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Ana Taís Martins Portanova Barros (org.

Anais do II Congresso Internacional


do Centre de Recherches Internationales
sur l'Imaginaire

A teoria geral do imaginário


50 anos depois:
conceitos, noções, metáforas

Porto Alegre
Imaginalis
2015
Baixado em www.imaginalis.pro.br por Anelise De Carli em 26 de novembro de 2015
CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
BIBLIOTECA

C749a Congresso Internacional do Centre de Recherches Internationales sur


l’Imaginaire (2. : 2015 : Porto Alegre, RS)
[Anais...] / Ana Taís Martins Portanova Barros (Organizadora). –
Porto Alegre: Imaginalis, 2015.

ISBN: 978-85-69699-00-278

1. Imaginário.
2. Comunicação I. Barros, Ana Taís Martins Portanova. (Org.). II. Titulo.

CDU: 159.954

Baixado em www.imaginalis.pro.br por Anelise De Carli em 26 de novembro de 2015


Ficha Técnica

II Congresso Internacional da rede CRI2i (Centre de Recherches Internationales


sur l'Imaginaire): a Teoria Geral do Imaginário 50 anos depois: conceitos, noções,
metáforas
Evento científico: 29 e 30 de outubro de 2015
Assembleia geral do CRI2i: 31 de outubro de 2015
Local: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Coordenação geral
Ana Taís Martins Portanova Barros (PPGCOM/UFRGS/Brasil)

Organizadores
Ana Taís Martins Portanova Barros (PPGCOM/UFRGS/Brasil)
Jean-Jacques Wunenburger (Université de Lyon 3/ Lyon, França)

Comissão científica
Ana Taís Martins Portanova Barros (UFRGS, Brasil)
Artur Simões Rozestraten (USP, Brasil)
Eduardo Portanova Barros (UNISINOS, Brasil)
Jean-Jacques Wunenburger (Université de Lyon III, França)
Lucia Maria Vaz Peres (UFPel, Brasil)
Maria Cecília Sanchez Teixeira (USP, Brasil)
Philippe Walter (Université de Grenoble III, França)

Comissão organizadora
Andriolli de Brites da Costa
Anelise Angeli de Carli
Annelena Silva da Luz
Carlos André Echenique Dominguez
Danilo Fantinel
Francisco dos Santos
Renata Lohmann

Comitê diretor do CRI2i


Jean-Jacques Wunenburger (Université Jean Moulin, Lyon, França)
Philippe Walter (Université Stendhal, Grenoble, França)
Corin Braga (Université Babes-Bolyai, Cluj, Romênia)
Danielle Perin Rocha Pitta (UFPE Recife, Brasil)
Fanfan Chen (National Dong Hwa University, Hualien, Taiwan)

Apoio
CNPq, processo 466118/2014-7
CAPES, processo PAEP 3825/2015-49

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Apresentação

A Teoria Geral do Imaginário 50 anos depois:


conceitos, noções, metáforas

Ao longo do século XX, o imaginário deixou de ser sinônimo de fantasia ou


de ser associado à loucura para ocupar um elugar epistemológico e ontológico
específico na produção de representações e de sabers, ao ponto de constituir sua
própria heurística. Deve-se isso ao trabalho de numerosos pensadores oriundos dos
campos mais diversos das Ciências Humanas e Sociais, da filosofia à psicanálise, da
antropologia à literatura, que desembocou na Teoria Geral do Imaginário, lançada há
quase 50 anos em Chambéry (França) sob forma do primeiro CRI (Centro de
Pesquisas sobre Imaginário).
Desde então, os estudos sobre o imaginário se tornaram mais diversificados e
complexos através do mundo e através das disciplinas. Diversos movimentos
epistemológicos reivindicaram conceitos mais flexíveis, que se tornaram noções e se
dispersaram em metáforas. Se, por um lado, as noções e as metáforas apresentam a
vantagem de admitir mais de uma ideia por vez, como as ideias contraditórias, por
outro lado elas podem levar à imprecisão ou à equivalência generalizada dos termos,
tornando vão o trabalho do pensamento.
O II Congresso Internacional da rede CRI2i (Centro de pesquisas
internacionais sobre o imaginário) se propõe assim proceder a um estado da arte, a um
balanço epistemológico e a uma perspectivação científica em torno do imaginário,
suas acepções, seus recursos, suas aplicações. Durante estes 50 anos de Teoria Geral
do Imaginário, quais foram os conceitos mais frutíferos para as pesquisas? Em quais
metáforas eles foram transformados? Que oscilações epistemológicas a teoria
conheceu? Que novas perspectivas podem se abrir hoje em contato com os novos
campos de saber, sempre inspiradas pelo legado dos fundadores?
A presente reunião de comunicações feitas quando do II Congresso
Internacional do CRI2i, que ocorreu de 29 a 31 de outubro de 2015, em Porto Alegre,
se organiza em torno de conferências plenárias, mesas-redondas e grupos de trabalho.
O conjunto reúne contribuiçòes intelectuais fecundas a partir de cerca de cem artigos
inéditos que nos revelam o panorama atual da pesquisa sobre imaginário. Boa leitura!

Ana Taís Martins Portanova Barros (UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil)
Jean-Jacques Wunenburger (Université Jean Moulin, Lyon 3, France)
Organizadores do II Congresso Internacional da rede CRI2i

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Avant-propos

La théorie générale de l'imaginaire 50 ans après :


concepts, notions, métaphores

Au fil du XXe siècle, l’imaginaire a cessé d’être synonyme de fantaisie ou


d'être associé à la folie, pour occuper une place épistémologique et ontologique
spécifique dans la production des représentations et des savoirs, jusqu'à constituer sa
propre heuristique. On le doit au travail de nombreux penseurs, issus des champs les
plus divers des Sciences humaines et sociales, de la philosophie à la psychanalyse, de
l’anthropologie à la littérature, qui a abouti à la Théorie Générale de l’Imaginaire,
lancée il y a presque 50 ans à Chambéry (France) sous forme du premier CRI (Centre
de recherche sur l'imaginaire).
Depuis lors, les études sur l’imaginaire se sont toujours plus diversifiées et
complexifiées à travers le monde et à travers les disciplines. Plusieurs mouvements
épistémologiques ont revendiqué des concepts plus flexibles qui sont devenus des
notions et se sont dispersés en métaphores. Si, d’un côté, les notions et les métaphores
présentent l’avantage d’admettre plus d’une idée à la fois, voire des idées
contradictoires, de l’autre, elles peuvent conduire à l’imprécision voire à l'équivalence
généralisée des termes, rendant vain tout travail de la pensée.
Le II Congrès International du réseau CRI2i s'est donc proposé de procéder
à présent à un état des lieux, à un bilan épistémique et à une prospective scientifique
autour de l'imaginaire, ses acceptions, ses ressources, ses applications. Pendant ces 50
ans de Théorie Générale de l’Imaginaire, quels ont été les concepts les plus fructueux
pour les recherches ? En quelles métaphores se sont-ils transformés ? Quelles
oscillations épistémologiques la théorie a-t-elle connu ? Quelles nouvelles
perspectives peuvent-elles s'ouvrir aujourd'hui au contact des nouveaux champs de
savoir tout en restant inspirées par l'héritage des fondateurs ?
Le présent recueil des communications faites lors du II Congrès
International du CRI2i, les 29-30 octobre 2015, à Porto Alegre, s'organise autour de
séances plénières, tables-rondes et ateliers de recherche. L’ensemble rassemble des
ressources intellectuelles fécondes de près d’une centaine d'articles inédits qui nous
révèlent le panorama actuel de la recherche sur l'imaginaire. Bonne lecture !

