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Fundamentos

Metodológicos do
Ensino de Matemática
Material Teórico
O Ensino de Matemática

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Me. Priscila Bernardo Martins
Prof.ª Dr.ª Edda Curi

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
O Ensino de Matemática

• Introdução;
• Organização dos Conteúdos Matemáticos na BNCC (2017);
• Resolução de Problemas;
• O recurso às Tecnologias da Informação e da Comunicação;
• O Recurso aos Jogos;
• O Uso de Tarefas Investigativas.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Discutir o currículo de Matemática dos anos iniciais, traçando um paralelo com o que você
estudou na sua escolaridade básica;
• Refletir sobre o ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental;
• Ampliar conhecimentos sobre perspectivas metodológicas e didáticas para o ensino
de Matemática;
• Fomentar discussões sobre as indicações curriculares propostas em documentos atuais.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE O Ensino de Matemática

Contextualização
Nos tempos atuais, a Matemática a ser ensinada precisa ser pensada como um
corpo de conhecimentos que, juntamente com outras áreas, deve contribuir para
a compreensão e ação no mundo contemporâneo e para o desenvolvimento do
indivíduo numa perspectiva de formação para a cidadania. Em função disso, alguns
problemas no ensino dessa área do conhecimento devem ser enfrentados, tanto
em relação à organização curricular quanto em relação às questões de natureza
metodológica e didática, e também devem ser incorporadas discussões de ações
didáticas com base em pesquisas atuais de Educadores Matemáticos.

Mas será que sempre foi assim?

Não. Muitas vezes, o ensino vivenciado pelos professores enquanto alunos, na


sua escolaridade básica, deixou marcas negativas com relação à Matemática. Essas
experiências são, frequentemente, apontadas por professores que atuam nos anos
iniciais do ensino fundamental ou por alunos dos cursos de Pedagogia. Em seus es-
tudos, Curi (2004, 2005) aponta que a escolha profissional do curso de magistério
dos anos iniciais, muitas vezes, é decorrente de traumas vivenciados como alunos
em Matemática. Os depoimentos a seguir ilustram esses comentários.
Não gostava de Matemática. Fui reprovada no primeiro colegial em Mate-
mática por faltas, pois não assistia aulas, ficava na quadra jogando vôlei.
As aulas eram chatas e cansativas, não me interessavam. Minha mãe
me propôs pagar uma escola particular se eu cursasse o magistério e foi
assim que “acabei sendo professora”. (CURI, 2004, p.114)

Não sabia e não gostava de Matemática. Nunca tive bons professores. Ti-
nha medo de alguns professores e tinha certeza de que a Matemática não
era para mim. Tinha muito medo da Matemática e gostava de crianças.
Decidi: vou ser professora, pois não preciso de Matemática para ensinar
as crianças. (CURI, 2004, p.114)

Esse tipo de vivência deve ser problematizado, pois, ao contrário, esses pontos
de vista, certamente, influenciarão negativamente na atuação desses professores.
Nesta Unidade, faremos algumas problematizações sobre esse assunto.

Antes de passarmos para o próximo tópico, reflita:

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Como aprendi
Matemática?

Como vou ensinar O que aprendi


Matemática? de Matemática?

O que vou ensinar


de Matemática?

Figura 1

E você? Conseguiu responder a todos os questionamentos?

Esperamos que, ao final da disciplina, você possa complementar essas respostas...

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UNIDADE O Ensino de Matemática

Introdução
No último século, a Educação Matemática vem se consolidando como uma área
científica, e cresceu substancialmente a quantidade de pesquisas que fazem referên-
cia às estratégias de ensino de Matemática, ao pensamento do professor e que tam-
bém buscam compreender as aprendizagens e dificuldades dos alunos em relação a
um determinado tema, ao papel da motivação e dos interesses dos alunos sobre as
aprendizagens, entre outros aspectos.

Em função do desenvolvimento dessas pesquisas e também de estudos da Psico-


logia, da Sociologia e do desenvolvimento da sociedade, vários países do mundo,
na década de 1990, fizeram reformulações curriculares. Entre eles, o Brasil, cujo
Ministério da Educação e Cultura (MEC), por volta de 1996, elaborou Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) para os diversos segmentos de ensino.

Após um período de estudos e reflexões sobre esse documento, já nos anos


2000, as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação apresentam também suas
orientações curriculares.

Conforme o Relatório de Análise de Propostas Curriculares de Ensino Funda-


mental e Ensino Médio, publicado em 2010 pelo MEC (BRASIL, 2010), há muitas
semelhanças entre as propostas curriculares apresentadas por essas Secretarias com
as orientações nacionais, destacando-se os fundamentos da Psicologia da Aprendi-
zagem, na perspectiva do construtivismo, conforme trecho apresentado a seguir:
Quanto à fundamentação das propostas, é central a concordância com
as indicações legais e com as perspectivas teóricas presentes nas orien-
tações oficiais centrais, principalmente a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB 9.394/96), as Diretrizes e Parâmetros Curriculares Na-
cionais (DCN e PCN), os fundamentos da psicologia da aprendizagem,
na perspectiva do construtivismo. Diferentes concepções, tendências e
tradições pedagógicas, presentes no campo pedagógico, misturam-se,
fundem-se com as orientações citadas, produzindo explicações e aborda-
gens que fazem sentido e confirmam o hibridismo de contribuições dis-
tintas na constituição do discurso curricular no país, apontado por muitos
estudiosos do currículo. (BRASIL, 2010, p. 441)

Em tempos atuais, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017) – aponta


o conhecimento matemático como essencial para todos os estudantes da Educação
Básica, seja por sua vasta aplicação na sociedade contemporânea, como também
pelas suas potencialidades na formação de cidadãos críticos, conhecedores de suas
responsabilidades sociais.

O documento, por sua vez, destaca que a Matemática não se limita somente à
contagem, medição de objetos, grandezas – e das técnicas de cálculo com os núme-
ros e com as grandezas –, visto que também explora fenômenos de caráter aleatório.

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A Matemática cria sistemas abstratos, que organizam e inter-relacionam
fenômenos do espaço, do movimento, das formas e dos números, as-
sociados ou não a fenômenos do mundo físico. Esses sistemas contêm
ideias e objetos que são fundamentais para a compreensão de fenôme-
nos, a construção de representações significativas e argumentações con-
sistentes nos mais variados contextos. (BNCC, 2017, p. 265)

Muito embora a Matemática seja considerada uma ciência hipotético-dedutiva,


à medida que suas demonstrações se sustentam sobre um sistema de axiomas e
postulados, é importante também levar em conta o seu papel heurístico das expe-
rimentações na aprendizagem da Matemática.

A BNCC (2017) propõe essa área de conhecimento, no Ensino Fundamental,


por meio da articulação de seus múltiplos campos Aritmética, Álgebra, Geometria,
Estatística e Probabilidade, e carece garantir que os estudantes relacionem observa-
ções empíricas do mundo real a representações como tabelas, figuras e esquemas,
associando essas representações a uma atividade matemática (conceitos e proprie-
dades), fazendo conjecturas. O que se espera é que os estudantes desenvolvam a
capacidade de identificar oportunidades de uso da matemática para resolver proble-
mas, empregando conceitos, procedimentos e resultados na aquisição de respostas
e interpretá-las de acordo com os contextos das situações.

De acordo com o documento, o Ensino Fundamental deve assegurar o desen-


volvimento do letramento matemático, ou seja, as competências e habilidades
de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de forma a
viabilizar o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de proble-
mas em vários contextos, empregando conceitos, procedimentos, fatos e recursos
matemáticos. O letramento matemático também determina o reconhecimento dos
estudantes a respeito dos conhecimentos matemáticos fundamentais para o en-
tendimento e a atuação no mundo e a percepção do caráter de jogo intelectual da
matemática, como fato que oportuniza o desenvolvimento do raciocínio lógico e
crítico, incentivando a investigação.

A BNCC (2017) destaca, ainda, que os processos matemáticos de resolução de


problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem po-
dem ser mencionados como modos privilegiados da atividade matemática. Esses
processos são valiosos para o desenvolvimento de competências essenciais para o
letramento matemático (raciocínio, representação, comunicação e argumentação).

Considerando esses princípios, o componente curricular de Matemática deve as-


segurar a todos os estudantes o desenvolvimento de oito competências específicas,
conforme as listadas a seguir:
1. Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das neces-
sidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos
históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar problemas
científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, in-
clusive com impactos no mundo do trabalho.

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UNIDADE O Ensino de Matemática

2. Desenvolver o raciocínio lógico, o espírito de investigação e a capaci-


dade de produzir argumentos convincentes, recorrendo aos conhecimen-
tos matemáticos para compreender e atuar no mundo.

3. Compreender as relações entre conceitos e procedimentos dos diferentes


campos da Matemática (Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Pro-
babilidade) e de outras áreas do conhecimento, sentindo segurança quanto
à própria capacidade de construir e aplicar conhecimentos matemáticos,
desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções.

4. Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos


presentes nas práticas sociais e culturais, de modo a investigar, organi-
zar, representar e comunicar informações relevantes, para interpretá-las
e avaliá-las crítica e eticamente, produzindo argumentos convincentes.

5. Utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias


digitais disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais
e de outras áreas de conhecimento, validando estratégias e resultados.

6. Enfrentar situações-problema em múltiplos contextos, incluindo-se si-


tuações imaginadas, não diretamente relacionadas com o aspecto práti-
co-utilitário, expressar suas respostas e sintetizar conclusões, utilizando
diferentes registros e linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, além de
texto escrito na língua materna e outras linguagens para descrever algo-
ritmos, como fluxogramas, e dados).

7. Desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo, questões


de urgência social, com base em princípios éticos, democráticos, susten-
táveis e solidários, valorizando a diversidade de opiniões de indivíduos e
de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.

8. Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletiva-


mente no planejamento e desenvolvimento de pesquisas para responder
a questionamentos e na busca de soluções para problemas, de modo a
identificar aspectos consensuais ou não na discussão de uma determi-
nada questão, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo
com eles. (BNCC, 2017, p. 267)

Além dessas competências e pressupostos, a BNCC leva em consideração que


os variados campos que constituem a Matemática agrupam um conjunto de ideias
fundamentais que produzem articulações entre si: equivalência, ordem, proporcio-
nalidade, interdependência, representação, variação e aproximação. Essas ideias
são relevantes para o desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes
e devem se modificar, na escola, em objetos de conhecimento.

Curi (2019) chama atenção para o fato:


O que se vê na tradição pedagógica é que, em Matemática, uma lista gran-
de de objetos do conhecimento é explorada, mas com pouca atenção às
ideias fundamentais envolvidas. Essa lista costuma ser extensa e, muitas
vezes, ampliada por tópicos fragmentados de um determinado objeto do
conhecimento nem sempre significativo para o ensino. Se considerarmos

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a lista das ideias fundamentais em Matemática, ela não é tão extensa, pelo
fato de essas ideias estarem presentes no estudo de uma diversidade de
objetos do conhecimento. (CURI, 2019, p.39)

Percebemos a presença de muitas dessas ideias em variadas Unidades Temáticas


da BNCC (2017), conforme especificadas na Tabela abaixo.

Tabela 1
Unidade Temática Ideia Fundamental Habilidade
(EF02MA02) Fazer estimativas por meio de
estratégias diversas a respeito da quantidade
Números Aproximação
de objetos de coleções e registrar o resultado da
contagem desses objetos (até 1000 unidades).
(EF02MA17) Estimar, medir e comparar
capacidade e massa, utilizando estratégias
Grandezas e Medidas Aproximação pessoais e unidades de medida não padronizadas
ou padronizadas (litro, mililitro, grama e
quilograma).
(EF04MA06) Resolver e elaborar problemas
envolvendo diferentes significados da
multiplicação (adição de parcelas iguais,
Números Proporcionalidade
organização retangular e proporcionalidade),
utilizando estratégias diversas, como cálculo por
estimativa, cálculo mental e algoritmos.
(EF08MA13) Resolver e elaborar problemas que
Álgebra Proporcionalidade envolvam grandezas diretamente ou inversamente
proporcionais, por meio de estratégias variadas.

Na organização curricular, essas ideias devem estar coerentemente articuladas.


A ausência dessa articulação impossibilita a aprendizagem dos estudantes e não
favorece a conexão entre elas, nem nas interações entre si e tampouco como elas
podem ser empregadas fora do contexto educacional ou noutras disciplinas.

Organização dos Conteúdos


Matemáticos na BNCC (2017)
A BNCC (2017) propõe a organização dos conteúdos em cinco unidades te-
máticas correlatas, que direcionam a formulação de habilidades e objetos de co-
nhecimentos a serem contemplados ao longo do Ensino Fundamental: Números,
Álgebra, Geometria, Grandezas e Medidas e Probabilidade e Estatística.

A unidade temática Números tem como propósito desenvolver o pensamento


numérico, que provoca o conhecimento de modos de quantificar objetos e de presumir
e interpretar argumentos fundamentados em quantidades. Para os anos iniciais, a
expectativa que se apresenta para esta unidade temática é que os estudantes resolvam
problemas com números naturais e números racionais cuja representação decimal é
finita, abarcando variados significados das operações, argumentando os procedimentos
empregados para a resolução e analisem a plausibilidade dos resultados.

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UNIDADE O Ensino de Matemática

Já unidade temática Álgebra, tem por objetivo o desenvolvimento do pensa-


mento algébrico – que é especial para usar modelos matemáticos na compreensão,
representação e interpretação de relações quantitativas de grandezas e de situações
e esquemas matemáticos, empregando, por sua vez, letras e símbolos. Espera-se
que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o trabalho com as ideias de regulari-
dade, generalização de padrões e propriedades da igualdade.

Quanto à unidade temática Geometria, abarca a exploração de um vasto conjun-


to de conceitos e procedimentos imprescindíveis para resolver problemas do mundo
físico e de variadas áreas do conhecimento. De acordo com a BNCC (2017, p. 272):
No Ensino Fundamental – Anos Iniciais, espera-se que os alunos identi-
fiquem e estabeleçam pontos de referência para a localização e o deslo-
camento de objetos, construam representações de espaços conhecidos e
estimem distâncias, usando, como suporte, mapas (em papel, tablets ou
smartphones), croquis e outras representações. Em relação às formas,
espera-se que os alunos indiquem características das formas geométricas
tridimensionais e bidimensionais, associem figuras espaciais a suas pla-
nificações e vice-versa. Espera-se, também, que nomeiem e comparem
polígonos, por meio de propriedades relativas aos lados, vértices e ângu-
los. O estudo das simetrias deve ser iniciado por meio da manipulação
de representações de figuras geométricas planas em quadriculados ou no
plano cartesiano, e com recurso de softwares de geometria dinâmica.

Em se tratando da unidade temática Grandezas e Medidas, a BNCC propõe


o estudo das medidas e das relações entre si, isto é, das relações métricas, promo-
vendo a articulação da Matemática a outras áreas de conhecimento. Espera-se nos
anos iniciais do Ensino Fundamental que os estudantes compreendam que medir
é comparar uma grandeza com uma unidade e revelar o resultado da compara-
ção por meio de um número. Ademais, os estudantes devem resolver problemas
vivenciados em situações cotidianas que envolvem comprimento, massa, tempo,
temperatura, área de triângulos e retângulos e a capacidade e volume de sólidos
constituídos por blocos retangulares.

Por fim, a unidade temática Probabilidade e Estatística propõe a abordagem


para garantir que todos os estudantes possam desenvolver habilidades para co-
letar, organizar, representar, interpretar e analisar dados em múltiplas situações,
de modo a fazer conjecturas bem respaldadas e tomar as decisões pertinentes.
Incluindo raciocinar e empregar conceitos, representações para descrever, justificar
e predizer fenômenos. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a finalidade é pro-
piciar o entendimento de que nem todos os fenômenos são determinísticos. Para
isso, o trabalho com a probabilidade está focado no desenvolvimento da noção de
aleatoriedade, de forma que os estudantes possam perceber que há eventos certos,
eventos impossíveis e eventos prováveis. Com relação à Estatística, espera-se:
Os primeiros passos envolvem o trabalho com a coleta e a organização de
dados de uma pesquisa de interesse dos alunos. O planejamento de como
fazer a pesquisa ajuda a compreender o papel da estatística no cotidiano

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dos alunos. Assim, a leitura, a interpretação e a construção de tabelas e
gráficos têm papel fundamental, bem como a forma de produção de texto
escrito para a comunicação de dados, pois é preciso compreender que
o texto deve sintetizar ou justificar as conclusões. (BNCC, 2017, p. 275)

Cada uma dessas unidades pode ser explorada de modo capilar, dependendo
apenas do ano de escolarização.

Passaremos adiante a refletir sobre alguns recursos sobre o ensino de Matemática.

Resolução de Problemas
Tradicionalmente, nas aulas de Matemática, o problema é usado como aplica-
ção de conteúdos já estudados, ou seja, o professor ensina a técnica operatória da
adição e depois passa uma lista de problemas para serem resolvidos por essa ope-
ração. Com esse foco, o problema não mobiliza estratégias de resolução e funciona
mais como um exercício de aplicação do que já foi estudado.

Quando se age dessa forma, ao final do ensino das quatro operações básicas, o
professor propõe uma lista de problemas para serem resolvidos e as crianças pre-
cisam identificar qual operação vai resolver o problema. Surgem, então, questões
dos tipos: “Esse problema é de mais ou de menos?”; “Qual operação devo usar?”,
entre outras.

Uma definição clássica de “problema” identifica-o com “uma situação que um


indivíduo (ou um grupo) quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um
caminho rápido e direto que o leve à solução” (LESTER, 1983).

Os estudos sobre resolução de problemas mostram que uma mesma situação


pode ser um problema para alguns alunos e não para outros, pois já é resolvi-
do imediatamente, com um mínimo de recursos cognitivos. Dessa forma, um
problema pode ser reduzido a um mero exercício, que pode não interessar aos
alunos resolvê-lo.

D’Amore (2007) evidencia algumas diferenças entre problemas e exercícios e


apresenta um quadro síntese:

Tabela 2
‘Problema Exercício
• Instrumento para consolidar
• Instrumento de aquisição
conhecimentos e habilidades;
No ensino de conhecimento;
• Instrumento para verificar
• Objeto de ensino.
conhecimentos e habilidades.
Privilegia Processos. Produtos.
• Escolhe os problemas; • Escolhe os exercícios;
O professor
• Acompanha os processos. • Corrige e avalia os produtos.
O aluno tem um papel Produtivo. Executivo.
Fonte: D’Amore, 2007, Capítulo 9, p. 300

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No Brasil, Onuchic e Allevato pesquisam sobre a “Metodologia de Ensino- Apren-


dizagem – Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas”. Em seus
trabalhos, Onuchic (1999, 2004) e Onuchic e Allevato (2005) discutem a imple-
mentação da Resolução de Problemas como metodologia de ensino de Matemática.

Para as autoras citadas, a seleção de problemas para serem propostos aos alunos
deve ser criteriosa, pois o problema escolhido deve permitir conexões com outras
ciências e os diferentes ramos da matemática, gerando novos conceitos e novos
conteúdos. (ALLEVATO; ONUCHIC, 2003).

Dessa forma, o planejamento é essencial. A seleção dos problemas precisa ser


planejada a cada aula, considerando o grau de complexidade em relação à compre-
ensão dos alunos e aos objetivos de ensino propostos. Além disso, é necessário não
só planejar questões para a condução dos alunos à resolução dos problemas, como
também socializar os procedimentos utilizados, analisar as estratégias apresentadas
e discutir alguns consensos para melhor formalização dos novos conceitos e novos
conteúdos construídos a partir do problema dado (ALLEVATO; ONUCHIC, 2006).

Quando um professor propõe situações mais desafiadoras num determinado


problema, sua resolução apresenta uma demanda cognitiva e motivadora maior
do que se a situação não for desafiadora. Assim, os problemas selecionados pelo
professor devem ser variados, tanto com relação ao contexto como com relação
aos temas matemáticos e aos tipos de enunciados e de resolução, ou seja, é preciso
ficar atento a enunciados com mais dados do que necessários, enunciados com
menos dados que o necessário, problemas com uma única solução, sem solução ou
com mais de uma solução.

Allevato e Onuchic (2006) enfatizam que os alunos, ao resolverem um problema,


usam seus conhecimentos já construídos e, em função disso, buscam caminhos de
resolução e decidem quais os mais adequados para resolver determinado problema.

Dessa forma, a resolução de problemas em pequenos grupos permite uma dis-


cussão coletiva do que deve ser feito para chegar à solução, dos procedimentos
usados, relacionando ideias, conhecimentos e sugestões. Cabe ao professor acom-
panhar continuamente os alunos na resolução de problemas, identificando os pro-
cedimentos adotados, visando avaliar seu progresso, integrando a avaliação no
processo de ensino e aprendizagem por meio da resolução de problemas.

