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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA

ENG 07064

BIOENGENHARIA PARA ENGENHARIA QUÍMICA

Material estudo

Profa DANIELE M. ROSSI


ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
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1 Introdução à Engenharia de Bioprocessos

1.1 Definições
“Biochemical engineering is concerned with conducting biological processes on an industrial
scale, providing the links between biology and chemical engineering. (...) The heart of biochemical
engineering lies on the scale up and management of cellular processes.” Aiba, Humphrey, Millis
Biochemical Engineering (1973).
“Processing of biological materials and processing using biological agents such cells, enzymes or
antibodies are the central domain of biological engineering. Success in biochemical engineering requires
integrated knowledge of governing biological properties and principles and of chemical engineering
methodology and strategy. (...) Reaching this objective clearly requires years of careful study and practice.”
Bailey, Ollis Biochemical Engineering Fundamentals (1986).

1.2 Histórico do desenvolvimento dos bioprocessos


O uso da Biotecnologia teve o seu início com os processos fermentativos, cuja utilização
transcende, de muito, o início da era Cristã, confundindo-se com a própria história da humanidade. A
produção de bebidas alcoólicas pela fermentação de grãos de cereais já era conhecida pelos sumérios e
babilônios antes do ano 6.000 a.C. Mais tarde, por volta do ano 2.000 a. C., os egípcios, que já utilizavam o
fermento para fabricar cerveja, passaram empregá-lo também na fabricação de pão.
Outras aplicações como a produção de vinagre, iogurte e queijos são, há muito tempo, utilizadas
pelo ser humano.
Entretanto, não eram conhecidos os agentes causadores das fermentações que ficaram ocultos por
6 milênios. Somente no século dezessete, o pesquisador Antom Van Leeuwenhock, através da visualização
em microscópio, descreveu a existência de seres tão minúsculos que eram invisíveis a olho nu.
Foi somente 200 anos depois que Louis Pasteur, em 1876, provou que a causa das fermentações
era a ação desses seres minúsculos, os microrganismos, caindo por terra à teoria, até então vigente, que a
fermentação era um processo puramente químico. Foi ainda Pasteur que provou que cada tipo de
fermentação era realizado por um microrganismo específico e que estes podiam viver e se reproduzir na
ausência de ar.
Posteriormente, em 1897, Eduard Buchner, demonstrou ser possível a conversão de açúcar em
álcool, utilizando células de levedura maceradas, ou seja, na ausência de organismos vivos.
Foram as grandes guerras mundiais que motivaram a produção em escala industrial de produtos
advindos de processos fermentativos. A partir da primeira guerra, a Alemanha, que necessitava de grandes
quantidades de glicerol para a fabricação de explosivos, desenvolveu através de Neuberg, um processo
microbiológico de obtenção desse álcool, tendo chegado a produzir 1.000 toneladas do produto por mês. Por
outro lado, a Inglaterra produziu em grande quantidade a acetona para o fabrico de munições, tendo essa
fermentação, contribuído para o desenvolvimento dos fermentadores industriais e técnicas de controle de
infecções.
Foi, todavia, a produção de antibióticos o grande marco de referência na fermentação industrial. A
partir de 1928, com a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, muitos tipos de antibióticos foram
desenvolvidos no mundo. Na década de 40, durante a segunda guerra mundial, os antibióticos passaram a
integrar os processos industriais fermentativos, principalmente nos Estados Unidos, baseando-se inicialmente
na síntese da penicilina e, posteriormente, da estreptomicina.
Foi, todavia, a partir da década de 50 que a Biotecnologia, com a descoberta da síntese química do
DNA, e com as técnicas de manipulação genética (DNA recombinante e fusão celular ou hibridoma), passou
de fato a existir.
A técnica do DNA recombinante envolve a criação sintética de novos organismos vivos, com
características não encontradas na natureza, formadas pela hibridização em nível molecular do DNA. Essa
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técnica permite, por exemplo, o enxerto de genes humanos que determinam a produção de insulina em um
microrganismo, possibilitando a produção industrial de insulina humana, substituindo, com grande
vantagem, a insulina bovina ou suína empregadas no tratamento de diabéticos.
A técnica de hibridoma possibilitou a manipulação genética em nível das células vivas onde duas
ou mais células são fundidas para formar novos microrganismos. Na prática, células animais que
produzem anticorpos são incorporadas a outras malignas ou perniciosas resultando em uma nova que se
torna eficiente produtora de anticorpos.
A Tabela 1.1 mostra os principais marcos históricos no avanço científico e tecnológico da
Biotecnologia.

Tabela 1.1: Marcos Históricos no Desenvolvimento da Biotecnologia


Período Acontecimento
6.000 a. C. bebidas alcoólicas (cerveja e vinho) são produzidas por sumérios e babilônios
2.000 a.C. panificação e bebidas fermentadas são utilizadas por egípcios e gregos
1875 d. C. Pasteur mostra que a fermentação é causada por microrganismos
1880-1910 surgimento da fermentação industrial (ácido láctico, etanol, vinagre)
1910-1940 síntese de glicerol, acetona e ácido cítrico
1940-1950 antibióticos são produzidos em larga escala por processos fermentativos
1953 estabelecida a estrutura do DNA
1973 início da engenharia genética
1982 insulina humana é produzida

Atualmente é crescente o ritmo de desenvolvimento do setor, mantendo, inclusive, uma acentuada


relação de interação com diversos outros setores da ciência e tecnologia tais como: biologia molecular,
fisiologia, microbiologia, engenharia química, engenharia ambiental, etc. como mostrado na Figura 1.1.

Figura 1.1: Multidisciplinaridade da Biotecnologia


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1.3 Produtos provenientes de processos biotecnológicos


A Biotecnologia encontra muitas e diferentes aplicações importantes em vários segmentos de
atividade, como a agricultura, a mineração, a pecuária, a saúde e a indústria. Suas aplicações na indústria
constituem o objetivo principal da chamada Biotecnologia Industrial.
A fermentação como processo industrial apresenta hoje uma importância crescente em setores
chaves da economia. Empresas por todo o mundo produzem e comercializam produtos obtidos através de
processos fermentativos, tendo sido a produção em escala industrial de bens, através de processos
microbiológicos, iniciada a partir da primeira guerra mundial.
Atualmente, existem mais de uma centena de produtos viáveis de serem obtidos através da via
fermentativa.

1.3.1 Enzimas
As enzimas são moléculas de proteínas que têm a função de catalisar reações. A principal fonte de
obtenção de enzimas são os microrganismos, embora muitas enzimas de aplicação industrial tenham sua
origem nos tecidos animal ou vegetal: renina, obtida do estômago de bezerros e papaína, obtida do mamão,
por exemplo.
Os principais tipos de enzimas comercializados atualmente são as proteases, as gluco- e -amilase
e a glicose-isomerase.
A Tabela 1.2 mostra os principais tipos de enzimas bem como o seus principais usos:

Tabela 1.2: Principais Tipos de Enzimas e Suas Aplicações

Enzima aplicação
Protease quebra de moléculas de proteína
Amilase e amiloglucosidase sacarificação do amido
Catalase eliminação da água oxigenada no processamento de alimentos
Glicose-isomerase produção de frutose
Invertase hidrólise da sacarose
Lactase desdobramento da lactose
Lipase desdobramento de óleos e gorduras
Celulase desdobramento da celulose
Glicose-oxidase remoção da glicose

1.3.2 Ácidos Orgânicos


Dentre os ácidos orgânicos que podem ser produzidos por processos fermentativos destacam-se: o
ácido acético, o ácido cítrico e o ácido láctico, os três de grande uso industrial, principalmente na área de
alimentos, com a função de acidulantes.

1.3.3 Aminoácidos
Os aminoácidos constituem a unidade básica das proteínas. O ser humano necessita basicamente de
20 aminoácidos para as suas necessidades de metabolismo e desenvolvimento orgânico. Destes, oito não são
sintetizados pelo organismo necessitando, pois, serem ingeridos através de alimentos.
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Entretanto, dois aminoácidos revestem-se de especial importância: a metionina e a lisina, dado ao


fato de não se encontrarem presentes nos cereais. A metionina não é obtida por processos fermentativos,
porém 80% da lisina produzida é obtida por via microbiológica. Outros importantes aminoácidos
sintetizados por via fermentativa são o ácido glutâmico, o ácido aspártico e o triptofano.

1.3.4 Vitaminas
Tradicionalmente utilizadas como suplemento alimentar para o ser humano e animais, as vitaminas
são, em sua maioria, sintetizadas quimicamente. Entretanto, algumas delas como as do complexo B,
notadamente a B2, são produzidas por biossíntese microbiana. A síntese química da vitamina B12 é muito
complexa sendo que sua produção comercial só é viável por via fermentativa utilizando espécies de
Pseudomonas. A produção de riboflavina por fermentação compete eficazmente com os métodos de síntese e
semi-síntese, sendo que 30% da demanda mundial é produzida por fermentação.

1.3.5 Biopolímeros
Comercialmente entende-se por biopolímeros determinados polissacarídeos excretados por
microrganismos. Os principais biopolímeros encontrados no mercado são as gomas xantana e as dextranas.
As primeiras representam a maior parte do mercado, sendo aplicadas como aditivos em alimentos:
estabilizantes de suspensão líquidas e geleificantes.
Goma Xantana: biopolímero mais importante atualmente em função do volume de produção, utilizada como
gelificante ou estabilizante de suspensões. Produzido por fermentação utilizando a bactéria Xanthomonas
campestris.
Outras gomas:
 Alginato: produzido pelo Azetobacter vinelandii;
 Pululana: produzida pelo Aureobasidium pullulans;
 Escleroglucana: produzida pelo Sclerotinum;
 Gelana: produzido pela Pseudomonas elodea
Gomas em geral possuem elevados pesos moleculares e altas viscosidades causando problemas nos
processos de mistura, transferência de massa e calor em fermentadores. Estes aspectos devem ser levados em
conta na hora de escolher ou desenhar um equipamento de fermentação.
Polihidroxibutirato (PHB): poliéster termoplástico acumulado intracelularmente em alguns tipos de
bactérias (Bacillus subtilis, Pseudomonas oleovorans, Alcaligenes eutrophus, entre outras) até um nível de
80% da massa seca celular, sua produção permite a fabricação de plásticos biodegradáveis.

1.3.6 Solventes
Três são os principais solventes orgânicos produzidos por microrganismos: etanol, butanol e
acetona. Destes, o etanol se reveste de especial importância no contexto brasileiro pelo seu destaque no
segmento da economia.

1.3.7 Bebidas Alcoólicas


As bebidas alcoólicas são tão antigas quanto à humanidade e numerosas como suas etnias.
Fenícios, assírios, babilônios, hebreus, egípcios, chineses, germanos, gregos e romanos mencionaram-nas e
cada povo tem praticamente as suas, a partir das fontes naturais próprias de açúcares e produtos amiláceos
como: frutas, cana-de-açúcar, milho, trigo, arroz, batata, centeio, aveia, cevada, e mesmo raízes e folhas.
Deve-se lembrar, aliás, de que esses produtos de fermentação alcoólica originavam-se na
antigüidade de processos espontâneos de fermentação e que só em época mais recente começaram a ser
usados nas indústrias, para a sua fabricação, os modernos métodos da Biotecnologia.
As bebidas alcoólicas podem ser classificadas em:
 Fermentadas: cerveja, vinho saquê, sidra, etc.
 Fermento - destiladas: aguardente, rum, uísque, conhaque, vodca, gim, etc.
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1.3.8 Alimentos
Inúmeros são os produtos alimentícios modificados ou produzidos através de processos
fermentativos. Alguns como queijos, iogurte e pão são utilizados pela humanidade há mais de 2.000 anos.
Picles, azeitonas e chucrute são outros alimentos que tem a participação de processos biológicos em sua
obtenção.

1.3.9 Microrganismos
O primeiro processo industrial para a produção de microrganismos úteis ao homem constituiu-se
na produção de levedura para panificação. Hoje, além da panificação, são produzidos microrganismos para
serem utilizados como inóculos para produção de bebidas alcoólicas e iogurtes, e esporos para utilização
como bioinseticidas.
Além de inóculos, o uso de proteína unicelular - SCP (sigle cell protein) para a nutrição animal
tem-se mostrado atraente. Para ingestão humana, a SCP provoca problemas de digestibilidade devido a
grande quantidade de ácidos nucléicos componentes da SCP. Todavia, muitas indústrias têm construído
fábricas para a produção de proteínas unicelular nos últimos anos, principalmente na Europa, Estados
Unidos e Japão.

1.3.10 Antibióticos
Os antibióticos são empregados no combate a infecções causadas por microrganismos, notadamente
bactérias, tanto no organismo humano como no animal e vegetal. São usados também no controle de
contaminações em determinados processos fermentativos. Atualmente existem mais de 5.000 tipos
diferentes de antibióticos conhecidos, tendo sido a sua produção grandemente impactada pelo
melhoramento genético dos microrganismos utilizados. Dentre os produtos industrializados a maior
contribuição comercial provém das penicilinas e cefalosporinas.

1.3.11 Proteínas reguladoras do metabolismo


A produção dessas macromoléculas por microrganismos teve grande impulso com as pesquisas do
DNA recombinante. Os principais produtos são: insulina humana, interferon, hormônio de crescimento
humano, peptídios neuroativos, etc. Desses fármacos, o que se encontra em estágio tecnológico mais
avançado é a insulina, fundamental na regulação do teor de glicose no sangue, sendo usada na terapia de
pacientes com diabetes.

1.3.12 Transformação de esteróides


A cortisona, descoberta no início da década de 30, e suas propriedades no combate à artrite
reumática, levaram à pesquisa do desenvolvimento de muitos compostos similares, hoje industrializados
e comercializados. Inicialmente, a síntese da cortisona era feita por via química. Posteriormente, algumas
das etapas principais da síntese passaram a ser realizadas por microrganismos o que proporcionou
substancial barateamento no custo final.
Outros produtos como hidrocortisona, testosterona, albumina humana, gama globulina, e fator anti-
hemofílico estão sendo produzidos e comercializados.

1.3.13 Vacinas
As vacinas representam um importante instrumento no controle de doenças infecciosas. Muitas
doenças podem ser evitadas pela imunidade induzida como a poliomielite, a varíola e o sarampo. As vacinas
podem ser de origem viral, bacteriana, protozoária e mesozoária.
A Biotecnologia, através da técnica do DNA recombinante, tem ampliado esforços no
desenvolvimento de novos agentes imunizantes para influenza tipos A e B, herpes, póliomelite e hepatite A e
B. Vacina de origem bacteriana, para diversos tipos de meningite, tem sido produzida por meio de
fermentação, bem como o componente pertussis da vacina tríplice.
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Tabela 1.3: Principais tipos de vacinas produzidas por via fermentativa.

Vacinas Fonte
Difteria Corynebacterium diphtheriae
Tétano Clostridium tetani
Coqueluche Bordetella pertussis
Poliomielite Vírus atenuados em células renais diplóides humanas ou de macacos
Rubéola Vírus atenuados em células renais de hamsters recém-nascidos
Hepatite B Anticorpo de superfície expressado em leveduras recombinantes

1.3.14 Controle Biológico de Pragas


São inegáveis os danos que os insetos/pragas causam à agricultura. A monocultura e o uso
indiscriminado de produtos químicos - defensivos agrícolas - eliminam os inimigos naturais que existem em
Culturas diversificadas, provocando o desequilíbrio ecológico nas áreas de plantio, gerando condições
propícias para o aparecimento de pragas além de aumentar a sua resistência.
Os microrganismos patogênicos aos insetos/pragas são adequados à redução específica, enquanto
que os predadores naturais e insetos benéficos são preservados ou podem se desenvolver, estabelecendo o
equilíbrio natural. Portanto, os inseticidas microbiológicos são considerados como uma forma alternativa de
controle de pragas.

1.3.15 Lixiviação Bacteriana de Minérios


O estudo e aperfeiçoamento dos processos de concentração de metais em geral, têm contribuído
significativamente para o aproveitamento de minérios.
No campo da metalurgia extrativa, mais especificamente da hidrometalurgia, a lixiviação
bacteriana de minérios vem merecendo crescente atenção como alternativa para os processos convencionais.
Analogamente a lixiviação convencional, baseia-se na solubilidade dos metais em soluções adequadas por
meio de reações químicas e também de reações bioquímicas.
Cobre, urânio e zinco são exemplos de minerais que podem ser recuperados através de lixiviação
bacteriana.

1.4 A Biotecnologia no Brasil


A aplicação de ciências biológicas no Brasil remonta a meados do século passado. Notadamente
técnicas laboratoriais e de campo em microbiologia - uma disciplina precursora da moderna Biotecnologia -
foram aplicadas por pesquisadores como Pirajá da Silva e Pedro Severiano de Magalhâes.
No decurso da segunda metade do século XIX, trabalhos pioneiros foram desenvolvidos em várias
modalidades da microbiologia dentre os quais merecem destaque a bacteriologia, micologia, protozoologia,
fitopatologia e virologia.
Na primeira metade do século XX registrou-se atuação marcante de pesquisadores tais como:
Carlos Chagas, Vital Brasil, Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz, Emílio Ribas, Rangel Pestana, dentre outros no
campo do combate e profilaxia de graves moléstias que atingiam a população brasileira.
Atualmente, a continuidade desse espírito científico está presente nas equipes de pesquisas dos
Institutos Oswaldo Cruz, Biofísica e Microbiologia no Rio de Janeiro, Biológico, Agronômico de Campinas,
Adolfo Lutz, Butantã e Pasteur em São Paulo.
Na década de 40, a Biotecnologia clássica atraiu o espírito empreendedor de cientistas da
Universidade de Viçosa, Minas Gerais, que fundaram uma empresa pioneira, a Sementes Agroceres,
objetivando produzir sementes de milho híbrido a partir de material genético selecionado no País.
A Brasil Sul Agropecuária, na década de 60, voltou-se à produção e seleção de sementes
forrageiras e à pesquisa genética para a obtenção de híbridos de sorgos graníferos forrageiros e de milho
doce para o consumo humano.
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A Agroflora Reflorestamento e Agropecuária dedicou-se à pesquisa e à produção de sementes
melhoradas e à seleção de variedades de plantas adaptadas a diferentes condições sazonais.
Atualmente existem no País cerca de meia centena de instituições de pesquisa e empresas
comerciais atuando em Biotecnologia.

1.5 Tendências
As novas técnicas de engenharia genética estão promovendo uma reavaliação de quase todos os
processos industriais que empregam técnicas ou produtos biológicos.
A engenharia genética aplicada à Biotecnologia, além de substituir processos e produtos
tradicionais, apresenta grandes perspectivas de melhorar o bem estar da população por meio de melhores
soluções para problemas de saúde, alimentação, energia, materiais e meio ambiente.

A Tabela 1.4, a seguir, fornece uma indicação parcial da aplicação comercial da nova
Biotecnologia às necessidades da sociedade.

Tabela 1.4: Aplicações Comerciais Futuras da Nova Biotecnologia

Área aplicação potencial

- remédios e vacinas mais eficazes com maior grau de pureza e a um custo menor
Saúde
- diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças genéticas

- novos produtos e processos alimentícios mais eficientes


Alimentos
- melhor rendimento e qualidade na produção agropecuária

- maior eficiência na conversão de biomassa em combustíveis

Energia - menor consumo energético em processos industriais

- aumento na recuperação de petróleo

- menor custo na produção de produtos químicos com matérias-primas de biomassa


Materiais
- extração econômica de minerais de baixo teor

- alternativas biológicas à herbicidas e pesticidas


Meio Ambiente
- tratamento de detritos tóxicos
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A Tabela 1.4 demonstra a amplitude e a profundidade de mudanças que deverão advir com o uso
da nova Biotecnologia. Na área da saúde, o desenvolvimento de produtos terapêuticos para o tratamento de
herpes, câncer, hepatite, artrite e outras doenças vislumbra soluções novas. Em outras aplicações da
Biotecnologia à saúde, essas técnicas novas permitem meios baratos e mais sensíveis para diagnosticar
gravidez, doenças venérias e outras condições que atualmente requerem testes de laboratório complexos e
caros. Adicionalmente, essas técnicas possibilitam a dosagem específica de produtos farmacêuticos para
determinados órgãos do corpo.
Na área de materiais, produtos de química fina para medicina e alimentação podem ser produzidos
por microrganismos novos, que tornam possíveis transformações complexas em uma única etapa.
A nova Biotecnologia é um instrumento poderoso, podendo substituir vasto número de processos
industriais atualmente empregados e criando, com isso, novas e melhores soluções para uma grande gama
de problemas.
O papel do engenheiro químico na engenharia de bioprocessos reside no:
- Desenho e operação de biorreatores, esterilizadores e equipamentos para recuperação de
produtos;
- Desenvolvimento de sistemas para automação e controle de processos;
- Projeto de indústrias de fermentação seguras e eficientes.
A Figura 1.2 mostra os passos no desenvolvimento de um novo bioprocesso.

Figura 1.2: Passos no desenvolvimento de um processo biotecnológico (Doran, 1997).


