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Crenças, Concepções e Mitos Sobre a Matemática e seu Ensino

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Edda Curi

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Crenças, Concepções e Mitos Sobre
a Matemática e seu Ensino

Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos:

Fonte: Getty Images


• Sobre Crenças e Concepções;
• O Desejo de Tornar a Matemática Útil e Prazerosa.

Objetivos
• Refletir sobre crenças e concepções de professores dos anos iniciais sobre a Matemática
e seu ensino;
• Refletir sobre mitos sobre a Matemática e seu ensino;
• Discutir a influência de crenças, concepções e mitos no ensino de Matemática.

Caro Aluno(a)!

Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl-
timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material
trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas.

Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você
poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns
dias e determinar como o seu “momento do estudo”.

No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões


de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e
auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de
discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de
propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de
troca de ideias e aprendizagem.

Bons Estudos!
UNIDADE
Crenças, Concepções e Mitos Sobre a Matemática e seu Ensino

Contextualização
Você já deve ter ouvido algumas frases ditas como verdadeiras, mas que, na verdade,
não revelam fatos. Leia algumas delas:

“Não sabia e não gostava de Matemática”; “Nunca tive bons professores, tinha medo de alguns pro-
fessores e tinha certeza de que a Matemática não era para mim”; “ Tinha muito medo da Matemática
e como gostava de crianças decidi: vou ser professora, pois não preciso de Matemática para ensinar as
crianças.” (NILCE)
“No começo da escola eu gostava muito das aulas de Matemática. Mas depois passei a detestar... não
me lembro bem quando isso começou. O que me lembro é que na primeira série eu ia bem em Mate-
mática.” (VERINHA)
“A Matemática não é para todos, só pessoas inteligentes é que podem aprendê-la.” (NATALI)
“A Matemática é abstrata e poderosa.” (NEIDE)
Esses comentários são de professores que participaram de pesquisa em 2002 para elaboração de tese
de doutorado de Curi (2005).

E você? O que pensa sobre esses comentários? Concorda? Discorda? Tem opinião
semelhante?

Pense sobre isso e leia o texto que vai ajudar a desmistificar crenças, concepções e
mitos sobre a Matemática e seu ensino.

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Sobre Crenças e Concepções
Certamente você já ouviu falar muito em crenças e concepções, mas o que significam
essas palavras? O que autores e pesquisadores pensam sobre esses temas?

O texto a seguir ilustra a compreensão da palavra crença por alguns autores.

A autora espanhola Gómez-Chacón (2002) afirma que as crenças fazem parte do co-
nhecimento do domínio cognitivo, mas são compostas também por elementos afetivos
e sociais. Ela destaca que as crenças interferem nos conhecimentos e nas práticas de
professores. As características do contexto social têm influência forte sobre as crenças,
visto que muitas se adquirem por meio de um processo de transmissão social. Segun-
do a autora, as crenças do estudante se categorizam em termos de objetos de crença:
crenças sobre a Matemática, sobre ele mesmo, sobre o ensino de Matemática e sobre o
contexto social no qual a Educação Matemática acontece.

Outros autores espanhóis, Blanco & Contreras (2002), comentam que as crenças
influem nos conhecimentos dos estudantes que fazem cursos de Licenciatura para ser
professor. Eles fazem uma afirmação interessante sobre a influência das crenças na
consecução do currículo, afirmam que crenças e atitudes relacionadas à Matemática fun-
cionam como filtros quando professores se deparam com novas propostas curriculares.

Em sua tese, Curi (2005) afirma que, nas escritas de memórias do tempo de estudan-
tes das professoras que participaram da pesquisa, surgiam relações que elas tinham com
a Matemática, com o que aprenderam de Matemática, com seus antigos professores,
com o ensino de Matemática do seu tempo de estudante, apontando a influência dessas
relações na sua prática profissional.

Que lembranças você tem dos seus antigos professores e do ensino de Matemática? Essas
lembranças exercem influência em sua prática? Que tipo de influência?
Pense sobre isso e continue a leitura do texto.

A influência das crenças sobre si mesmo em relação


à Matemática e seu ensino e a escolha profissional
Segundo Curi (2005), a escrita de memórias das professoras mostrava uma imagem
bastante negativa de si mesmas do tempo em que estudaram. A maioria sentia-se inca-
paz de aprender Matemática e afirmava que a Matemática “não era para elas”.

