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OFICINA DO
HISTORIADOR
Oficina do historiador, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 1-10, jul.-dez. 2020
e-ISSN: 2178-3748

http://dx.doi.org/10.15448/2178-3748.2020.2.37461

SEÇÃO: ARTIGOS

História e condição feminina na obra A Carne (1888),


de Júlio Ribeiro
History and female condition in the novel A Carne (1888), by Júlio Ribeiro

Joachin Azevedo Neto1 Resumo: Este artigo analisa o romance A Carne, publicado pela primeira vez em
orcid.org/0000-0001-9880-8988 1888, a partir de um diálogo entre literatura ficcional com estudos de Foucault,
joachin.azevedo@upe.br Didi-Huberman e Mary Del Priori, bem como por meio de análises da recepção
crítica da obra em determinados periódicos cariocas. Foi também realizada uma
abordagem comparativa entre A Carne e outros romances naturalistas do mesmo
Ediene Gomes da Silva1 período, com ênfase na crítica social presente nessa seara literária. O escritor
orcid.org/0000-0003-1044-0555 Júlio Ribeiro, portanto, por mais que tenha elaborado um romance repleto de
ediene_g@hotmail.com temáticas eróticas para interpretar a condição feminina, não conseguiu romper
completamente com os padrões senhoriais de sua época.
Palavras-chave: Júlio Ribeiro. Naturalismo. História das mulheres.
Abstract: This article analyzes the novel A Carne, published for the first time in
Recebido em: 26/3/2020. 1888, from a dialogue between this fictional narrative with studies by Foucault,
Aprovado em: 3/8/2020. Didi-Huberman and Mary Del Priori, as well as through analysis of the critical
Publicado em: 21/12/2020. reception of the work in certain Rio periodicals. A comparative approach was also
carried out between A Carne and other naturalistic novels from the same period,
with an emphasis on the social criticism present in this literary field. Therefore,
the writer Júlio Ribeiro, no matter how much he elaborated a novel full of erotic
themes to interpret the female condition, did not manage to completely break
with the manorial standards of his time.
Keywords: Júlio Ribeiro. Naturalism. Women’s History.

Introdução
Júlio César Ribeiro Vaughan nasceu em 10 de abril de 1845, na cidade
de Sabará, Minas Gerais. Tornou-se jornalista e gramático, fundou três
jornais que não obtiveram sucesso, além de ser colaborador em outros
periódicos, nos quais divulgava suas ideias republicanas e anticlericais
que eram vistas como afronta à igreja. Publicou seus dois romances Padre
Belchior de Pontes, escrito em dois volumes (1876-1877) e A Carne (1888).
Esse último causou uma grande polêmica de cunho moral e religioso. A
obra acabou sendo classificada pelos críticos como um texto obsceno
e próprio da baixa literatura.
Durante toda a sua carreira, Ribeiro dividiu opiniões entre críticos e
admiradores de suas obras. Publicada em 1881, a Gramática portuguesa é
considerada uma das suas criações intelectuais mais relevantes. O estudo
foi motivo de elogios entre grandes autores e filólogos da época, como
Artigo está licenciado sob forma de uma licença
Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
retrata o seguinte trecho, retirado do artigo de Valentim Magalhaes. No