O recurso às Tecnologias da
Informação e da Comunicação
A BNCC (2017) aponta o uso de tecnologias digitais de informação e comuni-
cação como uma das competências específicas para o ensino de Matemática na
Educação básica, para que os estudantes possam se comunicar, acessar e propagar

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informações, construir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo
tanto na vida pessoal quanto coletiva.

Hoje, os recursos tecnológicos são usados socialmente, mas, em sala de aula,


ainda necessita de experiências educacionais acompanhadas e avaliadas, e também
de estudos, nessa área, referentes à formação inicial e continuada do professor do
ensino fundamental, para que ele possa explorar amplamente as possibilidades de
uso de computador com seus alunos.

É importante salientar o uso de softwares e objetos virtuais de aprendizagem


criados para apoiar a construção de conhecimentos matemáticos. Esse tipo de
objeto incentiva os alunos a aprenderem num contexto de resolução de problemas,
permite simulações, formulação de hipóteses etc.

A escolha desses objetos deve ser feita em função dos objetivos que pretende
atingir e, também, da concepção de aprendizagem do objeto, se ele é dirigido mais
a um trabalho para testar conhecimentos ou se procura levar o aluno a interagir
com o programa, possibilitando a construção de conhecimento.

Mas há outras possibilidades de uso de computadores nas aulas de Matemática,


como a exploração de e-mails, os fóruns de discussão, os chats etc. O uso das redes
sociais e de plataformas digitais permite o diálogo e a construção de comunidades
de aprendizes.

Documentos curriculares atuais destacam a importância da comunicação nas


aulas de Matemática e apresentam, como exemplos, o uso de textos de jornais e de
revistas. O uso desse tipo de texto em formatos digitais permite desenvolver habili-
dades de leitura, de escrita, de seleção de informações e de resolução de problemas.

Em geral, os textos incorporam dados numéricos que precisam ser explorados,


além de interpretação de gráficos, tabelas e esquemas. Como nos outros recursos,
a escolha do texto é responsabilidade do professor, que deve relacionar sua escolha
aos objetivos do ensino de Matemática.

É importante o desenvolvimento da escrita nas aulas de Matemática, visto que


o professor solicita que o aluno produza um texto para explicar seu raciocínio,
descreva e interprete dados apresentados em tabelas e gráficos, formule situações-
-problema, elabore pequenas sínteses ou descreva suas hipóteses.

É possível explorar o computador, tablets e outros recursos tecnológicos nas aulas de Ma-
Explor

temática para incentivar a participação dos alunos e a comunicação escrita? De que forma?

Cabe destacar a importância da comunicação oral nas aulas de Matemática,


para que professores e alunos possam fazer uso adequado da linguagem oral. Mas
também é muito importante o uso da simbologia matemática e estabelecimento de
relações entre a linguagem cotidiana e as diferentes representações Matemáticas.

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UNIDADE O Ensino de Matemática

O Recurso aos Jogos


Documentos curriculares atuais mostram que os jogos têm se constituído de
forma dinâmica e desafiadora como situações para a resolução de problemas, visto
que são atrativos e contribuem para a criatividade na elaboração de estratégias de
resolução. Desse modo, os jogos merecem um lugar de destaque na educação de
crianças e jovens, por serem atividades presentes em seus cotidianos, o que favore-
ce que eles conheçam o mundo em que vivem.

Para crianças pequenas, os jogos são fonte de significado, pois possibilitam com-
preensão, geram satisfação, formam hábitos que se estruturam num sistema.

As crianças pequenas repetem um mesmo jogo várias vezes, mesmo que ele
deixe de ser desafiante. Essa repetição possibilita à criança perceber regularidades
e deve estar presente na atividade escolar.

Os jogos permitem às crianças e aos jovens a apropriação de conhecimentos, a


busca de estratégias e o desenvolvimento da autonomia, entre outros.

No que se refere ao ensino de Matemática, o professor, ao incentivar o jogo nas


suas aulas, pode contribuir para a aproximação dos estudantes com o conhecimen-
to matemático, favorecendo situações de resolução de problemas.

O documento Orientações Didáticas do Currículo da Cidade (2017, p. 40-41)


apresenta sete momentos de intervenção pedagógica propostos por Grando (2010),
a partir dos jogos para o ensino e aprendizagem matemática que oportuniza refle-
xões, sistematizações e conceituações dessa área de conhecimento.
1° Momento – familiarização dos estudantes com o material do jogo:
Nesse momento, os estudantes entram em contato com o material do
jogo e estabelecem analogias com os jogos já conhecidos.

2° Momento – reconhecimento das regras: As regras do jogo precisam


ser reconhecidas pelos estudantes a partir de explicações do professor ou
lidas pelos estudantes ou, ainda, por meio da realização de simulações
de partidas, nas quais o professor pode jogar com um estudante que já
conhecia o jogo, enquanto os demais tentam identificar as regularidades
nas jogadas e as regras.

3° Momento – o “jogo pelo jogo” – jogar para garantir regras: Este


é o momento do jogo espontâneo, quando o estudante joga para garantir
a compreensão das regras. Neste momento, podem ser exploradas algu-
mas noções matemáticas envolvidas no jogo.

4° Momento – intervenção pedagógica verbal: Os estudantes jogam


contando com as intervenções verbais do professor durante o jogo. Ca-
racteriza-se por questionamentos e observações realizadas pelo professor

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para provocar os estudantes a analisarem suas jogadas (previsão de jogo,
análise de possíveis jogadas a serem realizadas, constatação de “jogadas
erradas” etc.).

5° Momento – registro do jogo: O registro pode acontecer dependen-


do da natureza do jogo e dos objetivos. O registro dos pontos ou dos
procedimentos e cálculos utilizados pode ser considerado uma forma de
sistematização e formalização, usando uma linguagem matemática. Para
o professor, o registro é um instrumento importante que permite conhe-
cer melhor os estudantes. É importante que o professor procure fazer
intervenções que gerem a necessidade do registro escrito, considerado
um instrumento que permite aos estudantes a análise de suas jogadas e a
construção de estratégias.

6° Momento – intervenção escrita: Refere-se à problematização mate-


mática do jogo e propicia uma análise mais específica sobre ele, aborda
diferentes aspectos que podem não ter ocorrido durante as partidas.

7° Momento – jogar com ‘competência’: O último momento considera


os aspectos anteriormente analisados (intervenções). O termo “jogar com
competência” é usado considerando que o estudante, ao jogar e refletir
sobre as suas e outras possíveis jogadas, adquire uma certa “competên-
cia” naquele jogo.

O Uso de Tarefas Investigativas


Outra abordagem metodológica próxima à resolução de problemas, destacada
em currículos atuais, é relativa às tarefas exploratórias e/ou investigativas.

Neste texto, não vamos diferenciar tarefas exploratórias das atividades


investigativas.

Segundo Matesco e Fiorentini (2006), as tarefas exploratórias e/ou investigativas


são aquelas que mobilizam e desencadeiam atividades abertas, exploratórias e não
diretivas e que apresentam múltiplas possibilidades de resolução.

Alguns autores destacam que as tarefas investigativas constituem-se de situações


abertas, cujo objetivo é a exploração e não a resposta certa, ou seja, o que interessa
é o processo de resolução.

Ponte (2003) afirma que, numa investigação, o objetivo é a exploração, de modo


que ela se torne um processo e não um produto. Ele destaca que, a princípio, o
professor escolherá a situação, formulará questões com alguns encaminhamentos,
mas são os alunos que investigarão a tarefa e discutirão as questões, sua validade e
o processo de solução da mesma.

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UNIDADE O Ensino de Matemática

Nas investigações, a tarefa é mais aberta do que na metodologia de resolução de


problemas. A realização de uma investigação matemática envolve quatro momen-
tos principais: reconhecimento da situação; formulação de conjecturas; realização
de testes; argumentação, demonstração e avaliação do trabalho realizado.

Nas aulas de Matemática, o uso de tarefas exploratório-investigativas, certa-


mente, exigirá do professor uma postura mais aberta, pois exige experimentação,
exploração, reflexão e comunicação. Esse tipo de atividade constitui-se uma fer-
ramenta educacional importante para ampliar as aprendizagens e desenvolver o
raciocínio dos estudantes.

20
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
O Jogo e a Matemática no Contexto da Sala de Aula
GRANDO, R. C. O jogo e a matemática no contexto da sala de aula. São Paulo:
Paulus, 2004.
Investigações Matemáticas na Sala de Aula
PONTE, J. P.; BROCARDO, J.; OLIVEIRA, H. Investigações matemáticas na sala de
aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

Leitura
O Ensino de Matemática em Questão: Apontamentos para a Discussão e Implementação do Currículo da Cidade
http://bit.ly/37kDZ5Q
Explorar e Investigar em Matemática: Desafio para Estudantes e Professores
http://bit.ly/2SmOBNl

21
21
UNIDADE O Ensino de Matemática

Referências
ALLEVATO, N. S. G.; ONUCHIC, L. R. A resolução de problemas e o uso do
computador na construção do conceito de Taxa Média de Variação. Revista de
Educação Matemática. São Paulo, n.8, p.37-42. 2003.

________.; ________. Ensino-Aprendizagem – Avaliação de Matemática através


da Resolução de Problemas – Uma Nova Possibilidade para o Trabalho em Sala de
Aula. In: Reunião De Didática Da Matemática Do Cone Sul, 7, 2006, Águas De
Lindóia. Anais da VII Reunião de Didática da Matemática do Cone Sul: Hotel
Monte Real, 2006. p.1-18.

BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília: Ministério da Educação/Se-


cretaria.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Relatório de


análise de propostas curriculares de ensino fundamental e ensino médio.
Brasília: MEC / SEB, 2010.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros


Curriculares Nacionais, Matemática, 1º e 2º ciclos. Brasília: MEC / SEB, 1997.

CURI, E. Formação de professores polivalentes: uma análise de conhecimentos


para ensinar matemática e de crenças e atitudes que interferem na constituição
desses conhecimentos. 2004. Tese (Doutorado)-Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2004.

D’AMORE, B. Elementos da Didática da Matemática. Tradução Maria Cristina


Bonomi. São Paulo: Livraria da Física, 2007.

MATESCO, E. Cristovão; FIORENTINI, D. Aulas Investigativas: Só mais um mo-


dismo? In: FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Histórias e investigações de/em
aulas de Matemática. Campinas: Alínea, 2006.

ONUCHIC, L. R. Ensino-aprendizagem de Matemática através da resolução de


problemas. In: BICUDO, M. A. V.(Org.). Pesquisa em Educação Matemática. São
Paulo: Editora UNESP, 1999. cap.12, p.199-220.

________. A Resolução de Problemas e o trabalho de ensino-aprendizagem na constru-


ção dos números e das operações definidas sobre eles. In: ENEM, 8., 2004.

________.; ALLEVATO, N. S. G. Novas reflexões sobre o ensino-aprendizagem


de matemática através da resolução de problemas. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA,
M. C. (Org.). Educação Matemática – pesquisa em movimento. p. 213-231. São
Paulo: Cortez, 2005.

PONTE, J. P. Investigação sobre investigações Matemáticas em Portugal. In: Revista


Investigar em Educação. Edição SPCE. Lisboa: Gráfica, 2003.

22
RECIFE. Anais do VIII Encontro Nacional de Educação Matemática. Recife:
UFP, 2004.

SÃO PAULO. Orientações Didáticas do Currículo da Cidade de São Paulo, v.1


-Matemática. São Paulo: Secretaria Municipal da Educação, 2017.

23
23
Fundamentos Metodológicos
do Ensino de Matemática
Material Teórico
O Ensino dos Números Naturais e do
Sistema de Numeração Decimal

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Me. Priscila Bernardo Martins
Prof.ª Dr.ª Edda Curi

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

• O Ensino dos Números Naturais;


• O Sistema de Numeração Decimal;
• Anexo I.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Discutir as mudanças no ensino de Matemática em relação aos números naturais;
• Refletir, ainda, sobre concepções de ensino e aprendizagem dos números naturais e a
contribuição de diferentes teorias e pesquisas sobre o tema, fazendo um paralelo de
como se ensina esse tema e o que as teorias e as pesquisas atuais trazem de contribuições
para avanços nas aprendizagens das crianças.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

Contextualização
Os avanços da Pedagogia e da Psicologia provocaram mudanças no foco do
ensino dos Números Naturais. As investigações sobre a construção do conceito de
número foram impulsionadas pela teoria de Piaget e também de sua colaboradora
Kamii. No entanto, ao longo da década de 1990, as investigações sobre a constru-
ção do conceito de número receberam novos olhares e novas contribuições. Uma
delas é a de Michel Fayol. Outra importante contribuição é a das pesquisadoras
argentinas Delia Lerner e Patrícia Sadovsky.

A análise dos trabalhos dos diferentes autores revela pontos comuns, mas tam-
bém evidencia que a ênfase dada por eles a um determinado aspecto do processo
de construção do número é bastante peculiar.

Nesta Unidade, apresentamos as posições de destaque que esses autores confe-


rem ao processo de construção do conceito de número pelas crianças.

8
O Ensino dos Números Naturais
Na década de 1980, educadores brasileiros entraram em contato com as ideias
de Piaget sobre a construção do número. Esse autor defendia a importância de
se trabalhar com atividades pré-numéricas (classificação, seriação e sequenciação)
que, no seu entender, possibilitavam à criança construir o conceito de número. Des-
sa forma, nas orientações curriculares da época, havia recomendações para que,
em sala de aula, fossem desenvolvidas atividades de seriação, classificação e cor-
respondência termo a termo. Essas orientações curriculares destacavam também o
uso de materiais concretos nas aulas e apontavam a importância do trabalho com
os denominados Blocos Lógicos em atividades que visavam ao desenvolvimento do
raciocínio lógico.

Piaget defendia a ideia de que a interação entre as estruturas mentais, já existen-


tes na criança e o ambiente, por meio de uma ação, era responsável pela construção
de conhecimentos. Ele afirmava que as seis etapas do desenvolvimento da criança
ocorrem em uma sequência em que cada aquisição se apoia em conhecimentos
anteriores e serve de apoio às aquisições posteriores. Segundo o autor, é por aná-
lise e síntese que a criança constrói o novo, o que ele denomina de assimilação.
Essas informações conflitam com as já existentes e aumentam quantitativamente,
provocando um desequilíbrio. Após essa etapa, ocorrem realinhamentos e compre-
ensões, denominadas pelo autor de acomodações que possibilitam mudanças na
qualidade das aplicações, ou de novos esquemas.

O autor afirma que, entre a assimilação e a acomodação, ocorre uma espiral


crescente de negações de negação, em que assimilações provocam acomodações e
comodações provocam assimilações. Piaget considera o número como uma síntese
de dois tipos de relações (uma de ordem e outra hierárquica) que a criança elabora
entre os objetos, por meio de abstração reflexiva.

Kamii, seguidora de Piaget, também teve muita influência para educadores bra-
sileiros. Ela considera que o uso de desenhos e a manipulação de objetos não facili-
tam a aprendizagem de conceitos numéricos pela criança. Ela defende também que
a construção do número se dá pela abstração reflexiva. Destaca a importância do
papel do professor que deve proporcionar um ambiente de aprendizagem em que
as crianças entrem em contato com números falados e escritos e façam relações
entre objetos, em vez de focalizar apenas a quantificação. Para a autora, a estrutura
lógico-matemática do número é construída pela criança e emerge a partir de ativi-
dades que permitam o estabelecimento de relações. Ela conclui que o conceito de
número é criado mentalmente pela criança e posiciona-se contra as cópias excessi-
vas de listas de números, geralmente propostas para a criança.

Que mudanças significativas com relação ao ensino você observa a partir da década de 1990?
Explor

Que mudanças você observa em relação ao papel do professor e das crianças?

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UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

Pires (2012) afirma que os avanços em relação à construção do conhecimento


pelas crianças, a partir da década de 1990, permitiram um novo foco para o ensino
em que o papel do professor não é mais o de transmitir conhecimentos, mas sim
de criar situações que possibilitem às crianças colocar em ação seus conhecimentos
prévios, suas hipóteses, permitindo a construção de aprendizagens significativas so-
bre conceitos e procedimentos matemáticos. Em função desse avanço, pesquisado-
res, como Fayol (1996) e Lerner e Sadovsky (1996), discorrem sobre o ensino dos
números e apresentam suas investigações sobre conhecimentos prévios e hipóteses
das crianças a esse respeito.

Fayol (1996) defende que a aquisição da sequência verbal depende dos diferen-
tes estímulos do ambiente social e que é o componente linguístico que permite a
denominação de número. Ele destaca que, mesmo sem compreender as funções
do número, as crianças percebem, desde pequenas, a diversidade de situações em
que o número é usado. Fayol afirma que a utilização da notação posicional causa
dificuldades para a compreensão das crianças e cita como exemplo a passagem da
enumeração e contagem para codificação e decodificação.

Duas pesquisadoras argentinas, Lerner e Sadovsky (1996), fizeram uma grande


pesquisa na década de 1990 sobre os números e o Sistema de Numeração Deci-
mal. As autoras revelam que as crianças constroem o conceito de número com
base no desenvolvimento cognitivo, e também na interação com o ambiente social
em que convivem. Elas afirmam que as crianças, a partir de experiências significa-
tivas, constroem hipóteses em relação à escrita numérica antes mesmo de iniciar a
escolaridade básica. Entre as hipóteses, destacam: a quantidade de algarismos de
um número e a posição dos algarismos como critérios de comparação e a escrita
baseada na fala.

A quantidade de algarismos no número e a posição


dos algarismos como critério de comparação
Segundo Lerner e Sadovsky (1996), um dos argumentos usados pelas crianças é
que, ao comparar números com a mesma quantidade de algarismos, a posição do
algarismo revela o maior, ou seja, 31 é maior que 13 porque o 3 vem primeiro no
31. As crianças do primeiro ano que ainda não conhecem as dezenas, conseguem
ver a magnitude do número, dizem que o 31 é maior do que o 25, porque o 3 de
31 é maior que o 2 do 25, justificando que “o primeiro é quem manda”.

Em relação a números com magnitudes diferentes, a criança diz que entre 12345
e 98, o número 12345 é maior porque “é mais comprido” ou “tem mais números”.
Assim, os dados sugerem que as crianças reconhecem a magnitude de um número
pela quantidade de algarismos e, se eles têm a mesma quantidade de algarismos,
comparam o primeiro algarismo de cada número.

10
Figura 1
Fonte: Getty Images

A escrita baseada na fala


Para Lerner e Sadovsky (1996), os conceitos elaborados pelas crianças a res-
peito dos números são baseados na numeração falada e em seu conhecimento de
escrita convencional dos “nós”.
Para produzir os números cuja escrita convencional ainda não haviam ad-
quirido, as crianças misturavam os símbolos que conheciam colocando-
-os de maneira tal, que se correspondiam com a ordenação dos termos
na numeração falada. (LERNER e SADOVSKY, 1996, p.92)

Sendo assim, ao fazerem comparações de sua escrita, o fazem como resultado


de uma correspondência com a numeração falada, e por ser esta não posicional.
As autoras destacam que, na numeração falada, a justaposição de palavras supõe
sempre uma operação aritmética de adição ou de multiplicação, como no exemplo
que dão sobre a ideia de adição: escrevem duzentos e cinquenta e quatro como
200504, ou, no exemplo que dão sobre a ideia de multiplicação: escrevem quatro
mil como 41000.

As autoras afirmam que as crianças que realizam a escrita não convencional o


fazem à semelhança da numeração falada, pois demonstraram em suas escritas
numéricas que as diferentes modalidades de produção coexistem para os núme-
ros posicionados em diferentes intervalos da sequência ao escreverem qualquer
número convencionalmente com dois ou três algarismos em correspondência
com a forma oral. Elas concluem que, mesmo aquelas crianças que escrevem
convencionalmente os números entre cem e duzentos, podem não generalizar
essa modalidade a outras centenas.

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UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

Esses estudos foram incorporados em orientações curriculares que surgiram no


final da década de 1990 e nos anos 2000. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
se apoiaram nas pesquisas de Lerner e Sadovsky (1996) para o ensino dos núme-
ros. Em suas Orientações Didáticas, o documento destaca as diferentes funções
sociais dos números: cardinal, ordinal, codificação, medida. O documento sugere
que as sequências didáticas para a construção das aprendizagens das crianças
sobre os números devem ter como questão norteadora “Para que servem os nú-
meros” e a exploração das funções sociais dos números. O documento explicita
quais são essas funções:
• Em sua função cardinal, o número natural é um indicador de quantidade, ou
seja, permite evocar mentalmente uma quantidade, mesmo que ela não esteja
fisicamente presente. Situações que permitam à criança responder quantos
são os dias do mês, quantas pessoas moram em casa etc. são exemplos que
consideram o aspecto cardinal do número;
• O aspecto ordinal do número natural é ressaltado quando ele é um indicador
de posição, ou seja, ele permite guardar o lugar ocupado por um objeto, pes-
soa ou acontecimentos. Situações que permitam discutir com a criança quem
foi o quinto colocado no campeonato de futebol da escola, ou quem senta na
segunda carteira da fila que fica em frente à mesa da professora etc. são exem-
plos que focalizam o aspecto ordinal do número;
• Há algumas situações em que o número não tem ligação nem com o aspecto
cardinal, nem com o aspecto ordinal, mas permite identificar uma pessoa ou
um objeto. Nesse caso, os números naturais são usados como código. São
exemplos de situações em que o número aparece como código: o número de
telefone, da carteira de identidade, da senha bancária, do ônibus etc;
• Com relação ao aspecto de medida, os números expressam medida de compri-
mento, de tempo, de temperatura etc., como nos exemplos: situações em que
os alunos expressem o comprimento de uma régua, ou medidas que aparecem
em folhetos de supermercado etc.

