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ENGENHARIA

BIOQUÍMICA
Processos
biotecnológicos
Elton Simomukay

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Definir processos biotecnológicos.


>> Reconhecer processamento e reatores utilizados em processos biotecno-
lógicos.
>> Exemplificar processos biotecnológicos, conceituando sua cinética, equi-
pamentos e operação.

Introdução
Desde os tempos mais remotos, a biotecnologia está presente contribuindo para a
evolução humana e o desenvolvimento da sociedade. Hoje em dia, a biotecnologia
articula-se com diversas áreas, mas a primeira impressão que ainda vem à mente
é a associação com a saúde e a biologia. De todo modo, o emprego de organismos
vivos na produção de bens é mais amplo do que se pode imaginar, abrangendo
ramos da engenharia, química, meio ambiente, etc.
Um processo biotecnológico não envolve somente a obtenção do produto
em si, mas também uma interligação de equipamentos, especialmente reatores
biológicos, matérias-primas e propriedades a serem adquiridas. É preciso, portanto,
estudar os mais diversos processos biotecnológicos, identificando oportunidades
de desenvolvimento dos métodos atuais e a pesquisa de novos produtos para
a criação de insumos que melhorem a qualidade de vida e o desenvolvimento
humano em todas as áreas.
2 Processos biotecnológicos

Neste capítulo, você estudará a importância da biotecnologia em diversas


áreas e sua enorme potencialidade de aplicações, e ainda conhecerá os principais
reatores usados em processos biotecnológicos.

Conceitos básicos
Fazendo uma rápida seleção de fatos marcantes na história da biotecnolo-
gia, chegamos incialmente à descoberta por civilizações antes de Cristo da
fermentação do trigo por fungos simples do tipo Saccharomyces cerevisiae
e da fermentação do leite por bactérias do tipo Lactobacillus. Avançando
no tempo, em 1855 uma bactéria conhecida como Escherichia coli (E. coli) foi
descoberta e tornou-se muito importante para a pesquisa biotecnológica.
No mesmo período, Louis Pasteur comprovou que as leveduras são organismos
vivos. Mais tarde, em 1928, Alexander Fleming desenvolveu a penicilina, um
importante antibiótico originado dos fungos Penicillum e Aspegillum.
Em 1944, seria comprovado por Oswald Avery, Colin MacLeod e Maclyn
McCarty que o DNA possui informações genéticas. Na década de 1970, a enzima
Hind III foi descoberta, tornando-se a primeira enzima de restrição capaz de
auxiliar no estudo do DNA. Em 1982, a insulina modificada por bactérias do
tipo E. coli foi o primeiro medicamento desse tipo aprovado por um órgão de
saúde, o FDA norte-americano. Em 1997, foi realizada a primeira clonagem,
celebrizando a ovelha Dolly, e em 2001 uma sequência do genoma humano
foi divulgada.
Com essa breve linha do tempo, podemos verificar a importância da bio-
tecnologia na área da saúde e da biologia. Com a expansão dos conhecimentos
nessa área, hoje em dia as pesquisas de aplicações de organismos vivos
envolvem o desenvolvimento de novos alimentos, lavouras agrícolas mais
resistentes, insumos químicos produzidos por enzimas e micro-organismos,
remediação de solos e águas contaminadas e inúmeras outras aplicações.
Consequentemente, a biotecnologia é fundamental para nossa evolução
e para a melhoria da nossa qualidade de vida, com a criação de produtos,
serviços e tecnologias que nos permitem aproveitar melhor o mundo ao
nosso redor.

Mas o que é biotecnologia?


Para responder essa pergunta, podemos verificar algumas das definições mais
conhecidas. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OECD, 2005), os processos biotecnológicos aplicam ciência e tec-
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nologia aos organismos vivos com a finalidade de produzir conhecimentos,


bens ou serviços. Já segundo Gusmão, Silva e Medeiros et al. (2017, p. 136),
com a realização da Convenção Sobre Diversidade Biológica, no ano de 1992, a
biotecnologia passou a ser definida como “[...] qualquer aplicação tecnológica
que usa sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para criar ou
modificar produtos e processos para usos específicos [...]”. Essa definição foi
aceita e adotada por 168 países e também aprovada pela Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação e a Organização Mundial de Saúde.
Desse modo, podemos concluir que a biotecnologia é uma área multidis-
ciplinar com aplicação da ciência em ramos como meio ambiente, genética,
alimentos, saúde, química, agricultura, entre outros.