1
 Universidade de Pernambuco (UPE), Petrolina, PE, Brasil.
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texto, publicado no periódico carioca A Semana, Em 1885, rebateu críticas contra a sua obra que
em 1885, Magalhães destacou o possível reco- foram publicadas no Diário Mercantil no mesmo
nhecimento internacional dessa obra e fez uma ano. Em coluna intitulada “Cartas Sertanejas”,
verdadeira apologética de seu autor: desafiou tanto grupos políticos monarquistas, afir-
mando a sua adesão às ideias republicanas, bem
A outra obra de Julio Ribeiro, que lhe fez so-
lida e respeitável a reputação de estudioso e como confrontou o público leitor do periódico ao
reformador é a sua estimadissima Grammatica, defender seu estilo próprio de escrita:
que em Portugual como no Brazil, é conside-
rada a mais scientifica e racional em face dos
Escrevo para satisfazer minha própria activi-
actuaes progressos da glottica e dos estudos
dade, e não para agradar ao público. Se achar
antrophologicos e linguísticos, e talvez sem
quem pense como eu penso, muito bem: terei
pár em ambos os países.
companheiro. Se não, ficarei só. Não há nisso
[...] mal: de ha muito habituei-me a não contar
com os favores da opinião, e a procura em
Era de um homem d’esses que estávamos mim próprio a approvação dos meus actos
sentindo falta. De um observador recto e (RIBEIRO, 1885, p. 7).
inabalável, imparcial e sereno, de um critico
independente e libérrimo, sem gargalheiras
partidárias nem atilhos de pequeninas conve- Entretanto, A Carne, publicado em 1888, é a sua
niências; de um corajoso até a insolencia, de
um justo até a crueldade, de um sincero até a obra de maior repercussão e a que lhe rendeu
grosseria; de um escritor que escrevesse por severas críticas de autores como José Verissimo,
civismo – é que de há muito necessitávamos
(MAGALHÃES, 1885, p. 2). Rocha Pombo e o padre Senna Freitas. O citado
pároco foi pivô de um intenso debate público
No que corresponde à carreira de jornalista sobre moral com o escritor. Essa rusga acabou
na imprensa, Júlio Ribeiro ganhou notoriedade resultando na publicação, em 1934, de uma pós-
devido aos comentários irônicos e combativos tuma antologia de textos intitulada Uma polêmica
que tecia. O autor de A Carne expressou a sua célebre. Essa compilação foi analisada pela his-
opinião através de críticas e de polêmicas, por toriadora Célia Silveira, no artigo “Fama e infâmia:
meio de um estilo de escrita ferino. Recurso retó- leituras do romance A carne”. Segundo a autora, o
rico usado para dar a impressão, entre os leitores, embate entre Ribeiro e Senna Freitas vai além do
de que pouco se importava com a recepção de campo literário e se trata de um conflito de visões
seus artigos. Com uma linguagem direta e até sobre as ligações entre religiosidade e princípios
considerada ofensiva, Ribeiro conquistou fãs que éticos. A obra reúne os artigos publicados pelos
admiravam sua coragem e conhecimento aca- autores na imprensa da época. Nesses artigos, o
dêmico, mas também agremiou grandes críticos Padre Senna Freitas intitula o livro de Ribeiro de
no campo profissional e pessoal. Segundo ilustra A Carniça. Em resposta, Ribeiro publica uma série
o jornal O Mercantil, em publicação anônima de de artigos com o título “O urubu: Senna Freitas”.
1890, o romancista era tido como um sujeito Ainda conforme destaca Célia Silveira:
extremamente desagradável: “E eram artigos
O ponto nodal da polêmica situou-se no plano
violentos os que lhe atirava ao público, cheios da moral, com a acusação de que Ribeiro co-
quase sempre de um vocabulário terrível, que locava no mesmo patamar os sentimentos dos
homens e as necessidades do mundo animal.
traduzia todo o seu ódio e caracterisavá o seu Senna Freitas, “boquiaberto com tal imprudên-
espirito por demais vingativo” (JÚLIO, 1890, p. 1). cia de Júlio Ribeiro”, observou que, em A Carne,
o “amor é cio, e nada mais”. O padre português
Por outro viés, muitos o admiraram enquanto se escandalizou sobretudo porque a conduta da
uma personalidade magnética de seu tempo. Vir- protagonista do romance é considerada natural
pelo autor (SILVEIRA, 2010, p. 197).
tudes como a sua independência de pensamentos
e comportamentos eram evocadas por comenta-
O romance A Carne, portanto, foi classificado
dores de diversos matizes. Considerado polêmico
pela crítica literária como uma obra pertencente
e destemido, Ribeiro usa a imprensa para reafirmar
à seara do naturalismo. Inspirado no pioneirismo
o seu posicionamento de escritor independente.
Joachin Azevedo Neto • Ediene Gomes da Silva
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de Zola, essa escola artística busca retratar a O conhecimento intelectual e a condição finan-
condição humana a partir das concepções cien- ceira foram fatores importantes na construção
tíficas, típicas do século XIX, de factualidade e da consciência de si da personagem. Lenita não
situação típica. Ou seja, os escritores adeptos encontrava razões para casar-se, contrariando as
dessa vertente estética acreditavam estar imunes convenções sociais da época.
às tentações do estilo romântico que primava Seu pai passou a se sentir culpado por ter ofe-
pela criação ficcional de personagens exóticas e recido um alto grau de instrução para a moça, pois
enredos inverossímeis. O crítico Alfredo Bosi, em estava convicto de que essa era a causa da rejeição
História concisa da literatura brasileira, adverte da hipótese do casamento por parte de Lenita:
para as contradições que encontra em sua leitura
Lopes Mattoso ia despedindo os pretendentes
dessa tendência narrativa: “a procura do típico com grandes affectaçôes de magua — que
leva, às vezes, o romancista ao caso e, daí, ao a menina não queria casar, que era uma ori-
ginal, que elle bem a aconselhava, mas que
patológico” (BOSI, 2006, p. 171) Na sua opinião, o era trabalho baldado, mil cousas emfim que
naturalismo, portanto, preservou uma sobrevida suavisassem a repuisa (RIBEIRO, 1888, p. 5).
do romantismo ao “perscrutar o excepcional, o
feio, o grotesco”, considerando ainda que “esse Lenita chegou aos vinte e dois anos conser-
comprazimento em descrever situações, hábi- vando o mesmo pensamento. Entretanto, a morte
tos e seres anômalos tem um lastro na cultura de seu pai lhe causou profundo abalo emocional.
ocidental que transcende as divisões da história Solteira e órfã, foi acolhida na fazenda de um
literária” (2006, p. 172). antigo amigo da família: o coronel Barbosa. Foi
nessa localidade que a moça apresentou sinto-
Condição feminina e naturalismo mas que despertaram a preocupação de todos ali
residentes: indisposição, surtos nervosos, gritos
Em linhas gerais, os autores naturalistas de-
e falta de ar. O que lhe ocasionou frequentes
ram preferência em ambientar as suas tramas
internações hospitalares.
ficcionais em contextos urbanos e em um tipo
Ao longo da narrativa, é possível identificar
de postura técnica e “neutra” em face do destino
trechos nos quais a personagem passa por um
das personagens. A pretensa indiferença dos
processo de transformação pessoal. Se antes foi
naturalistas diante dos mais diversos dramas
dotada de razão e autocontrole, Lenita passa a
enfrentados por toda sorte de criaturas, que en-
agir como uma mulher irracional que não domi-
carnavam arquétipos, como o rico falido; a moça
na os seus desejos. O narrador de A Carne não
ambiciosa e interiorana; o português lascivo; ou
faz distinções entre a confusão de sentimentos,
a negra sensual, por exemplo, tem fortes impli-
traço típico do comportamento humano, com
cações históricas. Trata-se de uma performance
os instintos dos animais: “sentia-se ferida pelo
narrativa que visa atestar a impotência desses
aguilhão da carne, espolinhar-se nas concupis-
artistas diante de forças sociais deterministas e
cências do cio, como uma negra boçal, como uma
implacáveis: filosofia oficial que vigorou não ape-
cabra, como um animal qualquer... era a suprema
nas em escolas literárias, mas também no âmbito
humilhação” (RIBEIRO, 1888, p. 18). Nesse con-
acadêmico em todo o Ocidente, de meados do
texto, a protagonista do romance descobre a sua
século XIX até período bem recente.
sexualidade a partir de alucinações, inquietações
O romance A Carne apresenta, portanto, como
físicas e psicológicas que a conduziam a cons-
protagonista Helena Matoso, conhecida por to-
tantes desmaios e convulsões. Essa sexualidade
dos como Lenita: uma bela jovem, educada com
aflorada, exposta e clinicada, foi tida, por médicos
esmero pelo seu pai. Fato que a fez nutrir grande
e tutores, como sintomas de doença, loucura e
interesse pelas ciências, diferenciando-se de
necessidade de casar-se.
outras moças da vizinhança, para as quais a maior
O filósofo Michel Foucault, no primeiro volu-
preocupação era conseguir um bom casamento.
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me da obra História da sexualidade, intitulado “A em espetáculo clínico, com imagens e legendas