Em tempos atuais, a Base Nacional Comum Curricular (2017) propõe para os


anos iniciais do Ensino Fundamental que escrita e ordenação de números naturais
seja por meio da identificação e compreensão de características do Sistema de Nu-
meração Decimal, especialmente o valor posicional dos algarismos.

As atividades numéricas desenvolvidas nos anos iniciais da escolaridade básica devem dar continuidade
às experiências vividas pela criança fora da escola. Conhecer o que as crianças pensam a respeito do uso
dos números é o ponto de partida para a formulação de uma nova didática para o ensino de números.

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O Sistema de Numeração Decimal
O nosso sistema numérico, denominado de Sistema de Numeração Decimal, foi
criado por hindus e divulgado pelos árabes, por isso é considerado de indo-arábico.

A organização do Sistema de Numeração Decimal é bastante óbvia para nós


adultos, mas, para as crianças, é muito complicado porque algumas de suas ca-
racterísticas e propriedades não são visíveis na escrita do número. O Sistema de
Numeração Decimal apresenta algumas características importantes:
1. Possui apenas 10 algarismos e com eles é possível escrever qualquer número;
2. É posicional, ou seja, cada algarismo dentro de um número tem um valor
diferente, mesmo que sejam algarismos iguais. A cada posição à esquerda
que um algarismo ocupe, seu valor fica aumentado dez vezes, ou seja, no
número 345, o algarismo 4 está na posição da ordem das dezenas e vale
40 unidades e, no número 435, o algarismo 4 está na posição da ordem
das centenas e vale 400 unidades, dez vezes maior do que quando ele está
na posição das dezenas;
3. É de base 10, ou seja, cada agrupamento de 10 unidades pode ser trocado
por uma unidade de ordem superior;
4. A escrita numérica tem base aditiva e multiplicativa, mesmo essas opera-
ções não estejam visíveis na escrita numérica, ou seja, as operações não
são explicitadas numa escrita que é econômica e decorrente do processo
de desenvolvimento histórico da humanidade. Essa escrita resumida é de
difícil compreensão pelas crianças.

A decomposição de um número em suas diversas ordens e classes permite a


visualização das operações de adição e multiplicação no número, mostrando a
complexidade da escrita numérica, como no exemplo:

5432= 5000 + 400 + 30 + 2

5432 = 5 x 1000 + 4 x 100 + 3 x 10 + 2 x 1

5432 = 5 x 103 + 4 x 102 + 3 x 101 + 2 x 100

A expressão 5 x 103 + 4 x 102 + 3 x 101 + 2 x 100 é denominada escrita po-


linomial do número 5432.

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UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

Como as crianças não veem as características do Sistema de Numeração Deci-


mal, o valor posicional de um algarismo é pouco percebido pelas crianças. Para que
elas evoluam na compreensão do nosso sistema numérico, é preciso que a escola
desenvolva um trabalho de observação de regularidades, de problematizações de
registros e de reflexões sobre o Sistema de Numeração Decimal. Estudos atuais
mostram que é importante que se apresentem às crianças, desde o início da esco-
laridade básica, atividades em que elas tenham oportunidade de refletir e utilizar
números de diferentes ordens de grandeza, para que identifiquem em que situações
são usadas, façam sua leitura e escrita, percebam arredondamentos etc.

As características do Sistema de Numeração Decimal não devem ser colocadas como regras
Explor

para as crianças. A reflexão sobre a leitura, a escrita numérica, a composição e decomposi-


ção de números, além de outras atividades, permite que as crianças compreendam nosso
sistema numérico.

Algumas pesquisas recentes sobre o ensino


do Sistema de Numeração Decimal
Vergnaud (1994) destaca que a noção de número não é elementar e se apoia
sobre as noções de correspondência biunívoca, de relação de equivalência e de rela-
ção de ordem. Mas ele afirma que não são essas noções que caracterizam verdadei-
ramente os números. O autor considera que é a possibilidade de adicionar números
e de dar um sentido a essa adição que dá aos números sua característica essencial.

Segundo Lerner e Sadovsky (1996), a escrita de um número apresenta regula-


ridades, porque a adição e a multiplicação são utilizadas sempre da mesma ma-
neira na composição do número, mas também precisa de compreensão do que
está “escondido”, porque as potências de base 10 não são apresentadas na escrita
numérica e são deduzidas a partir da compreensão da posição que um algarismo
ocupa no número.

Uma pesquisa realizada em 2011 por um grupo de pesquisa da Universidade


Cruzeiro do Sul, no âmbito do programa Observatório da Educação, com financia-
mento da CAPES e sob a coordenação de Edda Curi, envolvendo alunos de 5º ano
de seis escolas públicas do estado de São Paulo, apresenta revelações interessantes
sobre a compreensão das crianças em relação ao Sistema de Numeração Decimal.

A pesquisa envolveu 385 alunos de escolas diferentes, com abordagens didáticas


e metodológicas diferentes, mas apresentou resultados muito parecidos que pude-
ram ser categorizados como: a incompreensão do valor posicional, a presença do
zero no úmero, o conhecimento até a ordem de grandeza da unidade de milhar, a
influência sonora na escrita numérica. Essas categorias são explicitadas a seguir:
• A incompreensão do valor posicional estende-se para as diferentes ordens
e classes do número, aumentando o índice de erros a partir da decompo-
sição dos números da ordem de dezena de milhar. Nos procedimentos de

14
decomposição de um número, os alunos desconsideram o valor posicional do
algarismo no número;
• Nos números com zero intercalado, os alunos apresentam um procedimento
comum na decomposição numérica para suprir a ausência de quantidade, a
criança sente a necessidade de colocar o zero para ocupar a “casa vazia” do
número, como nos exemplos:
• 1908 = 1000 + 900 + 0 + 8 ou 108 = 100 + 00 + 8
• Nos casos de escritas numéricas com o zero intercalado, os registros revelaram
mais uma vez inconsistências na compreensão do valor posicional que o alga-
rismo ocupa no número, como, por exemplo: 3000 + 60 + 8 = 3608;
• No procedimento de composição de números, os alunos apresentaram melhor com-
preensão e domínio, ainda que muitos concebam esse procedimento como uma
operação aritmética apoiando-se na propriedade aditiva do sistema de numeração e
na apresentação das multiplicações organizadas separada pelo sinal da adição;
• Os alunos mostraram seus conhecimentos com números até a ordem das uni-
dades de milhar. Com números dessa ordem de grandeza, percebem a rela-
ção entre a posição do algarismo e o valor dele no número, decompõem e
compõem números com base na escrita numérica apresentada e procuram
representar a escrita numérica baseando-se em informações extraídas da fala
e do conhecimento prévio a respeito da escrita de números de ordem menor;
• No que se refere à influência sonora na escrita numérica, em situações de
decomposição do número, o apoio na leitura do número pode levar a alguns
procedimentos desnecessários, como a representação do zero para suprir a
ausência de quantidade na classe, por exemplo: 8 001= 8000 + 00 + 01.
A pesquisa realizada permitiu algumas ponderações a respeito do tema. A com-
preensão das crianças das noções de agrupamentos e de contagem de agrupamen-
tos é gradativa e parece desenvolver-se, primeiramente, com números da ordem
das dezenas. Consideramos que essa compreensão se amplia à medida que se faz
um trabalho com números de diferentes ordens de grandeza, possibilitando que os
alunos percebam que as características do Sistema de Numeração Decimal podem
ser generalizadas para números de qualquer ordem de grandeza.
No que se refere à resolução de problema envolvendo agrupamentos e trocas,
observou-se que o índice de erro foi superior ainda, o que parece ser decorrente
de práticas de ensino baseadas em tarefas por repetição e memorização em que a
leitura e escrita numérica são aplicadas com a intenção de sistematizar regras sin-
táticas do sistema, contradizendo as propostas atuais, presentes nos documentos e
matrizes curriculares.
Os dados contrastam um pensamento persistente e comum acerca do ensino
do sistema de numeração. Em geral, pensa-se que, como a criança de cerca de 10
anos já sabe os números até a unidade de milhar, a mesma será capaz de gene-
ralizar e ler um número de qualquer ordem de grandeza, mas isso não aconteceu
nessa pesquisa.

15
15
UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

Os resultados apontam que, independentemente do conhecimento consolidado


nas unidades simples, o processo de generalização é construído em espiral, com
avanços e retomadas conceituais, sendo este de inteira responsabilidade do profes-
sor. A pesquisa mostrou resultados em particular no que se refere aos agrupamen-
tos de dez em dez e à troca das ordens e classes no número. Consideramos que o
processo para desenvolver a capacidade de generalização se constrói em diferentes
âmbitos que vão formando uma malha a partir da qual as crianças organizam, refle-
tem, reorganizam e ampliam seus conhecimentos a respeito do sistema numérico.

Sem compreensão do sistema numérico, as crianças não fazem generalizações


e utilizam o conhecimento mecanicamente. Os alunos de cerca de dez anos não
possuem a capacidade de generalizar as características do SND, em particular no
que se refere aos agrupamentos de dez em dez e à troca das ordens e classes no
número. Consideramos que o processo para desenvolver a capacidade de genera-
lização se constrói em diferentes âmbitos que vão formando uma malha a partir da
qual as crianças organizam, refletem, reorganizam e ampliam seus conhecimentos
a respeito do sistema numérico.

Sem compreensão do sistema numérico, as crianças não fazem generalizações


e utilizam o conhecimento mecanicamente.

Estudos sobre contagens


Você já teve oportunidade de ver crianças pequenas contando? Elas precisam
de apoio em objetos, recitam a sequência oralmente, contam mentalmente? Leia o
trecho a seguir e amplie seus conhecimentos sobre o assunto.

Vários autores discutem sobre procedimentos de contagem das crianças. Vamos


conhecer alguns deles. Do ponto de vista cognitivo, Vergnaud (1994) afirma que,
ao enunciar a sequência numérica, a criança pode situar-se em dois níveis diferen-
tes: o nível da recitação e o da contagem propriamente dita. Ele descreve cada um
desses níveis:
1. Denomina de nível da recitação àquele em que a criança diz as palavras
que sabe que devem se suceder e, mesmo sem enganos, não significa que
ela saiba contar objetos até um número qualquer. Mas ele afirma que, fre-
quentemente, a criança se engana nessa recitação;
2. No nível da contagem, ele afirma que a criança acompanha a sequência
numérica ou com de gestos da mão ou de movimentos dos olhos, o que
mostra que a criança estabelece uma correspondência entre o conjunto
contado e a sequência numérica oral.

Gray e Tall (1994) apresentam estratégias de contagem das crianças e as catego-


rizam em seis níveis. Partindo de um exemplo de uma adição, como, por exemplo,
4 + 5, eles descrevem esses níveis:
1. No primeiro nível – “conta-todos” –, a criança usa 3 procedimentos de con-
tagem de objetos físicos. No exemplo acima, conta primeiro os 4 objetos

16
falando 1, 2, 3, 4 e depois conta os 5 objetos falando 1, 2, 3, 4, 5 e, em
seguida, conta novamente todos os objetos, falando 1, 2, 3, ...9);
2. No segundo nível – “conta-ambos” –, a criança usa dois procedimentos de
contagem: conta inicialmente os 4 objetos, falando 1, 2, 3, 4 e faz uma
contagem para os objetos seguintes, falando 5, 6, 7, 8, 9;
3. No terceiro nível – sobrecontagem –, a criança usa apenas um procedi-
mento de contagem: conta diretamente 5 objetos, falando 5, 6, 7, 8, 9 sem
precisar contar os quatro primeiros objetos, usando o total da contagem;
4. No quarto nível – sobrecontagem a partir do maior –, a criança inicia a
contagem de 5 objetos, falando 6, 7, 8, 9 sem proceder à contagem dos
outros 4 objetos;
5. No quinto nível – fato derivado –, o resultado deriva de outros conhecidos.
Por exemplo, 5 + 5 = 10, então 4 + 5 = 9, um a menos porque 4 é “um
a menos que 5”;
6. No sexto nível – fato conhecido –, a criança busca um resultado já memo-
rizado (4 + 5 =9).

Outros autores que discutem estratégias de contagem são Chapin e Johnson


(2006). Eles consideram estratégias de modelagem em que os alunos usam objetos
físicos, tais como blocos, calculadoras e os dedos para modelar as ações e/ou rela-
ções em um problema. Eles contam alguns ou todos esses objetos para obter uma
resposta, no geral, quando começam a resolver problemas de adição e subtração.
Chapin e Johnson (2006) comentam que as crianças usam estratégias de conta-
gem e que, para tal, precisam comprender a relação entre contagem e número de
elementos em um determinado conjunto matemático (cardinalmente), bem como
serem capazes de começar a contar em qualquer número ou contar para trás. Em
algumas situações, os alunos devem também ser capazes de manter o controle de
quantos números eles contaram e, ao mesmo tempo, reconhecerem quando atingi-
ram o número apropriado.

Eles apontam seis estratégias comuns de contagem: contar tudo, contando a


partir do primeiro, contando a partir do maior, contagem regressiva de, contagem
regressiva para, e contando a partir de um número dado. Eles consideram que as
estratégias de contagem não são técnicas mecânicas que os alunos podem simples-
mente memorizar, mas que são baseadas conceitualmente e construídas diretamen-
te sobre as estratégias de modelagem.

Passamos a apresentar cada uma dessas estratégias segundo esses autores:


1. Contando tudo: os alunos começam a sequência de contagem com um
e continuam até que a resposta seja alcançada. Essa estratégia exige que
os alunos tenham um método de manter o controle do número de passos
da contagem, a fim de saber quando parar. Às vezes, usam os dedos para
acompanhar o número de contagens;

17
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UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

2. Contando a partir do primeiro termo do problema (sobrecontagem):


com essa estratégia, o estudante reconhece que não é necessário recons-
truir toda a sequência de contagem e começar a “contar” a partir do pri-
meiro termo no problema;
3. Contando a partir do maior: essa estratégia é idêntica à estratégia de
contar a partir do primeiro termo do problema, exceto que a contagem co-
meça a partir do maior dos dois termos. Essa é uma estratégia mais sofis-
ticada de contagem, já que a sua aplicação deixa implícito que o estudante
entende que a ordem dos termos não importa em problemas de adição,
ou seja, compreende implicitamente a propriedade comutativa da adição;
4. Contagem regressiva de: nesta estratégia, estudantes iniciam uma sequên-
cia de contagem para trás começando pelo maior número dado. A sequência
de contagem contém tantos números quanto o menor número dado;
5. Contagem regressiva para: os alunos usam uma sequência de contagem
para trás até que o número menor seja atingido. Quantos números há na
sequência de contagem é a solução. Às vezes, os estudantes costumam
usar seus dedos para acompanhar a contagem;
6. Contando a partir de um número dado: o aluno inicia uma estratégia
a contar para frente a partir do menor número dado até o maior número
dado. O estudante acompanha (muitas vezes usando seus dedos) quantos
números há na sequência.

Chapin e Johnson (2006) comentam que, em todas essas estratégias de conta-


gem, os alunos podem contar de um em um, ou em pequenos grupos, como de
dois em dois, de cinco em cinco etc. Afirmam que algumas estratégias são me-
nos usadas do que outras e citam como exemplo a contagem regressiva. Afirmam
também que alguns alunos nunca usam algumas das estratégias ou mesmo nem
sequer as diferenciam. Há outros grupos de alunos que frequentemente mudam as
estratégias que usam. Eles concluem que não é necessário para os alunos que o
professor denomine as estratégias de contagem, mas é importante que o professor
as reconheça a fim de escolher atividades que deem suporte ao desenvolvimento
dos alunos.

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Anexo I
Atividades
Algumas atividades envolvendo o ensino dos números naturais e o Sistema de
Numeração Decimal baseadas nas habilidades previstas nos documentos curricula-
res mais recentes

4º ano
• Habilidade: ler, escrever comparar e ordenar números naturais, observando
algumas regularidades do Sistema de Numeração Decimal, e localizá-los na
reta numerada.

Figura 2
Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagens, 2017, p.10

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UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

5º ano
• Habilidade: ler, escrever, comparar, arredondar, ordenar, compor e decompor
números naturais de qualquer ordem de grandeza pela compreensão e uso das
regras do Sistema de Numeração Decimal, incluindo o uso da reta numerada.

Figura 3
Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagens, 2017, p.8.

Proposta:

Analise a BNCC (2017) e verifique quais são as habilidades sobre o ensino dos
números naturais e o Sistema de Numeração Decimal para cada ano de escolarida-
de. Verifique a progressão e especificidades de cada ano. Vamos lá!

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Descobertas de professoras sobre o universo numérico das crianças: a construção de saberes por meio de
pesquisas realizadas com seus alunos
PIRES, C. M. P. Descobertas de professoras sobre o universo numérico das crianças: a
construção de saberes por meio de pesquisas realizadas com seus alunos. In: Anais do
Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), 2008, Porto Alegre.

Vídeos
A criança, a matemática e a realidade
https://youtu.be/rStgAvkozxI

Leitura
Construção dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal
https://bit.ly/2tVnm2U
Números naturais
https://bit.ly/2OO0CZE

21
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UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e
do Sistema de Numeração Decimal

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros
Curriculares Nacionais. Matemática,1º e 2º ciclos. Brasília: MEC / SEB, 1997.

BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria.

CHAPIN, S.H.; JOHNSON, A. Math matters: understanding the math you


teach, grades K8, 2. ed. Sausalito, CA, USA: Math Solutions, 2006.

FAYOL, M. A Criança e o Número: Da contagem à resolução de problemas. Tra-


dução por Rosana Severino de Leoni. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

FAYOL, M. Institut Nacional de Recherche Pédagogique. Un, deux, beaucoup ...


passionement: les enfants et les nombres. Rencontre Pédagogique, 21. Paris:
INRP, 1988.

GRAY, E. M.; TALL, D. O. Duality, ambiguity and flexibility: A proceptual view


of simple arithmetic. In: Journal of Research in Mathematics Education, 115-
141, 1994.

KAMI, C. A criança e o Número: implicações educacionais da teoria de Piaget


para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Tradução por Regina A. de Assis.
28. ed. Campinas: Papirus, 2001.

LERNER, D.; SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In:


PARRA, C.; SAIZ, I. et al. (Org.). Didática da Matemática: Reflexões Psicopedagógi-
cas. Tradução por Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 73-155.

MARIANO, S. F. Procedimentos de crianças do 2º ano do ensino fundamental na


resolução de problemas do campo aditivo com o significado de transformação. In:
Educação Matemática: grupos colaborativos, mitos e práticas. Org. Curi, E. e
Nascimento, J. C. P. São Paulo: Terracota, 2012.

PIRES, C. M. C. Educação Matemática: conversas com professores dos anos ini-


ciais. São Paulo: Zapt, 2012.

PIRES, C. M. C. Descobertas de professoras sobre o universo numérico das crian-


ças: a construção de saberes por meio de pesquisas realizadas com seus alunos. In:
Anais do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), 2008,
Porto Alegre.

SANTOS, C. A. B.; CURI, E. Produção do grupo colaborativo em relação ao ensi-


no do Sistema de Numeração Decimal de autoria de Santos. In: Educação Mate-
mática: grupos colaborativos, mitos e práticas. Org. Curi, E. Nascimento, J. C. P.
São Paulo: Terracota, 2012.

SÃO PAULO. Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagens – Matemática. São


Paulo: Secretaria Municipal da Educação, 2017.

22
VECE, J. P. SILVA, S. D.; CURI, E. Desatando os nós do Sistema de Numeração
Decimal: investigações sobre o processo de aprendizagem dos alunos do 5º ano
do Ensino Fundamental a partir de questões do SAEB / Prova Brasil. Educação
Matemática e Pesquisa, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 223-240, 2013.

VERGNAUD, G. L’enfant, la mathématique et la réalité. 5.ed. Berne: Peter


Lang, 1994.