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1.6 Processos fermentativos industriais
O objetivo primordial da biotecnologia é a obtenção de produtos metabólicos úteis através do
processamento biológico. Entende-se por processo biológico, todo sistema reacional envolvendo seres vivos.
Dentre estes seres, destacam-se microrganismos tais como fungos, bactérias, algas, etc. Denominam-se
processos fermentativos os processos biológicos que têm aplicação industrial.
Em geral, um processo fermentativo compreende seis etapas, conforme ilustra a Figura 1.3. Estas
etapas são:
Formulação do meio de cultura: define-se a composição qualitativa e quantitativa do meio de
cultura, o pH e a temperatura ideal de cultivo;
Esterilização do meio de cultura e dos equipamentos: promove-se a assepsia de todo material
que entrará em contato direto com os microrganismos.
Desenvolvimento do inóculo: Produção de cultura pura em quantidade suficiente para inocular o
biorreator. Para operacionalizar o cultivo de microrganismos em escala industrial é necessário promover o
cultivo destes microrganismos em uma série de vasos ou reatores em escala reduzida (pré-reatores), de
modo a garantir o crescimento acelerado e a eliminação da fase de adaptação (lag). Além disto, é necessário
garantir a qualidade do inóculo em todas as etapas de forma a garantir resultados consistentes.
Promoção do crescimento da população de células no biorreator sob condições propícias
para a formação do produto: Nesta etapa aplicam-se todos os conhecimentos adquiridos no estudo da
fisiologia do microrganismo de maneira a propiciar as condições mais favoráveis para o crescimento celular
e a produção do metabólito desejado.
Extração e purificação do(s) produto(s): Após a conversão biológica, o produto ou produtos
precisam ser separados do meio de cultura e purificados em seguida. Muitos dos produtos do processamento
biológico são quimicamente frágeis, devendo-se controlar cuidadosamente a temperatura e o pH da mistura e
aplicar técnicas de separação que preservem a atividade biológica dos produtos.
Tratamento dos efluentes: É recomendável o tratamento dos efluentes do processo biológico
antes deles serem descartados. Muitas vezes, os efluentes constituem-se em produtos úteis, podendo-se
aumentar a margem de lucro do processo através da utilização eficiente desses efluentes.

Figura 1.3: Fluxograma de um processo fermentativo (Fonte: Schmidell et al., 2001)

Em muitos processos uma ou mais destas etapas são desnecessárias ou diferentes. Por exemplo, a
produção de etanol por Saccharomyces cerevisae no Brasil é feita sem a esterilização do meio e dos
equipamentos. Já a produção de SCP (single cell protein) dá-se pela ação de uma mistura de
microrganismos, sendo o preparo do inóculo diferente do mencionado acima e as próprias células são
produto desejado.
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A eficiência do processo fermentativo pode ser aumentada através de programas de pesquisa e
desenvolvimento atuando principalmente em três das etapas citadas acima: modificando o microrganismo
através de técnicas de mutação e de engenharia genética, e selecionando variações de células mais
produtivas, otimizando as condições do meio durante a reação e desenvolvendo estratégias de separação e
purificação do produto.
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2 Microbiologia

2.1 Distribuição dos organismos vivos

O sistema de classificação microbiano, assim como os demais seres vivos, não são estáticos, há uma
abundancia de propostas feitas ao longo dos anos. Tal variedade decorre basiamente do aprofundamento do
conhecimento a respeito da morfologia, fisiologia, bioquimica e genetica dos seres vivos. Robert Whittaker
(1920-1980), um botânico e ecologista norte-amerciano, propôs um modelo que indicava que os seres vivos
estariam classificados em cinco reinos: Plantae, Animalia, Protista (protozoários), Monera (bactérias), Fungi
(bolores e leveduras). Em sua classificação, os microrganismos ficam distribuidos em três reinos: Protista,
Monera, Fungi.
No entanto, com base em descobertas de biologia molecular, de que os seres dos diferentes reinos
evoluiram de forma independente e não a partir de bactérias, que até então eram considerados os seres mais
simples a partir dos quais os demais evoluiram, um novo modelo foi proposto por Carl Woese e seus
coaboradores, que sugeriram a existência de mais um grupo, o Archea, ou arqueobactérias, seres que sobrevivem
em ambientes extremos, como em elevadas temperaturas ou grande concentração de sal. Alguns anos mais tarde,
Woese e colaboradores propuseram um sistema não baseado em reinos, mas em domínios. Tais domínios seriam
apenas três: Bactéria, onde estariam os procariontes, Archaea, com as arqueobactérias, e Eukarya, com os
eucariontes.

Figura 2.1: Distribuição dos microrganismos conforme a proposta de


R. H. Wittaker em 1969 (Fonte: Borzani et al., 2001).

Figura 2.2: Distribuição dos microrganismos conforme a proposta de


C. Woese em 1979 (Fonte: Borzani et al., 2001).
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A nomenclatura dos organismos vivos é binomial, sendo que o nome científico é dado pela
combinação do nome genérico (gênero) seguido da espécie. O nome do gênero é iniciado com letra
maiúscula, mas o da espécie não. Ambos devem ser escritos em itálico ou grifado. Exemplo:
Sacharomyces cerevisiae
Gênero Espécie

2.2 Morfologia e estrutura

A célula é uma unidade fundamental de toda a matéria viva. Uma célula simples é uma entidade
isolada de outras células por uma membrana celular e contem dentro dela uma variedade de estruturas químicas
e subcelulares. A membrana celular é a barreira que separa o interior do exterior da célula. Dentro da membrana
celular estão vários estruturas e químicos que fazem isto possível para a célula funcionar. Estas estruturas são o
núcleo ou nucleóide, onde a informação genética, DNA, necessária para fazer mais células é armazenada, e o
citoplasma, onde a maquinaria para o crescimento e funcionamento da célula esta presente.
Todas as células contem certos tipos de compostos químicos: proteínas, ácidos nucléicos, lipídios e
polissacarídeos. Coletivamente, estes são chamados de macromoléculas. É esta natureza química precisa e
organização de macromoléculas na célula de um organismo que os diferencia um dos outros.
As proteínas são polímeros originados de monômeros denominados aminoácidos. As proteínas são
encontradas por toda a célula, tanto com papel estutural como catalítico (enzimático). Os ácidos nuléicos
correspodem a polímeros de nucleotídeos, encontrados na célula sob duas formas, RNA e DNA. Após as
proteínas, o ácido ribonucléico (RNA) corresponde à molécula mais abudante de uma célula procariótica em
crescimento ativo, isso porque há milhares de ribossomos (“máquinas que geram novas proteínas”) em cada
célula, compostos por RNA e proteínas. O DNA, embora menos abundante, é crucial as funções celulares, pois
corresponde ao componente que armazena as informações necessárias a produção de novas células. Os lipídeos
possuem propriedades hidrofóbicas e desempenham papéis cruciais na estruturação da membrana e como
moléculas de armazenamento de carbono excedente. Os polissacarídeos são polímeros de açúcares, presentes
principalmente na parede cellular, no entanto, assim como os lipídeos, polissacarídeos como o glicogênio podem
corresponder a principal forma de armazenamento de carbono e energia na célula.
Dentro da célula, e contornado pela membrana citoplasmática, encontra-se uma mistura de
substâncias e estruturas chamadas de citoplasma. Estes materiais e estruturas, banhadas em água, realizam as
funções da célula. O maior componente do citoplasma, fora à água, inclui as macromoléculas, ribossomos,
moléculas orgânicas e vários íons inorgânicos. A célula ganha resistência estrutural da parede celular. A parede
celular é localizada fora da membrana e possui uma camada muito mais forte que a membrana da célula.
Células de plantas e a maior parte dos microrganismos têm parede celular. Células animais, entretanto, não têm
paredes, estas células desenvolveram outros meios de suporte e proteção. Dentro do estudo da estrutura interna
das células, dois tipos básicos têm sido estudados: procariótico e eucariótico. Os procariotos são representados
pelas bactérias e Archea enquanto eucariotos incluem algas, fungos e protozoa.

Figura 2.3: Localização das macromoléculas no interior


das células. (a) Proteínas (marrom) são encontradas por
toda a célula, tanto como parte da estrutura celular
quanto como enzimas. O flagelo é a estrutura envolvida
na motilidade. (b) ácidos nucléicos. O DNA (verde) é
encontrado no nucleoide de células procarióticas e no
núcleo de células eucarióticas. O RNA (laranja) é
encontrado no citoplasma (mRNA, tRNA) e nos
ribossomos (rRNA). (c) polissacarídeos (amarelo) estão
localizados na parede celular e, ocasionalmente, nos
grânulos de armazenamento interno. (d) lipídeos (azul)
são encontrados na membrana citoplasmática, na
parede celular e nos grânulos de armazenamento.
(Fonte: Brock, 2010).
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2.2.1 Bactérias (procariotos)


As células bacterianas podem ter forma esférica (cocos), cilíndrica (bacilos) ou espiralada. Os
cocos podem estar isolados (micrococos), em duplas (diplococos), formar correntes (estreptococos) ou
formações aleatórias tipo cachos (estafilococos). Os bacilos podem apresenta-se isolados ou formar
correntes (estreptobacilos). As bactérias espiraladas podem ter a forma de espiral (espirilos) ou de uma
vírgula (vibriões). Seu tamanho varia entre 0,5 e 4,0 m para os cocos e em torno de 19,0 m para os
bacilos.
As principais estruturas bacterianas, mostradas na Figura 2.4, são:
Membrana citoplasmática: de composição lipoprotéica, regula as trocas com o meio externo e
executa processos respiratórios, fotossíntese, sustentação de ribossomos, orientação da divisão celular e
biossíntese de estruturas de superfície.
Parede celular: garante a forma celular e protege contra a diferença de pressão osmótica entre o
interior da célula e o ambiente externo.

Figura 2.4: Representação esquemática de uma bactéria (Fonte: Lehninger, 1997).

Citoplasma: solubiliza sais minerais, aminoácidos, pequenas moléculas, proteínas e açúcares, e


possui partículas em suspensão: ribossomos e grânulos de material de reserva (amido, glicogênio, lipídeos,
fosfatos).
Nucleoide: filamento duplo de DNA (cromossomo) não associado a proteínas e preso a uma
invaginação da membrana plasmática (mesossomo).
Flagelos: mobilidade celular.
Fímbrias ou pili: fixação celular (formação de biofilmes).

A Figura 2.5 mostra fotos de microscopia de diferentes tipos de bactérias. Algumas bactérias
possuem a capacidade de formar esporos. Os esporos se constituem em uma célula em tamanho menor, com
material nuclear e citoplasma condensado, baixo teor de água, maior quantidade de cálcio e presença do
ácido dipicolínico. Além da membrana citoplasmática, o esporo possui várias camadas de invólucro,
possuindo um revestimento bastante espesso e com considerável resistência à agentes externos, sobretudo
temperatura
A reprodução das bactérias se dá por divisão binária simples, gerando duas células filhas iguais.
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Escherichia coli Streptococcus pneumoniae Lactobacillus acidophilus Propionibacterium acne


Figura 2.5: Diferentes tipos de bactérias.

As bactérias podem ser divididas em dois grupos chamados Gram-positivos e Gram-negativos. Esta
divisão deve-se a composição de sua parede celular, característica que as diferencia. Na parede das células de
bactéria há uma camada rígida que é responsável pela resistência da parede chamada peptideoglicano ou
mureína. O peptideoglicano corresponde a um enorme polímero complexo que, em bactérias Gram positivas
pode formar até 20 camadas, enquanto em células Gram negativas está presente, formando apenas uma ou duas
camadas. Esta camada é composta por dois derivados de açúcar: N-acetilglucosamina (NAG) e ácido N-
acetilmurâmico (NAM), unidos alternadamente através de ligações do tipo ß-1,4.
Bactérias gram-positivas (Figura 2.6) geralmente contem polissacarídeos acídicos chamados ácidos
teicóicos anexados a parede celular. Ácidos teicóicos são negativamente carregados e são parcialmente
responsáveis pela carga negativa da superfície da célula. Devido a sua carga negativa (grupos fosfato), os ácidos
teicóicos podem ligar-se e regular o movimento de cátions para dentro e fora da célula.

Figura 2.6: Esquema ilustrando o espesso peptideoglicano de bactérias Gram positivas.

A membrana externa é um componente da parede celular, presente apenas nas bactérias Gram negativas.
A membrana externa corresponde a uma segunda bicamada lipídica (semelhante à membrana plasmática),
localizada acima do peptideoglicano, contendo fosfolipídeos, lipoproteínas, proteínas e também
lipopolissacarídeos. A face externa da membrana externa é rica em lipopolissacarídeos (LPS), inexistente na
membrana citoplasmática. A figura 2.7 mostra a parede celular de organismos Gram negativos, onde a parede
de peptideoglicano é bem menor, quando comparada com a parede de Gram-positivas.

Figura 2.7: Esquema da parede celular de organismos Gram negativos.


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O método de coloração de bactérias foi desenvolvido pelo médico dinamarquês Hans Christian
Joaquim Gram, em 1884, e consiste no tratamento sucessivo de um esfregaço bacteriano, fixado pelo calor, com
os reagentes cristal violeta, iodo, etanol-acetona e fucsina básica. Essa técnica permite a separação de amostras
bacterianas em Gram-positivas e Gram-negativas e a determinação da morfologia e do tamanho das amostras
analisadas.
A coloração de Gram não está relacionada com os constituintes químicos da parede celular, mas sim
com sua estrutura física, o que confere a característica de positividade ao Gram. Aquelas bactérias capazes de
reter o complexo formado pelo cristal violeta (CV) mais o iodo coram-se em violeta (Gram positivo), enquanto
que as que não retêm o complexo coram-se em vermelho (Gram negativo).
O peptidoglicano sozinho não é corado, ao invés disso, ele parece agir como uma barreira de
permeabilidade prevenindo a perda do cristal violeta. Durante o procedimento, as bactérias estão coradas
primeiro com o cristal violeta e em seguida tratadas com iodo para promover a retenção do corante. Quando
bactérias Gram-positivas são descoradas com etanol, os poros nas paredes são fechados, prevenindo que o
complexo violeta cristal iodo escape. Em bactérias Gram-negativas o álcool penetra facilmente a outra camada
de lipídio e a camada fina de peptidoglicano não previne a passagem do solvente, com isso o complexo violeta
cristal-iodo é facilmente removido. A figura 2.8 mostra a técnica de coloração de Gram.

Figura 2.8: Técnica de coloração de Gram.

2.2.2 Fungos
São organismos eucarióticos, heterotróficos. Podem ser divididos em leveduras (unicelulares) e
bolores ou mofos.
As leveduras possuem forma esférica, elíptica ou filamentosa, com 1 a 5 m de diâmetro a 5-30
m de comprimento. Bolores são constituídos por células multinucleadas que formas tubos denominados
hifas. Um conjunto de hifas é denominado de micélio.
A célula fúngica possui parede celular, membrana citoplasmática, e membrana nuclear, dentro da
qual existem diversos cromossomos, nucléolo e histonas. O citoplasma possui vacúolos, mitocôndrias,
retículo endoplasmático, ribossomos e material de reserva. A Figura 2.9 apresenta o desenho esquemático de
uma célula eucariótica animal.
A reprodução das leveduras pode ser assexuada, por brotamento ou divisão celular, ou sexuada, via
formação de esporos.
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Figura 2.9: Esquema de célula eucariótica animal


(Fonte: http://people.eku.edu/ritchisong/cell1.gif em 01/08/08).

2.3 Nutrição microbiana


As necessidades nutricionais dos microrganismos são diversas, uma vez que estes apresentam
diferenças inerentes na sua capacidade de sintetizar os constituintes celulares a partir de nutrientes simples. A
demanda por água, fontes de energia, carbono, nitrogênio e elementos minerais, assim como o acesso/utilização
de oxigênio, entretanto, é comum a todos os microrganismos.

2.3.1 Considerações gerais


Quanto à nutrição:
Plantas:
 Fotossintéticas: obtêm energia da luz solar
 Auxotróficas: nutrem-se basicamente de substâncias inorgânicas
Animais, fungos:
 Quimiotróficos: obtêm energia através de reações químicas.
 Heterotróficos: exigem fontes orgânicas de carbono.

2.3.2 Requisitos Nutricionais


Os microrganismos retiram do meio ambiente todas as substâncias necessárias para a síntese de
material celular e de obtenção de energia. As necessidades nutricionais dos microrganismos variam muito.
Organismos autotróficos podem sintetizar todos os metabólitos necessários pela célula a partir de compostos
inorgânicos; os heterotróficos requerem um ou mais nutrientes orgânicos. Essas diferenças nutricionais
refletem diferenças na habilidade de síntese dos microrganismos. A habilidade em usar diferentes compostos
como fonte de energia e de sintetizar proteínas e compostos do citoplasma a partir de compostos inorgânicos
depende da presença de uma série de enzimas, sem as quais as células tornam-se mais exigentes
nutricionalmente. A formação dessas enzimas é diretamente controlada pela genética da célula. A falta ou a
repressão de um ou mais genes que codificam a formação de uma destas enzimas reflete-se diretamente nas
necessidades nutricionais da célula.
Geralmente o cultivo de microrganismos para aplicação em biotecnologia é feito em ambiente
controlado. A formulação do meio de cultura é essencial para a produção do metabólito desejado. O meio de
cultura deve conter todas as substâncias que constituem o material celular. As principais substâncias são
descritas à seguir.

2.3.2.1 Fontes de material plástico


O Carbono representa de 45 a 50% do peso seco celular. É o componente básico para a
biossíntese, fazendo parte de todos os compostos sintetizados pela célula. Geralmente a mesma fonte de
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carbono serve como fonte de energia. As fontes de carbono mais comuns são os açúcares e os glicídios
(pentoses, hexoses, polissacarídeos). Outras fontes de carbono menos comuns abrangem uma ampla faixa
de compostos, indo desde os mais simples como metano e metanol às mais complexas como celulose e
hemicelulose. No entanto, a eficiência de assimilação destes compostos, do ponto de vista biotecnológico, é
muito menor do que as fontes tradicionais e poucos microrganismos selvagens são capazes de assimilar tais
compostos.
O Nitrogênio consiste de 10 a 15% do peso seco das células. É o componente básico na formação
de aminoácidos. É assimilado sob forma amoniacal. Fontes de nitrogênio em outras formas que não a
amoniacal são primeira transformadas em íons amônio sendo então utilizadas normalmente no metabolismo
celular. Muitas substâncias servem como fonte de nitrogênio:
i) Fontes inorgânicas de nitrogênio: NH4Cl, (NH4)2SO4 , NH4NO3, N2, etc.
ii) Fontes orgânicas de nitrogênio: aminoácidos e hidrolisados de proteínas naturais, peptídeos, uréia,
purinas e pirimidinas.
Os íons inorgânicos dividem-se em macronutrientes e micronutrientes. Entre os primeiros estão o
4
fósforo e o enxofre. O fósforo é assimilado somente na forma de di-hidrogênio fosfato (ortofosfato) H2PO4-.
É importante na regulação do metabolismo celular e no fornecimento de fosfatos para a geração de energia. A
concentração intracelular de PO 3- regula a síntese de lipídeos e carboidratos. O enxofre representa 1 a
2% do peso seco celular e entra na constituição dos aminoácidos sulfurados metionina e cisteína. As fontes
inorgânicas de enxofre são tipicamente K2SO4 ou mais comumente (NH4)2SO4. A formação de pontes de
dissulfeto e é importante para a atividade de proteínas. O enxofre é encontrado em certas vitaminas tais
como biotina e tiamina.
Os micronutrientes são necessários em concentrações da ordem de miligramas por litro de cultura.
Esses compostos, às vezes, estão presentes como impurezas de outros ingredientes do meio de cultura. O
Potássio é regulador da pressão osmótica (para cada íon metálico bivalente absorvido, o dobro da
quantidade de K+ é excretada), estimula fermentação e respiração em pH reduzido, e é co-fator de várias
enzimas. O Magnésio é co-fator de várias enzimas. Participa na ativação das enzimas glicolíticas, estimula a
síntese de ácidos graxos essenciais, regula os níveis iônicos celulares, a ativação de ATPase na membrana e a
absorção de fosfato juntamente com K+. A concentração de Mg++ afeta a associação de ribossomos. O
Cálcio estimula o crescimento celular pela incorporação na parede celular e membrana plasmática. O Ferro é
necessário para a síntese dos citocromos e de certos pigmentos e desempenha papel chave na respiração.
Outros íons como Cl-, Na+, Ba2+, Zn2+, Mn2+, Co+2 são encontrados na composição elementar de muitos
microrganismos e estão envolvidos em importantes etapas do metabolismo.
O Fator de Crescimento é um metabólito essencial que o microrganismo é incapaz de sintetizar,
devendo encontrar pré-formado no meio. A bactéria Zymomonas mobilis, por exemplo, é auxotrófica em
relação à pantotenato, um precursor da coenzima A. Em geral, os fatores de crescimento podem ser:
i) aminoácidos - indispensáveis para a síntese de proteínas;
ii) bases púricas e pirimídicas - necessárias para a síntese dos ácidos nucléicos;
iii) vitaminas - são co-enzimas ou precursores de co-enzimas.

2.3.2.2 Água
Representa 75% de peso celular. É essencial para a absorção dos nutrientes e a remoção de
produtos indesejáveis.