vontade de saber”, analisou como uma série de para as diferentes formas das crises: convulsões,
discursos médicos, eugenistas e higienistas, pro- letargia, delírios, contrações musculares, delírios
duzidos no século XIX, foram usados não apenas etc. A inegável plasticidade fotográfica do traba-
para estabelecer verdades científicas em torno lho de Charcot contribuiu para a disseminação
do sexo, mas também para disciplinar a prática da representação nosológica do grande ataque
no contexto de consolidação das sociedades histérico. Essas imagens clínicas foram interpre-
industriais. A ideia de atividade sexual saudável tadas por diferentes artistas como sintomas não
foi gradativamente associada à finalidade repro- de uma patologia, mas de experiências místicas
dutiva. Escolhas e condutas sexuais fora desse (DIDI-HUBERMAN, 2007).
padrão normativo foram consideradas patologias Lenita é caracterizada como uma personagem
que ameaçavam a integridade da saúde e moral histérica e desequilibrada, no começo do enredo
públicas. Sobretudo, das mulheres. de A Carne. Torna-se maldosa e se compraz ao tor-
Ainda de acordo com Foucault (1988, p. 66-67), turar animais, castigar e assistir castigos que eram
a burguesia europeia construiu um discurso de aplicados aos escravos da fazenda. A personagem
poder, estabelecido como verdade, que atrelou a passa a apreciar a sensação de se sentir senhora
sexualidade aos conceitos de pecado, sujidade, do sofrimento alheio. A mesma tinha instantes de
patologia, desvio, interdito, tabu, vergonha etc. reflexões sobre as suas atitudes e o seu corpo,
Esse discurso atendeu aos interesses de grupos chegando a acreditar que estava doente:
sociais privilegiados, ligados a instituições médi-
Analysava a crise hysterica, o erotismo, ocesso
cas e religiosas, interessados na repressão do as- de crueldade que tivera. Estudava o seu aba-
sunto como forma de controle coletivo. Em meio timento actual irritadiço, dissolvente, cortado
de desejos inexplicaveis. Surprehendia-se
a esse panorama histórico, a sexualidade passou amiudadas vezes a pensar sem o querer no filho
a ser um tema sobre o qual não se deveria falar do coronel, nesse homem jâ maduro, casado,
a quem nunca v i r a; sentia que lhe pulsava
abertamente para não estimular a curiosidade. apressado o coraçâo quando fallavam nelle
O comportamento sexual dos indivíduos passa a em sua presença. ‘E concluia que aquillo era
um estado pathologico, que a minava um mal
ser algo que deve ser clinicado por médicos ou sem cura (RIBEIRO, 1888, p. 54).
confessado aos padres pelos penitentes. De um
lado, discursos científicos alertavam as pessoas Quando Manoel, filho do coronel Barbosa,
sobre uma série de doenças associadas ao des- chega na fazenda do pai para ali morar e superar
regramento sexual e, de outro, a Igreja elenca a o recente divórcio, Lenita se decepcionou ao de-
castidade como uma grande virtude espiritual. parar-se com um homem ríspido, frio e que não
Sendo assim, classificar e clinicar a histeria lhe deu a atenção esperada. Diante da situação
feminina foi um grande desafio para a medicina inesperada, a jovem conclui que não havia razão
de fins do século XIX. Foi Charcot, enquanto em tentar seduzir um homem que não lhe tratou
psiquiatra do hospital parisiense da Salpêtrière, de maneira gentil e mostrou-se indiferente. Como
a partir de 1862, e depois como professor de resposta, Lenita cogita adotar um estilo de vida
anatomia patológica, em 1872, que criou registros completamente hedonista:
fotográficos de pacientes histéricas e diferenciou
essa enfermidade da epilepsia. O citado médico Si era a necessidade organica, genesica de um
homem que a torturava, porque não escolher de
francês e seus discípulos criaram um verdadeiro entre mil prócos um marido forte, nervoso, po-
catálogo de diferentes formas de histeria a partir tente, capaz de satisfaze-la, capaz de sacia-la?

