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Subsídios para Mudanças nas Práticas de Ensino de Matemática

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Edda Curi

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Subsídios para Mudanças
nas Práticas de Ensino de Matemática

Fonte: Getty Images


Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos:
• A Comunicação nas Aulas de Matemática;
• O Uso de Materiais Concretos nas Aulas de Matemática.

Objetivo
• Discutir dois pontos fundamentais para avanços nas práticas de ensino de Matemática: a
comunicação e o uso de materiais concretos.

Caro Aluno(a)!

Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl-
timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material
trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas.

Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você
poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns
dias e determinar como o seu “momento do estudo”.

No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões


de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e
auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de
discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de
propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de
troca de ideias e aprendizagem.

Bons Estudos!
UNIDADE
Subsídios para Mudanças nas Práticas de Ensino de Matemática

Contextualização
Não poderíamos discutir o ensino de matemática nos dias atuais sem refletir sobre
alguns aspectos dessa área do conhecimento que precisam ser modificados em função
de estudos e pesquisas recentes.

Assim, nesta unidade, vamos discutir dois pontos fundamentais para avanços nas
práticas de ensino de Matemática. A primeira parte do texto focaliza a comunicação nas
aulas de matemática e a segunda parte apresenta uma reflexão sobre o uso dos denomi-
nados materiais concretos.

Consideramos que essas discussões podem permitir avanços teóricos que subsidiem
a prática dos professores para ensinar matemática.

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A Comunicação nas Aulas de Matemática
Esta unidade origina-se de uma mesa redonda apresentada no XIII ENEM e tem a fina-
lidade de discutir algumas propostas em relação à comunicação nas aulas de Matemática.

Os estudos teóricos usados neste texto, no que tange à comunicação, são o livro de
Machado (2011) denominado Matemática e Língua Materna: análise de uma impreg-
nação mútua, alguns textos de autores portugueses como Ponte e Santos (1998), Ponte e
Serrazina (2000), Menezes (1996), além de um texto de Curi (2019), publicado pela SME.

Segundo Machado (2011), a primeira relação entre a Matemática e a Língua Materna


é decorrente da oralidade da língua, pois, embora na Matemática não haja uma orali-
dade própria, ela precisa de comunicação e usa a língua materna para que possa ser
comunicada. Ele considera inconcebível pensar no ensino e na aprendizagem de Mate-
mática sem o apoio da oralidade, que tem uma função comunicativa primordial para o
processo de ensino e aprendizagem.

O autor afirma que as aproximações entre a Matemática e a Língua Materna são


evidenciadas quando se refletem na relação entre oralidade, a escrita da língua e a
aprendizagem matemática. Comenta que sem o apoio da oralidade, a aprendizagem
matemática seria pouco natural.

Além desses aspectos, o processo de comunicação envolve um conjunto de elemen-


tos interativos no âmbito da sala de aula, em diferentes contextos, representações, sim-
bologias e formas de expressão.

A literatura identifica dois aspectos essenciais da comunicação (PONTE; SANTOS,


1998; PONTE; SERRAZINA, 2000): a interação entre os atores da sala de aula e a ne-
gociação de significados entre esses atores quando partilham seus conhecimentos sobre
conceitos e processos matemáticos. É importante destacar que essa interação proporcio-
na a aprendizagem matemática, a partir da construção progressiva de significados pelos
alunos que realizam a apropriação individual do conhecimento matemático durante as
discussões. As interações entre os alunos são menos formais, mas são essenciais para
incentivar a descoberta, a crítica, a elaboração de sínteses pessoais, ampliando a nego-
ciação de significados.

Ponte e Santos (1998) destacam que os alunos interagem melhor em pequenos gru-
pos, se sentem mais confortáveis, e vão progressivamente se apropriando da linguagem
matemática. Ao falarem e ouvirem os colegas nos pequenos grupos, os alunos clareiam
significados e constroem conhecimentos. Quando a discussão ocorre na sala como um
todo, os alunos podem ficar inibidos se não tiverem certeza de seu comentário.

Curi (2019) afirma que a qualidade das interações depende do contexto em que elas
ocorrem e da metodologia usada pelo professor. As aulas que envolvem investigações
ou resolução de problemas em grupos são potencialmente ricas para o desenvolvimento
da comunicação e da argumentação1.

