

Segundo esses autores, para que essa fase seja atingida, é ne­
cessária ao país uma expressiva indústria de bens de capital, desti­

UM SABER NECESSARIO.indb 32 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 33

nados à produção agrícola, bem como uma agricultura já moder­


nizada. Nessas condições, “pelo aprofundamento da divisão do
trabalho, a agricultura se converte num ramo da produção, que
compra insumos e vende matérias-primas para outros ramos
industriais” (Kageyama, 1996, p. 122). Mais uma vez, reconhece-
se que esse processo não engloba o conjunto da atividade agrícola,
pois, além dos setores modernos, participam da agricultura
inegavelmente “amplos segmentos tecnicamente atrasados e
dominados pelo capital comercial” (Kageyama, 1996, p. 185).
Em sua tese de doutorado, publicada em 1985, Guilherme
Delgado analisou as transformações ocorridas na agricultura sob
o comando do capital financeiro. Para ele,

[...] as mudanças e inovações sintetizadas pelo desenvolvimento do


sistema de crédito, consolidação do complexo agroindustrial, sur­gi­
mento das formas específicas de conglomeração de capitais na agri­
cultura e, finalmente, a transformação do mercado de terras num
ramo específico do mercado financeiro estão fortemente im­bri­cadas
com o desenvolvimento da regulação estatal da economia rural.
Tudo isso faz com que se perceba a emergência do capital fi­nanceiro
como uma nova forma de organização dos mercados ru­rais e de
comando da acumulação de capital na agri­cultura. (G. C. Delgado,
1985, p. 112)

Se a “caificação” parecia a todos uma realidade indiscutível, o


de­bate se intensificou entre aqueles que minimizavam suas con­tra­
dições e outros para quem, ao contrário, esse processo não era
ho­mogêneo, nem constituía a via única e consensual para o desen­
vol­vimento agrícola do país. Da análise profunda e deta­lhada desse
processo, proposta por Guilherme Delgado, vale su­blinhar a di­
mensão social e política que organiza sua argumentação. Para ele:

Todo esse processo de modernização se realiza com in­tensa diferen­


ciação e mesmo exclusão de grupos sociais e re­giões econômicas.

UM SABER NECESSARIO.indb 33 09/01/2012 15:28:18


34 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Não é, portanto, um processo que homogeneíza o espaço econômico


e tampouco o espectro social e tecnológico da agricultura brasileira.
(G. C. Delgado, 1985, p. 42)

Evitando uma visão homogeneizadora, Delgado aponta, mais


concretamente, a emergência de “contradições intercapitalistas”,
que provocam “certa ruptura política no bloco do poder”, que
opera uma “desorganização do chamado interesse político hege­
mônico” (G. C. Delgado, 1985, p. 48). Da mesma forma, o que
une esse bloco no poder não é necessariamente o caráter moderno
da agricultura, na medida em que a aliança dominante inclui
parcelas de proprietários tradicionais:

[...] há também uma organização de interesses oligárquicos rurais,


não necessariamente modernizantes, mas que dão base política de
sustentação ao projeto de modernização conservadora [...] há uma
aliança de matizes claramente políticas, em que o elemento con­
servador agrário, expresso pela grande propriedade e pelo capital
comercial das regiões mais atrasadas, associa-se à política financeira
e fiscal do Estado, sem que necessariamente realize a reprodução do
capital passando pelo aprofundamento de relações interindustriais
do CAI. (G. C. Delgado, 1985, p. 60)

Mais uma vez, não se trata de negar a existência da integração


intersetorial, mas de apontar seus limites no interior do setor
agrícola brasileiro e, ao mesmo tempo, as contradições decorrentes
da imposição desse modelo dominante. As reflexões de George
Martine vão nesse sentido:

[...] a ênfase dada à maturidade e à abrangência desse processo pode


levar o leitor desavisado a concluir que o Brasil se encontra num
estágio avançado de desenvolvimento da sua produção agropecuária,
tendo formas modernas e autossustentadas de produção penetrado
homogeneamente em todas as regiões e setores, com capacidade
para competir de igual para igual no mercado internacional e gerar

UM SABER NECESSARIO.indb 34 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 35

uma prosperidade generalizada para a sociedade brasileira. (Martine,


1989, p. 21)

Ao questionar certos argumentos usados para justificar a


presença inexorável e inquestionável da moderna agricultura —
“big is beautiful”, “big is efficient” —, Martine reforça as críticas,
quando traz para o debate as implicações sociais desse processo:

O modelo de modernização conservadora conseguiu transformar o


aparato produtivo e alcançar expressivos níveis de crescimento do
produto, mas manteve elevados níveis de pobreza absoluta, fazendo
com que grande parte da população continuasse a se reproduzir em
condições miseráveis, acentuando uma das distribuições de renda
mais concentradas do mundo. (Martine, 1989, p. 47)

E o autor conclui:

A tão propalada modernização agrícola na base da “caificação”, infe­


lizmente, apresenta-se ainda como uma transformação parcial,
desigual, fortemente sustentada por recur­sos públicos, inerentemente
limitada e com mais ranços do ca­pita­lismo cartorial do que do capi­
talismo moderno. (Martine, 1989, 53)

Em um artigo sobre a modernização da agricultura em São


Paulo, Ângela Kageyama reforça essa mesma visão crítica:

Ainda que desfrutando do maior índice de produtividade do país,


a agricultura paulista não evitou a expulsão de contingentes signifi­
cativos da sua força de trabalho rural; não eliminou a subocupação
nem o prolongamento excessivo das jornadas de trabalho; não
atingiu níveis muito diferentes do resto do Brasil; não desenvolveu
mecanismos de maior participação dos trabalhadores nos ganhos de
produtividade, arcando com um dos maiores índices de desigualdade
de renda do país e exibindo um forte processo de crescimento dos
lucros (incluindo renda da terra) à frente dos salários rurais.
(Kageyama, 1987, p. 99)

UM SABER NECESSARIO.indb 35 09/01/2012 15:28:18


36 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

A subordinação da agricultura à indústria tem sido analisada


também de outras formas, como um desdobramento da concep­
ção clássica da industrialização da agricultura. É assim que David
Goodmann, Bernardo Sorj e John Wilkinson se referem ao “apro­
priacionismo” e ao “substitucionismo” (Goodmann, Sorj e Wil­
kin­son, 1990). O primeiro corresponde ao processo pelo qual a
indústria se apropria do produto da agricultura, utilizando-o
como matéria-prima para a sua transformação, do que resulta
para o consumidor final um produto industrial. Pelo segundo
pro­cesso, a indústria substitui o produto agrícola por outro de
origem industrial, eliminando, assim, aquele de seu próprio
processo produtivo.
Essas análises mereceriam uma reflexão mais aprofundada que
não poderá ser feita nos quadros restritos deste trabalho. Da
mesma forma, não será possível entrar aqui na discussão mais
pro­funda acerca das implicações dos processos de globalização
sobre a produção agrícola, especialmente sobre os produtos
agroalimentares. A esse respeito, basta, para o que interessa mais
diretamente ao tema trabalhado, ter a consciência de que a expan­
são da demanda internacional por produtos de origem agrícola,
seja através do grande comércio de grãos e carnes, seja através da
formação de nichos de mercados, tem afetado, de forma diferen­
ciada, sem dúvida, as oportunidades econômicas de diversos
segmentos dos produtores rurais, bem como a constituição local
de numerosas e distintas áreas produtivas no interior do país. É
o caso, particularmente, das áreas que se desenvolveram impul­
sionadas pela expansão da exportação de frutas, nas quais as
análises enfocam, através da relação “global–local”, a dinâmica da
relação produção–consumo de alimentos em nível mundial. (Ver
as Referências bibliográficas.)
Como afirma Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, “qualificar es­
paços como locais ou globais requer um exame crítico dos parâ­

UM SABER NECESSARIO.indb 36 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 37

metros e das evidências empíricas que os definem enquanto tais,


para que a riqueza das situações e seus desdobramentos não sejam
perdidos” (Cavalcanti, 1999, p. 124). O que é importante reter,
como defende essa autora, é que “local e global constituem pares
em relação, ainda que sejam centros de distintas relações de
poder. Nesse sentido, não formam mundos à parte” (Cavalcanti,
1999, p. 124). E ela acrescenta:

A literatura sociológica tem contribuído pontualmente para a


compreensão dos vínculos estabelecidos entre a agricultura de
regiões particulares e as cadeias agroalimentares, pelos quais tende
a explicar a globalização de alimentos e a dinâmica de sociedades
particulares [...]. Mas também devemos estar atentos para o fato de
que, embutidos nesse processo, estão símbolos, habitus e significados
culturais que distinguem indivíduos e sociedades e também as vias
de aproximação de povos e espaços físicos e sociais. (Cavalcanti,
1999, p. 126)

O aprofundamento do capitalismo se traduz, igualmente, pela


expansão das fronteiras agrícolas. Sobre essa questão, o livro de
Joe Foweraker (1982) é um profundo e minucioso estudo sobre
a “fronteira pioneira” no Brasil, desde os anos de 1930, o que in­
clui outras fronteiras além das referidas à região amazônica.
José de Souza Martins estabelece uma distinção entre frente
de expansão e frente pioneira. A primeira precede a segunda nos
espaços das fronteiras geográficas. De fato, a região Norte e, pos­
te­riormente, a Centro-Oeste haviam acolhido, ainda em períodos
anteriores, um grande contingente de migrantes originários das
regiões tradicionais. Esse fato fora particularmente intenso no
início do século XX, em razão, sobretudo, do boom da produção
de borracha na região Norte e em consequência das secas pro­
longadas que afetaram toda a região do semiárido nordestino, o
que se reproduziu, igualmente, nos anos 1950. Os migrantes que

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38 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

então se deslocaram puderam utilizar as terras disponíveis, através


do sistema de posse, e se integrar ao mercado por meio de sua
eco­nomia de excedente.
A frente pioneira, por sua vez, que avança sobre essa faixa
demográfica anterior, “exprime um movimento social cujo resul­
tado é a incorporação de novas regiões pela economia de mercado.
Ela se apresenta como frente econômica” (Martins, 1975, p. 45).
Não se trata, portanto, de uma primeira ocupação sobre uma
terra antes desabitada, e os agentes da economia de mercado não
trazem nada de novo para as áreas “conquistadas”. “O ‘novo’, que
é uma das dimensões do conceito de zona pioneira, é novo apenas
na ocupação do espaço geográfico e não na estrutura social”
(Mar­tins, 1975, p. 45), pois, o que esses agentes levam em suas
bagagens é o mo­delo de agricultura dominante nas áreas dinâ­
micas da eco­nomia brasileira, baseado, mais uma vez, na proprie­
dade privada da terra, na expropriação do trabalhador e na
subordinação do camponês.
No mesmo sentido, José Graziano da Silva também consi­
dera que “a fronteira não é necessariamente uma região distante,
vazia do ponto de vista demográfico. Ela é fronteira do ponto de
vista do capital, entendido como uma relação social de produção”
(J. G. da Silva, 1982, p. 115).
O controle da fronteira pelo capital será efetuado, sobretudo,
de duas formas: a apropriação de grandes extensões de terra por
empresas agropecuárias que receberam significativo apoio do Es­
tado, especialmente através do sistema de crédito agrícola e dos
programas de incentivos fiscais, e os projetos de colonização, que
também se constituíram em uma política pública.
Segundo Guilherme da Costa Delgado, a política de financia­
mento rural

UM SABER NECESSARIO.indb 38 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 39

[...] revela uma trajetória expansionista desde o início de sua


formulação efetiva — a partir de 1967 — até 1976. Esse subperíodo
é marcado por um crescimento inusitado das aplicações reais de
crédito, bastando, para ilustrar tal afirmação, indicar que entre 1969
e 1976 o índice de valor real do crédito rural concedido passou de
100 a 444 [...]. Tal elevação corresponde ao crescimento geométrico
no período 1969-1976, de 23,8% a.a., que é várias vezes superior ao
crescimento real do produto agrícola, situado em torno de 5% a.a.
[...]. Já em 1977 começam a se esboçar, em nível de governo, as
influências contencionistas da política monetária, que nesse ano se
reflete numa primeira inflexão para baixo do volume de crédito
concedido. (G. C. Delgado, 1985, p. 79)

Esses “recursos volumosos” iniciais “sedimentam sólidas alian­


ças urbano-rurais e contribuem efetivamente para uma mudança
na base técnica da produção rural” (G. C. Delgado, 1985, p. 80).
A política de incentivos fiscais visava ao desenvolvimento da
atividade produtiva em áreas escolhidas, especialmente no Nor­
deste e na Amazônia. Com seu apoio, pessoas jurídicas de todo o
país eram autorizadas a aplicar parte do seu imposto devido em
pro­jetos que fossem considerados de interesse para o desenvol­
vimento regional. Na verdade, pela ótica dos objetivos declarados,
os pí­fios resultados obtidos com essa política não justificam em
nada os vultosos recursos públicos canalizados para atrair grandes
empresas para essas regiões. Uma avaliação produzida pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta, entre
outros, os seguintes resultados:

Os principais benefícios dos incentivos fiscais na Amazônia foram


a criação de alguma infraestrutura regional e geração de conhecimentos
que poderão ser internalizados pela economia da região. Os projetos
incentivados pouco têm contribuído para aumentar o produto regio­
nal. Sua produção e venda atuais representam 15,7% do que fora
previsto; [...]. Os incentivos pouco têm contribuído para a fixação
da população regional [...] é generalizado o uso de mão de obra

UM SABER NECESSARIO.indb 39 09/01/2012 15:28:18


40 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

temporária sem qualquer cobertura trabalhista. (Gasques e


Yokomiso, 1996, pp. 235-6)

Em suas conclusões, os autores citados não hesitam em afirmar


que “o fraco desempenho dos projetos em geral caracteriza a polí­
tica de incentivos fiscais mais como um instrumento de doação
de recursos do que de desenvolvimento” (Gasques e Yokomiso,
1996, p. 327).
Guilherme da Costa Delgado já chamara a atenção para o fato
de que os “benefícios diretos ou indiretos à propriedade”, ofe­
recidos em nome do desenvolvimento rural, constituem, na ver­
dade, “um enorme reforço ao movimento de valorização da pro­
prie­dade territorial, que, de resto, está presente endogenamente
no processo de desenvolvimento capitalista” (G. C. Delgado,
1985, p. 104).
A respeito da colonização, José Vicente Tavares dos Santos
realizou um excelente estudo sobre o que denomina o “processo
da colonização agrícola”, visto como “um processo social
complexo, de dupla dimensão — espacial e temporal —, que faz
interagir forças sociais em conflito e que, assim, produz relações
sociais” (Santos, 1993, p. 257). Mais precisamente, sua pesquisa
tem como objeto o processo de colonização que envolveu cam­
poneses do Sul em busca de novas terras em Mato Grosso. Santos
entende a colonização como “um processo particular de expansão
da fronteira” (Santos, 1993, p. 15), que corresponde a uma “estra­
tégia governamental de povoação de novas terras” (Santos, 1993,
p. 16), em substituição às propostas de reforma agrá­ria. Para ele,

[...] esse processo foi um dos meios mais utilizados pelo Estado e
pelas camadas dominantes da sociedade brasileira para estender o
povoamento e as atividades econômicas a territó­rios cada vez mais
vastos do país. Mas isso só foi possível com a presença necessária de
amplas camadas do campesinato brasileiro. (Santos, 1993, p. 255)

UM SABER NECESSARIO.indb 40 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 41

Em suas conclusões, esse autor constrói algumas “noções


sociológicas”, para apreender a produção das relações sociais
nesse contexto particular do processo de colonização. Podemos
apenas indicá-las neste balanço: o “controle dos homens”, o “con­
trole do espaço”, a “seleção social”, a “reação às lutas sociais cam­
ponesas” e um “processo social alternativo”, especialmente o
“pro­jeto camponês”.
O avanço espacial do capital se efetua, fundamentalmente,
através da propriedade capitalista da terra. Como afirma José
Gra­ziano da Silva:

Somos tentados até a dizer que a expansão da fronteira tem sido a


garantia da perversa aliança entre a burguesia industrial e o lati­
fúndio, num pacto político que, além de manter a estrutura agrária
existente nas regiões de colonização mais antiga, impediu qualquer
medida destinada a democratizar o acesso à posse da terra nas
regiões mais novas. (J. G. da Silva, 1982, p. 119)

Para ele, “o padrão de crescimento da nossa agropecuária su­


pôs uma variável fundamental: a existência de uma fronteira a ser
ocupada” (J. G. da Silva, 1982, p. 114). Porém, no início dos
anos 1980, essa fronteira já estaria sendo “fechada”, entendendo
esse processo como

[...] um “fechamento” de fora para dentro, em que a terra perde o


seu papel produtivo e assume apenas o de “reserva de valor” e de
meio de acesso a outras formas de riqueza a ela associadas. Não é a
ocu­pação efetiva do solo, no sentido de fazê-lo produzir, mas sim
uma “ocupação pela pecuária” com a finalidade precípua de garantir
a propriedade privada da terra. (J. G. da Silva, 1982, p. 117)

José de Souza Martins, por sua vez, questiona o fechamento


das fronteiras, argumentando que, mesmo que tenham se es­gota­
do as terras passíveis de apropriação jurídica, a ocupação de no­vas

UM SABER NECESSARIO.indb 41 09/01/2012 15:28:18


42 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

áreas — tenham ou não um dono juridicamente reconhe­cido —


se efetua através do sistema de posse realizado pelos camponeses:

A fronteira não se esgota pela titulação das terras em favor de


grandes empresas e proprietários levada a efeito pelo Estado capi­
talista. É verdade que ergue barreiras judiciais ao avanço territorial
dos lavradores sem terra. Mas os lavradores do campo têm sua
própria concepção de direito de propriedade, que os faz levantar-se
subversivamente contra o direito proclamado e garantido pelo
Estado em favor das classes dominantes. As terras devolutas,
interditadas há mais de cem anos ao avanço dos posseiros, têm sido
sistematicamente invadidas em nome desse direito popular de
propriedade. (Martins, 1982, p. 17)

Otávio Guilherme Velho realizou um brilhante estudo sobre a


fronteira brasileira, no qual, através da comparação com outras
situações de fronteira, e introduzindo o conceito de “fronteira em
movimento”, propõe uma compreensão do que chama “capita­lis­
mo autoritário”, que se constrói sobre a base da repressão da for­ça
de trabalho (Velho, 1979; 1982). A análise que ele elabora sobre
o lugar do campesinato na fronteira será considerada mais adiante.
O mais importante a registrar é que a fronteira, enquanto
fren­te de expansão, assume uma dupla função para a sociedade
brasileira. Por um lado, ela se torna, crescentemente, produtora
de gêneros alimentícios, inclusive destinados às áreas de eco­
nomia mais dinâmicas do país, como é o estado de São Paulo (J.
G. da Silva, 1982, p. 118). Otávio Guilherme Velho também
nota essa vinculação entre a produção camponesa da fronteira e
o mercado de produtos alimentares nas cidades:

Essa produção camponesa, considerada de qualidade inferior, é


consumida pelas camadas mais baixas da população nas cidades.
Além do mais, cada vez que a produção capitalista é reduzida ou
então é parcialmente canalizada para mercados externos, abastece

UM SABER NECESSARIO.indb 42 09/01/2012 15:28:18


Um saber necessário | 43

uma fatia maior do mercado. Dessa forma, embora seu papel seja
suplementar, é aparentemente vital. (Velho, 1979, p. 199)

Por outro lado, a fronteira será o lócus dos principais conflitos


sociais envolvendo as classes subalternas agrárias. Muitos autores
apontam, também, a função de “válvula de escape” exercida pela
fronteira, na medida em que a posse, mesmo precária, da terra
des­congestionaria a pressão pela reforma agrária nas demais re­
giões. “Quando a fronteira se ‘fecha’, acaba se tornando, ela
mesma, uma região de conflitos pela posse da terra, como aquele
a que vimos assistindo em nossos dias” (J. G. da Silva, 1982,
p. 119). A questão da propriedade da terra será retomada mais
adiante.