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Crenças, Concepções e Mitos Sobre a Matemática e seu Ensino

A autora destaca que as professoras manifestavam uma ideia de fracasso com relação
à aprendizagem de Matemática, o que gerava atitudes desfavoráveis quanto a essa área
do conhecimento, como é possível perceber no trecho a seguir:
Não tinha boas relações com a Matemática. Sempre fui “ruim” em
Matemática e sentia muito medo e vergonha. As atitudes negativas
que minhas professoras transmitiam levavam a resultados não satis-
fatórios. Passei por várias escolas, mas nunca consegui me identificar
com a Matemática. Tinha medos e traumas, que me acompanharam
por muito tempo. (MARIA)

Curi (2005) observou nas narrativas que as professoras relacionavam a dificuldade em


aprender Matemática com as atitudes de suas professoras ao ensinar tal disciplina. Elas con-
sideravam suas professoras “bravas”, exigentes, impacientes para ensinar e mantinham
pouco diálogo com os estudantes, o que aumentava as dificuldades dos estudantes que
não tinham uma boa relação com a Matemática.
Como eu fui alfabetizada em Matemática? Deus me livre e guarde, a
professora com uma régua na mão, se eu não soubesse tome regua-
da... estou falando mentira? As colegas que têm a minha idade sabem
disso, tinha campeonato de tabuada, tinha pânico de errar tabuada...
pânico das aulas de Matemática... às vezes a gente sabia, mas não
tinha nem coragem de falar o resultado... a gente sofria... (SILVIANE)

Gómez-Chacón (2002) considera que os estudantes acreditam que a Matemática é


criada por pessoas inteligentes e criativas e que outras pessoas têm que aprender o que
os mais inteligentes já sabem. É por isso que julgam que a autoridade nas aulas está no
professor e no livro-texto, donos do conhecimento matemático.

Curi (2005) destaca que, em sua pesquisa, as professoras se sentiam “pouco inteligen-
tes” e dependentes de livros e de outras pessoas para aprender e ensinar Matemática.
A imagem que elas tinham da incapacidade para aprender Matemática era muito forte e
só foi superada com o processo de formação continuada a que estavam se submetendo.

Em suas narrativas, as professoras relacionaram a dificuldade em aprender Matemática com


as atitudes de suas professoras ao ensinar tal disciplina. O que você acha dessa relação?

Curi (2005) afirma que a maioria das professoras que participou da pesquisa con-
sidera que a relação que tinham com Matemática influenciou na escolha profissional;
algumas acrescentaram que, embora não houvesse interferência na opção pela carreira,
não escolheriam a área de Matemática para seu trabalho.
A percepção de que não sabia Matemática e de não gostava de estu-
dar essa matéria teve muita influência na minha escolha profissional,
basicamente fugi da Matemática quando optei por fazer o curso de
magistério. (TEREZINHA)

E, na escolha de sua carreira, a relação com a Matemática teve alguma influência?

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Gómez-Chacón (2002) afirma que os estudantes que acreditam que quase todos os
problemas de Matemática se resolvem por meio de fórmulas, regras, consideram que
ser bom em Matemática é aquele que é capaz de aprender, recordar e aplicar conceitos,
fórmulas, regras e procedimentos. Acreditam que os exercícios do livro são solucionados
apenas pelos métodos apresentados no próprio livro, nas explicações que precedem os
exercícios e consideram que aprender Matemática é usar seu tempo para rever métodos
que o livro propõe mais do que raciocinar sobre os problemas.

Curi (2005) revela que, em alguns dos depoimentos, as professoras mencionavam


que gostar de Matemática ou saber Matemática era um “fator genético, hereditário”.

A autora revela que a escrita de memórias permitiu analisar a reflexão das profes-
soras sobre suas lembranças como alunas, “do que” e “como” aprenderam Matemá-
tica. Destacou da análise que as professoras tinham uma relação triste e pobre com
a Matemática escolar. Em geral, não gostavam de Matemática, nem lhe davam muita
importância, mas também denotavam uma ligação pobre com essa área do conheci-
mento, porque demonstravam que não construíram conceitos básicos (muitas vezes,
nem procedimentos).

Curi (2004) destaca ainda atitudes negativas das professoras com a resolução de
problemas, à própria Matemática e ao seu ensino e, outras vezes, ao perfil do professor
que ministrava essas aulas, fato que as professoras reconheciam como “falta de sorte”.

