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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Centro de Ciências Humanas e Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Arqueologia

1ª Avaliação

DISCIPLINA: Laboratório I (curadoria)

Profª. Doutora: Nanci Vieira

Pedro Daniel Ferreira Martins Mesquita


Nathan Torres Pereira Jardim
Guilherme Lacerda de Brito
Daniel Portocarrero da Silva
Daniel Alexi

Curadoria de Vidro

Rio de Janeiro
2023
. CARACTERÍSTICAS DO VIDRO

Em linhas gerais, o vidro é definido pela ASTM como “um material inorgânico
formado pelo processo de fusão, que foi resfriado a uma condição rígida, sem cristalizar”6 . O
vidro exige elementos vitrificantes, fundentes e estabilizantes. Atua como vitrificante a sílica,
introduzida na forma de areia; como fundente, a soda ou potássio, em forma de sulfato ou
carbonato e a cal, em forma de carbonato, é a responsável pela resistência maior aos ataques
de água, estando estes componentes básicos presentes na composição dos vidros desde a
Antiguidade.

Na atualidade, o vidro conhecido como loat glass, produzido em escala industrial, é


resultante da seguinte composição, das quais cem partes de mistura geram 83 partes de vidro e
dezessete partes de perda por volatilização, sendo 72% de sílica, 0,7% de alumina, 10,7% de
cal, 2,6% de magnésio, 13,5% de soda e 0,5% de anidrido sulfuroso.

O ser humano aprendeu a acrescentar a esta composição quantidades variáveis de


outros elementos que afetam sua cor inal, processo adotado com maior intensidade na
produção vidreira a partir do primeiro quartel do século XIX. A introdução de particulares
compostos metálicos, soltos ou dispersos na massa ainda no estado coloidal, permite ao vidro
uma capacidade de absorção seletiva da radiação luminosa, dando origem à cor. O óxido de
cobre gera o rosa-violeta; o óxido de cobalto, o azul intenso; o ouro coloidal produz variantes
de rosa a púrpura; o selênio e o cádmio matizes de vermelho a amarelo-alaranjado, e assim
por diante.

A fusão do vidro ocorre entre os 1400-1600°C aproximadamente (o maquinário


moderno opera em 1550°C). Após a fusão dos ingredientes, a massa é submetida ao
resfriamento e quando chega aos 900°C adquire uma condição maleável, permitindo sua
manipulação. A partir desse momento, artesãos munidos de seus instrumentos próprios
(ponteios, tesouras, grampos, garras e moldes) aliam sensibilidade e técnica, dando formas às
mais inusitadas peças e utensílios para o dia-a-dia há, pelo menos, 7 mil anos.

PREPARANDO A AMOSTRA
Cada fragmento representava um universo de técnicas, funções, usos e formas a ser
desvendado. Essa preocupação tecnológica e técnica sobre o artefato realmente é muitíssimo
importante, mas, com a prática, acabamos percebendo que essa é a segunda etapa laboratorial
do entendimento dos vidros. A primeira fase é, no entanto, tão importante quanto, mas muito
mais simples de ser executada por qualquer arqueólogo: a simples separação em 1) cores,
levando em conta também texturas e opacidade para estabelecer os grupos; dentro dos
conjuntos com a mesma cor separar por 2) partes dos recipientes – gargalos, bocas, bases,
ombros, alças, etc. – e, finalmente, dentro de cada subgrupo discriminar 3) fragmentos com
marcas de produção ou marcas de fabricante/ do produto, notadamente as ‘linhas’.

Nunca é demais ressaltar que a estratificação do sítio, quando existente, continua


sendo a primeira das observações necessárias, tendo-se em vista que, muitas vezes, teremos
pistas cronológicas dos fragmentos e objetos inteiros mais a partir de sua deposição e
comparação com outros artefatos do que pelos seus atributos técnicos.

TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO

Passemos agora à descrição de alguns processos e técnicas de fabricação de artefatos


de vidro – sobretudo aqueles adotados para a produção de garrafas e frascos, os utensílios
mais recorrentes nos sítios histórico-arqueológicos – bem como os respectivos traços de
manufatura neles deixados.