2.3.2.3 Oxigênio
O oxigênio é o receptor final de elétrons na respiração celular. Também altera o potencial de
oxidação-redução das células. Muitos sistemas enzimáticos de células requerem condições extremamente
reduzidas, isto é, um baixo potencial de oxidação-redução, para funcionar. Outros requerem condições
oxidadas, um potencial de oxidação-redução elevado.
Os microrganismos podem ser classificados quanto ao requerimento de oxigênio em:
i) aeróbios - necessitam do oxigênio para a sua sobrevivência. O oxigênio participa do
metabolismo desses microrganismos como receptor final de elétrons. Bacillus, Pseudomonas e Streptomyces
pertencem a esta classe.
ii) anaeróbios - não sobrevivem na presença de oxigênio, que é tóxico para esta classe de
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microrganismos. As espécie do gênero Clostridium incluem-se nesta classe.
iii) anaeróbios facultativos - sobrevivem na ausência ou na presença de oxigênio. Tais organismos
podem ser subdivididos em dois grupos, dependendo se o oxigênio é ativamente metabolizado ou é
meramente tolerado. As bactérias acéticas (Streptococcus, Leuconostoc e Lactobacillus) pertencem ao grupo
que obtém energia exclusivamente de fermentação, embora não sejam prejudicadas pelo oxigênio. Por outro
lado, bactérias coliformes, tal como Escherichia coli, podem obter energia de fermentação ou respiração. O
desenvolvimento ótimo destes microrganismos geralmente acontece em uma das duas condições.
Zymomonas mobilis, p o r e x e m p l o , se desenvolve na presença de oxigênio, porém não o utiliza
no seu metabolismo e a taxa de crescimento é inferior que na sua ausência.
iv) microaerófilos - precisam de oxigênio para sobreviver, mas a concentrações muito baixas.
v) aerotolerantes - são bactérias anaeróbias que crescem em pressões de oxigênio inferiores a da
atmosfera terrestre.

2.4 Fatores físico-químicos

2.4.1 Temperatura
A temperatura ideal para o crescimento do organismo varia de espécie para espécie. Os
microrganismos podem ser classificados de acordo com a temperatura em que o seu crescimento é pleno em
(Figura 2.10):
i) Psicrófilos- se desenvolvem em temperaturas baixas entre -4°C e 15°C. Estes microrganismos,
por sua vez, apresentam taxas metabólicas bastante reduzidas.
ii) Mesófilos - se desenvolvem em temperaturas médias entre 20°C e 40°C
iii) Termófilos - se desenvolvem em temperaturas entre 45°C e 100°C. A principal vantagem
destes microrganismos sobre os outros que crescem em temperaturas inferiores é o metabolismo mais rápido.

Figura 2.10: Classificação dos microrganismos quanto à sua temperatura ótima de crescimento.

Figura 2.11: Efeito da temperatura nas reações enzimáticas conduzidas na célula.

A influência da temperatura no crescimento é, em última análise, o reflexo do efeito da


temperatura nas reações enzimáticas conduzidas na célula. Na Figura 2.11 mostra-se que com a redução da
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temperatura, a atividade enzimática e, portanto, a taxa de crescimento celular diminui. No ponto de
congelamento a atividade metabólica pára, não somente devido à diminuição da atividade enzimática como
também porque a célula é desprovida de água. Um aumento da temperatura acima da temperatura ótima de
crescimento, aumenta a atividade metabólica, porém ao mesmo tempo a taxa de degradação das enzimas e
das proteínas também aumenta, resultando eventualmente em dano aos componentes celulares e
conseqüentemente na morte da célula.
Note-se, que a faixa de temperatura em que um microrganismo se desenvolve otimamente é muito
mais estreita que a representada pela classificação acima. A temperatura ótima para o crescimento de uma
espécie de microrganismo está diretamente relacionada com a temperatura do seu habitat natural.
2.4.2 pH
Existe uma faixa ótima de concentração de íons hidrogênio para o desenvolvimento de
microrganismos, embora a faixa de pH em que eles se desenvolvam seja relativamente ampla. As bactérias
preferem os meios neutros (pH 7-7,5), sendo a maioria tolerantes a pH entre 6 e 9. As leveduras e os mofos
preferem meios relativamente ácidos de pH 3 a 6.
Os microrganismos geralmente crescem melhor no pH do seu habitat natural. Em muitos casos, o
próprio microrganismo, como resultado do seu metabolismo, exerce papel preponderante na definição do pH
ideal para o seu crescimento. Bactérias produtoras de ácido, mofos e leveduras aumentam a concentração de
íons hidrogênio no ambiente e tendem a crescer melhor em valores de pH moderadamente baixos. Outras
bactérias, especialmente as putrefativas que decompõem proteínas em aminoácidos e amônia, aumentam o
pH do ambiente e vivem bem em condições alcalinas.

2.4.3 Pressão Osmótica


A pressão osmótica de microrganismos é independente da pressão osmótica do meio de cultura em
que eles estão suspensos. Quando uma célula é colocada em um meio, uma pressão osmótica é exercida
através de sua membrana semipermeável. Um microrganismo normalmente cresce melhor em meios que
tenham concentrações osmóticas levemente inferiores à sua própria. Isto causa o fluxo de água para o
interior d a célula, condição essencial para a difusão de nutrientes e manutenção de uma pressão exercida
de dentro para fora da célula (turgor). Quando a concentração do meio é consideravelmente menor que a
da célula (meio hipotônico), a água difunde em excesso para interior da célula, aumentando a pressão de
turgor e causando muitas vezes, o rompimento da membrana celular (plasmólise) em células que não são
protegidas por uma parede celular rígida. Se a concentração osmótica do meio é maior que a da célula (meio
hipertônico), a água deixa a célula, e a membrana citoplasmática encolhe se afastando da parede celular.
Organismos que crescem em altas pressões osmóticas ou em altas concentrações salinas são ditas
osmofílicos e halofílicos, respectivamente.

2.5 Meios de Cultura


São meios líquidos ou sólidos (semi-sólido) contendo substâncias capazes de proporcionar o
crescimento de microrganismos. Os meios de cultura são classificados de acordo com as fontes de nutrientes
em complexo e sintético.
Meio Complexo - é um meio empírico consistindo de extratos de tecidos animal ou vegetal. Estes
meios geralmente contêm todos os ingredientes necessários para o crescimento dos microrganismos, mas
eles estão em formas cruas, isto é, nem todos os componentes do meio nem as quantidades exatas deles são
conhecidas. Muitos componentes de meio complexo são produtos da digestão ácida ou enzimática de tecidos
de plantas, carnes, caseína e células de levedura que são fontes ricas em polipeptídeos, aminoácidos,
vitaminas e sais minerais. Exemplos de meios complexos são os extratos de levedura e as peptonas
(hidrolisados de proteína). Estes extratos, geralmente contêm carboidratos, no entanto os meios complexos
são suplementados com açúcar.
Meio Sintético (Quimicamente Definido) - são os meios de cultura em que todos os nutrientes
necessários para o crescimento do microrganismo são fornecidos na forma de produtos químicos
relativamente puros e suas quantidades são conhecidos. Diz-se que o meio é mínimo quando todos os
compostos, exceto fatores de crescimento, são provenientes de fontes inorgânicas. Alguns autores chamam de
meio semi-definido ou completo, o meio complexo complementado por quantidades conhecidas de sais
minerais.
Os meios de cultura são usualmente esterilizados com calor em autoclave a 121 oC e 15 libras de
pressão de vapor durante 15 a 30 minutos.
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2.6 Microrganismos e meios de cultura para utilização industrial

Os microrganismos que possam ter interesse industrial podem ser obtidos basicamente das seguintes formas:
- Isolamento a partir de recursos naturais
- Compra de coleções de cultura
- Obtenção de mutantes naturais
- Obtenção de mutantes induzidos por métodos convencionais
- Obtenção de microrganismos recombinantes por técnicas de biologia molecular.

Características desejáveis em microrganismos industriais:


- Apresentar elevada eficiência na conversão do substrato em produto;
- Permitir o acúmulo de produto no meio de cultura, de forma a se obter elevada concentração deste
no caldo fermentado;
- Não produzir substâncias incompatíveis com o produto;
- Apresentar constância quanto ao comportamento fisiológico;
- Não ser patogênico;
- Não exigir condições de processo muito complexas;
- Não exigir meios de cultura dispendiosos.

Características desejáveis nos meios de cultivos:


- Ser o mais barato possível;
- Atender as necessidades nutricionais dos microrganismos;
- Auxiliar no controle do processo, como é o caso de meios ligeiramente tamponados, que evitam
variações drásticas de pH, ou evitar formação excessiva de espuma;
- Não provocar problemas na recuperação do produto;
- Os componentes devem permitir algum tempo de armazenagem, a fim de estar disponível o
tempo todo;
- ter composição razoavelmente fixa;
- Não causar dificuldades no tratamento final dos efluentes.

2.7. Metabolismo microbiano


Metabolismo é o conjunto de reações bioquímicas que acontecem dentro de uma célula viva. Essas
reações reguladas por enzimas podem ser catabólicas ou anabólicas, quando fornecem e consomem energia,
respectivamente. O catabolismo envolve a quebra de compostos orgânicos complexos em moléculas mais
simples. Sendo também chamadas de degradativas, elas geralmente são reações hidrolíticas, nas quais as
ligações químicas dos compostos são quebradas na presença de moléculas de água. O anabolismo envolve
reações de biossíntese, ou seja, a construção de compostos orgânicos complexos a partir de moléculas mais
simples, geralmente, esse processo ocorre com liberação de moléculas de água (reações de síntese por
desidratação). Essas reações biossintéticas geram os materiais para o crescimento celular. As reações catabólicas
e anabólicas acontecem acopladas. Esse acoplamento é possível devido às moléculas de ATP (adenosina
trifosfato) que estocam a energia liberada das reações catabólicas (a energia liberada é usada para combinar um
ADP a um grupo fosfato), e são, posteriormente, digeridas pelas reações anabólicas. As células são mantidas
vivas devido a este fluxo balanceado de energia e de compostos orgânicos que são constantemente quebrados e
sintetizados. O acoplamento das reações pode ser visto na Figura 2.12. Os nutrientes são, primariamente,
absorvidos para a sobrevivência da célula e o excedente é transformado, fornecendo energia e matéria-prima.
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Figura 2.12: Papel do ATP no acoplamento das reações anabólicas e catabólicas. Nas reações catabólicas uma
parte da energia é transferida e estocada no ATP e o restante é liberado na forma de calor. Nas reações anabólicas, o ATP
fornece a energia para a síntese de novas moléculas e outra parte da energia é liberada na forma de calor.
Independentemente da forma como um microrganismo vive ele deve ser capaz de obter energia para
armazená-la na forma de ATP. A fonte dessa energia pode ser de compostos químicos orgânicos, inorgânicos ou
a parti r da luz (Tabela 2.1).

Tabela 2.1: Classificação dos microrganismos quanto à fonte de carbono e energia exigidos.
Tipo Fonte de energia Fonte de Organismos
carbono
Fotoautotrófico Luz CO2 Plantas superiors, algas,
bactérias fotossintéticas
Fotoheterotrófico Luz Compostos Bactérias fotossintéticas
orgânicos
Quimiolitotrófico Oxidação de compostos CO2 Bactérias
químicos inorgânicos
Quimiorganotrófico Oxidação de compostos Compostos Bactérias, fungos,
químicos orgânicos orgânicos protozoários e animais

2.7.1: Reações de oxidação-redução


A energia é conservada nos sistemas biológicos através das reações de oxidação-redução. A oxidação
é a remoção de elétrons de um átomo ou uma molécula e a redução, em contra partida, é a adição de elétrons.
Essas reações de oxidação e redução acontecem sempre acopladas, ou seja, enquanto uma substância está sendo
oxidada, outra é reduzida. Nas células vivas tanto elétrons como íons de hidrogênio (H +) podem ser removidos
ao mesmo tempo, dessa forma as oxidações biológicas também podem ser chamadas de reações de
desidrogenação. As células utilizam as reações de oxidação- redução no catabolismo para obtenção de energia
das moléculas nutrientes. Esses nutrientes são transformados pelas células, de compostos altamente reduzidos a
compostos altamente oxidados, e a energia liberada é capturada pelo ATP através de uma reação de fosforilação.
Os organismos utilizam três formas de fosfoforilação para a produção de ATP:
1. Fosforilação em nível do substrato: O grupo fosfato de um composto químico é removido e
diretamente transferido a um ADP. Esse tipo de fosforilação pode ocorrer na ausência de oxigênio. E como
exemplo de fosforilação em nível do substrato tem-se a glicólise e a fermentação.
2. Fosforilação oxidativa: Envolve um sistema de transportes de elétrons. O composto orgânico é
oxidado e os elétrons são transferidos para um grupo de carreadores de elétrons, que normalmente é NAD + e o
FAD. Os elétrons são passados a aceptores finais de elétrons que pode ser o O 2 ou outra molécula inorgânica.
Esse tipo de fosforilação é mais eficiente, produzindo a maior parte do ATP utilizado pelo organismo.
3. Fotofosforilação: Ocorre somente em células fotossintéticas. Esse processo só se inicia quando a
energia luminosa é convertida à energia química de ATP e NADPH, que são utilizados para sintetizar moléculas
orgânicas.
2.7.2: Catabolismo de carboidratos
A maioria dos microrganismos oxida carboidratos como fonte primária de energia celular, porque
essas biomoléculas são as mais abundantes na natureza, e a glicose é a mais importante delas utilizada como
fonte de energia pelas células. Os microrganismos degradam a glicose em dois processos distintos para
permitir que a energia seja captada em formas aproveitáveis, que são a respiração celular e a fermentação.
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Geralmente, tanto a respiração celular quanto a fermentação iniciam-se pela glicólise, seguindo,
posteriormente, vias diferentes. A glicólise é a oxidação da glicose em ácido pirúvico com produção de ATP e
NADH. A partir do ácido pirúvico a célula poderá seguir a via da respiração ou da fermentação. Na respiração,
de modo geral, ocorrem mais duas etapas após a glicólise, que são o ciclo de Krebs e a cadeia respiratória,
enquanto na fermentação, o ácido pirúvico e os elétrons transportados pelo NADH na glicólise são
incorporados nos produtos finais da fermentação, que incluem álcool (etanol) e ácido lático.

2.7.2: Glicólise
Geralmente, a glicólise é a primeira etapa no catabolismo dos carboidratos, sendo essa via utilizada
pela maioria dos microrganismos. A glicólise é também chamada de via de Embden−Meyerhof−Parnas (EMP) e
é uma via que acontece em uma sequência de reações enzimáticas. Cada molécula de glicose é oxidada em duas
moléculas de piruvato, contendo cada uma 3 átomos de carbono e a energia liberada é conservada na forma de
duas moléculas de ATP, pela fosforilação ao nível do substrato, e na forma de NADH (redução do NAD+). A
glicólise pode ser dividida em dois estágios, um primário e outro secundário. No estágio primário (ou etapa
preparatória) a glicose é fosforilada por dois ATP e convertida em duas moléculas de gliceraldeído−3−fosfato.
No segundo estágio (ou etapa de conservação de energia) as duas moléculas de gliceraldeído−3−fosfato são
oxidadas por duas moléculas de NAD+ e fosforiladas em reação que emprega o fosfato inorgânico, formando
quatro ATP, até formar duas moléculas de ácido pirúvico. A equação geral da glicólise é:

Glicose + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+ → 2 piruvato + 2 NADH + 2 H+ + 2 ATP + 2 H2O

A glicólise pode ocorrer tanto na presença quando na ausência de O2. Em condições de baixo
suprimento de oxigênio (hipóxia) ou em células sem mitocôndrias, o produto final da glicólise é o lactato e não
o piruvato, em um processo denominado glicólise anaeróbica:

Glicose + 2 ADP + 2 Pi → 2 lactato + 2 ATP + 2 H2O

Um esquema geral da glicólise pode ser visto na Figura 2.13. Muitas bactérias possuem vias
alternativas à glicólise para oxidar a glicose. As mais comuns são: via da pentose fosfato e a via Entner-
Doudoroff.
A Via Pentose Fosfato: Essa via também chamada de desvio hexose−monofosfato ou via oxidativa do
fosfogliconato acontece simultaneamente à glicólise; não requer e não produz ATP; e é realizada em condições
anaeróbias. Seus principais produtos são o NADPH (nicotinamida adenina dinucleotído fosfato reduzido), que é
um agente redutor empregado para os processos anabólicos, e a Ribose−5−fosfato, componente estrutural de
nucleotídeos e de ácidos nucléicos. Característica importante dessa via é a produção de importantes pentoses
intermediárias utilizada na síntese de ácidos nucléicos; glicose a partir de dióxido de carbono na fotossíntese; e
certos aminoácidos. As bactérias que utilizam a via pentose fosfato incluem: Bacillus subtilis, E. coli,
Leuconostoc mesenteroides e Enterococcus faecales.
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Figura 2.13: Via de Embden-Meyerhof (glicólise).

A Via Entner-doudoroff: Essa via utiliza enzimas diferentes daquelas presentes na glicólise, podendo as
bactérias que as possuem metabolizar glicose sem a glicólise ou a via pentose fosfato. O piruvato é formado
diretamente na via Entner-doudoroff. Portanto, assim como as bactérias lácticas, os organismos que utilizam a
via Entner-doudoroff utilizam uma variante da via glicolítica. Essa via gera apenas metade do ATP gerado pela
via glicolítica. A via Entner-doudoroff é exclusiva de algumas baterias gram-negativas, como Rhizobium,
Pseudomonas e Agrobacteruim.

2.7.3: Respiração celular


A respiração celular é o principal processo de geração de ATP em que moléculas são oxidadas e o
aceptor final de elétrons quase sempre é uma molécula inorgânica. Ela pode ser de dois tipos: respiração aeróbia,
quando o aceptor final de elétrons é o O2, e anaeróbia, quando o aceptor final de elétrons é uma molécula
inorgânica que não o oxigênio molecular ou, raramente, uma molécula orgânica.
Respiração aeróbia: Na respiração aeróbia o ácido pirúvico produto da glicólise, é convertido a CO2 e H2O,
com um grande saldo energético de 36 ATP em eucariotos e 38 ATP em procariotos. Após a glicólise, o
composto formado passa por uma série de reações bioquímicas, chamada de ciclo de Krebs, no qual libera CO 2
na atmosfera. Após essa fase, compostos altamente energéticos (coenzimas reduzidas a NADH e FADH 2)
sofrem uma série de reduções em processos de reações, chamados de cadeia transportadora de elétrons, no quais
as moléculas de H+ são entregues ao oxigênio, resultando na formação de água e liberação de energia. Para que
o ácido pirúvico entre no ciclo de Krebs, ele precisa perder uma molécula de CO2 e se tornar um composto de
dois carbonos, chamado de grupo acetil, em um processo de descarboxilação. Esse grupo acetil se liga à
coenzima A, formando o complexo acetil coenzima A (acetil CoA). Nesse processo, o ácido pirúvico também é
oxidado e NAD+ é reduzido a NADH. Quando o acetil CoA entra no ciclo de Krebs, o CoA se desliga do grupo
acetil, ligando-se ao ácido oxalacético (de quatro carbonos), para formar o ácido cítrico, que é o primeiro passo
do ciclo de Krebs (Figura 2.14).

Reação global: 2 ácidos pirúvicos → 6CO2 + 2FADH2 + 8NADH2 + 2ATP

As reações químicas no ciclo de Krebs ocorrem em muitas categorias gerais, como a descarboxilação
do ácido isocítrico (6C) a ácido α-cetoglutárico (5C). Outra categoria geral de reação química é a oxidação-
redução, como a oxidação do ácido isocítrico, do ácido α-cetoglutárico, do ácido succínico e do ácido málico.
Ou seja, átomos de hidrogênio são liberados no ciclo de Krebs e capturados pelas coenzimas NAD + e FAD. Na
cadeia transportadora de elétrons há uma gradual liberação da energia armazenada no NADH e no FADH2, que
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25
será utilizada na geração quimiosmótica de ATP. Nessa cadeia as moléculas transportadoras podem ser de três
classes: flavoproteínas (uma importante coenzima flavina é a flavina mononucleotídeo – FMN), citocromos
(proteína contendo um grupo ferro) e ubiquinonas ou coenzima Q (transportadoras não-protéicas). Essa etapa da
respiração aeróbia é conduzida nos organismos eucariotos nas mitocôndrias e nos procariotos ocorre na
membrana celular. O primeiro passo na cadeia transportadora de elétrons é a transferência dos elétrons do
NADH ao FMN, sendo este reduzido a FMNH2.

Figura 2.14: O ciclo de Krebs (ciclo do ácido cítrico).

Os dois H+ do FMNH2 atravessam para o outro lado da membrana por transporte ativo
(bombeamento) e dois elétrons são transferidos para a coenzima Q. O segundo passo é a transferência dos
elétrons da coenzima Q aos citocromos, sucessivamente nesta ordem: citb, citc1, citc, cita e cita3. O último
citocromo transfere elétrons para o O2, que, ao se tornar negativo, absorve prótons (H+) do meio intracelular para
formar H2O (Figura 2.15).

Figura 2.15: Cadeia transportadora de elétrons.


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26

3 Biorreatores e Processos Fermentativos

Denominam-se “biorreatores”, “reatores bioquímicos” ou “reatores biológicos” os reatores


químicos onde ocorre uma série de reações químicas catalisadas por “biocatalisadores”. Estes
biocatalisadores podem ser enzimas ou células vivas (microbianas, animais ou vegetais). Assim, os
biorreatores podem ser classificados em dois grandes grupos:
1. Biorreatores nos quais as reações ocorrem na ausência de células vivas, ou seja, são reatores
enzimáticos;
2. Biorreatores onde as reações se processam na presença de células vivas

3.1 Classificação dos biorreatores


Os biorreatores podem receber diversos tipos de classificação, como por exemplo:
- quanto ao tipo de biocatalisador (células ou enzimas);
- quanto à configuração de biocatalisador (cel/enz livres ou imobilizadas);
- quanto a forma de se agitar o líquido no biorreator.
Considerando as várias propostas uma classificação mista e abrangente é apresentada na Tabela
3.1, à seguir. A Figura 3.1 mostra alguns tipos de configurações de biorreatores.

