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A IMPORTÂNCIA DA DISCUSSÃO COLECTIVA NO DESENVOLVIMENTO
DO SENTIDO DE NÚMERO1
Elvira Ferreira
Escola Superior de Educação de Torres Novas
elvira127@netcabo.pt
Lurdes Serrazina
Escola Superior de Educação de Lisboa
lurdess@eselx.ipl.pt
Resumo
Introdução
Vários autores (Wood, 1996; Cobb & Yackel, 1996; Yackel, 2000; Wood, Cobb
&Yackel, 1995; Cobb, Stephan, McClain & Gravemeijer, 2001) têm vindo a
desenvolver projectos acerca de processos de aprendizagem de matemática nos níveis
mais elementares. Estes projectos privilegiam os momentos de reflexão através de
discussões de sala de aula à volta dos vários processos de resolução que os alunos
desenvolvem nas tarefas matemáticas.
1
Comunicação apresentada no XXI SIEM (Seminário de Investigação em Educação
Matemática, Universidade de Aveiro, 2011.
1
Fosnot e Dolk (2001) e Treffers e Buys (2001) referem que é através da discussão das
resoluções das tarefas apresentadas pelos diferentes alunos e da reflexão sobre elas que
os alunos desenvolvem o sentido de número e das operações. É importante que cada
aluno apresente aos seus colegas o modo como resolveu o problema, que seja possível
compará-lo como outras resoluções e também reflectir sobre semelhanças e diferenças
entre os vários procedimentos. As práticas de sala de aula que contemplem estes
aspectos podem ajudar os alunos a raciocinar matematicamente, a desenvolver o sentido
de número e das operações e a progredir nos diferentes níveis de raciocínio matemático.
Esta comunicação insere-se num estudo mais amplo que tem como suporte uma
experiência de ensino realizada numa turma de 2.º ano de escolaridade ao longo do ano
lectivo de 2007/08, no âmbito do tema Números e Operações. O objectivo do estudo é
compreender como os alunos desenvolvem o sentido de número num contexto de
resolução de problemas de adição e subtracção de números inteiros positivos. Em
particular, procura-se estudar as estratégias e procedimentos a que recorrem e as
dificuldades com que se deparam no âmbito de uma experiência de ensino. Nesta
comunicação, apresenta-se parte da análise dos dados de uma aluna, Catarina, focada na
importância da experiência de ensino no desenvolvimento do seu sentido de número.
Vários investigadores (Greeno, 1991; McIntosh, Reys & Reys, 1992; Resnick, 1987)
consideram que definir sentido de número não é uma tarefa fácil dado um conjunto de
componentes e capacidades a ele ligado. Para Hope (1989) “o sentido de número não
pode ser definido com precisão, mas situações onde claramente se nota a sua ausência
podem ser facilmente reconhecidas” (p. 12), isto é, é mais fácil verificar a sua ausência
quando um aluno é colocado perante determinadas situações.
2
aluno para aluno, requer alguma liberdade de actuação do aluno na utilização de
soluções múltiplas, na aplicação de múltiplos critérios e no trabalho com alguma
incerteza. Todas estas características precisam de ambientes e culturas de sala de aula
que proporcionem oportunidades para pensar em vez de regras e procedimentos iguais
para todos.
McIntosh et al. (1992) referem também que o termo “sentido de número” é impreciso,
difícil de compreender, pessoal e está relacionado com as ideias que cada um foi
estabelecendo sobre os números e operações. Estas ideias nem sempre são fáceis de
descrever e são muito mais evidentes em acção. Apesar desta dificuldade, estes autores
designam sentido de número como:
3
Verschaffel e De Corte (1996) referem que devido à sua natureza complexa e
multifacetada o desenvolvimento do sentido de número não pode ser compartimentado
em capítulos especiais de manuais ou de unidades de ensino. No fundo, um pouco a
ideia defendida por McIntosh, Reys, Reys, Bana e Farrel (1997), de que o seu
desenvolvimento resulta de uma variedade de tarefas de educação matemática em vez
de um subconjunto de tarefas especialmente designadas para esse efeito. O essencial é
que os alunos resolvam problemas dado que “são basilares na aprendizagem dos
números e operações” (Brocardo & Serrazina, 2008, p. 100).