Divisões da biotecnologia
Historicamente, a biotecnologia está presente desde os tempos remotos na
forma de processos fermentativos, até evoluir para a descoberta de vacinas
e culminar nos tempos atuais com a engenharia genética. Para dar conta de
organizar as diversas áreas de atuação da biotecnologia, foi proposta uma
classificação chamada de arco-íris da biotecnologia, desenvolvida por Kafarski
(2012), que é resumida a seguir.

Biotecnologia vermelha: dedicada à medicina e saúde humana. Como exem-


plos, temos pesquisas de vacinas, anticorpos, antibióticos, remédios e o uso
da engenharia genética no tratamento de doenças. Deniz, García-Vaquero
e Imamoglu (2017) relatam o uso de microalgas para o desenvolvimento de
medicamentos com propriedades antioxidante, anti-inflamatória, antitumoral,
anticâncer, antimicrobiana, antiviral e antialérgica. Já Elsayed, Kanwugu e
Ivantsova (2019) aponta tendências da biotecnologia vermelha em buscar
o tratamento de doenças como câncer, HIV, diabetes, doenças cardíacas e
doenças hereditárias em nível genético.

Biotecnologia branca: um dos ramos mais conhecidos e mais amplos, por estar
relacionado à atividade industrial e à aplicação de microrganismos na fabri-
cação de substâncias. Além dos processos fermentativos tradicionais, como
a produção de cerveja, vinho e vinagre, temos como destaque tecnológico,
segundo Gavrilescu (2011), o bioprocessamento de biomassa para produção
de produtos químicos industriais, a bioconversão de amido em açúcares
para a produção de bioetanol, biopolímeros com a função de espessantes,
agentes gelificantes e lubrificantes, biopolímeros biodegradáveis, processos
enzimáticos, etc.
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Biotecnologia verde: está ligada à agricultura e ao desenvolvimento de bio-


fertilizantes, biopesticidas e mudanças genéticas nas plantações. Segundo
Wenzel (2006), o melhoramento genético por meio de plantas transgênicas
para cultivo de soja, milho, algodão e colza proporciona uma tolerância maior
à aplicação dos herbicidas e ao ataque de insetos, com maior rendimento da
produção agrícola. Segundo Vargas et al. (2018), as técnicas biotecnológicas
mais empregadas na biotecnologia verde são a cultura de tecidos, a fixação
biológica de nitrogênio, o controle biológico de pragas e a modificação ge-
nética do DNA de plantas.

Biotecnologia azul: conforme Prabha et al. (2019), a biotecnologia azul inves-


tiga o ambiente marinho e seus recursos inexplorados, que podem fornecer
novos alimentos, produtos farmacêuticos e combustíveis. O autor usa o termo
biorrefinarias marinhas para descrever futuras instalações para a produção
desses novos produtos. Autores como De La Calle (2017) concordam com o
potencial do ambiente marinho, que apresenta diversas bactérias e outros
microrganismos ainda desconhecidos, que podem ter alto potencial de novos
desenvolvimentos, com destaque para o isolamento da trabectedina de
Ecteinascidia turbinata para a criação de um medicamento antitumoral para
tratamento de câncer de ovário, que já foi aprovado por órgãos de saúde.

Biotecnologia amarela: tem como objetivo a melhoria nutricional dos alimen-


tos, utilizando basicamente as mesmas técnicas da biotecnologia verde. Zhu
et al. (2018) citam o exemplo do desenvolvimento de um milho com alto teor
de carotenoides, substâncias antioxidantes que são muito importantes para
a saúde e nutrição humanas e também para os animais.