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UM SABER NECESSARIO.indb 44 09/01/2012 15:28:19
ii
A subordinação do trabalho e a resistência
dos trabalhadores rurais

A modernização incompleta

Desde o início dos anos 1960, está em pleno vigor o processo


de ex­pulsão dos trabalhadores residentes nas fazendas e nos en­
ge­nhos — colonos, moradores, parceiros e pequenos arrendatá­
rios —, aqueles mesmos antes percebidos como partícipes de
relações não capitalistas. O êxodo rural visto em seu conjunto é,
sabidamente, um antigo processo de mobilidade demográfica,
porém a dimensão e a intensidade que alcançou no período repre­
sentam, sem dúvida, um fato novo, resultado dos processos de
expropriação e de marginalização dos trabalhadores e pequenos
agricultores camponeses, em consequência das formas adotadas
da modernização da agricultura. George Martine e Ronaldo
Garcia estimam que esse deslocamento tenha mobilizado cerca
de 16 mi­lhões de pessoas (Martine e Garcia, 1987, p. 59). Moacir
Pal­meira pondera:

O que há de novo no “êxodo rural” das décadas mais recentes é que,


embutido nele, está a expulsão sistemática de trabalhadores rurais
de diferentes categorias do interior dos grandes domínios [...]. Se
no passado o trabalhador expulso encontrava casa e trabalho em

UM SABER NECESSARIO.indb 45 09/01/2012 15:28:19


46 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

condições semelhantes numa outra propriedade, ou mesmo, num


momento seguinte, reconstituía a primeira relação; na expulsão
recente a saída da propriedade é definitiva e sem substituição ou,
dito de uma outra maneira, é o mesmo tipo de contrato tradicional
que é liquidado. (Palmeira, 1989, p. 89)

O significado desse processo é claramente explicado pelo


autor:

Não nos parece pois desprovido de sentido falarmos de expropriação


do campesinato. Trata-se menos de despojamento dos trabalhadores
rurais de seus meios de produção, pois destes, de alguma maneira, já
haviam sido ou sempre estiveram expropriados, mas de sua
expropriação de relações sociais, por eles vividas como naturais, que
tornam viável sua participação na produção e sobre as quais, por isso
mesmo, exercem algum controle que se traduz num certo saber
fazer. (Palmeira, 1989, p. 89)

Nesse contexto, a principal transformação provocada pela


moder­nização da agricultura ocorre nas relações de trabalho. De
fato, o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei no 4.214, de 2 de
março de 1963) regulamentou, pela primeira vez, as relações
de trabalho no setor agrícola.
No bojo de um intenso debate, que ultrapassou o âmbito do
Congresso Nacional e atingiu toda a sociedade, a promulgação
do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, significou a regula­
mentação pública das relações de trabalho nas atividades agrícolas.
Pela primeira vez no país, foram reconhecidos direitos trabalhistas
aos assalariados, fixadas as condições do exercício do trabalho
agrí­cola e instituídas proteções especiais aos trabalhadores. O
ETR, já em seu artigo 2o, define o trabalhador rural como “toda
pessoa física que presta serviços a empregador rural, em proprie­
dade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro
ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro”. Pela nova

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Um saber necessário | 47

lei, a jornada de trabalho corresponde a oito horas diárias; são


reconhecidos aos trabalhadores do campo, entre outros, o direito
ao salário mínimo, ao repouso e às férias remunerados, à esta­
bilidade no emprego após dez anos de contrato e ao aviso prévio,
em caso de rescisão unilateral do contrato de trabalho. As mulhe­
res e os menores de 18 anos merecem um tratamento específico.
A lei institui a carteira profissional, autoriza a organização de
sindicatos rurais e cria um Fundo de Assistência e Previdência do
Trabalhador Rural. Finalmente, ela prevê regulamentações
complementares a respeito das condições de higiene e segurança
do trabalho e do acesso à moradia e à educação dos filhos dos
trabalhadores. Ao longo do tempo, o ETR foi modificado por
sucessivos textos legais. A Constituição Federal de 1988 afirmou
a igualdade de direitos entre os trabalhadores urbanos e rurais.
A modernização da agricultura aprofundou o processo de
expropriação, gerando um tipo de trabalhador necessário às novas
exigências do processo produtivo. De fato, a introdução de in­
sumos modernos afetou de forma distinta as diversas fases do
pro­cesso produtivo (J. G. da Silva, 1981; 1982). Em consequência,
a demanda de trabalho tendeu a aumentar nos momentos em que
a mecanização ou o uso de produtos químicos são mais reduzidos,
o que acontece, especialmente, durante a colheita, que permaneceu
manual em grande parte das culturas. Essa sazonalidade do tra­
balho favoreceu a substituição do morador pelo trabalhador “vo­
lante”, como se chamava na época, que se caracteriza pelo fato de
que

[...] os produtores diretos vivem exclusivamente da venda de sua


força de trabalho e, para tanto, são obrigados a se deslocar con­tinua­
mente, seja de um local fixo a diferentes lavouras, ou de uma fazenda
a outra, a fim de executarem tarefas em regime de emprei­tada direta
ou intermediada. (Gonzalez e Bastos, 1977, p. 28)

UM SABER NECESSARIO.indb 47 09/01/2012 15:28:19


48 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

José Graziano da Silva já havia demonstrado, em sua tese, que


a gestação desse “proletariado rural” é uma consequência,
paradoxalmente, não apenas das transformações capitalistas da
agricultura, mas das próprias limitações dessas transformações,
ao não modernizar a totalidade do processo produtivo agrícola,
man­tendo o trabalho manual, especialmente, durante a fase da
colheita (J. G. da Silva, 1981, p. 119).
Vale registrar que a emergência dos trabalhadores assalariados,
considerados “puros”, no sentido de sua plena dependência da
venda da força de trabalho, será um dos temas de pesquisa mais
candentes de todo o período. Prova-o a realização de seis encontros
anuais sucessivos sobre a “mão de obra volante na agricultura”,
coordenados por Sonia Maria P. P. Bergamasco e a equipe de
pesquisadores do Departamento de Economia Rural da Unesp de
Botucatu, em colaboração com a Associação Brasileira de Reforma
Agrária (Abra) e com o apoio da Fundação Ford (Departamento
de Economia Rural, 1982). Da mesma forma, o Grupo Temático
da Associação Pipsa sobre “Movimentos Sociais no Campo”
reuniu ao longo de seu tempo de funcionamento um longo e di­
ver­sificado acervo de estudos sobre esse tema. (Ver também
Novaes, 1993; M. A. de M. Silva, 1999; Alves, 1991.)
Duas pesquisas, dentre tantas outras, que analisaram esse
processo de proletarização em contextos distintos devem ser aqui
ci­tadas de modo especial. Maria Conceição D’Incao e Mello rea­
li­zou um dos primeiros estudos sobre os trabalhadores assalariados,
na região da Alta Sorocabana, no estado de São Paulo. Para ela,
o “boia-fria” “é contratado para desempenhar determinada tarefa,
num curto espaço de tempo e sem qualquer vínculo de natureza
trabalhista com o empregador” (D’Incao e Mello, 1976, p. 110).
Esse último aspecto é o que parece à autora mais importante
a considerar, uma vez que o Estatuto do Trabalhador Rural, tal
como foi promulgado, não se aplica ao trabalhador sazonal, que

UM SABER NECESSARIO.indb 48 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 49

se torna, assim, “a solução menos onerosa para o empresário ru­


ral”. Dessa forma, há uma espécie de “descolamento” dessas novas
relações de trabalho das normas jurídicas que estavam sendo,
concomitantemente, instituídas. De fato, ao definir o trabalhador
rural pelo seu vínculo com um empregador, como foi visto acima,
o Estatuto do Trabalhador Rural exclui de seu campo regulatório,
precisamente, os novos trabalhadores, aliciados por intermediários,
volantes que se deslocam sem cessar de uma propriedade a outra,
sem aquele vínculo exigido com uma determinada empresa rural.
Nas palavras da autora,

[...] o “boia-fria”, pelo caráter intermitente do seu trabalho, se


define como Exército Industrial de Reserva, no processo global da
economia rural da região. Resultando do processo de liberação de
mão de obra, por efeito do desenvolvimento do sistema capitalista
de produção no campo, ele é reabsorvido como mão de obra mais
barata e consequentemente mais vantajosa para a acumulação do
capital. A sua participação no processo de produção se faz, por­
tanto, através da depreciação dos salários ou do valor pago à força
de trabalho. Esse fato o leva a vivenciar uma situação de extrema
mise­rabilidade que se reflete, no nível do seu subjetivo, como um
estado de constante insatisfação com o status quo e expectativa
permanente de melhores condições de vida. (D’Incao e Mello,
1976, p. 136)

Maria Conceição, a começar pelo expressivo título de sua tese,


no qual se refere às dimensões contraditórias do processo de
modernização — acumulação e miséria —, desvenda os processos
pelos quais, no Brasil, a miséria dos trabalhadores é a condição
para a realização da acumulação capitalista:

[...] o “boia-fria” afirma e nega o sistema. Afirma-o, permitindo que


a reprodução do capital se faça em nível ampliado. Nega-o, na
medida em que, garantindo condições de desenvolvimento para o
capital, acentua a contradição entre os detentores dos meios de

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50 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

produção e aqueles que, por não os possuírem, são obrigados a


vender a sua força de trabalho para sobreviverem. (D’Incao e Mello,
1976, p. 147)

E ela acrescenta em sua conclusão:

As condições em que se realiza a economia rural da Alta Sorocabana


devem, portanto, ser entendidas como uma combinação específica
dos elementos componentes do modo de produção típico do
Sistema Capitalista de Produção. A existência do “boia-fria” nesse
contexto é então uma manifestação histórica da contradição básica
do sistema. (D’Incao e Mello, 1976, p. 147)

Lygia Sigaud fará sua tese de doutorado sobre os ex-moradores


das plantações de cana-de-açúcar na Zona da Mata de Pernam­
buco. Antropóloga, ela aprofunda o caráter etnográfico do estudo,
procurando focalizar, mais diretamente, “como os trabalhadores
representam o processo de transformação que estão vivendo”
(Sigaud, 1979, p. 15). Também na cultura da cana em Pernam­
buco, assiste-se à expulsão dos antigos moradores dos engenhos
e sua instalação nas periferias das cidades. Para Lygia Sigaud, esse
momento corresponde à “dissolução” do tradicional sistema de
morada, o que significa “a expropriação do morador de deter­
minadas condições de produção e garantias de existência que
eram asseguradas pelo sistema de morada” (Sigaud, 1979, p. 35).
O sistema de morada havia sido estudado anteriormente por
Moacir Palmeira (1977) e pela própria Lygia Sigaud (1971). O
que parece à autora mais importante a registrar é a condição
mesma de ex-morador e as implicações dessa experiência passada
para a configuração das relações observadas no presente. A expli­
cação última para a emergência desse novo trabalhador, no con­
texto particular da economia canavieira de Pernambuco, não se
encontra, no entanto, em qualquer profunda transformação da

UM SABER NECESSARIO.indb 50 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 51

base técnica e econômica da reprodução do capital, visto que,


como reitera a autora, o trabalho agrícola “continua a ser execu­
tado pelos mesmos trabalhadores e a consistir no mesmo conjunto
de tarefas encadeadas” (Sigaud, 1979, p. 111). A explicação deve
ser buscada, antes, no contexto “de intensa mobilização política
e conflito aberto com os proprietários” (Sigaud, 1979, p. 224),
que resultou da promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural,
em 1963, e da correlação de forças políticas presentes no governo
estadual de Miguel Arraes de Alencar. “A grande maioria dos
trabalhadores que abandonam o engenho, não tendo sua situação
regulada, não tem a ficha (carteira de trabalho assinada) e portanto
não tem direitos. Esses trabalhadores se classificam e são classifi­
cados socialmente como clandestinos” (Sigaud, 1979, p. 129).
Recentemente, Otávio Valentim Balsadi publicou sua tese de
doutorado sobre o mercado de trabalho assalariado na agricultura
e as condições de vida desses trabalhadores. O autor formula a
seguinte hipótese:

[...] os movimentos gerais da agricultura brasileira no período em


questão (1992-2004) provocaram uma polarização na qualidade do
emprego, reforçando os fortes contrastes presentes nesse importante
setor econômico. Isso foi acarretado pelas grandes discrepâncias na
melhoria da qualidade do emprego agrícola dos empregados
permanentes vis-à-vis os temporários e também nas culturas mais
dinâmicas vis-à-vis as culturas domésticas. (Balsadi, 2008, p. 21)

No que se refere, mais especificamente, ao trabalho assalariado


agrícola, Otávio Valentim Balsadi distingue a situação dos em­
pregados permanentes e dos temporários.

[...] houve importantes avanços na melhoria da qualidade do


emprego na agricultura brasileira, principalmente nos indicadores
relativos às dimensões da formalidade e dos rendimentos. No
entanto, é de fundamental relevância dizer que ainda prevalecem

UM SABER NECESSARIO.indb 51 09/01/2012 15:28:19


52 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

condições muito mais favoráveis para os empregados permanentes,


em relação aos temporários. Esses resultados são determinados, mais
fortemente, pelos componentes vinculados ao grau de formalidade
do emprego (carteira assinada e contribuição previdenciária, princi­
palmente), ao rendimento médio mensal e a alguns benefícios re­
cebidos, o que tem contribuído, em várias situações, para ampliar
as diferenças entre tais categorias de trabalhadores, reforçando uma
tendência de polarização entre os segmentos mais e menos estru­
turados no mercado de trabalho agrícola. (Balsadi, 2008, p. 121)

Em 2004, as diferenças entre as duas categorias de trabalhadores


permaneciam expressivas:

100,0% dos empregados com carteira tinham cobertura da seguri­


dade social (contra 9,0% dos empregados sem carteira); 49,0% dos
empregados com carteira recebiam auxílio-alimentação, 51,0% rece­
biam auxílio-transporte e 25,0% recebiam auxílio-saúde (contra
31,0%, 18,0% e 3,0%, respectivamente, dos empregados sem car­
teira); 66,0% dos empregados com carteira estavam no mesmo em­
prego havia um ano ou mais (contra 48,0% dos sem carteira); 27,0%
dos empregados com carteira eram filiados a algum sindicato (contra
apenas 5,0% dos sem carteira). (Balsadi, 2008, p. 104)

E ele acrescenta: “Um fato comum a ambos, empregados com


ou sem carteira, é a questão do sobretrabalho, com extensas jorna­
das que ultrapassam as 44 horas semanais” (Balsadi, 2008, p. 104).
Além do trabalhador acima descrito, há uma outra modalidade
de trabalho volante, que corresponde àqueles que, “em deter­
minados períodos, especialmente nas colheitas, deixam sua resi­
dência e se deslocam temporariamente, para executarem tarefas
agrícolas, retornando à sua base após o término dessa atividade”
(Gonzalez e Bastos, 1977, p. 27). A migração temporária de pe­
que­nos agricultores para trabalhar como assalariados temporários
nas grandes culturas tem sido até hoje objeto de estudos de
grande relevo.

UM SABER NECESSARIO.indb 52 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 53

Maria Aparecida de Moraes Silva é uma das principais pesqui­


sadoras desse processo no Brasil. Seu estudo está voltado especial­
mente para a compreensão da situação dos pequenos produtores
camponeses que, originários do Vale do Jequitinhonha, Minas
Gerais, deslocam-se anualmente para trabalhar no corte da cana
nas usinas de açúcar paulistas. A riqueza das reflexões da autora
vem, sobretudo, do fato de que ela os encontra na região de
origem, enquanto camponeses, e em São Paulo, tanto no eito da
cana quanto nos precários lugares de moradia. Maria Aparecida
de M. Silva analisa os três processos que considera constitutivos
do que denomina a “modernização trágica”: a expropriação, a
exploração-dominação e a exclusão:

A análise do processo de expropriação conduz à compreensão das


diferenças sociais. Não se trata de um exército homogêneo, de uma
força de trabalho abstrata, pronta para ser explorada pelo capital.
Além dos cognominados “boias-frias”, habitantes das periferias ou
das cidades-dormitórios, há os sazonais ou “queima-latas” (migran­
tes), os “pingaiadas”, referente aos que perambulam de uma proprie­
dade a outra, trabalhando em troca de comida e bebida, os itine­
rantes, os peões de trecho, que vivenciam a exclusão combinada ao
pouco tempo de trabalho. Não obstante, essas diferenças sociais são
impregnadas de referências étnico-raciais e de gênero. Em relação
aos migrantes, recai sobre eles o peso de serem “de fora”, de “minei­
rada”, de “baianada”, enfim, de serem negados. Aqueles que viven­
ciam a exclusão são considerados marginais, mendigos ou pingaiadas.
(M. A. de M. Silva, 1999, p. 19)

Em texto mais recente, referindo-se às condições de trabalho


na agroindústria açucareira de São Paulo, ela afirma:

Nos últimos anos, a riqueza advinda do agronegócio do açúcar e


álcool vem sendo exposta nas vitrines dos agro-shows, feiras reali­
zadas em Ribeirão Preto com o intuito de revelar o Brasil moderno,
avan­çado tecnologicamente e cuja agricultura é movida tão somente

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54 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

por má­quinas. No entanto, há uma outra realidade situada atrás do


pal­co desse show. Um mundo invisível, escondido no meio dos
canaviais e laranjais que compõem a gigantesca produção dessa
região: o trabalho e os trabalhadores. (M. A. de M. Silva, 2006, p. 113)

É ainda Maria Aparecida quem registra uma mudança no que


chama “cartografia migratória”, com um maior recrutamento de
trabalhadores do Maranhão e do Piauí. Para ela, essa mudança se
explica pelo fato de que

[...] houve uma enorme intensificação do ritmo do trabalho,


traduzido em termos da média de cana cortada, em torno de 12
toneladas diárias. Esse fato está diretamente relacionado à capacidade
física, portanto, à idade, na medida em que acima de 30 anos de
idade os trabalhadores já encontram mais dificuldades para serem
empregados. Dessa sorte, a vinda desses outros migrantes cumpre a
função de repor, por meio do fornecimento de maior força de
trabalho, o consumo exigido pelos capitais, cuja composição
orgânica é maior. (M. A. de M. Silva, 2006, p. 114)

Refletindo sobre o fato de que 13 trabalhadores morreram nas


usinas de São Paulo durante a realização de suas tarefas como
cor­tadores de cana, entre 2004 e 2005, a autora afirma que “as
mor­tes são, na verdade, a ponta do iceberg de um processo gi­
gantesco de exploração, no qual não somente a força de traba­
lho é consumida, como também a própria vida do trabalhador”
(M. A. de M. Silva, 2006, p. 124). E, descrevendo minuciosa­
mente as condições do trabalho do corte da cana, ela conclui:

A principal característica desse trabalho é a de ser extremamente


árduo e estafante, pois exige um dispêndio de força e energia que,
muitas vezes, o trabalhador não possui, tendo em vista o fato de
se­rem extremamente pobres, se não doentes e subnutridos, além de
serem submetidos a uma disciplina rígida, cujo controle não incide
apenas sobre o tempo de trabalho, como também sobre os movi­

UM SABER NECESSARIO.indb 54 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 55

mentos do corpo e o grau de competição estabelecido entre os


cortadores. (M. A. de M. Silva, 2006, p. 128)

Marilda Menezes é também uma estudiosa desse tema e tem


desen­volvido pesquisas mais diretamente com grupos de cam­
poneses paraibanos que se deslocam para o corte da cana em
Per­nambuco. Essa autora construiu a categoria “camponeses-
trabalhadores migrantes” para dar conta desse tipo de trabalhador,
cuja principal característica é a associação, em suas formas de
reprodução, entre a manutenção do sítio familiar e o recurso ao
assalariamento temporário. Para ela, “camponeses-trabalhadores
não é uma categoria de transição que se situa na transformação
de uma formação social [...]. Ao contrário, é uma adaptação
permanente e de longa duração, dentro da sociedade industrial”
(Menezes, 2002, p. 50).
A autora justifica a pertinência da categoria analítica que
propõe:

[...] o uso da categoria camponeses-trabalhadores parece apropriado


para explicar a natureza de grupos de camponeses que têm trabalhado
em atividades assalariadas, ao longo de suas vidas e através de
gerações. O trabalho assalariado, em geral, é encontrado apenas em
locais distantes de suas comunidades, o que os obriga a migrar. Por
essa razão, entendo que o grupo estudado pode ser representado
pela categoria “camponeses-trabalhadores migrantes”. (Menezes,
2002, p. 51)

Apesar da modernização — e, certamente, como consequência


das formas sociais pelas quais ela ocorreu —, registram-se ainda
no Brasil numerosos casos do trabalho dito análogo à escravidão:

A partir do final da década de 1960, houve o acirramento dos casos


de escravidão por dívida em projetos agropecuários instalados na
Amazônia brasileira. Esse aumento ocorreu ao mesmo tempo em

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56 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

que o governo, por intermédio da Superintendência do Desenvol­


vimento da Amazônia (Sudam), implantava um conjunto de me­
didas econômicas e fiscais para o “desenvolvimento” da região. Sem
fiscalização rigorosa do Estado, distante do controle da sociedade
civil e com a imprensa sob censura, a maioria das empresas finan­
ciadas ou com incentivos do governo incorreu no crime. A regra era
obter o trabalho, por coerção psicológica e/ou física, de pessoas
aliciadas em diversas partes do país e levadas para a região Norte.
(Cerqueira et al., 2008, p. 21)

José de Souza Martins propõe um quadro teórico para explicar


a pre­sença desse tipo de relação nas condições modernas de
produção agropecuária:

Pode-se dizer que o capital tanto remove ou dissolve relações sociais


(e relações de produção) que bloqueiam sua reprodução ampliada
quanto incorpora a ela aquelas persistentes relações que, ainda que
temporariamente, não podem ser substituídas. Nesse sentido, de
fato ele as recria, mas agora como momento do seu processo de
reprodução. Elas parecem ser as mesmas relações, mas são agora
outra coisa, isto é, são agora forma social carregada de novas
determinações decorrentes da mediação do capital no movimento
da sua reprodução ampliada. (Martins, 1994, p. 5)

E ele complementa:

Portanto, na frente pioneira, o trabalho escravo está sendo utilizado


sobretudo fora do processo de trabalho propriamente dito, isto é,
fora do processo normal e permanente de produção propriamente
capitalista. Nesse sentido, é uso de trabalho em tarefas próprias de
uma situação de acumulação primitiva. Conceito que, aliás, ganha
melhor definição se, além de considerarmos a expropriação que
força a entrada do trabalhador no mercado de trabalho, considerar­
mos, também, que esse momento de expropriação dos meios de vida se
prolonga na superexploração da força de trabalho. Ou seja, quando o
trabalhador compromete a sua própria sobrevivência, ou de sua
família, quando é expropriado da possibilidade de viver, trabalhando

UM SABER NECESSARIO.indb 56 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 57

mais do que a jornada normal de trabalho, acima do trabalho


excedente extorquido sob a máscara do salário e da contratualidade
da relação entre patrão e empregado. (Martins, 1994, p. 8)

Legislação recente redefiniu o conceito de trabalho escravo,


am­pliando sua abrangência para todas as situações que se carac­
terizam como “trabalho degradante”. De fato, segundo o artigo 1o
da Lei no 10.803, de 11 de dezembro de 2003, configura-se como
condição análoga ao trabalho escravo, sujeita às penas da lei, re­
duzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o
a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto. Da mesma forma, a lei considera
criminoso aquele que retém o trabalhador no local de trabalho,
cerceando-lhe o uso de meios de transporte, mantendo vigilância
ostensiva sobre ele ou apoderando-se de seus documentos ou
objetos pessoais. O Incra, em seu Plano para Erradicação do
Trabalho Escravo, citando dados da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), reconhece que “podem existir no Brasil 25 mil trabalhadores
e trabalhadoras rurais vivendo em regime aná­logo ao trabalho
escravo, em diversos estados do país, com ên­fase nos estados da
Região Norte” (Brasil. MDA–Incra, 2005, p. 9).
Triste destino de uma “trágica modernização”!

