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Riscos ocupacionais do enfermeiro na ESF Artigo de Revisão

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RISCOS OCUPACIONAIS DO ENFERMEIRO ATUANTE NA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
OCCUPATIONAL RISKS OF NURSES WORKING IN THE FAMILY HEALTH
STRATEGY
RIESGOS LABORALES DEL ENFERMERO ACTUANTE EN LA ESTRATEGIA
SALUD DE LA FAMÍLIA

Maria Eliana Peixoto BessaI


Maria Irismar de AlmeidaII
Maria Fátima Maciel AraújoIII
Maria Josefina da SilvaIV

RESUMO: O enfermeiro, em sua atividade laboral, está sujeito a riscos ocupacionais. Este estudo objetivou discutir os riscos
a que os enfermeiros da Estratégia Saúde da Família estão expostos, segundo a literatura. Pesquisa bibliográfica realizada na
base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde sobre a temática. Foram identificados e
analisados 29 artigos publicados de 1998 a 2008. Os enfermeiros estão expostos a riscos físicos (temperatura elevada e
ambiente pouco iluminado); químicos, biológicos (secreções oral, vaginal e de feridas), ergonômicos (mobiliário inadequado
para a realização das atividades) e acidentes. Percebe-se que os riscos químicos, biológicos e os acidentes típicos são os temas
mais evidenciados na literatura, entretanto, os riscos ergonômicos e os físicos são pouco explorados. Urge, portanto, a
realização de estudos mais aprofundados sobre essa temática, a fim de que este profissional possa utilizar de maneira mais
adequada as medidas de biossegurança e promover o autocuidado.
Palavras-Chave: Enfermagem; risco ocupacional; saúde do trabalhador; programa saúde da família. 

ABSTRACT: Nurses are exposed to a variety of occupational risks at work. This study discusses the occupational hazards facing
nurses who work in Brazil’s Family Health Strategy (Estrategia de Saúde da Família, ESF) as reported in the literature. A search
on occupational hazards in nursing in the Caribbean and Latin-American Literature in Health Science (LILACS) database
returned 29 articles published between 1998 and 2008. The risks facing such nurses are physical (high temperatures and poor
lighting); chemical; biological (oral, vaginal and wound secretions); ergonomic (furniture unsuited to their work), and to accidents.
It was observed that, while chemical and biological risks and typical accidents are the topics most highlighted in the literature,
physical and ergonomic risks are less explored. Further studies on this issue are thus urgently needed so that nurses can use bio-
safety measures more properly and promote their self-care.
Keywords : Nursing; occupational risks; occupational health; family health program.

RESUMEN: El enfermero, en sus actividades de trabajo, se queda sujeto a riesgos laborales. Este estudio objetivó discutir los
riesgos a que los enfermeros que trabajan en la Estrategia Salud de la Familia están expuestos. Estudio de la literatura realizado
en la base de datos de América Latina y de Caribe en Ciencias de la Salud acerca de la temática. Fueron identificados y
analizados 29 artículosA publicados de 1998 a 2008. Los enfermeros están sujetos a riesgos físicos (temperatura alta y
ambiente con poca luz), químicos, biológicos (secreciones orales, vaginales y de heridas), ergonómicos (mobiliario inadecuado
para llevar a cabo las actividades) y accidentes. Se observa que los riesgos químicos, biológicos y los accidentes típicos son
los temas más evidentes en la literatura, pero los riesgos ergonómicos y físicos son poco explotados. Por lo tanto, es necesario
llevar a cabo más estudios sobre este tema, de manera que este profesional pueda utilizar una serie de medidas de bioseguridad
más adecuadas y promover el autocuidado.
Palabras Clave: Enfermería; riesgo laboral;  salud del trabajador; programa salud de la familia. 

I
Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Professora Substituta do Departamento de Enfermagem da Universidade
Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil E-mail: elianabessa@hotmail.com.
II
Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará. Coordenadora do Curso de Especialização em Enfermagem do Trabalho.
Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: irismaruece@gmail.com.
III
Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail:
fátima.maciel@ig.com.br.
IV
Doutora em Enfermagem. Professora Associada da Universidade Federal do Ceará do Departamento de Enfermagem. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail:
mjosefina@terra.com.br.