Tabela 3.1: Classificação geral dos biorreatores.

CLASSIFICAÇÃO DOS BIORREATORES

1. Reatores em fase aquosa (fermentação submersa):


1.1. Células ou enzimas livres:
- reatores agitados mecanicamente (STR: stirred tank reactors) – Figura 3.1 (a)
- reatores agitados pneumaticamente:
o coluna de bolhas (bubble column) – Figura 3.1 (b)
o reatores air-lift – Figura 3.1 (c)
- reatores de fluxo empistonado (plug-flow)
1.2. células ou enzimas imobilizadas em suportes:
- reatores agitados pneumaticamente com leito fixo ou fluidizado:
o coluna de bolhas (bubble column)
o reatores air-lift
- reatores agitados devido à recirculação do meio com leito fluidizado – Figura 3.1 (d)
- reatores de fluxo empistonado (plug-flow)
1.3. células confinadas em membranas:
- reatores com membranas planas
- reatores de fibra oca
2. Reatores de fase não aquosa (fermentação em estado sólido)
- reatores estáticos (bandejas)
- reatores com agitação (tambor rotativo)
- reatores com leito fixo
- reatores com leito fluidizado gás-sólido.

Fonte: Adaptado de Schmidell et al., 2001


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27

Figura 3.1: Configurações de biorreatores (a) STR; (b) coluna de bolhas; (c) air-lift; (d) recirculação de
meio com leito fluidizado.

3.2 Formas de condução de um processo fermentativo:


a) descontínuo:
- com um inóculo por tanque;
- com recirculação de células;
b) semicontínuo:
- sem recirculação de células;
- com recirculação de células;
c) descontínuo alimentado:
- sem recirculação de células;
- com recirculação de células;
d) contínuo:
- executado em um biorreator (com ou sem recirculação de células);
- executado em vários biorreatores (com ou sem recirculação de células).

Pode-se encontrar uma grande variedade de configurações de biorreatores. Dentre elas, os


biorreatores agitados mecanicamente (STR-stirred tank reactor) são, sem dúvida, os mais estudados e utilizados
industrialmente. Embora não necessariamente ideais, os tanques agitados apresentam versatilidade e fornecem
bons resultados para uma grande gama de Bioprocessos. Isto é particularmente importante para as companhias
farmacêuticas, pois diferentes substâncias podem ser produzidas no mesmo biorreator durante o seu tempo de
vida. Apesar de sua flexibilidade, pois podem ser empregados para uma grande gama de bioconversões, os
biorreatores do tipo STR apresentam certas desvantagens, como por exemplo: demandam grande aporte de
energia para a agitação mecânica, tendem a afetar a morfologia celular, são de difícil escalonamento e têm de
ser cuidadosamente projetados para produzir adequada mistura e aeração. Nos biorreatores agitados
pneumaticamente (Figura 3.1), a potência necessária para se atingir o grau de mistura desejável no sistema
reacional, a fim de se produzirem altas taxas de transferência de massa e calor, é suprida pela energia cinética do
líquido, através de sua circulação pelo movimento das bolhas gasosas, isto é, pneumaticamente. Este tipo de
biorreator, conhecido na literatura inglesa como airlifit (com circulação interna ou externa) ou coluna de bolhas
(bubble column), é aplicado a sistemas biológicos suscetíveis às forças cisalhantes, tão intensas em biorreatores
agitados mecanicamente. Além da sua elevada relação altura: diâmetro (6:1 < H/DT < 20:1), quando comparado
com os biorreatores do tipo STR (até 4:1), os biorreatores agitados pneumaticamente possibilitam a operação
contínua de bioprocessos com altas densidades celulares (células imobilizadas ou floculantes), resultando em
altos valores de produtividade volumétrica. Há registros na literatura de processos que tiveram seus tempos de
conversão de substrato em produto reduzidos de dias para horas, pelo emprego deste tipo de biorreator.
O biorreator airlift difere da coluna de bolhas pela presença de um dispositivo, colocado interna ou
externamente, denominado draft tube. As funções deste dispositivo incluem: o aumento do grau de mistura,
imprimindo, fundamentalmente, escoamento axial, a redução da coalescência das bolhas e a equalização das
forças cisalhantes ao longo do biorreator. Tanto o biorreator airlift quanto o de coluna de bolhas são comumente
utilizados em culturas de microrganismos sensíveis ao cisalhamento decorrente da movimentação do líquido.
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4 Cultivo Descontínuo

Os cultivos descontínuos clássicos vêm sendo utilizados pelo homem desde a Antigüidade e, ainda
hoje são os mais utilizados para a obtenção de diversos produtos. São também conhecidos como
fermentações descontínuas, fermentações por batelada ou processo descontínuo de fermentação.
Forma de operação:
No primeiro instante, o meio de cultura esterilizado é adicionado ao biorreator. Após é adicionada
o inóculo e inicia-se o cultivo. Ao longo do cultivo podem ser adicionados ar, no caso de cultivos aeróbios,
solução ácida e/ou alcalina, quando se deseja manter o pH constante, e antiespumante. Terminado o tempo
de cultivo, esvazia-se o biorreator e o meio fermentado segue para a etapa de extração e purificação dos
produtos. O biorreator é então lavado, esterilizado e recarregado novamente com meio de cultivo.

Características dos cultivos descontínuos:


- volume de meio de cultura praticamente constante ao longo do cultivo;
- pode ter baixos rendimentos e/ou produtividades devido a efeitos de inibição pelo
substrato ou pelo produto e dos “tempos mortos” de carga, descarga, lavagem e
esterilização do biorreator;
- baixo risco de contaminação;
- grande flexibilidade de operação.

4.1 Inóculo
Denomina-se de inóculo, pé-de-cuba ou pé-de-fermentação um volume de suspensão de
microrganismo de concentração adequada capaz de garantir, em condições econômicas, o cultivo de um
dado volume de meio de cultura.
O armazenamento dos microrganismos possui o objetivo de conservar a cepa viável e com
capacidade produtiva, portanto, como o mínimo possível de divisões celulares, evitando desta forma o
aparecimento de mutações. O principais métodos de armazenamento das cepas são em ágar inclinado ou
secas. A manutenção da cepa é tão importante que algumas empresas possuem centros especializados para
manutenção e distribuição das cepas.
O volume de inóculo introduzido em um fermentador normalmente é em torno de 10% de sua
capacidade útil, podendo variar, no entanto entre 0,5% e 50% de sua capacidade conforme o processo.
A Figura 4.1 apresenta as diversas fases de preparação do inóculo.
Nos processos industriais, as bateladas podem ser classificadas conforme seu inóculo em três tipos:
- Cada biorreator recebe um inóculo;
- Processo com recirculação de microrganismos;
- Processo por meio de cortes.

4.2 Meio de cultura


Também denominado de mosto, o meio de cultura deve possuir os nutrientes necessários para o
crescimento celular:
a) Elementos principais: C, H, O e N;
b) Elementos secundários: P, K, S, Mg;
c) vitaminas e hormônios;
d) Elementos traços: Ca, Mn, Fe, Co, Cu, Zn, etc.
Na hora de escolher um meio de cultivo para utilização industrial, a quantidade de cada um dos
elementos no meio de cultivo deve levar em conta a necessidade de nutrientes do microrganismo e favorecer
a formação do produto final. Outro fatores importantes são:
- O custo;
- A quantidade de carbono disponível;
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- A disponibilidade e o armazenamento;
- Dificuldade de esterilização;
- A fermentescibilidade;
- O comportamento do meio durante e após o cultivo (ex: formação de espuma);
Exemplos de substratos disponíveis para utilização como meio de cultura industrial: açúcares,
melaços, soro de queijo, celulose, amido, e resíduos como água de maceração de milho, metanol, etanol,
alcanos, óleos e gorduras, etc.

Figura 4.1: Representação esquemática do preparo do inóculo (Fonte: Schmidell et al., 2001)

4.3 Cinética de um cultivo em batelada


O estudo cinético de um processo fermentativo consiste, inicialmente, na análise da evolução dos
valores de concentração de um ou mais componentes do sistema. Por componentes do sistema entende-se:
- Microrganismo (biomassa) X
- Substratos do meio de cultura S
- Produto ou metabólito P

Parâmetros de um processo biológico:


Velocidades instantâneas de transformação, r: também denominadas velocidades volumétricas
de transformação, com unidades (massa) (comprimento)-3 (tempo)-1.
Velocidades específicas de transformação, : também denominada velocidade específica de
crescimento em (tempo)-1.
Tempo de duplicação, td : O crescimento celular muitas vezes é expresso em termos de tempo de
duplicação.
Fatores de conversão e coeficientes específicos de manutenção, Y e m.
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30

4.3.1 Cinética de crescimento celular


Em um cultivo descontínuo são observadas diferentes fases na curva de crescimento celular. Estas
fases são bem visíveis quando se desenha o gráfico semilogarítmico da concentração de células viáveis
contra o tempo, como é mostrado na Figura 4.2.

Figura 4.2: Curva de crescimento em reator batelada (Fonte: Doran, 1995).

Fase lag ou de “latência”: durante a fase lag, a taxa de crescimento é nula (X = X0 = cte), pois as
células estão se adaptando ao novo meio de cultura, sintetizando novas enzimas ou componentes estruturais.
A duração da fase lag varia com a concentração do inóculo, com a idade do microrganismo e com seu estado
fisiológico. Conforme a composição e a duração do pré-inóculo é possível que a fase lag nem exista.
Fase de aceleração: é a fase de transição em que se observa o início da reprodução microbiana.
Ocorre um aumento gradual na velocidade de reprodução e, conseqüentemente, na velocidade específica de
crescimento.
Fase exponencial de crescimento: a velocidade específica de crescimento é constante e máxima (
= máx). Desta forma, pode-se concluir, através da equação (4.1), que a velocidade de crescimento é
diretamente proporcional à concentração celular X:

dX máx X
dt  
(4.1)

Fase de declínio ou desaceleração: à medida que os nutrientes do meio de cultura vão se


esgotando, ou que são formados produtos inibitórios, a taxa de crescimento cai e a curva de crescimento
celular entra na fase de declínio.
Fase estacionária: nesta fase foi atingida a concentração máxima de células no meio de cultivo e
esta concentração é constante (X = Xmáx) durante a fase estacionária. Há um balanço entre a velocidade de
reprodução e a velocidade de morte dos microrganismos, ocorrendo também modificações na estrutura
bioquímica da célula.
Fase de morte: o valor da concentração celular diminui porque as células perdem viabilidade ou
são destruídas por lise.

4.3.2 Equação de Monod: interpretação da fase exponencial de crescimento


A equação empírica abaixo, proposta por Monod, tem sido normalmente utilizada para explicar a
relação entre a concentração de substrato limitante no meio de cultivo, S, e a velocidade específica de
reprodução do microrganismo, :
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31

máx S
 (4.2)
K S S
onde máx representa a velocidade específica máxima de crescimento do microrganismo e KS é a constante de
saturação. Na equação (4.2), fazendo-se S = KS, tem-se que  = ½máx , ou seja, KS é a concentração de
substrato quando  é a metade de máx. A equação (4.2) está representada na Figura 4.3 para dois valores
diferentes de KS. Quanto menor for o valor de KS, maior será a duração da fase exponencial de crescimento.
A Tabela 4.1 apresenta valores de KS para diversos microrganismos.

0,16

0,14

0,12

0,10
A
 (h )
-1

0,08

0,06

0,04

0,02

0,00
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5
S (mg/L)

Figura 4.3: Curvas da equação de Monod para valores hipotéticos de máx = 0,14h-1 e KS = 0,60mg.L-1
(Curva A) e KS = 0,030mg.L-1 (Curva B).
A equação de Monod não leva em conta o efeito inibidor tanto do substrato como do produto
formado, contudo não é o único modelo que tenta explicar a relação entre o substrato limitante e a
velocidade de crescimento microbiano nesta condição de cultivo. Outras equações foram propostas e
merecem ser citadas:
Equação de Teissier:
 SK  
máx  e S
1
 (4.3)
 
Equação de Moser:
Sn
máx (4.4)
K S S n
Equação de Contois e Fujimoto:

 S
máx (4.5)
K S X S
Equação de Powell
S
máx (4.6)
K S  K D S
A ausência de inibição é, na verdade, uma situação pouco comum na prática, principalmente em
cultivos descontínuos, onde há um crescente acúmulo de metabólitos que acabam interferindo
desfavoravelmente sobre o metabolismo e crescimento microbianos.
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32

Tabela 4.1: valores de KS para diferentes microrganismos.


Microrganismo Substrato limitante KS (mg.L-1)
(gênero)
Saccharomyces Glicose 25
Escherichia Glicose 4,0
Lactose 20
Fosfato 1,6
Aspergillus Glicose 5,0
Candida Glicerol 4,5
Oxigênio 0,042-0,45
Pseudomonas Metanol 0,7
Metano 0,4
Klebsiella Dióxido de carbono 0,4
Magnésio 0,56
Potássio 0,39
Sulfato 2,7
Hansenula Metanol 120,0
Ribose 3,0
Cryptococcus Tiamina 1,4 10-7
Fonte: Doran, 1997

O efeito da inibição pelo substrato ocorre quando um alto valor inicial de S, ao invés de aproximar
de máx, provoca o efeito contrário, conforme mostrado na Figura 4.4:
0,14
B

A
 (h )
-1

0,00
KS K I,S
S (mg/L)

Figura 4.4: Cinética de inibição pelo substrato (Curva A) e sem inibição (Curva B), conforme a equação de
Monod para máx = 0,14 h-1.

Com o objetivo de explicar esta redução na velocidade específica de crescimento, foi proposta uma
modificação na equação de Monod:

 K I ,S
máx  S
 (4.7)
K S S K I ,S S
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33

Nesta nova expressão, KS continua sendo a constante de saturação da equação de Monod, e KI,S é a constante
de inibição pelo substrato, que se refere a um valor de S para qual X = ½máx , porém para um valor de S de
cause inibição, sendo assim superior ao valor de S da equação de Monod. Se KI,S é muito maior que S, a
última parte da equação 4.7 fica igual à unidade e não há inibição pelo substrato.
Quando ocorre inibição pelo produto, uma equação semelhante foi proposta:

 K I ,P
máx  S
 (4.8)
K S S K I ,P P
onde KI,P é a constante de inibição pelo produto, com significado semelhante à KI,S da equação 3.20.

4.3.3 Cinética de formação de produto


Os produtos de fermentação podem ser classificados conforme a relação entre a cinética de
formação do produto e a geração de energia pela célula. Conforme a Tabela 4.2 podemos classificar a
cinética de formação de produtos durante a fermentação em três tipos:
- produtos diretamente associados à formação de energia na célula (crescimento celular);
- produtos indiretamente associados ao crescimento celular;
- produtos não associados ao metabolismo energético.

Tabela 4.2: Exemplos de produtos conforme sua associação com o metabolismo energético.

Classe de produto Exemplos

Etanol, ácido acético, ácido glucônico,


Produtos diretamente associados à formação de energia na célula acetona, butanol, ácido lático e outros
produtos de fermentação anaeróbica.

Produtos indiretamente associados à formação de energia na Aminoácidos e derivados, ácido cítrico,


célula nucleotídeos.

Produtos não associados ao metabolismo energético Penicilina, estreptomicina, vitaminas


Fonte: Doran, 1997.

4.3.4 Cinética de consumo de substrato pela célula


As células consomem substrato do meio externo e os canalizam para diferentes vias metabólicas.
Parte é direcionada a crescimento e à síntese de produtos, outra fração é utilizada para gerar energia para a
manutenção da atividade celular.
A necessidade de substrato para manutenção depende do microrganismo e das condições de
cultura. A velocidade especifica de consumo de substrato para manutenção da atividade celular é conhecida
como coeficiente de manutenção, mS, com dimensão (tempo)-1, geralmente expresso em (kg de substrato) 
(kg de biomassa)-1 (s)-1. Alguns exemplos de coeficiente de manutenção são mostrados na Tabela 4.3.
A força iônica do meio de cultivo possui grande influência no coeficiente de manutenção celular,
pois são necessárias grandes quantidades de energia para manter os gradientes de concentração através da
membrana celular.
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34

Tabela 4.3: Coeficiente de manutenção de diversos microrganismos em glicose como fonte de carbono.
Microrganismo Condição de cultivo mS (kg glicose) (kg células)-1 (s)-1
Saccharomyces cerevisiae anaeróbia 0.036
anaeróbia, 1,0M NaCl 0,360
Azotobacter vinelandii fixação de nitrogênio, tensão de O2 dissolvido: 0,2 atm 1,5
fixação de nitrogênio, tensão de O2 dissolvido: 0,02 atm 0,15
Klebsiella aerogenes anaeróbica, limitação de triptofano, 2g.L-1 NH4Cl 2,88
anaeróbica, limitação de triptofano, 4g.L-1 NH4Cl 3,69
Lactobacillus casei 0,135
Aerobacter clocae anaeróbia, limitação de glicose 0,094
Penicilium crysogenum aeróbia 0,022
Fonte: Doran, 1997
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5 Cultivo Contínuo

O cultivo contínuo caracteriza-se por possuir uma vazão de alimentação contínua e constante de
meio de cultura dentro do biorreator, sendo que o volume de meio de cultura é mantido constante dentro do
biorreator através da retirada contínua de meio cultivado. Nesta operação o biorreator atinge a condição de
estado-estacionário ou regime permanente, no qual as variáveis de processo permanecem constantes ao
longo do tempo.
Vantagens do processo contínuo em relação ao descontínuo:
- aumento da produtividade do processo devido da redução dos tempos mortos e não
produtivos;
- o meio de saída do biorreator é uniforme, facilitando os processos de extração e
recuperação de produto;
- manutenção das células num mesmo estado fisiológico;
- possibilidade de associação com outras operações contínuas da linha de produção;
- menor necessidade de mão-de-obra.
Desvantagens do processo contínuo:
- maior investimento inicial na planta;
- possibilidade de ocorrência de mutações genéticas espontâneas;
- maior possibilidade de ocorrência de contaminações;
- dificuldade de operação do estado estacionário.

5.1 Formas de operação do sistema contínuo


O cultivo contínuo normalmente têm início num cultivo em batelada. Após o final de um processo
batelada típico, inicia-se a entrada e retirada de meio de cultivo, dando-se início à operação contínua
propriamente dita. Uma vez iniciado o processo, ele irá convergir para o estado estacionário com maior ou
menor rapidez, dependendo das condições do processo..
O sistema contínuo é extremamente versátil quanto as várias possibilidades de operação:
- contínuo em um único estágio (um único reator) com ou sem reciclo de células.
- contínuo em múltiplos estágios (n reatores em série):
i. com uma única alimentação (com ou sem reciclo de células);
ii. com múltiplas alimentações (com ou sem reciclo de células).

20 12
18
16 10
X
14
S 8
Qx (g/(L.h)
X, S (g/L)

12
10 6
8
4
6
4 2
2
0 0
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9
diluição (1/h)

Figura 5.1: Variação da concentração celular (X) e da concentração de substrato (S) na corrente de saída, e
da produtividade celular (QX) com a taxa de diluição em um cultivo contínuo, com máx = 0,8h-1, S0 = 40g/L,
YX/S = 0,45 e KS = 1g/L.
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36

Figura 5.2: Processo contínuo com um único biorreator e com reciclo de células. F: vazão de alimentação e
de meio transformado; S: concentração de substrato; X: concentração de células e P: concentração de produto (o
índice “o” refere-se à condição inicial; o índice “1” às concentrações na corrente que sai do biorreator e o índice
“2” às concentrações que saem do separador). a: razão de reciclo e Cf: fator de concentração de células. Note que
no separador as concentrações de substrato e produto são as mesmas que saem do biorreator, admitindo-se que não
haja transformação na seção de separação de células.

Figura 5.3: Processo contínuo com biorreatores em serie sem alimentação adicional. Os índices de S; X e P
referem-se aos valores correspondentes à ordem do biorreator da série.

Figura 5.4: Processo contínuo com biorreatores em serie com alimentação adicional. Os índices de F0; S; X
e P referem-se aos valores correspondentes à ordem do biorreator da série.
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6 Cultivo Semi-contínuo

O cultivo recebe a denominação de semi-contínuo quando, uma vez colocados no biorreator o meio
de cultura e o inóculo, as operações que se seguem obedecem à seguinte ordem:
1. aguarda-se o término do cultivo
2. retira-se parte do meio cultivado, mantendo-se no reator o restante do meio cultivado
3. adiciona-se no reator um volume de meio de cultivo igual ao volume retirado na operação
anterior (2).
Este processo é chamado semi-contínuo porque são intermitentes tanto o fluxo de entrada de meio
no reator quanto o de saída de material cultivado.
O antigo processo de fabricação de vinagres à partir do vinho é um exemplo típico de processo
semi-contínuo.
Vantagens do processo semi-contínuo
a) possibilidade de operar o biorreator por longos períodos sem que seja necessário preparar um
novo inóculo;
b) possibilidade de aumentar a produtividade do biorreator apenas modificando-se o cronograma
de trabalho;
c) possibilidade de, uma vez conhecidas as condições ótimas de operação, conseguir
produtividade significativamente maior que a obtida em processos descontínuos.

