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Coaching e coaching transdisciplinar

Prof. Dr. Álvaro A. Schmidt Neto1

O que é coaching? Como outras, essa pergunta pode ter diferentes respostas e até
definições contraditórias entre si. A realidade do coaching é traduzida por uma infinidade
de olhares, que evidentemente são pertinentes ao contexto de quem olha, mas incompletas
para o universo que o coaching abarca. Além das diferentes linhas de coaching existentes,
cada qual embasada a partir de uma teoria, há também um número ainda maior de
diferentes aplicações do coaching. Podemos encontrar um coaching comportamental
focado na questão do emagrecimento ou no planejamento financeiro. Há também o
coaching ontológico focado na liderança ou no aprimoramento dos relacionamentos
interpessoais. Enfim, o universo é vasto e independente de ser o modelo que atualmente
está em voga, importa muito mais sondar suas bases filosóficas, epistemológicas e
metodológicas para sair do particular e específico e adentrar no campo do complexo e
ecológico.
De maneira geral podemos dizer que o coaching é uma técnica que envolve a
aprendizagem de um novo modo de ser, em que a pessoa se dispõe a examinar os seus
pensamentos, sentimentos, emoções, decisões e ações com um olhar mais desapegado,
indagativo e aberto para o encontro consigo mesma. Como não se trata de uma atitude
fácil, muitos profissionais e intelectuais propuseram diferentes caminhos para se alcançar
esse estado e, evidentemente, nem sempre o caminho proposto é o mais adequado para
aqueles que se dispuseram a fazer a caminhada. Deve haver, portanto, um encontro entre
a proposta e a busca, ou ainda, entre o coach e o coachee. Dependendo da linha de
coaching essa proposta pode ser uma sugestão, um conselho, uma ideia ou ainda um
convite. E é preciso perceber até que ponto a busca de cada um combina com a proposta,
ou examinar se a proposta está em sintonia com o momento de quem busca. Você quer
entrar em contato consigo mesmo a partir de uma pressão? De uma orientação? Ou de um
gentil convite? Ou seja, existem diferentes formas e métodos para esse encontro e cada
um deve escolher aquele que lhe parece o mais adequado.
No meu caso escolhi o coaching ontológico, que está baseado em vários autores chilenos,
com destaque maior para Rafael Echeverría, que lança as bases da sua linha na excelente
obra Ontología del linguaje (Ontologia da linguagem). Com forte influência do filósofo