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Na argumentação, o estudante justifica sua posição, é um grau de pensamento mais avançado do que quando ele
apenas comunica suas ideias.

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A presença da comunicação nos documentos curriculares


Os documentos curriculares brasileiros atuais citam a comunicação e a argumentação
em Matemática. A BNCC discute a comunicação tanto teoricamente, como quando en-
fatiza a descrição de uma habilidade.

Em termos gerais, o trabalho com a comunicação matemática, iniciado desde os anos


iniciais do Ensino Fundamental, foi proposto na BNCC em habilidades que descrevem
a comunicação da criança, bem como de forma que esta possa analisar e avaliar a es-
tratégia de comunicação dos outros. Outro ponto que o documento destaca é o uso da
linguagem matemática de forma precisa desde o início da escolarização.

O Currículo da Cidade: Matemática (2017) apresenta o foco da comunicação no


item sobre Processos Matemáticos, destacando a resolução e formulação de problemas,
as investigações, como processos ricos para o desenvolvimento da comunicação, da
argumentação, da generalização, entre outros. O texto reforça a ideia de que esses pro-
cessos (resolução de problemas e investigação) requerem o uso de capacidades básicas
como ler, escrever, refletir, validar ou não uma solução, ratificando estudos de Ponte
e Serrazina (2000), que afirmam que as investigações e a resolução de problemas em
grupos são potencialmente ricas para o desenvolvimento da comunicação e da argumen-
tação. Quando um aluno se comunica, ele reflete sobre seu pensamento, seus acertos e
erros, suas potencialidades e dificuldades. Isso permite ao professor fazer intervenções
mais pertinentes e adequadas às necessidades de aprendizagens de cada estudante.

Como já foi dito, na descrição das atividades, o foco na comunicação é mais presente,
desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. Esses objetivos destacam a produção de
registros, a comunicação oral, o debate, a argumentação e prova, a justificação, a vali-
dação de processos e resultados.

A comunicação nas aulas de matemática pode ser aprofundada com o uso de diferen-
tes tipos de textos, contribuindo para proporcionar mudanças no trabalho pedagógico
do professor e no enfoque menos tecnicista da matemática.

Nos anos iniciais do ensino fundamental, talvez porque a criança não esteja totalmente
alfabetizada, há um foco maior na oralidade do que nas atividades escritas, corroborando
com os estudos de Machado (2011). Segundo o autor, não é possível conceber o ensino de
Matemática sem o uso da oralidade. Nos anos finais, o foco maior é na produção escrita e
no uso da simbologia matemática, ainda que a oralidade não possa ser abandonada.

Cabe destacar que Curi (2019) considera que o foco na oralidade não é comum no ensi-
no de Matemática. Quando a criança ainda não está alfabetizada, ela usa a oralidade para
expor suas ideias, mas, a partir do momento em que a criança está alfabetizada, o foco das
aulas de matemática passa para as produções escritas, com pouca reflexão sobre o proces-
so, sem preocupação com justificativas, argumentação e validação, ou não, do resultado.

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Em seguida, apresentamos, a título de ilustração, alguns objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento extraídos do Currículo da Cidade: Matemática (2017), que focalizam
a comunicação oral ou escrita.
• 1º ano: Realizar recitações orais em escala ascendente ou descendente;
• 1º ano: Descrever, oralmente, situações apresentadas por meio de gráficos de co-
lunas simples;
• 2º ano: Descrever oralmente um padrão (ou regularidade) de sequências numéricas
ou figurais repetitivas ou recursivas por meio de palavras ou outras representações;
• 3º ano: Descrever as regras de um jogo e propor mudanças das regras, sem perder
o objetivo desafiador do jogo;
• 4º ano: Investigar regularidades em multiplicação por 0 e por 1 e produzir um texto
comunicando as conclusões obtidas;
• 5º ano: Investigar a condição de equivalência de duas ou mais frações pela ob-
servação de representações gráficas e de regularidades nas escritas numéricas e
expressar oralmente ou por escrito essa condição.