p.644 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):644-9. Recebido em: 24/06/09 – Aprovado em: 21/09/10
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INTRODUÇÃO teção individual e coletiva, condições e local de


estocagem e procedimentos de emergência3.
As doenças profissionais constituem um grave Já o grupo 3 está representado pela cor marrom,
problema de saúde pública. Historicamente, porém, os correspondendo aos riscos biológicos, isto é, à probabi-
profissionais de saúde só foram considerados uma cate- lidade da exposição ocupacional a agentes biológicos3,4.
goria de alto risco para acidentes de trabalho a partir do
Agentes biológicos correspondem aos microor-
século XX, quando então a ocorrência dos riscos bioló-
ganismos, geneticamente modificados ou não; às cultu-
gicos foi relacionada com as doenças que atingiam espe-
ras de células, aos parasitas, às toxinas e aos príons3.
cificamente os trabalhadores da área da saúde1.
Os riscos ergonômicos estão representados pela
Riscos ocupacionais são todas as situações de tra-
cor amarela e estão englobados no grupo 4, sendo
balho que podem romper o equilíbrio físico, mental e
caracterizados pelo levantamento e transporte ma-
social dos trabalhadores e não somente as situações nual de cargas e peso, repetitividade, ritmo excessivo
que originem acidentes e doenças2. Dessa forma, en- de trabalho, posturas inadequadas de trabalho e tra-
tende-se por condições de risco as que, devidas à natu- balho em turnos3,4.
reza das próprias funções e em resultado de ações ou
fatores externos, aumentem a probabilidade de ocor- E por fim, o grupo 5, que são os riscos de aciden-
rência de lesão física, psíquica ou patrimonial3, sendo tes, representados pela cor azul, e que correspondem
necessário que o enfermeiro conheça o processo de ao arranjo físico inadequado, quedas, equipamentos
trabalho e os riscos potenciais a que está exposto. sem proteção e acidentes perfurocortantes3,4.
O exercício profissional da enfermagem na aten- Assim, como em qualquer outra profissão, os
ção básica, mais especificamente na Estratégia Saúde trabalhadores de enfermagem também estão subme-
da Família (ESF), muitas vezes ocorre em cidades tidos a esses riscos. No entanto, o que se percebe é
interioranas, necessitando, portanto, de deslocamen- uma negligência tanto por parte dos trabalhadores
tos diários para atendimento em distritos, com risco quanto por parte do empregador, no que diz respeito
de vida para cada um dos que estão nesse mister. Mui- à saúde ocupacional dos enfermeiros.
tos profissionais da saúde trabalham sem vínculo de Nesse contexto, é necessário que o enfermeiro
trabalho com base na Consolidação das Leis Traba- conheça o processo de trabalho e os riscos potenciais
lhistas (CLT), não podendo usufruir dos direitos pro- a que está sujeito, para, assim, garantir a sua seguran-
fissionais. Além disso, estão sujeitos a pressões psico- ça e a da equipe, durante o atendimento5.
lógicas decorrentes das inúmeras atribuições da ESF.
Sabemos que a enfermagem é a profissão do cui- METODOLOGIA
dar, mas quem cuida desses profissionais que muitas
vezes negligenciam o seu próprio autocuidado? Desse O presente estudo é uma pesquisa bibliográfi-
modo, este artigo teve como objetivo discutir os ris- co-documental que traz à luz da literatura conheci-
cos ocupacionais a que os enfermeiros atuantes na mentos acerca da problemática de riscos ocupacionais
ESF estão expostos, segundo a literatura. dos profissionais da enfermagem.
A busca bibliográfica, realizada no mês de ja-
REFERENCIAL TEÓRICO neiro de 2009, compreendeu as bases de dados
LILACS, inclusas na Biblioteca Virtual de Saúde
A Norma Regulamentadora no 5 (NR5) do Mi- (BVS), utilizando os descritores: riscos ocupacionais
nistério do Trabalho e Emprego (MTE) classifica os e enfermagem. Considerou-se essa base de dados, pois
riscos ambientais em cinco grupos: físicos, químicos, o Scientific Eletronic Library on Line (SCIELO) e Base
biológicos, ergonômicos e de acidentes2;3. de dados de Enfermagem (BDENF) já estão incluídos
O grupo 1 engloba os riscos físicos que estão na mesma.
representados pela cor verde e que correspondem ao O estudo abrangeu os últimos 11 anos (1998 a
ruído, calor, frio, radiações ionizantes e não 2008). Foram encontradas inicialmente 163 referên-
ionizantes, vibrações, umidade, pressões ambientais3;4. cias bibliográficas. Considerou-se como critério de
O grupo 2 são os riscos químicos, representa- inclusão artigos na integra disponível na base de da-
dos pela cor vermelha, constituídos pelas poeiras, dos pesquisada com um total de 29 artigos2,4-31.
gases e vapores3,4. No período da pesquisa, não foram encontrados
A Norma Regulamentadora no 32/MTE (NR32) artigos sobre riscos ocupacionais na enfermagem atu-
recomenda uma ficha descritiva que contenha, no ante na atenção básica. Após a análise dos artigos
mínimo, as informações sobre as características e a encontrados, foi localizado um artigo32 sobre atenção
forma de utilização do produto, os riscos à segurança básica, produzido no Rio de Janeiro, que contribuiu
e saúde do trabalhador, bem como as medidas de pro- para a discussão dos achados.