1 Álvaro A. Schmidt Neto é pedagogo com mestrado em gestão escolar, mestrado em filosofia da educação e doutorado
em currículo. Trabalhou por vinte anos como professor universitário nas disciplinas de filosofia da educação, didática
e gestão escolar. Foi coordenador de curso de pedagogia em universidades do vale do Paraíba no estado de São Paulo.
Foi professor convidado da Universidade de Barcelona, Espanha. Atualmente trabalha na SPDM (Associação Paulista
para o Desenvolvimento da Medicina) na área de desenvolvimento de pessoal numa abordagem de coach
transdisciplinar. Foi consultor didático da ONA (Organização Nacional de Acreditação) e é membro do grupo de
pesquisa Ecotransd/CNPq. É autor dos livros Educação e complexidade: a construção do projeto político pedagógico
e Aprendizagem transdisciplinar: em quatro passos pitagóricos; e possui vários capítulos de livros publicados e artigos
publicados em periódicos.
alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) e do biólogo e epistemólogo chileno Humberto
Maturana, Echeverría propõe um coaching centrado na transformação do indivíduo.
Partindo de uma visão heracletiana, em que o ser está inserido no devir, no constante vir
a ser, o autor nos mostra que estamos em constante mudança e transformação e o coaching
funciona, entre outras coisas, como uma forma de tomarmos consciência de nossos
diferentes estágios de desenvolvimento, aumentando a sensibilidade da observação sobre
nós mesmos e sobre o meio em que estamos inseridos.
Apesar de muitas afinidades com a proposta de Echeverría, o que nos distancia dele é o
fato de não concebermos o ser apenas em seu estado de devir. Concordamos com o devir
de Heráclito, mas também apreciamos o diálogo ontológico entre Heráclito e Parmênides,
que nos ensina que além do devir há também o ser. Heráclito afirma que não nos
banhamos nas mesmas águas do rio. Ele quer com isso mostrar que o mundo está em
constante vir a ser, e que o rio está a cada instante com águas renovadas, logo é um outro
rio. Por outro lado, Parmênides afirma que se o ser está em constante devir, não temos
como conhecê-lo, pois, ora o ser é, e em seguida o ser deixa de ser. Logo, como conhecer
o ser? Ou seja, o rio está em constante transformação. Tomemos o rio Paraíba como
exemplo. Segundo Heráclito a cada instante o rio Paraíba é um outro rio, mas, segundo
Parmênides, sempre que passamos por ele, o reconhecemos como sendo o rio Paraíba.
Logo, apesar de estar renovado em suas águas o rio Paraíba é sempre reconhecido como
o rio Paraíba.
Esse critério nos parece fundamental, pois apesar das nossas mudanças e transformações,
nós temos algumas referências com relação a nós mesmos que são constantes. O nosso
nome, a nossa identidade, ou em termos platônicos, a nossa essência. Mudamos, mas
continuamos a ser nós mesmos. Ou seja, há o plano de realidade em que há mudança e
corrupção, que a filosofia chama de plano ôntico; e há o plano de realidade que está além
do tempo e do espaço, logo fora da corrupção, que a filosofia chama de plano ontológico.
Ou seja, a jabuticabeira que está plantada em meu jardim passa por diversas
transformações ao longo do ano. Ora está em flor, ora está com frutos, e ora está sem
folhas. Ela nunca é idêntica ao dia anterior, mas eu sempre a reconheço como sendo a
jabuticabeira do meu jardim. Temos nesse exemplo o plano ôntico e o ontológico. Ou
seja, o plano das transformações e o plano da permanência.
Em termos de coaching a pergunta é o que está mudando dentro de mim? E o que
permanece? Como eu me transformo a partir do meio e do outro? E o que permanece
como referência de minha identidade? Ou seja, se a cada instante eu sou algo diferente
do que era, quem na verdade eu sou? Isso pode nos levar a loucura, por isso precisamos
sempre de uma referência de nós mesmos, por onde nos reconhecemos como sendo o que
somos.
O coaching transdisciplinar irá trabalhar com a simultaneidade do ôntico e do ontológico,
uma vez que optar apenas por um desses polos é fragmentar a realidade e olhar apenas
para aquilo que eu consigo enxergar e entender, ou invés de me superar e olhar para a
realidade colhendo os diferentes olhares que a traduziram.
Edgar Morin (2008) traz um elemento luminoso para essa questão ao perguntar se o
indivíduo é fruto do meio, ou o meio é o resultado das ações do indivíduo? Ou seja, somos
frutos do meio ou somos nós que determinamos o meio? Enfim, é claro que influenciamos
e somos influenciados, de modo que, por sermos, podemos influenciar; e por estarmos no
devir, somos influenciados. Ou seja, é porque sou, que posso influenciar o outro; e ao
mesmo tempo, porque estou em devir, que posso ser complementado e influenciado pelo
outro.
Desse modo, o coaching transdisciplinar investiga o ser enquanto ser e em quanto devir.
Em outras palavras, o que sou e o que estou sendo. Quando estamos num relacionamento
confuso, ou num emprego insuportável, a pergunta que nos fazemos é por que estou
fazendo isso comigo? Eu não tenho nada a ver com essa pessoa ou com esse emprego.
Ora, isso é um sinal claro de que você tem uma forte referência com relação a quem você
é, mas infelizmente, neste exato momento, você não está sendo o que é em sua plenitude.
Essa consciência é fundamental para integrar o plano ontológico com o plano ôntico.
Internamente, o que nós procuramos é uma coerência entre o que sou com o que estou
sendo. Quando esses dois polos entram em desequilíbrio podemos vivenciar uma certa
crise existencial, ou uma angustia em não encontrar um sentido na nossa vida.
Para Platão essa coincidência entre o plano ontológico e o plano ôntico era a felicidade,
para outros esse equilíbrio pode representar paz e bem-estar, e ainda para muitos, isso
pode simbolizar a presença de estar vivendo o instante, ou seja, o aqui e agora,
independente do foi o passado e livre as projeções e perspectivas do futuro.
Muitas vezes viver preso ao passado ou totalmente voltado para o futuro é estar
escravizado pelo devir. Viver o aqui e agora é viver o instante presente, e por assim ser,
