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O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO DE JUSTINO MAGALHÃES

ACERCA DA HISTÓRIA DAS INSTITUIÇÕES UNIVERSITÁRIAS


APLICADO NA PESQUISA SOBRE A RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE A
UFPE E O ARRUADO DO ENGENHO VELHO.

Autor: Lúcio Enrico Vieira Attia1


Orientadora: Aurenéa Maria de Oliveira2
Linha de Pesquisa: Teoria e História da Educação

Bom para os dois lados e justo para todos.


Maurício Peixoto3

Este resumo expandido visa apresentar a forma pela qual o referencial teórico-
metodológico de Justino Magalhães, acerca da história das instituições universitárias,
foi aplicado no processo de elaboração da pesquisa sobre a relação estabelecida entre a
Universidade Federal de Pernambuco e o Arruado do Engenho Velho.
A pesquisa em questão pretende averiguar o itinerário educativo das famílias
moradoras do Arruado do Engenho Velho da Várzea. Trata-se de uma comunidade,
nativa e histórica, de descendentes de antigos trabalhadores do Engenho do Meio, e que
vive há mais de cem anos no local. Desde que o Campus Recife começou a ser
construído passou a coabitar o território junto com a UFPE, que atualmente a cerca.
A investigação tem como objetivo verificar as permanências e mudanças na
trajetória de vida das moradoras e dos moradores do Arruado ao longo dos 70 anos da
instituição de ensino.
O problema apresentado busca refletir sobre qual o impacto que a convivência
direta e permanente entre a produção artístico-científica realizada na universidade traz
para as famílias que residem no local.
A partir do levantamento realizado, o projeto apresentou como hipótese inicial a
percepção de que as ações desenvolvidas nos processos educativos da UFPE, nos
âmbito do tripé universitário ensino-extensão-pesquisa não se relacionam, de uma
maneira geral, com os saberes construídos no Arruado; e dessa maneira, não trazem um
impacto efetivo na melhoria das condições materiais e objetivas de vida das moradoras
e dos moradores. Tal hipótese foi desenvolvida dada à quantidade mínima de
informações encontradas durante o levantamento preliminar realizado4 e também

1
Doutorando em Educação na UFPE. Mestre em Cultura e Territorialidades pela UFF. Pós-graduação
Lato Sensu em Jogos Cooperativos, e em História Social e Cultural do Brasil. Especialista em Gestão
Cultural - MBA. Graduado em Psicologia - Bacharel, Licenciado e Psicólogo. Técnico em Assuntos
Educacionais na Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPE. Contato: lucioenrico@hotmail.com
2
Aurenéa Maria de Oliveira é Pós-doutorada pela PUC Paraná. Doutora em Sociologia pela UFPE,
mestre em Ciência Política também pela UFPE e licenciada em História pela UFRPE. Professora
permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, no Núcleo de Teoria e História da
Educação.
3
Líder do Movimento de Resistência Popular Arruado do Engenho Velho da Várzea, falecido em 2015.
4
Iniciei o levantamento preliminar da pesquisa revisitando os livros que tratam da história da Várzea e da
Extensão Universitária. Nesta etapa foram também encontrados os primeiros vestígios sobre o tema na
internet. Foram coletadas produções audiovisuais e textuais na pesquisa geral do Google - incluindo todos
os mecanismos de buscas, no YOUTUBE, e ainda em redes sociais, como o Facebook e o Academia.edu.
Dentre as informações encontradas, destaco a importância do blog Um Cronist’Amador, que contém
publicações sobre o Arruado desde o ano de 2014. A página pertence a Luiz Eurico de Melo Neto,
morador do Arruado, serventuário da justiça, arquivista do Fórum da Capital. Em seguida realizei um
mapeamento em sítios de pesquisa acadêmica como o SciElo, Periódicos da Capes e o Google
porque, a partir dos exemplos coletados, as narrativas apresentam uma grande
quantidade de relatos de enfrentamento de questões que, de maneira sintética, dizem
respeito à posse da terra5, a repulsa à comunidade e ao preconceito aos moradores por
parte de alguns setores da comunidade acadêmica.
Tendo em vista que tanto a universidade quanto o Arruado possuem suas
histórias imbricadas uma na outra, comecei a me perguntar por qual motivo há
aparentemente um silenciamento, um apagamento ou pelo menos um não
reconhecimento da presença do Arruado; seja no que diz respeito à sua constituição
histórica enquanto comunidade remanescente de engenho e usina formadora da cidade6,
seja na trajetória de construção da UFPE7, ou ainda em sua valorização na atualidade
por meio de ações institucionais junto ao Arruado8.