Após a separação básica por cores, partes dos objetos e marcas de moldes poderemos
analisar a amostra de forma a determinar qual a tecnologia que predominava na coleção em
foco. Embora a discussão sobre tecnologia e técnica enverede por diversos caminhos há
séculos, adotamos aqui definições bem simples que se remetem essencialmente à divisão do
trabalho e consequente mecanização da produção. Como tecnologia entendemos o conjunto
de processos especiais relativos a uma determinada arte ou indústria. E como técnica o
conjunto de métodos e pormenores práticos essenciais à execução perfeita de uma arte ou
proissão7 .

Há, portanto, duas divisões básicas: a tecnologia manual, na qual existem ferramentas,
algumas até compostas, mas que, em seu manuseio ainda dependem de grande interferência
humana na produção. Na segunda, a tecnologia mecânica, predominam as máquinas
semiautomáticas e automáticas, as quais possuem o mesmo processo de produção e deixam as
mesmas marcas nos recipientes, variando apenas o grau de interferência humana na produção,
o que não necessariamente interfere no registro arqueológico.

. Tecnologia Manual - Artefatos produzidos a partir de sopro humano sem o auxílio de


moldes

Raros e bastante fragmentados nos sítios histórico-arqueológicos dos primeiros


séculos da Conquista/ colonização, os restos vítreos nos fornecem escassas informações,
codificadas em diminutos cacos de coloração verde oliva, opacos e pouco translúcidos.

Os artefatos desse período eram confeccionados a partir do sopro humano, sem o


auxílio de moldes, mas não raro com o uso de ferramentas que ‘torneavam’ ou esculpiam o
vidro, caso das pinças que finalizavam os gargalos ou das tábuas de abrir que, guiando o giro
do parison (a massa de vidro depois de ser colhido do cadinho e tendo sido elaborada a sua
primeira modelagem), davam forma cilíndrica ao recipiente. De qualquer maneira, nenhuma
dessas etapas de fabricação deixava quaisquer marcas nos vasilhames. Na produção de vidros
manuais, as únicas marcas características são aquelas deixadas pelos reforços nos gargalos –
tiras enroladas em torno da boca para permitir a colocação da tampa (Fig. 1) – e pelo do
pontel (haste fixada no fundo da garrafa para auxiliar a finalização do gargalo), que será
apresentado adiante.

Uma característica geral da produção manual sem moldes é que, pelo menos até a
segunda metade do século XVIII não eram tão comuns as garrafas com formas cilíndricas,
predominando recipientes com formas redondas, tais como bulbos.

Em linhas gerais, garrafas elaboradas com sopro humano apresentam bases contendo
grandes quantidades de vidro (pesadas, se comparadas aos produtos mais recentes); formatos
irregulares e assimétricos em relação ao seu eixo longitudinal. As raras garrafas inteiras
encontradas, quando postas em pé, deixam evidentes os efeitos da interferência humana direta
na sua elaboração.

Outro traço característico observável em garrafas produzidas e utilizadas no decorrer


dos primeiros séculos de nossa colonização é a “coloração” natural que exibem,
predominando recipientes em tons e matizes diversos de verde ou âmbar, mais ou menos
translúcidos, decorrentes de impurezas presentes na composição das areias empregadas.
. Tecnologia Mecânica - Aspectos da produção semiautomática e automática

É no decorrer do século XIX que observamos a consolidação do modo de produção


capitalista contemporâneo. A partir daí, mas, principalmente, nas primeiras décadas do século
XX, que se impõem as produções semiautomáticas e automáticas, começando por EUA e
Inglaterra, depois se espalhando pelo mundo afora.

Tanto a produção semiautomática quanto a automática se baseiam no mesmo


pressuposto: ao contrário da produção manual, a parte elaborada no final do processo, o
gargalo, passa a ser feita em primeiro lugar. Assim, a produção altamente mecanizada segue
três passos

A grande diferença das máquinas semiautomáticas para as automáticas é que as


primeiras necessitavam que trabalhadores semiespecializados as alimentassem com a massa
derretida de vidro e as colocassem em movimento. As automáticas Owens, por exemplo, se
acoplavam à saída dos fornos ou eram colocadas sobre os tanques de derretimento da massa e
possuíam mecanismos que dispensavam a alimentação manual, necessitando de pouco pessoal
para seu manuseio e manutenção. Cada máquina semiautomática precisava de uma equipe de
três operários.

As primeiras máquinas semiautomáticas apareceram na década de 80 do século XIX.