No Caderno da Cidade: Saberes e Aprendizagens de Matemática, publicado pela


SME, em 2018, esses objetivos são desenvolvidos em atividades que envolvem o foco
na oralidade em rodas de conversa; na resolução de problemas e nas atividades inves-
tigativas que possibilitam discussões e socializações em pequenos grupos; na discussão
e escrita de pequenos textos com sínteses e conclusões. Vejamos alguns exemplos de
atividades retiradas do material citado:

1º ano – Unidade 3 – Sequência de Atividades 3 – Atividade 3

Figura 1
Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagem – Matemática, 2018, p. 71

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3º ano – Unidade 3 – Sequência de Atividades 4 –


Atividade 3 – Dicas de Economia

Figura 2
Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagem – Matemática, 2018, p. 70

5º ano – Unidade 6 – Sequência de Atividades 4 – Atividade 4

Figura 3
Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagem – Matemática, 2019, p. 176

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Registros do pensamento matemático
Além dos aspectos apontados no item anterior, os registros escritos ocupam um pa-
pel importante também. Uma das possibilidades para desenvolver a comunicação em
Matemática é combinar com os alunos de fazer um diário em que possam registrar seus
pensamentos matemáticos, apresentando ideias e imagens que, organizados, ajudam a
entender o pensamento matemático. A construção desse tipo de registro pode ser um
processo longo e lento, com idas e vindas, com ensaio e erros etc.

As devolutivas e intervenções do professor devem permitir o avanço do registro dos


alunos com comentários positivos que permitam aos estudantes estabelecer conexões.
Uma discussão que possibilite que os estudantes analisem os seus registros e de seus
colegas propicia um avanço na forma de pensar e um refinamento da linguagem própria
da matemática.

O ato de raciocinar pode ser salientado na escrita do estudante ao explicitar porque


usou um determinado procedimento, como pensou para resolver a tarefa, como se or-
ganizou e como encadeou as etapas de resolução da tarefa.

Cabe destacar que o raciocínio faz parte do “fazer matemática” e sua explicitação,
por escrito, não é tão simples. Um ponto importante do desenvolvimento do raciocí-
nio é ser convincente. Segundo Boaler (2020), os três níveis de convencimento são:
o convencimento de si mesmo com relação a uma tarefa realizada; o convencimento
de um amigo e o convencimento de um cético. A autora considera que no trabalho de
sala de aula, os alunos devem primeiramente estar convencidos sobre a resolução da
tarefa e a explicitação do raciocínio. Depois, os estudantes devem tentar convencer
seus amigos sobre o raciocínio usado na resolução da tarefa e, por último, tentar con-
vencer um cético.

Na resolução de tarefas investigativas os alunos têm a possibilidade de criar represen-


tações visuais, numéricas ou algébricas, e explicitar suas ideias por meio de explicações
verbais ou até mesmo por meio de codificação, usando cores, por exemplo.

Quando os estudantes desenvolvem a compreensão matemática com mais profun-


didade, o professor pode encorajá-los a ampliar e generalizar suas ideias por meio do
raciocínio, da comprovação e da justificação.

Registros visuais
Segundo Boaler (2020), uma das descobertas da neurociência é a importância da
visualização para o cérebro e para a aprendizagem matemática. A autora afirma que o
caminho visual dorsal é a principal região do cérebro para representação de quantidade.
Nesse sentido, o uso da reta numerada é muito útil, pois fornece ao cérebro a represen-
tação visual da ordem numérica. Nesse sentido, a BNCC aponta, entre as habilidades,
algumas que explicitam representações na reta numerada desde os anos iniciais do Ensi-
no Fundamental, tanto com os números naturais, como, em anos mais avançados, com
números racionais, irracionais e reais.

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Outro ponto destacado pela autora é a conexão entre a visualização e representação.


Ela afirma que as pesquisas em neurociência mostram que os alunos fazem conexões
em diferentes áreas de seu cérebro quando relacionam suas representações figurais com
a visualização das imagens, quando trabalham com geometria ou mesmo com números.

Na BNCC, destacam-se algumas habilidades que permitem que as crianças visuali-


zem figuras geométricas (de forma figural ou mesmo experimental) e depois represen-
tem essas figuras.

No entanto, para que haja avanços no pensamento matemático, é preciso trabalhar


também com as características de uma figura geométrica, sem o apoio visual.