Os trabalhadores rurais na cena política

Num plano mais geral, as posições expressas podem ser entendidas


em torno de duas concepções polares. Por um lado, há aqueles
que viam a consolidação do capitalismo como um processo avas­
salador, capaz de subordinar todas as relações sociais de trabalho

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58 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

e de vida social e de inviabilizar qualquer resistência eficaz da


par­te das classes subalternas. Por outro lado, há os que adotaram
um outro quadro de referências, recusando a admitir a passividade
ou a impotência dos trabalhadores diante da inexorabilidade da
dominação capitalista. As lutas dos trabalhadores aparecem, nesse
caso, em toda a sua diversidade e complexidade.
A leitura baseada numa certa ortodoxia marxista, então, forte­
mente presente no debate brasileiro, via na proletarização a con­
firmação da emergência das relações propriamente capitalistas
na produção agrícola, isto é, a consolidação de um verdadeiro
pro­le­tariado rural, ator social a quem muitos atribuíam uma mis­
são revolucionária na sociedade. O contraponto a essa leitura é
apre­sentado por autores, cujas análises demonstram as contra­
dições e os limites desse processo. Assim, Vera Botta Ferrante,
entre ou­tros, assume uma posição crítica diante das “análises li­
neares e in­terpretações teleológicas das ações de classe”, e da visão
pré-cons­truída do proletariado rural, “destinado a cumprir uma
deter­minada vocação revolucionária” (Ferrante, 1993, p. 70).
Para ela,

[...] as imposições e determinações do capital, eficazes na cons­trução


de mecanismos de controle e poder sobre esses trabalha­dores, não
se apropriam de todo espaço social, nem são dotadas de um poder
onipotente e mágico, capaz de inibir contradições presentes de uma
relação de forças. (Ferrante, 1993, p. 70)

No mesmo sentido, Maria Aparecida de Moraes Silva desvenda


o significado profundo da formação desse proletariado agrícola
no Brasil:

A “acumulação primitiva desse proletariado” conduziu à formação


de um mercado de trabalho caracterizado pelo desenraizamento so­
cio­cultural e pela diferenciação social sob a rubrica da lei. Obvia­

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Um saber necessário | 59

mente, esse processo culminou na desvalorização da força de traba­


lho, pois que seus possuidores eram desvalorizados, não reconhecidos,
sem identidade social, atrelados a uma organização do trabalho for­
temente disciplinária, imprimindo a esse período histórico o caráter
de fase selvagem da exploração. (M. A. de M. Silva, 1999, p. 74)

Vale lembrar que até 1985 as organizações dos trabalhadores


e camponeses viviam sob o rígido controle dos governos militares.
Mesmo assim, elas não esperaram a volta oficial da democracia
para expressar suas resistências aos processos de expulsão e de
subor­dinação de que eram vítimas, em contextos e formas dis­
tintos. Como afirma Leonilde Servolo de Medeiros: “Uma das
marcas notáveis da vida política brasileira nos últimos 40 anos foi
a emergência dos trabalhadores rurais na cena política, consti­
tuindo-se progressivamente como sujeitos sociais, numa trajetória
descontínua, marcada por avanços e recuos, vitórias e derrotas”
(Me­deiros, 1989, p. 211).
Os “boias-frias”, na análise de Vera Botta Ferrante, “não são
dó­ceis herdeiros da modernização” (Ferrante, 1993, p. 70). O
“cam­po de lutas” por eles construído é “heterogêneo, com muitos
protagonistas, um fazer-se diferenciado, passível de ser represen­
tado sob diferentes olhares” (Ferrante, 1993, p. 73). E Maria
Aparecida de Moraes Silva complementa: “[...] trata-se de um
pro­cesso que envolve posições, resistências, construções, descons­
truções, contradições das organizações sociais de classe, gênero e
étnico-sociais. Portanto, não existe um único sistema de domi­
nação fabricado pelo capital e operante apenas durante o ato pro­
dutivo” (M. A. de M. Silva, 1999, p. 105).
Os estudiosos dos movimentos sociais rurais mostram como,
sob a liderança da Contag, as lutas dos assalariados, no confronto
entre capital e trabalho, se expressavam ora através de processos
abertos na Justiça do Trabalho, ora através do recurso a greves ou
outras ações mais diretas de resistência:

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60 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Os assalariados [...] seja por meio das denúncias sobre o crescimento


dos níveis de miséria nas áreas onde os “boias-frias” eram a forma
predominante de trabalho, seja a partir dos anos 1980, por meio de
mobilizações e greves, traziam a público uma outra face da moderni­
zação: as precárias condições de vida e de trabalho, configuradas em
emprego sazonal, salários baixos, extensas jornadas de trabalho, tra­
balho infantil, condições inseguras de transporte, falta de registro
profissional e a consequente falta de garantia de direitos trabalhistas
básicos (como descanso remunerado, férias, décimo terceiro salário,
licença-maternidade), favelização das periferias das pequenas e
médias cidades próximas às regiões de grandes lavouras etc.
(Medeiros, 2003, p. 30)

São inúmeros os registros de greves durante todo o período.


As mais importantes delas foram as que paralisaram os ca­
navieiros de Pernambuco, em 1979 (Sigaud, 1980), e a de
Guariba, envolvendo também trabalhadores canavieiros da re­
gião de Guariba, em São Paulo (D’Incao, 1986). (Ver as Re­
ferências bibliográficas.)
Para Verena Stolcke, mesmo na ausência dessas ações, não se
pode falar em passividade e submissão dos trabalhadores assala­
riados. “Os confrontos entre trabalhadores e fazendeiros na maio­
ria das vezes assumiam a forma de resistência individual ou re­sis­
tência coletiva não organizada ao trabalho” (Stolcke, 1986, p. 286).
Há ainda a considerar um aspecto importante da resistência
dos assalariados, que a muitos surpreendeu, mas que foi percebido
por diversos pesquisadores. Trata-se da demanda pelo acesso a
terra por aqueles que acabavam de ser dela expropriados.

[...] apesar da individualização da mão de obra rural, dado que os


salários são muito baixos, mantém-se a necessidade de unir esforços
dentro da família. A contradição entre as normas familiares
tradicionais e as novas condições econômicas introduz tensões na
fa­mília, que desafiam a sua permanência. O colonato reforçou uma
organização familiar, onde estava implícita a cooperação, ao passo

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Um saber necessário | 61

que o sistema atual de trabalho assalariado eventual exige a reunião


do rendimento dos membros da família, mas ela deixa de ser uma
uni­dade de trabalho. Porém, porque persistiu a necessidade de par­
tilhar os rendimentos, o trabalho assalariado individual não con­
seguiu converter os homens, e menos ainda as mulheres, em agentes
formalmente livres no mercado de trabalho, liberados de todos os
compromissos familiares. (Stolcke, 1986, p. 348)

No mesmo sentido, na pesquisa de Lygia Sigaud, acima citada


(Sigaud, 1979), chama a atenção a análise que a autora propõe a
respeito das relações dos ex-moradores com a terra. Para ela, “a
ida para a cidade, a rigor, vai reforçar entre os trabalhadores uma
perspectiva camponesa”. Isso porque “o que os trabalhadores mais
ressentem por estarem residindo na cidade é o fato de dependerem
exclusivamente do salário para se reproduzir enquanto força de
trabalho” (Sigaud, 1979, p. 244). Assim, para ela, esses traba­
lhadores cada vez mais confirmam a “certeza de que é na agri­
cultura exercida de uma maneira independente pelo traba­lhador
com sua família, visando atender ao consumo do grupo doméstico,
que se encontram a saída e a alternativa dos trabalhadores”
(Sigaud, 1979, p. 244).
Maria Conceição D’Incao e Mello também se refere a essa
mesma demanda dos boias-frias por terra:

Observou-se no decorrer deste trabalho que o “boia-fria” orienta a


sua perspectiva de futuro ora para a posse da terra, ora para o tra­
balho fixo na cidade. Esse fato aparece diretamente vinculado à sua
história de vida. Aqueles que passaram diretamente da condição de
camponeses no meio rural para a de “boia-fria” vinculam a solução
do seu problema à conquista de “um sítio para tocar”. Mas um sítio
que seja deles [...]. (D’Incao e Mello, 1976, p. 144)

A questão da terra será considerada a seguir.

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iii
A concentração fundiária
e as lutas pela terra

A “perversa aliança” entre capital e propriedade


fundiária

Parece paradoxal o fato de que durante todo o período de conso­


lidação dos complexos agroindustriais, os conflitos sociais rurais
tenham tido, predominantemente, um caráter de luta pela terra.
Na verdade, não é um paradoxo, como demonstram os numerosos
estudos que trataram a problemática da propriedade fundiária
por diversos ângulos.
Do ponto de vista político e social, a questão central é a cons­
ta­tação de que, no Brasil, o mesmo movimento de aprofundamento
do capital reproduz a concentração da terra. A lógica fundiária é,
assim, a face com a qual o capital age ao transformar agricultores
sem terra em assalariados, bem como ao expulsar posseiros das
áreas de fronteiras para ocupar suas terras segundo o modo
capitalista de propriedade. Trata-se de uma acumulação primitiva,
agora no sentido marxista que, sem renunciar ao outro sentido
dado à acumulação primitiva, já referido, concentra os meios de
produção — a terra em primeiro lugar — e separa definitivamente
o produtor direto de suas condições de subsistência. Sobre esse
tema, numa perspectiva mais teórica, registro o livro de Sérgio

UM SABER NECESSARIO.indb 63 09/01/2012 15:28:19


64 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Silva que resultou de sua tese de doutorado: Valor e renda da terra:


O movimento do capital no campo (S. Silva, 1981). Mais recente­
mente, novos estudos, efetuados com o apoio do Nead–MDA,
trazem uma análise sobre o mercado de terras no Brasil (Reydon,
2000 e 2007).
Na visão de José de Souza Martins, a compreensão sociológica
das lutas populares no campo e o desven­da­mento do seu sentido
histórico, do seu alcance e dos seus limites passam, pois,

[...] necessariamente, por esse eixo estrutural da questão, que é a


propriedade da terra: o direito que a sustenta, o uso que dela se faz.
É particularmente essencial compreender que a forma assumida pela
propriedade territorial “amarra” relações sociais, organiza relações
de classe, sus­tenta relações econômicas e políticas, edifica uma
determinada estrutura de poder, alimenta relações de dominação,
define li­mites para a participação democrática das diferentes classes
sociais, particularmente as classes trabalhadoras. O atual edifício
político brasileiro ruiria se esse alicerce fosse tocado, modificado ou
destruído: desapareceria uma das dificuldades para o progresso
político das populações do campo. A propriedade territorial
constitui mediação essencial da organização política brasileira.
(Martins, 1986, p. 66)

Vale lembrar que parcela significativa dessas grandes proprie­


dades, então apropriadas, o foi de forma ilegal, através do que se
costumou chamar “grilagem” de terras, que consiste na fraude e
na fal­sificação de títulos de propriedade de terras. Segundo o
Livro branco da grilagem de terras no Brasil, publicado pelo próprio
In­cra, “a grilagem é um dos mais poderosos instrumentos de
domí­nio e concentração fundiária no meio rural brasileiro. Em
todo o país, o total de terras sob suspeita de serem griladas é de
aproxi­madamente 100 milhões de hectares” (Brasil. Incra, s.d.).
A questão fundiária se amplia e se aprofunda, com a inclusão
de novos campos de conflito, especialmente aqueles envolvendo

UM SABER NECESSARIO.indb 64 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 65

os agricultores, cujas terras foram utilizadas para a construção de


usinas hidrelétricas (Duque, 1983; Sigaud, 1986; Reis e Bloemer,
2001) e os que ocorreram no Sul do país, sob o efeito do “retorno”
dos que tentaram sem sucesso participar dos projetos de coloni­
zação no Mato Grosso e no Pará (Santos, 1985; 1993). Mas foi,
sobretudo, nas áreas de fronteira que os conflitos pela terra foram
mais agudos, opondo, na maioria das vezes de forma violenta, os
antigos posseiros e as chamadas empresas agropecuárias, apoiadas
pelos estímulos recebidos do Estado (Esterci, 1987).
Tema proibido durante os governos militares, a questão fun­
diária volta ao debate nacional com a criação, em 1985, já num
ambiente de redemocratização, do Ministério da Reforma e do
De­senvolvimento Agrário (Mirad) e será um dos temas mais can­
dentes durante a elaboração da nova Constituição Federal,
promulgada em 1988.
Do ponto de vista político, o que é interessante reter, para
além da derrota sofrida pelas propostas dos movimentos sociais
nas votações da Assembleia Constituinte (D’Incao, 1990; J. G.
da Sil­va, 1988; Brumer e Santos, 1997), é a compreensão reiterada
do lugar central que a propriedade da terra ocupou nos debates.
A criação da União Democrática Ruralista (UDR), que foi a ex­
pres­são mais forte do empresariado rural, tinha, efetivamente,
como traço unificador de todos os seus interesses, a defesa da
pro­priedade da terra (Bruno, 1997, 2007 e 2008).
A eliminação das categorias de imóveis até então adotadas, em
torno da polarização latifúndio-minifúndio, e a mu­dança semân­
tica que consagrou a categoria “agronegócio”, em subs­tituição à
de latifúndio, foram os principais artifícios pelos quais se tentou
revestir a velha questão com uma roupagem de mo­dernidade. É
de Moacir Palmeira uma das mais interessantes análises sobre a
questão agrária e a modernização da agricultura:

UM SABER NECESSARIO.indb 65 09/01/2012 15:28:19


66 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Em muitos casos, as motivações econômicas dos capitalistas que


investem na agricultura, qualquer que seja a origem de seus capitais,
residem menos na perspectiva de aí realizar lucros maiores do que
em outros setores da economia ou, a exemplo, dos rentiers clássicos,
de daí retirar uma renda em nada incompatível com os seus lucros,
do que na perspectiva de uma aplicação de dinheiro comparativamente
mais vantajosa, dentro dos marcos de uma determinada política
econômica e considerada a conjuntura do mercado, a outras
aplicações financeiras. (Palmeira, 1989, p. 88)

Regina Bruno tem se dedicado há muitos anos a estudar os


grandes proprietários de terra, mais particularmente suas práticas
políticas. Para ela, a dupla condição de donos de grandes extensões
de terra e de empresários da produção agrícola impregna essa
categoria de uma ambiguidade fundante, que tem levado as novas
gerações a formular “uma nova retórica de legitimação que
procura projetar a imagem de um patronato rural e agroindustrial
liberal e progressista, preocupado com as questões sociais e
orientando-se segundo modernos padrões de rentabilidade e
competitividade” (Bruno, 1997, p. XI). Apesar dessa dimensão,

[...] é a noção de propriedade fundiária que costura uma unidade


interna, articulada de tal maneira e com tal dimensão que amiúde
enuncia um modo de existência, uma causa e um propósito de ação.
Ela designa poder e prestígio e se remete ao agir — defender-se,
impedir, não tolerar, nem negociar. Nesse processo exige ou
referenda a violência contra os trabalhadores rurais. (Bruno, 1997,
p. XIII)

Dessa forma,

[...] as designações “latifundiários” e “empresários” são complemen­


tares, não opostas [...]. Em conjunto, elas instituem uma nova
realidade, onde velhas e novas formas de dominação convivem sem
maiores escrúpulos: atrás da agroindústria esconde-se o latifundiário;

UM SABER NECESSARIO.indb 66 09/01/2012 15:28:19


Um saber necessário | 67

atrás do banqueiro organiza-se a Associação de Criadores; atrás das


sociedades anônimas decidem os clãs familiares; atrás do rei da pro­
dução flagra-se o pistoleiro. Ou seja, atrás do discurso moderno
tenta-se dissimular o conservador. (Bruno, 1997, p. 11)

Até os dias atuais, a associação entre o capital e a propriedade


fundiária permanece um tema candente do debate, na medida
mes­ma em que, como foi dito, nunca deixou de ser o eixo de es­
tru­turação da modernização da agricultura no Brasil. Vale a pena
expor mais longamente os argumentos apresentados a esse res­
peito por José de Souza Martins:

Ao contrário do que ocorria com o modelo clássico da relação entre


terra e capital, em que a terra (e a renda territorial, isto é, o preço
da terra) é reconhecida como entrave à circulação e à reprodução do
capital, no modelo brasileiro, o empecilho à reprodução capitalista do
capital na agricultura não foi removido por uma reforma agrária, mas
pelos incentivos fiscais. [...] O regime militar [...] procurou moder­
nizar, mantendo-a, a propriedade da terra, afastando, portanto, a
alternativa de uma reforma agrária radical que levasse à expropriação
dos grandes proprietários de terra, com a sua consequente substi­
tuição por uma classe de pequenos proprietários e pela agricultura
familiar, como sucedera em outras sociedades. Ao mesmo tempo,
comprometeu os grandes capitalistas com a propriedade fundiária e suas
implicações políticas. No fim das contas, uma tentativa de instituir
uma base estável para a aliança política que ganhou forma com a
Revolução de 1930. Com a diferença, porém, de que não se tratava
de mera aliança política, como se dera até 1964, mas agora de uma
substantiva aliança social e econômica. Uma opção, portanto, de
larga durabilidade e não apenas uma opção transitória para esvaziar
as tensões sociais no campo. (Martins, 1994, p. 79)

As consequências dessa esdrúxula união entre “a racionalidade


do capital e a irracionalidade da propriedade fundiária” (Martins,
1994, p. 92) repercutem na esfera diretamente econômica, na
me­dida em que ela mantém uma lógica extensiva de reprodução,

UM SABER NECESSARIO.indb 67 09/01/2012 15:28:20


68 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

que afeta as potencialidades do próprio progresso técnico.


Compreende-se, assim, a grande resistência dos empresários ru­
rais em aceitar qualquer tentativa de atualização dos índices de
produtividade, cujas medidas vigentes datam dos anos 1960. Ao
mesmo tempo, essas consequências incidem no plano político-
social, como explica ainda José de Souza Martins:

A propriedade da terra é o centro histórico de um sistema político


persistente. Associada ao capital moderno, deu a esse sistema
político uma força renovada, que bloqueia a constituição tanto da
verdadeira sociedade civil quanto da cidadania de seus membros. A
sociedade civil não é senão esboço num sistema político em que, de
muitos modos, a sociedade está dominada pelo Estado e foi trans­
formada em instrumento do Estado. E Estado baseado em relações
políticas extremamente atrasadas, como as do clientelismo e da
dominação tradicional de base patrimonial, do oligarquismo. No
Brasil, o atraso é um instrumento do poder. (Martins, 1994, p. 13)

As lutas pela terra e os assentamentos rurais

Escrevendo no início dos anos 1980, José de Souza Martins afir­


ma que “hoje, no Brasil, a questão política no campo é, principal­
mente, a questão da propriedade da terra” (Martins, 1982, p. 11).
No mesmo sentido, Leonilde Sérvolo de Medeiros identifica
como traço comum a todos os movimentos sociais rurais, nesse
período, “a resistência dos trabalhadores rurais, fossem posseiros,
arrendatários, foreiros ou moradores, em deixar a terra em que
trabalhavam e da qual estavam sendo expulsos” (Medeiros, 1989,
p. 34). Por essa razão, a luta pela terra se dissemina a tal ponto,
que, como afirma essa autora, “não houve, na década de 1970, um
único estado da Federação onde a luta pela terra não estivesse pre­
sente, de forma mais ou menos aguda” (Medeiros, 1989, p. 110).

UM SABER NECESSARIO.indb 68 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 69

Em 1980, um documento da Conferência Nacional dos


Bispos do Brasil (CNBB), intitulado “A Igreja e os problemas da
ter­ra”, denuncia com veemência a “extrema violência da luta pela
terra em nosso país, com características de uma guerra de exter­
mínio, em que as baixas mais pesadas estão do lado dos lavradores
pobres” (CNBB, 1980). Esse documento teve uma grande reper­
cus­são na sociedade brasileira e foi objeto de grandes debates no
meio acadêmico.
Para José de Souza Martins, o que está em questão, particu­
larmente no caso das fronteiras, é o confronto entre concepções
distintas de propriedade: por um lado, a propriedade capitalista,
absoluta, da terra e, por outro lado, o sistema de posse, praticado
por pequenos agricultores, que não implica a propriedade abso­
luta da terra, mas o controle dos processos de trabalho, dos seus
instrumentos e, sobretudo, dos resultados da produção. É por
essa razão que José de Souza Martins considera a posse da terra
“como um problema de resistência à expansão do capital” (Mar­
tins, 1982, p. 18) e afirma que essa luta pela terra visa “à restau­
ração da autonomia do camponês, à sua independência” (Martins,
1982, p. 19).
Sobre o mesmo tema, esse autor já havia formulado uma pro­
funda reflexão teórica sobre as relações entre o capital e a proprie­
dade da terra no livro Os camponeses e a política no Brasil, especial­
mente no capítulo V: “A sujeição da renda da terra ao capital e o
novo sentido da luta pela reforma agrária” (Martins, 1981).
Em outro texto, referindo-se à classe dos grandes proprietários
de terra, Martins afirma:

[...] a diversidade dessa classe está de fato organizada sobre o alicerce


da renda fundiária. Qualquer ação relativa à propriedade da terra
atravessa todas as outras mediações econômicas e sociais para chegar
à raiz de todas elas que é a renda territorial, um elemento econômico
completamente diferente do lucro capitalista. O proprietário pode

UM SABER NECESSARIO.indb 69 09/01/2012 15:28:20


70 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

até ser um característico e moderno empresário capitalista, mas por


ser proprietário não pode deixar de viver a contradição que há entre
o capitalista e o rentista. Seria procedimento inadequado supor que
o caráter fundamental da mediação representada pela renda
fundiária suprime a importância sociológica das outras mediações.
Não a suprime. Como não suprime a sua determinação no processo
do capital. (Martins, 1986, p. 66)

A percepção de que as lutas pela terra nas áreas de fronteira


expressam a polarização entre duas formas sociais de propriedade
da terra é, no entanto, fortemente contestada por Leonarda Mu­
sumeci. Em sua tese de doutorado, ela afirma:

Em boa parte dos trabalhos de cientistas sociais sobre a temática da


fronteira e do pequeno produtor na Amazônia, afirma-se que o
camponês posseiro tem uma concepção não mercantil, não
capitalista da propriedade da terra e que sua forma característica de
ocupação, através de direitos, oriundos do, e subordinados ao traba­
lho, entra em choque não apenas com as normas jurídicas formais
que regulam o acesso a terra no país, mas com os próprios fundamen­
tos econômicos e ideológicos do sistema capitalista, cuja expansão
no campo dependeria da implantação e consolidação da propriedade
privada e da economia de mercado. (Musumeci, 1988, p. 30)

Ao contrário do que considera uma “versão dualista”, ela


entende que

[...] o confronto dos camponeses com a “frente pioneira” não é por


eles pensado necessariamente como choque entre concepções opostas
de propriedade ou formas antagônicas de ocupação da terra, mas
sobretudo como brusca mudança no modo de exercer e legitimar o
uso privado desta: se antes ser dono bastava para o reconhecimento
consuetudinário, hoje é preciso ter um documento. As próprias di­
men­sões do “antagonismo” entre os dois “códigos” de apropriação
da terra podem-se reduzir, desse ponto de vista, ao problema da
le­ga­lidade ou não da posse. (Musumeci, 1988, p. 61)

UM SABER NECESSARIO.indb 70 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 71

A respeito desse debate, Otávio Guilherme Velho considera


que “a ideologia ‘espontânea’ do pequeno agricultor na Amazônia
tende a ser a de visualizar a fronteira como a realização de um
ideal de liberdade, que se opõe ao cativeiro de situações constran­
gedoras” (Velho, 1982, p. 77). Em face das pressões da propriedade
capitalista, o pequeno produtor reage de formas distintas:

1o) a continuação do apego ao modelo de terra livre, até que a sua


inviabilidade leve à imigração (provavelmente nesse caso buscando
a sua reprodução adiante); 2o) a passagem forçada a uma situação
mais (assalariamento) ou menos (ex.: arrendamento) “dependente”;
3o) a tentativa de adaptar-se ao modelo dominante de terra parcelada,
utilizando-o em seu favor. (Velho, 1982, p. 77)

E ele conclui: “O contexto pode levar o pequeno produtor a


ver como estratégia à defesa estrita de um modo de vida ou de uma
‘cultura’ a utilização de certos modelos dominantes exata­mente
para lutar contra uma exclusão que se quer impor” (Velho, 1982,
p. 78).
É no ambiente geral, favorecido pelo fim dos governos mili­
tares e pela democratização do país, que ocorre uma profunda
transformação nas organizações representativas dos trabalhadores
e camponeses. É fundado, em 1984, o Movimento dos Traba­
lhadores Rurais Sem Terra (MST), e a Contag, a partir do seu 3o
Con­gresso, realizado em 1979 e por influência, especialmente,
dos sindicatos rurais do Norte do país, adota práticas mais diretas
de luta pela terra:

Apesar dos sucessivos diagnósticos feitos no início da década de


1980 sobre a dinâmica da modernização da agricultura brasileira
como elemento indicativo de que a questão agrária no Brasil estaria
superada e que uma reforma agrária seria uma medida fora de lugar
e descolada do seu tempo histórico, os conflitos por terra se perpe­
tuaram em todo o Brasil durante os anos 1970, embora de forma

UM SABER NECESSARIO.indb 71 09/01/2012 15:28:20


72 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

nem sempre visível e tendo por marca a resistência a diferentes


formas de expropriação de trabalhadores. (Medeiros e Leite, 2004,
p. 8)