Acadêmico. Inclui na minha busca o Repositório Institucional da UFPE. Também fiz uma consulta ao
Sistema de Gestão e Informação de Projetos do Mec/Sesu, o SIGproj e à Coordenação de Gestão
Organizacional da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da universidade, a fim de levantar informações,
ações de extensão e cultura e pesquisas realizadas, seja em âmbito interno ou externo da instituição.
5
Em 27 de maio, e também nos dias 8 e 14 de dezembro de 2016, assim como em 30 de abril de 2017,
Lula Eurico postou em seu blog a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2007, de determinar o
arquivamento de uma ação de reintegração de posse, aberta por parte da universidade, e que tramitou por
mais de uma década, tornando réus as moradoras e os moradores do Arruado do Engenho do Meio. De
acordo com o documento, a UFPE não conseguiu provar a posse anterior a dos moradores. MELO
NETO. Um cronist’Amador. Disponível em: https://euliricoeu.wordpress.com/2018/03/29/no-arruado-
tereis-aflicoes-mas-tende-bom-animo/ Acesso em: 15 de julho 2018.
6
O Arruado do Engenho Velho da Várzea é uma comunidade nativa de moradores remanescentes de um
engenho, e posteriormente de uma usina, que existiu no mesmo território onde hoje se encontra o campus
Recife da UFPE. As famílias encontram-se no mesmo local onde viveram João Fernandes Vieira e
Joaquim Amazonas, como veremos adiante. Com a saída de Maurício de Nassau desta colônia holandesa,
em 1644, João Fernandes Vieira, um dos mais importantes senhores de engenho de sua época, que
naquela altura possuía os Engenhos do Meio, São João e Santo Antônio à margem direita do Capibaribe,
e os Santos Cosme e Damião à sua margem esquerda, passa a liderar o Movimento de Restauração
Pernambucana. De acordo com MELO NETO (2018) citando as pesquisas de Levy Pereira, da UnB, que
estudou os caminhos usados pelos holandeses, no nordeste, e também de Luiz Severino da Silva Júnior,
da Univasf, que realizou um estudo específico sobre o Caminho da Várzea, desde 1625/1630, o trecho
preservado onde funcionou a sede do Engenho do Meio, depois Usina Meio da Várzea, é justamente esse
que cruza o campus Recife da UFPE; um caminho colonial de acesso à freguesia da Várzea com mais de
370 anos. Neste caminho, dentro do Arruado, encontra-se até hoje a estátua de Fernandes Vieira, um dos
líderes da vitória luso-brasileira contra o domínio holandês, contendo uma placa com os seguintes dizeres:
“Neste local existiu a casa de João Fernandes Vieira; onde em 13 de Junho de 1645 os restauradores
declararam guerra aos holandeses que ocuparam este paiz” [Grafia escrita conforme texto contido na
placa].
7
Há pouco mais de 70 anos, em 1946, era inaugurada a Universidade do Recife, no mesmo local que, de
acordo com MELO NETO (2016), era ocupado pela moenda, casa grande e canaviais. Na construção e
na inauguração da universidade, o Reitor Joaquim Amazonas (fundador e primeiro Reitor da
Universidade do Recife durante 12 anos - entre 1946 e 1959, hoje Universidade Federal de Pernambuco),
a partir das antigas relações de vizinhança, do local onde passou sua infância, permitiu que os antigos
moradores permanecessem em suas moradias. Estes antigos moradores, que foram lavradores de terras, e
com a chegada da instituição passaram a ser mestres de obras, pedreiros, atuando em sua construção,
posteriormente tornaram-se servidores públicos e trabalhadores terceirizados. Ainda de acordo com
MELO NETO (passim) Manoel Quirino, um dos moradores do local, chegou a se tornar o administrador
da construção, a convite do Reitor Joaquim Amazonas tornando-se servidor da universidade em um
período onde ainda não eram realizados concursos públicos. Manoel Quirino é considerado o primeiro
“prefeito” da UFPE. Os demais trabalhadores deixaram de serem agricultores e passam a ser pedreiros e
serventes desde o início das construções dos prédios do Centro de Filosofia e da Engenharia.
8
Da construção da universidade até os dias de hoje mais de 70 anos se passaram. De acordo com o
material coletado neste levantamento preliminar, parece-me que a principal questão do Arruado é o seu
não reconhecimento por parte da UFPE. Atualmente, segundo os conteúdos acessados, além de não terem
sua história e direitos reconhecidos, são ao contrário, perseguidos; pois algumas estratégias de
De acordo com o material coletado, o levantamento realizado encaminhou o
projeto para o desenvolvimento de uma pesquisa inovadora teórico-empírica, de análise
qualitativa, e de caráter exploratório uma vez que visa contribuir para a elucidação da
relação estabelecida entre as famílias moradoras do Arruado do Engenho Velho da
Várzea e a Universidade Federal de Pernambuco.
A investigação se justifica por tratar de um problema que surge da realidade
concreta. Do ponto vista institucional, realizar uma pesquisa sobre questões de longa
data na vida dessas pessoas (e da UFPE) pode contribuir para a resolução/diminuição de
suas dificuldades. Este é seu mérito social. Sua relevância acadêmico-institucional passa
pela ausência de pesquisas tanto no que diz respeito ao Arruado e suas famílias, como
da história da Universidade Federal de Pernambuco enquanto instituição educativa, e
pela abertura de reflexões sobre a extensão e a cultura neste sítio em específico. Já o
impacto pessoal e profissional pode ser percebido tanto na construção do conhecimento,
quanto na formulação de subsídios que contribuam para formulação de futuras políticas.
Estas características são realçadas pela minha curiosidade de conhecer a história da
universidade e pela vontade de poder contribuir profissionalmente no exercício das
atribuições de meu cargo de Técnico em Assuntos Educacionais, coordenando
mudanças nos processos político-pedagógicos da instituição, a partir da minha lotação,
na Pró-reitoria de Extensão e Cultura.
Como o título do resumo expandido busca dar a entender, a reflexão terá como
eixo central as proposições teórico-metodológicas de Justino Magalhães9 e se insere no
campo da teoria e história da educação e, em especial, da história das instituições
universitárias.
Para Justino Magalhães, a instituição educativa faz parte do campo
organizacional que consagra uma materialidade e uma funcionalidade de base
“histórica, cognitiva e linguística, edificadora das gerações vindouras” (MAGALHÃES,
1998, p. 61-62). Desta forma, pesquisar a história de uma instituição educativa é, de
fato, buscar integrá-la no quadro mais amplo do sistema educativo e em seus contextos
circunstanciais e históricos, que impactarão nas mudanças de uma comunidade ou
região, em seu território e suas zonas de influência.
Percebida sempre como organização em desenvolvimento, sua metodologia é
realizada através de um marco teórico interdisciplinar e da interpretação das fontes que
cruzam memórias, arquivos, museus etc.
Os conceitos base de seu trabalho (materialidade, representação e
apropriação10) utilizados na pesquisa de documentos, de fatos, e de sua interpretação,