Esse processo se iniciou com a patente da máquina semiautomática do norte-americano Philip
Arbogast, em 1882, mas que só começou a ter participação significativa na elaboração de
potes a partir de 1893. Quase na mesma época (1886), no Reino Unido, Howard Ashley
também desenvolvia uma máquina semiautomática para produzir garrafas que, no entanto, só
passou a ter expressiva parcela da produção a partir de 1899 (Miller et al., 1984, p. 85).

DATAÇÃO DE RECIPIENTES E DETERMINAÇÃO DE SUAS


ORIGENS
Apesar do conjunto de marcas derivadas de confecção ser eficiente para a datação
relativa de artefatos vítreos, sobretudo se os mesmos tiverem sido fabricados pela indústria
norte-americana, rica de documentação dos processos e evoluções técnicas, trilhamos um
outro caminho – absoluto – rumo à identificação e datação dos vidros.

Análise química

Os vidros guardam em suas composições características químicas derivadas das


matérias-primas encontradas na região de fabrico: orgânicas, determinadas pelas madeiras e
gramíneas utilizadas na Antiguidade, por exemplo; e minerais, determinadas pelas fontes de
sílica europeias, por exemplo. Até mesmo na produção industrializada, que emprega produtos
químicos para a composição e correção da massa, pode-se encontrar particularidades
referentes ao local de fabrico: o vidro produzido na Costa Leste norte-americana difere
quimicamente de seu concorrente, produzido na costa oposta, por exemplo.

Conforme Bezborodov, importante estudioso russo, o vidro “assemelha-se às


condições da província bioquímica (solo, vegetação, cinzas, etc.), diferenciando-se
regionalmente” (Frisch, 1999). Ainda segundo esse autor, as análises químicas não devem se
limitar somente aos componentes principais, incluindo-se também microelementos. Foram
eles que permitiram a Bezborodov estabelecer 762 fórmulas de vidros para a Antiguidade,
classificando-as nos seus grupos principais e regiões.

Método prático para análise em laboratório

Tendo em vista que a análise química de um artefato implica necessariamente em sua


destruição, Pierre Frisch desenvolveu o seguinte método para a classificação de artefatos
obtidos em pesquisas arqueológicas, passível de ser desenvolvido em qualquer laboratório,
envolvendo simplesmente a coordenação de reações químicas.

O método, segundo Frisch, determina de maneira simples a que grupo de vidro


pertence a amostra a ser analisada, sem destruição da mesma
O método não tem fins de análise qualitativa ou quantitativa. No caso de análise mais
detalhada dever-se-á recorrer aos métodos de análise química divulgado pelas associações
tecnológicas de vidro

Os grupos mais comuns são:

- Vidros sodocalcicos, hoje os mais frequentes;

- Vidros calcio potássicos;

- Vidros plumbeos;

- Vidros borosilicatos; e

- Vidros de quartzo.

PROCEDIMENTOS

1 – Uma pequena área da superfície do vidro (alguns milímetros quadrados são suficientes)
deve ser raspada com uma lima (de preferência diamantada).

Na área raspada pinga-se uma gota de uma solução de éter de iodo; para lavar a
substância anteriormente aplicada, pinga-se uma gota de Éter.

Caso a reação produza uma coloração avermelhada, ela nos indica um vidro de
conteúdo básico; caso a reação não produza qualquer coloração, a amostra pertence ao grupo
dos vidros de quartzo.

2 – Coloca-se uma gota de solução de 10% de ácido luorídrico. Uma turvação imediata indica
a presença de um vidro rico em óxidos pesados ou terrestres (Potássio, Bário, Chumbo,
Estanho, etc.), em oposição a vidros carentes de óxidos metálicos, quando a solução não
apresenta nenhuma turvação.

3 – Molha-se um io de platina com a solução obtida pela reação do item 2, levando-o com
cuidado a uma chama (bico de Bunsen). Se ocorrer uma luminosidade curta, de cor verde,
temos a indicação da presença de ácido bórico. Reconhece-se a soda pela luminosidade de cor
amarela. Quantidades maiores de Potássio são reconhecidas, usando-se o mesmo processo,
olhando-se através de um vidro de cobalto, que irá nos fornecer uma luz de cor violeta.
4 – Junta-se ao produto da reação do item 2, uma gota de ácido sulfídrico*. Uma coloração
preta indicará Chumbo (Vidro de óxido de Chumbo). Vidros sem Chumbo não apresentam
coloração, mas vidros afinados com Antimônio apresentam coloração amarelo avermelhada.