6.1 Produtividade de um processo semi-contínuo


A produtividade do processo semi-contínuo depende de fatores como:
- a quantidade inicial de células no biorreator
- a concentração inicial de substrato
- a concentração inicial de produto.
Contudo, os fatores acima relacionados dependem de uma única variável: a fração de meio
cultivado de que é retirada do biorreator após cada cultivo, . A Figura 6.1 mostra algumas relações de 
com a produtividade.
Duas situações devem ser comentadas:
a) se = 1, todo o meio do reator é retirado e não haverá mais cultivo
b) se se aproximar muito de zero, o volume de meio retirado do biorreator será muito pequeno e
o processo se aproximará de um cultivo contínuo.

Figura 6.1: influência de  sobre a produtividade de um processo


semi-contínuo (Fonte: Schmidell et al., 2001).
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38

7 Cultivo em Regime Batelada Alimentada

O cultivo em regime batelada alimentada é definido como a técnica em que um ou mais nutrientes
são adicionados ao biorreator durante o cultivo com vazão de alimentação controlada, e os produtos
permanecem no biorreator até o final do cultivo. A vazão de alimentação pode ser constante ou pode variar
com o tempo. Pode ser ainda contínua ou intermitente.
No cultivo em batelada-alimentada, a concentração de um dado substrato pode ser controlada
dentro do biorreator de modo que, por exemplo, o metabolismo microbiano seja deslocado para uma
determinada via metabólica, levando ao acúmulo de um produto específico.
Vantagens do cultivo em baleada-alimentada:
a) minimização da repressão catabólica de enzimas do metabolismo de fontes de carbono
complexas pela glicose e outras fontes de carbono rapidamente metabolizáveis;
b) minimização da repressão catabólica pela glicose sobre a produção de metabólitos secundários
como alcalóides de ergot, cefalosporina C, indolmicina, bacitracina, estreptomicina,
neomicina, novobiocina, penicilina, etc.;
c) inibição da produção de proteases quando o produto é um proteína recombinante extracelular;
d) prevenção da inibição por substratos como etanol, metanol, ácido acético e compostos
aromáticos;
e) minimização da formação de produtos tóxicos do metabolismos celular, como etanol para
leveduras, ácido acético para Escherichia coli e lactato e amônia no cultivo de células animais;
f) minimização de problemas como contaminação, mutação e instabilidade de plasmídeo;
g) adequação do bioprocesso às condições operacionais:
i. formação de espuma
ii. nutriente instável
iii. processos aeróbios de longo período (1 a 2 semanas).
h) estudo da cinética de processos fermentativos.
Os cultivos em batelada alimentada permitem que se trabalhe com cultivos em duas fases, uma de
crescimento e outra de produção de produto e ainda que se obtenham cultivos com grandes concentrações de
células, até 100g/L.
O cultivo em batelada-alimentada repetitiva é aquele em que uma fração constante do volume
da cultura é removida em intervalos de tempos fixos, podendo ser mantido indefinidamente.
O cultivo em batelada-alimentada estendida é aquele em que a concentração do substrato
limitante é mantida constante no meio de fermentação através do suprimento contínuo deste nutriente.
O cultivo em batelada-alimentada ainda pode ser dividido em dois tipos baseado no fato de a
vazão de alimentação ser ou não baseada em um sistema de retro-alimentação. No modo de operação com
sistema retro-alimentado, a vazão de alimentação pode ser controlada através da concentração de substrato
no meio de alimentação (sistema direto) ou em função de outros parâmetros (controle indireto) como
densidade ótica, pH, coeficiente de respiração, concentração de etanol e outros. No modo de operação não
retro-alimentado a vazão de alimentação pode ser intermitente ou contínua, seguindo um padrão pré-
estabelecido.
As alimentações com controle feedback são mais sofisticadas. O controle indireto se baseia em medidas
de parâmetros físicos do cultivo, como oxigênio dissolvido (OD), pH e velocidade de formação de CO 2 para
alterar a vazão de alimentação. O método OD-stat é baseado no fato de que o oxigênio dissolvido no meio
rapidamente aumenta quando há escassez de substrato. A alimentação é adicionada quando o oxigênio
dissolvido ultrapassa um valor pré-determinado. Já o método pH-stat se baseia na observação de que o pH se
eleva quando acaba a fonte de carbono. Quando a fonte de carbono é escassa, o pH se eleva principalmente
como resultado do aumento da concentração de íons amônio excretados pela célula. O sistema adiciona
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39
alimentação quando o pH passa de um determinado valor. A elevação de pH no meio é mais sutil do que a
variação do oxigênio dissolvido. O sucesso dessas metodologias de alimentação está bastante atrelado à
capacidade de controle do equipamento. Um controlador desajustado, nessas metodologias, pode alimentar em
excesso no início do cultivo provocando inibição do crescimento por excesso de glicose, por exemplo, ou pode
alimentar em escassez e, dessa forma, limitar o cultivo.
Durante o crescimento celular, CO2 é produzido proporcionalmente ao consumo da fonte de carbono.
Monitorando a saída de gases do equipamento com o auxílio de um espectrômetro de massas, é possível, então,
controlar a alimentação. A alimentação necessária também pode ser determinada através da medida da
concentração de células presente no cultivo através de um turbidímetro a laser.
Controle em feedback direto também pode ser utilizado. Utilizando analisador de glicose online, é
possível saber o quanto de glicose está presente no meio de cultivo em um determinado instante. Selecionando o
intervalo em que se deseja trabalhar, o equipamento é capaz de controlar o quanto de glicose será adicionado ao
cultivo.
O uso combinado de mais de uma técnica também é possível. Esse é o caso de Kim e colaboradores
(2004), que utilizaram alimentação exponencial combinada com pH-stat para controlar a velocidade de
crescimento a 0,1 h-1. Utilizando essa estratégia, obtiveram 101 g/L de Escherichia coli. Um resumo das
metodologias de alimentação comentadas é apresentado no quadro1.
Quadro 1 - Metodologias de Alimentação nos Cultivos em Batelada-Alimentação. Fonte: Modificado
de Lee (1996).
Metodologias de Alimentação nos Cultivos em Batelada-Alimentada
Sem controle feedback
 Vazão constante
 Vazão elevada continuamente
 Alimentação exponencial
Com controle feedback
Indireto
• OD-stat
• pH-stat
• Medida de CO2
• Concentração celular
Direto
• Controle da concentração de substrato

Figura 7.1: Gráficos da variação da vazão de alimentação, F, e da velocidade específica de


crescimento, , em cultivos em regime batelada-alimentada com vazão de alimentação
constante, linear crescente e exponencial.
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Figura 7.2: Cultivo batelada-alimentada com alimentação exponencial combinada com pH-stat de
Escherichia coli K12 com velocidade específica de crescimento controladas em 0,1 h-1 (esquerda) e 0,3 h-1
(direita) (Fonte: Kim et al., 2004)
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8 Reatores com células imobilizadas

Células imobilizadas são definidas como “células fisicamente confinadas ou localizadas em um


espaço definido com a retenção das suas atividades catalíticas, e que podem ser utilizadas repetida e
continuamente”.
Pode-se dividir os processos com células imobilizadas em dois tipos:
Os primeiros são os que utilizam as enzimas contidas nas células, não havendo necessidade de
coenzimas (ATP, NADH) e vias anabólicas presentes na replicação celular. Exemplos: produção industrial
de ácido málico, ácido aspártico e xarope de frutose de milho (High Frutose Corn Syrup).
O segundo tipo é o que necessita manter a viabilidade celular, uma vez que os produtos formados
requerem múltiplos passos de transformações, regeneração de coenzimas, presença de cadeia respiratória,
vias metabólicas geradoras de produtos intermediários e outros mecanismos inerentes às células vivas.
Histórico:
1916: Nelson e Griffin descobriram que uma invertase de levedura mantinha sua atividade
catalítica de hidrólise de sacarose quando adsorvida em carvão ativado.
1953: Grubhofer e Schleith imobilizaram diversas enzimas (carboxipeptidase, diastase, pepsina e
ribonuclease) numa resina de poly-amino-estireno diazotizado por ligação covalente.
1969: Chibata e colaboradores desenvolveram a primeira aplicação industrial de biocatalizadores
imobilizados. Uma aminoacilase fúngica foi imobilizada em DEAE-Sephadex por ligação iônica e foi
utilizada para a hidrólise estéreo-seletiva de N-acil-D,L-aminoácidos para produzir L-aminoácidos e N-acil-
D-aminoácidos.

1973: Chibata e colaboradores desenvolveram a primeira aplicação industrial de células


imobilizadas, produzindo L-aspartato de fumarato de amônia através de células de Escherichia coli
imobilizadas em gel de poliacrilamida.

8.1 Métodos de imobilização celular


A imobilização celular freqüentemente imita fenômenos que ocorrem na natureza: muitos
microrganismos possuem a capacidade de aderir naturalmente sobre diferentes tipos de materiais e
estruturas, formando biofilmes.
As várias técnicas de imobilização celular podem ser classificadas em quatro grupos, conforme o
mecanismo de imobilização empregado (Figura 8.1):
1. ligação ou adsorção sobre a superfície de um suporte sólido;
2. envolvimento em uma matriz porosa;
3. formação de agregados celulares por floculação (natural) ou ligação com o uso de agentes
químicos (induzida artificialmente);
4. contenção das células atrás de uma barreira.

8.1.1 Imobilização sobre a superfície de um suporte sólido


A imobilização celular sobre a superfície de um suporte sólido ocorre através de adsorção devido à
forças eletrostáticas entre a membrana celular e a superfície do suporte, ou devido à ligações covalentes. A
espessura do biofilme varia de uma monocamada celular até em torno de 1 mm.
Suportes sólidos utilizados:
a) materiais celulósicos: DEAE-celulose (dietilaminoetil-celulose), madeira, serragem;
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42

b) materiais inorgânicos: poligorsquita, montmorilonita, hidromica, porcelana poroso, vidro


poroso, etc.
Os materiais sólidos como vidro e celulose podem também ser tratados com policátions, quitosana
ou outros compostos químicos para aumentar sua capacidade de adsorção.

Figura 8.1: Desenho esquemático dos métodos básicos de imobilização celular


(Fonte: Kourkoutas et al., 2004).

8.1.2 Envolvimento em uma matriz porosa:


É um método de imobilização muito utilizado devido à sua facilidade, baixíssima toxidez e alta
capacidade de retenção celular. As células ficam imobilizadas dentro de uma matriz polimérica formadora
de um gel hidrofílico. Os poros da matriz não menores que as células contidas no seu interior e permitem a
transferência de nutrientes e metabólitos.
Os materiais mais utilizados para a produção de partículas são os géis polissacarídeos de alginato,
K-carragena, agar, quitosana e ácido poligalacturônico, ou outras matrizes poliméricas como gelatina,
colágeno e álcool polivinílico. A imobilização em ágar é realizada pelo abaixamento da temperatura, e dos
outros polímeros polissacarídeos conforme o esquema da Figura 8.2.
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43

A principal desvantagem desta técnica é a limitação imposta pela difusão intraparticular de


substratos e produtos metabólicos. O tamanho da partícula, a difusividade através da matriz polimérica e a
concentração celular na partícula devem ser otimizados no sentido de minimizar estes efeitos.

Polissacarídeo (1 a 4%) +
células

Partículas contendo
células imobilizadas
diâmetro de 0,5 a 5 mm
250 mg de células / g Solução de KCl ou CaCl2
matriz 0,05 a 0,5M

Agitador magnético

Figura 8.2: Imobilização de células por envolvimento em gel hidrofílico induzida por Ca++ e K+.

8.1.3 Floculação celular (agregação)


A floculação celular é definida como uma agregação de células formando uma unidade maior ou
como a propriedade de células em suspensão de formarem agregados e sedimentarem. Sobretudo fungos e
células de plantas formam agregados, contudo pode-se adicionar agentes floculantes em culturas celulares
que não floculam naturalmente.
A floculação da levedura Saccharomyces cerevisiae durante a fabricação de cerveja é de grande
importância, pois afeta a produtividade da fermentação e a qualidade da cerveja, além de interferir na
separação e recuperação da levedura.

8.1.4 Contenção mecânica atrás de uma barreira


A contenção das células atrás de uma barreira pode ser obtida utilizando-se membranas
microporosas, pelo envolvimento das células em microcápsulas ou pela imobilização das células na
superfície de interação entre dois líquidos imiscíveis. Os biorreatores de membranas são um exemplo deste
tipo de imobilização e são tratados no Capítulo 9.

8.2 Características e vantagens da imobilização celular


Os suportes são adequados para a imobilização celular quando possuem as seguintes
características:
1. o suporte deve possuir uma grande superfície, com grupos funcionais para a adesão celular;
2. o suporte deve ser de fácil manipulação e regeneração;
3. o biocatalisador imobilizado deve possuir grande viabilidade celular e alta estabilidade, além de ficar
retido (imobilizado) por longos períodos de tempo;
4. a atividade biológica das células imobilizadas não pode ser afetada pelo processo de imobilização;
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44

5. o suporte deve ter porosidade uniforme e controlável, permitindo a transferência de massa de


substratos, produtos, co-fatores e gases;
6. o suporte e a técnica de imobilização devem ser simples, de custo acessível, e passível de
escalonamento.

Os cultivos com células imobilizadas possuem diversas vantagens sobre os cultivos com células
livres:
 atividade e estabilidade prolongada do biocatalisador, pois o suporte de imobilização pode atuar como
uma barreira protetora aos efeitos físico-químicos do pH, temperatura, solvente ou metais pesados;
 maior densidade de células por unidade de volume do biorreator, levando a uma maior produtividade
volumétrica, menor tempo de cultivo, eliminação de fases de crescimento celular não produtivas;
 maior consumo de substrato e aumento do rendimento;
 possibilidade de processamento contínuo;
 aumento da tolerância a altas concentrações de substrato e menor inibição pelo produto final;
 maior facilidade na recuperação do produto, diminuindo a necessidade de filtração e separação,
diminuindo assim os custo de equipamento e mão-de-obra e o consumo de energia;
 regeneração e reutilização do biocatalizador em cultivos batelada, sem removê-los do biorreator,
levando a cultivos semi-contínuos;
 redução do risco de contaminação microbiana devido à alta concentração celular;
 possibilidade do uso de biorreatores menores, com processos mais simplificados, reduzindo o custo.

8.3 Exemplos de usos de células imobilizadas

5000
atividade lipolítica (U/L)

4000

3000

2000

1000

0
72 96 120
tempo (h)
cél livres alginato de sódio k-carragena poliacrilamida

Figura 8.3: Produção de lipase com células imobilizadas e células livres (Fonte: Ellaiah et al., 2004).
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Figura 8.4: Cinética de um cultivo semicontínuo de células de Z. mobilis e S. diastaticus co-imobilizadas


em alginato de sódio (Fonte: Amutha & Gunasekaran, 2001).
produtividade (g EtOH / (L.h))

5,0
produtividade (g EtOH / (L.h))
10
4,0 (a) (b)
8

3,0 6

2,0 4

1,0 2

0,0 0
1 2 3 4 5 6 7 0 5 10 15 20 25 30
batelada vazão de alimentação (mL/h)

Figura 8.5: Produtividade de um cultivo semicontínuo de células de Z. mobilis e S. diastaticus co-


imobilizadas em alginato de sódio (b) Produtividade de um cultivo contínuo de células de Z. mobilis e S.
diastaticus co-imobilizadas em alginato de sódio em biorreator PBR com 60mL de volume de trabalho
(Fonte: Amutha & Gunasekaran, 2001).

Figura 8.6: Biomassa e atividade de bacteriocina em um biorreator contínuo com células livres (Fonte:
Bhugaloo-Vial et al., 1997).
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46

Figura 8.7: Produtividade de bacteriocina com a taxa de diluição (a) em um biorreator contínuo com células
livres e (b) em biorreator contínuo PBR com células imobilizadas em alginato de sódio (Fonte: Bhugaloo-
Vial et al., 1997).

Figura 8.8: Produção de etanol, evolução de CO2 e consumo de glicose por células de S. cerevisiae
imobilizadas (símbolo cheio) e livres (símbolo aberto) (Fonte: Wendhausen et al., 2001).

Figura 8.9: Produtividade (símbolo cheio) e concentração de etanol (símbolo aberto) em células de S.
cerevisiae imobilizadas em função da taxa de diluição e em função do tempo em um biorreator de leito
empacotado alimentado com 33% de caldo de cana (180 g/L de sacarose) a 30oC (Fonte: Wendhausen et al.,
2001).
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47

9 Biorreatores com membranas

Os biorreatores com membranas (MBR – Membrane Bioreactor) são um importante avanço no


desenvolvimento de processos por membranas. Desde que se iniciaram as pesquisas em MBR na década de
70, foram desenvolvidas diversas gerações de MBRs. Desde então os sistemas com MBRs são utilizados
sobretudo para tratar efluentes industriais, domésticos e municipais, quando os padrões de descarga são
bastante rígidos ou se faz a reutilização da água.
Um MBR combina o processo de lodo ativado com o processo de separação por membranas. O
reator é operado de forma similar a um reator convencional de lodo ativado, porém não necessita de passos
secundários de clarificação, e terciários como filtração em areia. Pode-se se utilizar membranas de micro ou
de ultrafiltração para separar o lodo ativado do efluente. As duas principais configurações de MBRs são os
MBRs de membrana submersa ou com membrana de circulação externa, conforme mostrado ma Figura 10.1.

Figura 9.1: Configurações de MBRs: (a) membrana submersa, (b) circulação externa (Fonte: Melin et al.,
2006).

A primeira geração de MBRs foram os sistemas de circulação externa, onde o módulo de filtração
(membranas) é localizado fora do biorreator. A solução efluente é bombeada em alta velocidade
paralelamente às membranas, e a solução concentrada retorna ao tanque de lodo ativado. Os MBRs
desenvolvidos recentemente possuem a configuração de membrana submersa, onde o módulo de filtração é
colocado dentro do tanque de aeração contendo o efluente e o lodo ativado. A característica desta
configuração é o baixo fluxo através da membrana reduzindo as obstruções (fouling) tanto quanto possível e
operando a baixa pressão transmembrana.
Os MBRs com circulação externa normalmente utilizam módulos tubulares de membranas,
enquanto que os de membrana submersa utilizam os módulos de membrana plana (flat plate) ou de fibra-oca
(hollow-fibre). A Tabela 10.1 mostra a comparação entre estes módulos de membranas.
O papel principal da membrana em um MBR é uma barreira contra sólidos suspensos. Contudo,
devido à complexidade do efluente líquido, é possível a remoção de espécies solúveis, conforme o tipo de
membrana: microfiltração (MF), ultrafiltração (UF) ou nanofiltração (NF).
Microfiltração:
- poros: 0,1-0,2 m
- remoção de sólidos suspensos como bactérias
- remoção parcial de vírus e macrossolutos
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48

Ultrafiltração:
- poros de 0,1 m a 5 nm
- boa remoção de vírus e substâncias poliméricas extracelulares (SPE)
Nanofiltração:
- poros de 2 nm
- retém quase todas as espécies solúveis, com exceção de alguns íons e substâncias
orgânicas de baixo peso molecular.

Tabela 9.1: Comparação das características dos diferentes módulos de membranas utilizados em MBRs.

Módulo de membrana Membrana plana Fibra-oca Tubular

Vazão (L/(h.m2)) 15-25 20-30 70-100


MLSS recomendado (gMLSS/L) 10-15 10-15 15-30
Consumo de energia (kWh/m3) 0,3-0,6 0,3-0,6 2-10
2
Custo por m alto médio Muito alto
Faixa de pH 1-12 2-11 1-13
Temperatura de trabalho < 60oC < 40oC < 100oC
Densidade do empacotamento moderada alta baixa
limpeza moderada retrolavagem É possível uma boa limpeza física
Fonte: Lesjean et al. (2004); Fane (2002)

Vantagens da tecnologia de MBRs comparadas ao processo de lodo ativado convencional:


- Desinfecção do efluente, pois as membranas constituem uma barreira física para as
bactérias e, no caso das membranas de UF, para os vírus;
- Menor tamanho de biorreator como conseqüência da alta concentração de sólidos
suspensos no efluente (MLSS - Mixed Liquor Suspended Solids) quando se opta por uma
idade de lodo baixa ou moderada;
- Menor produção de lodo quando se opta por uma alta idade do lodo;
- Efluente com qualidade maior e mais consistente, como resultado da filtração por
membrana;
- Menor sensibilidade a picos de concentração e contaminação.
Principais desvantagens dos MBRs:
- Custo relativamente alto de instalação e operação
- Necessidade de monitoramento e manutenção freqüente da membrana;
- Limitações de pH, temperatura e pressão;
- As membranas também podem ser sensíveis à algumas substâncias químicas;
- Menor eficiência de transferência de oxigênio devido à alta concentração de MLSS;
- A “tratabilidade” do lodo excedente é questionável.