da observação de várias pacientes que foram E si um lhe não bastasse porque não concul-
car preconceitos ridiculos, porque não tomar
submetidas a uma série de usos teatrais do corpo, dez, vinte, cem amantes, que lhe matassem
a pose, para a máquina fotográfica. Esses arqui- o desejo, que lhe fatigassem o organismo?
vos visuais da histeria transformaram a doença
Joachin Azevedo Neto • Ediene Gomes da Silva
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Que lhe importava a ella a sociedade e as suas A narrativa ousada e detalhada chocou o pú-
estupidas convenções de moral? (RIBEIRO,
1888, p. 62). blico e foi tema de intensas discursões entre
críticos literários, leitores e estudiosos que apon-
Em várias passagens da obra, Lenita reflete tavam a obra como uma crítica de Júlio Ribeiro
sobre a sua condição social privilegiada e pla- à sociedade brasileira do século XIX. O escritor
neja formas de se satisfazer sexualmente sem teve, portanto, o intuito de contestar a tradição
nenhum compromisso. A personagem estava religiosa e moral que tratava a sexualidade femi-
consciente que era diferente das outras mulheres nina como algo destinado apenas à reprodução e
que conheceu. A aceitação ou a rejeição de um ao instinto materno. Helena Matoso representa a
indivíduo condiziam com regras impostas por uma imagem literária de uma mulher desinibida, elitis-
elite sem nenhuma justificativa plausível, mas por ta, dona de seu corpo e de ideias vanguardistas
pura convenção social. Sendo assim, Lenita “teria em meio a um tórrido e proibido caso amoroso.
amantes, porque não? Que lhe importavam a ella Porém, temáticas abordadas por Ribeiro como
as murmurações, os dizquedizques da socieda- o sexo fora do casamento, os desejos eróticos,
de brazileira, hypocrita, maldizente. Era moça, o amor livre e, principalmente, a histeria como
sensual, rica — gosava. Escandalizavam-se, pois traço comportamental patológico dessa mulher
que se escandalizassem” (RIBEIRO, 1888, p. 65). acaba reforçando um determinismo que endossa
A trama romanesca ganha um novo senti- estigmas e estereótipos femininos.
do na medida que a personagem consegue se A historiadora Mary Del Priore, em História das
aproximar de Manoel Barbosa e, lentamente, vai Mulheres no Brasil, esclarece que, em fins do sé-
se construindo uma relação também de afeição culo XIX, a representação literária de personagens
entre o casal de amantes. Lenita identifica tra- femininas com comportamentos patológicos, mo-
ços protetores no comportamento de Manuel, tivados pela descoberta da sexualidade, era um
ao passo que ele se encanta pela consistente tema comum e tinha a finalidade pedagógica de
formação intelectual da moça. Entre encontros legitimar discursos clínicos sobre determinadas
fortuitos, passeios e conversas, os dois partilham condutas sociais. A medicina da época caracterizou
da paixão em comum pelas teorias darwinistas a histeria como sintoma típico de suposta fragili-
e as mais recentes descobertas científicas. No dade psicológica das mulheres. A erotomania era
entanto, Manoel tentava sempre reprimir o afeto considerada uma doença que atingia os nervos e
que desenvolveu por Helena, pois julgou impos- os sentidos das mulheres, retirando a autonomia
sível assumir uma relação amorosa entre ele, um sobre seus corpos e pensamentos. A solução,
homem bem mais velho e agora divorciado, com portanto, defendida por vários médicos, higienistas,
uma jovem que tinha idade para ser sua filha. magistrados e formadores de opinião é que essas
Lenita acaba obcecada por Manoel, chegan- mulheres precisavam ser amparadas pela institui-
do a ter delírios eróticos quando tinha contato ção do casamento. Segundo a autora: “em geral,
com ou sentia seu cheiro. Quando entra pela as personagens histéricas são enfermas, órfãs de
primeira vez no quarto do amante, a moça entra mãe, e é sugerido que a causa da enfermidade é
em um estado de êxtase ao sentir o odor dele a quebra do quadro familiar. A cura está no casa-
no travesseiro: mento, na procriação, na aceitação das normas
institucionalizadas” (DEL PRIORE, 2004, p. 359).
Sentia quase o mesmo que sentira na noite Na verdade, a temática do casamento também
de hallucinação com o gladiador, um prazer
mordente, delirante, atroz, com extranhas re- é figurada nas páginas do romance. Lenita, sem-
percussões sympathicas, mas incompleto, pre por meio de posturas audaciosas, revela os
falho. Trincou nos dentes a cambraia da fronha,
gemendo, ganindo em contrações espasmó- seus sentimentos para o cúmplice. A confissão
dicas (RIBEIRO, 1888, p. 85). da moça despertou em Manoel reflexões críticas