Ana Taís Martins Portanova Barros (UFRGS, Porto Alegre, RS, Brésil)
Jean-Jacques Wunenburger (Université Jean Moulin, Lyon 3, France)
Comité d'organisation du II Congrès du réseau CRI2i

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Sumário
Conferências plenárias ......................................................... 14

Jean-Jacques WUNENBURGER.......................................................................... 15
L’anthropologie de l‘imaginaire selon Gilbert Durand : Contextes, options, enjeux

Danielle Perin Rocha PITTA ................................................................................ 29


Diversidade cultural brasileira e a teoria sobre o imaginário de
Gilbert Durand : correspondências e derivações

Corin BRAGA ...................................................................................................... 45


Archétypocritique, mythocritique, psychocritique

Malena CONTRERA ............................................................................................ 62


A imagem simbólica na contemporaneidade

Francimar ARRUDA ............................................................................................ 74


Imagem contemporânea e imaginário: como aproximá-los?

Mesa redonda 1:
Subversões imagéticas e filosofia de vida .................................. 81

Florence DRAVET ............................................................................................... 82


Communication et Nonsens – Étude du tournoiement de la pombagira
pour une communication féminine

Hildo Honório do COUTO


Elza Kioko Nakayama Nenoki do COUTO .......................................................... 99
Une possibilité de dialogue entre l’anthropologie de l'imaginaire
et l'écolinguistique

María Noel LAPOUJADE .................................................................................... 110


La philosophie de la vie chez Gaston Bachelard aujourd’hui

Alina Ioana BAKO ............................................................................................... 122


La subversion de l’imaginaire : le cas de la littérature roumaine

Vanessa Costa e Silva SCHMITT......................................................................... 134


L'idéologie du progrès dans l'imaginaire scientifique du XIXe siècle :
le credo du docteur Pascal dans le roman éponyme d'Émile Zola (1893)

Mesa redonda 2:
Imaginação simbólica: mídia, culto e religiosidade ...................... 153

Marco Antônio DIB .............................................................................................. 154


Mitodologia durandiana – a mitocrítica

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Gustavo de CASTRO ............................................................................................ 182
Imaginário, literatura e mídia

Artur ROZESTRATEN ........................................................................................ 191


Constelações de imagens fotográficas de arquitetura:
desafios do projeto ARQUIGRAFIA

Jorge MIKLOS...................................................................................................... 209


A tecnologia como religião: imaginário tecnológico e religioso
na cibercultura - o culto à Apple

Jorge Augusto MAXIMINO ................................................................................. 222


Discurso metafórico, imaginário e alteridade em Primeiras estórias
de João Guimarães Rosa

Mesa redonda 3:
Da representação tecnológica à fenomenologia do corpo .............. 235

Paolo BELLINI ..................................................................................................... 236


Le langage de l'imaginaire entre mythe et utopie

Stanislas DE COURVILLE .................................................................................. 262


L'image manquante: le cinéma à l'épreuve du travail de mémoire

Marie-Agnès CATHIARD .................................................................................... 278


Et il fallut attendre le début de ce XXIe siècle pour que deux intuitions
fondamentales, de Jung et Bachelard, inspirateurs du CRI naissant,
se conjuguent en corps neural

Juliana Michelli OLIVEIRA ................................................................................. 307


As máquinas de Morin: o vivo como modelo do artificial

Mireille COURRÉNT ........................................................................................... 322


Le mode ternaire, concept dynamique d’organisation dans le monde
grec antique.Gilbert Durand et le modèle homérique

Mesa redonda 4:
O paradigma da complexidade e a Teoria Geral do Imaginário ........ 333

Alberto Filipe ARAÚJO ....................................................................................... 334


Da necessidade de falar-se de mitanálise em educação.
Uma contribuição à hermenêutica do mito

Monique SILVA
Vanessa VASCONCELLOS
Valeska Fortes de OLIVEIRA .............................................................................. 354
As contribuições do imaginário para a educação: um estado da arte

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Maria Thereza de Queiroz Guimarães STRÔNGOLI .......................................... 370
Um novo olhar sobre as estruturas de Gilbert Durand

Alberto Filipe ARAÚJO


Lúcia Maria Vaz PERES
Iduina Mont’Alverne Braun CHAVES ................................................................. 380
O imaginário educacional como contributo às linguagens da educação

Thácio FERREIRA DOS SANTOS...................................................................... 395


Durandismo no Brasil: ou florescimento de novas propostas
teórico-metodológicas?

Grupo de Trabalho 1: Imaginário, ciência e tecnologia ................. 415

Carlos ORELLANA.............................................................................................. 416


A imaginação radical

Cláudio CORDOVIL ............................................................................................ 434


A religião dos fatos: a persistência do mito do genesis
nas representações da Nova Genética

Luis Flávio Almeida LUZ .................................................................................... 454


Construção de uma paisagem gráfica para a visualização do imaginário,
elaborada a partir da tentativa de compreensão do funcionamento da noosfera

Alexandre Vergínio ASSUNÇÃO ........................................................................ 468


Imaginário e tecnologia: pequeno ensaio sobre suas aproximações

Andriolli COSTA e Francisco SANTOS .............................................................. 482


Reportagem algorítmica: imagens de um jornalismo sem jornalistas

Denise Ayres GOMES e Roberto José RAMOS .................................................. 497


Tecnologias do imaginário: o jornalismo como promotor das doenças mentais

Cláudia Mariza Mattos BRANDÃO e Gustavo REGINATO .............................. 513


Imagens, tecnologias do imaginário e formação docente

Mágda CUNHA e Paula VISONÁ ....................................................................... 522


O inacabado: a estética no cruzamento tecnológico

Heloisa Juncklaus MORAES e Edla LUZ ............................................................ 538


O lugar místico da intimidade no imaginário contemporâneo:
o parto como espetáculo

Grupo de Trabalho 2: Imaginário e cotidiano ............................. 551

Gustavo de CASTRO e Victor STOIMENOFF.................................................... 552


Imaginário pós-romântico entre travestis

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Alex DAMASCENO ............................................................................................ 566
A imaginação técnica e dialógica na sociabilidade dos videochats randômicos

Jonara Raquiel ECKHARDT e Leonardo CHARRÉU ......................................... 584


Ambientes, dissensos e fricções docentes nas artes visuais:
Vivendo e experimentando na casa de Bachelard

Valéria Cristina Pereira da SILVA ....................................................................... 590


Paisagens sensíveis e flutuantes: o imaginário da cidade na era da imaginação

Adilson MARQUES ............................................................................................. 614


Saúde integral e imaginário: uma proposta de tecnologia social e comunitária

Lisandro Lucas MOURA ...................................................................................... 619


O imaginário nas narrativas visuais do cotidiano: contribuições
para a retomada de uma educação reencantada

Angelita HENTGES.............................................................................................. 634


Imaginários da cultura brasileira: A educação e a ancestralidade
nas rodas de capoeira Angola

José CELORIO e Lúcia PERES ........................................................................... 646


As faces de Saturno: Imaginário, melancolia e mal-estar na escola

Fabio José Cardias GOMES ................................................................................. 656


Pescadores em busca do seu Touro: regência, sabência e sofrência
no imaginário da Ilha dos Lençóis – MA

Lúcia Maria Vaz PERES e Valeska Maria Fortes de OLIVEIRA........................ 671


Transitando entre a antropologia do imaginário e o imaginário social:
trajetos de dois grupos e de duas pesquisadoras que buscam o sentido existencial
para seus ofícios

Grupo de Trabalho 3: Imaginário e mídia .................................. 684

Elza Nakayama Nenoki do COUTO, Heloanny de Freitas BRANDÃO


e Lais Carolina Machado e SILVA ....................................................................... 685
O regime crepuscular e a construção do imaginário
sustentável na publicidade Colgate