A tecnologia de MBR é mais cara que a tecnologia convencional de tratamento de efluentes,


contudo encontra suas aplicações em alguns casos especiais:
- quando se necessita de uma tecnologia compacta, devido á falta de espaço ou ao alto
custo da terra em áreas urbanas;
- quando se necessita de uma lata qualidade final do efluente, por exemplo, para
reutilização da água (irrigação, atividades recreacionais, indústria, reutilização
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49

doméstica, ou recarga de aqüíferos), ou como pré-tratamento antes de nanofiltração,


osmose reversa ou deionização (na dessalinização e produção de água ultrapura).
Segundo Yang et al. (2006) existem mais de 2200 instalações de MBRs em operação ou em
construção espalhadas pelo mundo, a grande maioria para tratamento de esgoto municipal. A Ásia,
especialmente o Japão e a Coréia do Sul, abraçaram a tecnologia de MBRs sobretudo para o tratamento em
pequena escala de esgotos domésticos.
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50

10 Cultivo Semi-Sólido

O cultivo semi-sólido (CSS) é definido como “processos que se referem a cultura de


microrganismos sobre ou dentro de partículas em uma matriz sólida (substrato ou material inerte, onde o
conteúdo de líquido (substrato ou meio umidificante) ligado a ela está a um nível de atividade de água que,
por um lado assegure o crescimento e o metabolismo das células e, por outro, não exceda a máxima
capacidade de ligação da água com a matriz sólida”.
Histórico do CSS:
- produção de molho de soja em 1000a.C. e de chiang entre 2500a.C. e 500a.C. na
China;
- produção de queijo Roquefort em 100 d.C.
- hoje: produção de enzimas

10.1 Microrganismos normalmente utilizados:


Utilizam-se sobretudo fungos filamentosos como:
- Rhizopus, Trichoderma, Penicillium ou Aspergillus enriquecimento protéico e
produção de enzimas
- Mucor ou Rhizopus  produção de renina microbiana;
- Penicillium produção de penicilina;
- Fusarium o Giberella produção de ácido giberélico.
A utilização de bactérias e leveduras tem aumentado recentemente:
- bioinseticidas e -amilase;
Bacillus thuringiensis 
- Zymomonas mobilis ou leveduras  produção de etanol.

10.2 Substratos: características e composição:


O substrato ou matriz sólida deve possuir algumas características que possibilitem o maior
rendimento do processo. O principal fator do CSS é o grau de acessibilidade do microrganismo ao meio de
cultivo, assim, as características que mais se destacam são a porosidade, o tamanho e o formato das
partículas.
Quanto menor o tamanho da partícula, maior a sua área superficial e, conseqüentemente, maior o
grau de transformação. Por outro lado o processo necessita ter uma granulometria que permita a circulação
doa ar por entre a massa de meio, e a dissipação dos gases produzidos, os quais poderiam via a prejudicar a
produtividade do processo. A Figura 10.1 apresenta a velocidade de fermentação, avaliada em termos de
produção de CO2 durante o processo, em função do tamanho das partículas em meio sólido.
Quanto á porosidade, sua principal conseqüência é a absorção de água, que facilita o transporte de
enzimas e metabólitos por entre o meio e os microrganismos.
Processos empregados para facilitar a atuação dos microrganismos sobre o meio:
- esmagamento, quebra moagem e peneiramento;
- suplementação de nutrientes e correção de pH;
- hidrólise ácida ou alcalina de material celulósico;
- embebição;
- aquecimento do substrato (gelatinização ou inchamento)
- adição de agente quelante;
- esterilização.
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
51

Figura 10.1: Influência do tamanho das partículas na velocidade de fermentação de açúcar de beterraba por
Zymomonas mobilis para produção de etanol. (Fonte: Schmidell et al., 2001)

Diversas matérias-primas e, dentre estas, principalmente os diversos tipos de resíduos


agroindustriais, podem ser empregadas como substrato em CSS. A escolha de cada meio dependerá da
disponibilidade, do microrganismo e do produto final que se deseja obter.

10.3 Biorreatores para CSS


O CSS ocorre sobretudo em processos batelada: o meio é adicionado ao biorreator, que é então
inoculado e ocorra a incubação por um determinado período de tempo. A seguir o produto pode ser extraído
através da suspensão do meio com água, soluções-tampão ou solventes, ou então simplesmente seco e
armazenado.
Biorreatores para laboratório: frascos cônicos, garrafas de cultivo, copos de Becker.
Biorreatores industriais: bandejas, tanques circulares, esteira rolante e reatores tubulares
horizontais com agitação interna (Figura 10.2)

Figura 10.2: Reatores para cultivo semi-sólido industrial (a) tanques circulares; (b) esteira rolante; (c)
reator tubular com agitação interna. (Fonte: Schmidell et al., 2001)
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
52

Para mais detalhes consultar: Durand, A. Bioreactor designs for solid-state fermentation.
Biochemical Engineering Journal 13 (2003) 113-125.

10.4 Controle de processo em CSS


Os controles de umidade, temperatura e pH do meio de cultivo, a velocidade e freqüência de
agitação, as condições de transferência de oxigênio e de nutrientes, as características do substrato, além das
características e estimativas de crescimento e automação do processo são os parâmetros mais
freqüentemente analisados nos diversos estudos revistos.

10.4.1 Teor de umidade


A natureza do substrato, as necessidades do microrganismo utilizado e o tipo de produto final
desejado são os principais parâmetros que determinam o grau de umidade que o substrato deverá ter no
início e ao longo do cultivo.
Um substrato apropriadamente umedecido deverá possuir um filme superficial de água visando
facilitar a dissolução e a transferência de massa de nutrientes e de oxigênio. Porém, entre as partículas
devem existir canais que permitam a difusão de gases e a dissipação de calor.
A Figura 10.3 apresenta a velocidade de produção de proteína de Aspergillus niger de acordo com
a umidade inicial do meio de cultura.

Figura 10.3: Influência do teor de umidade sobre o crescimento de Aspergillus niger. (Schmidell et al.,
2001)

10.4.2 Atividade de água:


Este parâmetro é definido como a razão entre a pressão de equilíbrio de vapor de um substrato em
relação à água pura, à mesma temperatura. A atividade de água (aw) influencia o desenvolvimento
microbiano e os processos bioquímicos. Assim, cada microrganismo possui um nível de aw mínimo para que
possa efetuar suas atividades metabólicas, conforme a Figura 10.4.

10.4.3 Temperatura
Devido ás atividades metabólicas do microrganismo e dependendo da altura da cama de substrato,
uma grande quantidade de calor pode ser produzida durante o cultivo. Como a temperatura afeta diretamente
a germinação dos esporos, o crescimento e a esporulação dos microrganismos, e a formação de produto, o
calor produzido deverá ser imediatamente dissipado para que o aumento da temperatura não prejudique a
fermentação desejada.
A Figura 10.5 apresenta a velocidade de produção de proteínas por Aspergillus niger em relação à
temperatura empregada no processo.
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
53

Figura 10.4: Relação entre a atividade de água e as reações de deterioração dos alimentos.

Figura 10.5: Influência da temperatura sobre o crescimento de Aspergillus niger. (Schmidell et al.,
2001).
10.4.4 pH
O controle do pH durante o CSS, embora crítico, é difícil de ser conseguido devido à
heterogeneidade e a consistência do meio de cultivo. Como tentativa de evitar variações bruscas no pH
utilizam-se substratos com boa capacidade tamponante ou a adição de solução tampão durante a etapa de
umidificação do substrato.
10.4.5 Aeração:
A aeração é necessária para o bom rendimento de praticamente todos os processos produtivos
biotecnológicos, incluindo os via CSS. A oxigenação pode ser realizada via entrada de ar estéril sob pressão
dentro do biorreator. A quantidade de ar que deve ser fornecido ao cultivo depende do microrganismo, da
quantidade de calor metabólico a ser dissipado no processo, da espessura da camada de substrato. Da
quantidade de CO2 e outros voláteis a serem eliminados e da necessidade de oxigênio para síntese dos
produtos.
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
54

10.4.6 Agitação
Visa obter uma melhor homogeneização do meio de cultivo, gerando uma melhor distribuição do
inóculo e do meio umidificante, impedindo a formação de agregados e favorecendo tanto a transferência
gasosa como a troca de calor do meio.
10.4.7 Estimativa de crescimento
É realizado a través de metodologias indiretas, pois na maioria das vezes não é possível separar-se
o microrganismo do substrato sólido onde este se desenvolveu. Métodos mais utilizados:
- quantificação da proteína total
- estimativa da quantidade de ATP ou glicosamina;
- medida contínua da quantidade de O2 e CO2 no gás de saída do biorreator.

10.4.8 Extração dos produtos


Normalmente é utilizado um diluente como água destilada, solução salina ou solução-tampão. A
extração é realizada por agitação do meio como o solvente ou por percolação do solvente através do leito de
sólidos.
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
55

11 Agitação e aeração em biorreatores


O oxigênio é necessário para todas as culturas aeróbias, e manter uma concentração apropriada de
oxigênio dissolvido no meio de cultura é importante para a operação eficiente do reator. A equação
estequiométrica da oxidação completa da glicose é dada por:
C6H12O6 + 6 O2 6 CO2 + 6 H2O
Ou, seja, para que ocorra a oxidação de 1 mol de glicose, são necessários 6 moles de oxigênio.
Contudo, enquanto fontes de carbono e de nitrogênio e outros nutrientes são bastante solúveis em água, o
oxigênio é pouco solúvel. Pode-se dissolver centenas de gramas de glicose em água, mas a solubilidade do
oxigênio a 35 oC é da ordem de 7 mgO2/L . Desta forma de nada adianta colocar centenas de gramas por
litro de glicose do meio de cultivo se não se consegue transferir oxigênio ao microrganismo numa velocidade
suficientemente grande para suportar um crescimento exclusivamente aeróbio.

Figura 11.1: Variação da concentração de oxigênio dissolvido em água com a temperatura.

11.1 Transferência de oxigênio da bolha de gás para a célula


Nas culturas aeróbias, as moléculas de oxigênio devem transpor uma série de resistências à
transferência antes de serem utilizadas pela célula. O diagrama da Figura 11.2 apresenta oito etapas
envolvidas no transporte de oxigênio do interior da bolha de gás até o interior da célula:
i) transferência do interior da bolha para a interface gás-líquido;
ii) movimento através da interface gás-líquido;
iii) difusão através do filme de líquido estagnado em torno da bolha;
iv) transporte através da massa de líquido;
v) difusão através do filme de líquido estagnado em torno da célula;
vi) movimento através da interface líquido-célula;
vii) se as células estiverem em flocos ou em partículas sólidas, difusão através do sólido até a célula
individual;
viii) transporte através do citoplasma ao sítio de reação.
Se as células estão suspensas individualmente no meio de cultura, o passo (vii) desaparece.
Quando as células estão dispersas no meio de cultura e este possui mistura perfeita, a maior resistência à
transferência de oxigênio é o filme líquido em torno da bolha. Conseqüentemente, o transporte de oxigênio
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56
da bolha até a célula é controlado pelo passo (iii) e a taxa de transferência de massa pode ser calculada a partir
da Equação 11.1.
OTR  kL a(C*  C ) (11.1)

onde OTR (oxygen transfer rate) é a velocidade de transferência de oxigênio por unidade de volume de
fluido (kg.m-3.s-1), kL é o coeficiente de transferência de massa da fase líquida (m.s-1), a é a área da
interface líquido-gás por unidade de volume do fluido (m2.m-3), C é a concentração de oxigênio no meio de
cultura (kg.m-3), e C* é a concentração de oxigênio no meio de cultura em equilíbrio com a fase gasosa
(kg.m-3), também denominada solubilidade do oxigênio no meio de cultura.

Figura 11.2: Etapas da transferência de oxigênio da bolha de ar para a célula (Doran, 1995. p. 200).

11.2 Método dinâmico para o cálculo do kLa


Em um meio líquido mergulha-se um eletrodo de O2 dissolvido. Após o eletrodo calibrado, retira-
se todo o O2 dissolvido borbulhando-se gás N2, por exemplo. A seguir inicia-se a aeração e a agitação nas
condições que se pretende calcular o kLa. O sinal do eletrodo aumentará até atingir 100 %. Nesta condição, a
variação da concentração de O2 dissolvido no meio de cultivo se dá unicamente devido a aeração do meio:
dC
 OTR  kL a(C *  C ) (11.2)
dt
A equação 11.2 pode ser integrada conhecendo-se a condição inicial (t0 = 0 e C0 = 0):
c t
dC
c C*  C  kL at 0 dt (11.3)
o0 o

 C 
ln 1  *   k L a.t (11.3a)
 C 
ou
C
 1  e kLa .t (11.3b)
C*
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57

 C 
Da equação 11.3a percebe-se que plotando-se os valores de ln 1   contra o tempo obtém-se
 C* 
uma reta cujo coeficiente angular é -kLa, conforme Figura 11.3. Ainda, não é necessário conhecer o valor de
C*, apenas a fração C/C* que é obtida de um eletrodo calibrado entre 0 e 100%.

Figura 11.3: Determinação do coeficiente volumétrico de transferência de massa da fase líquida, kLa.

11.3 Respiração microbiana


A taxa de consumo de oxigênio, OUR (oxygen uptake rate), dos microrganismos pode ser definida
como:
OUR  QO2 . X (11.4)
Onde:
QO2 é velocidade específica de respiração (g O2 / (g cél . h)). A grandeza QO2 introduz a característica biológica
do sistema em questão, pois depende do microrganismo empregado, das condições de fermentação (pH,
temperatura) e do meio de cultivo.
O valor de QO2 para um dado microrganismo é função da concentração de O2 dissolvido no meio de
cultivo, e segue uma equação do tipo Monod, ou seja:
C
QO2  QO2 max (11.5)
K o2  C
Onde:
O máx QO2max é o valor máximo de QO2 e K O2 é a constante de saturação da equação de Monod para o O2. A
Figura 11.4 mostra a variação de QO2 com a concentração de O2 dissolvido, onde observa-se a existência de
uma dada concentração de O2, denominada crítica, acima da qual o valor de QO2 é constante e máximo. Um
sistema adequadamente dimensionado de aeração/agitação deve permitir a máxima capacidade respiratória dos
organismos, mantendo a concentração de O2 acima da crítica a fim de que este não seja limitante. Alguns
valores de Ccrit são mostrados na Tabela 11.1.
Como se pode observar, os valores de Ccrit encontram-se entre 0,3 e 0,7 ppm, abaixo de 10% da
concentração de saturação do O2 no ar atmosférico a 1 atm e 35ºC.
Células crescendo a altas velocidades específicas de crescimento possuem uma alta velocidade
consumo de substrato e também uma alta velocidade de respiração. Desta forma é natural que exista uma
relação entre a velocidade específica de crescimento da cultura (µ) e a velocidade específica de respiração,
conforme a equação abaixo:
1
QO2  mO2   (11.6)
YO
2

Onde mO2 é o coeficiente de manutenção das células para o O2 (g O2 / (g cél . h)) e Y O2 é o fator de conversão de
O2 para células (g cél/gO2). Foram determinados valores de 2 mmolO2/(g cél . h) para mO2 e 1,55 g cél/g O2 para
YO2 de Aspergillus awamori NRRL3112.
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58

Figura 11.4: Representação esquemática da variação de Q O2 com a concentração de O2 dissolvido. (Fonte:


Schmidell et al., 2001)

Tabela 11.1: Valores de concentração crítica de oxigênio para alguns microrganismos

Microrganismo Temperatura (TºC) Ccric (mg/L)


Arpergillus oryzae 30,0 0,64
Escherichia coli 37,8 0,26
Serratia marcenscens 31,0 0,48
Levedura 34,8 0,15
P chrysogenum 24,0 0,70

11.4 Análise conjunta da transferência e do consumo do oxigênio


Em um cultivo em biorreator, a concentração de oxigênio em um dado instante depende a entrada de
ar e do consumo de oxigênio pelos microrganismos:
dC
 kL a(C *  C )  QO X (11.7)
dt 2

Durante um cultivo contínuo, ou durante um pequeno intervalo de tempo de um cultivo em batelada


ou batelada-alimentada, pode-se considerar que o sistema se encontra em estado estacionário: X é constante,
dC
 0 , e C é a concentração de oxigênio no biorreator, medida pelo sensor de oxigênio dissolvido, que será
dt
denominada Ci. Assim, a equação 11.7 fica:
k L a(C *  C )  QO X  0
2

 QO X  (11.8)
Ci  C *   2 
 kL a
 
Em dado instante ti corta-se a entrada de ar do sistema e monitora-se a queda da concentração de
oxigênio no meio de cultura. Após um tempo de 20 a 60 segundos, abre-se novamente a entrada de ar do
sistema. Cessando o suprimento de oxigênio, temos que o primeiro termo do lado direito da equação 11.7 torna-
se zero, resultando em:
dC
 QO X (11.9)
dt 2
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59

A equação 11.9 pode ser integrada à partir da condição inicial C = Ci quando t = ti:

c t

 dC  QO2 X  dt
ci ti (11.10)
C  Ci  QO2 X (t  ti )

Deste modo, QO2 pode ser facilmente obtido através da inclinação da curva do gráfico C contra
t, mostrado na Figura 11.5. Dividindo-se o valor de QO2X pela biomassa correspondente, a velocidade específica
de consumo de oxigênio, QO2, pode ser calculada.

Figura 11.5: Curva de variação de concentração de oxigênio dissolvido para cálculo de kLa e qO2 conforme o
método dinâmico. Fonte: Ayub, 1991, p. 60.

A aeração é reassumida antes que a concentração de oxigênio dissolvido atinja um valor crítico (em
torno de 5 a 10% da saturação), e a equação 11.7 pode novamente ser utilizada para descrever o processo.
Rearranjando os termos da equação 11.7 obtemos:
dC  *  QO2 X  
 C     C  k L a (11.11)
dt   kL a 
 

Combinando a equações 11.11 e 11.8 temos:


dC
 kL a(Ci  C ) ...............................................................................................................(11.12)
dt
A equação 11.12 pode ser integrada à partir das condições iniciais C = C0 quando t = t
 C  C0 
ln  i   kL a(t  t0 ) (11.13)
 Ci  C 
onde Ci, C0 e C são diferentes valores de concentração de oxigênio dissolvido mostrados na Figura 11.5. O
 Ci  C0 
valor do kLa pode ser obtido através da inclinação da reta ln   contra o tempo.
 Ci  C 
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60

11.5 Sistemas para a transferência de oxigênio


Os principais sistemas de aeração de reatores líquidos são mostrados na Figura 11.5. Os sistemas (1)
e (2) utilizam uma “aeração superficial”, e são encontrados em lagoas de tratamento biológico de efluentes e em
reatores com células imobilizadas, respectivamente. Os sistemas (3) e (4) realizam a transferência de oxigênio
para o meio por borbulhamento de ar, sendo que o biorreator (4), conhecido como air-lift, possui bons
coeficientes de transferência de O2 sem a necessidade de agitação, logo com uma baixa tensão de cisalhamento
sobre as células. Os reatores (5) e (6) são os aerados de tanque agitado. O biorreator (5) é conhecido como
padrão e corresponde a 93% das aplicações industriais. O biorreator (6), conhecido como “draugth-tube” é o
sistema que causa o maior cisalhamento celular.
O biorreator tipo tanque agitado e aerado (padrão), apresenta altura do líquido igual ao diâmetro do
tanque e é agitado por um impelidor dom 6 pás planas que apresentam diâmetro igual a 1/3 do diâmetro do
tanque. A fim de evitar a formação de vórtice, utiliza-se um sistema de 4 chicanas, diametralmente opostas, com
largura de 1/10 ou 1/12 do diâmetro do tanque.

Figura 11.6 Transferência de oxigênio em meios agitados e aerados

11.6.1 Agitação de líquidos newtonianos


O objetivo de uma operação de agitação ou mistura pode ser a homogeneização da solução, manter
sólidos em suspensão ou tornar mais eficientes os transportes de calor e massa. Estes objetivos podem ser
atingidos através da agitação, ou seja, da transmissão de potência (energia/tempo) ao líquido.
Quando uma turbina gira dentro de um reator com líquido, como o exemplificado na Figura 11.6, a
capacidade desta turbina de transmitir potência ao líquido depende de diversos fatores, como mostra a análise
dimensional a seguir:
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61

Figura 11.7: Esquema de um biorreator agitado com turbinas de pás planas. (Fonte: Schmidell et al.,
2001) .

O gráfico da Figura 11.7 apresenta a relação entre o NP e o NRe para o impelidor tipo hélice e para a
turbina de disco com 6 pás planas (turbina Rushton) para tanques com as relações padrão conforme o item
anterior. Para esta situação tem-se que a equação 11.13 fica:
N P  f ( NRe ) (11.15)
Na Figura 11.7 pode-se observar três regiões distintas: a região de escoamento laminar (NRe < 10),
uma região de transição e a região de escoamento turbulento (NRe > 104).
Na região laminar tem-se que N P  k1 ( NRe )1 , ou seja:
P  k1 N 2 Di 3  (11.16)
na região de escoamento turbulento tem-se que N P  k2 , ou seja:
P  k2 N 3 Di 5  (11.17)

Na região de transição há uma tendência à queda do Np, o que é interessante quando, durante o
cultivo, ocorre um aumento da viscosidade do meio. Assim, se o motor foi planejado para a região turbulenta
não há risco de sobrecarga até o início do escoamento laminar.
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62

P NDi2 
Figura 11.8: Número de potência N P  em função do número de Reynolds N  para
N 3 Di5  
Re

impelidor tipo hélice e Rushton. (Fonte: Schmidell et al., 2001).