Da derrota na Assembleia Constituinte ficou, para muitos


pesquisadores, um sentimento de inviabilidade de projetos polí­
ticos que implicassem qualquer alteração na estrutura fundiária.
O debate acadêmico vem refletindo até hoje essa frustração e se
cristalizou em três posições principais: aqueles que questionam a
própria pertinência da problemática da terra, afirmando que a
questão fundiária já fora resolvida nos anos 1960 pelo próprio
capital; aqueles que negam que razões econômicas possam justi­
ficar uma reforma agrária, admitindo-a apenas como uma política
social; e, finalmente, os que ampliaram seus campos de pesquisa
para incorporar os projetos de assentamentos de reforma agrária,
que se multiplicaram, considerando-os um fato novo e promissor
na história rural brasileira, bem como o dinamismo dos movimen­
tos sociais rurais que se consolidaram no país. (Ver as Referências
bibliográficas.)
Mesmo tendo uma história, cujos marcos são o próprio Es­
tatuto da Terra (1964) e, posteriormente, o I Plano Nacional da
Re­forma Agrária, da Nova República, lançado em 1985, o maior
número de assentamentos só foi implantado na década de 1990,
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, sob o efeito
das pressões dos movimentos de luta pela terra (Bergamasco e
Norder, 1996; Schmidt, Marinho e Rosa, 1998).
Em seu conjunto, a bibliografia que trata dos assentamentos
pode ser considerada em dois momentos. Num primeiro, os es­
tudos dão ênfase à avaliação dos assentamentos do ponto de vista
dos seus resultados econômicos. Uma boa parte teve como ponto
de partida os pressupostos ideológicos de seus autores, que os
le­vam ora a “denunciar”, ora a “defender” a intervenção do Esta­

UM SABER NECESSARIO.indb 72 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 73

do através dessa política, apoiando-se nos resultados positivos ou


negativos “privilegiados” na pesquisa. Esses estudos revelavam
uma certa inadequação dos instrumentos de análise, pois,
baseando-se em dados sobre a renda monetária, resultante da
venda dos produtos, não conseguiam compreender a situação
específica daqueles agricultores, muitos dos quais viviam a fase
inicial de (re)construção de suas experiências na agricultura e no
meio rural.
Num segundo momento, os estudos elaborados estão mais
diretamente voltados, no campo das ciências sociais, para com­
preender os processos sociais que acompanhavam e constituíam
esses novos espaços específicos da vida rural. Numerosos núcleos
e centros de pesquisa foram criados em diversas universidades,
centrados no conhecimento mais aprofundado das trajetórias
pessoais e familiares dos novos agricultores, da vida social que
começava a ser construída em cada assentamento, das relações
institucionais e políticas com distintos mediadores e com as di­
versas instâncias do Estado, dos projetos para o futuro e dos im­
pactos econômicos, políticos e sociais dos assentamentos na vida
local e regional.
Assim, por exemplo, na pesquisa que coordenou sobre a vivên­
cia da reforma agrária por assentados, José de Souza Martins ex­
plica a orientação assumida pelo estudo empreendido:

[...] há pouco espaço para o triunfalismo dos números, para a


apoteose da efetiva conquista que é, finalmente, depois de anos de
sofrimento, o pedaço de terra para firmar raízes e assegurar a vida.
Para o assentado, o dramático da trajetória não obscurece e certa­
mente não anula essa conquista vital, mas dela não se separa [...].
Por isso, as histórias pessoais e a história de cada assentamento são
inevitavelmente dominadas pelos contrapontos dos ganhos efetivos
representados pela reforma, dominadas pelos sofrimentos da tra­
vessia, pelas perdas ao longo de um percurso. Perdas próprias de
todo processo de transformação social, de que a reforma agrária é

UM SABER NECESSARIO.indb 73 09/01/2012 15:28:20


74 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

um episódio. No caso das biografias dos trabalhadores rurais nela


envolvidos, um episódio fundamental e refundante das possibilidades
de vida. E também por uma pauta de ocorrências engolfadas na
incerteza, na desesperança, no dilacerar de relacionamentos sociais,
na fragmentação da família, na proximidade do abismo. (Martins,
2003a, p. 8)

Dissertações, teses e livros se multiplicaram, alguns mais pon­


tuais ou de caráter mais descritivo, outros abordando em pro­
fundidade a problemática dessa reconversão social. A título de
exemplo, podem ser citados os estudos realizados na Feagri–
Unicamp, sob a coordenação de Sonia Maria Pessoa Pereira Ber­
gamasco; na Unesp de Araraquara, liderados por Vera Botta
Ferrante; no CPDA–UFRRJ, coordenados por Leonilde Sérvolo de
Medeiros e Sérgio Pereira Leite; no IE–Unicamp, por Ademar
Romeiro; no Nead–MDA, com Caio Galvão de França; as recentes
publicações de José de Souza Martins e as pesquisas sobre os
acampamentos de luta pela terra, realizadas no Museu Nacional–
UFRJ, sob a coordenação de Lygia Sigaud. (Ver as Referências
bi­bliográficas.)
Quanto aos movimentos sociais rurais, é também muito sig­
nificativo o número de publicações que tratam desse tema, o que
é reforçado, além da produção interna de cada movimento, pela
frequente dupla inserção de pesquisadores e assessores envolvidos
com numerosos e diversificados grupos. Vale ressaltar que o de­
bate acadêmico não está isento da politização da questão, que
polariza o debate na sociedade. Em consequência, de modo espe­
cial nesse caso, a leitura de jornais diários e revistas de grande
cir­cu­lação torna-se complemento indispensável do acompanha­
mento das reflexões produzidas nos circuitos propriamente
acadêmicos.

UM SABER NECESSARIO.indb 74 09/01/2012 15:28:20


iv
Por uma outra agricultura

Subordinação versus autonomia

No mesmo momento em que se constata a consolidação da agri­


cultura capitalista no Brasil, o debate a respeito do campesinato
reacende e assume novas conotações. O fato concreto que subjaz
a essa importância reconhecida ao campe­sinato é que, paralela­
mente à expropriação dos trabalhadores das grandes propriedades,
um grande e crescente número de pequenos agricultores consegue,
em formas e circunstâncias distintas, manter a capacidade de
organizar uma atividade produtiva, permanecendo produtores de
mercadorias.
No seu conjunto, a atividade desses agricultores tem um peso
considerável, especialmente na produção de alimentos. A pesquisa
coordenada por José Graziano da Silva, em 1978, confirma

[...] a importância das formas da pequena produção no conjunto da


produção agropecuária. Essa importância se revela em três planos:
no número de pessoas envolvidas, tanto pelo seu valor absoluto
como em comparação com o que deveria representar a forma domi­
nante de trabalho sob o desenvolvimento do capital, ou seja, o as­
sala­riamento; em termos geográficos, isto é, na ocorrência genera­
lizada dessas formas em praticamente todas as regiões estudadas; e,

UM SABER NECESSARIO.indb 75 09/01/2012 15:28:20


76 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

finalmente, na sua contribuição no produto gerado. (J. G. da Silva,


1978, p. 240)

Para aqueles que acreditavam que o campesinato tenderia,


his­toricamente, a desaparecer com o desenvolvimento do capita­
lismo, essa parecia uma situação inusitada, para cuja compreensão
de pouco valeriam as referências a relações pré-capitalistas ou não
capitalistas.
É bem verdade que os pesquisadores da época tinham à sua
disposição um excelente acervo de estudos, que já vinham sendo
feitos havia um certo tempo e que guardavam toda sua capacidade
explicativa sobre essa categoria social. O mais expressivo dentre
eles é, certamente, o de Antonio Candido, Os parceiros do Rio
Bo­nito (Candido, 1964). Mas é Maria Isaura Pereira de Queiroz
quem inicialmente constrói um quadro teórico, que permite
compreender esses pequenos agricultores “sitiantes” tendo como
referência o conceito de campesinato. Através de diversos ensaios
produzidos a partir do final dos anos 1960 e reunidos em livro
pu­blicado em 1973 (Queiroz, 1973), Maria Isaura desenvolve
uma minuciosa análise dos diversos aspectos do modo de vida
camponês, apoiada na bibliografia nacional e internacional então
disponível, com a qual está em constante diálogo. Sua contribuição
foi igualmente importante ao introduzir no debate político que
se travava no país, por ocasião da elaboração no Congresso
Nacional do Estatuto do Trabalhador Rural, a situação particular
dos sitiantes, não contemplados na regulamentação do trabalho
assalariado (Queiroz, 1963). Vale registrar que o Centro de
Estudos Rurais e Urbanos (Ceru), por ela criado na Universidade
de São Paulo, reúne até hoje pesquisadores do campesinato,
dentre os quais se destaca a contribuição de Lia Fukui (Fukui,
1979). Da mesma forma, a revista do Ceru tem sido uma fonte
indispensável de consulta sobre o tema.

UM SABER NECESSARIO.indb 76 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 77

José de Souza Martins, em seu estudo sobre a agricultura no


Vale do Paraíba do Sul, no qual distingue as formas de produção
da planície e da montanha, introduz o conceito de “economia do
excedente”, para explicar os mecanismos de inserção desses
pequenos agricultores de base familiar no contexto da mo­der­
nização da agricultura:

[...] o excedente não é o produto que sobra do consumo, mas o


produto dos fatores de produção excedentes dos que foram utilizados
na subsistência (no caso a mão de obra e a terra com suas paisagens
naturais). É o fator excedente que gera o produto excedente e que
define a economia, a sociedade e a cultura baseadas no excedente, à
margem das relações monetárias, das relações sociais abstratas, da
dominação política, das relações capitalistas de produção típicas, da
conduta racional com relação a fins seculares. (Martins, 1975, p. 12)

É, assim, nessa condição de produtor de mercadorias, reali­


zadas enquanto excedente, que se situa o fulcro das contra­dições
que envolvem o camponês e que se expressam na tensão, por ele
vivenciada, entre a subordinação ao capital e seu projeto de auto­
nomia, enquanto produtor direto.
A questão central consistia, pois, em compreender o ator
social gestado nessa tensão. Como afirmará, mais tarde, Margarida
Maria Moura,

[...] o camponês adaptou-se e foi adaptado, transformou-se e foi


transformado, diferenciou-se internamente, mas permaneceu
identificável como tal. Teve suas formas de produção e organização
de vida redefinidas e, em larga medida, postas a serviço de uma
realidade estrutural mais poderosa: a engrenagem da reprodução do
capital. (Moura, 1988, p. 18)

E ela acrescenta:

UM SABER NECESSARIO.indb 77 09/01/2012 15:28:20


78 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

[...] o camponês desempenha um contraditório papel que, de um


lado, expressa a sua resistência em desaparecer e, de outro, é o
resultado do próprio capitalismo que não o extingue. Este não só
extrai sobretrabalho dos operários, como também o capta onde é
possível. Entre essas possibilidades encontra-se o trabalho camponês.
É nesse contexto de dramáticas tensões que o camponês vive no
meio rural contemporâneo. (Moura, 1988, p. 19)

As relações entre as práticas de autoconsumo e de venda para


o mercado não são excludentes, nem correspondem necessaria­
mente a uma tradição camponesa em vias de superação. É o que
demonstram estudos mais recentes sobre a agricultura de subsis­
tência. Além de Afrânio Garcia Jr. (Garcia Jr., 1990), há a registrar
os excelentes estudos de Guilherme da Costa Delgado (G. C.
Delgado, 2004), de Carlos Rodrigues Brandão (Brandão, 2007)
e de Eric Sabourin (Sabourin, 2009).
O grande número de textos sobre o campesinato, a partir de
então divulgados, revela o leque das matrizes teóricas que inspi­
ravam seus autores e através das quais essa categoria social era
compreendida, ao mesmo tempo em que reflete a diversidade de
situações de sua reprodução. As explicações teóricas giram, num
primeiro momento, em torno dos conceitos de decomposição e
de diferenciação do campesinato. Estão no primeiro caso os au­
tores que assumem uma filiação marxista, referindo-se ao cam­
pesinato ora como uma pequena burguesia, ora como semi­
proletários.
A tese da decomposição foi, particularmente, utilizada para
interpretar a situação do “produtor tecnificado”. É assim chamado
o agricultor que, tendo tido acesso ao crédito, transforma seus
processos produtivos com a introdução da mecanização e o uso
de insumos industriais. Essa situação se encontra não exclusi­
vamente, mas sobretudo entre agricultores que adotaram essas
mudanças sob a imposição dos contratos de integração com

UM SABER NECESSARIO.indb 78 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 79

empresas agroindustriais, que se multiplicavam particularmente


no Sul do país. A condição de “tecnificado” foi entendida por
alguns, em conformidade com a lógica da decomposição, como
a expressão ora de um processo de capitalização, ora de um parti­
cular processo de proletarização. No primeiro caso, o agricultor
de origem camponesa se transformaria qualitativamente num
pequeno empresário capitalista ou numa pequena burguesia, e os
eventuais conflitos com as empresas compradoras ou processadoras
dos produtos agrícolas podiam ser entendidos como uma con­
corrência entre frações de classe, apesar da assimetria reconhecida
entre estas. No segundo caso, negava-se a capacidade de decisão
dos agricultores integrados sobre o processo de trabalho,
transformando-os em simples trabalhadores em domicílio.
Leitura original é a proposta por Otávio Guilherme Velho a
res­peito do campesinato que se reproduz nas situações de fron­
teira. O estudo desse autor integrou uma grande pesquisa rea­
lizada nos anos 1970, no Museu Nacional (UFRJ), sob a liderança
de Roberto Cardoso de Oliveira. Dividida em dois campos, um
primeiro, coordenado por Moacir Palmeira, concentrava-se no
Nordeste e visou ao estudo do campesinato subordinado, que se
reproduz no interior das plantations; um segundo, sob a liderança
do próprio Otávio Guilherme Velho, pesquisou a reprodução do
campesinato nas situações de fronteira. Dessa experiência resultou
um grande número de dissertações, teses e outras obras sobre a
problemática do campesinato no Brasil. (Ver as Referências bi­
blio­gráficas.)
A tese de Otávio Velho é a de que, pelas características estru­
turais do “capitalismo autoritário” dominante no Brasil, “um ver­
dadeiro campesinato livre de massas não pôde surgir”. Ele con­
sidera que “grandes conflitos como Canudos e o Contestado com
sua forma messiânica servem para demonstrar a contradição entre
o sistema dominado pela plantation e a existência de um cam­

UM SABER NECESSARIO.indb 79 09/01/2012 15:28:20


80 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

pesinato livre” (Velho, 1979, p. 139). O campesinato que se


reproduz tradicionalmente nessas situações de fronteira corres­
ponde a um “campesinato marginal”, para o qual a alternativa
possível é a migração para as cidades. Progressivamente, porém,
o campesinato da fronteira, como foi visto acima, assume um
papel mais significativo na produção de excedentes. Assim sendo,

[...] esse campesinato parece estar gradativamente se desmargina­li­


zando. Trata-se sem dúvida, nessa escala, de um fenômeno novo
pa­ra o Brasil. Aparentemente pela primeira vez — e diferentemente
do caso usual de camponeses marginais posseiros — esse neocam­
pesinato tem justificado economicamente a sua existência; embora
isso não lhe garanta automaticamente a sobrevivência. (Velho, 1979,
p. 199)

Otávio Guilherme Velho formula uma tipologia, em termos


clássicos, do campesinato de fronteira, distinguindo três camadas
de camponeses: “uma camada superior de culaques”, que é assimi­
lada a uma “espécie de burguesia camponesa”; um “campesinato
médio” e a “massa do campesinato, muito dependente dos peque­
nos comerciantes culaques” (Velho, 1979, p. 208). Ele defende,
portanto, que a situação de fronteira realiza um processo de
decomposição do campesinato, que gera, inclusive, uma burguesia
de origem camponesa. Essa sua posição polarizou vivamente os
debates em torno do documento da CNBB, já referido.
Esse é, para o autor, “o campesinato que tem estado a se
desenvolver e a se desmarginalizar no Maranhão e sul do Pará a
partir, sobretudo, do final dos anos 1950”:

O seu aparecimento marca um fenômeno bastante novo no Brasil.


O fato de isso ocorrer apesar de o sistema dominante da plantation
[...] não ter incluído originalmente um verdadeiro campesinato
de massa parece indicar uma conexão muito forte entre a trans­­
for­m ação de um sistema repressor da força de trabalho em

UM SABER NECESSARIO.indb 80 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 81

capitalismo autoritário e a existência de um campesinato. (Velho,


1979, p. 208)

A interpretação baseada na teoria da diferenciação social, por


sua vez, aponta para a constituição de um ator social particular,
cuja especificidade é dada pelo processo de trabalho camponês,
através do qual se realiza a subordinação, mas também a afirmação
de autonomia.
Nas situações de produção integrada, a reflexão mais profunda
sobre as relações sociais efetivamente estabelecidas e a natureza
dos conflitos que opunham as partes envolvidas nos processos de
integração permitiu compreender esse processo como resultante
da diferenciação social, sem que se possa falar em uma descarac­
terização sociológica do camponês (Ferreira, 1995; Paulilo, 1990
e 1992; Santos, 1994).
Em sua pesquisa sobre os suinocultores do Paraná, Ângela
Duarte Damasceno Ferreira observa que,

[...] se a relação contratual é uma relação de dominação, no sentido


de que o poder de dar ordens se situa do lado das indústrias, essa
estreita margem de manobra não transforma os agricultores em
meros elos da cadeia agroalimentar. Seus estabelecimentos e seus
mundos não se reduzem a essa vinculação com as agroindústrias,
mas, mesmo no que diz respeito à produção contratualizada, pro­
curam e constroem o que se poderia chamar de espaços de adaptações
entre as suas perspectivas e projetos e os das indústrias e buscam
formas de fazê-los valer na configuração dessa relação. (Ferreira,
1995, p. 110)

Assim, por um lado, os “integrados” permanecem capazes de


or­ganizar e dirigir seu processo produtivo, do qual os contratos
de integração representam apenas uma parcela, distinguindo-se,
portanto, do proletário, ao qual falta, precisamente, toda essa
capacidade; por outro lado, as imposições das indústrias proces­

UM SABER NECESSARIO.indb 81 09/01/2012 15:28:20


82 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

sadoras, quanto às condições da produção e à apropriação dos


resultados do trabalho do agricultor, descaracterizam a formação
generalizada de uma burguesia qualquer, mesmo pequena:

A monocultura não é nem praticada nem desejada pelos


entrevistados. O cultivo de várias lavouras associado à criação de
animais é considerado uma garantia contra as intempéries e as
variações imprevistas nos preços dos produtos. É uma maneira
também de aproveitar a propriedade ao máximo quando a terra é
escassa e a possibilidade de mudar para lugares menos povoados não
é uma alternativa promissora. (Paulilo, 1990, p. 173)

A mesma questão se coloca quando se trata de camponeses


não integrados. Assim, por exemplo, a pesquisa sobre produtores
de feijão no estado de São Paulo, realizada sob a coordenação de
José Graziano da Silva e que fez parte de uma investigação do
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
(IICA), na América Latina, rejeita a concepção da decomposição
e entende as transformações tecnológicas e seus desdobramentos,
que foram observados naquele contexto, como persistência da
condição camponesa, que se diferencia “para cima” e “para baixo”,
sem que sua natureza fundamental — camponesa — seja
qualitativamente alterada (J. G. da Silva, 1999).
Referindo-se aos pequenos produtores que adotam tecnologia
moderna, Graziano afirma que:

[...] a tecnificação (ou modernização) representou mais uma impo­


sição do que uma oportunidade conquistada. E o seu sentido maior
foi um só: uma maior subordinação do pequeno produtor ao “sis­
tema”, muito embora isso fosse ter como resultado final tanto uma
persistência da situação camponesa sob uma forma modernizada
(diferenciação) como um processo de decomposição hacia abajo
(semi­proletarização) ou de capitalização (farmers), dependendo das
parti­cularidades com que foi redefinida a sua articulação com o
capital. (J. G. da Silva, 1999, p. 144)

UM SABER NECESSARIO.indb 82 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 83

José Vicente Tavares dos Santos, em sua dissertação de mes­


trado, estudou camponeses no Rio Grande do Sul que, segundo
ele, “começam a construir sua identidade histórica como partici­
pantes das classes subalternas na sociedade brasileira, unidas pela
vivência comum da dominação e exploração pelo capital” (Santos,
1978, p. 175):

[...] o capital subordina o processo de trabalho reproduzindo sua


singularidade: o camponês permanece proprietário de suas condições
de produção; mantêm-se a utilização da força de trabalho familiar
e a maior participação da atividade viva do trabalho relativamente
aos meios de produção; continua a produção direta dos meios de
vida. Por fim, a extração do sobretrabalho camponês pelo capital é
mediada por uma relação monetária, de um possuidor de mercadoria
a outro possuidor de mercadoria. Ao mesmo tempo, o capital impõe
suas determinações ao processo de trabalho camponês: converte a
terra em equivalente de mercadoria; efetua controles parciais do
processo produtivo; estabelece a produção de valor de troca e a
extensão da jornada de trabalho; possibilita, pelo crédito bancário,
a reposição dos meios de trabalho. (Santos, 1978, p. 173)

Considerar o camponês como um ator social específico signi­


fica afirmar que sua reprodução não se explica apenas pela subor­
di­nação ao capital, mas também pela sua própria capacidade de
resistência e adaptação. Três conceitos são acentuados nessas
análises: o cálculo econômico específico do camponês, o modo
de vida e a economia moral, isto é, os valores que orientam o
mo­do de vida e a forma de produzir do campesinato. Natural­
mente, seria impossível citar todos os autores que vêm se dedi­
cando ao estudo do campesinato no Brasil, mas incluí nas
Referências bibliográficas algumas das obras mais significativas.
A pesquisa realizada por Afrânio Garcia Jr. junto a foreiros
que se reproduziam na periferia das grandes plantações de cana-
de-açúcar, na Zona da Mata de Pernambuco, e que ele define

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como um “neocampesinato marginal”, tem como fio condutor “a


análise da estrutura interna, do funcionamento e do movimento
da economia do pequeno produtor” (Garcia Jr., 1983, p. 19).
Interessava ao autor, antes de tudo, “analisar as categorias eco­
nômicas que lhe seriam próprias e tentar apreender, através dessas
categorias econômicas específicas, suas leis próprias de funciona­
mento e de movimento” (Garcia Jr., 1983, p. 15). No centro, o
pres­suposto de que “tanto a unidade de produção quanto a de
consumo são constituídas por regras de parentesco e que o caráter
familiar da divisão do trabalho é responsável por muitas de suas
especificidades” (Garcia Jr., 1983, p. 16).
Marco importante desse debate foi o artigo de Mauro William
Barbosa de Almeida, publicado no número 1 da Revista Brasileira
de Ciências Sociais. Nesse texto, Mauro Almeida se refere à emer­
gência da família rural como tema de diversos estudos: “Pes­
quisas inicialmente voltadas para temas como a natureza das
relações de produção desembocaram, às vezes com surpresa
perceptível, em descrições microscópicas e deleitadas da casa, do
quintal, do roçado” (Almeida, 1986, p. 66). Considerando que
no debate da época prevalecia a percepção do campesinato
“como um elemento funcional para o processo de acumulação
capitalista”, o autor se interroga: “O que é, exatamente, esse saco
de pancadas da acumulação capitalista?” (Almeida, 1986, p. 66).
Em resposta a essa questão, ele perpassa as principais obras sobre
o tema, particularmente no campo da antropologia, e constrói
sua própria análise sobre as famílias, o parentesco e os grupos
locais:

No lugar da ideia opaca de funcionalidade macroeconômica da


família rural para o capital, aparece a ideia de reprodução da família
para si (no curto e no longo ciclo) articulada com sua inserção na
sociedade capitalista. Uma maneira de expressar tudo isso é dizer
que famílias adotam estratégias micro (de curto e de longo prazo)

UM SABER NECESSARIO.indb 84 09/01/2012 15:28:20


Um saber necessário | 85

como resposta a pressões macroeconômicas e políticas (preços, leis).