Algumas considerações
A análise realizada permite afirmar que os documentos curriculares atuais, como a
BNCC e o Currículo da Cidade, focalizam a comunicação e a argumentação nas aulas de
Matemática. No entanto, Curi (2019) destaca que alguns pontos apontados pela literatu-
ra não são assegurados por materiais curriculares, como, por exemplo, a interação entre
alunos e alunos, e entre alunos e professores. Essa depende das estratégias usadas pelo
professor. Uma discussão em grupos não garante a interação entre os participantes,
nem a negociação de significados entre esses atores. Isso só é possível de identificar se
houver acompanhamento das aulas e uma reflexão do professor a respeito do desenvol-
vimento da comunicação e da interação entre seus alunos, bem como entre os alunos e
o próprio professor, modificando a prática consolidada no ensino de matemática em que
o professor é o detentor do saber.

A segunda parte desta unidade discute o uso de materiais concretos nas aulas
de matemática.

O Uso de Materiais Concretos


nas Aulas de Matemática
O acompanhamento de cursos de formação de professores (inicial e continuada) e
discussões realizadas em congressos da área apontam para a necessidade de uma dis-
cussão aprofundada sobre o uso de materiais concretos nas aulas de Matemática.

Além disso, as pesquisas de Machado (2011) e Curi (2004) destacam que a Matemática
é abstrata, sendo preciso torná-la mais atraente para os alunos; o que leva, muitas vezes,
o professor a usar materiais concretos, desprovidos de
significações para os que o manipulam, por exemplo, Mas afinal, o que são materiais
o material dourado, podendo inclusive comprometer a concretos e quando podem
ser usados?
concretude que o professor queria mostrar.

Os denominados Materiais Concretos podem ter outras nomenclaturas, como Ma-


terial Didático, Material Concreto, Material Didático-Pedagógico, Material Manipulável.

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No quadro a seguir, estão algumas definições organizadas por Nascimento (s/d) no texto
Uso de materiais para trabalhar Matemática no Ensino Fundamental publicado no
Portal Educação.

Tabela 1
Autor (es) Definição
Material Didático: “qualquer instrumento útil ao processo de ensino-aprendizagem. Portanto,
Lorenzato [...] pode ser um giz, uma calculadora, um filme, um livro, um quebra-cabeça, um jogo, uma
embalagem, uma transparência, entre outros” (2006, p. 18).
“O material concreto, os jogos e os recursos audiovisuais, embora outros também possam
Mottin
ser considerados como materiais didático-pedagógicos” (2004, p. 29).
Material concreto: “um ente qualquer que possa ser manipulado podendo ser de ordem natural ou
Barbosa artificial. O natural é aquele que existe espontaneamente, sendo gerado pela ação da natureza. É o caso
(apud Cavalcanti) de uma pedra, uma flor, uma fruta etc. O artificial é aquele que é gerado pela produção do homem.
É o caso de um lápis, uma folha de papel, um pedaço de fio, um cordão etc. (Cavalcanti 2006, p. 18).
Concreto: “Na dimensão material, se refere a algo manipulável e palpável, denominando-o de
Brito (apud Cavalcanti) material concreto ou manipulativo. Na dimensão mais ampla, definem como algo material ou não,
desde que tenha seu conteúdo de significações” (Cavalcanti 2006, p. 18-19).
Materiais Manipuláveis: “objetos ou coisas que aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar.
Reys (apud Matos
Podem ser objetos reais que têm aplicação no dia-a-dia ou podem ser objetos que são utilizados para
e Serrazina)
representar uma ideia” (Matos e Serrazina 1996, p. 193).
Aqueles que têm um “envolvimento físico dos alunos, numa situação de aprendizagem ativa”
Passos
(2006, p. 78).

O dicionário Michaelis apresenta a seguinte definição: “[...] 2. Real. 3. Determinado,


claro, definido. 4. Substantivos que exprimem seres materiais, percebidos por nossos
sentidos. [...]. Aquilo que é concreto” (2008, p. 206).

A partir da definição dada no dicionário e das concepções elencadas no quadro, Curi (2019)
define “Material Concreto” como algo que pode ser manipulado, que tenha algum signifi-
cado quando usado e que seja condizente ao que foi proposto para ser ensinado e aprendi-
do. No caso da Matemática, no geral, o material concreto é construído pelo homem para ser
usado em sala de aula ou é adaptado de sucatas ou objetos de uso social.

A partir dessa conceituação, a pergunta que se faz é: quais são as vantagens e limitações
de usar materiais concretos nas aulas de Matemática?
Reflita sobre isso e continue a leitura do texto.