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63

12 Esterilização
Em muitos bioprocessos, a presença de microrganismos estranhos, genericamente denominados
contaminantes, pode levar a prejuízos consideráveis. O grau de eliminação de contaminantes com o objetivo de
obter bons resultados depende de cada caso.
Em um processo podem ou devem ser esterilizados os equipamentos (biorreatores, tubulações,
bombas, centrífugas, homogeneizadores, etc.), os meios de cultivo, o ar que entra nos biorreatores e as
embalagens finais.
A esterilização engloba todos os procedimentos físicos, mecânicos e químicos utilizados para
destruir microrganismos contaminantes.
Os métodos químicos englobam o uso de óxido de etileno, aldeídos, gás-plasma de peróxido de
hidrogênio. Os métodos físicos compreendem a utilização de calor e radiações. Ainda podem ser utilizados
agentes esterilizantes e desinfetantes.
Terminologia:
Esterilização: é um processo físico ou químico que destrói ou inativa todas as formas de vida
presentes em um determinado material através de agentes físicos.
Desinfecção: é um processo menos rigoroso de eliminação de microrganismos, objetivando
sobretudo a destruição dos microrganismos patogênicos presentes, envolvendo normalmente o uso de um agente
químico, à temperatura ambiente ou moderada.
Antisséptico: substância que impede a proliferação de bactérias através da inativação ou destruição
das mesmas .
Assepsia: conjunto de métodos utilizados com o intuito de impedir a entrada de microrganismos em
local que não os contenha .
12.1 Modos de atuação dos agentes esterilizantes
Calor úmido:
A temperatura elevada associada com alto grau de umidade provoca a desnaturação das proteínas. Os
carboidratos do meio de cultivo também sofrem alterações, muitas vezes gerando produtos tóxicos.
O calor úmido possui alta penetração, destruindo esporos e bactérias em tempos bastante curtos. É
também econômico e não deixa resíduos tóxicos. Contudo não pode ser utilizado em soluções que formam
emulsões com a água e nem em soluções que possuam ação corrosiva sobre alguns metais.
A esterilização de biorreatores via calor úmido normalmente ocorre via injeção de vapor no
equipamento. A esterilização normalmente é realizada a 121oC e 1 atm em tempos que variam entre 20 minutos
a mais de 1 hora conforme a necessidade.
Calor seco:
Destrói microrganismos através da oxidação de seus constituintes químicos. É utilizado para
vidrarias, metais e sólidos resistentes ao calor. Ocorre em fornos ou estufas que atingem temperaturas maiores
do que 150oC. Contudo, a ausência de umidade torna a transferência de calor mais lenta e os microrganismos
mais resistentes. Desta forma o calor seco necessita de tempos mais longos para atingir o grau de esterilização
desejado, cerca de 3 a 4 horas.
Radiação ultravioleta (UV):
Os efeitos letais estão associados à mutagênese através de transformações fotoquímicas nas bases de
pirimidinas no DNA. A reação principal é a formação de ligações cruzadas entre purinas adjacentes. Também
ocorrem dímeros citosina-timina, citosina-citosina e uracila-uracila (RNA). É produzida por lâmpadas emissoras
de radiação UV. Devido à sua baixa penetração somente é utilizada para a esterilização de superfícies e do ar. O
tempo de exposição necessário é da ordem de horas.
Radiação ionizante:
São as ra
elétrons de alta energia. Estas radiações podem produzir radicais químicos altamente reativos, como peróxidos e
radicais livres, os quais podem alterar grupos químicos e até quebrar fitas de DNA. Dentre estas a radiação
gama é a mais importante.
A radiação gama em geral é produzida por cobalto 60 ou césio 137, e possui um poder de penetração
extremamente alto. Os materiais expostos à radiação gama não guardam nenhum resquício radioativo, tornando
a irradiação um método seguro.
O bombardeio com radiação gama é realizados em câmaras especiais que uma vez postas em
operação, não é mais possível impedir a emissão de radiação, de forma que estas câmaras operam de forma
contínua. Materiais como vidrarias, metais, alimentos, sementes, solo, pós, embalagens podem ser submetidos à
este tipo de esterilização.

Plasma de peróxido de hidrogênio:


O plasma, considerado um quarto estado da matéria, é definido como uma nuvem de íons, elétrons e
partículas neutras, altamente reativas. A geração de um campo eletromagnético pela energia de radiofreqüência
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64
produz a formação do plasma. Os radicais livres gerados no plasma de peróxido de hidrogênio apresentam-se
com cargas negativas e positivas, que excitados tendem a se reorganizar, interagindo com moléculas essenciais
ao metabolismo e reprodução microbianos, ligando-se de maneira específica às enzimas, fosfolipídeos, DNA e
RNA. Essa reação química é extremamente rápida, viabilizando o processo de esterilização em curto espaço de
tempo.
É indicado para esterilização de artigos termossensíveis. O ciclo de esterilização ocorre em torno de
1 hora. É compatível com a maioria dos metais, plásticos, vidros, borrachas, acrílicos e incompatível com
celulose e ferro. O produto final é água e oxigênio, não oferecendo portanto toxicidade para os profissionais e
clientes.
Óxido de etileno (EtO):
É um éter cíclico que reage substituindo um átomo de H de grupos funcionais de proteínas, ácidos
nucléicos e outras moléculas (radicais carboxil, amino ou sulfidril) pela molécula de EtO aberta (CH2CH2O-).
Esta reação causa a inativação destas moléculas. O óxido de etileno é um gás inodoro, sem cor, inflamável e
explosivo. A adição de estabilizantes como dióxido de cloro ou clorofluorocarbonado reduz o risco de explosão
e de fogo. Vantagens: podem ser esterilizados materiais sem danificá-los. Desvantagens: alto custo, toxicidade,
e tempo longo do ciclo.
Glutaraldeído:
O glutaraldeído reage como os grupamentos amina livres da camada de peptidioglicano na superfície
das células, onde ocorrem reações glutaraldeído-proteínas, o que interfere no transporte de aminoácidos de
baixo peso molecular. Em alguns microrganismos ocorre a aglutinação celular, devido à formação de ligações
intercelulares. É indicado para desinfecção em alto nível em artigos termossensíveis com tempo de exposição de
30 minutos em solução a 2%. Também é indicado como esterilizante, com o tempo de exposição entre 8 e 10h.
O produto sofre alterações em temperaturas superiores a 25°C. É tóxico, não biodegradável, portanto deve ser
manipulado em local ventilado e com uso de EPI.
Formaldeído:
Formaldeído é um monoaldeído que existe como um gás solúvel em água. Embora tenha sido usado
durante muitos anos, seu uso foi reduzido com o aparecimento do glutaraldeído. Suas desvantagens principais
estavam relacionadas a menor rapidez de ação e carcinogenicidade. Embora tido como carcinogênico, isto foi
demonstrado a altas doses de exposição.
Ação: ativo apenas na presença de umidade para formação do grupo metanol. Interage com
proteínas, DNA e RNA. No entanto é difícil especificar precisamente seu modo de ação na inativação
bacteriana. Possui amplo espectro de ação, inclusive contra esporos.
Tem o mesmo mecanismo de ação semelhante ao do glutaraldeído. É pouco ativo a temperaturas
inferiores a 20°C, aumentando a atividade em temperaturas superiores a 40°C. Em processo de desinfecção ou
esterilização possui desvantagens, pois tem baixo poder de penetração, distribuição não uniforme e alta
toxicidade que restringem o seu uso. O tempo de exposição deve seguir orientações do fabricante: para
desinfecção utiliza-se solução 4% volume-volume (v/v) por trinta minutos. Para esterilização, tanto na solução
alcoólica a 8%, quanto para a solução aquosa a 10%, o tempo mínimo é de 18 horas.
Álcoois:
Agem por desnaturação das proteínas dos microrganismos e sua ação bactericida aumenta quando
hidratado. Possuem ação bactericida, fungicida e viruscida, porém não destroem esporos bacterianos.
Álcool isopropílico: tem ação seletiva para vírus, é mais tóxico e com menor poder germicida que o
álcool etílico.
Álcool etílico (70%): a concentração 77% (v/v) que corresponde a 70% em peso, tem baixa
toxicidade, é indicado para desinfecção de nível intermediário ou médio. Deve ser utilizado por fricção, em três
aplicações, com secagem espontânea e tempo total de exposição de 10 minutos.
Compostos liberadores de cloro ativo:
Hipoclorito de sódio/cálcio/lítio: Produto instável, termossensível, fotossensível e inativado
rapidamente em presença de matéria orgânica, o que diminui sua atividade rapidamente em recipientes claros ou
em altas temperaturas. Por ser corrosivo seu uso é contra-indicado em artigos metálicos.
Efeitos adversos: os compostos inorgânicos liberadores de cloro ativo são tóxicos, irritantes de pele,
mucosa e árvore respiratória.

Ácido Peracético:
É bactericida, fungicida, viruscida e esporicida. Promove a desnaturação de proteínas e alteração na
permeabilidade da parede celular. Possui como vantagens manter-se efetivo em presença de matéria orgânica e
não promover a formação de resíduos tóxicos. Como desvantagens: é corrosivo e instável após diluído. O ácido
peracético ou peroxiacético, em baixas concentrações (0,001% a 0,02%) apresenta rápida ação contra os
microorganismos, incluindo os esporos.
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65
12.2 Esterilização de equipamentos e meios de cultivo por calor úmido

12.2.1 Esterilização em batelada de meios de cultivo

O meio de cultivo é colocado dentro do biorreator e aquecido à seguir. Deste modo o meio de cultivo
e o biorreator são esterilizados simultaneamente.
Formas de aquecimento:
 - vapor passando por uma camisa ou serpentina de aquecimento
 - injeção direta de vapor
 - aquecimento elétrico do meio dentro do biorreator.

Perfil típico de temperatura (Figura 12.1):


 - aquecimento: duração de horas
 - manutenção da temperatura: duração de minutos
 - resfriamento: duração de horas

12.2.2 Cinética de morte celular

Sendo N o número de microrganismsos vivos existentes no meio após um tempo tde aquecimento do
sistema a uma dada temperatura constante. A constante k é a constante de destruição térmica do microrganismo.
Do ponto de vista cinético, a destruição de microrganismos se comporta como se fosse uma reação
de primeira ordem, isto é:
dN
  k d .N (12.1)
dt
Se kd é constante, pode-se integrar a equação (12.1), achando uma expressão para N em função do
tempo:
N  N 0 e  kd t
(12.2)
ln N  ln N 0  kd t
De acordo com a equação (12.2), se a cinética de primeira ordem para morte celular se aplica, a
plotagem de lnN X t dá uma reta com coeficiente angular igual a kd. Medidas experimentais tem confirmado a
relação da equação (12.2). Como exemplo, temos os dados de morte celular de E.coli a várias temperaturas,
como mostrado na figura 12.1.

Figura 12.1:Relação entre temperatura e taxa de morte celular de células vegetativas de Escherichia coli
(Fonte: Doran, 1997).

Se N0 e Nf são conhecidos, pode-se determinar o tempo necessário para reduzir o numero de células
de N1 a N2 considerando a cinética de morte celular. De acordo com a figura (12.2), o número de
microrganismos presentes no meio inicial, ou seja, antes da esterilização, é N0. Após um período de
aquecimento este é reduzido para N1, e no final do período de aquecimento é reduzido para N2, o número final,
após o resfriamento é Nf. Idealmente, Nf é zero, no final do ciclo de esterilização, porém isso pode ser
teroricamente difícil de obter. O cálculo de um processo de esterilização consiste em calcular o tempo de
manutenção necessário para atingir um determinado nível de destruição celular. Desta forma trabalha-se com
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66
probabilidade de contaminação. Por exemplo: Nf = 10-3 significa o risco de sobrevivência de 1 microrganismo
em cada 1000 bateladas esterilizadas.
A equação (12.1) se aplica a cada estágio do cico de esterilização: aquecimento, manutenção e
resfriamento. Entretanto, como kd é função da temperatura, a integração direta da equação (12.1) é valida
somente quando a temperatura é constante, isto é durante o período de esterilização:
N1
ln
N1 N2
ln  kd t hd ou thd  (12.3)
N2 kd
Onde thd é o tempo de esterilização, N1é o número de células viáveis no início da esterilização e N2
número de células viáveis no final da esterilização. Kd é analisado como uma função da temperatura pela
equação de Arrhenius:
Ed

kd  Ae RT
(12.4)
Onde A é a costante de Arrhenius, Ed é a energia de ativação para a destruição celular, R é a
constante ideal dos gases e T é a temperatura absoluta.
Para usar a equação (12.2) deve-se conhecer N1 e N2. Estes números são determinados considerando
a extensão de morte celular durante os períodos de aquecimento e resfriamento, quando a temperatura não é
constante. Combinando as equações (12.2) e (12.3), tem-se:
dN  Ed
  Ae RT N (12.5)
dt
Integrando a equação (12.5), tem-se para o período de aquecimento:
t
N 1  Ed
ln 0   Ae RT dt (12.6)
N1 0
E para o período de resfriamento:
tf
N  Ed
ln 2   Ae RT dt (12.7)
N f t2
Onde t1 é o tempo no final do aquecimento, t2é o tempo no final da esterilização e tf é o tempo no
final do resfriamento.

Figura 12.2:Perfil típico de temperatura do meio de cultivo e evolução da morte celular em uma esterilização
em batelada (Fonte: Doran, 1997).

Os perfis de temperatura de aquecimento e resfriamento podem ser determinados das propriedades


de transferência de calor do sistema. A forma geral destas equações é mostrada na figura 12.2 e nas equações a
seguir:
Curvas de aquecimento conforme o método de aquecimento:
a) injeção direta de vapor (curva hiperbólica, Figura 12.3):
 hM s t 
 M CT 
T  T0 1  m p 0  (12.8)
 Ms 
 1  t 
 M m 
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67

b) aquecimento elétrico (curva linear, Figura 12.3):


 Qt 
T  T0 1 
 M C T 
(12.9)
 m p 0 

c) trocador de calor com vapor isotérmico (curva exponencial, Figura 12.3):


 T  T MUAt 
T  Ts 1  0 s e m p 
C
(12.10)
 Ts 
 

Curva de resfriamento: com passagem de água não isotérmica (Figura 12.3):


 



 M wC pw   
 UA  

  
 M wC pwt 1e
  M mC p 
   


  
 

 

   
 T  T 
 

T  Tci 1  0 ci 
e (12.11)
 Tci 
 
 
 
 
Onde:
A= área de transferência de calor;
Cp=calor específico do meio de cultivo;
Cpw= calor específico da água;
h= diferença específica de entalpia entre vapor e o meio;
Mm= massa incial de meio de cultivo;
Ms= vazão mássica de vapor;
Mw= Vazão mássica de água;
Q= velocidade de transferência de calor;
T= temperatura;
T0=temperatura inicial do meio de cultivo;
Tci= temperatura inicial de água de resfriamento;
Ts= temperatura do vapor;
t= tempo;
U= coeficiente global de transferência de calor;

Figura 12.3: Curvas de aquecimento e resfriamento em uma esterilização em batelada.


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68

12.2.3 Esterilização contínua de meios de cultivo


Na esterilização contínua de meios de cultivo consegue-se trabalhar com processos de alta
temperatura e tempo de exposição curtos, o que reduz significativamente a destruição de componentes do meio
de cultivo, e levando a um alto grau de destruição de microrganismos. Entre as vantagens da esterilização
contínua em relação à esterilização em batelada estão:
 a economia de vapor (a esterilização contínua consome entre 20% e 25% do vapor
consumido pelo processo em batelada)
 o tempo reduzido de processo, pois o aquecimento e o resfriamento são quase instantâneos.

As Figuras 12.4 e 12.5 mostram configurações típicas de equipamentos de esterilização contínua e os


seus respectivos perfis de temperatura, e as Figuras 12.6 e 12.7 mostram trocadores de calor de placa e
tubulares, respectivamente, utilizados para o aquecimento e o resfriamento dos meios de cultivo nos processos
de esterilização contínua.

Figura 12.4: Equipamentos para esterilização contínua: (a) injeção direta de vapor com resfriamento
flash; (b) transferência de calor utilizando trocadores de calor.

Figura 12.5: Curvas de aquecimento, manutenção da temperatura e resfriamento durante uma


esterilização contínua: (a) injeção direta de vapor com resfriamento flash; (b) transferência de calor utilizando
trocadores de calor.
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69

Figura 12.6: Trocador de calor de placas (Fonte: Dairy Processing Handbook, 1995).

Figura 12.7: Trocador de calor tubular (Fonte: Dairy Processing Handbook, 1995).
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
70

13 Enzimologia

13.1- Introdução
Enzimas são catalisadores biológicos, formados por longas cadeias de moléculas pequenas,
chamadas de aminoácidos. São, portanto, um tipo de proteína com atividade catalítica, sendo encontradas
na natureza em todos os seres vivos. Sua função é viabilizar a atividade das células, quebrando moléculas
ou juntando-as para formar novos compostos. A singularidade desses compostos decorre do elevado grau
de especificidade ao substrato em condições moderadas, sob as quais atuam. Algumas enzimas são
específicas para determinado tipo de ligação química, como, por exemplo, a capacidade da -amilase de
romper unicamente as ligações -1,4 das moléculas de amido. Outras são específicas para um tipo
particular de isômero óptico, como, por exemplo, a oxidação da -D-glicose pela glicose oxidase.
“Toda enzima é uma PROTEÍNA, mas nem toda proteína é uma ENZIMA”.

13.1.1. Considerações iniciais: Proteínas


São as moléculas mais abundantes nas células, cerca de 30-70%. Contém resíduos de
aminoácidos unidos por ligações peptídicas.

Constituintes básicos:
Carbono 50%
Oxigênio 23%
Nitrogênio 16%
Hidrogênio 7%
Enxofre 3%
A classificação das proteínas dividem-se em duas classes principais: Proteínas fibrosas e proteínas
globulares. As estruturas das proteínas são descritas em níveis: primária, secundária, terciária e
quaternária. As enzimas pertencem a classe das proteínas globulares, tendo como estrutura a terciária.
As proteínas pertencem à classe dos peptídeos, pois são formadas por aminoácidos ligados entre si
por ligações peptídicas. Uma ligação peptídica é a união do grupo amino (-NH2 ) de um aminoácido com o
grupo carboxila (-COOH) de outro aminoácido, através da formação de uma amida. São os constituintes
básicos da vida: tanto que seu nome deriva da palavra grega "proteios", que significa "em primeiro lugar".
A importância das proteínas, entretanto, está relacionada com suas funções no organismo, e não com
sua quantidade. Todas as enzimas conhecidas, por exemplo, são proteínas; muitas vezes, as enzimas existem em
porções muito pequenas. Mesmo assim, estas substâncias catalisam todas as reações metabólicas e capacitam aos
organismos a construção de outras moléculas - proteínas, ácidos nucléicos, carboidratos e lipídios - que são
necessárias para a vida.

Figura 13.1: Ligação peptídica.

Todas as proteínas, independentemente de sua função ou espécie de origem, são construídas a partir
de um conjunto básico de vinte aminoácidos, arranjados em várias seqüências específicas. São as unidades
fundamentais das proteínas.
 Todas as proteínas são formadas a partir da ligação em seqüência de apenas 20 aminoácidos;
 Existem, além destes 20 aminoácidos principais, alguns aminoácidos especiais, que só aparecem em
alguns tipos de proteínas;
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71
 Os aminoácidos que intervêm na composição das proteínas (existem outros) são número de 20 e
obedecem à estrutura geral representada na figura abaixo:

Figura 13.2: Estrutura geral de um aminoácido.

Quimicamente, enzimas são proteínas com estrutura especial contendo um centro ativo
denominado apoenzima e, às vezes, um grupo prostético (cofator) que pode ser orgânico (coenzima) ou um
íon metálico ativo.
A habilidade com que a enzima se liga ao substrato se denomina “atividade biológica” e
depende:
a) estrutura da proteína;
b) número de cadeias peptídicas;
c) arranjo dessas cadeias na molécula;
d) natureza do substrato;
e) natureza do grupo prostético (se houver).
Cada organismo vivo produz uma grande variedade de enzimas, a maioria delas em pequenas
quantidades. Algumas são produzidas em grandes quantidades por certos microrganismos, que as
excretam para o meio externo. As enzimas extracelulares são capazes de digerir materiais nutritivos
insolúveis, como celulose, proteínas e amido.
Algumas destas enzimas são usadas em alimentos, bebidas, laticínios, nas industrias farmacêuticas,
têxtil e de detergentes. Sua utilização é feita em processos biotecnológicos industriais, ajudando a
reduzir a poluição, muitas vezes substituindo processos químicos nefastos ao meio ambiente.
São produzidas comercialmente em grande escala, por síntese microbiana, através de fungos
ou de bactérias. O processo de produção é normalmente anaeróbico e o meio de cultura similar aos usados
para a fermentação de síntese de antibióticos.
As enzimas são especialmente importantes porque agem em grupos funcionais específicos,
catalisando reações de forma estereoespecífica, formando somente um ou dois enantiômeros possíveis.
Algumas características importantes das enzimas podem ser citadas, tais como:

 São produtos naturais biológicos.


 Apresentam um alto grau de especificidade.
 Reações baratas e seguras.
 Possuem mecanismo de turnover, desempenhando a mesma função consecutivamente, sem
serem consumidas no processo.

 São altamente eficientes, acelerando a velocidade das reações catalisadas.


 São econômicas, reduzindo a energia de ativação necessária para a reação catalisada.
 São biodegradáveis, sendo o lodo residual reciclado como biofertilizante.
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72
 Não são tóxicas.

 Altamente eficientes: aumentando a velocidade de reação de 108 a 1011 vezes mais rápida.
 Condições brandas.

Tabela 13.1: Comparação das Enzimas com os Catalisadores Químicos

Característica Enzimas Catalisadores Químicos


Especificidade ao substrato alta baixa
Natureza da estrutura complexa simples
Sensibilidade à T e pH alta baixa
Condições de reação (T, P e pH) suaves drástica (geralmente)
Custo de obtenção (isolamento e purificação) alto moderado
Natureza do processo batelada contínuo
Consumo de energia baixo alto
Formação de subprodutos baixa alta
Separação do catalisador/ produtos difícil/cara simples
Atividade Catalítica (temperatura ambiente) alta baixa
Presença de cofatores sim não
Estabilidade do preparado baixa alta
Energia de Ativação baixa alta
Velocidade de reação alta baixa

13.2: Classificação e nomenclatura das enzimas

Estão disponíveis comercialmente mais de 300 enzimas, de acordo com a Comissão de


Enzimas (EC) da União Internacional de Bioquímica (IUB) responsável pela nomenclatura e
classificação
São divididas em seis classes: baseiam-se na reação que catalisam. O primeiro
número designa a qual das 6 classes a enzima pertence. O segundo número indica o tipo de
ligação que a enzima atua. O terceiro número é uma subclassificação do tipo de ligação e o quarto
número é apenas um número de série.