Biotecnologia cinza: aplica a biotecnologia para a biorremediação de ambien-


tes aquáticos e terrestres contaminados, bem como para proteger a flora e a
fauna dos efeitos da poluição. Aplicações mais tradicionais incluem o uso de
reatores aeróbicos e anaeróbicos no tratamento de efluentes industriais e
esgoto. Outros exemplos mais modernos incluem a pesquisa de Maestre, Solé
e Singh (2017) sobre a possibilidade de usar bactérias para restaurar terras
áridas degradadas e assim recuperar a fertilidade desses solos.

Biotecnologia dourada: está ligada, por exemplo, ao uso de ouro pela ciência
da computação para o sequenciamento de peptídeos. Outra aplicação dessa
biotecnologia está ligada à nanotecnologia. Barabadi (2017) cita o potencial
da biossíntese de nanopartículas usando biomoléculas naturais, bactérias,
leveduras, fungos, plantas, algas, organismos fotossintéticos e organismos
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marinhos para a fabricação de medicamentos e outros produtos químicos.


Cita também a possibilidade de catálise por enzimas no interior das células
ou na superfície celular usando nanopartículas.

Biotecnologia marrom: pesquisa formas de auxiliar o manejo de terras áridas


e desertos com a criação de sementes melhoradas geneticamente capazes de
fertilizar esse tipo de ambiente. As técnicas mais empregadas são cultura de
tecidos vegetais, engenharia genética e marcadores moleculares. Gairola et
al. (2018) cita que a biotecnologia marrom pode melhorar a eficiência agrícola,
o meio ambiente e a saúde em terras áridas desérticas.

Biotecnologia violeta: envolve a bioética e questões jurídicas relacionadas à


biotecnologia, como a proteção de patentes e invenções. Marcos e Gonçalves
(2018), por exemplo, mencionam a criação da Lei da Biodiversidade (Lei nº
13.123/2015) para combater a biopirataria e impedir que a fauna e a flora
nacionais sofram patenteamento de empresas e países estrangeiros. Além
disso, temos a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005), que regulamenta e
fiscaliza as pesquisas biotecnológicas e a utilização de organismos geneti-
camente modificados.

Biotecnologia negra: relaciona-se com o desenvolvimento de armas bioló-


gicas, por exemplo.

Reatores em processos biotecnológicos


Os biorreatores têm a função de realizar a operação unitária de conversão dos
reagentes em produtos, utilizando-se de organismos vivos como bactérias,
enzimas, vírus, leveduras e microalgas. Os biorreatores devem ser projetados
de tal forma que não interfiram nas reações biológicas e/ou bioquímicas, de
modo que as condições de temperatura, pH, oxigenação, mistura e concen-
tração sejam mantidas de acordo com os parâmetros estabelecidos.
De modo geral, podemos classificar os reatores biológicos de diversas
formas, seja quanto ao seu uso, meio ou aplicação. Inicialmente, vamos
classificá-los em dois grupos principais em fase aquosa. O grupo I relaciona-
-se aos sistemas em que os organismos biológicos estão em suspensão ou
livres, e incluem os biorreatores de tanque agitado (STR), de tanque agitado
contínuo (CSTR) air-lift, coluna de bolha e plug-flow (Figura 1). Um exemplo
bem conhecido de sistemas em suspensão são os reatores biológicos para
o tratamento de efluentes.
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STR CSTR Biorreator plug-flow

Figura 1. Reatores do grupo I.


Fonte: Adaptada de magnetix/Shutterstock.com.

Já no grupo II estão os biorreatores de membrana, de leito compactado


ou fixo e de leito fluidizado, que são usados, entre outros fins, para reações
catalisadas enzimáticas imobilizadas.

Reatores do grupo I

Biorreatores STR e CSRT


O funcionamento de reatores STR e CSRT é igual aos reatores químicos em
batelada STR, em que um impulsor localizado na parte interna do reator deve
proporcionar a agitação e a mistura adequadas dos componentes introdu-
zidos pela rotação do eixo que movimenta o impelidor. Em alguns modelos,
é possível instalar um aspersor de ar comprimido para oxigenar o meio, se
necessário.
Segundo Zhong (2011), esse tipo de reator apresenta como vantagens a
mistura adequada dos componentes, a boa transferência de oxigênio no meio
reacional, uma ampla gama de geometria dos impulsores, que pode seu usada
para as mais diversas aplicações, e a flexibilidade de escala, adequando-se
a pequenas ou grandes produções. As desvantagens principais citadas pelo
autor são o alto consumo de energia e o cisalhamento elevado provocado em
células animais e vegetais, o que exige ainda estudos para otimizar o processo
para resolver essas questões. Nesse sentido, os impulsores em forma de
âncora são preferidos em relação aos impulsores do tipo pá ou hélice, que
são mais agressivos. Um exemplo de produto biotecnológico fabricado nesse
tipo reator é a vacina contra a febre aftosa, entre outras.
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O reator CSRT difere do STR por trabalhar em regime contínuo. Uma


