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SEGUNDA AVALIAÇÃO DE FILOSOFIA POLÍTICA – 2022

“Maquiavel através de seu livro O Príncipe revela sua forma de pensamento sobre como
os príncipes deveriam governar, no entanto muitas visões e críticas foram atribuídos ao
seu pensamento. Através de seus conhecimentos sobre o filósofo, Maquiavel poderia ser
considerado realista (no sentido de ser realmente efetivo o sistema que pregava) a cerca
de sua visão de estado?”

Para responder essa pergunta, comecemos com um detalhe básico e não menos
importante: O Príncipe foi escrito para quem era príncipe na época da criação do livro.
Para as pessoas (chefes do Estado) detentoras dos poderes máximos do Estado,
executantes de suas vontades (deveres, medidas) sobre os cidadãos residentes em seu
domínio. Exerciam seu poder sobre (pessoas). Hoje, esse cargo é ocupado não somente
por figuras políticas como presidentes, ministros, governadores, como por figuras do
setor privado como empresários.

Príncipe, hoje, é todo aquele que detém o poder executivo, em qualquer dos
escalões, quer seja no espaço público ou na área privada. Príncipe é todo
aquele que conquistou, de alguma forma, autoridade legítima sobre outros
seres humanos. (NIVALDO JR., 2005, p. 161)

Maquiavel, discorrendo em O Príncipe sobre a presença das duas éticas (a cristã e a


política) chega ao conceito de veritá effetuale, depois de deixar claro sua posição pela
ética política, na escolha de uma das duas. A ética política engloba, justamente, o
famoso princípio (que virou popular, sendo usado de maneira correta ou não, pela falta
de conhecimento do contexto que foi formulado, por quem o profere) de Maquiavel “os
fins justificam os meios”. Já que a ética política trata dos deveres “maus” que um
príncipe deve tomar, um príncipe deve praticar ações más, quando necessárias para
manter seu governo. Essa perpetuação de poder deve ser a principal preocupação de um
príncipe, segundo o autor. E o importante é parecer bom e nobre perante ao povo, não
importando se o príncipe segue ou não a ética cristã no ramo pessoal. A veritá effetuale
(princípio de analisar o contexto social e político da sociedade em jogo e determinar as
medidas de poder a serem feitas, visando esse estado atual de coisas e não, o estado que
se sonha presenciar e viver para nele agir) esteve a atuar nos cenários políticos recentes
e também, está a atuar no cenário atual, infelizmente.
Podemos não só destacar a atuação desse princípio em acontecimentos histórico-
políticos recentes, em casos de ações por parte de “príncipes”, para manterem seus
encargos, o regimento de poder pelo partido político que pertenciam e até mesmo a
ordem legislativa e burocrática que os beneficiava na época, assim como em ações
políticas justificadas como certas e devidas para a sociedade em questão, visto que na
gama de ações políticas possíveis, essas seriam as melhores e mais efetivas opções, mas
que na verdade, representavam (e acabaram representando na prática) um regresso
político e por conseguinte, social para a sociedade em questão.
Em 2016, ocorreu o impeachment da então presidente do Brasil, Dilma Rousseff.
Marcou-se a efetividade de um processo justificado por provas de caráter duvidoso.
Tempo mais tarde, o vice-presidente que acabou ocupando o cargo, confessou em um
programa televisivo de entrevista, que as acusações por parte do lado opositor ao
processo (de que o que se estava a ocorrer no momento era um golpe articulado por uma
parte de membros do governo, com a intenção de pôr o poder nas mãos do vice, o que
na prática se encadearia no início da implementação de um projeto de nação nefasto,
com o objetivo de manter essa parcela intencionada em atividade nas cadeiras políticas,
facilitando a entrada de políticos partilhantes da mesma intenção, no futuro. Assim,
pondo o controle político da nação na posse desses) não eram apenas uma acusação. E
sim, uma verdade:

Então, primeiro ponto é este, eu jamais apoiei ou fiz empenho pelo golpe.
Aliás, muito recentemente, o jornal Folha detectou um telefonema que o ex-
presidente Lula me deu, onde ele pleiteava, e depois esteve comigo, para
trazer o PMDB para impedir o impedimento e eu tentei. Mas, à esta altura, eu
confesso que a movimentação popular era tão grande e tão intensa que os
partidos já estavam mais ou menos vocacionados, digamos assim, para a
ideia do impedimento. (TEMER, 2019)