23
23
Fundamentos Metodológicos
do Ensino de Matemática
O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Edda Curi e Prof.ª Me. Priscila Bernardo Martins

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
O Ensino das Operações
do Campo Conceitual Aditivo

• Introdução;
• Campo Conceitual Aditivo;
• Ensino das Operações Aditivas;
• As Contribuições de Vergnaud;
• Sobre Procedimentos de Cálculo.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Refletir sobre o ensino das operações de adição e subtração ao longo dos últimos quarenta anos;
• Conhecer os estudos de Vergnaud sobre o ensino das operações do campo aditivo;
• Discutir alguns estudos sobre procedimentos de cálculos para resolver operações.
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

Introdução
Em algum momento, você já deve ter percebido que, nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o foco do trabalho com a Matemática está nas quatro operações
denominadas fundamentais. Mas, por que será que, mesmo com o ensino centrado
nesse tema, as crianças têm tanta dificuldade para resolver problemas envolvendo
tais operações e para calcular o resultado de operações?

Estudos e pesquisas recentes discutem a mudança de foco no ensino das opera-


ções, partindo sempre da resolução de problemas e deixando a criança mais livre
para escolher sua estratégia de resolução. Esses estudos servem de base a docu-
mentos curriculares publicados nos últimos anos, daí a necessidade de conhecê-los.
É o que faremos nesta Unidade.

Qual tipo de procedimento de cálculo você usa com mais frequência na sua vida diária? E na
escola como futuro(a) professor(a), qual tipo de cálculo você desenvolveria com seus estudantes?

Campo Conceitual Aditivo


Você conhece algo sobre campo conceitual aditivo?

O autor que discute essa temática é Gerard Vergnaud (1996), para quem cada
conceito matemático está inserido em um campo conceitual, e este é constituído por
um conjunto de situações de diferentes naturezas. Sugere o trabalho conjunto com os
problemas aditivos e subtrativos, pois fazem parte de um mesmo campo conceitual,
denominado campo aditivo.

O campo conceitual aditivo é formado por um conjunto de situações que envolvem


as operações de adição e subtração, com base em um campo mais amplo de signi-
ficados do que tem sido usualmente realizado. Considera que não basta o professor
ensinar aos seus alunos as estratégias dos algoritmos da adição e subtração; esses
cálculos precisam estar relacionados a situações-problemas em contextos variados.
Passaremos, adiante, para o ensino das operações de adição e subtração.

Ensino das Operações Aditivas


Ao longo dos últimos anos, o ensino das operações sofreu várias modificações.
Certamente, ao fazer seu mapa conceitual, você identificou algumas daquelas afir-
mações com períodos em que você estudou. Agora você fará a leitura do texto e se
situar no tempo, certamente evocando outras lembranças, e, depois, analisará o que
vem sendo proposto, atualmente, para o ensino desse tema.

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Na década de 1960, a ênfase maior era para as técnicas operatórias, ensinadas
mecanicamente, sem justificativas, seguidas da “prova real” e da “prova dos nove”
para verificação de resultados. Às vezes, a criança perdia tanto tempo ao realizar
a prova real e errava nessa prova, achando que havia errado a operação. Assim,
apagava a sua resolução e começava tudo de novo; resolvia a operação e depois
a prova real. O trabalho com cálculo mental era pouco desenvolvido, a não ser
nas “tabuadas” da adição, que eram aprendidas e memorizadas por causa de um
treinamento constante.

O ensino das operações era realizado por passos, de acordo com a ordem de
grandeza dos números envolvidos e as possíveis dificuldades que poderiam causar e
com o ano de escolaridade da criança. Assim, no geral, o professor ensinava adição
e subtração com números da ordem das unidades, depois passava para números da
ordem das dezenas, ampliava para a ordem das centenas e chegava, na antiga quarta
série, à ordem das unidades de milhar.

O professor propunha problemas para as crianças resolverem somente após


o estudo e o domínio das operações. Os significados trabalhados eram restritos.
Igualmente, os problemas eram propostos paulatinamente, após o estudo de cada
operação. Assim, o professor trabalhava com os cálculos de adição e, após muito
treino, apresentava problemas que se resolviam a partir dessa operação. Depois fa-
zia o mesmo com a subtração. A criança não identificava o significado do problema,
resolvia automaticamente, usando a operação recém-ensinada. Com esse foco, o
problema era usado como aplicação dos conhecimentos já estudados.

Na década de 1970, o ensino de Matemática, no Brasil, foi fortemente influenciado


por um movimento internacional denominado Matemática Moderna.

Nessa fase, o ensino das operações era baseado na teoria dos conjuntos.
A adição era apresentada por meio da união de dois conjuntos distintos; a subtração
era apresentada como conjunto complementar. O sentido de equivalência entre as
duas operações era enfatizado, ou seja, se havia uma adição com um termo des-
conhecido, era possível determinar esse termo com uma subtração. O diagrama
de Venn era usado com a intenção de facilitar a visualização dessas operações.
Os conjuntos eram representados por diagramas. A Figura a seguir ilustra um exem-
plo de diagrama de Venn:

A B
5

1 3

2 4

Figura 1

9
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UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

Quanto ao cálculo mental, nessa época foi inteiramente abandonado. A ênfase


ficava nas propriedades das operações (comutativa, associativa, elemento neutro,
fechamento) e não nos cálculos. Dizia-se que era mais importante que a criança iden-
tificasse a propriedade comutativa da adição do que soubesse calcular uma adição,
ou seja, era mais importante que a criança identificasse que 5 + 4 = 4 + 5 (proprie-
dade comutativa) do que calculasse, mentalmente, o resultado de 5 + 4.

A partir da década de 1980, as ideias do “Movimento Matemática Moderna”


começaram a ser questionadas. Um movimento ocorrido nos Estados Unidos
denominado “Agenda para Ação” rompeu com a abordagem das operações por meio
da teoria de conjuntos e colocou o foco no trabalho com a resolução de problemas.
No Brasil, esse foco começou a surgir no final da década de 1980, quando alguns
Estados modificaram suas orientações curriculares, que foram influenciadas pelo
movimento norte-americano. Assim, a indicação era que se trabalhasse com pro-
blemas que focalizassem algumas ideias das operações, tais como juntar, tirar, com-
parar, complementar, medir.

Nessa época, acreditava-se que as crianças aprendiam a calcular usando os


denominados “materiais concretos”. As escolas tinham o material dourado, as bar-
ras de Cuisenaire, entre outros, e havia uma proposta de uso desses materiais para
potencializar o trabalho com os algoritmos (técnicas operatórias). Dessa forma,
buscava-se a compreensão dessas técnicas operatórias, como o “vai um” na adi-
ção, os “empréstimos” na subtração. A reta numérica também era usada para
representar as operações.

Havia algumas discussões sobre a importância do cálculo mental, mas este se


reduzia aos fatos básicos das operações, ou seja, percebeu-se a importância de a
criança saber de cor, por exemplo, o resultado de 5 + 4.

O trabalho com as operações de adição e subtração era realizado separadamente,


e a ordem de grandeza dos números era ampliada em cada série.

Nessa fase houve um incentivo ao uso de jogos, materiais manipulativos e proble-


mas “não convencionais”.

Figura 2
Fonte: Reprodução

10
No final da década de 1990, com o advento dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), o estudo das operações adição e subtração sofreu várias alte-
rações e a mais importante é a realização de um trabalho articulado entre essas
e entre os cálculos para a resolução de problemas. As ideias dessas operações
foram ampliadas e o documento tomou por base os estudos de Gerard Vergnaud.
A ênfase ficou na resolução de problemas não pelas técnicas operatórias já ensina-
das pelo professor, mas por meio de estratégias pessoais das crianças. No trabalho
com cálculos, valorizava-se o cálculo mental, o cálculo com papel e lápis e o uso da
calculadora. No próximo tópico focalizaremos os estudos de Vergnaud.

As Contribuições de Vergnaud
Vergnaud (1996) é psicólogo de formação, foi discípulo de Piaget e trabalha
com cognição. Para esse autor, um campo conceitual é um conjunto informal e
heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, conteúdos e operações
de pensamento que se relacionam e que provavelmente são interligados em sua
aquisição. O domínio de um campo conceitual faz-se ao longo de um grande período
por meio de vivências que levem à maturação e aprendizagem.

Por causa dessa visão, Vergnaud defende que um conceito não deve ser estudado
isoladamente, pois só ganha sentido quando surge em diferentes situações. Defende
também que uma situação pode envolver mais de um conceito.

Campo Conceitual das Estruturas Aditivas


De acordo com Vergnaud (1996), o campo conceitual das estruturas aditivas é, ao
mesmo tempo, o conjunto de situações que envolvem uma (ou mais de uma) adição
e/ou subtração ou uma combinação dessas duas operações e o conjunto de conceitos
e teoremas que permitem analisar tais situações como tarefas matemáticas.

Para esse teórico, o campo conceitual das estruturas aditivas refere-se ao conjunto
de problemas que envolvem a exploração de adições e/ou subtrações com diferentes
graus de complexidade.

Define seis relações de base em que é possível engrenar todos os problemas de adi-
ção e de subtração da aritmética comum (VERGNAUD, 1996, p. 172), tratando-se da:
• Composição de duas medidas numa terceira;
• Transformação (quantificada) de uma medida inicial numa medida final;
• Relação (quantificada) de comparação entre duas medidas;
• Composição de duas transformações;
• Transformação de uma relação;
• Composição de duas relações.

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UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

O autor sistematizou as relações aditivas, conforme o seguinte Quadro:

I II III

IV V VI

Legenda:
Medida
Transformação ou relação (positiva ou negativa).

Figura 3 – Relações aditivas de base


Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996, p. 172

Explicitaremos melhor cada uma dessas categorias.

Significado de Composição
Para Vergnaud (1996), o significado de composição aparece em problemas que
juntam dois estados para obter um terceiro. Trata de situações em que basta “juntar”
ou “tirar”, sem que haja nenhuma transformação no ambiente.

Esse autor considera três estados: Estado Inicial (EI), Estado Intermediário (I) e o
Estado Final (EF). Dados dois desses, obtém-se o terceiro estado. Os exemplos de
problemas, a seguir, envolvem a ideia de composição.

Em uma caixa de chocolates há 7 chocolates brancos e 8 chocolates ao leite.


Quantos chocolates há nessa caixa?

Figura 4 – Busca o estado final


Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996

12
Em uma caixa há 15 carrinhos, sendo 7 azuis e os demais vermelhos.
Quantos carrinhos vermelhos há nessa caixa?

15

Figura 5 – Busca o estado intermediário


Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996

Significado de Transformação
Para Vergnaud (1996), o significado de transformação envolve uma ação ocorrida
a partir da situação, de forma direta ou indireta, causando aumento ou diminuição.
O estado inicial da situação sofre uma transformação aditiva (ou subtrativa) para obter
um resultado. Essa transformação é uma ação decorrente de verbos que surgem no
enunciado da situação e permitem que a transformação seja de acréscimo ou de redução.

Esse autor afirma que as crianças, mesmo antes da educação formal, já constro-
em um pensamento intuitivo de adição e subtração, relacionando espontaneamente
a “perda” e o “ganho” vivenciados em situações do cotidiano.

Vergnaud (1996) caracteriza o raciocínio de transformação por uma situação dada


por um Estado Inicial (EI), geralmente correspondente a números que indicam me-
didas (quantidades, grandezas ou valores) que sofrem uma Transformação (T) que
produz mudanças em relação ao Estado Inicial, levando a um Estado Final (EF).

Vejamos, a seguir, alguns exemplos de situações em que ocorrem transformações


positivas e negativas:

Luiz tinha 10 figurinhas. Ele ganhou de seu padrinho 6 figurinhas.


Quantas figurinhas Luiz tem agora?

10

Figura 6
Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996

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UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

Vergnaud (1996) afirma que as situações de transformação são intuitivas pela


ideia de juntar ou adicionar uma quantidade a outra já existente, possibilitando uma
alteração do estado inicial.

A transformação também pode ser negativa, quando a situação correlaciona o


estado inicial com o ato de perder algo que tinha, tal como ilustra o exemplo a seguir:

Gustavo tinha 12 figurinhas. Ele perdeu 7 no jogo de bafo.


Quantas figurinhas Gustavo tem agora?

12

Figura 7
Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996

Você deve ter percebido que, nos dois problemas apresentados que envolvem a
ideia de transformação (positiva e negativa), a transformação e o estado inicial são
conhecidos e busca-se o estado final. Mas há situações em que o estado inicial e o
estado final são conhecidos e busca-se o valor da transformação, e há outras em que
são conhecidos o estado final e a transformação e busca-se o estado inicial.

O primeiro exemplo, a seguir, ilustra a situação em que o estado inicial e o estado


final são conhecidos e busca-se o valor da transformação. No segundo exemplo, o
estado final e a transformação são conhecidos e busca-se o estado inicial.

Rafael tinha 8 carrinhos, ganhou alguns de sua mãe e ficou com 15.
Quantos carrinhos Rafael ganhou?

8 15

Figura 8
Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996

14
No final de um jogo de bafo, Bernardo tinha 15 figurinhas.
Durante o jogo ele perdeu 8. Quantas figurinhas Bernardo tinha inicialmente?

15

Figura 9
Fonte: Adaptado de Vergnaud, 1996

Significado de Comparação
Vergnaud (1996) afirma que uma situação tem significado de comparação
quando as quantidades são comparadas entre duas partes no sentido de relacionar
essas partes. No raciocínio de comparação, os valores não se transformam, apenas
se estabelece a ideia de uma comparação entre dois estados. Segundo esse autor,
há três tipos de variação nesse significado:
• O valor de referência é conhecido e busca-se o referido a partir da relação dada;
• Busca-se o valor de referência a partir do referido pela relação dada;
• O valor de referência é conhecido, assim como o referido, e busca-se a relação.

A seguir veremos alguns exemplos de cada tipo de problema de comparação:

Valor de referência é conhecido e busca-se o valor do referido a partir da relação


dada: Bianca tem 20 adesivos coloridos e Simone tem 10 a mais que Bianca. Quantos
adesivos tem Simone?

Sabemos quantos adesivos Bianca tem, portanto, temos uma referência, e Bianca
é o referente. Mas não sabemos quantos adesivos Simone tem; esta é nosso referido.
A relação é dada: Simone possui 10 a mais que Bianca. A comparação é positiva
e, portanto, neste caso, o problema pode ser resolvido por meio de uma adição.

Busca-se o valor de referência a partir do referido pela relação dada: Simone tem 8 ade-
sivos a menos que Bianca. Se Simone tem 15 adesivos, quantos adesivos Bianca tem?

Neste caso, sabemos quantos adesivos Simone tem, portanto, temos uma referên-
cia, e Simone é o referente. Mas não sabemos quantos adesivos Bianca tem; esta é
nosso referido. A relação é dada: Simone tem 8 adesivos a menos que Bianca.
A comparação é negativa, mas, neste caso, o problema pode ser resolvido por meio

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UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

de uma adição, pois, se Simone tem 8 adesivos a menos que Bianca, Bianca tem 8
adesivos a mais que Simone, então chegamos à quantidade de adesivos de Simone.

O valor de referência é conhecido, assim como o referido, e busca-se a relação:


Bianca tem 15 adesivos e Simone tem 8. Quantos adesivos Simone deve ganhar
para ter o mesmo número que Bianca?

Neste caso, temos a referência (Bianca) e o referido (Simone), mas não temos a
relação, a qual deve ser encontrada: Bianca tem 7 adesivos a mais que Simone, ou
seja, Simone precisa ganhar 7 adesivos para ficar com o mesmo número que Bianca.

No próximo exemplo, o referente é conhecido (a quantidade de adesivos de Bian-


ca), o referido é desconhecido (a quantidade de adesivos de Simone), o texto evidencia
uma perda, mas a operação que resolve esse problema é uma adição:

Bianca tem 15 adesivos. Ela tem 7 adesivos a menos que Simone. Quantos adesivos
tem Simone?

Segundo Vergnaud (1996), para a criança é difícil discernir o valor de referência


do referido, as relações existentes entre dois grupos e todas as combinações possíveis
de obter com o significado de comparação.

Significado de Composição de Transformação


Vergnaud (1996) afirma que existem situações em que pode ocorrer mais de uma
transformação sucessiva, gerando uma composição de transformação, e apresenta
quatro possibilidades de composição de transformação:
• Transformação positiva e positiva, quando a situação gera “ganho” e
“ganho”: no início de um jogo, Rafael tinha certa quantia de figurinhas. No de-
correr do jogo, ele ganhou 10 figurinhas e, em seguida, ganhou 25 figurinhas.
O que aconteceu com suas figurinhas após essas duas rodadas do jogo?
• Transformação positiva e negativa, quando ocorre a situação “ganho”,
seguida de “perda”: no início de um jogo, Rafael tinha certa quantia de figu-
rinhas. No decorrer do jogo, ele ganhou 20 figurinhas e em seguida, perdeu 7.
O que aconteceu com suas figurinhas nesse jogo?
• Transformação negativa e positiva, quando a proposta é de “perda” e, a
seguir, de “ganho”: no início de um jogo, Rafael tinha certa quantia de figuri-
nhas. No decorrer do jogo, ele perdeu 20 figurinhas e depois ganhou 7. O que
aconteceu com suas figurinhas nesse jogo?
• Transformação negativa e negativa, quando a situação é de “perde” e
“perde”: no início de um jogo, Rafael tinha certa quantia de figurinhas. No de-
correr do jogo, ele perdeu 20 figurinhas e depois perdeu 7. O que aconteceu
com suas figurinhas nesse jogo?

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Vergnaud (1996) defende que o processo de aprendizagem dos problemas que
envolvem estruturas aditivas demanda uma série de atividades considerando vários
tipos de problemas para que os alunos possam, por meio de resoluções de problemas,
avançar na construção de conceitos.

Importante!
Cabe destacar que não basta reproduzir categorias de problemas em sala de aula, nem
utilizar essas nomenclaturas com as crianças. De acordo com Curi (2005), algumas
tentativas de levar essa teoria para a sala de aula têm se limitado a reproduzir as dife-
rentes categorias de problemas propostos, o que, evidentemente, é um reducionismo
em relação aos avanços que a teoria permite. Essa autora salienta que, embora seja
muito positivo o fato de se utilizarem dados de pesquisas para orientação de ensino,
ainda estamos longe de ver resultados desses estudos chegarem à sala de aula.

Sobre Procedimentos de Cálculo


A construção de habilidades de cálculo depende de pontos de apoio, tais como
contagens e tabuadas, fatos fundamentais, repertório básico das crianças etc.

Por esse motivo, é preciso realizar um trabalho que envolve a construção, a orga-
nização e, como consequência, a memorização compreensiva desses fatos.

O documento destaca que a construção dos fatos básicos apoia-se na resolução


de problemas e confere significados a escritas do tipo a + b = c e que a organização
dessas escritas e a observação de regularidades facilita a memorização compreensiva
desses fatos.

Na organização de um repertório básico de cálculo, os alunos começam a per-


ceber, intuitivamente, algumas propriedades da adição, como a associatividade
e a comutatividade, mesmo sem a apresentação do professor, por exemplo, em
situações em que, ao adicionarem 5 + 9, invertem os termos e começam a contar
pelo 9, o maior número.

A construção de um repertório básico constitui suporte para a ampliação dos


diferentes procedimentos e tipos de cálculos que o aluno desenvolverá ao longo dos
ciclos iniciais: cálculo mental ou escrito, exato ou aproximado.

Os PCN já destacavam diferentes procedimentos e tipos de cálculo que se


relacionam e se complementam. Esse documento chama a atenção para o fato de
que o cálculo escrito apoia-se no cálculo mental, nas estimativas e aproximações
e que as estratégias de cálculo mental são limitadas e podem ter apoio de cálculos
intermediários escritos.

Ademais, os PCN sugerem que o professor privilegie a exploração concomitante


de procedimentos de cálculo mental e cálculo escrito, exato e aproximado, de tal

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UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

forma que o aluno perceba as relações existentes entre esses tipos de cálculo e, com
isso, possa aperfeiçoar seus procedimentos pessoais, tornando-os cada vez mais
próximos das técnicas usuais.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017), por sua vez, destaca
que os alunos desenvolvam variadas estratégias para a obtenção dos resultados, es-
pecialmente por estimativa e cálculo mental, além de algoritmos e uso de tecnologias
digitais como a calculadora.

O cálculo mental é a base do cálculo aritmético usado no cotidiano; é realizado


por meio de estratégias individuais de acordo com a vivência de cada um.

Analise os procedimentos de duas crianças para calcular mentalmente 57000 + 29000.


Explique como procederam. Você faria este cálculo da mesma forma que uma dessas
crianças? Se fizer de outra maneira, reflita sobre o seu procedimento:
• Procedimento de Mariana:
1. 57000 mais 10000 é igual a 67000;
2. 67000 mais 10000 é igual a 77000;
3. 77000 mais 9000 é igual a 86000.
• Procedimento de Felipe:
1. 57000 mais 30000 é igual a 87000;
2. 87000 menos 1000 é igual a 86000.
Os procedimentos usados pelas crianças e talvez por você foram diferentes, pois, no
cálculo mental, é possível escolher a forma que mais se adapta a uma situação em
função da vivência de quem está calculando, do tipo de número envolvido e das opera-
ções a serem resolvidas, transformando cada situação num problema aberto que pode
ser resolvido de formas diferentes, com uso de procedimentos próprios que permitam
encontrar o resultado.