sobre a definição de matrimônio. Porém, o per-
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sonagem teme os julgamentos e perseguições relação por ser dar conta de que não o amava.
que sofreria caso decidisse casar-se com Lenita: Após descobrir estar grávida, Lenita abandona a
fazenda e vai para São Paulo em busca de um pai
Casar com Lenita não podia, era casado. Toma-
la por amante? Certo que não. Preconceitos para seu filho. A moça assume o protagonismo
intimos não os tinha: para elle o casamento era final do romance, ao buscar uma solução que lhe
uma instituição egoistica, hypocrita, profun-
damente immoral, soberanamente estupida. permitisse tocar a vida sem precisar lidar com
Todavia era uma instituição velha de milhares a pecha de mãe solteira. Manoel Barbosa julga
de annos, e nada mais perigoso do que arrostar,
contrariar de chofre as velhas instituições: ellas Lenita e sente profunda tristeza quando desco-
hão de cahir, sim, mas com o tempo, com a bre que outro homem estava criando o seu filho.
mesma lentidão com que se formaram, e não
de chofre, como um relampago. A sociedade Embora tenha esboçado uma crítica dos cos-
estigmatizava o amor livre, o amor fora do tumes de toda uma época e buscado colocar a
casamento; força era acceitar o decreto anti-
natural da sociedade (RIBEIRO, 1888, p. 87-88). protagonista Lenita em uma condição favorável,
ao fim do enredo ficcional que abordou um tór-
O casamento é avaliado por Manoel como rido e clandestino romance, Júlio Ribeiro acaba
imposição de uma instituição demagoga e respal- reforçando padrões normativos e conservadores
dada pela hipocrisia da sociedade ocidental. No típicos de seu tempo. Em sociedades patriarcais,
entanto, o personagem acaba coadunando com o casamento é visto como essencial para manu-
as convenções que critica ao desistir de enfrentar tenção da ordem social, religiosa, de uma família
a moral dominante para não perder o prestígio ideal, garantia de estabilidade e status respeitável.
que detinha em um meio social abastado. Nesse Casos extraconjugais não eram bem vistos
sentido, A Carne reforça, nesse primeiro momento publicamente por autoridades médicas, clericais
narrativo, mais ainda as prédicas românticas do e policiais. Porém, nos bastidores da vida privada,
período que associavam o homem com o con- relações clandestinas, em geral com prostitutas,
trole das emoções e o domínio da racionalidade, eram consideradas um paliativo para aplacar a
bem como reservavam para a mulher o fardo luxúria e os instintos supostamente naturais dos
da intempestividade das paixões e dos desejos. chefes e filhos da típica família burguesa brasi-
Contudo, em um segundo momento, o romance leira. Nesse universo masculino, a prostituta era
ganha caminhos inesperados ao Lenita encontrar um tipo social necessário para satisfazer desejos
antigas cartas de Manoel Barbosa para outras sexuais que as esposas não podiam realizar, pois
mulheres. Como se estivesse acordando de um a representação romântica da mulher, dissemi-
transe, Helena procura raciocinar melhor sobre o nada na época, postulava que a principal função
seu próprio comportamento. A decepção lhe cau- da mulher casada era cuidar da casa, do esposo
sou arrependimento de suas ações e a mudança e dos filhos, devendo sempre agir de modo ele-
de suas opiniões acerca das convenções sociais: gante e obediente (RAGO, 1987, p. 61-94).
A prostituta é tida como símbolo de sensu-
Amor que não tenda a santificar-se pela cons- alidade e atração sexual. Devido ao seu com-
tituição da familia, pelo casamento legal, ac-
ceito, reconhecido, honrado, não é amor é portamento tido como amoral, personifica um
bruteza animal, é desregramento de sentidos. adjetivo estigmatizador que poucas mulheres
Não, ella não amára a Barbosa, aquillo não
tinha sido amor. Procurára-o, entregára-se gostariam de receber. Conhecedora do universo
a elle por um desarranjo organico, por um sexual e dos segredos do corpo, capaz de libertar
desequilibrio de funcções, por uma nevrose
(RIBEIRO, 1888, p. 244). e satisfazer desejos íntimos, as cortesãs tinham
seu próprio padrão social de estilo. O que lhes
Em linhas gerais, Helena reage às suas emo- diferenciava perante as outras mulheres. Nessa
ções e busca controlar as rédeas de seu destino. perspectiva, a filósofa Simone Beauvoir, ao anali-
Se tinha escolhido, outrora, satisfazer as suas von- sar a condição feminina contemporânea, na obra
tades sexuais com Manoel, decide findar aquela O segundo sexo: a experiência vivida, relata que
Joachin Azevedo Neto • Ediene Gomes da Silva
História e condição feminina na obra A Carne (1888), de Júlio Ribeiro 7/10