(Almeida, 1986, p. 67)

No mesmo sentido, Klaas Woortmann questiona o enfoque


econômico que ele percebe em diversos estudos antropológicos
sobre o campesinato:

Com grande frequência, particularmente no Brasil, o campesinato


foi construído como uma economia. Não nego o fato de que ele
pode ser entendido através da análise de sua lógica econômica, ou
da lógica da produção-reprodução no plano das estratégias eco­nô­
micas, do modo como organiza os fatores de produção ao seu al­
cance, ou do modo como articula os supostos da produção. (K.
Woortmann, 1999a, p. 12)

Esse autor explicita a direção e os objetivos de sua análise:

Estou tratando, pois, de valores sociais; não do valor-trabalho, mas


do trabalho enquanto um valor ético. Essa tentativa se afasta,
portanto, da tendência economicista que vê o campesinato como
um modo de produção, com sua lógica própria ou como resultado
de determinações impostas pela lógica do capital, mesmo porque,
como ressalta Taussig, se o mercado domina o capital, ele não o
organiza [...]. Ocupo-me de uma qualidade: a campesinidade, que
suponho comum a diferentes lugares e tempos. (K. Woortmann,
1999a, p. 12)

E ele acrescenta:

Prefiro, então, não falar de camponeses, mas de campesinidade,


entendida como uma qualidade presente em maior ou menor grau
em distintos grupos específicos. Se há uma relação entre formas
históricas de produção e essa qualidade, tal relação não é, contudo,
mecânica. O que tenho em vista é uma configuração molecular, mas
é preciso não esquecer, sob risco de reificação, que pequenos
produtores concretos não são tipos, mas sujeitos históricos, e que as

UM SABER NECESSARIO.indb 85 09/01/2012 15:28:21


86 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

situações empíricas observadas, por serem históricas, são ambíguas.


(K. Woortmann, 1999a, p. 13)

Parece evidente a todos que a categoria social aqui considerada


não é, ela mesma, homogênea, mas contém uma grande diver­
sidade de situações:

[...] tanto os estudos sociológicos, de um modo geral utilizando


meto­do­logias qualitativas de análise, quanto análises macroeconô­
micas, cujas fontes de evidência se baseiam em estatísticas globais,
ambos estão colocando o problema do campesinato na economia e
na sociedade brasileira. Mesmo que sejam distintas as abordagens
teóricas desse fenômeno, as transformações econômicas e sociais
ocorridas durante a década de 1980 apontam para a necessidade de
serem investigadas as diversas posições sociais, as trajetórias e as
ações coletivas do campesinato, reconstruindo sociologicamente as
diversas manifestações regionais e as diferentes formas através das
quais os grupos camponeses configuram sua presença no espaço de
relações sociais no Brasil atual. (Santos, 1994, p. 148)

Um terceiro foco do debate incidiu sobre a relação entre tra­


balho familiar e trabalho assalariado nas unidades de produção
camponesas, no duplo sentido de contratação pelos camponeses
de trabalhadores não familiares e do trabalho alugado realizado
por membros da família. É de Afrânio Garcia Jr. uma das prin­
cipais contribuições para o aprofundamento dessa problemática:

[...] a simples presença da forma salário, ao lado da produção mer­


cantil, é vista como “dado” desagregador definitivo do campe­sinato.
No máximo concede-se que estamos em presença de uma diferen­
ciação entre quem compra e quem vende, que desembocará, inexo­
ra­velmente, na ruptura de uma mesma condição social com­par­ti­
lhada em algum momento futuro do processo. Ou seja, é na forma
salário atingindo o interior do campesinato subordinado ao desen­
volvimento capitalista que se centra o cerne do debate sobre a dife­
renciação camponesa em nível econômico. (Garcia Jr., 1990, p. 26)

UM SABER NECESSARIO.indb 86 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 87

Para Garcia Jr., o pagamento de salário não significa, necessa­


ria­mente, a configuração de uma relação capital–trabalho, própria
de uma produção capitalista. Muitos camponeses dispõem, efeti­
vamente, de um “fundo para pagar trabalhadores”, cuja função
“é diminuir a autoexploração da força de trabalho do grupo
doméstico. O esforço que seria necessário ao pai de família agri­
cultor extrair dos membros do seu grupo doméstico pode ser
substituído pelos serviços de um trabalhador alugado” (Garcia Jr.,
1990, p. 142). Da mesma forma, tornar-se um trabalhador “alu­
gado”, em caráter temporário, não implica a perda da condição
de agricultor:

O alugado [...], mesmo que num sítio ou roçado de outro agricultor,


significa literalmente a necessidade de trabalhar para quem tem
recursos monetários a trocar contra a oferta de seus serviços, porque
a unidade doméstica que oferta o trabalho alugado não tem esses
recursos monetários e precisa deles para não passar fome. (Garcia
Jr., 1990, p. 174)

Mantendo a sua condição de camponês, os produtores que ele


pesquisou podem adotar estratégias ascendentes, que visam ga­
ran­tir a apropriação de uma margem maior dos frutos de seu
trabalho — especialmente a pecuária e o exercício de atividades
mercantis —, ou estratégias descendentes — sobretudo o trabalho
alugado —, que tentam assegurar as condições mínimas de sua
permanência em situações de fragilização e empobrecimento.

O agricultor familiar, um ator social do mundo rural


contemporâneo

A partir do final dos anos 1980, o tema do lugar da agricultura


fa­miliar assume uma importância central no debate sobre a agri­

UM SABER NECESSARIO.indb 87 09/01/2012 15:28:21


88 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

cultura e o meio rural brasileiros. A pressão dos movimentos so­


ciais constitui o principal fator para o seu aprofundamento e para
tornar essa questão uma questão da sociedade. Porém, certamente,
também colaborou para isso a efervescência da produção acadê­
mica na ocasião, e a contribuição de alguns autores foi decisiva
para a compreensão do lugar da agricultura familiar no contexto
das sociedades modernas.
Em seu livro O desenvolvimento agrícola, José Eli da Veiga
oferece um amplo panorama dos processos de desenvolvimento
da agricultura em diversos países. Nesse texto, ele demonstra que,
na maioria dos casos, o ator social que assume o projeto de
modernização é o agricultor familiar que, apoiado pelas políticas
públicas, responde aos estímulos a ele dirigidos e constrói um
modelo de agricultura dinâmica e adequada às necessidades de
sua sociedade:

[...] os Estados capitalistas do centro abandonaram seu fascínio pelo


modelo inglês e se lançaram na defesa da agricultura familiar porque
precisavam garantir comida farta e barata para uma crescente
população urbana. Deram-se conta de que essa forma de produção
era muito mais adequada ao funcionamento do treadmill. Quem
aceitava produzir em troca de uma renda corrente inferior aos
salários urbanos — mesmo que a expectativa dos ganhos patrimoniais
pudesse ser alta — eram principalmente os agricultores familiares.
(Veiga, 1991, p. 200)

No mesmo sentido, Ricardo Abramovay, na introdução de sua


tese de doutorado, afirma de forma direta e clara:

A estrutura social da agricultura nos países capitalistas avançados


tem sido pouquíssimo estudada entre nós, deixando à sombra um
fato decisivo: é fundamentalmente sobre a base de unidades
familiares de produção que se constituiu a imensa prosperidade que
marca a produção de alimentos e fibras nas nações mais desenvolvidas

UM SABER NECESSARIO.indb 88 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 89

[...]. O que é paradoxal — e tem merecido pouca atenção — é


justamente o caráter familiar não só da propriedade, mas da direção,
da organização e da execução do trabalho nessas empresas e portanto
as razões pelas quais a agricultura capitalista contemporânea nos
países centrais se desenvolveu nesse quadro social. (Abramovay,
1992, p. 19)

Análises desse tipo chamam particularmente a atenção para o


reconhecimento de que as unidades familiares de produção não
são incompatíveis com o desenvolvimento agrícola, isto é, de que
são capazes de transformar seus processos de produção, no sentido
de alcançar novos patamares tecnológicos, que se traduzam por
maior oferta de produtos, maior rentabilidade dos recursos pro­
dutivos aplicados e a plena valorização do trabalho. Essa demons­
tração atinge diretamente o argumento central que justificava o
apoio irrestrito e exclusivo dado no Brasil à grande propriedade,
considerada como a única em condições de modernizar o setor,
e ao modelo de modernização “produtivista” que foi apoiado pelo
Estado.
Ângela Duarte Damasceno Ferreira e Magda Zanoni sinteti­
zaram bem o que estava em discussão:

[...] diante dos efeitos do modelo latifúndio/grande empresa em


termos de exclusão social e pauperização, tanto rural como urbana,
em que medida é pertinente, tanto do ponto de vista teórico como
em termos de políticas públicas, pensar em alternativas para
construir outra agricultura em que se consolidem os segmentos
menos capitalizados da agricultura familiar e os assentamentos
rurais? Essa questão não pressupõe a ideia de que se podem substituir
hegemonias num setor da sociedade — o rural, o agrário —, mas
traz implícita a virtualidade de mudanças que podem tornar plural
o quadro de alternativas existentes de desenvolvimento rural e
agrícola. (Ferreira e Zanoni, 1998, p. 16)

UM SABER NECESSARIO.indb 89 09/01/2012 15:28:21


90 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Vale lembrar, no entanto, que as estatísticas oficiais produzidas


pelo IBGE não consideravam a categoria agricultura familiar, o
que obrigava os estudiosos dessa questão a realizar exercícios de
aproximação, mais ou menos bem-sucedidos, para recortá-la do
conjunto dos agricultores e das estruturas agrícolas recenseadas.
O trabalho realizado por Sonia Maria Pessoa Pereira Ber­
gamasco e Ângela A. Kageyama (1989; 1990) é pioneiro nesse
es­forço, ao apresentar a dimensão quantitativa da agricultura
familiar, tendo como base os dados do Censo de 1980, e construir,
a partir deles, uma tipologia dos agricultores familiares que
pudesse dar conta da diversidade de situações. Naquela data, as
autoras constataram que os estabelecimentos familiares, isto é,
aqueles que utilizavam mão de obra familiar, correspondiam a
71,6% do total dos estabelecimentos e se diferenciavam inter­
namente em empresas familiares que contratam trabalhadores
per­manentes, estabelecimentos familiares complementados por
em­pre­gados temporários e os familiares puros, sem trabalhador
externo à família.
Além deste, boa parte dos trabalhos então produzidos busca
uma definição mais precisa do que vem a ser a categoria de agri­
cultores familiares e a identificação de suas principais características
na realidade brasileira. Multiplicam-se, assim, estudos que, uti­
lizando metodologias distintas, propõem quantificações e catego­
rizações (Abramovay, 1995; Bergamasco, 1995; Guanzirolli et al.,
2001; Veiga, 1995).
Baseando-se no Censo Agropecuário de 1996, um estudo
realizado pela FAO em cooperação com o Ministério do Desenvol­
vimento Agrário, coordenado por Carlos Guanzirolli, formulou
uma nova metodologia para apreender o perfil da agricultura
familiar no Brasil (Guanzirolli et al., 2001). De acordo com essa
abor­dagem, de um total de 4.859.732 estabelecimentos agrícolas,
4.139.369 são estabelecimentos familiares, o que corresponde a

UM SABER NECESSARIO.indb 90 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 91

85,2%. Essa pesquisa confirmou a contribuição marcante da


agricultura familiar. Apesar de não dispor dos recursos produtivos
comparáveis aos alocados ao setor patronal, essa forma de agricul­
tura revela uma grande capacidade produtiva. Do conjunto dos
agricultores familiares, que ocupa 30,5% da área total, 75% são
proprietários de áreas que, para a grande maioria, não ultrapassam
os cinco hectares. É nessas exíguas e insuficientes áreas que a agri­
cultura familiar chega a absorver 76,9% do pessoal ocupado na
atividade agrícola em todo o país, e produz o equivalente a 37,9%
do valor bruto da produção agropecuária nacional, bene­ficiando-
se apenas de 25,3% dos financiamentos destinados à agricultura.
Só recentemente, o IBGE, em cooperação com o MDA, elabo­
rou, para o último Censo Agropecuário de 2006, uma grade de
variáveis que permitiu, pela primeira vez, introduzir a categoria
de estabelecimentos familiares em seus levantamentos ( IBGE,
2006; França, Del Grossi e Marques, 2009). A definição dessa
cate­goria é também orientada por pressupostos teóricos e condi­
cionamentos operacionais: ela se baseou nas concepções adotadas
pela Lei da Agricultura Familiar que estabelece que esse tipo de
produtor:

I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro)


módulos fiscais;
II – utilize predominantemente mão de obra da própria família nas
atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha renda familiar predominantemente originada de ati­vi­
dades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou em­
preendimento;
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
(Lei no 11.326/2006, art. 3o)

Embora as sucessivas estimativas não possam ser diretamente


com­paradas entre si, em razão, precisamente, das diferenças con­

UM SABER NECESSARIO.indb 91 09/01/2012 15:28:21


92 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

cei­tuais e dos procedimentos metodológicos adotados, não resta


dúvida de que a definição oficial de um campo específico da agri­
cultura familiar representa um marco significativo de reconheci­
mento político desse ator social do mundo rural e abre novas
perspectivas para o seu conhecimento empírico.
A esse respeito, segundo os primeiros resultados do Censo
Agro­pecuário de 2006 (IBGE, 2006), havia naquela data, em todo
o país, um total de 4.367.902 estabelecimentos familiares, defi­ni­
dos segundo os critérios legalmente fixados nos termos acima in­
dicados, o que correspondia a 84,4% do total dos estabelecimentos
agropecuários. Essas unidades de produção familiares pos­suíam
80,25 milhões de hectares, equivalentes a 24,3% da área total.
O Censo de 2006 confirma, assim, mais uma vez, o peso dessa
forma de produção, ao mesmo tempo em que revela os limites de
sua reprodução, subordinada que está à perpetuação da
concentração fundiária, marca da história da agricultura e do
mundo rural brasileiros. Cerca de metade dos estabelecimentos
familiares está localizada na região Nordeste, onde representam
89% dos estabelecimentos agrícolas da região.
No que se refere à relação do produtor com a terra, a grande
maioria — 3,2 milhões, isto é, 74,7% — é proprietária. Foram
registrados ainda 691 mil agricultores cujo acesso a terra é asse­
gurado de forma temporária ou precária.
Tal como já indicavam as conclusões dos estudos anteriores,
os novos dados reiteram que a agricultura familiar permanece
significativamente responsável pela produção de alimentos no
Bra­sil. Com efeito, provém desse setor, entre outros bens: 87%
da produção de mandioca; 70% do feijão, 58% do leite, 46% do
milho, 38% do café, 34% do arroz, bem como 59% do rebanho
de suínos, 50% dos efetivos avícolas e 30% do gado bovino.
Para realizar essa intensa e diversificada atividade, os estabe­
lecimentos familiares ocupam um grande contingente de traba­

UM SABER NECESSARIO.indb 92 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 93

lhadores: 12,3 milhões de pessoas, correspondentes a 74,4% do


total do pessoal ocupado na agricultura brasileira. Destes, 90%
constituíam a força de trabalho familiar.
A implantação do Programa de Apoio à Agricultura Familiar
(Pronaf ), no início dos anos 1990, ocorre num ambiente de am­
pla discussão sobre essa questão, o que inclui fortes posições
críticas. Assim, Delma Pessanha Neves questiona as concepções
de campesinato e agricultura familiar adotadas e as implicações
dessas concepções sobre as orientações das políticas públicas,
trazendo à reflexão aspectos teóricos e metodológicos que são
centrais ao debate:

A caracterização da unidade familiar de produção pauta-se num


sistema classificatório construído a partir de adjetivações dicoto­
mizadas cujo termo contraposto é a unidade capitalista de pro­
dução agrícola ou empresa capitalista. Submissas a uma perspecti­
va de racio­cínio dualista, tipológico e ordenador (homo­geneizador)
da hete­rogeneidade, as valorizações das características de cada
unidade fundamentam-se na descontinuidade e na pola­ridade. A
contra­po­sição por vezes é tão acentuada que o conheci­mento de
um tipo pres­supõe a caricaturização do outro ou o seu des­
conhecimento como forma específica de organização da produ­ção.
(Neves, 1995, p. 21)

Em contraposição ao que considera um “raciocínio classifi­


catório”, que “corresponde à incorporação de uma série de ques­
tões, impostas como temáticas obrigatórias de entendimento”,
Delma Pessanha Neves propõe uma outra abordagem da agri­
cultura familiar:

Sugiro que as unidades de produção sejam pensadas muito mais


como expressões das posições ocupadas pelos agricultores, como
valo­rização de determinadas opções ou alternativas dos produtores;
e sejam relativizadas no que tange à compreensão enquanto estru­
turas produtivas definidas. Espero ter demonstrado que a adoção de

UM SABER NECESSARIO.indb 93 09/01/2012 15:28:21


94 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

um único modelo explicativo exclui a especificidade. Os princípios


ordenadores devem ser desvendados em cada situação, para que a
multiplicidade e a heterogeneidade possam ser reconhecidas e
explicadas. (Neves, 1995, p. 34)

A respeito da fundamentação teórico-metodológica construída


em torno da categoria agricultura familiar, agora já no contexto
da implantação do Pronaf, Delma Pessanha Neves volta a tecer
uma crítica contundente. Referindo-se à adesão em grande escala
a essa noção, a autora considera que,

[...] se no campo político sua eficácia foi patente, correspondendo


a expectativas socialmente construídas, no campo acadêmico essa
unanimidade foi conceitualmente esterilizante. A despeito de os
segmentos de produtores que ela engloba não serem homogêneos,
o ponto de vista dos atores foi secundarizado frente ao formalismo
classificador, desconsiderando sua diferenciação nas diversas
situações. (Neves, 2002, p. 136)

E ela afirma categoricamente:

Por todas essas considerações, não reconheço o termo agricultura


familiar como conceito teórico. Ele é descritivo e politicamente
clas­sificador de um segmento de produtores instado a um projeto
de redefinição de suas formas de integração. Os pesquisadores não
podem usá-la se esquecendo que o trabalho político de reconheci­
mento social implica a eufemização dos significados subjacentes à
categoria. (Neves, 2002, p. 137)

Na verdade, para além do debate propriamente acadêmico, o


que está, crescentemente, em questão é o significado atribuído,
na atualidade, às categorias “campesinato”, “agricultura familiar”
e “agronegócio”, que expressa uma disputa política e ideológica,
so­bretudo entre os distintos movimentos sociais.

UM SABER NECESSARIO.indb 94 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 95

Como é sabido, a referência ao campesinato assumiu, inclusive


no senso comum, uma dupla conotação. Por um lado, correspon­
deria, para muitos, às formas mais tradicionais da agricultura,
realizadas em pequena escala, dispondo de parcos recursos pro­
dutivos, pouco integrado ao mercado e à vida urbana e frequente­
mente identificado à incivilidade e ao atraso econômico e social.
Nesse sentido, ele se distinguiria da agricultura familiar, a qual,
apesar de ter também condições de produção restritas, estaria
mais integrada às cidades e aos mercados. Por outro lado, a pa­
lavra “camponês” carregava um forte conteúdo político, pois ela
era frequentemente associada ao movimento camponês, que foi
duramente perseguido como “subversivo” pelos governos militares
que dirigiram o Brasil de 1964 a 1985. A busca de uma expressão
politicamente mais “neutra” levou, nesse período não democrático,
a que fossem adotadas, oficialmente, denominações como
“pequenos produtores”, “agricultores de subsistência”, “produtores
de baixa renda”, que, além de imprecisas, carregavam um forte
conteúdo depreciativo.
Mais recentemente, os agricultores familiares são percebidos,
por alguns, como integrantes das principais culturas agro­
pecuárias do país, inclusive das grandes cadeias produtivas
globalizadas. Nesse caso, eles são incluídos na categoria genérica
do “agrone­gócio”, juntamente com os grandes proprietários e
empresários do setor agrícola do país. Essa corrente, ideo­lo­
gicamente mais ligada a esse mesmo setor, considera o agro­
negócio, em sua di­men­são estritamente econômica, capaz de
gerar interesses comuns a todos aqueles que, de uma forma ou
de outra, são agricultores. Negam-se, assim, as dimensões
identitárias que nutrem as cate­g orias camponês e agricultor
familiar, retirando delas toda refe­rên­cia à constituição de
sujeitos políticos e, frequentemente, desco­nhecendo o caráter
subalterno de sua participação setorial, que exclui qualquer

UM SABER NECESSARIO.indb 95 09/01/2012 15:28:21


96 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

possibilidade de adesão econômica e política à grande pro­


priedade e à grande produção.
A partir da implantação do Pronaf, como foi assinalado, a
categoria “agricultura familiar” se consolida. Com ela, dilui-se o
con­teúdo histórico-político que a palavra “camponês” inspirava,
ao mesmo tempo em que se afirmam, pela primeira vez, o
reconhe­cimento da condição de produtor agrícola e uma
valoração positiva de suas particularidades. Através dela pretende-
se reco­nhecer uma forma social de produção que ocupa um lugar
espe­cífico na agricultura e no meio rural brasileiros. Ela se
distingue da forma patronal, predominante nas grandes empresas
agrope­cuárias, à qual corresponde uma certa relação com a terra
(grande propriedade), com o trabalho (separação entre capital e
trabalho) e com a tecnologia (modelo produtivista) (Veiga, 1995
e 2001).
Maria José Carneiro registra essa mudança de orientação da
política:

[...] a proposta de um programa de fortalecimento da agricultura


fa­miliar voltado para as demandas dos trabalhadores — sustentado
em um modelo de gestão social em parceria com os agricultores
familiares e suas organizações — representa um considerável avanço
em relação às políticas anteriores. Tal tentativa de ruptura é
intencional e explícita no próprio texto do Pronaf, quando ele
chama a si o desafio de construir um novo paradigma de
desenvolvimento rural para o Brasil sem os vícios do passado. (Carneiro,
1997, p. 70)

No mesmo sentido, Flávio Sacco dos Anjos afirma:

O Pronaf foi concebido como programa destinado a potencializar


o desenvolvimento rural, tendo na agricultura familiar o referente e
eixo central de sustentação, orientando-se fundamentalmente rumo
à geração de emprego e renda no meio rural. A dinâmica do Pronaf