A pesquisadora revela que a crença das professoras de que eram incapazes de apren-
der Matemática e que não possuíam o “dom” para essa disciplina proporcionou imagens
negativas delas mesmas com relação à Matemática e atitudes de predisposição desfavo-
rável relativamente a essa área do conhecimento.

Em consonância com outros autores, como Azcárate (1999), por exemplo, Curi
(2005) revela que as crenças de professores se modificam no decorrer de atividades for-
mativas que apresentam investigações de problemas práticos profissionais e o contraste
com diferentes fontes de informação.

A influência da Matemática estudada na seleção


e organização dos conteúdos a serem ensinados

Você considera que sofre influências “do que” aprendeu de Matemática e do “como apren-
deu” essa disciplina na escolha dos conteúdos matemáticos que ensina a seus alunos?

Segundo Curi (2005), as professoras revelavam influências “do que” aprenderam de


Matemática e do “como aprenderam” essa disciplina na escolha dos conteúdos matemá-
ticos que deveriam ensinar a seus alunos. Algumas acreditavam que os conteúdos que
aprenderam quando alunas dos anos iniciais do Ensino Fundamental eram importantes
e deveriam ser transmitidos a seus alunos e que a forma como aprenderam Matemática,
embora penosa, era a mais adequada; porém, revelaram que o curso ao qual estavam se
submetendo “abalava” suas convicções.

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Crenças, Concepções e Mitos Sobre a Matemática e seu Ensino

A autora destaca que o fato mais marcante no aprendizado de Matemática dessas


professoras foram as tabuadas e a forte presença da memorização, da repetição de
exercícios. Ela levanta a hipótese de que, como essas professoras não aprofundaram
seus conhecimentos matemáticos durante o curso que as preparou para exercer o ma-
gistério, ainda acreditavam que a única maneira de aprender Matemática era decorando
e fazendo muitos exercícios. Outra hipótese da pesquisadora é que o conteúdo mate-
mático ensinado aos alunos dessas professoras se baseava no que haviam aprendido no
tempo em que estudaram no Ensino Fundamental. Essa hipótese decorre de narrativas
das professoras que se lembravam de “muitos treinos”, de aprender Matemática por
meio de exemplos dados, e depois faziam exercícios iguais aos exemplos e ainda que
identificavam a operação de um problema quando conseguiam relacioná-lo com alguma
palavra do enunciado. Diziam que agiam também dessa forma, pois foi a maneira como
aprenderam, como no depoimento a seguir.
As lembranças de aprender de forma mecânica não incomodavam nem
me traziam dificuldades. Acho que meus alunos também são capazes de
aprender dessa forma. Dou muitos exercícios e tabuadas para que aprendam a
fazer contas. (VERINHA)

Quanto aos conteúdos matemáticos que adquiriram quando realizaram o curso que as
preparou para exercer o magistério, Curi (2005) revela que algumas professoras decla-
raram que nunca aprofundaram os conhecimentos matemáticos e que discutiam apenas
alguns tópicos previstos para serem ensinados nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Segundo a pesquisadora, as professoras que participaram de sua pesquisa não foram
capazes de apontar conteúdos matemáticos que aprenderam e que não ensinam ou,
ao contrário, aqueles que nunca aprenderam e que devem ser ensinados a seus alunos.
Nenhuma delas recordou-se de não ter estudado conteúdos relativos à Estatística que
atualmente fazem parte das indicações da BNCC.

As professoras não foram capazes de mencionar conteúdos matemáticos que aprenderam e


que hoje não ensinam ou, ao contrário, aqueles que nunca aprenderam e que acreditam que
devem ser passados a seus alunos.
E você, o que diz sobre isso?

Curi (2005) comenta sobre os depoimentos das professoras quando se referiam que
as aulas de Metodologia da Matemática no curso de magistério eram mais voltadas para
a confecção de cartazes, a elaboração de materiais que poderiam ser usados para ensi-
nar, com a organização de festas escolares, do que com o desenvolvimento de discussões
que permitissem aos alunos maior aprofundamento com relação aos conteúdos matemá-
ticos a serem ensinados e com as didáticas desses conteúdos.

Segundo Curi (2005), algumas professoras declararam ter estudado nas aulas de
Metodologia de Matemática os mesmos conteúdos que haviam aprendido no Ensino
Fundamental e da mesma forma como seus professores haviam ensinado e ainda não
sabiam o que deveriam ensinar a seus alunos, conforme depoimento.