Frederico de OLIVEIRA....................................................................................... 704


Mitosfera do Consumo: um olhar mitodológico
sobre a temporalidade dos slogans que passam na TV

Rafiza VARÃO e Rosana PAVARINO ................................................................ 724


O monstro e a virgem: o legado da propaganda “Destroy this mad brute”

Annelena LUZ e Paula CORUJA ......................................................................... 744


Um olhar oximorônico da publicidade da “Real Beleza”

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Paula Francinete Barros BEZERRA e João de Deus Vieira BARROS ................ 758
Estado da arte da área de cultura visual, mediação educativa
e imaginário no contexto da arte contemporânea em periódicos brasileiros

Lutiana CASAROLI ............................................................................................. 775


Autorreferencialidade midiática: Imagem e Imaginário

Anelise Angeli DE CARLI e Renata LOHMANN ............................................... 796


Minha câmera para mim: Sentidos do gesto da selfie

Ada SILVEIRA e Isabel GUIMARÃES............................................................... 808


A mediação do imaginário na representação da periferia

Leidiane Coelho JORGE....................................................................................... 819


Pregnância simbólica ou esteriótipo: as narrativas tecidas pelos
descendentes dos colonizadores acerca dos Xokleng no município
de Pouso Redondo/SC

Wilson NOGUEIRA ............................................................................................ 832


Boi-bumbá de Parintins: uma abordagem comunicacional
ecossistêmica do imaginário amazônico no espetáculo midiático

Eunice Simões Lins GOMES................................................................................ 853


Batismo em águas e discurso jornalístico:
Das imagens que se mostram às imagens que se ocultam

Flávia Gabriela da Costa ROSA ........................................................................... 873


Imaginários corrompidos: Audiência da fé a serviço da mediosfera

Grupo de Trabalho 4: Imaginário e linguagens ............................ 890

Elza Kioko Nakayama Nenoki do COUTO e Samuel de Sousa SILVA ............. 891
O olhar que distorce o tempo e o espaço: mitocrítica do discurso científico

Naiara Gomes de OLIVEIRA e Ana Beatriz Simon FACTUM ........................... 901


Contribuições da teoria do imaginário através do diálogo
entre arte, design e a obra do profeta Gentileza

Fernanda NORONHA .......................................................................................... 920


Animês e mangás: o mito vivo e vivido no imaginário infantil

Ana Laudelina Ferreira GOMES .......................................................................... 942


A religação dos saberes no rio do imaginário e da imaginação simbólica

Eduardo Romero Lopes BARBOSA .................................................................... 953


Mitos do corpo na performance

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Franciele Machado de AGUIAR .......................................................................... 974
A presença na imagem: intensidades mitopoéticas em cena

Márcio Soares dos SANTOS e Adriana Pierre COCA ......................................... 985


Vinheta de abertura de “Roque Santeiro”: a esfera simbólica
do início do período redemocrático do país configurada diariamente na TV

Danilo FANTINEL ............................................................................................... 995


Família centro do mundo, descida ao inferno, renascimento e queda:
O imaginário movido pelo rockumentary Cobain: Montage of Heck

Maria Zilda da CUNHA e Maria Auxiliadora Fontana BASEIO ........................ 1021


Imaginário e Literatura em perspectiva interdisciplinar

Heloisa Juncklaus Preis MORAES, Willian Corrêa MAXIMO


e Luiza Liene BRESSAN ..................................................................................... 1038
Entre os fios que tecem a peneira d’água: uma leitura do imaginário
por meio do Regime Diurno da imagem

Luara Pinto MINUZZI .......................................................................................... 1052


Mia Couto e a simbologia de barcos:
navegar, mais do que preciso, é sonhável

Renata LISBÔA .................................................................................................... 1069


A constituição do si-mesmo e os valores do ser: os devaneios
da intimidade em Bachelard, a invenção poética em Manoel de Barros
e a psicanálise em Winnicott

Grupo de Trabalho Temas Transversais A .................................. 1087

Alberto Filipe Ribeiro de Abreu ARAÚJO


e Iduína Mont’Alverne Braun CHAVES .............................................................. 1088
Da “boa vida” a um “bem viver” num quotidiano à deriva:
um olhar mitanalítico

Carlos André Echenique DOMINGUEZ .............................................................. 1106


A natureza e a emoção no ethos jornalístico

Sueli SCHIAVO.................................................................................................... 1127


Mídia, imaginário e a relação com a responsabilidade social

Ivan Vasconcelos FIGUEIREDO ......................................................................... 1138


Imaginários sociodiscursivos transgressivos de Black Blocs

Paula Cristina VISONÁ e Paula CORUJA ........................................................... 1158


Memórias do futuro: novas práticas para moda e comunicação

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Cristiane WEBER e Ernani César FREITAS ....................................................... 1170
A figura do Sumo Pontífice e a quebra de um tabu: o discurso
do Papa Francisco e o imaginário da comunidade católica
a respeito do tema homossexualismo

Alecrides Jahne Raquel Castelo Branco de SENNA ............................................ 1192


Um número no Lager: um estudo sobre o nome e alma no judaísmo,
a partir da literatura da Shoah

Ivana Soares PAIM ............................................................................................... 1201


Um Orixá evangélico: a transição de Exu para o culto
da Igreja Universal do Reino de Deus

Vânia NORONHA ................................................................................................ 1215


Imagens míticas na celebração do reinado de Nossa Senhora do Rosário

Givaldo Ferreira CORCINIO Jr ............................................................................ 1233


A arte da fé: os ex-votos no imaginário religioso de Trindade-Goiás

Grupo de Trabalho Temas Transversais B .................................. 1248

Ana Iara Silva de Deus e Roseléia SCHNEIDER ................................................ 1249


Imaginário, cinema e formação: a linguagem
cinematográfica na ação educativa

Andressa Lima TALMA e Waldeir Reis PEREIRA............................................. 1258


A construção da identidade étnico-racial: trajetórias de professoras negras

Genis Frederico Schmaltz NETO ......................................................................... 1277


O imaginário sob a perspectiva ecológica da linguagem

Silvia Sueli Santos da SILVA e Cainã de Paula MELLO .................................... 1287


Recortes Poéticos da Amazônia Ribeirinha:
narrativas de quintais em Paquetá

Luciana Martins LINDNER .................................................................................. 1297


A técnica de pesquisa da autoscopia: primeiras aproximações
com a abordagem teórico-mitodológica do imaginário

Aline Fatima da Silva Costa MAGNO ................................................................. 1313


Sistema IDA: Uma Metodologia de criação artística em Diálogo
com as Ciências do Imaginário

Marília G. G. GODOY e Alzira L. A. CAMPOS ................................................. 1321


Renovação da Casa de Reza (opy) em aldeias Guarani Mbya:
imaginário e xamanismo

Cláudio Baptista CARLE...................................................................................... 1338


O Quilombo do Paredão pela atmosfera do Imaginário

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Zilda Dourado PINHEIRO ................................................................................... 1350
O estudo do corpo pelo viés da antropologia do imaginário

Andrisa Kemel ZANELLA e Lúcia Maria Vaz PERES ....................................... 1362


Escrituras do corpo biográfico: um olhar a partir do imaginário e da memória

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Imaginário e Literatura em perspectiva interdisciplinar

Imaginary and Literature in interdisciplinary perspective

Imaginaire et littérature dans une perspective interdisciplinaire

Maria Zilda da CUNHA 1


Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
Maria Auxiliadora Fontana BASEIO 2
Universidade de Santo Amaro, São Paulo, Brasil

Resumo
Compreendido como sistema organizador de experiências com dinamismo próprio, o
imaginário constitui-se como eixo articulador para resgatar formas de expressar o real, bem
como para projetar maneiras de transformá-lo. As reflexões sobre esse tema pressupõem uma
abrangência integradora e interdisciplinar que incita a compreensão de fenômenos humanos e
culturais sob múltiplos olhares, entre os quais se destaca a arte literária. Essa rede de
associações de imagens singulariza tanto o estilo individual do autor, quanto sugere traços do
mundo social e cultural. É nosso intuito, neste trabalho, analisar, à luz da Literatura
Comparada, elementos que servem de vetores à imaginação simbólica nesse corpo de
significação vivo que é a obra literária. Nossa proposta é investigar a matéria imaginária que
organiza o projeto estético e o projeto político de José Saramago.
Palavras-chave: imaginário; literatura comparada; José Saramago.

