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Quando Caetano Veloso se despediu de Santo Amaro da Purificação, cidade onde nasceu, para

morar em Salvador - a Cidade da Bahia, como era chamada à época, no início dos anos 1960 -,
sentia o conforto de estar perto da sua cidade natal. Foi cursar o ginásio na capital baiana e ficou
nos primeiros anos da vida adulta. As relações de pertencimento com Santo Amaro nunca se
enfraqueceram, porém, os percursos da vida daí em diante mudaram a sua história e também da
música brasileira.

Na cidade do Recôncavo, o filho de Dona Canô já cultivava o gosto pela música e se reunia com
amigos para escutar atentamente o LP Chega de Saudade, de João Gilberto. Também chegavam aos
seus ouvidos muitos sambas e sambas-canções tocados no rádio, além da música norte-americana.

Vivendo em Salvador, em meados dos anos 1960, Caetano se conectou ainda mais fortemente com
a música como cantor e compositor. Conheceu Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé e fez junto com
eles e Bethânia uma temporada de shows no recém-inaugurado Teatro Vila Velha, no Passeio
Público, no bairro do Campo Grande.

Ali foi plantada uma das primeiras sementes da Tropicália, movimento cultural de vanguarda que,
na música, incorporava e retrabalhava expressões musicais que antes praticamente não
conversavam, como a bossa nova e a jovem guarda, o rock e o samba, e afirmava estética e
politicamente um Brasil em suas contradições, diversidades e potenciais.

Quase seis décadas depois, com quase 50 discos lançados, Caetano é um dos maiores artistas
brasileiros. Ele comemora hoje os seus 80 anos no palco, que também é sua casa, ao lado dos três
filhos, Moreno, Zeca e Tom, e sua irmã, Maria Bethânia, em um show que será transmitido às
20:30, no Globoplay e no Multishow.

No seu perfil em redes sociais, Caetano comentou a realização da live: ”O mais importante é ter
Maria Bethânia, Moreno, Zeca e Tom comigo no palco. Meus filhos e eu agimos como uma banda
modesta, mas com luz própria. E enfrentamos o desafio de acompanhar Bethânia”. O repertório do
show será composto por músicas de diferentes momentos da trajetória do cantor e compositor.

Além disso, Caetano aproveitou a ocasião do aniversário e a divulgação do show para convidar o
público a somar na campanha SOS TV Pelourinho, que está arrecadando doações para o projeto.
"Se você quiser me dar um presente de aniversário, faça uma doação. A TV Pelourinho precisa
muito da nossa ajuda”, complementou.

Movimentos musicais

Autor de clássicos como Alegria, Alegria, Oração ao Tempo, Reconvexo e Sampa, entre outras
músicas essenciais do cancioneiro brasileiro, Caetano segue em atividade musical plena com a turnê
do seu álbum Meu Coco, lançado no segundo semestre de 2021.

“Caetano é uma estrela de primeira grandeza da música popular brasileira. Continua escrevendo
uma história e é um exemplo muito especial para nós, artistas. Uma referência. É contemporâneo,
ativista da vida, da cidadania. Ele tem um legado de tantas maravilhas que é eterno”, fala, com
emoção, Margareth Menezes, que já dedicou um disco inteiro à obra de Caetano e Gil.

A trajetória de cantor e compositor é marcada por caminhos estéticos múltiplos e diversas parcerias
- o que mostra não apenas a sua imensa força criativa, mas também um olhar profundo sobre a
história do Brasil e as tendências da música brasileira. Criou, ao lado de Gil, o movimento
tropicalista, lançando o disco Tropicália ou Panis et Circencis em 1968. Nessa época, apresentou-se
em festivais da canção popular brasileira. O movimento tropicalista chegou a ter um programa de
auditório intitulado Divino, Maravilhoso, na TV Tupi.

Sobre a Tropicália, Caetano ressalta, no livro Verdade Tropical, que uma das suas marcas foi a
ampliação do mercado a partir da “convivência na diversidade, alcançada com o desmantelamento
da ordem dos nichos e com o desrespeito às demarcações de faixas de classe e de graus de
educação”. Essa tomada de posição estética da Tropicália foi também um posicionamento contra o
elitismo cultural e em defesa de uma música conectada com o popular e a vida cotidiana brasileira.