aplicação de bons resultados do reator CSRT foi executada por Han et al.
(2012), que com ele produziram biocombustíveis de etanol e hidrogênio pela
fermentação de melaço.

Biorreatores air-lift
Os biorreatores air-lift (Figura 2), como o próprio nome indica, utilizam injeção
de ar comprimido para provocar de forma pneumática a aeração necessária
para os microrganismos aeróbicos também promover agitação e mistura.
O reator possui um tubo interno pelo qual o ar comprimido, ao ser alimentado,
promove o surgimento de um fluxo ascendente de líquido com as partículas
suspensas que estavam dentro do tubo interno. O uso de ar comprimido diminui
o problema de cisalhamento causado por impulsores. Além disso, a presença
do fluxo ascendente promove uma boa transferência de calor e massa.

Figura 2. Reator air-lift.


Fonte: Adaptada de Tonso, Badino Junior e Schmidell (2017).

Uma derivação desse sistema é o air-lift em dois estágios, em que dois


reatores são colocados em série, com o primeiro em temperatura mais baixa
que o segundo. Esse sistema é necessário para aplicações que exigem uma
variação de estágios térmicos durante a reação.
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Biorreatores coluna de bolha


Em biorreatores coluna de bolha, como visto na Figura 3, o ar é injetado pela
parte inferior do reator e, em contato com uma mistura líquida ou sólido-
-líquida, ocorre o borbulhamento da mistura, proporcionando uma alta
transferência de massa e calor.

Figura 3. Reator coluna de bolha.


Fonte: Adaptada de Tonso, Badino Junior e Schmidell (2017).

Conforme Tonso, Badino Junior e Schmidell (2017), assim como os bior-


reatores air-lift, os biorreatores coluna de bolha podem ser empregados
em processos aeróbicos de fermentação, cultivo de colônias de bactérias,
fungos e leveduras, hidrólise enzimática, entre outras aplicações envolvendo
bioprocessos.
Kantarci, Borak e Ulgen (2005) citam algumas aplicações importantes que
foram obtidas nesse tipo de reator, especialmente em biocatálises, como a
obtenção de ácido acético Acetobacter aceti e o emprego da Saccharomyces
cerevisiae para produzir bioálcool a partir do extrato de beterraba.

Biorreatores plug-flow
Segundo Tonso, Badino Junior e Schmidell (2017), biorreatores plug-flow
consistem em um tubo no qual a reação ocorre em seu interior e o produto
final sai pela extremidade do tubo. Os mesmos autores indicam esse tipo de
reator para aplicação em tratamento de resíduos e efluentes, processo que não
exige produtos muito homogêneos, apenas a degradação da matéria orgânica.
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Reatores do grupo II

Biorreatores de leito fluidizado


Os biorreatores de leito fluidizado seguem basicamente o mesmo princípio do
biorreator de bolhas. São usados principalmente em sistemas com biocatálise,
em que os biocatalisadores adquirem o estado de fluidização e, em contato
com a alimentação dos reagentes, provocam a formação dos produtos que
são removidos do reator, conforme ilustrado na Figura 4.

Figura 4. Biorreatores de leito fluidizado.


Fonte: Adaptada de Tonso, Badino Junior e Schmidell (2017).

Biorreatores de leito compactado ou fixo


Consistem na formação de um leito fixo compactado de biocatalisadores
(Figura 5), pelo qual o material líquido irá fluir continuamente de forma as-
cendente ou descendente até a formação dos produtos que serão removidos
do reator.
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Figura 5. Biorreator de leito compactado ou fixo.