Tabela 13.2: Principais Classes de Enzimas

Primeiro EC Classe da enzima Tipo de reação catalisada


número
1. Oxirredutases Catalisam reações de oxirredução.
Transferência de H, O ou elétrons.
2. Transferases Catalisam transferências de grupos entre
moléculas
3. Hidrolases Catalisam reações de hidrólise
4. Liases Catalisam a adição de grupos a
ligações duplas e vice-versa
5. Isomerases Catalisam reações de isomerização
Catalisam a união de duas moléculas,
associadas à ruptura da ligação tirofosfato do
6. Ligases
ATP

13.3: Cinética enzimática

A Cinética de Reações Enzimáticas apresentam os seguintes objetivos:


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73
• Medir as velocidades das transformações que se processam;
• Estudar a influência de condições de trabalho (concentrações de reagentes e das
enzimas, temperatura, pH, concentrações de ativadores e de inibidores) naquelas
velocidades;
• Correlacionar (equações empíricas ou modelos matemáticos) as velocidades das
transformações com alguns dos fatores que as afetam;
• Colaborar na otimização do processo;
• Estabelecer critérios para o controle do processo;
• Projetar o reator mais adequado.

13.3.1: O sítio ático e energia de ativação


Termodinamicamente falando, as enzimas são catalisadores biológicos que abaixam
seletivamente a energia de ativação das reações químicas vitais. Energia de ativação, é a energia
mínima necessária para que uma molécula de reagente ou de substrato S alcance o estado de

transição SP e daí se tornar uma molécula de produto P.
A velocidade da reação S→P depende do número de moléculas de S que alcançam o estado
de transição por unidade de tempo. Na presença de uma enzima apropriada, a temperatura ambiente
fornece uma quantidade suficiente de moléculas reagentes com a necessária energia de ativação. Uma
º 8 11
reação catalisada por enzima pode processar a 25 C, 10 a 10 vezes mais rapidamente que a mesma
reação não catalisada. As enzimas não afetam o ɅG (energia livre de Gibbs) ou a Keq (constante de
equilíbrio) de uma reação. Elas simplesmente aceleram a velocidade com a qual a reação alcança o
equilíbrio. No equilíbrio, as reações em ambos os sentidos são iguais.

Figura 13.3: Ea de uma reação não enzimática e uma reação enzimática.

Embora a enzima participe da seqüência da reação, ela não sofre nenhuma transformação. Sendo
assim, apenas poucas moléculas de E são capazes de catalisar a conversão de milhares de moléculas de S a
P. A existência de um complexo enzima-substrato, ES, foi deduzida:

a) do alto grau de especificidade apresentado pelas enzimas;


b) da forma da curva de velocidade contra concentração de substrato;
c) do fato de que substratos freqüentemente protegem as enzimas de inativação.
O alto grau de especificidade das enzimas originou a hipótese do modelo “templete” ou da analogia
“chave-fechadura” (Emil Fischer,1894). Esse modelo considera que a enzima possui uma região chamada
sítio ativo, a qual é complementar em tamanho, forma e natureza química à molécula de substrato (figura
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74
13.4). A hipótese de Koshland, mais moderna, da “enzima flexível” ou do “encaixe induzido” considera que o
sítio ativo não precisa preexistir sob uma forma geométrica rígida, devendo contudo existir um arranjo
espacial preciso e específico dos grupamentos R (cadeia lateral) dos aminoácidos, arranjo esse que é induzido
pelo contato com o substrato. O sítio ativo de uma enzima ocupa apenas uma pequena parte da molécula
de enzima.

Figura 13.4: Modelo chave e fechadura e encaixe induzido.

13.3.2: Influência da concentração de substrato


Um dos fatores que afetam a velocidade de uma reação catalisada por uma enzima purificada é a
concentração do substrato presente [S]. O estudo dos efeitos da concentração de substrato é complicado pelo
fato de a [S] variar durante o curso de uma reação à medida que o substrato é convertido em produto. Uma
forma de simplificar este problema é medir a velocidade inicial da reação (V0). Em um experimento cinético a
[S] é sempre muito maior que a concentração da enzima [E], e se o tempo de reação é suficientemente curto, as
mudanças da [S] serão negligenciáveis, podendo ser considerada como uma constante. O efeito provocado em
V0 pela variação da [S], quando a concentração de enzima é mantida constante está mostrado na Figura 13.5.
Em concentrações pequenas do substrato, V0 aumenta quase linearmente com os aumentos de [S]. Em
concentrações maiores de substrato, V0 aumenta por incrementos menores em respostas aos aumentos da [S].
Finalmente, é alcançado um ponto acima do qual ocorrem apenas aumentos insignificantes em V 0, mesmo
diante de aumentos em [S], sendo este ponto chamado de velocidade máxima (Vmáx).

Figura 13.5: Efeito da concentração de substrato na velocidade inicial da reação.

13.3.3:Influência da Concentração de Enzima


Sob determinadas condições, a velocidade de transferência do substrato em produto é proporcional à
quantidade de enzima. Desvios da linearidade podem ocorrer devido a: presença de inibidores na própria
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75
solução de enzima; presença de substâncias tóxicas; presença de um ativador que dissocia a enzima; e
limitações impostas pelo método de análise. A fim de se evitar o efeito causado por estes fatores
recomenda-se utilizar nos ensaios cinéticos, sempre que possível: enzimas com alto grau de pureza;
substratos puros; e método de análise confiável.

13.3.4:Influência do pH
Geralmente as enzimas são ativas numa faixa restrita de pH e na maioria dos casos há um pH
ótimo definido. O efeito do pH sobre a afinidade pode ser eliminado utilizando-se altas concentrações de
substrato de modo a se saturar a enzima em todos os valores de pH; e o efeito do pH sobre a enzima deve-se
às variações no estado de ionização dos componentes do sistema à medida que o pH varia. Como as
enzimas são proteínas contém muitos grupos ionizáveis, elas existem em diferentes estados de ionização,
por isso, a atividade catalítica é restrita a uma pequena faixa de pH.

A atividade da enzima deve ser então medida no pH ótimo. A estabilidade de uma enzima ao pH
depende de muitos fatores como: temperatura, força iônica, natureza química do tampão, concentração de
vários preservativos (por exemplo, glicerol, compostos sulfídricos), concentração de íons metálicos
contaminantes, concentração de substratos ou cofatores da enzima e concentração da enzima.

13.3.5: Efeito da Temperatura


A atividade catalítica das enzimas é altamente dependente da temperatura, como no caso dos
catalisadores convencionais, porém, à medida que se eleva a temperatura dois efeitos ocorrem
simultaneamente: (a) a taxa de reação aumenta, como se observa na maioria das reações químicas; e (b)
a estabilidade da proteína decresce devido a desativação térmica.
A influência da temperatura sobre a atividade da enzima é geralmente, representada em termos de
atividade ou velocidade de reação em função da temperatura, ou seja, a maioria das reações químicas se
processa a uma velocidade maior à medida que a temperatura aumenta.
O efeito da temperatura de uma enzima depende de um número de fatores como o pH e a
força iônica do meio e a presença ou ausência de ligantes. Os substratos freqüentemente protegem a
enzima da desnaturação pelo calor. No processo de desnaturação térmica ocorre a perda da atividade
biológica da enzima.
Toda enzima tem uma temperatura ótima para que atinja sua atividade máxima, ou seja, é a
temperatura máxima na qual a enzima possui uma atividade constante por um período de tempo.

13.3.6: Sistema Unirreacional Simples – Tratamento Em Equilíbrio Rápido (Henri, Michaelis e Menten)
A Figura 13.6 mostra a relação entre [S] e V0 para uma reação enzimática. A curva que expressa esta
relação possui a mesma forma para a maioria das enzimas, sendo expressa pela Equação de Michaelis e Menten,
derivada por estes pesquisadores partindo de sua hipótese básica de que, nas reações enzimáticas, o passo
limitante da velocidade é a quebra do complexo ES para formar o produto e a enzima livre. A Equação de
Michaelis-Menten (Equação 13.1) é a equação da velocidade para uma reação catalisada enzimaticamente e com
um único substrato. É uma expressão da relação quantitativa entre a velocidade inicial V0, a velocidade inicial
máxima Vmáx, e a concentração inicial de substrato [S], todas relacionadas através da constante de Michaelis-
Menten, Km. A constante de Michaelis-Menten é uma constante dinâmica, ou de pseudoequilíbrio, que expressa
a relação entre as concentrações reais no estado estacionário ao invés de concentrações no equilíbrio.
Vmáx [ S ]
V0  (13.1)
kM  [ S ]
O perfil cinético apresentado na Figura 13.6 levou Victor Henri a propor, em 1903, que uma enzima
liga-se à molécula de seu substrato para formar o complexo ES, sendo este um passo obrigatório no processo
catalítico enzimático. Esta idéia foi expandida em uma teoria geral da ação das enzimas, especialmente por
Leonor Michaelis e Maud Menten, em 1913. Eles propuseram que a enzima primeiro combina-se
reversivelmente com o substrato, para formar o complexo enzima-substrato, em um passo reversível
relativamente rápido:

k1
E  S   ES
 (13.2)
k1
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76
A seguir, em um passo mais lento, o complexo ES se rompe com o reaparecimento da enzima livre e
a formação do produto da reação P:
ES 
k2
E  P (13.3)
A segunda reação (Equação 13.3) é mais lenta neste modelo e, portanto, limita a velocidade da
transformação global do reagente em produto. Disto resulta que a velocidade da reação enzimática deve ser
proporcional à concentração da substância reagente no segundo passo, ES. Em qualquer instante de uma reação,
a enzima existe em duas formas, a não ligada ao substrato, ou a forma livre E, e a forma ligada ES. Em
concentrações pequenas do substrato [S], a maior quantidade da enzima estará na forma livre E. Nestas
condições, a velocidade de reação será proporcional à [S], à medida que [S] aumentar, o equilíbrio será
deslocado na direção da formação de mais ES. A velocidade inicial máxima da reação (Vmáx) será atingida
quando praticamente todas as moléculas da enzima estiverem na forma do complexo ES, e a concentração da
enzima livre E é insignificante. Neste caso, diz-se que a enzima está “saturada” com o substrato e a velocidade
da reação não aumenta mais com os aumentos de [S]. Em solução contendo um excesso de substrato, haverá um
período cinético inicial chamado de estado pré-estacionário, ocorrendo o crescimento da concentração de ES. O
estado pré-estacionário é, usualmente, de duração muito curta. A reação atinge o estado estacionário muito
rapidamente e a concentração do complexo [ES] permanecerá praticamente constante durante o decorrer do
tempo.

Figura 13.6: Efeito da concentração de substrato na velocidade inicial de uma reação catalisada enzimaticamente.

Uma relação numérica importante emerge da Equação de Michaelis-Menten no caso especial quando
V0 é exatamente metade de Vmáx (Figura 13.6). Então:
1
kM  [ S ]  V0  Vmáx (13.4)
2
Km é equivalente à concentração de substrato na qual V0 é igual à metade de Vmáx, e indica a
“afinidade” de uma enzima pelo seu substrato. Quanto menor for o valor de Km, maior será a afinidade da
enzima pelo substrato.
Obs: Vmáx depende do k2, que é uma constante, e da concentração da enzima na experiência
realizada. Vmáx é proporcional à concentração da enzima (Figura 13.7).
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77

Figura 13.7: Gráfico de Vmáx variando de acordo com a [E].

Obs: Vmáx depende do k2, que é uma constante, e da concentração da enzima na experiência
realizada. Vmáx é proporcional à concentração da enzima (Figura 13.7).

k1
E  S   ES 

k2
E  P (13.5)
k1

Todas as enzimas que exibem uma dependência hiperbólica de V0 em relação a [S] são ditas seguir a
cinética de Michaelis-Menten. Entretanto, esta equação não depende do mecanismo de reação relativamente
simples de dois passos. Muitas enzimas possuem mecanismos de reação muito diferentes entre si; como enzimas
que catalisam reações com seis ou oito passos identificáveis, que exibem o mesmo comportamento cinético no
estado estacionário. Portanto, o significado real e a magnitude de Vmáx e Km podem variar de uma enzima para
outra.
O significado real de Km depende de aspectos específicos do mecanismo de reação, como o número
e as velocidades relativas dos passos individuais da reação. Considerando as reações de dois passos:
k2  k1
kM  (13.6)
k1
Para a reação de Michaelis-Menten, k2 é o limitante da velocidade; assim, quando k2 << k-1, Km se
k1
reduz ao valor . Onde esta condição prevalece o Km representa uma medida da afinidade da enzima pelo
k1
k2
substrato no complexo ES. Muitas vezes k2 >> k-1, e então km  . Em outros casos, k2 e k-1 são comparáveis e
k1
Km permanece com uma função mais complexa do relacionamento entre todas as três constantes de velocidade.
A Vmáx também varia muito de uma enzima para outra. Se uma enzima reage pelo mecanismo de
dois passos de Michaelis-Menten, a Vmáx é equivalente a k2[Et], onde k2 é o passo limitante da velocidade.
Entretanto, o número de passos da reação e a identidade do(s) passo(s) limitante(s) da velocidade podem variar
de enzima para enzima.

Exemplo: Liberação do produto EP 


 E  P é limitante da velocidade.

k1
E  S   ES 
 
k2
 EP 

k3
E  P (13.7)
k1 k2

V  k [E ]
Na saturação, a maior parte da enzima está na forma EP e máx 3 t . Portanto pode-se definir a constante
kcat para descrever a velocidade limitante de qualquer reação catalisada por uma enzima nas condições de
saturação. Cada enzima tem valores ótimos de kcat e Km que refletem o ambiente celular, a concentração do
substrato normalmente encontrado in vivo pela enzima e a química da reação que está sendo catalisada.
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78
13.3.7: Lineweaver-Burk
Uma transformação muito empregada é obtida de forma simples, invertendo-se os dois lados da
Equação de Michaelis-Menten:
1 kM 1 1
 .  (13.8)
V Vmáx [ S ] Vmáx
Gráfico de 1  1 :
V S
kM
A linha reta tem inclinação igual a , o intercepto no eixo 1 é igual a 1 e o intercepto no
Vmáx V Vmáx

eixo 1 é igual a  1 .
[S ] kM
Vantagem: permitir uma determinação acurada de Vmáx, o que pode ser feito apenas
aproximadamente em gráficos de V versus [S].

Figura 13.8: Gráfico duplo recíproco ou de Lineweaver-Burk.

13.4: Inibição da atividade enzimática


A catálise enzimática pode ser impedida por compostos, que, quando presentes no meio, ligam-se
diretamente à enzima, impedindo sua ação.

13.4.1:Inibidores reversíveis competitivos


Os inibidores competitivos são substâncias que têm forma estrutural suficientemente semelhante à do
substrato para poderem ligar-se ao sítio ativo da enzima (Figura 13.9). Faltam-lhe, entretanto, grupos químicos
que pudessem levar a reação a cabo; o resultado da sua presença no meio de reação é o estabelecimento de uma
competição entre as moléculas do inibidor competitivo e as do substrato pela ligação com o sítio ativo da
enzima. Naturalmente, o porcentual de inibição resultante dependerá de dois fatores: (1) as concentrações
relativas de substrato e inibidor competitivo; (2) da afinidade diferencial da enzima pelo substrato e pelo
inibidor. Por suas características, a inibição competitiva é bastante específica.
ENG – Bioengenharia para Engenharia Química Profa. Daniele M. Rossi
79

Figura 13.9: Inibidores competitivos.

Como o inibidor se liga reversivelmente à enzima a competição pode se tornar favorável ao substrato,
pela simples adição ao meio de reação de mais substrato, tornando mínima a probabilidade de uma molécula de
inibidor se ligar à enzima. A reação, neste caso, exibirá uma Vmáx normal. Entretanto, o valor de Km aumentará
na presença do inibidor. Este efeito no Km aparente e a ausência de um efeito em Vmáx são diagnósticos da
inibição competitiva e é facilmente revelado através de um gráfico duplo-recíproco. A Figura 13.10 mostra um
conjunto de gráficos duplo-recíproco obtidos na ausência do inibidor e em duas concentrações diferentes de um
inibidor competitivo. O aumento de [I] resulta na produção de uma família de linhas com intercepto comum no
eixo 1 , mas com inclinações diferentes. Devido ao intercepto no eixo 1 ser igual a 1 observa-se
V0 V0 Vmáx
que a velocidade máxima não muda quando a reação ocorre na presença de um inibidor competitivo, isto é, em
uma dada reação enzimática sempre haverá uma concentração tão alta de substrato que deslocará o inibidor
competitivo do sítio ativo da enzima, não importando quão alta seja a concentração do mesmo.

Figura 13.10: gráfico duplo recíproco da inibição competitiva.

1 Equação de Michaelis-Menten com a presença de um inibidor competitivo:


[S ]
V  Vmáx  (13.9)
kM 1  [ I ]   [ S ]
 kI 
Aplicando-se o método de Lineweaver-Burk na Equação 13.9 (Figura 13.8):
kM 1  [ I ] 
1

1
  kI  1
 (13.10)
V Vmáx Vmáx [S ]
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Determinação de KI:

Figura 13.11: Deteminação de KI.

13.4.2: Inibidores reversíveis não competitivos


Na inibição não competitiva, o inibidor não compete com o substrato pelo sítio ativo, mas vai ocupar
outro sítio da enzima (sítio regulativo ou de inibição), formando além de complexos ES e EI, um terceiro
complexo, enzima-inibidor-substrato (EIS) (Figura 13.12). A enzima é inativada quando o inibidor está ligado,
o substrato estando também presente ou não. Uma concentração infinitamente alta de substrato não consegue
levar toda enzima sob forma de ES, que é a forma produtiva. Para qualquer [I] uma parte da enzima
permanecerá sob a forma [EIS], onde se pode prever que Vmáx será menor que a Vmáx observada na ausência de
inibidor. Em geral, o efeito sobre Km é pequeno ou nenhum.

Figura 13.12: Inibição não competitiva.

A equação da velocidade é dada por:


[ s]
V  Vmáx (13.11)
km 1  [ I ]   [ S ] 1  [ I ] 
 kI   kI 

Aplicando o método de Lineweaver-Burk na Equação 13.11:


1 kM  [ I ]  1 1  [I ] 
 1  k   1  k  (13.12)
V Vmáx  I  [S ] Vmáx  I 

Na inibição não competitiva, gráficos construídos com os valores de velocidade obtidos


experimentalmente produzem a família de linhas mostrada na Figura 13.13, com intercepto comum no eixo
1 . Isto indica que Km para o substrato não é alterado por um inibidor não competitivo, mais Vmáx diminui.
[S ]
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Figura 13.13: Gráfico duplo recíproco da inibição não competitiva.

13.4.3: Inibidores reversíveis incompetitivos


Trata-se de uma inibição por bloqueio do complexo ES. Supõe-se que existam na enzima dois sítios
ativos: um reservado ao substrato e outro ao inibidor, mas este último só pode se fixar de modo reversível sobre
o complexo intermediário ES (Figura 13.14).

Figura 13.14: Inibição imcompetitiva.

A associação enzima-inibidor é não exclusiva. O inibidor não permite ao complexo ternário ESI
evoluir para elaborar o produto. Neste tipo de inibição, a velocidade máxima (Vmáx) e Km são menores que na
ausência de inibidor. A equação da velocidade é dada por:
Vmáx
[S ]
1  [I ]
kI
V (13.13)
kM
 [S ]
1  [I ]
kI

Aplicando o método de Lineweaver-Burk na Equação 13.13 (Figura 13.15):


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Figura 13.15: Gráfico duplo recíproco da inibição imccompetitiva.

13.4.4: Inibidores irreversíveis


Inibidores irreversíveis são aqueles que se combinam com um grupo funcional na molécula da
enzima e que é essencial para sua atividade, estes inibidores podem, também, promover a destruição de tal
grupo (Figura 13.16). É comum a formação de uma união covalente entre um inibidor irreversível e uma
enzima.

Figura 13.16: Equação química com a presença de um inibidor irreversível.

Um substrato que se combina irreversivelmente com uma enzima pode assemelhar-se a um inibidor
não competitivo porque Vmáx diminui, ao passo que Km permanece a mesma. A Vmáx diminui porque parte da
enzima é completamente removida do sistema.
Equação de Michaelis-Menten na presença de um inibidor irreversível (Figura 13.17):
[S ]
VI  (Vmáx  k3[ EI ]) (13.14)
kM  [ S ]
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Figura 13.17: Influência de [S] na velocidade de reação na presença de um inibidor irreversível.

Aplicando-se o método de Lineawer-Burk na Equação (13.14) (Figura 13.18):


1 1 kM 1
  . (13.15)
VI Vmáx  k3[ EI ] Vmáx  k3[ EI ] [ S ]

Figura 13.18: Método de Lineweaver-Burk na inibição irreversível.


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14 Referências Bibliográficas

14.1 Livros
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fermentativos e Enzimáticos. Editora Edgar Blücher Ltda, 2001.
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