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Lembro ainda que minha professora de Metodologia ensinou porcen-
tagem, equação do segundo grau, múltiplos e divisores. Ela ensinava
como resolver as equações, como calcular o m.d.c., m.m.c. Ainda
lembro que um era “deitado” e outro “de pé”. Certamente era isso que
ela achava importante que o futuro professor aprendesse para poder
ensinar. Se estivesse dando aula para a 4.ª série acho que ensinaria
porcentagem, m.d.c., m.m.c.; a equação do segundo grau não ensina-
ria, pois sei que é da 8.ª série. (NELI)

O Desejo de Tornar a Matemática


Útil e Prazerosa
Curi (2005) revela que a crença de que a Matemática que elas aprenderam quando
alunas do Ensino Básico não lhes serviu de nada, que era tudo muito desinteressante e
que as atitudes de seus professores não contribuíram para que gostassem de Matemática
influenciava a prática. Muitas vezes, apontavam como conteúdos matemáticos a serem
ensinados apenas aqueles que, no seu entender, tinham utilidade prática e que, por esse
motivo, acreditavam que seus alunos iriam gostar.

Segundo Gómez-Chacón (2002), as crenças proporcionam significado pessoal e aju-


dam o indivíduo a atribuir certa relevância como membro de um grupo social.

Cabe salientar que Curi (2005) afirma que as professoras, no início das escritas de
memórias, possuíam um discurso de que a Matemática a ser ensinada deveria ser a do
cotidiano e que gostariam de aprender a ensinar Matemática de forma menos traumá-
tica. A autora salienta que as professoras não conseguiram dar exemplos de conteúdos
matemáticos utilizados no dia a dia, como os gráficos. Talvez as crenças das professoras
de que a Matemática era uma disciplina sem atrativos, difícil, cheia de fórmulas, números
sem sentido e que seus professores não sabiam facilitar a aprendizagem as levassem a
explicitar a ideia de que nunca conseguiriam aprender Matemática, mas, se soubessem
como ensiná-la de forma “lúdica e prazerosa”, estariam fazendo muito mais do que seus
professores fizeram por elas, como revelam alguns depoimentos:
A Matemática para ser aprendida deve ser lúdica e prazerosa, não da
maneira que aprendi. (TEREZINHA)

Quando estou na prática, penso no que sentia com relação à Matemá-


tica quando era aluna e procuro fazer com que meus alunos gostem
muito de Matemática. (NEIDE)

Em sua pesquisa, Curi (2005) revela que as professoras percebiam diferenças entre
a Matemática que hoje ensinam e aquela que aprenderam na época em que estudaram.
Elas declararam que seus alunos possuíam uma boa relação com a Matemática e que
gostavam de aprender Matemática. A hipótese de Curi (2005) é que o grande propó-
sito dessas professoras era estabelecer uma relação de “prazer” de seus alunos com
a Matemática sem, contudo, se preocupar, de modo significativo, com o ensino e a

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Crenças, Concepções e Mitos Sobre a Matemática e seu Ensino

aprendizagem dessa área do conhecimento. E conclui que, talvez, pela experiência ne-
gativa que tiveram com a Matemática, as professoras estavam muito mais empenhadas
em “como desenvolver nos seus alunos atitudes positivas com relação à Matemática” do
que “no que e como ensinar Matemática a seus alunos”. Na opinião da pesquisadora,
relacionar a Matemática escolar com a Matemática do dia a dia faz com que essa disci-
plina pareça menos estranha, menos assustadora e mais prática do que no tempo em
que essas professoras estudaram.

Alguns mitos1 do senso comum sobre


a Matemática e suas consequências para o ensino
Machado (2011), em sua obra “Matemática e Língua Materna: análise de uma im-
pregnação mútua”, promove uma reflexão a respeito de um estereótipo atribuído à Ma-
temática e à justificativa de seu ensino. Nesse texto, ele discute alguns mitos que se
refletem no senso comum como: a Matemática é exata, a Matemática é abstrata, a
capacidade matemática é inata, a Matemática justifica-se por aplicações práticas, a Ma-
temática desenvolve o raciocínio.

Para o autor, quando certas concepções são estabelecidas e admitidas como verda-
deiras, com base apenas no senso comum, conscientes ou não, acabam influenciando o
ensino da Matemática, trazendo consequências para a organização de atividades, para
as práticas do professor e para as aprendizagens dos estudantes.