Abstract
Considered as an organizing system of the experiences with a singular dynamism, the
imaginary constitutes a central theme to rescue means to express reality as well as to point
ways to change it. Today, the reflections on this topic assume an integrative and
interdisciplinary scope urging the understanding of human and cultural phenomena from
multiple perspectives, among which is the literary art. This network of images distinguishes
both the individual author's style and suggested features of the social and cultural world. It is
our intention in this paper to analyze, in Comparative Literature perspective, elements that act
as vectors to the symbolic imagination in the body of alive meaning that is the literary work.
Our proposal is to investigate the imaginary matter that organizes the aesthetic and the
political project of José Saramago.
Key words: imaginary; comparative literature; José Saramago.

Introdução

1
mariazildacunha@hotmail.com
2
dorafada@ig.com.br ou mbaseio@uol.com.br

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Mostra-se bastante aguda à nossa percepção a ideia de que a realidade em que nos
inserimos hoje se tece de uma complexidade que nos desafia continuamente a buscar novas
formas para compreendê-la. A mudança paradigmática de que somos partícipes problematiza
e provoca fissuras em verdades, valores e modelos explicativos que serviram de sustentação
para nosso pensar, sentir e agir por muitos séculos.
Se, de acordo com Gilbert Durand (1997, p.14), o imaginário pode ser compreendido
como um “conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do
homo sapiens”, o estudo dessa complexa rede semântica permite, de alguma maneira,
capturar o que se delineia, ainda que de forma cifrada, nos pensamentos e sentimentos
humanos neste nosso tempo.
É fato que as reflexões sobre o imaginário assumem abrangência interdisciplinar nesse
novo contexto, permitindo a compreensão dos fenômenos humanos e culturais de maneira
multidimensional. Muito embora entendamos que os estudos do imaginário engendrem muitas
produções, neste artigo pretendemos analisar sua figuração na arte literária.
É nossa intenção perscrutar a rede de imagens que se integram e compõem este corpo
de significação vivo, que é a obra literária, analisar elementos que servem de vetores à
imaginação simbólica, tornando-se, assim, possível apreender sentidos importantes para o
homem neste momento de seu percurso de humanização. Pretendemos investigar a matéria
imaginária que organiza o projeto estético e o projeto político de José Saramago, sinalizando
algumas configurações de imagens e suas relações com o contexto sócio-histórico e cultural
em que se enraízam. Para este momento, trabalharemos com as obras Jangada de Pedra e O
Conto da Ilha Desconhecida.
Cumpre esclarecer que nossa pretensão não é restringir este estudo às formas sigilosas
e distorcidas da ideologia, tampouco explorar relações entre forças sociais, mas abarcá-lo
como fenômeno de relação do homem com o mundo, observando a forma como se estrutura a
imaginação criadora, esta capaz de oferecer vias de acessibilidade ao mundo das afetividades,
as quais se engendram aos processos de racionalidade, aspecto que vai requerer uma
consideração especial para o entendimento da complexidade que constitui o homo sapiens
demens deste nosso milênio.
Para realizar este exercício crítico, tomamos por fundamento os instrumentais da
Literatura Comparada, perspectiva interdisciplinar de estudos que opera com a comparação de
diferentes literaturas ou entre literatura e outras artes ou ainda com outras áreas do saber.

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Cabe ressaltar, em consonância com as novas teorias críticas, que esse campo de
estudos abre canais para exercícios reflexivos sobre o caráter histórico e cultural do fenômeno
literário, tornando-se solo fértil para problematizar a experiência humana de maneira
pluridimensional, na medida em que amplia seus raios de ação para vários recortes
epistemológicos do conhecimento humano, como a Sociologia, a Antropologia etc., embora
considerando a ideia de G. Durand (1996, p.145) de que a Ciência do Homem seja uma só.
Ao abrir possibilidades de colocar em diálogo diferentes obras, a Literatura
Comparada, com seus métodos específicos, auxilia na percepção do sistema de imagens que
transita de uma obra para outra. A despeito das diferenças e singularidades de cada texto – o
que resguarda sua autenticidade, conforme Cândido (1997), faz-se possível estabelecer
conexões capazes de tornar visíveis os elementos de similaridade e, portanto, encontrar pistas
para compreender os elementos semânticos que fazem pulsar o imaginário.
Retomando as ideias de Wunenburger (2007, p.35), independente do método com que
se pretende operacionalizar, o imaginário pode ser “apreendido como uma esfera organizada
de representações na qual fundo e forma, partes e todo se entrelaçam”. E acrescenta:

Essa compreensão da configuração de um imaginário, seja ele de um autor,


de um povo, de uma época etc.,é em geral tributária quer da presença de
elementos tipificantes que dão um estilo, uma face ao conjunto das imagens,
quer de uma verdadeira gramática com sua semântica e suas leis sintáticas
que obrigam a compor um sistema.(WUNENBURGER, 2007, p.35)

Portador de criatividade própria e de intensa plasticidade, o imaginário organiza-se por


fontes geradoras e dinâmicas capazes de explicar sua formação e transformações.
Materializado sob a forma de literatura, comporta uma constituição linguística singular e
revela a subjetividade de um autor.
Vale destacar que, ao exteriorizar subjetividades, o contato com o leitor favorece
relações intersubjetivas e essa recepção amplia os objetivos de construção de imaginários.
A matéria prima com que se esculpe o imaginário de um autor são imagens primitivas
e inconscientes, abrigadas no eu profundo, que vão se amalgamando às experiências vividas e
assumindo contornos reconhecíveis em um contexto social. Traduzidas em signo linguístico,
mostram-se expressivas em forma literária.

Designa-se por literária a imagem (como da calhandra ou da serpente) a


meio caminho entre o sonho e a imagem erudita, que é a fonte de um grande
número de metáforas que dela constituem como um comentário; mas cada
imagem literária, fruto de uma criatividade verbal, se apresenta também

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como um transbordamento imprevisível, uma renovação única das imagens


preexistentes, cuja forma mais elevada é a metáfora mais pura, reduzida a
uma forma verbal concisa (WUNENBURGER, 2007, p.42).

Sob a superfície legível do texto adensam-se metáforas, símbolos, arquétipos, esquemas –


matéria-prima do imaginário passível de significação, de sentido e de decifração. Esses
elementos traduzem o imaginário de um indivíduo/autor e o imaginário social e cultural do
qual participa, compondo-se dialeticamente, de maneira a fazer conviver elementos
invariáveis - porque universais - e elementos de variância - porque históricos. Vale observar
que o conteúdo, as estruturas, marcados por uma fertilidade simbólica e por uma vivacidade
metafórica, realizam intenções, estando sempre abertos a atualizações, dada a função poética
que lhe confere dinamismo criador permanente.