Caso se queira proceder ao exame, deve-se usar partes da amostra, colocando-a em


recipientes pequenos e apropriados. Repetir os procedimentos do item 2, só que desta vez, a
reação deve ocupar um tempo mínimo de 5 minutos.

O produto obtido é lavado com 3 cm3 de H2O para dentro de um cadinho de Telon ou
de platina. Nessa solução adicionamos bicarbonato de sódio, deixando um pequeno excesso
após uma reação espumante. Agora cozinhamos o conteúdo (± 2 minutos) até obter uma
coagulação. Podemos confirmar a reação completa com uma solução de azul-de-metileno. Se,
ao pingar uma gota dessa solução no conteúdo, o azul-de-metileno não se precipitar, teremos
a certeza de que a reação está completa. Caso contrário, devemos prosseguir com o
aquecimento.

Deixamos então decantar a solução e lavamos o resíduo por três vezes com 3 a 5 cm3
de H2O, recolhendo o produto num cadinho. Secamos o produto, evaporando-o a 100°C com
o acréscimo de 10 gotas de ácido clorídrico. O resíduo obtido se trata com 3cm3 de H2O,
adicionando duas gotas de ácido clorídrico diluído. O resto não solúvel é ácido silícico.
Devemos filtrar então a solução para prosseguir as determinações.

No caso da presença de Antimônio ou Chumbo devemos eliminar esses metais da


solução clorídrica com ácido sulfídrico e somente a partir de então a solução pode ser usada
para os próximos passos**.

5 – Colocamos a solução em um tubo de ensaio adicionando uma gota de ácido clorídrico,


aquecendo a mesma até o ponto de ebulição. Obtendo uma precipitação forte de cor branca,
temos a presença de óxido de Bário.

6 – Com a solução do item 5 filtrada (somente no caso da precipitação), misturamos agora


uma gota de solução de ferricianeto de potássio. Um muco branco indica Óxido de Zinco; se
temos uma leve tendência para o azul, temos a presença de ferro.

7 – A eventual filtragem da solução do item 6*** é levada à ebulição com o acréscimo de três
gotas de uma solução amoniacal. A precipitação de locos brancos indica Óxido de Alumínio.
8 – A eventual filtragem da solução do Item 7 é aquecida lentamente com uma gota de uma
solução de ácido oxálico. Se tivermos, após 2 minutos, turvação branca, podemos reconhecer
a presença de Óxido de Cálcio.

9 – Em uma eventual filtragem da solução do Item 8 teremos, após a adição de duas gotas de
uma solução de fosfato sódico, uma precipitação granular, a indicação da presença da Óxido
de Magnésio.

Observações:

* O ácido sulfídrico pode ser também substituído por uma solução de 0,1g de sulito de sódio
branco, diluído em 10cm3 de H2O destilada e neutralizada com uma a três gotas de ácido
clorídrico.

** No caso da ausência de Chumbo ou Bário podemos usar a solução 2 eliminando o ácido


silícico, colocando-a em um cadinho de platina e a secando com o acréscimo de duas gotas de
ácido clorídrico com uma posterior calcinação. Obtemos assim, um resíduo solúvel em uma
solução de ácido clorídrico servindo, também, para as reações dos Itens 5 a 9.

*** A purificação da solução com a presença de Óxido de Zinco pode ser facilitada com
algumas gotas de uma solução fraca de Nitrato de Prata, provocando uma precipitação em
forma de locos, permitindo uma filtragem posterior.

Esse método desenvolvido especialmente para a utilização em campo/laboratório,


produzirá importantes resultados se for adotado pelos arqueólogos históricos de forma
sistemática. Assim será possível construir categorias referenciais capazes de enquadrar os
restos vítreos resgatados em sítios de diferentes períodos e o estabelecimento de padrões para
os mesmos. A sua adoção permitirá, em última instância, a constituição de um quadro mais
claro com relação à origem, distribuição e consumo de vidros estrangeiros ao longo de nossa
história.
Bibliografia
 ZANETTINI, Paulo Eduardo; CAMARGO, Paulo Fernando Bava. Cacos
e mais cacos de Vidro: o que fazer com eles – guia antropológico de
classificação e análise. [S. l.]: UFS, 2017. 121 p. ISBN 978-85-7822-586-
5.

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