Fonte: Adaptada de Tonso, Badino Junior e Schmidell (2017).

Biorreatores de membrana
Segundo Yoon (2016), os biorreatores de membrana (MBRs) são formados por
um reator biológico com a presença de uma membrana de ultra e/ou micro-
filtração. Esse tipo de reator é muito pesquisado para uso em tratamento de
efluentes, mas existem diversos relatos de outras aplicações, como o uso de
reatores com biocatalisadores imobilizados, como enzimas, microrganismos
e células para produzir e separar produtos farmacêuticos.
Existem três sistemas principais para esse tipo de biorreator (YOON,
2016): biorreator de membrana imersa, em que a membrana de filtração está
dentro do biorreator; o biorreator de membrana de fluxo cruzado, em que
a membrana está separada do biorreator, realizando então uma operação
posterior; e o biorreator de membrana híbrida, que é igual ao sistema de
membrana imersa, mas com tubulações internas de direcionamento para a
membrana para evitar entupimentos.

Biorreatores em fase não aquosa


São utilizados para a fermentação em estado sólido, que, conforme Grajales
Agudelo (2014), ocorre sobre um meio sólido que serve como suporte ou fonte
de nutrientes para os microrganismos promoverem uma fermentação ou
reação. Os tipos mais comuns são os reatores com bandejas, tambor rotativo,
leito fixo e leito fluidizado gás–sólido.
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Os reatores de leito fixo e móvel seguem o mesmo princípio da fase aquosa,


com a diferença do uso de um gás inerte ou ar juntamente com o sólido,
proporcionando uma melhor circulação do gás e, consequentemente, um
aumento da transferência de calor. Já os biorreatores de bandejas e tambor
rotativo consistem no material sólido sofrendo a circulação de ar ou gás em
seu interior.
Conforme Bertucci-Neto et al. (2009), a fermentação sólida é antiga e
remonta à fermentação de arroz por Aspergillus oryzae para produzir koji
por sistema de bandejas. Atualmente, vem sendo muito estudada para a
fermentação de resíduos sólidos.

O processo biotecnológico da produção da penicilina envolve o uso


de biorreatores de agitação em fase aquosa, mas é possível recorrer
à fermentação em estado sólido também (Figura 6).

Figura 6. Biorreator para produção de penicilina.


Fonte: Cergios/Shutterstock.com.
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Cepas de Penicillium chrysogenum são adicionadas com os nutrientes con-


tendo carbono e nitrogênio e outros sais minerais, submetidos a constante
agitação e aeração com ar esterilizado para evitar contaminações. É necessário
controlar a temperatura e o pH, que deve ficar entre 6,4 e 6,8 para máxima
conversão. Com esse sistema, chega-se a 40–50 gramas de penicilina por litro
de cultura, com um rendimento de recuperação de 90%, isso graças ao desen-
volvimento biotecnológico das cepas dos fungos bem diferente de quando a
penicilina foi descoberta por Fleming, em que os rendimentos eram baixos. Após
alguns dias, ocorre a transformação na penicilina pelos fungos. Então o liquido
é filtrado, concentrado, precipitado e purificado para depois ser misturado
com veículos inertes e prensado na forma de comprimidos ou na forma liquida
e injetável (PEREIRA; OLIVEIRA, 2016).

Cinética das fermentações


Segundo Silva et al. (2016), os modelos cinéticos das fermentações servem
para prever e analisar o crescimento dos microrganismos, a quantidade dos
produtos e o consumo de substrato, devendo-se partir de um modelo mais
simples e então ajustá-lo de acordo com as características de cada processo.
A elaboração de um modelo cinético ajuda a controlar o processo e a garantir
a qualidade do produto final.

Tipos de modelos cinéticos para processos de


fermentação
Os modelos cinéticos, segundo Silva (2018), podem ser classificados como:

„„ não estruturados e não segregados — considerando os organismos


como solutos;
„„ estruturados e não segregados — organismos são considerados indi-
vidualmente e com composição homogênea em relação a um conjunto
de múltiplos componentes;
„„ não estruturados e segregados — organismos individuais distintos são
caracterizados por um único componente;
„„ estruturados e segregados — organismos distintos e caracterizados
por múltiplos componentes.