O cálculo mental é um grande aliado na validação do cálculo escrito. Por exem-


plo, no cálculo de 67 – 19, saber que 67 – 20 = 47 ajudará a localizar corretamente
o resultado da subtração proposta, ou seja, o resultado não pode ser menor que 47,
pois 19 é menor que 20 e, quando se tira “menos” de um número, o resultado é
maior do que quando se tira mais.

O cálculo escrito, tão valorizado pelos professores, é usado apenas na escola.


Fora dela, o indivíduo deve optar por um tipo de cálculo que se adapta à situação
que está enfrentando. Por exemplo, se fizer o cálculo de um valor final de um
apartamento comprado em 50 meses, com entrada, parcelas fixas, parcelas inter-
mediárias etc., o indivíduo acaba usando a calculadora para saber o valor exato do
apartamento a ser adquirido ou, então, faz uma estimativa do valor aproximado.

Segundo os PCN, a estimativa auxilia no desenvolvimento da capacidade de


tomar decisões. Esse documento ressalta que, desde o início da escolarização, as
estimativas devem estar presentes em situações que permitam aos alunos percebe-
rem o significado de um valor aproximado e decidirem quando é conveniente usá-lo.

18
Os PCN enfatizam que as estimativas devem extrapolar as relações “maior que”,
“menor que” e o professor deve trabalhar com a relação “estar entre”.

Quanto ao cálculo escrito, o documento destaca que as técnicas operatórias


usualmente ensinadas na escola apoiam-se nas regras do sistema de numeração
decimal e em propriedades e regularidades das operações. No entanto, da forma
como são ensinadas mecanicamente, os alunos não reconhecem a presença dessas
regras e propriedades nos cálculos. Isso acontece, provavelmente, porque a esco-
la não explora os procedimentos pessoais dos alunos e chama a atenção para o
fato de que os procedimentos utilizados pelos estudantes são, muitas vezes, formas
intermediárias para se chegar ao registro das técnicas usuais.

O documento destaca alguns recursos que podem auxiliar na compreensão das


técnicas operatórias, vejamos:
A escrita decomposta dos números ajuda a evidenciar o estabelecimento
de correspondência entre as unidades das diversas ordens no registro
da técnica da adição e da subtração; também evidencia o “transporte”,
no caso da adição, e o “empréstimo”, no caso da subtração, à ordem
imediatamente superior.

Exemplo 1: 255 + 148

200 50 5
+100 40 8
300 + 90 + 13

300 + 100 + 3

400 + 3 = 403

Exemplo 2: 355 - 168

200 140 15
-100 60 8
100 + 80 + 7

A aplicação da invariância da diferença — adicionar (ou subtrair) um mesmo


número aos dois termos de uma subtração não altera a diferença — permi-
te a compreensão de uma das técnicas utilizadas para subtrair.

300 150 15
200 70
-100 60 8
100 + 80 + 7 (BRASIL, 1996, p. 80)

As Orientações didáticas do currículo da Cidade de São Paulo (2017, p. 76)


para Matemática propõem que antes de iniciar com os estudantes a utilização da
calculadora, é necessário propor um trabalho de exploração do funcionamento básico
desse recurso, chamando a atenção para alguns aspectos:

19
19
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

• Observar que os números estão quase sempre dispostos da mesma maneira: en-
fileirados, na ordem decrescente, da direita para a esquerda, de cima para baixo;
• Desenhar a calculadora que tem em mãos;
• Descobrir qual a tecla que liga/desliga a calculadora, para que serve a tecla CE,
como fazer aparecer no visor o número 25 sem utilizar o algarismo 2; como
transformar o número 1048 e 48 realizando apenas uma operação;
• Identificar as teclas que indicam as possibilidades de cálculo +, –, ×, ÷, % e √.

Ainda de acordo com esse documento, o bom emprego da calculadora possibilita


ao estudante se concentrar no processo de resolução, a fim de desenvolver méto-
dos próprios, pautados na tentativa e erro, tais como estratégias pessoais; produzir
conjecturas, experimentações e elaboração de novas hipóteses.

Importante!
A leitura do texto sobre procedimentos de cálculo permite concluir que um indivíduo
não é proficiente em cálculo se souber apenas fazer cálculos com lápis e papel. Deve
calcular usando estimativas e aproximações, fazer cálculo mental e usar calculadora e,
mais ainda, deve ser capaz de escolher, numa dada situação, que tipo de cálculo é mais
adequado. Só assim podemos dizer que esse sujeito é proficiente no cálculo.

20
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Orientações Didáticas do Currículo da Cidade
Ler tópicos “Do cálculo mental ao cálculo escrito” (p. 65-70) e “O uso da calculadora
nas aulas de Matemática” (p. 74-77).
https://bit.ly/2Vqq1eE
Educação matemática: grupos colaborativos, mitos e práticas
MARIANO, S. F. Procedimentos de crianças do 2º ano do Ensino Fundamental na
resolução de problemas do campo aditivo com o significado de transformação. In:
CURI, E.; NASCIMENTO, J. C. P. (Org.). São Paulo: Terracota, 2012. p. 95-114.
Educação matemática: grupos colaborativos, mitos e práticas
VECE, J. P. Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental e os problemas de
transformação negativa, In: CURI, E.; NASCIMENTO, J. C. P. (Org.). São Paulo:
Terracota, 2012. p. 71-94.

21
21
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Aditivo

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Fundamental. Base nacio-
nal comum curricular. Brasília, DF, 2017.

________. Parâmetros curriculares nacionais para os 1º e 2º ciclos. Brasília,


DF, 1996.

CURI, E. A Matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo:Musa, 2005.

MARIANO, S. F. Procedimentos de crianças do 2º ano do Ensino Fundamental


na resolução de problemas do campo aditivo com o significado de transformação.
In: CURI, E.; NASCIMENTO, J. C. P. (Org.). Educação matemática: grupos cola-
borativos, mitos e práticas. São Paulo: Terracota, 2012. p. 95-114.

PIRES, C. M. C. Educação matemática: conversas com professores dos anos ini-


ciais. São Paulo: Zapt, 2012.

SÃO PAULO (Cidade). Secretaria Municipal da Educação. Orientações didáticas


do currículo da Cidade – Matemática. 2017.

VECE, J. P. Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental e os problemas de transforma-


ção negativa, In: CURI, E.; NASCIMENTO, J. C. P. (Org.). Educação matemática:
grupos colaborativos, mitos e práticas. São Paulo: Terracota, 2012. p. 71-94.

VERGNAUD, G. A teoria dos campos conceituais. In: BRUN, J. Didática das ma-
temáticas. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 155-191.

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Fundamentos Metodológicos
do Ensino de Matemática
O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Edda Curi
Prof.ª Me. Priscila Bernardo Martins

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
O Ensino das Operações do
Campo Conceitual Multiplicativo

• Introdução;
• Situações que Envolvem os Quatro Significados dos
Problemas do Campo Multiplicativo;
• O Contexto e os Problemas do Campo Multiplicativo;
• Procedimentos de Cálculo no Campo Multiplicativo;
• As Tabuadas;
• Procedimentos de Cálculo para Multiplicação e Divisão.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Discutir o ensino das operações do campo conceitual multiplicativo.
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Introdução
Nesta Unidade refletiremos sobre o ensino e a aprendizagem das operações do
campo conceitual multiplicativo. Você já estudou os problemas do campo aditivo e
percebeu os diferentes significados que as operações de adição e subtração apare-
cem nos problemas. Percebeu também a importância de se analisar o contexto do
problema, pois este influencia o significado da operação.

Para o campo multiplicativo também há estudos sobre os diferentes significados


das operações de multiplicação e divisão e sobre os contextos próprios dessas opera-
ções. O autor que discute esse tema também é o psicólogo Gerard Vergnaud (1996).

Como já foi dito, cada conceito matemático está inserido em um campo con-
ceitual, constituído por um conjunto de situações de diferentes naturezas. Da
mesma forma que Vergnaud (1996) sugere o trabalho conjunto com os problemas
aditivos e subtrativos, pois fazem parte de uma “mesma família”, recomenda o
trabalho conjunto com os problemas que envolvem multiplicação e/ou divisão.
O campo conceitual multiplicativo é formado por um conjunto de situações que
contemplam as operações de multiplicação e/ou divisão, com base em um campo
amplo de significados.

Da mesma forma que relaciona os cálculos do campo aditivo aos problemas


desse campo, faz as mesmas considerações para o campo multiplicativo e afir-
ma que os cálculos de multiplicação e de divisão precisam estar relacionados a
situações-problemas em contextos variados.

Provavelmente no tempo em que você estudou, o ensino das operações de


multiplicação e divisão era organizado passo a passo, ou seja, estudavam-se as
tabuadas, os resultados eram amplamente decorados; depois é que se passava
ao ensino dos algoritmos, passo a passo, aumentando a ordem de grandeza dos
números e, por último, eram apresentados problemas que poderiam ser resolvidos
por multiplicação ou por divisão, com base em problemas-modelo e outros muito
parecidos para resolução.

Esse tipo de ensino, considerado hoje tradicional ainda permanece em algumas


escolas. No entanto, estudos mais recentes e os novos currículos indicam outro foco
para o ensino desse tema. A ideia é partir de problematizações em que a criança
utilize de procedimentos pessoais para resolvê-las, depois o estudo de regularidades
e dos fatos básicos da multiplicação/divisão e, por último, o trabalho com os algo-
ritmos, porém, com compreensão.

As problematizações envolvendo as operações do campo multiplicativo devem


oferecer às crianças diferentes significados dessas operações e contextos variados
e adequados a esses significados. Não há uma relação entre os significados das
operações do campo aditivo e as do campo multiplicativo. No entanto, a Tabela a
seguir apresenta uma síntese dos significados dos dois campos:

8
Tabela 1
Significados dos Problemas do Campo Aditivo Significados dos Problemas do Campo Multiplicativo
Composição Proporcionalidade
Transformação Multiplicação comparativa
Comparação Configuração retangular
Composição de transformações Combinatória

Vergnaud (1994) apresenta vários tipos de situações e diversas classes de proble-


mas do campo multiplicativo. Destaca a importância de o professor distinguir essas
classes de problemas e analisá-las e de ajudar a criança a reconhecer as diferentes
estruturas de problemas e os procedimentos para cada solução.

Os estudos de Vergnaud (1994, 1996) foram adaptados para os Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN), que apresentam os quatro significados expostos na
Tabela 1 e que serão discutidos a seguir.

Situações que Envolvem os Quatro Significados


dos Problemas do Campo Multiplicativo
Situações que Envolvem o Significado de Proporcionalidade
Os problemas que envolvem esse significado surgem com muita frequência na
vida cotidiana e costumam ser trabalhados na escola como adição de parcelas iguais.
Veja exemplos:

Se um chocolate custa R$ 2,50, quanto custarão 3 chocolates iguais a esse?


Neste problema sabe-se o preço de uma quantidade e necessita-se saber o preço de
3 quantidades iguais, ou seja, 1 está para 2,50 assim como 3 está para X (situação
de proporcionalidade).

Em uma promoção, três pacotes de bolacha custam R$ 7,00. Quanto custarão seis
pacotes iguais a esses?
Se 3 pacotes custam 7 reais, seis pacotes custarão X (situação de proporcionalidade).

Fabiana comprou para o seu filho 4 camisetas iguais, mas de cores diferentes. Se elas
custaram R$ 48,00, qual foi o preço de cada uma?
Se 4 camisetas custaram 48,00, uma camiseta custou X (situação de proporcionalidade).

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UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Mariana distribuiu 30 bombons em pacotinhos com seis bombons, cada. Quantos


pacotinhos Mariana precisou para essa distribuição?
Cada pacotinho tinha 6 bombons, logo, X pacotinhos foram necessários para os
30 bombons (situação de proporcionalidade).

Na maioria das vezes, as crianças no início da escolaridade resolvem esses pro-


blemas por procedimentos pessoais, usando desenhos ou esquemas para mos-
trar seu raciocínio. Às vezes resolvem aditiva ou subtrativamente, pois ainda não
apresentam indicações de usar o raciocínio multiplicativo. No entanto, é preciso
evoluir. Pesquisadores afirmam que a evolução do raciocínio multiplicativo se dá
pelo envolvimento das crianças com os vários significados da multiplicação e com
os contextos adequados a esses significados.

Situações que Envolvem Multiplicação Comparativa


As situações que abrangem multiplicações comparativas também são comuns no
nosso cotidiano e envolvem termos que embora sejam matemáticos, são absorvidos
no vocabulário comum, tais como dobro, triplo, metade, terça parte, duas vezes
mais, cinco vezes mais etc. Veja exemplos:

Marcos tem 15 figurinhas e seu primo Otávio tem o dobro das figurinhas de Marcos.
Quantas figurinhas tem Otávio?
Comparação envolvendo a relação de dobro.

Simone tem 3 bonecas e Silvana tem quatro vezes mais que Simone. Quantas bonecas
tem Silvana?
Comparação envolvendo a relação de quádruplo – quatro vezes mais.

Fernanda tem 6 chocolates, ou seja, o triplo dos chocolates de Bernardo. Quantos


chocolates tem Bernardo?
Comparação envolvendo a relação de triplo/terça parte.

No início da escolaridade, as crianças resolvem esses tipos de problemas por


estratégias pessoais, no geral usando desenhos, agrupando a quantidade de um ele-
mento e depois usando a relação comparativa e indicando “quantas vezes mais” se
repete aquele agrupamento.

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Situações que Envolvem o Significado de Configuração Retangular
Essas situações envolvem, no geral, objetos organizados em filas (linhas) e colunas
em uma espécie de retângulo. O total de objetos corresponde ao produto do número
de objetos dispostos em uma fileira pelo número de objetos dispostas em uma coluna.
Os contextos que propiciam esse significado podem ser caixas de frutas, de ovos, audi-
tórios, teatros etc., dado que esse tipo de problema permite a compreensão da noção
de área de uma superfície retangular como produto de suas medidas. Veja exemplos:

Em uma caixa de pêssegos, as frutas estão dispostas em 4 fileiras e 5 colunas.


Quantos pêssegos há nessa caixa?
Produto: 4 × 5

Em uma caixa de ovos, estes são colocados em fileiras de dois em dois.


Quantas colunas tem essa caixa de ovos se possui 30 ovos no total?
2 × 15 = 30 ou 30 / 2 = 15

No início da escolaridade, as crianças resolvem esse tipo de problema por estra-


tégias pessoais, no geral usando desenhos de retângulos e indicando as fileiras e co-
lunas. Primordialmente contam todos os elementos desenhados, após algum tempo,
contam os elementos da fileira, da coluna e os multiplicam.

Situações que Envolvem o Significado de Combinatória


Tais situações ainda são menos trabalhadas na escola. Para determinar o resultado,
é preciso fazer todas as combinações possíveis entre os termos. Esse significado
envolve uma noção matemática importante, que é o produto cartesiano. Os con-
textos apropriados para esse tipo de problema envolvem combinações de roupas,
sanduiches, tipos de alimentação etc. Veja exemplos:

Sofia foi viajar para a praia. Colocou em sua mala duas saias, uma preta e uma jeans
e três camisetas, uma vermelha, outra branca e uma dourada.
De quantas formas Sofia pode se vestir nessa viagem combinando suas 3 camisetas
com suas 2 saias?
As combinações possíveis de camisetas e saias: (v,p), (v,j), (b,p), (b,j), (d,p), (d,j).
Podendo ser escrita como: 3 × 2 = 6

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11
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Rafael gosta muito de sorvete. Poderia escolher duas bolas de sorvete com 4 tipos de
cobertura entre os oferecidos na sorveteria.
Quantos tipos de sorvete Rafael poderia escolher?
2×4=8

As crianças tentam resolver esse tipo de problema apoiadas em desenhos e


esquemas em que ligam cada elemento do primeiro conjunto com todos os elemen-
tos do segundo conjunto e depois contam quantas ligações fizeram. Nem sempre
obtêm êxito, pois às vezes esquecem de fazer alguma correspondência ou se atra-
palham nas contagens.

Importante!
Cabe destacar que no campo multiplicativo os significados mais trabalhados na escola
são os de proporcionalidade e de multiplicação comparativa. É preciso mudar esse qua-
dro, tornando-se necessário trabalhar com todos os significados do campo multiplicativo
e com contextos adequados para que a criança se aproprie do raciocínio multiplicativo.

O Contexto e os Problemas
do Campo Multiplicativo
Fosnot e Dolk (2001) destacam a importância da escolha do contexto nos pro-
blemas do campo multiplicativo. Afirmam que esses contextos devem envolver três
componentes: permitir o uso de modelos; “fazer sentido” para as crianças; ser de-
safiador e provocar questões. Discorreremos sobre o que esses autores entendem
por esses componentes do contexto.

Uma situação-problema permite modelos quando o aluno puder usar imagens,


desenhos ou representações para esses modelos, por exemplo, situações que envol-
vem frutas, bombons, objetos, modelos retangulares etc. Destacam que a utilização
do mesmo modelo em diferentes situações-problemas possibilita a generalização,
facilitando o uso por parte das crianças.

Esses autores consideram que uma situação-problema deve fazer sentido para
a criança. Atribuem à expressão “fazer sentido” uma situação imaginária ou não
em que as crianças consigam compreendê-la, analisar a razoabilidade dos resulta-
dos e das ações realizadas para a construção de estruturas e relações como, por
exemplo, calcular a quantidade de figurinhas de uma criança que tem o dobro de
figurinhas de outra.

O terceiro componente é igualmente importante. Um problema deve ser desafia-


dor e permitir avanços e outras questões que podem ser feitas pelo professor, por

12
exemplo: Por que isso acontece? E se acontecer tal coisa? E se? Esses autores
afirmam que a possibilidade de novas questões caracteriza bons contextos, pois tais
contextos permitem a explicação do que acontece e dão origem a outras questões que
podem ser interessantes tanto do ponto de vista da criança, como da Matemática.

Os estudos de Fosnot e Dolk (2001) mostram a importância de o professor se-


lecionar (ou elaborar) problemas com bons contextos e diversificados, pois assim
possibilitarão aos seus alunos a construção gradativa da noção de multiplicação. Des-
tacam que tais contextos devem ser interessantes aos alunos, mas também devem
incluir possibilidades de o estudante usar diferentes modelos em que possa empregar
estratégias de contagem de um a um, contagem por grupos, uso intuitivo das pro-
priedades da multiplicação (comutativa, associativa, distributiva) e do cálculo formal.

Os modelos de agrupamento (agregados à ideia de proporcionalidade) e os de


configuração retangular, próprios da multiplicação devem ser explorados em diver-
sos contextos. Treffers e Buys (2001) afirmam que o modelo que mais se aproxima
da operação de multiplicação, do ponto de vista formal, é o de configuração retan-
gular. Destacam ainda que existem contextos que fazem emergir a validade da pro-
priedade comutativa, mesmo intuitivamente, como o de configuração retangular,
daí a importância de serem trabalhados com as crianças. Esses autores destacam
que contextos que envolvem o significado de combinatória da multiplicação podem
ser resolvidos com o auxílio de esquemas, de árvores ou de tabelas de dupla entrada
e que esse contexto também possibilita a validação da propriedade comutativa.

Os contextos que envolvem o significado de proporcionalidade não possibilitam


a validação da propriedade comutativa, pois é diferente tomar 5 gotas de remédio
durante 3 dias (5 + 5 + 5, ou 3 × 5) do que tomar 3 gotas de remédio durante
5 dias (3 + 3 + 3 + 3 + 3, ou 5 × 3) embora os resultados dessas duas multiplica-
ções sejam iguais a 15.

Esses autores afirmam que quando a ideia de multiplicar está associada à adição de
parcelas iguais (significado de proporcionalidade ou de multiplicação comparativa), a
tendência das crianças é adicionar várias vezes o agrupamento que se repete e que
esse tipo de raciocínio acaba por não validar a propriedade comutativa.

No entanto, como já foi discutido nesta Unidade, o raciocínio multiplicativo envolve


ideias mais amplas do que as associadas à adição de parcelas iguais. Vejamos alguns
apontamentos sobre procedimentos de cálculo.

Procedimentos de Cálculo
no Campo Multiplicativo
Pesquisadores como Treffers e Buys (2001) e Fosnot e Dolk (2001) discutem os
procedimentos das crianças na resolução de problemas do campo multiplicativo.
Afirmam que as crianças dão sentido às situações-problemas que envolvem a ideia

13
13
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

de multiplicação a partir de suas vivências no dia a dia. Segundo esses pesquisado-


res, as crianças apresentam algumas formas de multiplicar, assim como determina-
das relações entre essas de acordo com as suas experiências, ou seja, a ideia que
as crianças têm da multiplicação determina a forma como multiplicam, os procedi-
mentos que usam nos cálculos.