UM SABER NECESSARIO.indb 96 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 97

de­termina critérios de “gestão social”, entendida esta como parti­


cipação majoritária dos distintos grupos sociais implicados, tanto
na fase de formulação quanto na sua efetiva implementação.
Seguindo a tônica da descentralização, sua execução determina o
surgimento de uma parceria formada pelos governos municipal,
estadual e federal, alicerçada em contrapartidas correspondentes a
cada uma dessas esferas. (Anjos, 2003, p. 272)

Estão incluídos nas Referências bibliográficas outros autores


que trouxeram contribuições decisivas para a compreensão dessa
política pública.
Nos dias atuais, assiste-se a uma revalorização das categorias
“camponês” e “campesinato”. Isso ocorre, sobretudo, como uma
ten­dência no interior dos próprios movimentos sociais, que as
associa a uma profunda crítica aos processos da modernização
conservadora e a uma crescente valorização das práticas agroeco­
lógicas. De fato, é nesse contexto que alguns grupos de agricultores
familiares e suas organizações representativas, aprofundando a
crítica à modernização agrícola, tal qual fora implantada no Bra­
sil, tomaram diversas iniciativas no sentido de propor as bases de
uma agricultura “alternativa” ou “diferente”. Esse movimento,
particularmente expressivo no Sul do Brasil, já a partir dos anos
1970, foi pesquisado, entre outros, por Jalcione Almeida. Para
esse autor,

[...] a crise organizacional brasileira parece demonstrar, de maneira


dra­mática, que o futuro escapa ao cálculo de custos e benefícios,
foge da todo-poderosa racionalidade instrumental da modernização
imposta. Certos atores começam a crer que o sistema não depende
mais de uma simples orientação econômica, de uma ação utilitarista,
em que se trataria apenas de calcular os custos e os lucros de uma
dada empresa ou de determinados objetivos. Para esses atores e
grupos sociais, os indivíduos estão também à procura de so­
lidariedade, de identidade, de autonomia, de democracia, de “bens”

UM SABER NECESSARIO.indb 97 09/01/2012 15:28:21


98 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

que, contrariamente a outros mais reais, não são calculáveis e


mensuráveis. O que eles buscam situa-se em outro domínio,
naquele, por exemplo, que Habermas chama de interação ou mundo
vivido ou no espaço que se preferiu chamar, simplesmente, de social.
(Almeida, 1999, p. 22)

O ponto de partida e referencial comum a todos é, efetiva­


mente, a recusa à aceitação dos processos da modernização con­
ser­vadora, acima analisados:

As novas proposições e ações cole­tivas por uma agricultura diferente


se apoiam fortemente nas críticas das noções de modernidade e de
modernização, esboçando os contornos de uma outra modernização,
que repousa nas noções e significações de “coletivo” e de “comu­
nidade/local”. (Almeida, 1999, p. 33)

Na verdade, para além de propor um modelo tecnológico dis­


tinto, o objetivo principal é a afirmação da autonomia dos agri­
cul­tores familiares, portadores de uma experiência camponesa e
de sua capacidade de assumir, sob outros moldes, o progresso da
agricultura e do meio rural brasileiros:

Todas as críticas portam em si uma ideia central e dominante que é


a de preservar uma certa categoria social e produtiva na agricultura:
o camponês, o pequeno agricultor/produtor ou, ainda, o agricultor
familiar; e, por conseguinte, a necessidade de reorientar os sistemas
produtivos e as tecnologias empregadas na direção de um reforço na
capacidade econômica e de autonomia dessa categoria. (Almeida,
1999, p. 58)

Abre-se aqui um crescente campo de investigação social que


tem como objeto o que se denomina em sentido amplo agroe­
cologia: seus fundamentos teóricos, seus princípios operacionais
e a análise das numerosas experiências em curso em todos os

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Um saber necessário | 99

quadrantes do país, cuja bibliografia seria impossível recuperar


neste texto. Boa parte desses autores tem contribuído para a cons­
tituição e o aprofundamento de um campo científico próprio, o
da sociologia ambiental. (Ver as Referências bibliográficas)
A compreensão das condições de reprodução da agricultura
familiar no mundo rural brasileiro contemporâneo trouxe à tona
a problemática da pluriatividade. Para uns, trata-se das respostas
possíveis de pequenos agricultores à perda de vitalidade da
própria atividade agrícola. Combinar o trabalho fora do estabe­
lecimento familiar com os compromissos de trabalho assumidos
com o grupo doméstico é entendido, nesse caso, como uma
estratégia adotada diante do fato de que a agricultura teria se re­
velado crescentemente incapaz de assegurar não só ocupação aos
membros da família que vivem em um mesmo domicílio, como
também um nível de renda satisfatório para todos. Nesse sentido,
a pluriatividade expressaria uma imposição externa à família,
resultado dos processos de “industrialização da agricultura” e da
“urbanização do campo”, que se traduz pela diluição da condição
de agricultor, até o ponto em que o sítio pode vir a significar
apenas o lugar de moradia de ex-produtores.
Pesquisas realizadas pelo Projeto Rurbano, da Unicamp, re­
velam que vêm aumentando no meio rural as ocupações não agrí­
colas, que corresponderam, em 1990, a 35% da População Eco­
nomicamente Ativa (PEA) rural do país. Por esse enfoque, são
essas atividades, e não mais a agri­cul­tura, que geram um certo
equilíbrio na renda familiar, favore­cendo, por consequência, a
permanência no campo de uma parcela da população rural,
especialmente os jovens candidatos à migra­ção para as cidades
(J. G. da Silva, 1996; Campagnola e J. G. da Silva, 2000).
Na continuidade desse debate, alguns elementos foram sendo
integrados, os quais permitiram aprofundar o significado da plu­
riatividade para as famílias agrícolas, no sentido de levar em

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100 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

conta o que se passa internamente nas famílias e a capacidade


des­tas de organizar, de dentro, suas estratégias relativas à força de
trabalho de que dispõem. (Ver as Referências bibliográficas.)
Para Sérgio Schneider,

[...] justifica-se e enfatiza-se a necessidade de estudar a pluriatividade


na perspectiva da agricultura familiar. Isso implica analisar
sociologicamente como se dá a articulação entre o contexto social e
econômico e as decisões dos indivíduos pertencentes a um grupo
familiar. Implica descobrir por que razão algumas famílias que são
proprietárias de um pequeno pedaço de terra e trabalham na
produção agropecuária, ligadas entre si por laços de parentesco e de
consanguinidade, passam a estimular os seus membros a buscar
empregos e ocupações não agrícolas, oferecidos por setores como a
indústria da transformação, da construção e a prestação de serviços
de toda ordem. (Schneider, 2003, p. 230)

Esse autor amplia o campo em análise ao propor que “a pluria­


tividade não se constitui em fenômeno que decorre, exclusiva­
mente, dos efeitos macroeconômicos do processo de desenvolvi­
mento do capitalismo na agricultura”. Assim, seria necessário

[...] concentrar o foco de análise não mais na pluriatividade per se


ou na emergência das ocupações e rendas não agrícolas de modo
genérico, mas estudar as relações da pluriatividade com a agricultura
familiar [...] Deve-se observar com particular atenção como as
famílias operam e assimilam a combinação de múltiplas ocupações
produtivas por parte dos membros que a integram e de que modo
essas decisões e iniciativas individuais e coletivas afetam e/ou são
influenciadas pelos ambientes rurais onde se verifica a emergência
das atividades não agrícolas. (Schneider, 2003, p. 234)

No mesmo sentido, apontando para a multiplicidade de es­


tratégias de trabalho externo ao estabelecimento, Maria José Car­
neiro questiona o caráter de novidade que se pretende atribuir,
genericamente, às práticas de pluriatividade. Em sua opinião, essa

UM SABER NECESSARIO.indb 100 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 101

categoria é aplicável quando corresponde a um “novo modo de


funcionamento” das famílias agrícolas:

Somente nesses termos podemos falar da pluriatividade como uma


prática que teria sido “reinventada” por segmentos da população
rural para enfrentar a crise provocada pelo esgotamento do modelo
de produção produtivista. Sendo assim, podemos considerá-la, ao
mes­mo tempo, conjuntural e estrutural. É a combinação de fatores
externos e internos à dinâmica familiar que dará sentido e significado
ao recurso e às práticas não agrícolas por parte das famílias de agri­
cultores. Podemos supor que se trata de um recurso que se possa
enraizar indicando que uma nova forma de organização da explo­
ração agrícola estaria sendo engendrada. (Carneiro, 2006, p. 176)

Maria José Carneiro introduz, nesse debate, a dimensão da


multifuncionalidade da agricultura, que será retomada mais
adiante:

[...] o significado das atividades não agrícolas não é dado pelo tipo
de trabalho realizado, e sim pela maneira como esse trabalho e a
renda por ele obtida se integram à dinâmica da reprodução familiar
[...]. É necessário levar em conta que o papel da agricultura para as
famílias rurais vai muito além da produção para o mercado,
justamente porque ela está inserida em um modo de vida [...]. Essa
percepção da agricultura aciona o debate da multifuncionalidade da
agricultura. (Carneiro, 2006, p. 181)

No estudo comparativo internacional sobre a agricultura fa­


mi­liar, Oleg Stanek encontra também no interior da família as
explicações mais profundas sobre a prática da pluriatividade:

De uma certa maneira, a pluriatividade traz problemas teóricos in­


con­tornáveis. A dificuldade não reside necessariamente na tendência
em complementar, fora da agricultura, a renda insuficiente da
própria unidade de produção. Ela resulta, talvez, muito mais do fato
de que, nos sistemas pluriativos, a análise econômica não consegue

UM SABER NECESSARIO.indb 101 09/01/2012 15:28:21


102 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

explicar satisfatoriamente a persistência de uma estratégia que,


muito frequentemente, deveria impelir rapidamente os produtores
ao assalariamento. Isso mostra, sobretudo, a influência de um forte
resíduo social e cultural, fricção “irracional” do ponto de vista das
escolhas econômicas — que é chamado de “apego a terra”, “apego a
um modo de vida” —, particularmente manifesta naqueles que,
mesmo tendo um emprego não agrícola em tempo integral, perma­
necem obstinadamente ligados à unidade de produção, mesmo que
ela seja deficitária. (Stanek, 1998, p. 170)

Há a considerar, por outro lado, a dimensão efetiva e os im­


pactos reais que esse processo representa na realidade rural. Para
Ân­gela Kageyama, “a atividade agropecuária ainda ocupa a
grande maioria da população rural brasileira (71% do total dos
ocupados)” (Kageyama, 2008, p. 197). Essa mesma autora ob­
serva que “no Brasil, como um todo, a pluriatividade tem crescido
lentamente: em 1995 havia 16,6% de domicílios rurais pluriativos,
em 2003 essa proporção cresceu para 17,2% e somente 18,4% dos
domicílios rurais eram pluriativos em 2005” (Kageyama, 2008,
p. 200).
Por outro lado, como afirma John Wilkinson, a agricultura
familiar tem encontrado novas oportunidades, que reforçam a
centralidade da família e da atividade produtiva do estabelecimento
familiar:

Os trabalhos sobre pluriatividade focalizam precisamente a fragili­


dade agrícola da família rural tanto nos mercados tradicionais como
nos novos e o papel estratégico da diversificação dos mercados de
trabalho no meio rural. Essa corrente, porém, tende a subestimar as
oportunidades agrícolas para a família rural, tanto na manutenção
de mercados atuais quanto na conquista de espaços nos mercados
novos, bem como o potencial para uma revalorização da agricultura
familiar decorrente das crescentes crises que afetam o modelo
produtivista dominante. (Wilkinson, 2008, p. 81)

UM SABER NECESSARIO.indb 102 09/01/2012 15:28:21


Um saber necessário | 103

A referência às estratégias adotadas pelos agricultores reintro­


duz na reflexão a capacidade de iniciativa do próprio agricultor,
demonstrando assim a existência de modos particulares de fun­
cio­namento, construídos em função das condições dadas, em
geral adversas à sua estabilidade e ao progresso da família, mas
também em função do próprio projeto familiar que está em jogo,
como já demonstravam os trabalhos de José Vicente Tavares dos
Santos e de Afrânio Garcia Jr., anteriormente citados.
O estudo comparativo internacional sobre a agricultura fami­
liar, coordenado por Hugues Lamarche, também adota, como fio
condutor de sua análise, a capacidade de adaptação dos agricul­
tores aos distintos contextos nacionais e locais, construindo uma
metodologia comparativa baseada, precisamente, nas diferentes
estratégias dos agricultores em face desses contextos impositivos.
Esse estudo procura demonstrar, pela tipologia que formulou,
que a integração mais profunda ao mercado e a outros dispositivos
mercantis constitui uma das situações contemporâneas da agri­
cultura familiar. Essa situação, que está na origem de um modo
de funcionamento específico, de caráter empresarial, não desca­
rac­teriza, no entanto, a condição de agricultor familiar (Lamar­
che, 1993 e 1998).
Parece evidente que essa abordagem é a que melhor consegue
apreender os fatores mais profundos da diferenciação social,
superando uma antiga tradição de construir tipologias em função
de caracteres descritivos e estáticos dos produtores, tais como tipo
de produto realizado, dimensão da propriedade ou nível de renda
monetária.

UM SABER NECESSARIO.indb 103 09/01/2012 15:28:21


UM SABER NECESSARIO.indb 104 09/01/2012 15:28:21
v
O mundo rural no Brasil moderno:
espaços de diversidade

Como foi assinalado, já nos anos 1980, os estudos rurais no Brasil


vão dar um grande salto, especialmente sob a influência de três
fa­tores. Em primeiro lugar, a consolidação dos movimentos so­
ciais e de sua capacidade de formular seus próprios projetos e
expressar socialmente suas demandas. Em segundo lugar, o
aprofundamento da crítica ao modelo produtivista de moder­
nização da agricultura. De fato, as contradições do modelo pro­
dutivista, que inspirou a modernização da agricultura brasileira,
vão se tornando cada vez mais evidentes, e, amparada em análises
que o questionam em todo o mundo, toma corpo também no
Bra­sil uma visão crítica daquilo que, alguns anos antes, era anun­
ciado como a via única do progresso para a agricultura do país.
Esses efeitos se fazem sentir, especialmente, em três planos,
que se referem: ao meio ambiente, na medida em que a moderni­
zação se revela predatória dos recursos naturais; à sociedade,
tendo em vista as formas degradantes de exploração do trabalho
e de marginalização de grandes contingentes de pequenos pro­
dutores; e mesmo à economia, pois a concentração da propriedade
da terra se acompanha da permanência de uma grande quantidade
de terras apropriadas, porém mantidas sem uso produtivo ou com
baixa produtividade.

UM SABER NECESSARIO.indb 105 09/01/2012 15:28:21


106 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Finalmente, há a considerar, em terceiro lugar, a chamada


crise dos grandes paradigmas das ciências sociais. A esse respeito,
José Vicente Tavares dos Santos se interroga:

Qual a conjuntura do campo intelectual dos estudos agrários nesse


quadro de incerteza quanto aos destinos da política e da crise social
acentuada? Em que medida a denominada “crise dos paradigmas”,
que em grande medida é, por um lado, a crise do marxismo-
leninismo e do marxismo estruturalista e, por outro lado, a crise da
análise funcionalista da “sociologia rural”, provoca efeitos negativos
na expansão da análise sociológica do campo brasileiro? (Santos,
1991, p. 77)

Como resposta a esse contexto de crises, de questionamentos


e de afirmações, os estudos rurais realizam um importante salto
qualitativo, que se expressa em duas orientações complementares.
Em primeiro lugar, a revalorização da dimensão espacial, que traz
à tona um debate centrado na compreensão do mundo rural e
suas relações com as cidades, bem como nas relações da vida local
com os processos de globalização. Essa compreensão alimenta
uma profunda reflexão a respeito do desenvolvimento rural sus­
tentável como projeto de sociedade. Em segundo lugar, a reite­
ração da centralidade do conhecimento sobre os sujeitos rurais,
em toda a sua diversidade e complexidade. Como afirmara Carlos
Rodrigues Brandão, no início da década de 1980,

[...] categorias de sujeitos do mundo rural aos poucos emergem para


as ciências sociais não apenas como uma “questão” (como em: a
questão agrária no Brasil) e, também, não apenas como dados de
processos (como em: as transformações da economia agrícola no
estado de São Paulo), mas como uma cultura, uma presença que fala
de si, uma fala que ascende a dado e pode, então, ser apreendida
como um momento de uma ideologia. (Brandão, 1984, p. 185)

UM SABER NECESSARIO.indb 106 09/01/2012 15:28:22


Um saber necessário | 107

Que rural? Que rurais?

Relendo hoje o acervo disponível, tem-se a impressão de que,


com exceção da produção no campo da geografia — que indiscuti­
velmente contou com expressivas referências —, os estudos
voltados para a compreensão do mundo rural, no que ele tem de
especificidades, em comparação com o mundo urbano e em es­
treita relação com este, estiveram, durante muito tempo, subor­
dinados às grandes questões referentes ao desenvolvimento da
agricultura, como se a agricultura explicasse plenamente o rural.
O último estudo em data, com aquela abordagem anterior, é o
de Maria Isaura Pereira de Queiroz (Queiroz, 1973a).
É bem verdade que as pesquisas que procuraram compreender
o campesinato e as lutas sociais das classes subalternas do campo
trouxeram importantes contribuições para o entendimento dos
“lugares rurais” e do modo de vida das populações do campo:

Isso significa repensar o rural como espaço de outras agriculturas e


também como espaço de vida, de trabalho e de lazer, não
necessariamente restrito aos agricultores. Significa também repensar
a relação desse rural de pluriatividades, mas ainda basicamente
agrícola, com as pequenas cidades, ou seja, com o conjunto das
dinâmicas do território local. (Ferreira e Zanoni, 1998, p. 21)

Outras pesquisas, porém, para as quais a integração agroindus­


trial deslocara o centro do comando da economia para a indústria
e para a cidade, tenderam a esvaziar ou minimizar o interesse pelo
conhecimento dos espaços rurais. Essa lacuna é mais significativa
porque ela ocorre a partir do momento em que a população
urbana se torna numericamente superior à população rural. De
fato, o Censo de 1970 registra que o número de brasileiros viven­
do no que são consideradas zonas rurais correspondia, então, a
44,08% da população total do país.

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108 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Só mais recentemente essa dimensão central do mundo rural


foi retomada nos debates. José Eli da Veiga questionou as defi­
nições oficiais utilizadas pelo IBGE, que distinguem, no interior
dos municípios, as zonas rurais e as zonas urbanas, demonstrando
que essa concepção reduz o “rural” às áreas de população escassa
e dispersa e desprovidas de equipamentos e de serviços locais:

O entendimento do processo de urbanização do Brasil é atrapalhado


por uma regra muito peculiar, que é única no mundo. Este país
considera urbana toda sede de município (cidade) e de distrito
(vila), sejam quais forem suas características [...]. De um total de
5.507 sedes de municípios existentes em 2000, havia 1.176 com
menos de 2 mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil e 4.642 com
menos de 20 mil, todas com estatuto legal de cidade, idêntico ao
que é atribuído aos inconfundíveis núcleos que formam as regiões
metropolitanas, ou que constituem evidentes centros urbanos
regionais. E todas as pessoas que residem em sedes, inclusive em
ínfi­mas sedes distritais, são oficialmente contadas como urbanas,
ali­mentando esse disparate, segundo o qual o grau de urbanização
do Brasil teria atingido 81,2% em 2000. (Veiga, 2002, p. 32)

No mesmo sentido, Ricardo Abramovay considera que

[...] há um vício de raciocínio na maneira como se definem as áreas


rurais no Brasil, que contribui decisivamente para que sejam
assimiladas automaticamente a atraso, carência de serviços e falta de
cidadania. A definição do IBGE, para usar a expressão de Elena
Saraceno [...], é de natureza residual: as áreas rurais são aquelas que
se encontram fora dos limites das cidades, cujo estabelecimento é
prerrogativa das prefeituras municipais. O acesso a infraestruturas
e serviços básicos e um mínimo de adensamento são suficientes para
que a população se torne “urbana”. Com isso, o meio rural corres­
ponde aos remanescentes ainda não atingidos pelas cidades e sua
emancipação social passa a ser vista — de maneira distorcida —
como “urbanização do campo”. (Abramovay, 2003. p. 19)

UM SABER NECESSARIO.indb 108 09/01/2012 15:28:22


Um saber necessário | 109

O IBGE não define propriamente o que são áreas rurais, a não


ser por exclusão, isto é, como aquelas que não são urbanas. Ao
obedecer aos princípios consagrados na legislação, identifica estas
últimas aos frouxos requisitos definidos pelo próprio poder
municipal e dissocia a definição de cidade da existência de um
ní­vel mínimo de vida urbana. Supondo um “natural” avanço da
cidade sobre o campo, termina por deslegitimar qualquer progra­
ma de desenvolvimento rural, bastando que se espere a sucessão
dos censos para comprovar o fim desse mundo rural.
Para José Eli da Veiga, uma nova abordagem, que leve em con­
ta, a exemplo do que ocorre na maioria dos países, não apenas o
número absoluto dos habitantes do campo, mas também a densi­
dade demográfica, permitiria identificar no Brasil um mundo
rural povoado, frequentemente portador de dinamismo econô­
mico e social e onde campo e pequena cidade são complementares.
Na verdade, para além da definição dos espaços rurais, o que
está em questão são as relações que se estabelecem entre o mundo
rural e o mundo urbano, que expressam o significado da rura­
lidade na sociedade contemporânea. Esse tema será retomado
mais adiante, mas é possível já anunciar as posições extremas do
debate: de um lado, aqueles para quem tudo é ou será urbano,
numa relação de continuum entre os dois polos, pela qual o “ur­
bano” termina por transformar o “rural” à sua imagem e semelhan­
ça; de outro lado, aqueles que percebem o meio rural como um
mundo fortemente isolado do conjunto da sociedade, podendo
ser apreendido diretamente através dos mecanismos e processos
internos de reprodução. Entre as duas posições, no entanto, existe
uma ex­tensa gradação de posições que só aumenta a complexidade
da questão. O que parece importante salvaguardar no debate é a
afirmação de que os espaços, tanto quanto as relações sociais de
que são suporte, não são homogêneos e que essa diversidade
supõe, em todos os casos, uma profunda interdependência entre