a aparência e a conduta definiam o perfil moral O cortiço, de Aluízio de Azevedo, publicado em


da mulher na Europa do século XIX. De acordo 1890, também retratou o casamento enquanto
com esses padrões, as mulheres deveriam estar instituição destinada a garantir a manutenção
atentas para não haver um desequilíbrio entre o do status quo que vela pela postura socialmente
pudor e a sensualidade. submissa da mulher e mascara as transgressões
Para a autora, seguir esse imperativo era funda- que aconteciam nos bastidores da vida familiar.
mental para uma mulher ser considerada honesta Azevedo representou a vida urbana no Brasil de
e pertencente ao seio familiar: fim de século apontando o homem como produto
do meio em que vive, denunciando contrastes
Somente a prostituta, cuja função é exclusiva-
mente a de um objeto erótico, deve manifestar-se econômicos, tratando da miscigenação racial,
sob esse aspecto único; como outrora, os cabelos cultural e evidenciando a luta dos indivíduos
côr de açafrão e as flores do vestido, boje os
saltos altos, os cetins colantes, a maquilagem para ascender de classe e, assim, conseguirem
violenta, os perfumes pesados anunciam-lhe a reconhecimento social. Ao apresentar um enredo
profissão. A qualquer outra mulher censuram-lhe
“vestir-se como uma puta”. Suas virtudes eróticas que configura dramas amorosos, mentiras, traição
acham-se integradas na vida social e não devem e promiscuidade, a condição feminina é tema
apresentar-se senão sob esse aspecto bem
comportado (BEAUVOIR, 1967, p. 298). recorrente no livro O Cortiço, conforme pode-se
perceber o seguinte trecho que se refere ao desa-
Dessa maneira, as mulheres costumam ser bafo de uma personagem insatisfeita com a vida
educadas sob a normativa de que o pudor é conjugal: “Desgraçadamente para nós, mulheres
o traço comportamental que lhes garante res- de sociedade, não podemos viver sem o esposo
peito. A mulher tida como decente não pode se quando somos casadas; de forma que tenho de
comportar de qualquer modo e está cercada de aturar o que me cahio em sorte, quer goste delle
objeções e regras que regem as suas atitudes, a quer não goste” (AZEVEDO, 1890, p. 38).
aparência e até a forma de pensar para que não Também na obra A Normalista, publicada em
se torne um mero objeto erótico. A personagem 1893, o escritor Adolfo Caminha abordou questões
Lenita é comparada a uma prostituta pela im- como o incesto, tradições familiares, gravidez fora
prensa da época por apresentar um perfil ousado, do casamento, fantasias sexuais e outros temas
entusiasmado com a experiência sexual. O Jornal considerados polêmicos. Sob a ótica regiona-
do Commercio, em edição publicada em 7 de lista, Caminha narra a história da protagonista
outubro de 1888, no Rio de Janeiro, apresenta Maria do Carmo que, chantageada, acaba violada
exagerada crítica sobre a obra A Carne: pelo padrinho João da Mata, de quem dependia
financeiramente. O ato resulta em uma gravi-
O Sr. Júlio Ribeiro tentou demonstrar a seguinte dez indesejada. Entretanto, diferente da trama
these (these aliás já muito explorada na litera-
tura): que aquela menina prodígio, de espirito consensual de Júlio Ribeiro, em A Normalista,
elevado, de cerebro ricamente mobiliado, podia a protagonista é colocada como objeto passivo
transforma-se, como se transformou, em relés
prostituta, desde que o seu organismo, desequi- do desejo de seu padrinho, que a persegue com
librado pela nevrose, sentio-se torturada pelos chantagens psicológicas e falsas promessas.
desejos carnaes (BIBLIOGRAFIA, 1888, p. 1).
Sem alternativas, a jovem cedeu às pressões do
preceptor com desprezo: “E ela não tinha remédio
Exagerada porque Lenita contornou a paixão,
senão ficar quieta, imóvel, com o olhar úmido no
foi embora grávida da fazenda de seu tutor e,
teto, abandonada às carícias sensuais daquele
mesmo assim, encontrou estabilidade social.
homem repugnante que a perseguia como um
Parece ser esse o principal detalhe da trama que
animal no cio, mas que afinal de contas era seu
surpreendeu os leitores e despertou, na imprensa,
padrinho...” (CAMINHA, 1893, p. 143).
elogios, mas também uma série de condenações
Dessa maneira, o romance de Adolfo Caminha
morais por parte de diversos comentadores.
faz uso da representação da donzela inocente
Outro romance naturalista brasileiro, intitulado
8/10 Oficina do historiador, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 1-10, jul.-dez. 2020 | e-37461