Lerner (1992) destaca que o primeiro inconveniente é que o uso de materiais con-
cretos modifica o objeto do conhecimento, transformando-o em algo diferente do que
ele efetivamente é. O segundo inconveniente é que o material concreto impede que as
crianças utilizem seus conhecimentos já construídos e os substituam por algo que, na
maioria das vezes, não tem tanto sentido para elas, principalmente aos relacionados ao
Sistema de Numeração Decimal, de uso social para as crianças.

O fato de tornar a Matemática mais atraente para os estudantes leva muitas vezes o
professor ao uso de materiais concretos desprovidos de significações, demandando, por-
tanto, uma compreensão mais profunda sobre os objetos de conhecimento e os objetivos
de aprendizagem e desenvolvimento que se pretende alcançar (Curi, 2019).

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O segundo inconveniente citado por Lerner se refere à utilização de conhecimentos já


construídos pelas crianças que são substituídos por algo que, na maioria das vezes, não
tem tanto sentido para elas, e pode ser exemplificado com o uso do Material Dourado
para a compreensão do sistema de numeração decimal.

Com as pesquisas de Lerner (1996), Fayol (1996) sobre o ensino de números e do sistema de
numeração decimal, cabem as perguntas: O Material Dourado é de fato um material con-
creto que auxilia as crianças nas suas aprendizagens da escrita numérica e do sistema
de numeração decimal, considerando-se as hipóteses que elas têm sobre as escritas
numéricas? Em que situações da vida da criança, ela explora o Material Dourado?
Reflita sobre essas questões e continue a leitura do texto.

Pesquisadores como Fayol (1996) e Lerner (1996), por exemplo, investigaram os


conhecimentos prévios e hipóteses das crianças sobre os números e o sistema numé-
rico. Alguns resultados dessas pesquisas embasam a reflexão sobre o uso do Material
Dourado como: o conceito de número pelas crianças é construído na interação com o
ambiente social em que convivem; elas compreendem o número a partir de experiências
significativas; o universo numérico da criança colabora com sua aprendizagem sobre os
números e o sistema de numeração decimal.

Em função das pesquisas citadas, que significado tem a apresentação do número 13


para as crianças com o Material Dourado?
Reflita sobre a questão e continue a leitura do texto.

Esse e outros números aparecem na vida das crianças em contagens, no número


de uma casa, ou no elevador indicando o andar de um apartamento, na ordem da fila
para saber quem é o décimo terceiro, entre outras situações. Mas, sem ser na escola,
um número como o 13 aparece na forma de uma barra e três cubinhos? E ainda com a
representação em forma de desenho (uma barra e 3 cubinhos)?

Pires (2012) discute no texto Reflexões que Precisam Ser Feitas sobre o Uso dos
Chamados “Materiais Concretos” para a Aprendizagem em Matemática, publicado
pelo GEPEM, que o material dourado, por não ser da vivência cotidiana das crianças,
quase não tem significado para elas, e que não faz sentido ser usado como material
concreto nas aulas de matemática, corroborando os estudos de Lerner quando se refere
ao inconveniente de o professor substituir conhecimentos prévios já construídos pelas
crianças, por um material que elas desconhecem ou que vão aprender a conhecer na
escola, antes de ser usado.

Sendo assim, cabe a pergunta: por que tantos professores ainda utilizam o material
dourado para trabalhar com o sistema de numeração e ensinar os algoritmos?
Após refletir sobre a questão, continue a leitura do texto e esclareça suas dúvidas.

Pires, no texto já citado, discute o contexto histórico em que o uso do material dourado
foi preconizado, e justifica o motivo dele não ser adequado, em função das pesquisas atuais.

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Uma leitura mais superficial deste texto pode levar a conclusão de que o material con-
creto não deve ser usado nas aulas de Matemática. No entanto, ele é muito útil quando
se relaciona ao estudo da geometria. No estudo das figuras espaciais, por exemplo, o
uso de material concreto faz toda a diferença.

Os estudos de Parzysz (2006) se apoiam em materiais concretos quando discutem


os níveis do pensamento geométrico. Mostram que, quando os estudantes se apoiam
em materiais concretos, estão nos níveis inferiores do pensamento geométrico e que
é preciso avançar nas análises de figuras geométricas, com representações em forma
visual (“desenho da figura”) e depois, a partir de propriedades, sem apoio visual ou de
material concreto.