Quando se refere ao mito “a Matemática é exata”, Machado (2011) afirma que esse
mito envolve a concepção de que todas as afirmações em Matemática são verdadeiras
ou falsas, que, por esse motivo, são sempre demonstráveis e que o conhecimento ma-
temático é expresso em números. Machado apresenta o exemplo da divisão de 1m de
fita em 3 partes iguais. Dessa forma, cada parte mede 0,333... e a soma das 3 partes
dá 0,999... e não 1m como se espera. Segundo o autor, isso revela que a transposição
dessas grandezas para a representação numérica é limitada e ajuda a desmistificar o
mito: a Matemática é exata.

Curi (2005) mostra que a ideia da exatidão da Matemática repercute no ensino quan-
do o professor considera que há apenas uma maneira correta de se resolver um proble-
ma, sempre pautado nas aprendizagens dos algoritmos ensinados anteriormente.

Quando comenta o mito “a Matemática é abstrata”, Machado (2011) exemplifica


com a ideia de número como abstração de uma quantidade. Mas ele não descarta a
ideia de abstração, pois o processo de construção de conhecimento envolve abstrações.
Segundo o autor, as abstrações permitem relações e tornam a aprendizagem mais sig-
nificativa. Ele estende a noção de concreto para concretude, baseado em um conteúdo
de significações.

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Um mito (em grego clássico: μυθος; transl.: mithós) está vinculado às condições históricas e étnicas relacionadas a
uma dada cultura, que procura explicar certas ideias do senso comum, sem fundamento científico, e voltadas a uma
certa comunidade. Essas ideias são admitidas como verdadeiras e usadas como tal. O mito depende de um tempo
e espaço para existir e ser compreendido.

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Curi (2005) constata uma contradição nas respostas das professoras que participaram
de sua pesquisa quando, ao mesmo tempo em que diziam que a Matemática é abstrata,
difícil e para compreensão de poucos, utilizavam-se de material concreto (manipulável)
em suas aulas. Ela comenta que, ao considerar a Matemática abstrata e querer que ela
seja mais atraente para os alunos, o professor usa materiais manipuláveis, mesmo que
desprovidos de significações para os que estudantes que o manipulam.

Com relação ao mito “a capacidade para a Matemática é inata”, Machado (2011)


comenta que esse mito envolve uma ideia de fracasso das pessoas com relação a essa
disciplina, usada com bastante frequência. Isso corrobora estudos de Curi (2005), que
destaca a crença de que a Matemática é criada por pessoas inteligentes e aos demais
cabe memorizar o conhecimento elaborado pelos privilegiados. A autora considera
que, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, muitas vezes, o professor, ao buscar o
curso de Pedagogia, “foge da Matemática”, pois a carga horária da disciplina no referi-
do curso é bastante reduzida. Ele faz esse tipo de opção, muitas vezes, porque não se
sente competente para aprender Matemática, sugerindo a ideia de fracasso apontada
por Machado (2011).

Para esse autor, quando se admite uma predisposição inata para o aprendizado ma-
temático, pode-se concluir que esse conhecimento não pode ser aprendido por todas as
pessoas, o que leva à constatação de que nem todos os alunos são capazes de aprender
Matemática. Quando faz essa discussão, o autor não se refere a talento para se tornar
um matemático profissional, mas à capacidade de todo cidadão de usar a Matemática
para a representação da realidade.

Curi (2005) destaca que essa crença de que nem todos são capazes de aprender Ma-
temática pode trazer como consequência a reprovação de muitos alunos em todos os
graus de ensino, sem reflexão sobre os motivos da falta de aprendizagem. Essa crença
pode legitimar a ideia de que a Matemática é para aqueles que têm capacidade para
aprendê-la, excluindo estudantes muitas vezes da escola, e também de obter um conhe-
cimento fundamental para a sociedade.

Os mitos de que “a Matemática justifica-se pelas aplicações práticas” e “a Mate-


mática desenvolve o raciocínio”, para Machado (2011), justificam a obrigatoriedade da
Matemática no currículo escolar. O autor comenta atitudes de professores que justificam
a necessidade de ensinar ou de os alunos aprenderem determinado conteúdo, relacio-
nando-o à sua utilidade prática, devido à associação que se faz entre o conhecimento
construído na escola de natureza abstrata e sem vínculo com a realidade.