sobrevivência propostas pelas moradoras e moradores, como por exemplo, tornarem-se comerciantes de
carroças de lanches dentro da universidade, têm sido expulsas de seus pontos pela guarda patrimonial.
9
Justino Magalhães é doutor em Educação. Professor catedrático da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Autor de importantes livros sobre a história da
alfabetização e sobre o ensino da história da educação. Em paralelo com sua bibliografia, o autor
produziu textos que contribuíram para a reflexão sobre a história das instituições educativas. Textos como
Um Apontamento Metodológico sobre a História das Instituições Educativas, de 1998; Breve
apontamento para a História das Instituições Educativas; e Contributo para a História das Instituições
Educativas: entre a memória e o arquivo, ambos de 1999, foram publicados em coletâneas e alcançaram
pesquisadores em Portugal e no Brasil. Com o lançamento da obra Tecendo Nexos: história das
instituições educativas, em 2004, o autor adensa e sistematiza suas reflexões reunindo no livro
posicionamentos teóricos e sugestões de metodologia para a pesquisa na área.
10
O autor propõe percebermos a correlação de forças na construção da história da instituição a partir do
que ele chama de constelações epistêmicas. A primeira de natureza objetual e substantiva, e a segunda
de natureza teórico-instrumental. A natureza objetual trata da materialidade, da representação e da
apropriação. A materialidade inclui o estudo sobre as condições materiais, os espaços, tempos, meios
didáticos e pedagógicos, programas, estrutura organizacional, de poder e de comunicação. Trata
permitem teorizar, reinterpretar, traduzir e narrar o funcionamento e a relação histórica
entre os diversos elementos materiais, humanos e culturais na instituição educativa; que
é tomada como objeto constituído em sua totalidade, em organização, e em permanente
movimento. E é exatamente este o enfoque desta pesquisa: do exercício da reflexão
crítica sobre os processos educativos constituídos ao longo dos 70 anos da UFPE na
relação com as moradoras e os moradores do Arruado do Engenho Velho, a fim de
historiografar a sua trajetória. Das condições concretas de materialidade que impuseram
um itinerário pedagógico na relação existente entre a UFPE e o Arruado. Na
representação apresentada em suas práticas discursivas nas memórias individuais e
comunitárias, assim como também em seus arquivos, na mobilização dos agentes e suas
ações. E por fim, da apropriação da aprendizagem resultante deste encontro possível
destes dois lugares, que ao mesmo tempo são um só; articulados pelo mesmo enredo.
Como de acordo com Magalhães, em sua metodologia, a própria pesquisa nos
remete à ação, esta investigação, ao transitar entre os diversos elementos materiais,
humanos e culturais na instituição educativa e, mais uma vez, ao perceber a
universidade como um organismo em movimento; espera poder contribuir com esta
reflexão, também para a criação de caminhos de mudança, onde novos níveis de
mobilização são definidos, legitimados e ganham sentido para; quem sabe, poder
facilitar a elaboração de um novo fio na construção da identidade institucional da UFPE,
(re)escrevendo seu itinerário e conferindo um sentido histórico mais feliz e coerente
para gerações vindouras.
E que seja bom para os dois lados e justo para todos.
Porque no final das contas, a proposta de Justino Magalhães aplicada nesta
pesquisa nos convida a pensar sobre qual a universidade que queremos construir.

