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LUCAS QUINELATO CAVALCANTE

A ARTE NA FACE: UM ESTUDO HISTÓRICO SOBRE AS PINTURAS CORPORAIS DOS


MBAYÁ-GUAIKURUS E SUAS REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS

A ARTE NA FACE: UM ESTUDO HISTÓRICO SOBRE AS PINTURAS CORPORAIS DOS


MBAYÁ-GUAIKURUS E SUAS REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS

O objetivo deste estudo é fazer uma análise histórica das pinturas Mbayá-Guaicurus, entendendo
como a arte da pintura em corpos, se relaciona com questões de hierarquização, religião, casta,
misticismo e formação de sociedade.

Os Kadiwéus é a última tribo remanescente dos povos da língua Guaikuru, índios do grupo Mbayá,
que também podem ser chamados de Mbayá-Guaikurus. São conhecidos no Brasil por serem os índios
cavaleiros, agregando a prática equine a sua cultura por volta do século XVI, domesticando os cavalos
trazidos pelos colonizadores espanhóis. Contudo, os povos Guaikurus sempre tiveram uma relação de
hostilidade com os colonizadores, pois os pilares da formação social Guaikuru, estão fundados na guerra
de domínio e na subjugação de outros povos indígenas. Como estratégia económica e de sobrevivência,
saqueavam aldeias na região dos Chacos (pantanal do Mato Grosso do Sul, Paraguai e Bolívia) e
capturavam mulheres e crianças para serem seus cativos, cativos esses que trabalhavam como
escravos em atividades extenuantes, como colheita e caça. A sociedade Mbayá-Guaikuru, apesar de
historicamente ser uma sociedade militar e hierarquizada, tem em paralelo uma rica arte singular feita
por mãos de nobres mulheres anciãs: as pinturas na face.

A arte Kadiwéu é singular e rica. Usada em tecidos, cerâmicas, couro, em corpos de cavalos e
corpos humanos, se destaca quando é apresentada na face, “antes de mais nada, as pinturas do rosto
conferem ao indivíduo sua dignidade de ser humano; operam a passagem da natureza à cultura, do
animal ‘estúpido’ ao homem civilizado”. (Lévi-Strauss, 1996, p.208)

Imagens tiradas do texto “O desdobramento da representação nas artes da Ásia e da América” de Lévi-Strauss, representando os motivos na seguiinte ordem:
Índios do noroeste do EUA, Kadiwéu, China Arcaica e Maoris.
Lévi-Strauss em seu texto O desdobramento da representação nas artes da Ásia e da América,
nota que a arte Kadiwéu, apesar de singular e extremamente elaborada, possui semelhanças
arquetípicas com as artes da China arcaica, dos Maori da Nova Zelândia, dos povos primitivos da
Sibéria e dos indígenas da costa noroeste dos EUA. Em sua análise estrutural, vê que essas
semelhanças não são casualidades, pois a riqueza de detalhes e simetria tem em comum algo que o
teórico denomina de: “imagem desdobrada” ou “split representation”. O split representation são imagens
cortadas ao meio, ou em dois eixos, fazendo com que a figura fique como dentro de um jogo de
espelhos, isso é, as representações artísticas possuem uma simetria aparente e nítida, como mostram
as figuras. Nesse tipo de arte o que se sobressai são os motivos, pois apesar dessa simetria lógica, os
desenhos espelhados possuem livre criação. Dos mais de quatrocentos motivos Kadiwéus recolhidos
por de Lévi-Strauss nos anos de 1935 à 1936, não foram encontrados dois iguais.

Segundo o estudo estruturalista, os motivos que se encaixam na configuração de split


representation são artes de sociedades que possuem em paralelo uma formação dualista e hierárquica,
isso é, sociedades em que a ordem é mantida através das castas. A arte representada no rosto é um
“brasão”, que apresenta a condição político/religiosa dos indivíduos. Era costume os nobres Kadiwéus
pintarem somente a testa enquanto a plebe ornava toda a face. O regime de castas garante essa
configuração social e justifica a prática da pintura. Hoje, os Kadiwéus já integrados à sociedade
brasileira não usam mais o regime de castas, como mostra o relato de uma indígena dada a Darcy
Ribeiro“[...] eu nunca precisei rachar lenha, acender fogo e apanhar água, antigamente tinha cativa prá
fazer tudo; eu só ficava era pintando o corpo, penteando o cabelo o dia todo até de noite, agora tenho
que fazer tudo”, (Ribeiro, 1980, p. 262).

Assim, a arte Kadiwéu em rostos assumi um regime de dupla exposição, pois num primeiro
momento é usada para aludir a morfologia social e hierárquica, e num segundo momento assume uma
relação “natural e recíproca, de organização ternária e assimétrica, a separação entre natureza e cultura,
animal e humano”(Duran, 2015, p.49). Em muitas tribos, a arte tem seu uso cotidiano ligada a práticas
religiosas e ritualísticas, “o sobrenatural não se destina fundamentalmente a sustentar uma ordem de
castas e de classes. O mundo das máscaras forma um panteão mais do que uma ancestralidade” (Lévi-
Strauss, 2012, p.384). Mas os Kadiwéus assim como os Maoris, atribuem a sua ancestralidade a uma
origem mística desenhada na face.

O estudo que proponho, além de analisar de maneira estrutural e histórica o uso das pinturas
corporais entre os Mbayá-Guaikurus, busca também entender o panorama histórico e fazer um paralelo
com sociedades que usam das pinturas corpórias ferramentas político/religiosa. O trabalho visa entender
também como se relaciona a arte, corpo e sociedade, analisando assim a semiótica das pinturas
aplicada ao seu plano social. A análise será feita através de registros históricos, relatos etnográficos,
biblioteca de imagem, uma possível análise de campo e é claro, com o suporte de bons teóricos e
pesquisadores que mergulharam na cultura Guaikuru e Kadiwéu: Herbert Huntington Smith, Guildo
Boggiani, Emile Rivasseau, Claude Lévi-Strauss, Darcy Ribeiro, Gleizer Ribeiro e outros.

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