1. Imaginário e Literatura: um olhar sobre o projeto estético e político de Saramago


a partir de Jangada de Pedra e do Conto da Ilha desconhecida

É válido lembrar que, em várias de suas obras, sobretudo em O paradigma Perdido,


Morin (1999) nos mostra que a hominização se fez pela adaptação inteligente ao real
(sapiens) e pela necessidade de fabulação pelo imaginário (demens).
O imaginário está inscrito em toda criação imaginativa, bem sabemos, e constrói-se
por meio de redes de associação de imagens tecidas com uma sintaxe simbólica e também
semântica que singulariza tanto o estilo ou o mundo individual do autor, quanto sugere traços
do mundo social e cultural, como já mencionamos.
Ensina Wunenburger:

Embora cada indivíduo imaginante esteja dotado de uma função de onirismo,


de simbolização e de mitificação, nem todos atualizam o conjunto das
práticas imaginantes. A capacidade de transformar as imagens de um ser
para fazer com que estas acedam a um nível estético ou simbólico novo e
profundo varia, o que constitui o mistério da criação artística.
(WUNEMBURGER, 2007, p.40)

E acrescenta o referido autor que o imaginário compreende as produções mentais ou


materializadas em obras com linguagem verbal e não verbal, compondo conjuntos coerentes e
dinâmicos que traduzem uma função simbólica ao expressar sentidos próprios e figurados
(WUNENBURGER, 2007).

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Ao analisarmos o imaginário no corpo de significação vivo da literatura, nos


deparamos com uma representação atualizada de motivações afetivas, que fazem criar laços
íntimos de recepção.
Para expressar pensamentos, sentimentos e vontades com os quais um escritor compõe
as representações complexas que organizam o imaginário, ele se vale dos elementos da
narrativa e/ou dos recursos poéticos.
A despeito de cada obra literária possuir singularidade e autonomia - as de Saramago são
representativas do nosso universo de análise -, há constantes semânticas que aglutinam seus
conteúdos oníricos e a elas nos voltaremos neste percurso crítico.

1.1 Jangada de Pedra

Escrito em 1986, o romance inicia com a apresentação de alguns fatos insólitos


associados com personagens que se juntam para um projeto de vida comum. Joana Carda –
que risca o chão com uma vara de negrilho e vê a terra se abrir; Joaquim Sassa – que
arremessa uma pedra ao mar e a vê pulando infinitamente contra a gravidade; José Anaiço –
que convive com a aparição de estorninhos a fazer estranhas revoadas; Pedro Orce – que sente
tremores vindos da terra; Maria Guavaira – que destece uma meia de lã cujo novelo assume
proporções inusitadas.
O enredo organiza-se por um conflito inexplicável: a Península Ibérica está se
separando do continente europeu e passa a se deslocar no Atlântico. As personagens que
vivenciam os fatos estranhos em seu cotidiano gradativamente se descobrem e se unem em
busca de explicações. A elas se junta o Cão Constante, carregando um fio de lã azul à boca.
Manchetes nas redes de televisão, rádios e jornais tratam dos insólitos fenômenos e a busca
dos responsáveis é providenciada.
Enquanto o pedaço de continente (Jangada de pedra) vai se deslocando, as
personagens principais acabam por se unir e também a se mobilizar para empreender uma
viagem de descoberta da ilha e de seus fatos estranhos. A viagem é feita pelo grupo em uma
galera, conduzida por Maria Guavaira e puxada inicialmente por um, posteriormente por dois
cavalos.
Na iminência de um acidente com a ilha dos Açores, o que evidencia o lugar para onde
se desloca a jangada, a população se desespera. As duas mulheres do grupo decidem ter

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relações com Pedro Orce, o que provoca um clima de tensão nos viajantes, ainda que
permaneçam juntos. A Jangada de Pedra para. Portugal fica voltado para os Estados Unidos e
a Espanha para a Europa.
Ainda que as demais personagens não percebam o movimento da terra, Pedro Orce
afirma que ela ainda treme, o que acaba por se confirmar com a retomada do movimento
peninsular, de modo a girar, durante um mês, em torno de seu próprio eixo. Finalmente, o
movimento cessa e as mulheres percebem que estão grávidas. Morre Pedro Orce no momento
em que a galera para e se percebe que a terra não treme mais. O grupo descansa para depois
retomar a viagem.
Notamos que essa obra de Saramago encanta pelo conjunto de imagens que se tecem
inexplicavelmente no imaginário do leitor, para as quais ele deseja encontrar sentidos.
O título Jangada de pedra é alegórico e amalgama múltiplas significações. A jangada
remete ao tema da navegação e da viagem – referência histórica, literária e mitológica - todas
elas enoveladas no tecido hipertextual.
Já a matéria de que é feita - a pedra - metaforiza a ação humana de construção.
Segundo Chevalier e Gheerbrant (1996), a pedra é símbolo da Terra-mãe.
Observamos que o espaço da narrativa é a Jangada de Pedra, representação metafórica
da Península Ibérica que se desloca pelo Atlântico, em um tempo sem marcas cronológicas
precisas, um tempo labiríntico condensado no espaço e na ação: a viagem - percurso da
humana aprendizagem.
A Jangada de Pedra evoca, no imaginário do leitor, uma pluralidade de viagens,
colocando em marcha o percurso dos heróis em busca de si mesmos. O texto nos transporta,
pelas ondas do imaginário mítico, à Odisseia, à Arca de Noé e a outros lugares de memória de
onde podemos ponderar sobre a condição e a identidade do homem.
Sabe-se que o contexto histórico de produção desse romance coincide com Portugal
em face da tensão pós-Abril, que remete à integração de Portugal na Comunidade Econômica
Europeia (como nação periférica) e identificação, ao lado da Espanha, com suas ex-colônias.
A Ibéria transformada em jangada leva o leitor a acercar-se da gloriosa história do
povo português em suas grandes navegações em busca de um novo mundo, entretanto com
uma visão outra, marcada pelo olhar crítico de quem revê os acontecimentos e vislumbra
outras perspectivas. A península ibérica não pode ser compreendida sem sua relação histórica
com a América e com a África. Daí a importância de as comunidades de Língua Portuguesa

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ganharem força e atualizarem as possibilidades das relações recíprocas, fundamentos do


Iberismo que se tece como utopia sociopolítica de Saramago. A motivação artística é a
imaginação utópica como práxis poética e política necessária para realização da utopia
libertária a qual vislumbra o escritor português.
A consciência do presente leva-o a interrogar o passado. Nesse sentido, Saramago
reinventa imaginários e mitos da memória cultural para, muitas vezes, subvertê-los. Seu olhar
indagador e crítico sobre os eventos passados pode ser apreendido pelas incursões ao
fantástico, construídas com refinada sensibilidade e engenhosidade em contraponto a
cenários realistas - noticiários, manchetes nas redes de televisão e rádios – criando efeitos de
ruptura de maneira a provocar inquietação no leitor. As pinceladas do fantástico que
compõem cada quadro literário marcam o texto de uma causalidade mágica que se contrapõe
às leis científicas que sustentam o paradigma contemporâneo.
A forma de narrar incorpora um conjunto de vozes em subversão à narrativa de voz
única – crítica às formas narrativas tradicionais, procedimento estilístico que se refaz também
na linguagem, composta de parágrafos longos, sem pontuação a não ser vírgulas e alguns
pontos; discurso indireto livre traduzindo o fluxo do pensamento, em uma configuração
também ela labiríntica e hipertextual.
No que se refere às construções metafóricas da linguagem de Saramago nesta obra,
podemos inferir que os estorninhos a fazer estranhas revoadas sob a cabeça de José Anaiço
podem simbolizar reflexões e busca de novos sentidos e novas direções; os tremores de terra
sentidos por Pedro Orce podem remeter às necessárias mudanças a serem engendradas no solo
da realidade da Península; a pedra, arremessada por Joaquim Sassa ao mar, ao pular
infinitamente contra a gravidade pode metaforizar os incômodos da realidade construída. O
cão, fiel e vigilante, percorre o labirinto infernal da Península o tempo todo ao lado dos
companheiros. Guardador dos caminhos, como psicopompo, mostra-se “guia do homem na
noite da morte, após ter sido seu companheiro no dia da vida”. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1996, p.176). Sua figuração revela-se iniciatória, pois evoca a morte e o
recomeçar da nova vida. Os fios de lã destecidos por Maria Guavaira podem evocar a
desleitura da história ibérica, o desfiar da cultura até então experimentada e a busca de um
novo tecido social e imaginário, de uma nova cultura inaugurada com o encontro desses
personagens-heróis que se fazem no comum da vida. Guavaira – de sonoridade próxima à