Recebido em: 24/06/09 – Aprovado em: 21/09/10 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):644-9. • p.645
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Após a seleção, os artigos foram impressos e li- As principais cargas químicas às quais estão ex-
dos em sua íntegra. O primeiro passo foi registrar, em postos são: medicamentos, soluções, desinfetantes,
instrumento elaborado para esse fim, o nome do au- desencrostantes ou esterilizantes, antissépticos,
tor, o título do artigo, o ano de publicação, o tipo de quimioterápicos, gases analgésicos, ácidos para trata-
metodologia e o local do estudo. A seguir, os artigos mentos dermatológicos, látex (do contato com ma-
foram organizados em riscos ocupacionais – conforme teriais de borracha) e a fumaça do cigarro7, com ma-
a NR5/MTE: físicos, químicos, biológicos e ergonômicos nifestações físicas como tontura, dispneia, urticária e
– e riscos de acidentes, dando-se ênfase aos riscos irritação da mucosa nasal6,8.
ocupacionais dos enfermeiros que atuam na área de Alguns riscos químicos que podemos encontrar
saúde da família, valendo-se, portanto, da experiência nas UBS são: uso de luvas, obrigatória nos procedi-
vivenciada por uma das autoras. mentos; uso do hipoclorito de sódio, no ato de reali-
Os dados foram analisados à luz da literatura zar educação em saúde para a população; o iodo e o
específica e dos documentos legais que legislam sobre éter, substâncias presentes na realização dos curati-
a temática. vos. Além disso, a própria administração de medica-
mento pode gerar risco de sensibilidade alérgica32.
RESULTADOS E DISCUSSÃO A falta de rotulagem adequada das substâncias
químicas comercializadas leva à deficiência de infor-
O enfermeiro tem o direito de desenvolver suas mações sobre os riscos a que os trabalhadores estão
atividades profissionais em condições de trabalho que expostos, contribuindo para que doenças
promovam a própria segurança e dispor de material e ocupacionais e acidentes do trabalho com elas relaci-
equipamentos de proteção individual e coletiva, se- onados fiquem muitas vezes fora das estatísti-
gundo as normas vigentes, cabendo a ele recusar-se a cas10,11,20,21,22,26 por desconhecimento das causas.
desenvolver atividades profissionais na falta de ma-
terial ou equipamentos de proteção individual e co- Riscos Biológicos
letiva definidos na legislação específica33. Os riscos ocupacionais estão amplamente dis-
As atividades de saúde são classificadas com grau tribuídos nas unidades de saúde, sofrendo variações
de risco 3, sejam elas hospitalares ou ambulatoriais3. proporcionais aos contatos mais intensos e diretos
Desse modo, considerando que a maioria das ativida- com os pacientes. Podem ser transmitidos pelas mãos
des dos enfermeiros atuantes em ESF é de nível ou pela utilização de materiais não limpos, não
ambulatorial, também esses estariam expostos a ris- desinfetados ou esterilizados, e pelo contágio indire-
cos em suas atividades laborais e não apenas os que to, por objetos contaminados do paciente ou por in-
trabalham em hospital, como apontam os artigos li- termédio do ar9-11,34,35.
dos para a elaboração deste estudo. Os agentes mais importantes de transmissão
parenteral são os vírus da hepatite B (HBV), da hepa-
Riscos Físicos tite C (HCV) e da imunodeficiência adquirida hu-
As cargas físicas a que os trabalhadores de en- mana (HIV)14,36. É certo que o enfermeiro da ESF não
fermagem estão expostos na ESF são: exposição à ilu- tem oportunidade frequente de aplicar uma injeção
minação precária, o que dificulta a realização de pro- endovenosa. Entretanto ele corre o risco de conta-
cedimentos; a falta de arejamento nos consultórios minação parenteral ao administrar vacinas e medi-
de enfermagem, tornando o ambiente impróprio para camentos por via intramuscular32.
o trabalho, e as instalações elétricas inadequadas, pro- Ao executar atividades que envolvem o cuida-
piciando o risco de choque elétrico, especialmente do direto e indireto com os pacientes, os enfermeiros
durante a realização do exame papanicolau, já que é estão frequentemente expostos às infecções trans-
necessário o foco de luz elétrica. mitidas por microorganismos presentes no sangue ou
Apesar da relevância da temática para a enfer- outros fluidos orgânicos11,14. Cabe lembrar que esses
magem, os riscos físicos são pouco discutidos na lite- profissionais devem estar imunizados contra tétano,
ratura2,5,14,15,21,19,32. difteria e hepatite36,37.
Enfe rme iros da ESF realizam o e xame
Riscos Químicos papanicolau, entrando em contato com secreção va-
Os riscos químicos, aos quais os enfermeiros ginal da paciente. Também entram em contato com
estão submetidos, “são os gerados pelo manuseio de doenças infectocontagiosas, tais como tuberculose
uma variedade grande de substâncias químicas e tam- (TB), viroses, além das parasitoses. Podem ainda en-
bém pela administração de medicamentos que po- trar em contato com a secreção de feridas, ao reali-
dem provocar desde simples alergias até importantes zar procedimentos invasivos, como sondagem
neoplasias” 7:351. vesical de demora.