Para o rapper Baco Exu do Blues, a Tropicália marcou gerações variadas de músicos que transitam
entre diferentes gêneros. “Caetano e o tropicalismo são referências diretas no meu trabalho. Ele é
um patrimônio da música do Brasil. Quando se fala em excelência em composição e música,
postura política, defesa dos direitos sociais, ele é o primeiro nome que vem à mente”, afirma.

“A tropicália, em alguma medida, antecipou muita coisa do que a gente entende hoje como música
pop brasileira. O disco-manifesto ainda reverbera”, complementa Ronei Jorge, cantor e compositor
baiano.

Posições políticas e projetos

Durante a ditadura militar, instaurada após o golpe de 1964, Caetano foi muitas vezes perseguido,
intimidado e censurado, como muitos outros artistas. Entre o final de 1968 e início de 1969, quando
a violência política se intensificou no país com o cerceamento da liberdade, ele foi preso e
submetido ao exílio em Londres, na Inglaterra, onde viveu por três anos e gravou dois grandes
álbuns, Caetano Veloso (1971), com faixas como London London e Maria Bethânia, e Transa
(1972), um dos mais celebrados da sua discografia.

Caetano voltou do exílio e, ainda nos anos 1970, lançou álbuns como Joia, Qualquer Coisa, Cinema
Transcendental, e Cores, Nomes, além de várias parcerias, a exemplo do disco Chico e Caetano
Juntos e Ao Vivo, em 1972, e do projeto Doces Bárbaros, com Gil, Gal e Bethânia.

“Caetano possui várias fases em sua trajetória, é um artista em constante mutação. Escuto Caetano
desde a infância, ele é uma grande referência para todos os música da minha geração”, diz Ivan
Sacerdote, músico, clarinetista, que lançou com o cantor e compositor o disco Caetano Veloso &
Ivan Sacerdote, em 2020.

Horizontes amplos

Ronei Jorge conta que, na adolescência, ouvir Caetano ampliou os seus horizontes musicais, na
época muito ligados ao rock. “Foi o primeiro artista da música brasileira que tive mais desejo de me
aprofundar. Bem novo, com 15 anos, comprei o Estrangeiro e foi o primeiro disco de um artista da
MPB que comprei. E vi que ali tinha uma conexão com o rock, na utilização de guitarras, na
transgressão, na experimentação. Depois vi que isso também estava presente em outras expressões
da música brasileira. Caetano sempre significou liberdade”, afirma Ronei.

Paquito, cantor e compositor baiano, viveu também essa abertura ao entrar em contato com o
trabalho do santamarense. Fã de Roberto Carlos desde a adolescência, percebeu as ligações e pontes
que Caetano constrói em sua música.

“Eu comecei a ouvir Caetano e lembro de ter escutado a música que ele fala que `o Carnaval é
invenção do diabo que Deus abençoou” (Deus e o Diabo, do disco Muitos Carnavais, de 1977). Já
conhecia Alegria, Alegria, mas não estava tão ligado como em Roberto. É uma canção de Carnaval,
mas o nome faz referência a Glauber Rocha e demonstra o pensamento de união de contradições, de
assumir as contradições e as tradições. E continua sendo ele”, narra o cantor e compositor. Na
pandemia, ele lançou a canção Barulhento, de sua autoria, com participação especial de Caetano.

A cantora Sandra Simões criou um show, em 2006, intitulado Caetano Veloso, no qual interpreta
canções do artista. Ela comenta que Caetano foi fundamental em sua formação musical.

"Com uns 12 anos eu já andava com os LPs de Caetano. Posso dizer que Caetano foi o meu
primeiro mestre. Caetano é um revolucionário. Ele ousa e quebra paradigmas estéticos, o tempo
todo. Irreverente, eloquente, ousado. Caetano fura a bolha, surpreende. Ele trata a palavra com uma
maestria encantadora. É um poeta maior, um instigador, um filósofo. É imortal”.

Nos seus 80 anos, a cultura brasileira está em festa. Um acontecimento, uma grande celebração, que
coloca em relevo, mais uma vez, a importância e força da nossa música e dos nossos artistas. Em
mais de meio século de música, Caetano Veloso continua nos emocionado e ajudando a entender o
Brasil que somos e também o que podemos ser.

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