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Guarvaia, a primeira cantiga medieval cantada em solo lusitano - é a Ariadne que fornece os
fios para construir essa nova trama da história.
Esse conjunto de imagens metafóricas e simbólicas, advindas dos mitos, da literatura e
da história, semantizadas em um novo discurso que se tece labiríntico no corpo vivo da
palavra literária, engendra faces de um comprometimento social, cultural, ético, político e
estético do autor lusitano.
A vara que risca o chão metaforiza o lápis a traçar fantasticamente a narrativa, axis
mundi a revelar o poder de recriação da estória animado pelo desígnio de refazer, pela
palavra, a História. Vara mágica e de poder clarividente, sob mãos femininas - vale ressaltar -
faz acordar para a consciência e transformar o que existe como dado.
Ao conjugar o imaginário feérico, mitológico e alegórico, o autor incita reflexões
críticas sobre a importância dos laços comunitários em resistência às forças do discurso
hegemônico, construindo esteticamente um novo imaginário. As personagens se juntam
mobilizadas por fatos que ocorrem de forma inusitada na vida cotidiana e lançam-se na
construção de uma nova ordem, de um novo lugar. Elas vão construindo sua humanidade na
convivência bem pouco pacífica. A jangada, em seu deslocamento, gira sobre si mesma, antes
de parar estrategicamente, conotando uma busca da própria identidade e do sentimento de
pertença a um entrelugar cultural em que se partilha a expressão pela língua.
Para além das amarras da história, ampliando para uma visão da arte como
problematizadora da condição humana, essa sintaxe simbólica e semântica, da forma e da
expressão, tecida ao modo de labirinto, encanta o leitor contemporâneo, também ele em busca
de sentidos de si mesmo pelos sentidos do outro.

1.2 O conto da ilha desconhecida

Publicado em 1997, o Conto da Ilha desconhecida narra a história de um homem que


foi ao palácio do rei pedir um barco a fim de sair em busca da ilha desconhecida, cuja
inexistência já fora apontada pelos geógrafos.
No palácio, havia várias portas e cada uma com sua utilidade. O rei passava todo o
tempo na porta dos obséquios, mas o homem apareceu na porta das petições, assim a
majestade mandava que o primeiro secretário fosse ter com quem batia e este pedia ao
segundo secretário, que solicitava ao terceiro, que ordenava ao seu subordinado, até chegar,
finalmente, à mulher da limpeza, que, não tendo em quem mandar, atendeu as batidas. Mas

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ele queria ser atendido pelo rei, então se deitou frente à porta e acabou atrapalhando as
pessoas, o que provocou revoltas sociais, até que o rei atendeu o homem e lhe deu o barco.
O rei solicitou que o homem procurasse o capitão do porto e arrumasse a tripulação. A
mulher da limpeza resolvera ir com ele à procura da ilha. Ao chegar às docas, conseguiu uma
caravela reformada, que foi limpa pela mulher, enquanto o homem procurava por uma
tripulação, a qual não encontrou, pois ninguém acreditava que houvesse uma ilha
desconhecida. Seguiram ele e a mulher por insistência dela. Jantaram na primeira noite e
adormeceram. Ele sonhou com uma grande tripulação: homens, mulheres, crianças e levava
sementes, terra, animais e árvores; aportaram e, ali, fizeram brotar nova vida. Ao acordar, ao
lado da mulher da limpeza, nomearam o barco de ilha desconhecida e este barco-ilha parte
para o mar, à procura de si mesmo.
O título instiga o leitor a descobrir onde é e como se vive na ilha desconhecida. E
inicia abrindo portas para sua navegação, oferecendo uma ponta do fio: o barco.
A entrada da trama são as portas: do rei, das petições, dos obséquios, das decisões e
outras, pelas quais o leitor penetra no texto e, ao lado das personagens, dispõe-se em viagem
imaginária para a Ilha Desconhecida. Os desafios do labirinto e da aventura da viagem
instauram-se logo no início da trama.
A obra semantiza redes de elementos míticos, históricos, literários, de códigos
diversos e de diferentes linguagens, reunindo, em palimpsesto, textos culturais, épocas
civilizatórias, sonhos e ideais humanos. Traz temas que perpetuam pelos diferentes
imaginários e modulam a compreensão de cada época. Os grandes navegadores, Noé, Ulisses,
Simbad o marujo, heróis históricos, míticos e literários inscrevem no corpo do texto o factual,
o sagrado e o insólito, revelando múltiplas possibilidades para o impulso da aventura humana
em busca do conhecimento.

Dá-me um barco [...]


vou dar-te a embarcação que lhe convém, Qual é ela, É um barco com muita
experiência, ainda do tempo em que toda gente andava à procura de ilhas
desconhecidas [...] Parece uma caravela, disse o homem, Mais ou menos,
concordou o capitão, no princípio era uma caravela, depois passou por
arranjos e adaptações que a modificaram um bocado, Mas continua a ser
uma caravela, Sim, no conjunto conserva o antigo ar. (SARAMAGO, 1998,
p.30-31)

O rei que vive de obséquios, manda e desmanda, exercitando um poder burocrático e


ditatorial evoca a memória política de ditadura vivida por Portugal com o salazarismo e

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relembra outras formas de poder autoritário que compuseram a história não apenas lusitana,
mas também de outros países. Para analisar o discurso crítico que a arte cria com a história, o
tom irônico do narrador modula o texto, abrindo novas portas para a releitura e a re-escritura
da História. Destronado, o rei senta-se na cadeira de palha da mulher da limpeza:

[...] Dá-me um barco, disse. O assombro deixou o rei a tal ponto


desconcertado, que a mulher da limpeza se apressou a chegar-lhe uma
cadeira de palhinha, a mesma em que ela própria se sentava quando
precisava trabalhar de linha e agulha [...] Mal sentado, porque a cadeira de
palhinha era muito mais baixa que o trono, o rei estava a procurar a melhor
maneira de acomodar as pernas, ora encolhendo-as ora estendendo-as para os
lados, [...] (SARAMAGO, 1998, p.15-16).

Assim como em Jangada de Pedra, subvertendo imaginários e valores, a mulher da


limpeza sai pela porta das decisões e assume, ao lado do navegante, seu papel de comando
rumo à ilha desconhecida.
A presença do insólito, que de início já cria o jogo ficcional, revela-se como atividade
imaginária a reverter o modelo explicativo cartesiano, caracterizadamente mecanicista e
fechado. No contexto da obra, aponta para forças complexas, que estão a se engendrar e
surpreender o homem, lançando-o a administrar incertezas que, efetivamente, compõem a
trajetória humana. Há mais coisas desconhecidas do que podemos pensar. Subjaz a ideia de
uma causalidade diferente das que conhecemos para as quais o autor torna o leitor um aliado.
A embarcação personificada revela as potencialidades do fazer humano.