Opções metodológicas
Este estudo tem como base uma experiência de ensino que decorreu no ano lectivo de
2007/08, numa turma do 2.º ano de escolaridade com 24 alunos. Destes, foram
seleccionados quatro alunos a partir do desempenho manifestado na resolução de
problemas de adição e subtracção apresentados inicialmente com o objectivo de fazer o
diagnóstico da forma como os alunos encaravam esses problemas. Para a recolha de
dados, recorreu-se à observação participante, fizeram-se entrevistas, recolheram-se
documentos produzidos pelos alunos e fizeram-se gravações em vídeo e áudio. Os
dados recolhidos são, essencialmente, de natureza descritiva, procurando-se
compreender e interpretar a trajectória de aprendizagem em cada caso.
A análise dos dados relativos às estratégias e procedimentos usados pelos alunos tem
como referência o quadro teórico proposto por Beishuizen (1993, 1997) que identifica
três procedimentos de resolução nos problemas de adição e subtracção, o método dos
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saltos quando as dezenas são adicionadas ou subtraídas a partir do primeiro número em
causa. Estes procedimentos são referidos por esta autora pelos acrónimos N10, N10C e
A10; o método da decomposição, quando as dezenas e as unidades são separadas e
tratadas isolada e independentemente. Estes procedimentos são referidos pelos
acrónimos 1010 (pronunciado como dez-dez) e 10s; método da compensação.
Experiência de ensino
Esta experiência de ensino tem subjacente uma perspectiva que tenta fazer uma ligação
entre as teorias construtivistas cognitiva e social, defendida por Cobb e Yackel (1996)
como perspectiva emergente. De acordo com Cobb (1991), nesta perspectiva
emergente, as verdades matemáticas são construídas interactivamente dentro da
comunidade de sala de aula. Ao longo da discussão das várias estratégias e
procedimentos desenvolvidos pelos alunos estabelecem-se normas sociais. Estas
normas resultam da interacção que aí tem lugar, que além do professor e dos alunos
envolve toda a turma e reflectem uma visão de que a aprendizagem da Matemática é
tanto um processo de construção activa individual como um processo de aculturação
das práticas matemáticas (Yackel & Cobb, 1996).
5
(Verschaffel, Greer & De Corte, 2007; Torbeyns, De Smedt, Ghesquière & Verschaffel,
2009).
Nesta comunicação, vão ser apresentados momentos de discussão que fazem parte desta
experiência de ensino e que parecem ter sido significativos no percurso de Catarina.
O percurso de Catarina
Catarina foi seleccionada por ter sido uma das alunas da turma que, inicialmente,
apresentou algumas dificuldades em usar os números e as suas relações nos problemas
apresentados na sessão de diagnóstico. Estas dificuldades indiciavam, por um lado,
algumas limitações na compreensão do seu sentido de número, por outro lado, havia
alguma evidência de que estas dificuldades podiam estar relacionadas com alguma
insegurança manifestada e não com a sua falta de capacidade matemática. Por estes
motivos, pareceu-me interessante acompanhar o seu percurso.
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dum problema de adição com significado juntar, realizado na 2.ª sessão da experiência
de ensino “Se a mãe do João Pedro lhe comprar os matraquilhos (58€) e o xilofone
(25€), quanto gastará?”. Catarina resolve-o do seguinte modo (figura 1):
7
Seguidamente, regista a do Samuel (figura 3), a do João Lopes (figura 4) e, por último,
a do Daniel (figura 5):
Após todos os alunos terem explicado como realizaram os seus cálculos, a professora
suscita o debate de modo a que identifiquem as diferentes estratégias e procedimentos
apresentados. Neste debate, e perante as resoluções expostas, a professora tenta que os
alunos identifiquem as estratégias e os procedimentos mais eficazes, numa perspectiva
de que, gradualmente, as possam adoptar no futuro.