Curi (2019) comenta que vivenciou uma situação de uma criança de nove anos que
precisava observar 3 figuras geométricas espaciais desenhadas (um prisma de base pen-
tagonal, uma pirâmide de base quadrada e um prisma de base triangular) e reconhecer
entre o desenho de vários polígonos quais seriam necessários para a construção de cada
figura. A autora percebeu que a criança reconhecia as bases da figura e o formato das
faces laterais, mas não conseguia saber quantas faces laterais o prisma de base pentago-
nal tinha, não reconhecia as faces “escondidas” do prisma desenhado e dizia que havia
3 retângulos apenas. Com a manipulação de uma caixinha de base hexagonal, a criança
foi contando os retângulos a partir da base superior, usando o lado do hexágono. A par-
tir dessa vivência, teve um pouco mais de facilidade de analisar visualmente as figuras
espaciais desenhadas e descobrir quantas faces laterais a figura tinha.

Esse garoto teria mais facilidade de resolver a atividade se tivesse vivenciado a fase de
manipulação de figuras geométricas espaciais, explorando caixas de vários formatos do
ambiente social, como caixa de sapatos, de sabonetes, de pasta de dentes, em forma de
pirâmides, entre outras, que de alguma maneira têm significado para ele.

Esse fato pode ser corroborado por estudos de Pires, Curi e Campos (2001), que
afirmam que o aluno não compreende uma atividade se ela estiver em um nível mais ele-
vado do pensamento geométrico do que ela se encontra. Nesse caso, a atividade estava
no nível de visualização e a criança ainda estava no nível de experimentação (PARZYSZ,
2006). As autoras ainda afirmam que a criança só atinge um nível de pensamento geo-
métrico, quando vivenciar todos os níveis inferiores, apropriando-se, assim, dos objetos
de estudo e da linguagem própria de cada nível.

Considero que o fato da compreensão, pela criança, de um desenho possibilitar a re-


presentação em duas dimensões de uma figura espacial, que “ao vivo” tem 3 dimensões,
permite uma evolução de seu pensamento geométrico.

Parzysz (2006) chama atenção para o fato de o desenho poder se constituir em um


obstáculo para a compreensão de conceitos matemáticos, justificando que, quando o
aluno produz ou faz a leitura e a interpretação de um desenho, pode surgir um conflito
entre o que ele “vê” e o que ele “sabe”, denominado, na literatura, de “conflito do visto
e do sabido”. No caso do exemplo, a criança, ao que parece, não entrou nesse conflito,
pois não tinha a ideia da quantidade de faces do prisma, e somente a análise do dese-
nho, não propiciou essa aprendizagem, mostrando a importância do uso do material
concreto para o desenvolvimento do pensamento geométrico.

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A partir das reflexões que esta unidade proporcionou é possível concluir que o uso do mate-
rial dourado não é um material concreto adequado pois, com base em Lerner, ele modifica
o objeto do conhecimento, transformando-o em algo diferente do que ele efetivamente
é, e tira o foco do objetivo de aprendizagem. Além disso, esse material pode impedir as
crianças de se utilizarem de seus conhecimentos, substituindo-o por algo que, no geral,
tem pouco sentido para elas.
Já o uso dos materiais concretos de geometria, como caixas que representem figuras geo-
métricas espaciais, está subsidiado pelas pesquisas de Parzysz (2006), que discute os níveis
de pensamento geométrico. Para que a evolução do pensamento geométrico aconteça, há
necessidade de exploração de estratégias metodológicas com uso de materiais concretos
nos primeiros níveis e de linguagem adequada. Se a atividade proposta for acima do nível,
o estudante não terá condição de resolvê-la.

Com essas discussões, espera-se contribuir para uma reflexão de professores sobre o
uso de materiais concretos nas aulas de Matemática, com bases mais teóricas que pos-
sibilitem justificar suas escolhas.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
A comunicação na sala de aula de matemática: Um campo de desenvolvimento profissional
do professor
http://bit.ly/2NkkSS2
A Importância da Comunicação e da Interação nas Aulas de Matemática: da elaboração oral à
construção de conhecimentos
http://bit.ly/380OaNr
Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no ensino da Matemática
http://bit.ly/2QPdvnQ
Material concreto: uma estratégia pedagógica para trabalhar conceitos matemáticos nas sé-
ries iniciais do ensino fundamental
http://bit.ly/36PFQQr

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Subsídios para Mudanças nas Práticas de Ensino de Matemática

Referências
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