que não resiste às investidas de um homem da época ou como romance escandaloso, que
mais experiente. Após a descoberta forçada da comparava os desejos humanos ao comporta-
sexualidade, Maria do Carmo se sente culpada mento irracional dos animais. No mesmo ano de
e recorre ao isolamento social para se preservar sua publicação, o romance causou agitação na
do escândalo público que envolveu essa relação imprensa e diversos jornais publicaram notas
imprópria. Entretanto, após a morte do filho du- sobre o conteúdo do livro. Na coluna “Bibliografia”,
rante o parto, a moça encontra um pretendente publicada no Jornal do Commercio, em outubro de
disposto a casar-se com ela, ignorando seu pas- 1888, encontra-se uma análise ríspida sobre essa
sado e lhe oferecendo um futuro reconfortante obra. Ribeiro, que tem seu talento reconhecido
após tanto sofrimento. pelo jornalista anônimo, sendo considerado um
Tal desfecho se assemelha ao da personagem verdadeiro mestre da língua portuguesa, mas que
Lenita, da obra A Carne: ambas conseguem supe- falhou miseravelmente na produção do enredo
rar os dissabores de relações sexuais e afetivas naturalista de A carne: “A carne é um compendio,
clandestinas, ao encontrarem indivíduos que, pron- ou antes, uma marmota de pornographia realista;
tamente, as assumem enquanto esposas mesmo encerra em suas páginas todas, mas todos os
cientes que possuíam um passado libertino. No quadros vivos que os escriptores naturalistas tem
entanto, a aceitação da mulher na sociedade sem- inventado para dar a nota do escândalo nas suas
pre se dá partir da relação estável e sacramental obras” (BIBLIOGRAFIA, 1888, p. 1).
com um homem nessas duas narrativas. O redator sugeriu, em seu comentário, que o livro
Logo, os romances mencionados apresentam não pode ser considerado um romance ficcional. A
três narrativas que colocam em evidência a con- narrativa em questão se tratava bem mais de um
dição feminina no Brasil do século XIX a partir da apanhado das opiniões pessoais de Ribeiro sobre
temática da paixão, sexualidade e casamento. áreas como ciência, sociedade e os costumes
Temáticas exploradas em constante contato com daquela época. Sendo, portanto, um texto literário
diversos conceitos que apontam para estigmas naturalista, porém de péssima qualidade estética:
clínicos como a histeria e a loucura ou estetizam
O pessoalismo do autor da carne é excessivo,
o problema da rejeição social. Desse modo, as absorvente, absurdo, inacceitavel: substitue-se
citadas obras de Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha e aos personagens, prega, disserta ex-cathedra,
e até as cousas inanimadas ele parece querer
Aluízio Azevedo são definidas como naturalistas transmitir o seu scientifismo, o seu modo de
porque narram o comportamento humano a partir sentir e de pensa (BIBLIOGRAFIA, 1888, p. 1).
de exemplos patológicos e de uma constante
tensão entre a razão e as forças da natureza. Júlio Ribeiro teve sua vida abreviada por com-
No contexto do romance A Carne, os impulsos plicações causadas pela tuberculose. Enquanto
prevalecem sobre a razão humana, a natureza esteve enfermo, pediu que a imprensa o deixasse
e os seus mistérios regem o comportamento em paz e não buscou responder as especulações
da mulher, proporcionando coragem para viver jornalísticas sobre o seu estado de saúde. Faleceu
a experiência de entrega e satisfação de seus em 1 de novembro de 1890. Poucos dias depois,
desejos por tanto tempo guardados, mas que o jornal O Mercantil, em artigo anônimo intitulado
agora afloravam com uma intensidade classifi- “Júlio Ribeiro”, somou número em face dos peri-
cada como erótica ódicos que divulgaram notas sobre a morte do
A Carne, portanto, provocou debates acalora- escritor. O texto menciona sua trajetória literária
dos entre a sociedade letrada do Rio de Janeiro polêmica e lamenta a perda do intelectual:
do fim do século XIX. Entre a aprovação ou o repú-
A maior parte dos que o conheciam esperava
dio, essas reações contribuíram para promover a esse final agonizante e horrível em que desa-
curiosidade em torno de um livro tido como uma ppareceu Julio Ribeiro. De uma independência
absoluta, de um grande desrespeito a tudo que
merecida afronta aos costumes morais e clericais fosse convenção, de uma franqueza severa,
Joachin Azevedo Neto • Ediene Gomes da Silva
História e condição feminina na obra A Carne (1888), de Júlio Ribeiro 9/10