Curi (2005), em sua pesquisa, detectou a preocupação das professoras em ensinar a


Matemática do dia a dia, o que pode reduzir os conteúdos matemáticos às quatro opera-
ções com números naturais, empobrecendo muito o currículo.

Machado (2011) também comenta sobre as relações de conteúdos escolares com a


realidade, mas ressalta a importância de se pensar em uma realidade historicamente
construída, o que permite embasar o significado de temas matemáticos desenvolvidos
na escola. Ele destaca rupturas com o cotidiano essenciais de serem superadas, para
que o ensino de Matemática não seja superficial e permita a construção de significados

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e relações com outros conhecimentos e promova reflexões, vinculando a Matemática


com a realidade prática como ponto de partida e não como limitação ao ensino dessa
área do conhecimento. O mesmo autor revela a importância da mediação do professor
diante da imensa carga de informações presentes no mundo atual, destacando que deve
haver relações entre os conhecimentos intra e extraescolares, pois no século atual, com
o avanço das comunicações, os alunos coletam informações por meio de mídias digitais
ou da web ou de celulares, além da escola.

O mito de que “a Matemática desenvolve o raciocínio” é bastante presente quando


se pergunta ao professor qual é o objetivo do ensino de Matemática. Machado (2011) co-
menta que esse mito revela uma posição exagerada e que, dependendo do modo como
o ensino de Matemática se desenvolve na escola, não contribui para o desenvolvimento
do raciocínio, pois é trabalhada de forma mecânica, com exercícios repetitivos, por meio
apenas de memorização.

Quais desses mitos você conhecia? O que podem revelar para o ensino de Matemática?

A discussão desses mitos é muito importante na formação dos professores porque


permite uma reflexão sobre o ensino de Matemática que vem ocorrendo na atualidade
e alguns motivos que não permitem evolução nos processos de ensino. Pode ainda sub-
sidiar os professores na seleção e organização dos conteúdos a serem ensinados e na
forma que podem ser desenvolvidos em sala de aula.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Adaptação e validação de uma escala de atitudes em relação à matemática
BRITO, M. R. F. de. Adaptação e validação de uma escala de atitudes em relação
à matemática. Revista Zetetiké. São Paulo: UNCIAMP. v.6. n.9. jan./jun. 1998.

Matemática Emocional: Os Afetos na Aprendizagem Matemática


CHACÓN, I. M. G. Matemática Emocional: Os Afetos na Aprendizagem Matemática.
Porto Alegre: Artmed, 2003.

Matemática para aprender a pensar: o papel das crenças na resolução de problemas


VILA, A.; CALLEJO, M. L. Matemática para aprender a pensar: o papel das crenças
na resolução de problemas. Porto Alegre: Artmed. 2006.

Leitura
Concepções e Crenças dos Professores de Matemática: pesquisas realizadas e significado dos
termos utilizados
CURY, H. N. Concepções e Crenças dos Professores de Matemática: pesquisas rea-
lizadas e significado dos termos utilizados, 1999.
https://bit.ly/2tf1n6v

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Crenças, Concepções e Mitos Sobre a Matemática e seu Ensino

Referências
AZCÁRATE, M. P. Estrategias metodológicas para la formación de maestros. In:
CARRILLO, J.; CLIMENT, N. Modelos de formación de maestros en matemáticas.
Huelva: Universidade de Huelva, 1999. p. 17-40.

BLANCO, L.; CONTRERAS, L. Um modelo formativo de maestros de primaria,


en el área de matemáticas, en el ámbito de la geometria. In:(org.). Aportaciones a
la formación inicial de maestros en el área de matemáticas: una mirada a la
práctica docente. Cáceres: Universidad de Extremadura, 2002. p. 92-124.

CURI, E. A Matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo: Musa


Editora, 2005.

FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemática no Brasil.


Revista Zetetiké, Campinas: Unicamp, a. 3, n. 4, p. 1-37, 1995.

GÓMEZ-CHACÓN, I. M. Cuestiones afectivas em la esneñanza de las Matemáticas: una


perspectiva para el profesor. In: CONTRERAS, L.; BLANCO, L. (Org.). Aportaciones
a la formación inicial de maestros em el área de matemáticas: uma mirada a la
práctica docente. Cáceres: Universidad de Extremadura, 2002. p. 23-58.

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Você também pode gostar