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Esses profissionais estão expostos a parasitas ao cui- das chefias, o que os leva ao desânimo, desinteresse,
dar de clientes portadores de pediculose e/ou escabiose, fadiga e a uma relação desumanizada com o pacien-
com grande possibilidade de infestação11. E isso é fre- te 16,29,31,32,40,41.
quente, pois geralmente as mães procuram o ambulatório Os profissionais de enfermagem vivenciam si-
de enfermagem para o tratamento dessas afecções. tuações de risco cotidianamente, deixando de se pro-
Percebe-se uma vasta literatura sobre esta teger, deixando de se cuidar, como se isso fosse uma
temática 9-11,14,16,18-20,24,27-30,32,34-36. atitude natural, essencial para o exercício de uma pro-
fissão cujo objeto é a prática do cuidar40. Observa-se
Riscos Ergonômicos que, muitas vezes, a atenção da equipe no ambiente
A ergonomia focaliza um sistema formado por de trabalho concentra-se no cuidar, mas no cuidar
um complexo relacionamento de componentes que apenas dos outros.
interagem entre si12. Na ESF encontram-se também riscos psicossociais.
Na atenção básica, um dos principais proble- Muitos que trabalham nesse tipo de atendimento passam
mas ergonômicos está relacionado com o mobiliário: a semana no local de trabalho, ficando distante da família
as mesas e cadeiras para o atendimento ambulatorial e do seu ciclo social. As pressões sofridas pelos profissio-
são inadequadas para utilização por um período lon- nais não advêm apenas das chefias, mas da própria clien-
go. Apesar de os enfermeiros se dedicarem a outras tela, que não entende essa nova proposta de assistência à
atividades, tais como atendimento em grupos e visi- saúde e ainda prefere os modelos curativos ao enfoque
tas domiciliárias, esses profissionais passam boa par- preventivo. A natureza do fator psicossocial é complexa
te do tempo realizando atividades ambulatoriais32. e envolve questões relativas ao indivíduo (personalida-
Como essa análise tem base na vivência profis- de), ao ambiente de trabalho (demandas e controle sobre
sional de uma das autoras, descrevemos um local de a tarefa) e ao ambiente social (fatores culturais)41.
atendimento típico de unidades de atenção básica
em um município do interior do Ceará, com vistas a
Riscos de Acidentes
ilustrar neste estudo as más condições de trabalho do Acidente de trabalho é aquele que ocorre em fun-
enfermeiro em UBF: em atendimentos realizados em ção do exercício do trabalho a serviço da instituição
escolas, as prescrições feitas em cadeiras escolares, empregadora, provocando lesão corporal ou perturba-
que, em razão do desgaste, são instáveis; realização de ção funcional que cause a morte, ou perda ou redução
pré-natal em camas comuns ou em macas improvisa- permanente ou temporária da capacidade para o traba-
das no solo; o papanicolau realizado em macas lho; sendo acidente típico aquele que ocorre no local de
inapropriadas, precisando de um auxiliar para evitar trabalho e durante o exercício do mesmo3.
acidentes como quedas. Em tais situações, frequen- Dos acidentes com trabalhadores de enferma-
temente o enfermeiro faz o exame em pé. gem pode-se enumerar os gerados por más condições
A essa situação, descrita e vivenciada por mui- de trabalho, cargas no desenvolvimento do processo
tos enfermeiros que labutam nos locais mais distan- de trabalho, desconhecimento de medidas preventi-
tes das sedes municipais, os gestores não estão sensí- vas, em especial os acidentes provocados pelos mate-
veis, nem dispostos a promover melhorias. Conside- riais perfurocortantes, expondo a riscos biológicos
ram, apenas, o atendimento de qualidade para o paci- como relatado7,9,11,14;23-28,30,34,39.
ente e não se preocupam com as condições de traba- Os trabalhadores da ESF estão sujeitos a riscos
lho do profissional38. Daí a necessidade de realizar de acidente, tanto típico quanto de trajeto. Esses pro-
estudos sobre os aspectos ergonômicos não só em fissionais podem sofrer acidentes com material
hospitais, mas também em UBF, pois nesse contexto perfurocortante, ao realizar procedimentos como va-
só foram encontrados dois artigos32,38. cinas, injeções e retirada de pontos; ao acidente de
Entre os riscos ergonômicos destacam-se os riscos trajeto, ao se deslocarem diariamente para o distrito
psicossociais que são desencadeados pelo contato com o em que trabalham, viajando por veredas e estradas
sofrimento do paciente15. Alguns agentes estressores são: sem sinalização e estrutura viária. Deslocam-se em
o rígido controle do tempo; forma como o setor é organi- veículos velhos, enferrujados, com pneus gastos pelo
zado; falta de materiais e equipamentos adequados; con- uso, bancos soltos, sem cintos de segurança e, fre-
flitos nos relacionamentos entre os membros da equipe; quentemente, com excesso de lotação.
estado crítico de saúde do paciente; dupla jornada de tra- É importante destacar, ainda, que muitos pro-
balho (decorrência também da má remuneração), a que fissionais têm contrato temporário, isto é, não têm
tanto homens como mulheres estão expostos, e trabalho vínculo empregatício de acordo com a CLT, não ten-
nos finais de semana e feriados13,15-19,39. do os direitos reconhecidos em casos de acidentes de
Além disso, os trabalhadores de enfermagem trabalho, sendo esse um grande fator estressor para
apresentam sentimentos de desvalorização por parte os enfermeiros atuantes na ESF42.