e por vezes brutal, elle criára inimizades em a racionalidade e integridade dos homens. Esse
toda parte, deixara mesmo em muitos sujeitos
rancorosos abafados, que não podiam irromper perigo precisa, portanto, ser afastado, disciplinado,
claramente, pelo temor que todos tinham de sanado, purificado ou mesmo silenciado. Em outras
entrar em polêmica, de se bater um instante
no jornalismo com um espirito forte como o palavras, a mulher é tida como a personificação de
d’elle (JULIO..., 1890, p. 1). um objeto erótico (BATAILLE, 1987).
O escritor Júlio Ribeiro, por mais que tenha ela-
Acumulando outras inúmeras reprovações e borado um romance repleto de temas transgres-
apologéticas, A Carne ficou marcado na história sores, assim como outros representantes da seara
da literatura brasileira como um romance con- naturalista, não conseguiu romper completamente
troverso e obsceno. Segundo Marcelo Bulhões, com os padrões senhoriais de sua época. Contudo,
na obra Leituras do desejo: o erotismo no romance a literatura erótica é quase sempre atrativa tanto
naturalista brasileiro, a citada obra de Ribeiro para o público leitor, quanto para os críticos. Esse
foi considerada abominação moral e um perigo estilo de escrita costuma agremiar vários exem-
para a formação educacional dos jovens. Porém, plos de obras que tiveram grande repercussão
fez sucesso entre o público leitor e teve várias em diferentes épocas, porque questiona os usos
edições mesmo depois da morte do escritor: do corpo humano, a sexualidade e os desejos,
temas artísticos ainda considerados ofensivos para
A carne, portanto vive de certa ambivalência,
talvez como nenhum outro romance da literatu- setores mais tradicionais da sociedade ocidental.
ra brasileira. Se na atualidade o romance é pelo Nesses termos, publicado em uma época repleta
menos admitido e incorporado aos estudos que
promovem a relação da literatura com outras de manuais de etiqueta e comportamento femini-
áreas, tais como a história, a sociologia e a no, A Carne constituiu uma relevante apologética
antropologia, na época de sua publicação foi
perseguido e, na corrente oposta, aplaudido da transgressão erótica. Porém, é preciso ainda
e exaltado (BULHÕES, 2003, p. 29). frisar que se trata sempre de uma apologética
feita do ponto de vista masculino.

Considerações finais Referências


No contexto em que Júlio Ribeiro viveu, a sexu-
AZEVEDO, Aluízio de. O Cortiço. Rio de Janeiro: Gar-
alidade deveria ser purificada pela igreja, clinicada nier, 1890.
pela medicina e vigiada pelas autoridades e famí-
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
lias. O autor abordou assuntos tidos como tabus e 43. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
ofensivos aos valores patriarcais do período, tais BULHÕES, Marcelo. Leituras do Desejo: o erotismo
como: menstruação, sexo livre, desejos carnais, no romance naturalista brasileiro. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2003.
sexo fora do casamento, divórcio, entre outros,
A Carne não deixa de ser, portanto, uma trama BATAILLE, Georges. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.

ficcional sobre uma mulher que vive seus dese- BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: a experiência
jos eróticos de forma intensa, explorando a sua vivida. 2. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.

sexualidade além do que era socialmente aceito, BIBLIOGRAFIA. Jornal do Commercio, Rio de janeiro,
ano 66, n° 280, out. de 1888.
ou seja: para além da finalidade reprodutiva.
A mulher é historicamente pensada, desde os CAMINHA, Adolfo. A Normalista. Rio de Janeiro: Ma-
galhães & C., 1893.
tempos de Eva, como a responsável pelo pecado e,
consequentemente, expulsão do homem do paraíso. DIDI-HUBERMAN, Georges. La invención de la histeria:
Charcot y la iconografia fotográfica de La Salpêtrière.
Esse estigma foi reforçado ao longo do tempo na cul- Madrid: Cátedra, 2007.
tura ocidental por diversos tratados, livros e imagens.
DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. 7.
Essa lógica coloca a condição feminina sempre em ed. São Paulo: Contexto, 2004.
um patamar de inferioridade ao status masculino, FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A von-
pois a mulher é tida como um perigo constante para tade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
10/10 Oficina do historiador, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 1-10, jul.-dez. 2020 | e-37461

MAGALHÃES, Valentim. Júlio Ribeiro. A Semana, Rio


de Janeiro, v. I, Rio de Janeiro, 1885.

JULIO Ribeiro. In: O Mercantil. São Paulo, ano VII, n°


1885, nov. de 1890.

RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cida-


de disciplinar (1890-1930). 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.

RIBEIRO, Júlio. A Carne. São Paulo: Teixeira & Irmão


Editores, 1888.

RIBEIRO, Júlio. Cartas Sertanejas. A Semana, Rio de


Janeiro, v. I, 1885.

SILVEIRA, Célia Regina de. Fama e infâmia: Leituras do


romance A carne, de Júlio Ribeiro. ArtCultura, Uber-
lândia, v. 12, n. 21, p. 195-209, jul./dez. 2010.

Joachin Azevedo Neto


Doutor em História Cultural pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, SC, Brasil;
professor da Universidade de Pernambuco (UPE), em
Petrolina, PE, Brasil.

Ediene Gomes da Silva


Graduanda em História pela Universidade de Pernam-
buco (UPE), em Petrolina, PE, Brasil.

Endereço para correspondência


Joachin Azevedo Neto/ Ediene Gomes da Silva
Universidade de Pernambuco (UPE)
Rodovia BR 203, KM 02
Vila Eduardo, 56328900
Petrolina, PE, Brasil

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