Treffers e Buys (2001) apresentam três níveis de aprendizagem na realização de


cálculos para a multiplicação: por contagem, estruturado e formal – discutiremos
cada um a seguir, apresentando uma possível resolução para o seguinte problema:

Em uma caixa cabem 4 bombons.


Quantos bombons cabem em 12 caixas como essa?

Segundo Treffers e Buys (2001), o cálculo por contagem corresponde ao


primeiro nível da multiplicação. É baseado na ação de adicionar para multiplicar e a
operação de multiplicação não é explícita. Os alunos, ao resolverem um problema,
utilizam apenas adições repetidas, vejamos:

0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000

Para Treffers e Buys (2001), no cálculo estruturado a ideia é de agrupamento,


ou seja, a mesma quantidade se repete algumas vezes, de modo que as crianças
associam essa repetição de agrupamentos à multiplicação, vejamos:

4
+4 = 8
+4 = 12
+4 = 16
+4 = 20
+4 = 24

14
+4 = 28
+4 = 32
+4 = 36
+4 = 40
+4 = 44
+4 = 48

Algumas vezes usam modelos de apoio, representações, esquemas, diagramas


etc. – por exemplo, no problema anterior, em que 4 bombons são colocados em
cada caixa e pergunta-se quantos bombons serão colocados em 12 caixas. Muitas
vezes, as crianças desenham grupos de 4 bolinhas (representando os bombons) e
repetem esse grupo 12 vezes e indicam 12 × 4, contando de 4 em 4, apoiadas no
desenho dos grupos até chegar ao 48.

0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
0000
12 × 4 = 48

Esses autores destacam que as crianças se utilizam do cálculo formal quando


não necessitam de modelos de apoio ao cálculo, mas ainda não usam o algoritmo,
apresentando apenas as sentenças matemáticas e as resolvem recorrendo a dife-
rentes relações entre a multiplicação e a produtos já conhecidos. Por exemplo,
na mesma situação anterior, as crianças indicam 12 × 4 e fazem 10 × 4 + 2 × 4,
pois já conhecem esses produtos. Como é possível perceber, o cálculo formal está
amparado no cálculo mental e no trabalho desenvolvido pelo professor – de relacio-
nar produtos conhecidos e utilizá-los na busca de outros produtos.

Treffers e Buys (2001) afirmam que a transição entre esses níveis não é linear,
mas precisa de apoio em situações-problemas com contextos variados em que as
crianças possam se utilizar de modelos para resolvê-los. Concluem que o uso de
diferentes situações que envolvem o mesmo modelo possibilita à criança a passa-
gem ao nível formal em que essa não precisa mais se apoiar nos modelos.

15
15
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Nas nossas escolas é muito comum a ansiedade de se trabalhar com as tabuadas e com
o algoritmo da multiplicação. Tal trabalho deve ser posterior a essas etapas de cálculo.

As Tabuadas
No esquema construído por você, usando as memórias de suas aprendizagens
sobre a multiplicação, certamente as tabuadas foram lembradas como cálculos
em que é preciso primeiro “saber de cor” para só depois aprender a multiplicar.
A preocupação excessiva com a memorização das tabuadas, antes da resolução de
problemas, é presente nas atuais salas de aula. São comuns afirmações de profes-
sores que o aluno não resolve um problema que envolve multiplicação porque não
sabe a tabuada. O que discutimos nesta Unidade quebra um pouco esse mito: as
situações-problemas envolvendo diferentes contextos e significados da multiplicação
são anteriores às tabuadas.

A ideia proposta pelos autores estudados é que a resolução de problemas


necessita de contextos adequados e diversificados, envolvendo o mesmo ou dife-
rentes significados da multiplicação. Essa abordagem permite a compreensão da
ideia da multiplicação, o uso intuitivo de propriedades e relações multiplicativas.
Nesse percurso, as crianças vão naturalmente e de forma gradual construindo os
produtos que constituem as chamadas tabuadas.

O que deve ficar claro é que a tabuada não é pré-requisito para a multiplicação,
como se achava há algum tempo, mas que sua memorização é importante para uso
em outros produtos e que essa memorização deve ser gradativa e com compreensão.

Treffers e Buys (2001) identificam três fases para aprendizagem das tabuadas:
a construção do conceito; o cálculo inteligente e flexível; a memorização completa
das tabuadas mais importantes. Afirmam que cada uma acompanha os níveis de
aprendizagem já referidos neste texto, ou seja, na construção das tabuadas, as crian-
ças iniciam com cálculos por contagem e progridem até o cálculo formal.

Você deve ter lembrado que as tabuadas eram trabalhadas na sala de aula pela
ordem da sequência numérica, ou seja, primeiro a do 2, depois a do 3, depois a
do 4, a do 5, a do 6 etc., sem a preocupação da exploração de regularidades e das
propriedades da multiplicação que podem ser usadas na sua construção. Igualmente,
a ordem dos fatores, na construção das tabuadas é importante. Por exemplo, na
tabuada do 2, o fator que se repete é o 2, então temos:

• 1 × 2 = 2 (um agrupamento de 2);


• 2 × 2 = 4 (dois agrupamentos de 2);
• 3 × 2 = 6 (três agrupamentos de 2);
• 4 × 2 = 8 (quatro agrupamentos de 2);
• 5 × 2 = 10 (cinco agrupamentos de 2).

16
O que propomos neste texto é a exploração das regularidades das tabuadas e
das relações numéricas existentes. Por exemplo, a partir da resolução de problemas
que envolvam multiplicações por 2, por 5 ou por 10 e trabalhar com essas tabuadas
devem se dar de forma consistente, pois são as bases para a construção das outras.
A partir da tabuada do 2 é possível construir a tabuada do 10 multiplicando os re-
sultados da tabuada do 2 por 5.

A partir dos produtos já memorizados da tabuada do 2 e utilizando relações nu-


méricas como, por exemplo, 4 é o dobro de 2, ou 8 é o dobro de 4 ou o quádruplo
de 2, ou ainda 6 é o triplo de 2, é possível construir as tabuadas do 4, do 6 e do 8.

A tabuada do 2 é base para a tabuada do 4. Como 6 × 2 = 12, então 6 × 4


que é a mesma coisa que (6 × 2) × 2 ou o dobro de 12, ou 12 × 2 = 24. Portanto,
6 × 4 = 24. A tabuada do 6 apoia-se na do 2 ou do 3. Como o produto 4 × 2 = 8,
então 4 × 6 é a mesma coisa que 3 × (4 × 2), ou 3 × 8 = 24. O produto 4 × 3
também é base para 4 × 6, ou seja, 2 × (4 × 3), ou o dobro de 12, ou 2 × 12 = 24.
A análise de regularidades numéricas desse tipo permite a construção das tabuadas
do 8 e do 9.

Procedimentos de Cálculo
para Multiplicação e Divisão
A partir das estratégias usadas pelas crianças na resolução de um problema
multiplicativo é possível construir com compreensão o algoritmo da multiplicação.
Vejamos o problema a seguir e uma estratégia de criança. Em seguida, como o algo-
ritmo foi proposto a partir da resolução da criança:

Na caixa há 3 fileiras com 14 bombons em cada fileira.


Quantos são os bombons dessa caixa?

1 0 + 4
X 3
3 0 + 1 2

4 2
Ou:
Um.
1 4
X 3
4 2

Figura 1

17
17
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Para o problema:
Uma doceira fez 375 brigadeiros e precisava distribui-los igualmente em 3 caixas.
Quantos brigadeiros colocou em cada caixa?

Figura 2
Fonte: Acervo do conteudista

A partir dessa resolução, é possível trabalhar com o algoritmo denominado americano:

Tabela 2
3 7 5 3
– 3 0 0 1 0 0
7 5 + 2 0
– 6 0 5
1 5 1 2 5
– 1 5
0

Após a compreensão desse processo, é possível apresentar o processo longo e,


por último, o processo curto:

Tabela 3 – Processo longo


3 7 5 3
– 3 0 0 1 2 5
7 5 C D U
– 6 0
1 5
– 1 5
0

Tabela 4 – Processo curto


3 7 5 3
0 7 1 2 5
1 5
0

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Uma Análise sobre as Aprendizagens e Dificuldades Reveladas por Alunos do 5º Ano na Resolução de
Problemas de Estruturas Multiplicativas
ZARAN, M. L. O.; SANTOS, C. A. B. Uma análise sobre as aprendizagens e
dificuldades reveladas por alunos do 5º ano na resolução de problemas de estruturas
multiplicativas. In: CURI, E.; NASCIMENTO, J. C. P. (Org.). Educação matemática:
grupos colaborativos, mitos e práticas. São Paulo: Terracota, 2012. P. 131-152.
Educação Matemática: Conversas com Professores dos Anos Iniciais
PIRES, C. M. C. Educação matemática: conversas com professores dos anos
iniciais. São Paulo. Zapt, 2012.

Leitura
O Raciocínio de Estudantes do Ensino Fundamental na Resolução de Situações
das Estruturas Multiplicativas
https://bit.ly/2XYjCKu
Análise dos Procedimentos de Resolução de Alunos de 5° Ano em Relação a Problemas do Grupo
Isomorfismo de Medidas
https://bit.ly/2S0C4yt

19
19
UNIDADE O Ensino das Operações do Campo Conceitual Multiplicativo

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais para os 1º e 2º ciclos. Brasília, DF, 1996.

FOSNOT, C.; DOLK, M. Young mathematicians at work: constructing


multiplication and division. Portsmouth, England: N. H. Heineman, 2001.

PIRES, C. M. C. Educação matemática: conversas com professores dos anos


iniciais. São Paulo. Zapt, 2012.

TREFFERS, A.; BUYS, K. Grade 2 and 3 – calculation up to 100. In: PANHUIZEN,


M. H. Children learn mathematics. [S.l.]: Frendenthal Institute, 2001. p. 61-88.

VERGNAUD, G. A criança, a Matemática e a realidade: problemas de ensino de


Matemática na Escola Elementar. Trad. Maria Lucia Moro. Curitiba, PR: UFPR, 2009.

______. A teoria dos campos conceituais. In: BRUN, J. Didática das matemáticas.
Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 155-191.

______. Multiplicative conceptual field: what and why? In: GUERSHON, H.;
CONFREY, J. (Ed.). The development of multiplicative reasoning in the learning
of Mathematics. Albany, NY: University of New York, 1994. p. 41-59.

ZARAN, M. L. O.; SANTOS, C. A. B. Uma análise sobre as aprendizagens e


dificuldades reveladas por alunos do 5º ano na resolução de problemas de estruturas
multiplicativas. In: CURI, E.; NASCIMENTO, J. C. P. (Org.). Educação matemáti-
ca: grupos colaborativos, mitos e práticas. São Paulo: Terracota, 2012. P. 131-152.

20
Fundamentos Metodológicos
do Ensino de Matemática
O Ensino de Geometria e de Medidas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Edda Curi

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
O Ensino de Geometria e de Medidas

• O Ensino de Geometria: Algumas Reflexões;


• O Ensino de Grandezas e Medidas: Algumas Reflexões;
• O Trabalho com Medidas e o Sistema de Numeração Decimal;
• O Trabalho com Áreas e Perímetros.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Discutir o ensino de geometria, incluindo as noções de relações espaciais e de formas
geométricas e de grandezas com suas medidas;
• Compreender que o trabalho com geometria permite desenvolver um tipo de raciocínio
especial voltado ao pensamento geométrico;
• Entender que o tema medidas é integrador do currículo matemático, pois oportuniza um
trabalho contextualizado com números e operações.
UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

O Ensino de Geometria: Algumas Reflexões


Muito é dito a respeito da importância do ensino de geometria para as crianças
desde o início da escolaridade. Educadores matemáticos comentam que a aprendi-
zagem de geometria permite o desenvolvimento de um tipo de pensamento que o
ensino dos números e da álgebra não possibilitam, proporcionando uma interpreta-
ção do mundo e uma visão mais abrangente da Matemática.

Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017, a geometria abar-


ca o estudo de um aprofundado conjunto de conceitos e procedimentos importantes
para resolver problemas do mundo físico e de distintas áreas do conhecimento.

Mas por que será que a geometria é pouco explorada nas salas de aula?

Ao que parece, esse problema é histórico. Um trabalho de Mestrado, desenvolvido


em 1989, por Pavanello (1993), fez uma análise histórica do ensino da Matemática.
Analisando os currículos e programas escolares, essa pesquisadora observou que,
nos primeiros anos escolares, os conteúdos trabalhados em Matemática eram pre-
dominantemente ligados à aritmética, enquanto os conteúdos das séries finais do
Ensino Fundamental eram preferencialmente referentes à álgebra.

Ao fazer uma retrospectiva histórica focalizando o ensino de Matemática, muitos


pesquisadores apontam que ao longo das décadas de 1960 e 1970, o ensino dessa
área foi influenciado pelo movimento Matemática Moderna, com grande foco na
noção de conjunto e na simbologia (∈, ⊂, <, > etc.). Nessas décadas, havia pouca
ênfase para o ensino de geometria. As noções de ponto, reta e plano eram tratadas
dentro do quadro da teoria dos conjuntos (o ponto pertence à reta, a reta está con-
tida no plano etc.) e não como elementos geométricos. Igualmente, o trabalho com
medidas era pouco enfatizado.

A partir da década de 1980, as propostas de trabalho com geometria eram


apoiadas em atividades em que as crianças exploravam figuras planas e espaciais,
envolvendo composição, decomposição, simetrias, ampliações e reduções.

O foco dado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foi no trabalho com
relações espaciais e com formas geométricas espaciais e planas. Esse documento
destaca que o trabalho com geometria contribui para a aprendizagem de números
e medidas, pois incentiva a criança a observar, perceber semelhanças e diferen-
ças, identificar regularidades etc. Além disso, sugere que esse trabalho seja feito
a partir da exploração dos objetos do mundo físico, de obras de arte, pinturas,
desenhos, esculturas e artesanato, pois isso possibilita estabelecer conexões entre a
Matemática e outras áreas do conhecimento.

Atualmente, com a BNCC a expectativa para os anos iniciais do Ensino Funda-


mental é que os estudantes possam identificar e estabelecer pontos de referência
para a localização e o deslocamento de objetos, e que construam representações
de espaços familiares, estimando distâncias, empregando, como recursos, mapas,

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croquis e diversas outras representações. Em se tratando das formas, espera-se que
os estudantes saibam indicar as características das formas geométricas espaciais e
planas, associando as figuras espaciais às suas planificações e vice-versa. É espera-
do, ainda, que saibam as suas nomenclaturas, fazendo comparações de polígonos,
por meio de propriedades referentes aos lados, vértices e ângulos.

No entanto, apesar dessas indicações, o trabalho com geometria ainda é rudimen-


tar, talvez pelo fato de grande parte dos professores que atuam nos anos iniciais do
Ensino Fundamental não ter estudado esse assunto na sua Escolaridade Básica e se
sentirem inseguros com relação ao seu domínio dos conteúdos a serem ensinados.

Algumas Pesquisas sobre o Ensino de Geometria


As pesquisas sobre o ensino de geometria surgiram a partir da década de 1950,
com estudos de Piaget e Inhelder, que observaram níveis de desenvolvimento da
compreensão das crianças em A representação do espaço na criança (PIAGET;
INHELDER, 1993).

Na década de 1980, o casal de holandeses Pierre van Hiele e Dina van Hiele
propuseram cinco níveis sequenciais e hierárquicos para identificar o nível de matu-
ridade geométrica das crianças:
• Nível 0: visualização;
• Nível 1: análise;
• Nível 2: dedução informal;
• Nível 3: dedução;
• Nível 4: rigor.

Com a concepção hierárquica para esses níveis, os pesquisadores destacavam


que o aluno deveria progredir em ordem, de nível em nível, a partir de aquisição de
estratégias de um nível anterior para funcionar com sucesso no nível seguinte.

Parzysz (2006) apresenta uma classificação para o ensino de geometria com-


posta por quatro etapas do desenvolvimento do pensamento Geométrico (G0, G1,
G2, G3), divididas em dois polos: um que congrega a geometria não axiomática,
na qual os objetos são concretos e as validações perceptivo-dedutivas; e outro que
se liga à geometria axiomática, na qual os objetos são teóricos e as validações
hipotético-dedutivas. Para a geometria não axiomática, Parzysz (2006) apresenta
a seguinte subdivisão:
• Geometria concreta (G0): os objetos são explorados em suas características
observáveis (forma, cor etc.). Segundo esse autor, tal “geometria” está voltada
para a realidade e para os objetos que a compõem. No nível G0, parte-se do
concreto (objetos físicos/manipuláveis), identificando as figuras pelo seu aspecto
geral, porque a validação é perceptiva. Apresenta como exemplos de atividades
concretas maquetes e plantas;

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UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

• Geometria espaço-gráfica (G1): o aluno consegue representar objetos na


superfície, objetos bidimensionais, tais como desenhos feitos no papel ou no
computador e interagir com as suas propriedades. Nesse nível a resolução de
uma atividade pode envolver diversos instrumentos, tais como régua, com-
passo, entre outros. Parte-se das representações figurais e gráficas, mas os
alunos ainda exploram as situações concretamente e os conceitos geométricos
são confundidos com a realidade. Conseguem também levantar hipóteses e
constatar propriedades empiricamente, ou seja, nesse nível a validação ainda
é perceptiva, pois o aluno consegue identificar propriedades das figuras, mas
não consegue explicá-las.

Para a geometria axiomática, Parzysz (2006) propõe a seguinte subdivisão:


• Geometria proto-axiomática (G2): neste nível, inicia-se a passagem do domí-
nio concreto para o abstrato. As definições fazem sentido para os alunos que
passam a validar resultados com técnicas dedutivas;
• Geometria axiomática (G3): neste nível, a geometria é totalmente abstrata.
O aluno consegue trabalhar com diferentes sistemas axiomáticos, explicitar os
axiomas, analisar objetos teóricos e faz validações usando axiomas e proprieda-
des do sistema axiomático.

A partir das especificidades de cada nível, para Parzysz (2006), o desenvolvimento


do pensamento geométrico parte da realidade, do concreto, até chegar ao abstrato.

Parzysz (2006) chama a atenção para o fato de utilizar a denominação geometria


concreta para G0, mas que não considera esse nível como uma geometria propria-
mente dita, ressaltando que o que avalia por meio do concreto não é ainda geométrico.

E com as crianças como será que esses níveis de pensamento geométrico se organizam?

Você já percebeu se e como as crianças, mesmo sem frequentar a escola, reconhecem formas
geométricas, percebem as “que rolam” com mais facilidade e as que são mais “estanques”?
Percebem as que são “pontudas” e as que são “arredondadas”?
Escreva algo sobre esse assunto e compatibilize com a próxima parte do texto.

Em artigo publicado em 2000, dois autores estadunidenses, Clements e Sarama


destacaram três níveis de conhecimento geométrico para as crianças de 6 a 10 anos
de idade: pré-reconhecimento, visual e descritivo.

O nível de pré-reconhecimento é perceptível. As crianças percebem formas, mas não


são capazes de identificar e distinguir uma entre muitas formas. Ou seja, muitas vezes de-
senham uma mesma curva irregular para representar círculos, quadrados ou triângulos.

No segundo nível, visual, as crianças identificam formas de acordo com o seu


aspecto e acabam relacionando a forma a um objeto conhecido, por exemplo, uma
esfera parece com uma bola de futebol.

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É só no nível descritivo que as crianças reconhecem e podem caracterizar formas
pelas suas propriedades, ou seja, nesse nível as crianças identificam que um cubo
tem 6 faces quadradas.

Clements e Sarama (2000) destacam que o progresso dos níveis infantis de


pensamento depende de seu ensino e de suas experiências. Afirmam, ainda, que
esses níveis podem ajudar a compreender como as crianças entendem as formas
geométricas e orientar os professores no fornecimento de pistas para a aprendiza-
gem para as crianças.

É claro que não basta apresentar às crianças os níveis aqui descritos, isso não
é suficiente para que compreendam como se dá esse processo. Esses autores,
após realizarem pesquisas entrevistando 128 crianças com idades entre 3 a
6 anos, concluíram que essas identificaram formas desenhadas em papel e cor-
tadas em madeira. Perceberam também que as crianças constroem ideias sobre
formas comuns – tais como círculos, quadrados, triângulos e retângulos – mesmo
antes de entrar na escola, por meio da exploração de brinquedos, livros e progra-
mas de televisão com os quais entram em contato com o cotidiano. Mas afirmam
que isso não é suficiente, que é preciso que o professor as ajude a ampliar suas
ideias iniciais. Sugerem que os professores entrevistem seus alunos para que te-
nham uma visão mais clara da compreensão das crianças sobre as formas, em vez
de confiar no trabalho apenas escrito e nas provas escritas.