As velas são os músculos do barco, basta ver como incham quando se


esforçam, mas, e isso mesmo sucede aos músculos, se não se lhes dá
uso regularmente, abrandam, amolecem, perdem nervo, E as costuras
são como os nervos da vela [...] (SARAMAGO, 1998, p.34)

Entre os fazeres e os afazeres, o maior empreendimento é a busca da própria


identidade.

[...] Mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu
quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem
és, [...] dizia que todo homem é uma ilha [...] Que é necessário sair da ilha
para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós. (SARAMAGO,
1998, p.40-41)

Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na


proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda
faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha
Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma. (SARAMAGO,
1998, p.62)

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A ilha desconhecida representa Portugal que busca sua própria identidade em um novo
contexto, que já não é o das caravelas.
A arquitetura imaginária que Saramago nos convida a penetrar torna-se uma aventura
de navegação. O leitor é arremessado no interior do processo labiríntico do texto e para além
das malhas textuais. O inusitado uso da pontuação, o complexo itinerário imaginário tecido de
múltiplas rotas que ativam a capacidade mnemônica para construção de sentidos motivam o
leitor a recuperar o passado, questionar o presente e projetar o futuro. Nessa viagem imóvel e
imaginária possibilitada pela arte literária, o leitor refaz caminhos de descoberta e
significação, reescrevendo a história. Carece a ele, no transitar por entre as tramas dos signos
verbais e não verbais, encontrar o fio de Ariadne e enfrentar com coragem e ousadia as
adversidades que antecedem a descoberta.
Assim, podemos concluir que O conto da ilha desconhecida reatualiza os elementos
imaginários da viagem, bem como os motivos labirínticos, tanto no plano do conteúdo, quanto
no plano da expressão.

2. Leitura comparativa: o imaginário da viagem


Ao analisar as duas obras de Saramago, Jangada de Pedra e O Conto da Ilha
Desconhecida, observamos uma recorrência simbólica: o motivo da viagem.
A viagem é metáfora do conhecimento na exploração do mundo e dos limites do
próprio viajante. Esse caminho iniciático promove o encontro com o “outro” e consigo
mesmo, constituindo-se como um modo de o viajante encenar a relação entre identidade e
alteridade.
Como matéria literária, tecida pelos fios do imaginário, a viagem não é apenas
deslocamento individual no espaço geográfico ou no tempo, mas é também deslocamento
social e cultural (MACHADO; PAGEAUX, 1997) - um exercício de movimento do olhar,
engendrando a possibilidade de consciência de si e do outro.
As duas narrativas analisadas demandam uma releitura da história de Portugal e das
civilizações ocidentais pelas veias do mito literarizado. Assim, é possível desler e reler as
conquistas e mazelas do empreendimento colonizador e entrever novos caminhos e novas
alianças.

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Como matéria mítica, renova-se, nessas obras, a imagem de Ulisses como herói
paradigmático que, segundo a crença, fundou a cidade de Lisboa (BORGES, 1983, p.39) e,
como líder, convida seus companheiros a uma notável aventura.
Igualmente, nos dois textos, é possível reler a figura bíblica de Noé, importante
personagem para o imaginário cristão, imagem literarizada para semantizar a construção de
uma nova humanidade.
De acordo com Wunenburger (2007, p.49), os mitos, compartilhados pelos narradores
orais, são renovados permanentemente e, no exercício da escritura, são literalizados, seus
conteúdos são transfigurados, evidenciando sua perenização. Na passagem do mito tradicional
para o mito literário, há processos de releitura, entre os quais a “bricolagem” (a reorganização
da arquitetura narrativa, de forma que o mito seja decomposto e recomposto sob nova
perspectiva, ou ainda a “transfiguração barroca”(WUNENBURGER,2007, p.50), em que
“uma formação mítica se vê transformada por uma reescritura lúdica que atua por meio de
inversões, de paródias, ou de aparências”(WUNENBURGER,2007, p.50) – ambos processos
intencionalmente presentes nas obras analisadas neste ensaio.
Cumpre assinalar, na esteira do referido autor:

Trata-se então não de um retorno do mito, como se tratasse tão somente de


adaptar um mito antigo às condições de sensibilidade ou de inteligibilidade
atuais,mas de um retorno ao mito com uma intenção ficcional. O novo texto
do mito é então obtido por procedimentos controlados de ajustes, de
sobreposição, de miscigenação, de entrecruzamentos intertextuais[...], que
com frequência não são destituídos, por seu turno, de humor, de ironia ou se
sentido paródico. (WUNEMBURGER, 2007, p.51)

Essa rede imaginária de textos e contextos que se entrama na forma jogo literário
convida-nos a retecer percursos da memória e a providenciar caminhos para o futuro. Nas
palavras de Saramago: “o sonho é um prestidigitador hábil, muda a proporção das coisas e as
suas distâncias, separa as pessoas, e elas estão juntas, reúne-as”. (SARAMAGO, 1998, p.50).
E a matéria imaginária que compõe a literatura é de natureza onírica. Saramago organiza as
duas narrativas com mitos que vão sendo semantizados para compor um imaginário social e
político que lhe traduz o sonho diurno. Conforme Benjamin Abdala Junior, em De Vôos e
Ilhas (2003, p. 18), inspirado em Ernst Bloch: “é o sonho de quem procura novos horizontes
[...] Essa atitude é mais adequada do que o sonho noturno, que teima obsessivamente em olhar
para trás, melancolicamente contemplando as ruínas”.

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As situações dramáticas apresentadas compõem-se como uma constelação de imagens


que se orientam para a ideia de um deslocamento sobre si mesmo, uma procura cega por outro
lugar sem que se percam os fios que conectam ao aqui e ao agora. Cada obra traz imagens
novas, mas retecidas pelo mesmo fio articulador.
Nos textos em análise, mostram-se mais personagens e menos ação, evidenciando um
olhar bastante atento de Saramago ao humano e à construção de relações de humanidade.
O imaginário do autor compõe-se com uma gramática poética, de complexa textura e
aguda criatividade, que traz, associada ao motivo da viagem, a imagem do labirinto. Sua
sintaxe de metáforas constitui um diagrama que orienta sentidos e dialeticamente não sentidos
da experiência humana. Como sistema complexo de imagens, possui forma e força criativa
não apenas para refletir a vida real, mas também para nela criar ressonâncias. Semelhante a
um tecido de imagens que dinamiza a vida individual e coletiva, o imaginário se revela como
um sistema aberto e ao mesmo tempo como fonte criadora e recriadora de sentidos. Para
lembrar Bachelard, o imaginário opera com representações dotadas de poder de significação e
de transformação.
Outro ponto de conjunção das duas obras é a presença do fantástico como categoria
(ROAS, 2014, p.8), como um modo de expressão, um propósito estético, “um discurso em
constante relação com esse outro discurso que é a realidade, entendida sempre como
construção social”.
A presença desse recurso leva o leitor a experimentar inquietação, uma vez que lhe
falta a coerência dos sentidos. Essa inquietação diante do sobrenatural desestabiliza relações
sólidas e pouco questionadas e introduz novas possibilidades de realização. O fantástico,
embora não sobreviva sem o sobrenatural, alimenta-se do real, cria espaço similar ao habitado
pelo leitor e este espaço é invadido por um fenômeno desestabilizador – ameaça para a
realidade, para a estabilidade e solidez que aparenta ter a realidade – e, nesse sentido, instaura
algo de profundamente realista: o fato de que nenhuma realidade é sólida e imutável. “A
narrativa fantástica põe o leitor diante do sobrenatural, mas não como evasão, e sim, muito
pelo contrário, para interrogá-lo e fazê-lo perder a segurança diante do mundo real ”(ROAS,
2014, p.31).
A intromissão do fantástico na narrativa cria, também, intencionalmente, rupturas com
o modo realista como as crônicas de viagem tomavam corpo – gênero com o qual também as
obras fazem diálogo, uma vez que foram permanentemente usadas nas comunicações