PALAVRAS-CHAVE: História das Instituições Educativas; Universidade Federal de


Pernambuco; Arruado do Engenho Velho.

REFERÊNCIAS:

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Tecendo Nexos. História das Instituições


educativas. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2004. 178 p.

_______. O estudo das organizações educativas: novas perspectivas. In


PINTASSILGO, Luís Alberto Marques Alves Joaquim (org.) História da Educação,
fundamentos teóricos e metodologias de pesquisa: balanço da investigação portuguesa
(2005-2014). CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e
Memória. Porto. 2015. p. 11-24.

basicamente das instâncias objetivas de funcionamento da instituição. A representação engloba aspectos


referentes às memórias e aos arquivos, ao grau de mobilização e aplicação das pedagogias, currículos,
estatutos, agentes e suas ações, por exemplo. Já a apropriação refere-se às aprendizagens, ao modelo
pedagógico, ao ideário, à identidade dos sujeitos e da instituição, a seus destinos de vida. A constelação
de natureza teórico-instrumental detém-se sobre o instituído, sobre as práticas, sincroniza de maneira
multifacetada a materialidade, a representação e a apropriação na história da instituição. Seu percurso
histórico opera-se a partir da percepção de que a instituição resulta do poder instituído pelos seus diversos
participantes, e que é produto do confronto entre seus públicos e os modelos didático-pedagógicos e
institucionais, mediante a ação de seus agentes, regulada pela dinâmica institucional.
_______. A história das instituições educacionais em perspectiva. In História da
Educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção de novas investigações. GATTI
JÚNIOR e INÁCIO FILHO, Décio e Geraldo (orgs.). Campinas, São Paulo: Autores
Associados. Uberlândia, MG. EDUFU, 2005. Coleção Memória da Educação.

_______ . Um apontamento metodológico sobre a história das instituições educativas.


In: SOUSA e CATANI, Cynthia Pereira e Denice Bárbara (orgs.) Práticas Educativas,
Culturas Escolares, Profissão Docente. São Paulo: Escrituras Editora. 1998. p. 51- 68.
Universidade Federal do Espírito Santo. 2011, pp. 175-210. Disponível em:
https://core.ac.uk/download/pdf/12424885.pdf Acesso em 10 julho 2018.

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