UM SABER NECESSARIO.indb 109 09/01/2012 15:28:22


110 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

o campo e a cidade, cujos termos concretos ainda demandam


estudos complementares.
Independentemente do peso relativo da população rural, e
ape­sar da perda demográfica constatada, existe uma parcela signi­
fi­cativa de brasileiros que vive nos espaços rurais. Essa constatação
é suficientemente forte para trazer ao primeiro plano dos estudos
rurais as questões que dizem respeito diretamente a esses sujeitos
do campo, para além da dimensão econômica de suas atividades
e das estruturas que conformam o setor agrícola ou agroindustrial.
De um ponto de vista mais geral, pode-se afirmar que são
indi­víduos, famílias e grupos sociais que se relacionam em função
da referência ao patrimônio e aos laços de vizinhança. É bem
verdade que o trabalho nas atividades agrícolas constitui historica­
mente uma característica da população brasileira que vive no
campo. No entanto, desde os anos 1960, como foi visto, os assa­
la­riados rurais têm perdido sistematicamente seu lugar de moradia
nas áreas consideradas rurais, sendo expulsos para as periferias das
cidades. A permanência no campo depende, assim, cada vez mais
da possibilidade de constituição de um vínculo patrimonial com
a terra. Essas características revelam uma grande diversidade de
situações concretas, que geram múltiplas identidades, dentre as
quais: pequenos e médios produtores agrícolas, envolvidos em
for­mas produtivas distintas; assentados da reforma agrária; traba­
lha­dores assalariados, que residem em pequenos aglomerados
rurais; comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de
quilombolas; povos da floresta em sua multiplicidade de expres­
sões (Almeida, 1995 e 2008; Brandão, 1977; Gusmão, 1996).
Em artigo recente, Mauro William Barbosa de Almeida analisa
a emergência na cena política e social brasileira desses grupos, até
então desconhecidos, desconsiderados ou marginalizados. Para
ele, o que está em questão é a dificuldade do que denomina o
“paradigma agrícola camponês” de incorporar a profunda diver­

UM SABER NECESSARIO.indb 110 09/01/2012 15:28:22


Um saber necessário | 111

sidade de situações e de identidades que caracteriza a vitalidade


social do meio rural:

[...] o paradigma agrícola camponês deixava na obscuridade uma


miríade de situações que eram classificadas como marginais; essas
“populações marginais” não eram sequer nomeadas pela teoria e sua
invasão na cena política não foi preparada pelas teorias estruturais
do campesinato. (Almeida, 2007, p. 173)

A crise é, portanto, a do poder explicativo do paradigma indi­


cado, cujo eixo gira, segundo o autor, em torno da “economia
cam­ponesa” e da “estrutura do grupo doméstico camponês”. Isso
explica por que, paradoxalmente,

[...] precisamente no momento em que o discurso teórico decreta o


fim do problema “agrário” e “camponês” no mundo inteiro, as
questões cuja base são florestas, campos e mares se tornam centrais.
No momento em que a tradição é desconstruída, toda sorte de
identidade e tradições se converte em manchete a cada atentado ao
consenso moderno [...]. (Almeida, 2007, p. 175)

E Mauro Almeida conclui:

Está em curso uma nova reforma agrária, por assim dizer, transfi­
gurada em uma pluralidade de movimentos e de questões e trazendo
consigo novos recortes da luta pela redistribuição do espaço natural-
humano: florestas, mangues, babaçuais e não apenas a terra como
su­porte da agricultura; terras de negro, quilombos, reservas extrati­
vistas e faxinais e não apenas módulos separáveis de seus sujeitos
coletivos; direitos sobre a diversidade e a qualidade da natureza hu­
mana e cultivada sobre conhecimentos e modos de vida, e não
apenas direitos de cidadania genéricos. (Almeida, 2007, p. 180)

A Constituição Federal de 1988 abriu um largo caminho para


o reconhecimento de muitos desses indivíduos e grupos como

UM SABER NECESSARIO.indb 111 09/01/2012 15:28:22


112 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

su­jeitos de direito (Brasil. Constituição Federal, 1988), base para


o aprofundamento das referências identitárias associadas ao mun­
do rural, através do estímulo à organização dos grupos locais e à
capacidade de formular suas demandas, inclusive no que se refere
às garantias de acesso a terra, bens e serviços.
Os numerosos estudos sobre gênero e geração também se ins­
crevem na temática das novas identidades. Analisados, tradi­
cionalmente, enquanto membros da comunidade familiar, as
mu­lheres, os idosos e os jovens sempre tiveram um tratamento
es­pe­cial no que se refere às relações de poder — autoridade pa­
terna, titulação do patrimônio — e às relações de coopera­ção, no
plano da subsistência e da constituição do patrimônio —, cujo
foco central permanece a própria família. (Ver as Referências bi­
bliográficas.)
As pesquisas recentes registram as transformações ocorridas no
interior dessas famílias, resultantes das tensões entre, por um
lado, a coesão da comunidade familiar e, por outro lado, o reco­
nhe­cimento de seus membros enquanto indivíduos, com histórias
e projetos particulares, que não se confundem, necessariamente,
com a história e os projetos da família como um todo. Assim
sendo, tanto os movimentos sociais como as políticas públicas
passaram a considerá-los como atores plenos do desenvolvimento
rural, para além da própria dimensão familiar. Além dos estudos
sobre o campesinato e a agricultura familiar, já referidos, outros,
que tratam da nova abordagem de gênero e geração, também
foram citados nas Referências bibliográficas no final.

Pobreza rural e as políticas sociais para vencê-la

Não seria possível, neste balanço sobre os estudos rurais no Brasil,


desconsiderar a questão central da pobreza rural e os efeitos das

UM SABER NECESSARIO.indb 112 09/01/2012 15:28:22


Um saber necessário | 113

po­líticas sociais implementadas para o seu combate, o que será


analisado a seguir. Trata-se, fundamentalmente, da pobreza
gerada como consequência direta do modelo de desenvolvimento
rural prevalecente na sociedade brasileira e da forma como foi
implantada no Brasil a moderna agricultura. Para José Graziano
da Silva,

[...] muito se tem falado e escrito sobre o “notável” desempenho do


ponto de vista produtivo da nossa agropecuária nessas décadas
passadas, especialmente na crise dos anos 1980. Mas pouco se fala
sobre o resultado do ponto de vista social desse modelo de
crescimento agroindustrial excludente, que aumentou ainda mais a
concentração da renda e a proporção de pobres no campo. E quase
nada se tem escrito sobre o que fazer com os excluídos, os “barrados
do baile”, os descamisados, ou os pobres do campo ou qualquer
outro nome que se dê a essa verdadeira população sobrante, marginal
do ponto de vista das necessidades internas de acumulação do
sistema. (J. G. da Silva, 1995, p. 127)

Numerosos são os estudiosos da pobreza rural. Deve ser espe­


cial­mente citada, pela sua importância, a obra de Rodolfo Hoff­
mann. Trata-se de um vasto conjunto de estudos sobre pobreza,
distribuição de renda e desigualdade social, associados, entre
outros fatores, à concentração fundiária.
Uma grande dificuldade para a apreensão da pobreza decorre
da diversidade de critérios utilizados para determinar sua dimen­
são. O critério mais comumente adotado consiste em relacionar
a pobreza ao nível da renda e fixar um limite — um salário mí­
nimo ou uma proporção deste — aquém do qual ela se configura.
Outros critérios se referem à renda per capita diária ou à estrutura
de consumo (Del Grossi, J. G. da Silva e Takagi, 2001).
Apontando para o que considera o “agravamento da questão
social rural nos anos 1980”, que associa à redução do emprego e
da renda rurais, Graziano constata que

UM SABER NECESSARIO.indb 113 09/01/2012 15:28:22


114 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

[...] o decréscimo das pessoas ocupadas na agricultura na segunda


metade dos anos 1980: a) ocorreu em todas as regiões analisadas,
inclusive as áreas de expansão recente da fronteira agrícola; b) as
ta­xas mais elevadas de redução encontram-se tanto nos estados de
agricultura mais moderna do Sul e Sudeste [...] como também
naqueles estados onde o estoque absoluto da população agrícola é
maior, como é o caso da Bahia e Minas Gerais. (J. G. da Silva, 1995,
p. 132)

No que se refere à renda, ele conclui que “nos anos 1970 cres­
ceu a desigualdade, mas diminuiu a pobreza no campo”. Isso
porque “o campo expulsou a sua pobreza para as cidades, onde
foram ser favelados, biscateiros, boias-frias etc.” (J. G. da Silva,
1995, p. 133). Na década seguinte, “continuou a crescer a desi­
gual­dade na distribuição da renda com o agravante de que agora
os pobres se tornaram ainda mais pobres” (J. G. da Silva, 1995,
p. 133). Já nos anos 1990, os pobres do campo, “na sua grande
maioria, são trabalhadores temporários sem vínculo empregatício
e pequenos produtores não modernizados que trabalham ‘por
conta própria’ e que se concentram na região Nordeste” (J. G. da
Silva, 1995, p. 135).
O Mapa da Fome toma como parâmetro o valor da cesta básica
familiar para definir o número de famílias cuja renda não é su­
ficiente para adquiri-la (Peliano, 1993). Por esse critério, cerca de
32% dos brasileiros (aproximadamente 54 milhões de pessoas)
fo­ram considerados pobres em 2003. Como é sabido, as análises
e os dados apresentados no Mapa da Fome serviram de base para
a formulação do programa governamental “Comunidade Soli­
dária”, presidido pela antropóloga Ruth Cardoso e do qual Anna
Maria T. M. Peliano foi a secretária executiva. Da mesma forma,
as iniciativas de combate à fome do Movimento Ética na Política,
liderado pelo sociólogo Betinho (Comitês de Ação pela Cidadania
contra a Miséria e pela Vida), basearam-se naquelas informações.

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Um saber necessário | 115

O Programa Fome Zero, por sua vez, construiu uma metodo­


logia que procurou definir o “público vulnerável à fome”. Usando
como base o valor de um dólar por dia per capita, que é a linha
de pobreza definida pelo Banco Mundial, os autores do Programa
analisaram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) de 1999, aos quais acrescentaram informações
referentes ao valor do autoconsumo e do aluguel/prestação da
casa própria. O público beneficiário do Programa foi assim
definido como “aquela parcela da população que não pos­sui
renda suficiente para garantir sua segurança alimentar, estando,
portanto, vulnerável à fome” (J. G. da Silva, Belik e Takagi, 2001,
p. 70). Suas conclusões apontam para

[...] um público potencial beneficiário de 44,043 milhões de pessoas,


pertencentes a 9,324 milhões de famílias. Essa população pobre
representa 21,9% das famílias e 27,8% da população total do país,
sendo 19,1% da população das regiões metropolitanas, 25,5% das
áreas urbanas não metropolitanas e 46,1% da população rural. Em
termos absolutos, representam, respectivamente: 9.003 milhões,
20.027 milhões e 15.012 milhões, para cada área de residência.
(J. G. da Silva, Belik e Takagi, 2001, p. 74)

Esses dados revelam com clareza que, embora não corresponda


ao maior número de pobres do país, a pobreza que se manifesta
nas áreas rurais é, relativamente, a mais expressiva, uma vez que
atinge quase a metade da população do campo.
Mais recentemente, a pobreza vem sendo compreendida como
um fenômeno de maior abrangência do que a restrição de renda,
que impossibilita aos indivíduos atender a suas necessidades
essen­ciais. Assim, Ângela Kageyama e Rodolfo Hoffmann defen­
dem que “a noção de pobreza refere-se a algum tipo de privação,
que pode ser somente material ou incluir elementos de ordem
cultural e social, em face dos recursos disponíveis de uma pessoa

UM SABER NECESSARIO.indb 115 09/01/2012 15:28:22


116 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

ou família. Essa privação pode ser de natureza absoluta, relativa ou


subjetiva” (Kageyama e Hoffmann, 2006, p. 80). Com essa pers­
pectiva, os referidos pesquisadores propõem

[...] uma classificação de pobres e não pobres baseada numa combi­


nação de nível de renda e três itens básicos de infraestrutura domi­
ciliar considerados indispensáveis para uma existência minimamente
aceitável. A justificativa para essa classificação é, em primeiro lugar,
considerar a pobreza não apenas pela baixa renda, mas também pela
privação de bens essenciais, cuja disponibilidade depende em parte
de gastos públicos. (Kageyama e Hoffmann, 2006, p. 83)

Os itens básicos levados em conta foram água encanada, insta­


lação sanitária no domicílio e iluminação elétrica, enquanto o
nível de renda foi calculado em meio salário mínimo. Com base
nes­sas informações, os resultados revelaram que havia, em 2004,
66 milhões de pessoas pobres no país (Kageyama e Hoffmann,
2006, p. 108) e que “o Nordeste e a zona rural continuam a ser
os grandes ‘depósitos’ da pobreza no Brasil” (Kageyama e Hoff­
mann, 2006, p. 97).
Apesar da incidência indiscutível da pobreza, os autores em
questão já apontam para o que denominam um “crescimento pró-
pobre”, que, segundo eles, revela “uma redução na desigualdade
da distribuição”, particularmente nas áreas rurais, entre 1995 e
2004 (Kageyama e Hoffmann, 2006, p. 109).
Essa nova situação é igualmente observada por outros pes­
quisadores do tema:

A pobreza rural no Brasil também caiu de forma contínua e


significativa entre 1992 e 2005. Enquanto a proporção de pobres no
Brasil se reduziu em 11 p.p. nesse período, a queda nas áreas rurais
foi de 16 p.p. Apesar disso, a incidência da pobreza rural continua
sendo mais do que o dobro da urbana. (Helfand, Rocha e Vinhais,
2009, p. 76)

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Um saber necessário | 117

Propondo uma explicação para essa mudança, os referidos


autores afirmam:

No período 1998-2005, as variações (dos rendimentos do trabalho)


explicaram apenas cerca de um terço da queda na pobreza. Dois terços
da redução foram explicados pelos efeitos das aposentadorias e
pensões e de programas de transferência de renda, que trabalharam
tanto via crescimento da renda domiciliar per capita como via redução
na desigualdade de renda. (Helfand, Rocha e Vinhais, 2009, p. 77)

E eles não hesitam em explicitar as implicações desse fato para


as políticas públicas e propor: “A renda trabalho ainda representa
mais de 70% da renda total nas áreas rurais. Para continuarem
reduzindo a pobreza e a desigualdade rural no futuro, as políticas
deveriam ter como meta um crescimento pró-pobre dessa fonte
de renda” (Helfand, Rocha e Vinhais, 2009, p. 78).
No Brasil, a recente redução dos níveis de pobreza tem sido
assoc­iada aos impactos de políticas sociais voltadas precisamente
para o combate à pobreza, implantadas no período. Não é preciso,
certamente, demonstrar o quanto o Estado sempre foi um dos
atores centrais que viabilizaram, ao longo da história, e na forma
como ocorreu, o desempenho do setor agrícola e a conformação
do mundo rural, como foi visto ao longo deste texto (Gasques e
Conceição, 2001; Leite, 2001; Schneider, Silva e Marques, 2004).
Assim, mais do que traçar um panorama sobre a presença do
Estado em seu conjunto, deve ser feita referência às políticas
públicas mais recentes, de caráter social, que afetaram diretamente
a população rural mais pobre. Dentre essas políticas, assume
especial relevo, pelas suas consequências, a disseminação, no
meio rural, dos benefícios da previdência rural.
O estudo mais abrangente sobre esse tema foi realizado no
Ipea, por uma equipe coordenada por Guilherme da Costa Del­
gado. Os resultados dessa pesquisa demonstram

UM SABER NECESSARIO.indb 117 09/01/2012 15:28:22


118 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

[...] o avanço realizado pela experiência de universalização da


previdência social rural no sentido da incorporação do regime de
economia familiar rural às suas regras de atendimento. Esse avanço,
retardatário em mais de meio século desde a criação da Previdência
Social no Brasil, ocorre em circunstância histórica muito peculiar
de mudança do padrão de intervenção do Estado no setor rural. Em
tal contexto, a política previdenciária passa a exercer papel
magnificado pelas circunstâncias: o de revitalização da chamada
economia familiar rural. (Delgado e Cardoso Júnior, 2000, p. 15)

Os autores da pesquisa enfatizam os efeitos da implantação


dessa política, que, para além de um seguro previdenciário, tem
sido utilizada pelos seus beneficiários como um seguro sobre as
próprias atividades produtivas do estabelecimento familiar:

Essa conversão do seguro previdenciário em seguro agrícola é


efetivamente um resultado inesperado, porquanto introduz um
elemento novo na política previdenciária, qual seja, o seu impacto
sobre a produção agrícola do numeroso setor de agricultura familiar
de todo o país [...]. Esse mecanismo de proteção propicia a formação
de um pequeno excedente na renda dos domicílios componentes do
S¹ (setor de aposentados e pensionistas rurais), que é praticamente
reinvestido na própria atividade produtiva familiar, criando
condições para a reprodução ampliada dessa economia familiar [...]
(Delgado e Cardoso Júnior, 2000, p. 30)

Desenvolvimento rural sustentável

Qual poderia ser o enfoque de uma política voltada para o desen­


vol­vimento rural? A esse respeito, duas posições aparecem clara­
mente polarizadas no debate. Uma primeira propõe um enfoque
setorial, isto é, define o desenvolvimento rural em função das
po­ten­cialidades do setor agrícola. A própria modernização da
agri­cultura e a expansão das fronteiras foram concebidas enquanto

UM SABER NECESSARIO.indb 118 09/01/2012 15:28:22


Um saber necessário | 119

for­mas de intervenção do Estado, visando ao desenvolvimento


rural. No entanto, ao assumir que esse desenvolvimento se traduz
pelos processos de industrialização da agricultura e de urbanização
do campo, em consequência de sua articulação com o mundo
urbano-industrial dominante, o enfoque setorial tende a mini­
mizar a importância tanto da própria agricultura quanto das di­
nâ­mi­cas internas do meio rural, terminando, muitas vezes, por
desqualificar a própria realidade rural.
Um segundo enfoque é aquele que, mesmo reconhecendo
as implicações da subordinação da agricultura à indústria e da
integração complementar campo–cidade, reafirma a per­ti­
nência do “rural” como um espaço específico, com suas par­
ticulares rela­ç ões econômicas, sociais, políticas e culturais.
Nesse caso, o de­sen­v olvimento rural, que recebe os qua­
lificativos “sustentável” e “territorial”, é compreendido não
como a “urbanização” do cam­po, mas como o desenvolvimento
das qualidades específicas do “rural”, que dizem respeito à
preponderância da natureza nesse tipo de espaço e à presença
do pequeno grupo, no qual predo­m inam as relações de pro­
ximidade e interconhecimento. Ao mes­m o tempo reafirma o
reconhecimento dos habitantes do cam­p o como sujeitos de
direitos, nos termos já acima referidos, para os quais o exercício
da cidadania supõe o pleno acesso a bens e serviços disponíveis
ao conjunto da sociedade brasileira.
Muitos intelectuais acadêmicos contribuíram para a elaboração
e a implantação de instrumentos de política portadores dessa
con­cepção de desenvolvimento rural que toma corpo na socie­
dade brasileira, sobretudo a partir dos anos 1990.
Para José Eli da Veiga, por exemplo, enquanto o enfoque seto­
rial tem como resultado “a especialização devoradora de postos de
trabalho”, o desenvolvimento rural, numa perspectiva territorial,

UM SABER NECESSARIO.indb 119 09/01/2012 15:28:22


120 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

[...] pretende diversificar as economias locais, a começar pela própria


agropecuária. Procura aquele tipo de dinâmica rural que resulta da
diversidade multissetorial, fenômeno que costuma ser inviabilizado
pela especialização produtiva do setor primário. A simbiose dos
sistemas policultores com criação de pequenos animais e pecuária
de leite é muito melhor do que a monotonia de ilhas monocultoras
cercadas de pastagens extensivas por todos os lados. Também em
termos de salubridade e de meio ambiente — duas principais
vantagens competitivas do século 21 —, essa agrodiversidade é infi­
nitamente superior à especialização. (Veiga, 2001, p. 5)

No mesmo sentido, Ricardo Abramovay considera que

[...] o meio rural tem um papel importante no desenvolvimento


con­tem­porâneo para o qual as ciências sociais começam a despertar
nos últimos anos. As funções convencionais de fornecimento de
maté­rias-primas e mão de obra para o crescimento econômico são
cada vez menos importantes diante dos próprios atributos territoriais
que definem, conceitualmente, a ruralidade [...] uma certa relação
com a natureza (em que a biodiversidade e a paisagem natural apare­
cem como trunfos e não como obstáculos ao desenvolvimento),
uma cer­ta relação com as cidades (de onde vem parte crescente das
ren­das das populações rurais) e uma certa relação dos habitantes
en­tre si (que pode ser definida como relação de proximidade, por
um con­junto de laços sociais que valorizam relações diretas de inter­
co­nhe­cimento): essas características oferecem perspectivas promis­
soras ao processo de desenvolvimento. (Abramovay, 2003, p. 13)

Nessa perspectiva, as pesquisas realizadas desde então introdu­


zem ou reinserem no debate alguns conceitos e categorias analíti­
cas que, intimamente articulados entre si, permitem compreender
a concepção de desenvolvimento rural que está sendo construída.
O primeiro desses conceitos é o de ruralidade ou, mais precisa­
mente, de ruralidades. Em seu sentido geral, diz respeito às parti­
cu­laridades do espaço rural, às relações, às representações e aos
senti­mentos de pertencimento, referidos ao meio rural e aos mo­

UM SABER NECESSARIO.indb 120 09/01/2012 15:28:22


Um saber necessário | 121

dernos processos de integração campo–cidade. (Ver as Referên­


cias bibliográficas.) O que está em questão é, antes de tudo, a
per­ti­nên­cia da distinção entre o “rural” e o “urbano”, cujo leque
de ex­pli­ca­ções, como já foi visto, varia da reiteração da dicoto­
mia — no sentido da oposição e do antagonismo entre uma e
outra dessas formas de vida social — à tendência da diluição do
rural pela crescente dominação do urbano, passando pelas tenta­
tivas de compreender as formas de complementaridade e de soli­
da­riedade entre ambos.
Roberto José Moreira faz uma instigante reflexão teórica sobre
essa questão. Para ele, os processos de globalização

[...] constroem práticas e saberes econômicos, culturais e políticos


que, colados a artefatos, instituições e imagens, compõem espaços
de vivências globais e locais. Os globalismos e localismos desses
pro­cessos colocam em tensão identidades múltiplas que carregam
ele­men­tos de ruralidades na alimentação, na vestimenta, na relação
com a natureza, nas expressões culturais e nos comportamentos eco­
nô­micos, sociais e políticos. Essas identidades rurais da pós-mo­
dernidade estão distantes das identidades culturais coesas da moder­
nidade; das identidades absolutas concebidas pelas correntes essen­
cialistas e positivistas da modernidade. (Moreira, 2005, p. 15)

Ao analisar a ruralidade na sociedade brasileira, Roberto Mo­


reira afirma que ela

[...] com certeza carregará elementos de uma “paisagem orgânica de


um campo selvagem incivilizado” (dos sertões e das florestas
tropicais) e dos “vilarejos do interior oligárquico”, ambos produzidos
pela co­lonização portuguesa e pela centralidade do leste marítimo
que nos conecta ao ocidente europeu. [...] Nossos “vilarejos do
interior”, dis­tintos das “comunidades camponesas” europeias, carre­
garam os po­deres oligárquicos dos coronelismos herdados da casa-
grande e da senzala só simbolicamente destruídos. (Moreira, 2005,
p. 30)

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122 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

No contexto da sociedade contemporânea, um novo mundo


rural

[...] passa a ser compreendido não mais como espaço exclusivo das
atividades agrícolas, mas como lugar de uma sociabilidade mais
com­plexa que aciona novas redes sociais regionais, estaduais, na­
cionais e mesmo transnacionais. Redes sociais as mais variadas que,
no processo de revalorização do mundo rural, envolvem a recon­
versão produtiva (diversificação da produção), a reconversão tecno­
lógica (tecnologias alternativas de cunho agroecológico e natural),
a democratização da organização produtiva e agrária (reforma
agrária e fortalecimento da agricultura familiar), bem como o for­
talecimento e a expansão dos turismos rurais (ecológico e cultural).
(Moreira, 2005, p. 38)

Um segundo conceito que constrói as concepções e as práticas


a respeito do desenvolvimento rural é o de “território”. No Brasil,
esse conceito, mais especificamente o de território rural, consolida
o reconhecimento do mundo rural, com suas qualidades positivas
e a necessidade de sua integração ao conjunto da sociedade, desde
o nível local (Couto Filho, 2007; Moreira, 2007). Nas palavras
de Ricardo Abramovay:

A ideia central é que o território, mais que simples base física para
as relações entre indivíduos e empresas, possui um tecido social,
uma organização complexa feita por laços que vão muito além de
seus atributos naturais e dos custos de transportes e de comunicações.
Um território representa uma trama de relações com raízes históricas,
configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda
pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico. A economia
tem prestado bastante atenção aos aspectos temporais (ciclos econô­
micos) e setoriais (complexos agroindustriais, por exemplo) do
desen­vol­vimento, mas é recente o interesse por sua dimensão
territorial ou espacial. (Abramovay, 1998a, p, 7)

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Um saber necessário | 123

É a população que vive no meio rural que o torna, de fato, um


território, entendido enquanto espaço de “partilha da vida” (Bran­
dão, 1995), lugar de memória e de referência para a construção
da identidade social, espaço localizado, mas também aberto ao
exterior. Assim, as áreas de maior dinamismo social, no meio
rural, são aquelas onde vive uma população diversificada, onde a
forma social de propriedade é familiar ou comunitária ou onde
a grande propriedade ainda reúne um contingente significativo
de trabalhadores, que formam núcleos residenciais com uma
certa densidade. Inversamente, as áreas de grandes propriedades,
que expulsaram seus trabalhadores, podem ser economicamente
mo­dernas, mas não têm vitalidade social, dada a reduzida popu­
lação que nela vive. O “capital social” construído e repro­duzido
por essa população rural é constituído pela teia de relações sociais
de pro­ximidade, centrada no parentesco e na vizinhança, que
sedi­menta a vida social nos pequenos grupos locais e que se
estende para além da localidade.
Como afirma Ricardo Abramovay:

O meio rural tem um papel estratégico no desenvolvimento


brasileiro que não interessa apenas aos habitantes que vivem nas
zonas que o IBGE classifica como rurais. O destino das áreas não
densamente povoadas — contrariamente a uma convicção profunda­
mente arraigada no viés urbano subjacente a nossa cultura — não é
necessariamente o atraso e o abandono. O próprio crescimento ur­
bano recente aumenta a demanda por novos produtos e novos ser­
viços vindos do meio rural. O desafio consiste em dotar as populações
vivendo nas áreas rurais das prerrogativas necessárias a que sejam
elas os protagonistas centrais da construção dos novos territórios.
(Abramovay, 1998a, p. 17).