Recebido em: 24/06/09 – Aprovado em: 21/09/10 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):644-9. • p.647
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CONCLUSÃO 13.Leite PC, Merighi MAB, Silva A. A vivência de uma


trabalhadora de enfermagem portadora de lesão “De
Diante da magnitude dos problemas decorren- Quervain”. Rev Latino-am Enfermagem. 2007; 15:253-8.
14.Balsamo AC, Felli VEA. Estudo sobre os acidentes de
tes da falta de biossegurança no campo de trabalho trabalho com exposição aos líquidos corporais humanos em
do enfermeiro, ainda são poucos os estudos que bus- trabalhadores da saúde de um hospital universitário. Rev
cam conhecer com maior profundidade a temática. Latino-am Enferm. 2006; 14:346-53.
E, embora tenham sido identificados estudos abran- 15.Santos JM, Oliveira EB, Moreira AC. Estresse, fator de
gendo os tipos de riscos a que estão sujeitos os profis- risco para a saúde do enfermeiro em centro de terapia inten-
sionais de enfermagem, mesmo esses trabalhos ainda siva. Rev enferm UERJ. 2006; 14:580-5.
desenvolvem o tema de forma incipiente, 16.Cavalcante CAA, Enders BC, Menezes RMP, Medeiros
direcionando os objetivos na perspectiva de explorar SM. Riscos ocupacionais do trabalho em enfermagem: uma
e descrever os cenários onde os problemas ocorrem. análise contextual. Ciênc Cuid Saúde. 2006; 5:88-97.
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Para avançar no conhecimento sobre riscos de terapia intensiva: a percepção da equipe de enfermagem.
ocupacionais no trabalho de enfermagem e ter condi- Esc Anna Nery Rev Enferm. 2007; 11:197-204.
ções de apresentar evidências sobre estes riscos, deve- 18.Lima FA, Pinheiro PNC, Vieira NFC. Acidentes com
mos aprofundar estudos com bases estatísticas sólidas, material perfurocortante: conhecendo os sentimentos e as
de modo a oferecer aos enfermeiros e demais membros emoções dos profissionais de enfermagem. Esc Anna Nery
da equipe de saúde informações que levem ao Rev Enferm. 2007; 11:205-11.
autocuidado e à capacidade de reivindicar melhores 19.Marziale MHP, Nishimura KYN. Programa preventivo para
a ocorrência de acidentes com material pérfuro-cortante entre
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Recebido em: 24/06/09 – Aprovado em: 21/09/10 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 out/dez; 18(4):644-9. • p.649

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