No final da discussão na turma, quando se pede aos alunos para seleccionarem uma
resolução diferente da sua e justificar porque é diferente, Catarina regista a da Leonor.
Nesta sua opção, Catarina parece ser capaz de a comparar com a sua resolução e
identificar a diferença existente, indicando a natureza dessa diferença “Esta é diferente
porque eu decompus os números e a Leonor fez logo tudo directo” isto é, parece
reconhecer a maneira como podem ser manipulados os números.
A escolha de Catarina desta resolução pode estar relacionada com o que manifestou
durante a discussão, afirmando “A maneira como a Leonor fez é aquela que eu
compreendo melhor”, apesar da maioria dos colegas terem reconhecido que era muito
“demorada”. Esta manifestação de Catarina pode indicar que, apesar de, aparentemente,
saber decompor os números ainda não os consegue manipular tendo em atenção essa
decomposição. Provavelmente, ainda não se apropriou de todo o processo que envolve
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lidar com os números, isto é, ainda não os compreende como objectos mentais e, talvez
por este motivo, ainda tenha alguma dificuldade em realizar os cálculos.
Inicialmente, Catarina revela alguma indecisão. Primeiro regista 105 +, mas risca,
parecendo ir recorrer a uma estratégia aditiva. Depois, regista 202 - 2 = 200 e 200 -, mas
também não continua (figura 6):
Para a discussão final das estratégias e procedimentos usados pelos alunos, a professora
selecciona três resoluções, duas com estratégias aditivas (figuras 7 e 8) e uma
subtractiva (figura 9).
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Figura 7: Resolução do David Figura 8: Resolução do João L.
Figura 9: Resolução do Gonçalo
10
alteração na linguagem matemática, essencialmente, quando refere “subtrair”,
geralmente referia “de menos”.
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estratégia é diferente da minha porque a Beatriz fez de subtrair e eu fiz de somar”. Esta
identificação é um aspecto que Catarina tem vindo a melhorar e que parece influenciar o
seu desempenho e o desenvolvimento do seu sentido de número.
Considerações finais
Dos dados aqui apresentados, bem como da análise já realizado de outros dados do
estudo, pode afirmar-se que o desempenho de Catarina revela, que à medida que a
experiência de ensino decorre, há um desenvolvimento positivo do seu sentido de
número. Aspectos como a visualização e discussão de outras estratégias e
procedimentos, a visualização e discussão do estabelecimento de outras relações entre
os números, a observação do recurso à estratégia aditiva na resolução de problemas de
subtracção e a sua participação na discussão parecem ter contribuído para que Catarina,
gradualmente, alterasse as suas estratégias de resolução dos problemas de subtracção,
recorrendo com mais frequência à estratégia aditiva, e usasse novas relações entre os
números as operações. Estes resultados parecem confirmar estudos recentes (Kilpatrick,
Swafford, & Findell (2001); Verschaffel, Greer, & De Corte (2007) que sugerem que o
desenvolvimento de estratégias e procedimentos pelos alunos é influenciado pelo
ambiente social e sociomatemático em que estão envolvidos.
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estratégias e procedimentos foi particularmente importante no percurso de Catarina,
tendo proporcionado o desenvolvimento da sua comunicação escrita, parecendo tê-la
ajudado a “consolidar o seu pensamento, uma vez que a obrigou a reflectir sobre o seu
trabalho e a clarificar as suas ideias acerca das noções desenvolvidas na aula” (Boavida,
Paiva, Cebola, Vale & Pimentel, 2008, p. 68).
Em síntese, considera-se que esta experiência de ensino, a forma como foi planificada,
dando especial atenção ao momento da discussão final e à síntese da aula, contribuiu
para a evolução do sentido de número de Catarina, apropriando-se gradualmente de
outras estratégias e outros procedimentos. Embora estes processos sejam lentos, o
ambiente criado parece ter encorajado Catarina a ganhar mais confiança, a ser menos
ansiosa e a gostar mais de fazer matemática.
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