Importante!
Cabe destacar que não basta reproduzir tarefas e tentar identificar o nível do pen-
samento geométrico das crianças, nem utilizar essas nomenclaturas com as quais.
Como acontece com a teoria dos campos conceituais (VERGNAUD, 1996), de acordo com
Curi (2005), algumas tentativas de levar essas pesquisas para a sala de aula têm se limi-
tado a reproduzir tarefas de diferentes níveis do pensamento geométrico, o que carac-
teriza um reducionismo em relação aos avanços que a pesquisa permite. Como no ensino
da aritmética, embora seja positiva a utilização de pesquisas para orientação de ensino,
ainda estamos longe de ver esses estudos auxiliarem o professor em sua prática.

Algumas Sugestões para o Ensino de Geometria


Como já foi visto, as crianças, ao vivenciarem uma série de experiências referentes
ao espaço que lhe é familiar, na interação com o espaço que a cerca, constroem
noções de distância e buscam formas de localização, por exemplo.

A estruturação espacial da criança inicia-se pela constituição de um sistema de


coordenadas relativo ao seu próprio corpo e por noções adquiridas no convívio
social – por exemplo, na identificação de termos como à direita, à esquerda, para
frente, atrás etc.

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UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

No entanto, essas aprendizagens não são suficientes para que a criança represente
o espaço e utilize vocabulário adequado à sua localização ou movimentação em tal
espaço. É necessário um conhecimento escolar intencional e sistematizado, no qual
a criança se apropria das formas de representação do espaço.

Nesse sentido, é na escola que esse conhecimento é organizado, sempre reto-


mando e ampliando as noções já estudadas. As sequências de atividades devem ser
organizadas de modo a permitir sempre a ampliação do pensamento geométrico da
criança – e não apenas a realização de atividades pontuais. Na sequência, veremos
algumas sugestões para o ensino de gemoetria.

Nos primeiros anos há predomínio de atividades orais em que as crianças possam


identificar pontos de referência que possibilitem sua localização em sala de aula, sua
sala no ambiente escolar, e ampliando as noções de espaço, a descrição de caminhos
dentro do espaço escolar. É possível propor aos alunos uma diversidade de situações
cuja resolução possibilite que sistematizem e ampliem esses conhecimentos.

Ao explorar a sala de aula, a localização dos alunos precisa de pontos de referên-


cia que podem ser objetos que são fixos na sala. Isso permite às crianças avançarem
progressivamente no domínio de um vocabulário específico que os permita chegar
a uma localização mais precisa. No entanto, para que os alunos avancem nesses co-
nhecimentos, é necessário desenvolver a capacidade de deslocar-se mentalmente e
de pensar o espaço sob diferentes pontos de vista; ou seja, é necessário incluir repre-
sentações gráficas e descrições, tanto orais, quanto gráficas (desenhos e esquemas).

A representação é apenas um modelo que permite tomar decisões e antecipar as


ações efetivas. As crianças podem interpretar croquis ou mapas, por exemplo, do
bairro da escola – ou uma planta baixa de um local de visitação, ou de uma casa e
elaborar instruções para chegar de um lugar a outro, oralmente. As crianças avan-
çam na construção dos conhecimentos sobre o espaço ao usar malhas quadriculadas
para interpretar ou representar, em um plano, a posição de uma pessoa ou objeto,
ou a movimentação de uma pessoa ou objeto pode ser explorada com caças ao
tesouro, batalha naval etc.

O trabalho com as formas geométricas se inicia com as formas tridimensionais e


se amplia para as formas bidimensionais. As formas tridimensionais, como o nome
indica, têm três dimensões: comprimento, altura e largura. Já as formas bidimensio-
nais têm duas dimensões: comprimento e largura. As figuras tridimensionais podem
ser ocas ou não. Quando não ocas, são conhecidas como sólidos geométricos, entre
os quais se destacam os poliedros e os corpos redondos.

O estudo das figuras geométricas planas e espaciais envolve muito mais que as
reconhecer por meio de um desenho e conhecer seus nomes, é preciso também co-
nhecer propriedades. Aquilo que o aluno pode “ver” no desenho está diretamente re-
lacionado aos conhecimentos que possui sobre o objeto que esse desenho representa.

Ao iniciar com a exploração de formas presentes no cotidiano, em que a criança


possa explorar similaridades e diferenças, o trabalho com sucatas, atividades em
que as crianças identifiquem superfícies planas ou arredondadas na exploração

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de caixas e latas torna possível trabalhar com representações do desenho dessas
formas no papel, permitindo sua visualização e com nomenclatura das mesmas.
A montagem e desmontagem de embalagens permite as primeiras aproximações
com a planificação das formas tridimensionais. Após essa atividade, as crianças
podem desenhar “os moldes” das embalagens que foram exploradas.

O trabalho avança com a exploração de prismas e pirâmides, suas características


e seus elementos (vértices, faces e arestas) como, por exemplo, o prisma tem duas
bases iguais e as faces laterais em forma de paralelogramo e a pirâmide tem uma
base e as faces laterais triangulares etc. A exploração de caixas em formas de pris-
mas e de pirâmides permite a identificação e a contagem de faces, vértices e arestas,
e ainda a exploração de regularidades nessas contagens em função da base, e em
função do tipo de sólido (prisma ou pirâmide). Sugere-se a consecução e exploração
oral de tabelas para que as crianças analisem essas regularidades e tirem conclusões.

O trabalho com formas bidimensionais é posterior. As atividades devem ser pro-


postas para que os alunos identifiquem formas tridimensionais e bidimensionais,
identificando características de círculos e polígonos, em especial de triângulos e
quadriláteros. A composição de figuras explorando quebra-cabeças também permite
o reconhecimento de características de formas bidimensionais. Outra sugestão é a
de reproduzir figuras em malhas quadriculadas, analisando o uso da malha pela
criança. Destacam-se atividades que exploram a decomposição de uma figura plana
em outras e o trabalho de simetria, com uso de tinta guache e dobraduras, ou com
uso de espelho.

O Ensino de Grandezas e
Medidas: Algumas Reflexões
O trabalho com grandezas e medidas deve ser iniciado logo nos primeiros anos
da escolaridade com exploração de diversas situações em que é preciso medir gran-
dezas as mais variadas como o tempo, comprimento, a capacidade, massa e também
grandezas geométricas, como o perímetro e a área.

Na BNCC, a unidade temática grandezas e medidas propõe o estudo das


medidas e relações métricas, viabilizando a conexão da Matemática e outras áreas de
conhecimento. No documento, essa unidade temática favorece para a consolidação
e ampliação da noção de número, de noções geométricas e a construção do pensa-
mento algébrico. A BNCC propõe para os anos iniciais que:
[...] os estudantes reconheçam que medir é comparar uma grandeza com
uma unidade e expressar o resultado da comparação por meio de um
número. Além disso, devem resolver problemas oriundos de situações
cotidianas que envolvem grandezas como comprimento, massa, tempo,
temperatura, área (de triângulos e retângulos) e capacidade e volume
(de sólidos formados por blocos retangulares), sem uso de fórmulas,

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UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

recorrendo, quando necessário, a transformações entre unidades de me-


dida padronizadas mais usuais. Espera-se, também, que resolvam pro-
blemas sobre situações de compra e venda e desenvolvam, por exemplo,
atitudes éticas e responsáveis em relação ao consumo. Sugere-se que
esse processo seja iniciado utilizando, preferencialmente, unidades não
convencionais para fazer as comparações e medições, o que dá sentido
à ação de medir, evitando a ênfase em procedimentos de transformação
de unidades convencionais. No entanto, é preciso considerar o contexto
em que a escola se encontra: em escolas de regiões agrícolas, por exem-
plo, as medidas agrárias podem merecer maior atenção em sala de aula.
(BRASIL, 2017, p. 273)

Sabemos que medir e contar são duas necessidades primordiais da humanidade,


por esse motivo, todas as civilizações dedicaram-se à comparação de grandezas.
As civilizações mais antigas usavam partes do próprio corpo para medir compri-
mentos, tais como palmos, pés, polegadas ou jardas. Algumas dessas unidades de
medida são usadas ainda hoje.

As crianças sempre se interessam quando são desenvolvidos aspectos históricos


do uso das medidas. No entanto, é preciso que vivenciem situações de medição em
que possam construir representações mentais que lhe possibilitem, por exemplo,
saber que comprimentos como 10 centímetros são menores do que um palmo, ou
que 1 quilo é equivalente a um pacote pequeno de feijão, ou que 1 litro corresponde
a uma embalagem de leite.

Os PCN já sugeriam alguns aspectos fundamentais que precisam ser explorados


nas atividades propostas às crianças:
• O processo de medição é o mesmo para qualquer atributo mensurável. É neces-
sário escolher uma unidade adequada, comparar essa unidade com o objeto que
se deseja medir e, finalmente, computar o número de unidades obtidas;
• A escolha da unidade é arbitrária, mas deve ser da mesma espécie do atributo
que se deseja medir. Há unidades mais e menos adequadas e a escolha depen-
derá do tamanho do objeto e da precisão que se pretende alcançar;
• Quanto maior o tamanho da unidade, menor será o número de vezes que se a
utilizará para medir um objeto;
• Se, por um lado, pode-se medir usando padrões não convencionais, por outro
lado, os sistemas convencionais são importantes, especialmente em termos
de comunicação.
Fonte: Adaptado de Brasil (1997)

A exploração de situações de medição permite às crianças perceber a grandeza


como uma propriedade de certa coleção de objetos e observar o aspecto da
“conservação” de uma grandeza, isto é, o fato de que mesmo que o objeto mude de
posição ou de forma, algo pode permanecer constante como, por exemplo, a sua
capacidade, ou seja, o formato da caixa de leite não importa (se é mais larga, mais
alta), mas que dentro dessa há um litro de leite.

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Outro aspecto fundamental é o estabelecimento da relação entre a medida de
uma dada grandeza e um número, pois é por meio desse que o aluno ampliará o seu
domínio numérico e compreenderá a necessidade de criação de outros números para
além dos números naturais.

O Trabalho com Medidas e


o Sistema de Numeração Decimal
Você já percebeu que as medidas de comprimento, massa e capacidade têm
relação direta com o sistema de numeração decimal?

Quando medimos comprimentos, geralmente o metro é a unidade padrão e


utilizamos seus múltiplos e submúltiplos para expressar mais adequadamente uma
medição. Alguns desses múltiplos e submúltiplos são mais usados socialmente do
que outros. No caso das medidas de comprimento, o quilômetro, centímetro e
milímetro são mais usados que os demais. A relação entre essas unidades é possí-
vel de ser compreendida quando se faz um paralelo com a estrutura do sistema de
numeração decimal:

Tabela 1
Milhar Centena Dezena Unidade Décimo Centésimo Milésimo
Quilômetro Hectômetro Decâmetro Metro Decímetro Centímetro Milímetro
(km) (hm) (dam) (m) (dm) (cm) (mm)

Na Tabela fica fácil observar que, por exemplo, 1 metro corresponde a 1.000
milímetros. Auxilia-nos também na leitura de escritas como, por exemplo, 8,5m: oito
metros e cinco decímetros, ou 8 metros e 50 centímetros – se usarmos uma unidade
mais conhecida das crianças. Da mesma forma, podem ser estabelecidas relações
entre as unidades de massa:

Tabela 2
Milhar Centena Dezena Unidade Décimo Centésimo Milésimo
Quilograma Hectograma Decagrama Grama Decigrama Centigrama Miligrama
(kg) (hg) (dag) (g) (dg) (cg) (mg)

E entre as unidades de capacidade:

Tabela 3
Milhar Centena Dezena Unidade Décimo Centésimo Milésimo
Quilolitro Hectolitro Decalitro Litro Decilitro Centilitro Mililitro
(kL) (hL) (daL) (L) (dL) (cL) (mL)

No entanto, isso não acontece com as medidas de tempo, pois estas se relacio-
nam ao sistema sexagesimal. A transformação de horas em minutos e de minutos

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UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

em segundos não é tão evidente para as crianças. No entanto, observam as horas


e aprendem a fazer sua leitura em relógios digitais e de ponteiros. É por meio de
experiências sociais e escolares que as crianças observam que as medidas de tempo
como hora, minuto e segundo não se relacionam pelo uso da base 10, mas sim por
meio de relações sexagesimais. Por exemplo: 1 hora = 60 minutos; 1 minuto =
60 segundos; 1 hora = 3.600 segundos.

O trabalho com medidas de tempo é essencial, sendo de grande interesse das


crianças e as relações de tempo são usadas socialmente, como a passagem dos dias,
das semanas, dos meses, anos. Há necessidade de um trabalho permanente com
essas medidas e de exploração diária de calendários.

As medidas de temperatura também despertam o interesse das crianças. Ativida-


des com uso de termômetros, a exploração de informações dos serviços de meteoro-
logia e a temperatura da água são interessantes de serem explorados.

O Trabalho com Áreas e Perímetros


As grandezas perímetro e área começam a ser exploradas no 4º ano do Ensino
Fundamental. As propostas iniciais de exploração dessas noções devem permitir
que as crianças observem que o perímetro se refere à medida do contorno de uma
figura (que pode ser circular, poligonal ou ter uma forma irregular) e a área se refere
à medida da superfície delimitada por esse contorno.

Na seguinte Figura podemos dizer que o seu contorno, ou seja, o seu perímetro
é de 12 unidades de comprimento (u), considerando como unidade a medida do
lado dos quadrinhos que compõem a malha. Na mesma ilustração, podemos dizer
que a superfície delimitada por esse contorno, ou seja, sua área, é de 9 unidades de
área (U), considerando como unidade a medida da superfície de cada quadradinho
unitário da malha.

Figura 1
Fonte: Acervo do conteudista

16
Pires (2012) destaca que existe uma confusão frequente que se dá entre períme-
tro e área que, de modo geral, são trabalhados separadamente pelos professores,
mas depois são utilizados pelas crianças, sem distinção entre um e outro, para
resolver problemas.
Nos trabalhos de Rogalski (1982) é proposto que se deve, ao mesmo
tempo, diferenciar propriedades simultaneamente presentes numa figura
(o comprimento do contorno e a área da superfície, ou a área de um sóli-
do e seu volume) e coordenar essas mesmas propriedades na apropriação
das fórmulas, por exemplo. (PIRES, 2012)

Assim, dada uma figura plana, desenhada em malha quadriculada ou não, é pos-
sível propor que as crianças calculem a área e o perímetro dessa figura e discutir que
essas medidas são diferentes e representam “coisas” distintas.

Em pesquisas internacionais há um estudo que destaca que no cálculo da área de


uma superfície são relacionados dois polos de concepções – geométricas e numé-
ricas. Perrin-Glorian e Douady (1989 apud PIRES, 2012) propõem a distinção de
3 quadros, a saber:
• O quadro geométrico: os objetos do quadro geométrico são, por
exemplo, as superfícies planas – triangulares, quadrangulares,
circulares, de contornos irregulares etc. – que são modelos encontrados
nas faces planas de objetos do mundo físico. São essas figuras que são
comparadas com relação ao atributo área;

• O quadro numérico: são as medidas das superfícies representadas por


números naturais, racionais (não inteiros), irracionais, sempre positivos.
As grandezas são expressas por um número, acompanhado de uma
unidade de medida: 2 m, 7,5 L etc.;

• O quadro das grandezas: é contexto próprio da noção de área, que


integra os dois primeiros e no qual se destaca a equivalência de super-
fícies de mesma área.

A partir dessa pesquisa é possível perceber que a área de uma superfície plana
aparece como um objeto matemático distinto da superfície plana, pois superfícies
diferentes podem possuir a mesma área. Isso não é tão simples para as crianças.
Da mesma forma, a pesquisa permite inferir que seja especificado o número que está
associado a essa superfície quando se escolhe uma superfície unitária para medi-la,
pois quando se muda a unidade de superfície a medida de área é alterada, mas a área
permanece a mesma. Essa colocação também não é tão simples para as crianças.

Dessa forma, há necessidade de organização de atividades que possibilitem desen-


volver relações entre essas grandezas e articulações entre esses quadros.

A falta de articulação entre os quadros no trabalho de sala de aula pode conduzir


a alguns erros como, por exemplo, a consideração de apenas aspectos numéricos,
ou seja, as medidas de comprimentos da figura e, por esse motivo, multiplicam as

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UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

medidas dos dois lados de um paralelogramo para achar sua área, como fazem no
caso de formas retangulares, sem observar diferenças “geométricas” entre as quais.

Outro erro comum é a ideia de que figuras de mesma área têm necessariamente
o mesmo perímetro e vice-versa.

O trabalho com várias figuras diferentes que tenham a mesma área ou o mesmo
perímetro também pode esclarecer dúvidas a respeito dessas noções. Assim, pode-
-se propor, por exemplo, uma atividade em que as crianças calculem a área de um
retângulo cujos lados medem 3 cm e 4 cm e de outro cujos lados medem 2 cm
e 6 cm. Apesar de esses retângulos terem medidas diferentes, possuem a mesma
área de 12 centímetros quadrados e os perímetros são distintos – sendo que no
primeiro é 14 cm e no segundo, 16 cm.

A partir de propostas de cálculo de áreas de retângulos e de quadrados é possível


propor o cálculo de áreas de triângulos (metade da área de um quadrado ou de um
retângulo, dependendo do caso).

A identificação das unidades de medida de área como m2 e cm2 também deve ser
enfatizada nas atividades propostas.

Importante!
A leitura do texto sobre grandezas e medidas trouxe informações interessantes acerca
das noções de área e perímetro destacadas a seguir:
A área de uma superfície plana aparece como um objeto matemático distinto da super-
fície plana, pois superfícies diferentes podem possuir a mesma área.
A área de uma figura depende da unidade de área escolhida.
Quando a criança considera apenas aspectos numéricos, ou seja, as medidas de compri-
mentos da figura, multiplica as medidas dos dois lados de uma figura sem pensar na sua
forma geométrica.
Figuras de mesma área têm necessariamente o mesmo perímetro e vice-versa.

18
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Relações Espaciais, Localização e Movimentação: Um Estudo sobre Práticas e Descobertas de Professoras
Polivalentes sobre Atividades Realizadas com seus Alunos
PIRES, C. M. C. Relações espaciais, localização e movimentação: um estudo sobre
práticas e descobertas de professoras polivalentes sobre atividades realizadas com
seus alunos. In: Encontro de Educação Matemática, 2000, Macaé, RJ. Anais...
Macaé, RJ, 2000.
Espaço e Forma: A Construção de Noções Geométricas pelas Crianças das Quatro Séries Iniciais
do Ensino Fundamental
PIRES, C. M.; CURI, E.; CAMPOS, T. M. M. Espaço e forma: a construção de
noções geométricas pelas crianças das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental.
São Paulo: Proem, 2000.

Leitura
O Ensino das Relações Espaciais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: A Importância
da Contextualização
NASCIMENTO, J. de C. P. do; FERNANDES, V. M. J. O ensino das relações espaciais
nos anos iniciais do Ensino Fundamental: a importância da contextualização.
In: Educação Matemática na Contemporaneidade: Desafios e Possibilidades,
13-16 jul. 2016, São Paulo.
http://bit.ly/2Lg0Ngp
Representação Gráfica do Espaço de Alunos do 1º e do 5º Ano do Ensino Fundamental: Por quê,
O que e Como Analisar?
VECE, J. P.; CURI, E. Representação gráfica do espaço de alunos do 1º e do
5º ano do Ensino Fundamental: por quê, o que e como analisar? Perspectivas da
Educação Matemática, v. 9, n. 21, 2016.
http://bit.ly/2LnD0vd

19
19
UNIDADE O Ensino de Geometria e de Medidas

Referências
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comum curricular. Brasília, DF, 2017.

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shapes. USA: NCTM, 2000.

CURI, E. A Matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo: Musa, 2005

PARZYSZ, B. La géométrie dans l’enseignement secondaire et en formation de


professeurs des écoles: de quoi s’agit-il? Quaderni di Ricerca in Didattica, Italy,
n. 17, 2006.

PAVANELLO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e


consequências. Zetetiké, n. 1, p. 7-17, mar. 1993.

PIAGET, J.; INHELDER, B. A representação do espaço na criança. Porto Alegre,


RS: Artes Médicas, 1993.

PIRES, C. M. C. Educação matemática: conversas com professores dos anos


iniciais. São Paulo. Zapt, 2012.

______.; CURI, E.; CAMPOS, T. M. M. Espaço e forma: a construção de noções


geométricas pelas crianças das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental.
São Paulo: Proem, 2001.

VAN HIELE, P. M. Similarities and differences between the theory of learning


and teaching of Skemp and the Van Hiele levels of thinking. Intelligence,
learning and understanding in mathematics. A tribute to Richard Skemp. Flaxton,
Australia: D. Tall & M. Thomas, 2002.

VERGNAUD, G. A teoria dos campos conceituais. In: BRUN, J. Didática das


matemáticas. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 155-191.