é simbolicamente estar livre do tempo e totalmente presente sendo o que somos na
plenitude do instante. Maturana (2009) nos ensina em seu ensaio “Caminho do Tao”, que
diferente dos animais, o ser humano vive do passado e do futuro, o que lhe dá saudades e
frustrações. Saudades do que viveu e frustrações sobre aquilo que projetou e não
alcançou. Tudo isso pode gerar dor e sofrimento, por isso, fazendo uso da linguagem o
ser humano pode vivenciar o presente refletindo sobre suas saudades e frustrações para
que essa reflexão exalte o presente, que é vivido pelo linguajear. Em outras palavras, é
preciso criar um ambiente de conversação para podermos refletir e expressar nossos
sentimentos, dores, alegrias e frustrações. Um ambiente de fala e de escuta, que centraliza
o sujeito na sua essência de um ser de linguagem. Não estamos livres da dor e do
sofrimento, mas através da linguagem e da reflexão não precisamos ser escravos desses
sentimentos. Ou seja, há de te ter sofrimento, mas há também a resiliência, que nos
ajudará a superar aquilo que nos oprime e entristece. O coaching é um convite para
conversarmos sobre isso e uma oportunidade para no encontro com o outro, no ambiente
de conversação, praticar a alter-ajuda.
O coaching transdisciplinar trabalha a ideia da presença, que será despertada através do
exame do nosso devir, tanto da nossa história de vida, como de nossos sonhos e projetos.
Ou seja, descobrimos o nosso ser a partir do que fomos e do que queremos ser, mas
vivenciando tudo isso no instante presente, que nos responde sem ilusões, o que somos
nesse exato momento.
Nos meus primeiros contatos com o coaching percebi que ele era uma maneira
interessante de aprimorarmos a educação das pessoas e semear o gosto pelas virtudes.
Vivemos numa sociedade brutalizada pela mesquinharia, pela maledicência, pelo medo,
pela covardia, pelo oportunismo e ambição sem ética. Todo esse contexto propicia a
criarmos verdadeiras armaduras contra as pessoas. Apesar de sermos otimistas e
querermos o bem de todos, o contexto nos indica que temos que ser mais cautelosos e
desconfiar antes de abrir os braços para as pessoas. Infelizmente não vivemos numa
sociedade amorosa e que sabe respeitar as pessoas e suas diferenças. Desde a escola
lutamos para sermos aceitos pelos outros. Rimos e disfarçamos dos apelidos ofensivos
que recebemos dos “colegas”, porque politicamente é melhor aceitar a ofensa do que
reagir. Isso porque, ao reagir, pode ser que ela aumente amanhã e se torne insustentável
em poucos meses.
Aprendemos também a nos defender de todas as formas contra as injustiças e fofocas,
como se fossemos os seres mais importantes e intocáveis do planeta. Somos orgulhosos
e individualistas e, infelizmente, na maioria das vezes, pensamos primeiro em nós
mesmos e depois nos outros. Fomos educados para sermos independentes, como se não
depender dos outros fosse o máximo de sabedoria e autonomia. Enfim, nos educaram e
nos treinaram para uma sociedade cujos valores não mais se sustentam. A Natureza e a
sociedade se esgotaram e pedem para que criemos um modelo diferente, em que o coletivo
também possa conviver com o individual e que o amor, a solidariedade, a compaixão, a
amizade e o respeito possam também fazer parte do cotidiano das organizações e dos
grupos humanos, sem com isso parecer ser piegas.
O coaching transdisciplinar é uma forma de abrirmos os olhos das pessoas para outros
planos de realidade e jogar um pouco de luz nos nossos pontos cegos. Ampliar nossos
modelos mentais e dialogar com o olhar do outro com atitude de aprendiz. Elevarmos
nossa disposição para o conhecimento e esquecer que desde a escola ele é colocado como
mercadoria, quando na verdade ele sempre esteve dentro de nós e só precisa ser
despertado, como que por uma maiêutica socrática, para ganhar contornos de criatividade
e de esperança para lidarmos com os conflitos e problemas que o jogo da vida nos
proporciona.
O coaching nos ensina a lidar com nossas emoções e com nossas ilusões. Nos mostra
como driblar as armadilhas do ego, do orgulho, do mesquinho. Nos ajuda a espelhar
nossos medos, inseguranças e feiuras. Nos coloca no ponto de equilíbrio entre o interior
e o exterior, ou entre o eu e o outro, afirmando nossa absoluta dependência da Natureza
e da sociedade, indicando um caminho amoroso e ecológico para a vida em comunidade.
O coaching também não é o único e o definitivo. É uma possibilidade coerente para o
momento das pessoas, da sociedade e das organizações. Pode ser superado, substituído,
esquecido. É uma síntese possível que abarca diferentes saberes, que querendo ou não,
respondem às necessidades emergentes. Amanhã pode ser que outra proposta vigore,
assim mesmo, o futuro não invalida o passado. Ou seja, mesmo que o coaching seja uma
moda passageira, bem-vindo aqueles que queiram desfrutar dessa nuvem passageira,
porque podem surgir outros nomes ou outras modas, mas a busca de si mesmo será sempre
um excelente motivo para vivermos.
O coaching pode ser passageiro, mas a busca de si mesmo é eterna e acompanha o ser
humano em sua aventura em busca de sentido. Não precisamos ficar presos aos rótulos e
as convenções. Podemos simplesmente perguntar quem sou eu? E sondar as possíveis
respostas sem medo do que podemos encontrar. O coaching transdisciplinar é a
possibilidade do encontro entre o ser e o devir, ou entre o que sou e o que estou sendo. É
um convite para nos aproximarmos de nós mesmos, sem julgamentos excessivos,
ideologias limitadoras e modelos de conduta pré-definidos e exteriorizantes. É um
mergulho dentro de nós mesmos com vistas para o outro. É estar em sintonia consigo,
com a Natureza e com o outro, que algum poeta, em algum lugar, quis descrever como
sendo o amor.

Referencias
MATURANA, Humberto; YÁÑEZ, Ximena D. Habitar Humano: em seis ensaios de
biologia-cultural. São Paulo : Palas Athena, 2009.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa : Instituto Piaget, 2008.

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