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coloniais. O tensionamento entre os elementos de realidade e de invenção vai aos poucos


traduzindo a experiência subjetiva do autor e compartilhada com o leitor na busca indelével
de novas referências a partir da intromissão do fantástico e a necessária reinvenção do olhar.
É fato que o uso dessa categoria dá força ao projeto estético do autor e é um dos sinais
de sua consciência de linguagem. Aliás, essa expressão consciente revela-se tanto no plano da
forma quanto no do conteúdo, tangenciando muitas escolhas simbólicas que compõem o
imaginário do autor e de seu tempo, o tom irônico do narrador, as rupturas gramaticais que
realiza, entre outras opções intencionais que qualificam a produção estética de um texto,
inclusive vislumbrando seu possível leitor.
Sabe-se que, em diferentes sociedades e contextos históricos, há tipos específicos de
leitores. Na contemporaneidade, destaca-se um leitor assemelhado a Teseu, que precisa
escolher caminhos para chegar ao Minotauro para, depois, sair do labirinto. Diante da
multiplicidade de portas, é preciso puxar o fio de Ariadne para vislumbrar saídas.
No caso de obras hipertextuais, como as de Saramago aqui analisadas, fica sob a tutela
do leitor a realização da obra, em face de um labirinto de possibilidades. Por suas múltiplas e
ambíguas relações, a forma labiríntica permite representar, lembrando Bakhtin (2003), uma
verdade que tem sempre uma expressão polifônica.
Para Rosenstiehl (1988, p.252-3), há traços definidores do labirinto: o convite à
exploração e a capacidade de voltar a pontos percorridos para obter alguma segurança; a
exploração sem um mapa previamente elaborado, uma vez que não se tem a visão global; a
exigência de uma inteligência astuciosa para que se prossiga e progrida sem cair em
armadilhas, permanecendo em constantes circunvoluções. As obras de Saramago aqui
discutidas reiteram esse dinamismo, o plano do conteúdo é estritamente coerente com o plano
da expressão: autor, obra e leitor compartilham do mesmo desígnio – a circum-navegação.
Como um entrelugar imaginário em que conflui o lúdico e o lúcido, aberto ao
percurso-navegação, o hipertexto-labirinto se oferece ao leitor como desafio capaz de projetar,
em novas paragens, relações do homem com o mundo e com outro. Esse efeito de
deslocamento propiciado pelo jogo artístico da linguagem – imagens ação – sugerem, a partir
das obras analisadas, a re-escritura de uma nova épica tecida pela ruptura e alimentada pelo
desejo de um novo modo de estar vivo e de poder conviver.

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Nas duas narrativas, figura a viagem tomada também como escrita da viagem. A
escrita torna-se pretexto para a busca da identidade – uma espécie de odisseia interna, como
expansão do império interior.
A escrita da viagem é metáfora escolhida para um novo encontro: do autor com o
leitor. Ela atualiza o sujeito no seu permanente movimento de formação e de reformulações na
busca de um lugar cultural. Conforme Hatoum:

A identidade não deve ser uma adesão passiva ao real com que fomos
enformados. Forma compacta, o estereótipo é uma fábrica de convenções,
um antídoto contra a invenção. Nesse sentido, a identidade é uma busca.
Para um escritor, essa busca se perde em um labirinto de vivências e
experiências, mediado pelo aparato da linguagem.[...] (HATOUM, 1994,
p.77).

A escrita da viagem é navegação, como gesto humanizador por excelência, escrita


enigmática da vida e para a vida nos seus trânsitos e desígnios. Memória e porvir que fazem
renovar o homem no seu percurso iniciatório pelos labirintos das formas sígnicas.
A língua portuguesa é a possibilidade de expressão do gesto transfigurador e
decifrador de novas paisagens por parte desse escritor lusitano. Nessa nova cartografia
imaginária, a imagem-ação traduz-se como pátria líquida, jangada que se move à deriva da
imaginação, barco-ventre que navega na extensão infinita dos possíveis e projeta, na fluidez
das águas, o olhar ilimitado para novas navegações. Eis a dimensão metapoética e mitopoética
da arte da escrita de Saramago.

Considerações finais
Distintas marcas históricas singularizam as formas artísticas, as várias migrações e
reinvenções de imagens, concepções e estruturas que se afirmam como metáforas para
formulação de conceitos estéticos. Os espaços textuais, ao se retecerem em fluxos operativos,
convocam a participação do leitor para complementar o diagrama de significações delineado
pelo autor.
Saramago, em seu criativo projeto estético e político, revela profunda consciência de
linguagem, reinventando imaginários e incitando reflexões sobre a importância dos laços de
afeto em resistência às severas forças do discurso hegemônico, construindo esteticamente um
novo imaginário.

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Esse sistema organizador de experiências tecido em rede de imagens que se


expressam em matéria metafórica singulariza o estilo e o contexto histórico-cultural do
escritor, realizando intenções.
Ao perscrutar as constantes semânticas que permitem aglutinar os conteúdos oníricos
das obras – recurso metodológico favorecido pelos estudos comparados – salta à percepção o
motivo da viagem, traduzida aqui como aventura da humana aprendizagem a realizar-se tanto
no corpo inextrincável do texto, quanto nos fluxos labirínticos da existência.
Como forma cifrada de manifestação humana, ato simbólico, por excelência, de
expressão do imaginário, a literatura revela-se lugar de memória de onde se enseja ponderar
sobre a condição humana e seus possíveis.

REFERÊNCIAS

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Editorial, 2003.
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ARAUJO, Alberto F.; BAPTISTA, Fernando P. Variações sobre o imaginário: domínios,


teorizações, práticas hermenêuticas. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Editora Forense-


Universitária, 2003.

BORGES, J. L. Sete noites. São Paulo: Max Limonad, 1983.

CANDIDO, A. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre o azul, 2006.


_____. Formação da literatura brasileira. 8.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997. v.1.

CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. São Paulo: Ática, 2006.


_____ (org.). Literatura comparada no mundo: questões e métodos. Porto Alegre:
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CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Allain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos,


costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Trad. Vera da Costa e Silva et al. 10. ed.
Rio de Janeiro: José Olympio,1996.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Trad. Hélder Godinho.


São Paulo: Martins Fontes, 1997.
_____. A Imaginação simbólica. Lisboa: Edições 70, 1993.
_____. Campos do Imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.

HATOUM, M. Literatura e identidade nacional. In: Remate de males. Campinas, v.14,1984.

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MACHADO, Álvaro Manuel; PAGEAUX, Daniel-Henry. Literatura portuguesa, literatura


comparada e Teoria Literária. Lisboa: Edições 70, 1981.

MAFFESOLI, Michel. Notas sobre a pós-modernidade: o lugar faz o elo. Rio de Janeiro:
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MORIN, E. O paradigma Perdido. Portugal: Europa-America, 1999.

ROSENSTIEHL, P. Labirinto. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa nacional, v.13,1988.

ROAS, David. A ameaça do fantástico. São Paulo: Unesp, 2014.

SARAMAGO, J. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_____. A jangada de pedra. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

WUNENBURGER, Jean-Jacques. O Imaginário. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

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