20
Fundamentos Metodológicos
do Ensino de Matemática
O Ensino de Estatística e Noções de Probabilidade e Combinatória

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Edda Curi

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
O Ensino de Estatística e Noções de
Probabilidade e Combinatória

• Introdução;
• O Trabalho com Gráficos e Tabelas nas Escolas Atuais;
• Níveis de Leitura de Gráficos;
• Situações de Prática;
• Noções de Probabilidade e Combinatória;
• Ideias Envolvidas em Problemas de Combinatória;
• Observações.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Discutir o ensino de uma unidade temática introduzida nos currículos e denominada
estatística e probabilidade;
• Conhecer como alguns alunos resolvem problemas envolvendo as ideias de combinatória.
UNIDADE O Ensino de Estatística e Noções
de Probabilidade e Combinatória

Introdução
Você já deve ter percebido em leituras de textos em jornais, revistas e, acima
de tudo, na internet como esses textos são acompanhados por gráficos e tabelas.
Se você não souber ler e interpretar os dados publicados em gráficos e tabelas, não
será possível compreender totalmente a informação veiculada, daí a importância de
se estudar este tema desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Muito provavelmente, em seu tempo como aluno da Educação Básica, na etapa


correspondente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, você não teve contato com
noções de estatística, combinatória e probabilidade.

No Brasil esses conteúdos temáticos ganharam força a partir dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental – Matemática (BRASIL,
1997) –, que justifica a inclusão desses temas, denominando-os tratamento da
informação. O documento justifica a inclusão do tratamento da informação pela
demanda social, em função de seu uso na sociedade. Destaca que as noções de
estatística, probabilidade e combinatória integram esse bloco de conteúdos. Afirma
também que não se pretende um trabalho baseado na definição de termos ou
de fórmulas envolvendo tais assuntos, mas no uso de procedimentos próprios da
criança para resolver problemas que abordam essa temática.

Nos dias atuais, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017)
incorporou esses conteúdos na unidade temática denominada probabilidade e
estatística. O documento propõe a abordagem de conceitos, fatos e procedimen-
tos que estão em muitas situações da vida diária, da própria Ciência e tecnologia.
A expectativa presente na BNCC é de que todos os cidadãos desenvolvam algumas
habilidades para coletar, organizar, representar, interpretar e analisar dados em
uma diversidade de contextos, de modo a fazer julgamentos e tomar as decisões
assertivas, incluindo raciocinar e empregar conceitos, representações e índices es-
tatísticos para descrever, justificar e anunciar fenômenos.

Para os anos iniciais, o documento recomenda o estudo de noções de probabi-


lidade, buscando promover o entendimento de que nem todos os fenômenos são
determinísticos. Para isso, a proposta está pautada no desenvolvimento da noção de
aleatoriedade, a fim de que os alunos compreendam que há eventos certos, eventos
impossíveis e eventos prováveis. Com relação à estatística, o trabalho inicial envol-
ve a coleta e organização de dados de uma determinada pesquisa de interesse dos
estudantes, a leitura, interpretação e construção de tabelas e gráficos, assim como
o modo de produção de texto escrito para a comunicação de dados.

Em outros países, os currículos apontam a importância do trabalho com noções es-


senciais de estatística, combinatória e probabilidade desde os anos iniciais da escolaridade
e justificam a necessidade desses estudos pela presença desse tema no mundo atual.

Pires (2012) analisou a contribuição de alguns pesquisadores sobre a importância


desses conteúdos nos anos iniciais do Ensino Fundamental e destacou argumentos
dos pesquisadores favoráveis ao ensino desse tema.

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Segundo essa autora, Cardeñoso e Azcárate (1995) apresentam quatro argumentos:
• O interesse para a resolução de problemas que envolvem esse tema, relacionados
com o mundo real e com outras matérias do currículo;
• A influência dos conhecimentos sobre o assunto na tomada de decisões das
pessoas quando dispõem somente de dados afetados pela incerteza;
• O domínio do tema facilita a análise crítica da informação recebida, por exemplo,
pelos meios de comunicação;
• A compreensão do assunto proporciona uma filosofia do azar de grande reper-
cussão para a compreensão do mundo atual.

A autora destaca que Ainley (1994) afirma que quando os alunos exploram ou
coletam os seus dados, provavelmente se familiarizam com o contexto. Conse-
quentemente, é importante que os estudantes se envolvam com questões ou proje-
tos a partir dos quais necessitem coletar dados para resolvê-los. Como em outros
assuntos matemáticos, o conhecimento que os alunos têm do contexto é muito
importante. Neste caso, afeta a interpretação dos dados. Sugere questões como: o
que eu posso aprender sobre esse grupo de dados? Quais perguntas podem
ser feitas para revelar as informações que desejo obter? Com a finalidade de
permitir aos alunos melhores condições para compreender as informações conti-
das nos dados.

Pires (2012) ressalta Crossen (1996), quem afirma que as informações utili-
zadas para opinar, escolher e comprar são criadas para promover um produto,
uma causa ou um político – e não para expandir conhecimento –, uma vez que
os números atribuem um senso de racionalidade para as decisões complexas,
exacerbados pela “[...] crescente sensação de que nada pode ser definido como
verdade a não ser que seja sustentado por uma pesquisa estatística”. Essa autora
destaca que as informações são voltadas aos consumidores e que a maioria não
possui noções básicas de estatística para avaliar tais informações. Por não ter
essas noções, faltam-lhe confiança para a tomada de decisões e ferramentas para
analisar as informações divulgadas.

Tufte (1983) argumenta que, de todas as maneiras que existem para comunicar
informações, um gráfico bem feito é o modo mais simples e poderoso para apresentar
uma informação.

As afirmações dos autores mencionados apresentam argumentos interessantes e


fortes para justificar essas temáticas nas aulas de Matemática desde os anos iniciais
do Ensino Fundamental.

A forma como você aprendeu Matemática contribuiu para sua a compreensão e atuação no
mundo de forma crítica e criativa, perspectivando o exercício de sua cidadania? E com os
conteúdos da temática desta Unidade, você acha que ampliaria as suas possibilidades de
atuar no mundo contemporâneo?

9
9
UNIDADE O Ensino de Estatística e Noções
de Probabilidade e Combinatória

O Trabalho com Gráficos


e Tabelas nas Escolas Atuais
Os argumentos estudados nos levam a crer que não há dúvidas quanto à impor-
tância do uso crescente de tabelas e gráficos para comunicar informações. Basta ler
jornais, revistas, informações na internet, assistir a noticiários televisivos.

Mas como isso é visto e trabalhado nas escolas atuais?

Nem sempre este assunto é tratado na escola, apesar do reconhecimento da


importância desse trabalho. McKenzie e Padilla (1986) mostram que a construção
e interpretação de gráficos desenvolvem habilidades importantes, mas que muitos
alunos não têm essas habilidades desenvolvidas pela falta de um trabalho com esses
assuntos na escola.

Com relação ao professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, existe uma
crença de que é impossível ensinar estatística, decorrente de alguns fatores. Primeiro,
de uma formação insuficiente para ensinar Matemática. Segundo, porque lida com
crianças pequenas e estas ainda não estão prontas para ter acesso a um ensino de
um tema que imaginam que seja complexo.

Acreditamos que os fatores citados justificam a falta de interesse pela abordagem


da Estatística nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Cabe lembrar que a informa-
ção também está presente para as crianças, aparecendo principalmente e de forma
colossal nos meios de comunicação de massa, exigindo habilidades e capacidades de
ler, interpretar e argumentar.

Estatística tem natureza interdisciplinar, possibilitando relações com vários ramos


da atividade humana e permitindo um papel especial no universo científico, uma vez
que o desenvolvimento de suas ideias não é exclusividade dos estatísticos. Contribui
com conhecimentos que permitem o lidar com a incerteza e variabilidade dos dados,
mesmo durante a coleta, possibilitando tomadas de decisão com mais argumentos.

Nos dois primeiros anos de escolarização, a escola pode ajudar a criança orga-
nizar dados que essa encontra no seu dia a dia, proporcionando conhecimentos
importantes para a construção de noções de estatística.

No geral, as crianças reconhecem diferentes tipos de gráficos apresentados na


mídia e identificam, usando de sua linguagem, as variáveis, algumas semelhanças
e diferenças, onde tem mais, onde tem menos etc. Conseguem organizar os dados,
usar simbologias próprias para categorizá-los; mas muitas vezes não os agrupam de
acordo com a frequência com que o dado se repete e às vezes, constroem gráficos
de colunas com uma coluna para cada dado.

10
No entanto, observa-se o aperfeiçoamento na construção de gráficos, pelas
crianças, na medida em que o professor faz intervenções explorando gráficos de
colunas em que possam perceber qual é a variável, com que frequência e em que
condições se repete, que possam compreender que o espaço entre as colunas é
sempre o mesmo e que a largura das colunas também é sempre igual.

Nesse sentido, o trabalho pedagógico, com a leitura e interpretação de dados


apresentados em gráficos que circulam na mídia e que são compreensíveis para
as crianças, contribuem significativamente para a ampliação do conhecimento que
essas têm. Entretanto, é necessário que o ensino de estatística vá além da constru-
ção e leitura de gráficos e tabelas.

É fundamental que no trabalho de análise de dados com os alunos de qualquer


nível de ensino, em que se objetive a construção de conceitos estatísticos, haja
participação desses estudantes em todas as etapas do processo de tratamento de
dados: a definição do problema a ser trabalhado, os instrumentos a serem utilizados,
a coleta de dados, tabulação, representação dos dados, interpretação, conclusão,
tomada de decisão e comunicação dos resultados.

Curcio (1987) propõe que as crianças da Escola Básica devem ser envolvidas,
gradativamente, na coleta de dados do cotidiano com o objetivo de construir os seus
próprios gráficos. Precisam ser encorajadas a verbalizar as relações e os padrões
observados nos dados coletados. Propõe níveis de leitura de gráficos que serão
abordados a seguir.

Níveis de Leitura de Gráficos


Curcio (1987) apresenta três níveis de leitura de gráficos:
• Ler os dados: nível de compreensão que requer uma leitura literal do gráfico;
mas não se realiza a interpretação da informação;
• Ler entre os dados: nível que inclui a interpretação e integração dos dados do
gráfico; requer habilidades para comparar quantidades e o uso de outros conceitos
e habilidades matemáticas;
• Ler além dos dados: nível em que se realiza previsões e inferências a partir dos
dados sobre informações que não estão refletidas diretamente no gráfico.

A progressão entre esses níveis se dá a partir da exploração que se faz dos gráficos
em sala de aula.

Situações de Prática
Analise a seguinte proposta:

11
11
UNIDADE O Ensino de Estatística e Noções
de Probabilidade e Combinatória

Os alunos de uma escola participaram de uma pesquisa. Em uma das questões tive-
ram que escolher o esporte favorito. O gráfico a seguir indica as preferências pelos
esportes indicados:
50

40

Número de alunos 30

20

10

0
Futebol Basquete Vôlei Outros
Figura 1

Agora responda às seguintes questões:


1. Quantos alunos participaram da pesquisa?
2. Quantos alunos escolheram o vôlei?
3. Qual é a porcentagem dos alunos que escolheram o vôlei?

Pensando nos níveis de leitura de gráficos, se você fosse o(a) professor(a) dessa turma, quais
outras questões você proporia aos seus alunos a respeito desse gráfico?

Em função do que foi estudado até aqui, é possível concluir que o uso de gráficos
e tabelas permite:
• Comunicar mais facilmente os dados de uma pesquisa;
• Apresentar globalmente uma informação;
• Rápida leitura;
• Destaque de aspectos relevantes da informação;
• Produção de textos escritos.

Noções de Probabilidade e Combinatória


As noções de combinatória se iniciam com o desenvolvimento dos problemas do
campo multiplicativo. No entanto, os PCN para o Ensino Fundamental – Matemática
(BRASIL, 1997) – propõem avanço na abordagem de problemas de probabilida-
de, pois estes permitem o desenvolvimento de uma nova forma de pensar em
Matemática, denominada raciocínio combinatório. Ou seja, decidir sobre a forma
mais adequada de organizar números ou informações para poder contar os casos
possíveis. Esse documento propõe uma abordagem que não deve estar ligada a uma

12
lista de fórmulas, mas como um processo que exige a construção de um modelo
simplificado e explicativo da situação.
Historicamente, o conceito de probabilidade ainda é novo. Originou-se com os
denominados jogos de azar. Foi a necessidade de calcular o número de possibili-
dades existentes nos jogos de azar que levou ao desenvolvimento da análise com-
binatória, ramo da Matemática que estuda métodos de contagem. Esses estudos
iniciaram-se no século XVI, com o matemático italiano Niccollo Fontana (1500-
1557), igualmente conhecido como Tartaglia. No século seguinte, franceses como
Pierre de Fermat (1601-1665) e Blaise Pascal (1623-1662) deram continuidade a
esses estudos. Historicamente, a combinatória é reconhecida como a arte de contar.
Uma definição interessante é de Merayo (2001), quem afirma que a análise com-
binatória é a técnica de saber quantos objetos há em um conjunto, sem ter que
contá-los. Com essa técnica não há necessidade de listar ou enumerar todos os
elementos que formam um conjunto.

Ideias Envolvidas em
Problemas de Combinatória
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os problemas de combinatória podem
envolver as ideias de produto cartesiano, permutação, arranjo e combinação. Como
comentado, o que se pretende não é estabelecer nomenclatura que permita às crian-
ças identificarem as diferenças entre essas ideias, nem fazer uso de fórmulas como
as que são ensinadas aos alunos do Ensino Médio; mas sim que as crianças explorem
situações contextualizadas e as resolvam por meio de procedimentos pessoais.

A seguir apresentaremos um exemplo de cada tipo.


• Situação-problema 1: Marta tem 3 camisetas (1 azul, 1 preta e 1 verde) e 4
shorts (nas cores bege, branca, rosa e vermelha). De quantos modos diferentes
Marta pode se vestir combinando todas as camisetas com todos os shorts?

Esta situação-problema envolve a ideia de produto cartesiano. Cada uma das 3 ca-
misetas pode ser combinada com cada um dos 4 shorts, totalizando 12 combinações.
No geral, esse tipo de problema já é explorado em livros didáticos e em avaliações
externas e incorporado na prática dos professores. As crianças costumam ter bom
desempenho nesse problema. No entanto, é frequente fazerem, de início, a adição
dos valores apresentados para só depois desenhar ou escrever as possibilidades,
vão percebendo que o número obtido não corresponde à soma, mas sim ao produ-
to do número de camisetas pelo número de shorts.
• Situação-problema 2: quantas palavras diferentes (com ou sem sentido) você
pode formar usando as letras da palavra MAIS?

Este problema envolve a ideia de permutação simples, em que as letras se agru-


pam de 4 em 4, diferenciando-se somente pela ordem das letras. Como são 4 letras,

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UNIDADE O Ensino de Estatística e Noções
de Probabilidade e Combinatória

temos 4 posições: MAIS; MAIS; MIAS; MISA; MSAI; MSIA; AISM; AIMS; AMSI;
AMIS; ASMI; ASIM; IMAS; IMSA; IASM; IAMS; ISMA; ISAM; SIAM; SIMA;
SMAI; SMIA; SAIM; SAMI. De modo que o total de permutações é calculado por
4 × 3 × 2 × 1 = 24.

Nem sempre as crianças conseguem identificar todas as permutações das letras,


embora mostrem que compreendem a situação. Quando o professor instiga mais a
procura de outras palavras permutando as letras iniciais, as crianças ampliam seu
repertório e mostram estratégias de obtenção e controle das respostas.
• Situação-problema 3: em uma escola 4 professores se candidataram para uma
comissão: Aline, Bernardo, Celina e Daniela. Precisavam ser votados. De quan-
tas maneiras diferentes podemos ter os três primeiros colocados nessa votação?

Envolve a ideia de arranjo. Neste caso, é preciso organizar as comissões, excluindo


um professor de cada vez e verificando as possíveis colocações, totalizando 24 possi-
bilidades. A ordem aqui é importante, pois a votação é diferente para cada professor:
1. (A, B, C); (A, C, B); (B, A, C); (B, C, A); (C, A, B); (C, B, A);
2. (A, B, D); (A, D, B); (B, A, D); (B, D, A); (D, A, B); (D, B, A);
3. (A, C, D); (A, D, C); (C, A, D); (C, D, A); (D, A, C); (D, C, A);
4. (B, C, D); (B, D, C); (C, B, D); (C, D, B); (D, B, C); (D, C, B).
• Situação-problema 4: em uma escola, 5 alunos (Andrea, Bento, Carmem, Da-
nilo e Elisa) se candidataram para formar uma comissão de 2 representantes de
alunos da escola. Quantas comissões diferentes podem ser formadas?

Envolve a ideia de combinação. Neste caso, a ordem não importa. É preciso


buscar as possibilidades de agrupamentos de duas pessoas, levando em conta, por
exemplo, que a comissão formada pelos alunos Andrea e Bento é a mesma que a
comissão formada por Bento e Andrea, chegando a 10 comissões: (A, B); (A, C); (A,
D); (A, E); (B, C); (B, D); (B, E); (C, D); (C, E); (D, E).

Folheie um livro didático ou uma apostila com problemas de combinatória e selecione um


de cada tipo para discutir no Fórum desta Unidade.

Observações
O contexto influencia a ideia de combinatória envolvida no problema. As crianças
são desafiadas a resolvê-los e se compreendem o contexto, buscam estratégias para
resolução, sem efetivamente usar as operações fundamentais. No geral, chegam a
respostas particulares, mas não conseguem esgotar todas as possibilidades relaciona-
das ao problema, até porque estão habituadas à ideia de que um problema tem uma
única solução. Essas situações são desafiadoras para as crianças para que busquem

14
as soluções por meio de procedimentos pessoais, percebendo que a combinatória
pode ser conhecida como a “arte de contar”.

Da mesma forma que nas situações que envolvem combinatória, as noções de


probabilidade devem ser exploradas pelas crianças por meio de atividades de expe-
rimentação e observação. Nesse caso, devem discutir, de acordo com o contexto, se
determinada situação pode ser considerada possível (ou impossível), provável (muito
provável ou pouco provável), certa (ou errada).

Embora os conceitos de probabilidade possam ser identificados em situações do


cotidiano das crianças, as noções intuitivas que trazem para a sala de aula muitas
vezes são bem diferentes do que caracteriza o conceito formal.

Autores como Fischibein (1975) destacam que as crianças, desde a Educação


Infantil, apresentam intuições probabilísticas, mas que estas serão desenvolvidas
com idades entre 9 e 10 anos.

Batanero e Godino (2002) apresentam cinco orientações para as crianças avan-


çarem no desenvolvimento do raciocínio probabilístico:
• Trabalhar com ampla variedade de experiências que permitam observar os fe-
nômenos aleatórios e diferenciá-los dos deterministas;
• Incentivar a expressão de predições sobre o comportamento desses fenômenos
e os seus resultados, assim como de sua probabilidade;
• Organizar a coleta de dados de experimentação, de modo que as crianças
tenham possibilidade de contrastar as suas predições com os resultados produ-
zidos e revisar as próprias crenças;
• Ressaltar o caráter imprevisível de cada resultado isolado, assim como a varia-
bilidade das pequenas amostras, mediante a comparação de resultados de cada
criança ou por pares;
• Ajudar a analisar o fenômeno da convergência, mediante a acumulação de
resultados de toda a turma, assim como comparar a confiabilidade de peque-
nas e grandes amostras.

Entre as situações de sala de aula que podem ser propostas para o estudo dos
fenômenos aleatórios estão as que abarcam contextos que envolvem moedas, dados,
bolas em urnas, roletas, baralho de cartas etc.

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UNIDADE O Ensino de Estatística e Noções
de Probabilidade e Combinatória

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Como estudantes e professores de anos iniciais pensam sobre problemas combinatórios?
http://bit.ly/2MUGcwq
O ensino da estatística e da probabilidade na Educação Básica e a formação dos professores
http://bit.ly/2OM0ACt
O campo de pesquisa da Educação Estatística brasileira demarcado pela diversidade temática
http://bit.ly/2l7G42H
O ensino de estatística no 2º ano do Ensino Fundamental: uma experiência em sala de aula
com a construção de gráficos e tabelas
http://bit.ly/2kTah5L

16
Referências
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OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS
EDUCATION, 18., 1994. Proceedings... Lisboa, Portugal, 1994. p. 1-8.

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Granada, España: Universidad de Granada, 2002. (Col. Proyecto Edumat-Maestros).

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Fundamental. Base nacional


comum curricular. Brasília, DF, 2017.

________. Parâmetros curriculares nacionais para os 1º e 2º ciclos. Brasília, DF, 1997.

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CURCIO, F. R. Comprehension of mathematical relationship expressed in graphs.


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FISCHIBEIN, E. The intuitive sources of probability thinking in children.


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GREY, D. R. et al. (Ed.). INTERNACIONAL CONFERENCE ON TEACHING


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graphing in Science (Togs). Journal of Research in Science Teaching, n. 23, p.
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MERAYO, F. Matemática discreta. Madrid: Paraninfo, 2001.

PIRES, C. M. C. Educação matemática: conversas com professores dos anos


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17
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Você também pode gostar