Finalmente, o terceiro conceito é o de multifuncionalidade da


agri­cultura familiar. Esse conceito foi formalmente elaborado
tendo em vista o recente contexto social da agricultura e do meio

UM SABER NECESSARIO.indb 123 09/01/2012 15:28:22


124 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

rural da União Europeia, particularmente da França. No Brasil,


ele tem uma acolhida favorável entre muitos estudiosos, visto que
a compreensão da agricultura como uma realidade complexa e
mul­tifacetária faz parte da já antiga e profunda tradição dos
estudos sobre o campesinato e a agricultura familiar. De fato, boa
parte dos estudos brasileiros sobre esse tema, inspirada nos seus
clássicos, fundamenta-se na convicção de que a condição de
produtor de bens agrícolas é apenas uma dimensão — central
sem dúvida — da unidade familiar, não esgotando, portanto, o
seu caráter multifacetário. O exercício da atividade produtiva
corresponde a um modo de funcionamento — produção e
reprodução — ditado pelos interesses presentes e futuros da
família camponesa.

A noção de multifuncionalidade rompe com o enfoque setorial e


amplia o campo das funções sociais atribuídas à agricultura, que
deixa de ser entendida apenas como produtora de bens agrícolas.
Ela se torna responsável pela conservação dos vários recursos
naturais (água, solos, biodiversidade e outros), do patrimônio
natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos. (Carneiro e
Maluf, 2003, p. 19)

O livro citado, de Maria José Carneiro e Renato Maluf, reúne


resultados das pesquisas sobre multifuncionalidade no Brasil.
Adotando o enfoque das famílias rurais, a equipe dos pesquisadores
concentrou suas observações sobre as questões referentes à “repro­
dução socioeconômica das famílias”; à “promoção da segu­rança
alimentar da sociedade e das próprias famílias rurais”; à “ma­nu­
tenção do tecido social e cultural” e à “preservação dos recursos
naturais e da paisagem rural”, nas diversas regiões do país.
No campo das políticas públicas, a ainda tímida passagem de
um enfoque setorial à ênfase na dimensão territorial, como foi
vis­to, vem estimulando a inclusão de novas dimensões à com­

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Um saber necessário | 125

preen­são da realidade da agricultura familiar no Brasil e da in­


tervenção do Estado em seu apoio. Essa multifuncionalidade
pode ser percebida no que se refere, entre outras, à questão am­
bien­tal, que se expressa no comprometimento desses agricultores
com a valorização e a preservação do meio ambiente; à afirmação
de que eles são habitantes do meio rural, o que supõe a incor­
poração da problemática da construção de territórios (relações de
proximidade e de integração) e de identidades referidas aos es­
paços rurais; à dimensão cultural, que impõe a exigência de
valorização dos saberes tradicionais e o estabelecimento de rela­
ções mais simétricas entre os produtores e os agentes técnicos; à
consideração das relações internas à coletividade familiar, que
explicam problemas específicos de parentesco, de geração e de
gênero; e, finalmente, à valorização da lógica específica que orien­
ta e articula o leque das atividades produtivas bem como as es­tra­
tégias familiares referentes à sua produção e reprodução.
É particularmente interessante observar que todos esses ele­
mentos convergem para análises recentes que demonstram as
novas oportunidades que se abrem à agricultura familiar pelas
contradições da própria grande agricultura agroindustrial e, ao
fazê-lo, apoiam-se nas particularidades “tradicionais” daquele
seg­mento. O conceito de “camponês” volta à cena do debate, cujo
ponto central é a compreensão das tradições camponesas não
como um passivo a ser superado pelo desenvolvimento rural,
mas co­mo uma fonte de inovação no plano da produção, da
sociabilidade local e das instituições.
Vale a pena ler mais atentamente os últimos livros de John
Wilkinson e de Eric Sabourin.
Em seu recente livro, John Wilkinson analisa as implicações
das novas exigências que são impostas à atividade agrícola sobre
a viabilidade da agricultura familiar, que passaram despercebidas
por muitos estudiosos do tema. No contexto atual, as novas

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126 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

exigências do mercado abrem, efetivamente, oportunidades a


outras formas de produzir, distintas do modelo produtivista:

As pressões para produção em maiores escalas e menores custos nos


mercados de commodities vêm acompanhadas de uma crítica cada
vez mais generalizada ao modelo de agricultura dominante, seja sob
a ótica do meio ambiente, de resíduos químicos, da defesa dos
animais ou da especialização dos processos produtivos. Essas críticas
refortalecem as pressões para uma desintensificação da agricultura,
que, por sua vez, favorecem modelos produtivos baseados na
agricultura familiar. (Wilkinson, 2008, p. 15)

John Wilkinson dá uma atenção especial aos agricultores fa­


mi­liares na região Sul do país, particularmente àqueles submetidos
a contratos de integração. Para ele, as agroindústrias processadoras
impõem hoje exigências mais severas no que se refere à qualidade
dos produtos e à forma de produzir, do que resulta uma redução
significativa do número dos agricultores que conseguem perma­
necer integrados.
Diante do “modelo de integração cada vez mais excludente”,
o autor analisa detalhadamente as alternativas adotadas pelos
agricultores, especialmente o que denomina de “reconversão es­
pon­tânea”, e a criação de redes, a exemplo dos condomínios —
iden­tificados não só na região Sul, nem apenas entre os integra­
dos —, cujo objetivo é a “reapropriação das atividades agroin­dus­
triais na propriedade rural” (Wilkinson, 2008, p. 79).
Sobre os agricultores familiares meridionais, ele afirma
categoricamente que

[...] o futuro da produção familiar nos estados do Sul do Brasil


depende menos da competitividade definida nos estreitos limites
tecnológicos e organizacionais do que do surgimento de uma
coalizão de atores comprometidos com a redefinição de prioridades
econômicas para a região a partir do potencial produtivo do sistema

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Um saber necessário | 127

de produção fa­mi­liar [...]. A chave da mobilização está na iden­


tificação da produção familiar com o futuro da região. (Wilkinson,
2008, p. 43)

A reconversão, no plano da produção e do mercado, põe em


questão o enfoque setorial da agricultura e remete, fortemente,
as alternativas da agricultura familiar às dimensões das inovações,
da multifuncionalidade e do desenvolvimento territorial:

A transição para uma “economia de qualidade” cria um prêmio para


valores diretamente associados às tradições da pequena produção:
atividades artesanais, produtos “naturais”, a organização familiar das
atividades econômicas, assim como associações positivas entre a
pequena produção e o meio ambiente e o rural. Mais ainda, o cho­
que entre as noções de sustentabilidade e a valorização dos recursos
genéticos a partir dos avanços da biotecnologia reposiciona a
pequena produção, situando-a como guardiã central de uma bio­
diversidade posta em risco. (Wilkinson, 2008, p. 168)

Em suas conclusões, já adiantadas na apresentação do livro,


John Wilkinson sugere uma nova orientação às políticas públicas
voltadas à agricultura familiar:

O poder público precisa reconhecer que a agricultura familiar en­


frenta uma reconversão estrutural que se processa em condições
alta­mente desfavoráveis (é suficiente apontar para o grau de analfa­
betismo em um contexto que premia novos conhecimentos). Assim,
o reforço da agricultura familiar exige que se criem condições que
favoreçam uma aprendizagem coletiva própria a um período de
transição. Trata-se da necessidade de promover condições para a
adoção de inovações sociais e institucionais em larga escala. Do
ponto de vista analítico, trata-se de aprofundar a análise de mercados
como redes sociais, de normas técnicas como valores a serem nego­
ciados e da qualidade do produto como envolvendo também suas
fontes de produção e o estilo de vida em que se apoia. (Wilkinson,
2008, p. 18)

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128 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Em seu também recente livro, Eric Sabourin toma como


ponto de partida e pressuposto da análise a “existência de campo­
neses no Brasil, não somente em termos de categoria política, mas
também de categoria social e sociológica” (Sabourin, 2009, p. 39),
cuja permanência pode ser registrada através de suas lógicas de
resistência e de reprodução.
Considerar o camponês um exclusivo produtor para sua pró­
pria subsistência seria amputar a dimensão mercantil de sua ati­
vidade econômica, da qual não escapa (imposição do mercado) e
que é por ele valorizada (desejo de inserção). Porém, nesse caso, a
vinculação mercantil não se orienta em função da remuneração de
um capital. O que está em jogo é a sobrevivência da família pela
construção/reprodução do patrimônio familiar possível, no
presente e no futuro, e da própria comunidade camponesa. Com
esse objetivo, os resultados da produção seguem destinos diversos,
porém complementares: “autoconsumo, dons e redistri­bui­ções
interfamiliares, prestações recíprocas de sementes, ali­men­tos e pe­
quenos animais”, e, claro, “a venda para diversos tipos de mercado”.
Eric Sabourin formula o princípio explicativo da reprodução
camponesa no Brasil, em termos de uma interface, uma articulação
dialética entre as implicações da troca mercantil e as práticas de
reciprocidade:

[...] o que importa, do ponto de vista analítico [...], é o caráter


operacional das análises das tensões sociais e econômicas a partir da
teoria da reciprocidade. Mas essa teoria não é exclusiva; não visa o
fim da troca, nem nega a sua onipresença. Trata-se de reconhecer a
existência das práticas de reciprocidade, assim como são reconhecidas
as relações de troca, a fim de possibilitar a opção por um outro
sistema. (Sabourin, 2009, p. 277)

A teoria da reciprocidade ilumina as práticas de solidariedade


prevalecentes nas famílias e comunidades camponesas que ele

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Um saber necessário | 129

es­tudou, particularmente na Paraíba, fazendo aflorar, por um


novo ângulo, experiências como as de ajuda mútua e utili­zação
coletiva de fundos de pastos, não como reminiscências de um
passado em extinção, mas como formas atualizadas de cons­trução
da vida social:

Não é a natureza de escassez do recurso que é determinante para o


seu modo de manejo e sim a natureza da organização social e das
regras de reciprocidade; no caso, são as estruturas de compartilha­
mento entre as famílias de uma mesma comunidade e de respon­
sabilidade com as próximas gerações. (Sabourin, 2009, p. 280)

Para além da solidariedade que se manifesta no nível real, da


produção e da partilha de bens, há a registrar aquela de natureza
propriamente simbólica, que a complementa e que dá sentido à
construção de uma identidade coletiva, expressa nos sentimentos
de pertencimento, na partilha e na transmissão dos saberes e na
adesão a valores humanos compartilhados.
Para Eric Sabourin, as transformações introduzidas mais
recen­temente nas políticas públicas se inspiram em concepções
alternativas do desenvolvimento rural, comunitário, sustentável,
territorial. Apesar dos vários fatores que limitam os impactos des­
sas abordagens, parece claro que delas emerge “um processo de
diálogo e de coordenação” que resulta no “reconhecimento pú­
blico dos dispositivos coletivos dos agricultores”, que têm a marca
da multifuncionalidade e da reciprocidade.
Em suas conclusões, o autor retoma a hipótese inicial, ao rei­
terar a existência de uma agricultura camponesa que mantém
com o mercado capitalista uma tensa relação de autonomia e que
atualiza, permanentemente, no plano material e simbólico,
estruturas de reciprocidade:

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130 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

No âmbito da vasta categoria da agricultura familiar, os estudos de


caso abordados confirmam a existência de uma agricultura com
características camponesas, marcada principalmente pela autonomia
perante o mercado de troca capitalista e pela permanência de
estruturas de reciprocidade, entre outros elementos essenciais. A
autonomia do sistema de troca livre resulta em uma produção diver­
sificada associando inserção diferenciada em mercados locais e
regio­n ais, autoconsumo e práticas de redistribuição local e
interfamiliar. (Sabourin, 2009, p. 281)

Não é sem razão que em 2009 foi publicada a coleção História


social do campesinato no Brasil, composta por nove volumes, em
cuja apresentação geral se afirma a presença desse ator social na
sociedade brasileira. O campesinato

[...] sempre se constituiu, sob modalidades e intensidades distintas,


um ator social da história do Brasil. Em todas as expressões de suas
lutas sociais, seja de conquista de espaço e reconhecimento, seja de
resistência às ameaças de destruição ao longo do tempo e em espaços
diferenciados, prevalece um traço comum que as define como lutas
pela condição de protagonistas dos processos sociais. (Neves e Silva,
2008, p. 10)

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Conclusões

A problemática do mundo rural situa-se cada vez mais na con­


vergência de problemas centrais que interessam a toda a sociedade
brasileira. Passa, efetivamente, pela agricultura e pelo mundo ru­
ral, a resolução social de questões como: a preser­vação dos re­
cursos naturais; a participação do Brasil nos mercados mun­diais;
os desafios tecnológicos em face das exigências bioéticas, am­bien­
tais e sociais; a disputa por espaços produtivos entre a pro­dução
de ali­mentos e a de matérias-primas voltadas para a ge­ração de
ener­gia; as relações produção–consumo, associadas à garantia da
qualidade dos produtos e das formas de produzir; o protagonismo
multifacetário do Estado; a cidadania e a consoli­dação da demo­
cracia pelo reconhecimento dos sujeitos de direito que vivem no
campo e pelo acesso assegurado aos bens e serviços necessários à
vida; as particularidades regionais do desenvolvimento rural; as
dinâmicas demográficas; a soberania alimentar; as trans­forma­
ções do poder local; o papel dos mediadores sociais e po­líticos;
a reno­vação dos processos de assistência técnica e de ex­tensão
rural; as múltiplas dimensões jurídicas referentes ao direito
agrário e à regulamentação das relações sociais no mundo rural.
Incluir todas essas questões no presente trabalho seria uma tarefa
bem difícil.

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132 | Maria de Nazareth Baudel Wanderley

No panorama aqui traçado, percebe-se o quanto os estudos


rurais no Brasil têm dimensões muito positivas, dentre as quais
merecem especial destaque as seguintes:
1. O caráter multidisciplinar desse corpo teórico e as tentativas
de construção de um diálogo interdisciplinar.
2. A existência desde muito cedo de fóruns e redes que se
trans­formaram em privilegiados espaços de debate e de estímulo
à produção. Menção especial deve ser feita à Associação Pipsa,
que durante quase 15 anos foi esse ponto de convergência de
todos os estudos referentes ao mundo rural; hoje a Rede de Es­
tudos Rurais está se consolidando como um espaço de continui­
dade da Apipsa, mesmo que com novos modos de funcionamento.
Os pes­quisadores do mundo rural, além disso, sempre souberam
parti­cipar dos espaços abertos por diversas instituições acadêmicas,
dentre as quais a Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a Sociedade Brasileira de
Sociologia (SBS), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
e a Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia
Rural (Sober). Centros e núcleos locais de pesquisa existem em
quase todos os programas de pós-graduação que são atentos aos
editais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) e de outros órgãos fomentadores
da pesquisa do país, o que vem favorecendo a multiplicação de
dissertações e teses sobre os temas que nos interessam.
3. A busca incessante de diálogo com estudiosos que se dedi­
cam ao conhecimento de outras dimensões da realidade brasileira,
par­ticularmente no interior dos programas de pós-graduação e
nos fóruns de debate pluritemáticos acima referidos.
4. O diálogo dos pesquisadores brasileiros com pesquisadores
e centros acadêmicos de diversos outros países, o que tem enri­
quecido o debate interno e a capacidade de formulação teórico-

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Um saber necessário | 133

metodológica das realidades brasileiras, enriquecida pelas aborda­


gens comparativas com distintas situações.
5. A frequente proximidade dos acadêmicos com os movi­
mentos sociais através de assessorias diretas e participação em
ONGs e outras associações de apoio e prestação de serviços. Da
mesma forma, a presença de acadêmicos nas instituições governa­
mentais, como dirigentes, assessores ou colaboradores ad hoc, em
função de determinados projetos ou campos de estudo.
6. A fundamentação dos estudos realizados em pesquisas de
campo, que dão substância concreta às reflexões elaboradas. Esses
estudos, mesmo focando as experiências locais, situam-nas num
plano mais amplo, articulando-as aos processos mais gerais da
sociedade e buscando teorias gerais explicativas.
A realização desse levantamento permitiu revelar que o campo
dos estudos rurais no Brasil tem uma fina sensibilidade para
apreender a dimensão multifacetária do mundo rural e para re­
fletir sobre as questões que ele coloca à sociedade brasileira. É essa
sintonia que o legitima como um espaço de identificação e de
interpretação da realidade em que vivem indivíduos e grupos e
dos processos sociais que os envolvem.
Nas palavras de Anita Brumer e José Vicente Tavares dos San­
tos, que inspiraram o título do presente texto, “os estudos agrários
reafirmam sua característica de se constituírem num saber
necessário para compreendermos a dinâmica do desenvolvimento
social e da expansão da democracia no Brasil” (Brumer e Santos,
2000, p. 34). O resultado do trabalho dos pesquisadores, de suas
equipes e das redes de debate que eles constituem é, sem dúvida,
a construção de um pensamento social a respeito do mundo
rural, que contribui para o conhecimento da sociedade brasileira.
Pensamento social que deve continuar a ser produzido.

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Um saber necessário | 151

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Título Um saber necessário:
os estudos rurais no Brasil

Autora Maria de Nazareth Baudel Wanderley

Assistente técnico de direção José Emílio Maiorino


Coordenador editorial Ricardo Lima
Secretária editorial Eva Maria Maschio
Secretário gráfico Ednilson Tristão
Preparação dos originais Juliana Bôa
Revisão Lúcia Helena Lahoz Morelli
Editoração eletrônica Silvia Helena P. C. Gonçalves
Design de capa Ana Basaglia
Formato 14 x 21 cm
Papel Offset 75 g/m2 – miolo
Cartão supremo 250 g/m2 – capa
Tipologia Adobe Garamond Pro e Minion Pro
Número de páginas 152

esta obra foi impressa na gráfica rettec


para a editora da unicamp em dezembro de 2011.

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NAZARETH WANDERLEY
Este livro contém um balanço dos
MARIA DE NAZARETH BAUDEL WANDERLEY estudos rurais brasileiros desde os
anos 1960. Ele contempla o debate
em torno de cinco temáticas: a agri-
cultura e a acumulação do capital;
Trata-se de uma obra de balanço bibliográfico da a subordinação do trabalho e a re-
produção acadêmica dos temas rurais brasileiros nas sistência dos trabalhadores rurais;
últimas décadas. Nesse percurso, a autora descreve a concentração fundiária e as lutas
o ambiente intelectual em que as principais reflexões pela terra; o campesinato e a agri-
cultura familiar; o mundo rural no
ocorreram, como centros de pesquisa, estudos, asso-
Brasil moderno. São olhares plurais
ciações e encontros acadêmicos existentes em vá- e complementares sobre processos
rios momentos dos períodos históricos tratados. Ao sociais, quase sempre simultâneos,
privilegiar o recorte temático e não o cronológico, a marcados pela diversidade e pela

Um saber necessário
obra adquire uma relevância específica, posto que os complexidade e em constante mu-
tação. Espera-se que esta obra pos-
temas não surgem abstratamente, mas estão inseri-
sa estimular as jovens gerações de
dos nos contextos históricos da acumulação do capi- pesquisadores a situar nos grandes
Maria de Nazareth Baudel Wan-
derley é doutora em sociologia pela
tal e da estruturação das relações sociais no campo. debates suas próprias questões de
Universidade de Paris X–Nanterre, A forma didática e clara da exposição alia-se aos ri- pesquisa.
França. Foi professora da Unicamp gores do conteúdo analítico. Sem sombra de dúvida,
até 1997, quando se aposentou. É um saber necessário aos estudiosos do campo e da
coordenadora do Laboratório de Es-
cidade, aos integrantes de movimentos sociais e aos
tudos Rurais do Nordeste, grupo de

Um saber necessário
pesquisa vinculado ao Programa de que almejam um mundo sem injustiças sociais.
Pós-Graduação em Sociologia, da Maria Aparecida de Moraes Silva
Universidade Federal de Pernambu-
co (UFPE) e inscrito no Diretório dos
Grupos de Pesquisa do CNPq. Pu-
os estudos rurais no Brasil
blicou, entre outros, O mundo rural
como um espaço de vida (Editora
da UFRGS, 2009). Em 2011, recebeu
o prêmio Florestan Fernandes, con-
cedido pela Sociedade Brasileira de
Sociologia.

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