Os modelos cinéticos mais simples para estudar incialmente as fermenta-


ções em biorreatores são os chamados não estruturados, que consideram que
a população de microrganismos é homogênea tanto em termos metabólicos
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quanto estruturais. Conforme González-Figueredo, Flores-Estrella e Rojas-


-Rejón (2019), os modelos cinéticos não estruturados são fundamentados em
observações semiempíricas usadas para representar o crescimento celular.
O modelo de Monod é um dos mais utilizados nessa categoria, e descreve
a relação proporcional da taxa de crescimento específica e as baixas concen-
trações de substrato. A equação de Monod é mostrada a seguir:

µmax ∙ [ ]
µ=
Ks + [ ]

onde:

„„ μ é a taxa de crescimento específica;


„„ μmax é a taxa de crescimento específica máxima, em h–1;
„„ [S] é a concentração de substrato, em g/L;
„„ Ks é a constante de saturação, em g/L.

Nesse modelo, temos que o crescimento da biomassa será limitado pela


quantidade de nutriente presente, ou seja, à medida que forem são consumi-
dos, a taxa de crescimento específica tenderá a diminuir até zerar. A constante
ks do modelo equivale à concentração do nutriente limitante [S], em que a
taxa de crescimento será igual à metade da taxa de crescimento máxima μmax.
Segundo Bai, Anderson e Moo-Young (2008), a equação de Monod não
pode ser aplicada quando ocorre a presença de inibidores ou contaminantes
no meio reacional.

O modelo de Monod é o mais aplicado para a criação de outros


modelos que corrigem certos parâmetros que ocorrem durante as
reações. Para efeito da ação de inibição do substrato, o modelo de Andrews é
o mais conhecido. Já pela inibição do produto, temos o modelo de Aiba–Shoda–
Nagatani. Para a inibição celular, usa-se o modelo de Lee–Pollard–Coulman.
Existem casos de combinação de vários fatores, e para esses casos temos os
modelos de inibição mista: modelo de Andrews–Levenspiel, modelo de Levens-
piel–Lee–Pollard–Coulman, modelo de Andrews–Lee–Pollard–Coulman e modelo
de Andrews–Lee–Pollard–Coulman–Levenspiel.
Para cada aplicação, é preciso verificar como aplicar o melhor modelo para
obter os melhores resultados teóricos e experimentais.
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Modelos cinéticos para processos de enzimáticos


Muitos processos biotecnológicos em reatores envolvem a ação de enzimas.
O modelo cinético mais conhecido para processos enzimáticos é a equação de
Michaelis–Menten (LODEIRO, 2016). Nesse modelo, temos a seguinte equação:

max ∙ [ ]
=
Km + [ ]

Observe que essa equação se assemelha à equação de Monod, pois a


constante de Michaelis–Menten (Km) é igual concentração de substrato [S]
para a qual a velocidade da reação (v) é metade da velocidade máxima (vmax).
Conforme Lodeiro (2016), a ação enzimática também é afetada pela pre-
sença dos inibidores. A equação deduzida para essa situação é a chamada
equação cinética de Michaelis–Menten para inibidores competitivos:

max∙[ ]
=
Km ((1 + [ ])/Ki ) ∙ [ ]}

Observa que, com a inserção da concentração do inibidor [I], a velocidade


v será menor que a velocidade da reação não inibida. Essa equação é válida
para inibidores competitivos, ou seja, aquelas substâncias capazes de com-
petir pelos centros ativos das enzimas.
Para situações em que o inibidor não é competitivo, ou seja, não se liga
ao centro ativo da enzima, mas mesmo assim impede a formação do produto,
temos a chamada equação cinética de Michaelis–Menten para inibidores não
competitivos:

max
1 + [ ]/Ki /
=
Km + [ ]

Nesse caso, a velocidade também será menor que a velocidade de não


inibidores.
Processos biotecnológicos 15

Muitos desses modelos são importantes no projeto de biorreatores.


Como sugestão de consulta, destacamos as obras Fundamentos
do projeto do biorreator (MCDUFFIE, 2013) e Projeto de sistemas biorreato-
res (ASENJO, 1994).

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