Se tratando de medidas políticas falaciosas supostamente devidas, visando o melhor


desempenho para a sociedade, a proposta da Reforma da Previdência (PEC 18/2019)
teve sua campanha lançada em meados de 2019, sendo apoiada por diversas figuras
políticas que contavam com grande engajamento popular nas plataformas da internet.
Figuras como Marcel van Hattem, Kim Kataguiri e Arthur do Val manifestavam diante
seu público que a Reforma da Previdência seria necessária para quitar o déficit de dívida
que o governo tinha perante a Previdência e, com isso, habilitar o saldo econômico para
a aplicação de recursos em outras áreas. Mas, a Reforma da Previdência continha várias
alterações que acabariam regressando, em grande medida, a qualidade da aposentaria
dos trabalhadores brasileiros. Dentre elas, a inexistência do direito de aposentadoria por
ano de trabalho prestado (contando como ponto: se o benefício total da aposentadoria
fosse alvo do desejo do trabalhador, ele teria de contribuir com serviços no mínimo por
40 anos) para trabalhadores que não categorizados como servidores públicos,
professores ou pertencentes a área rural (sendo essa última uma das categorias mais
afetadas, visto a contribuição de pelo menos 60 anos juntamente a taxa anual de 600
reais ao governo, mesmo em um ano de produção agrícola nula) e o aumento da idade
mínima exigida para a aposentadoria, de quatro em quatro anos.
É importante ressaltar, visto prováveis respostas, que o conceito de veritá effetuale não
tem ligação com o que podemos chamar “necessidade de consideração de contextos
políticos”1, quando se trata da problemática da implementação de modelos de governo
com inspiração em outros governos. Maquiavel deixa bem claro que a utilização desse
conceito é considerada na manutenção de governos e não, na implementação.
As propostas de Maquiavel em O Príncipe são, infelizmente, realistas. Mas, não
suficientes. O realismo na qual seus ensinamentos funcionam é um realismo medíocre
(pouco evoluído) e, não por acaso. O realismo em questão é o realismo atual. Um
realismo que representa apenas parte de um realismo total ou de uma possível realidade,
no mínimo, bem maior. A insuficiência desse realismo incompleto está na falta da
utopia. Com a adição da utopia, é necessário acrescentar ensinamentos diferentes dos de
Maquiavel.
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
(GALEANO, 1994).

1
As experiências fracassadas da implementação do Socialismo tiveram como explicação a não
consideração dos contextos políticos que aqueles países alvos de implementação, viviam. Che Guevara
fracassou em sua missão no Congo e na Bolívia, mesmo já tendo conseguido o êxito em Cuba. Na
finalização dessas duas missões (uma por debandada do território e outra pela morte de Che) e nos relatos
de desempenho transcritos por ele, relatam-se esses empecilhos que os guerrilheiros não imaginavam
enfrentar. Os soldados congoleses designados a Che eram preguiçosos, indisciplinados, brigavam entre si,
mal sabiam manusear uma arma de fogo e, ainda por cima, desertavam no momento do conflito armado.
(ANDERSON, 1997).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GALEANO, Eduardo. Las Palavras Andantes?. Siglo XXI. 1994


ANDERSON, Jon Lee. Che Chevara – A Revolutionary Life. Objetiva Ltda. 1997.
TEMER, Michel. Michel Temer fala sobre impeachment de Dilma Rousseff. Roda
Viva. 2019
ACCARINI, André. CUT, 2019. Entenda os 10 piores pontos da Previdência de
Bolsonaro. Disponível em: <cut.org.br/noticias/entenda-os-10-piores-pontos-da-
reforma-da-previdencia-de-bolsonaro-99fe>. Acesso em: 21 de jun. de 2022.
FERRAZ, Carlos Eduardo; DOBRYTCHBOP, Luis Henrique; CHIARO, Luigi. A
atualidade do pensamento político de Maquiavel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 23, n. 5552, 13 set. 2018. Disponível em: <jus.com.br/artigos/68543/a-
atualidade-do-pensamento-politico-de-maquiavel/>. Acesso em: 21 de jun.de 2022.

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