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UM OLHAR PARA O RACISMO NA AMERICA LATINA:

A POPULAÇÃO GUATEMALA PEDE SOCORRO!


Clenara belfort borges1

“O racismo é a mais baixa, a mais cruelmente primitiva forma de coletivismo. É a noção de


atribuir um significado moral, social ou político à linhagem genética de uma pessoa” (Ayn
Rand)

Na Guatemala a cor da pele é o que marca a sua posição social, é um país onde o
racismo é predominante desde o colonialismo, e se faz presente nas suas mais diversas formas
em todos os setores de uma população- na divisão do trabalho, na politica, na economia, na
educação- e se perpetua na atualidade, sendo mascarado pelas elites e por um estado opressor
que restringe as politicas públicas.
A questão de raça vem se perpetuando no país de forma acentuada tal como nos
mostra Marta Casaús Arzú em “Guatemala: praticas sociais e discurso racista das elites”.
Segundo a autora o país comporta uma maioria indígena, pertencentes ao grupo maia, que
sofre cotidianamente com deficiência de serviços sociais básicos resultando no maior índice
de desigualdade do planeta.

“Os indicadores que geram maior alarme são os de mortalidade infantil,


desnutrição e mortalidade materna. Esses indicadores referem-se ao acesso aos
serviços básicos de saúde, mas também a estrutura desigual do país. Por exemplo, ao
falar dos altos índices de desnutrição crônica das crianças indígenas, é inevitável
fazer uma reflexão sobre as condições de pobreza ou exclusão que impedem o seu
acesso a uma alimentação melhor” (ARZÚ, 2008, p.205)

Isso se dá por uma estrutura de poder ditada pelas raças consideradas superiores,
brancas e ladinas, uma elite familiar oligárquica que realiza esses discursos para se perpetuar
no poder e lidar com os períodos de crise. O racismo era projetado nessa base e passado
hereditariamente. Outro fator, é a dicotomia indígenas x ladinos, em que o índio era visto
como bárbaro, primitivo, preguiçoso e que era considerado como o câncer da população que
não ajudava em nada no seu progresso e deveria ser eliminado enquanto que os ladinos eram
os civilizados, o verdadeiro símbolo de um cidadão Guatemalco.
O que se observava na época era um discurso de ódio, em que as elites dominantes
abominavam os índios e não mostravam nenhum interesse em casar-se com eles e nem adotar
crianças indígenas, pois seu sangue era visto como impuro. As soluções encontradas pelas
raças tidas como superiores era o processo de aculturação, onde os maias deveriam abdicar de
1
Aluna do terceiro período de Jornalismo em multimeios da UNEB.
seus costumes e tradições em prol do reconhecimento; A segregação, eles deveriam ser
educados, mas desde que ficasse no lugar dele, onde o branco os colocasse e por fim, o
extermínio.
O extermínio de fato chegou a ocorrer em um genocídio contra os povos maias
indígenas durante a ditadura militar, onde os militares utilizavam tortura e faziam violência
psicológica, tudo para que a oligarquia se perpetuasse no poder, o que custou a morte de
duzentas mil pessoas, onde 83% eram Maias e mais de um milhão e meio de refugiados, sem
contar as 626 aldeias que foram arrasadas. o racismo na sua expressão máxima na década de
1970 a 1980.
O fato é que a população indígena Maia sofria com a opressão que era imposta a ela,
principalmente as mulheres, que eram desrespeitadas, ignoradas e até abusadas, elas se
sentiam como mero objeto e que além disso, não tinha nenhuma identidade, ou quando tinha,
escondia para que não fossem humilhadas.
O filme Jaula de Ouro mostra bem essa situação, é um filme mexicano coescrito e
dirigido por Diego Quemada-Díez que mostra de forma bem realista e precisa a historia de
três indígenas que pretendem ir aos Estados Unidos em busca de uma qualidade de vida
melhor. Um desses indígenas é na verdade uma menina chamada Sara, que mediante a todo o
panorama de preconceito, opta por esconder o seu sexo, cortando o cabelo, escondendo os
seios e usando roupas masculinas para poder se passar por garoto. No meio do caminho ela
acaba sendo descoberta e é levada para um destino desconhecido, que sem dúvidas seria
encaminhada para um ambiente de exploração e que condiz com a realidade que muitas
mulheres indígenas eram submetidas.
No final do filme observamos que apenas um deles consegue de fato atravessar a
fronteira e ainda assim, não encontra a felicidade que buscava, pois seu emprego é um dos
piores e não há nenhuma perspectiva de mudança. O retrato perfeito que é relatado por ARZÚ
(2008) ao falar da divisão do trabalho, em que o índio ficava sempre com a parte mais
exaustiva e trabalhosa ganhando relativamente pouco, enquanto que as atividades intelectuais
ficavam concentradas nas mãos dos ladinos.
Geralmente, em todas as chácaras, os indígenas costumam ser os peões e
trabalhadores mais maltratados e mal pagos. Geralmente, os capatazes e
administradores costumam ser ladinos pobres que, por sua vez, exercem a violência
e o racismo contra a população indígena. (ARZÚ, 2008, p.224)

Os indígenas eram selecionados para esses trabalhos por possuírem uma capacidade
menor de se rebelar e não terem direitos trabalhistas, além do mais “trabalhavam mais e
pagava menos”, e os brancos sempre afirmavam que eles mereciam ganhar menos, por serem
considerados como raça inferior.
Essa realidade infelizmente ainda se encontra muito presente na sociedade, um
exemplo disso foi a repercussão gerada por muitos blogueiros da Guatemala sobre Rigoberta
Menchu, a único candidata indígena às eleições presidenciais, acabando em sétimo lugar.
“Em Uspantán, Quiché, terra onde Rigoberta Menchu nasceu, apenas 268 de 9655 dos
votos foram para a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e líder indígena. Será que eles são
racistas?” ( Destacado por Carpe Diem [es] em Preguntas que hay que hacer).
Ou ainda o pronunciamento do blogue Antología del Desengaño [es] em sua postagem
Guatemala de clase:
Todavia, a Guatemala ainda é um país classista. Rolam muitos estereótipos
caducos e preconceitos absurdos. Claro que nesse país é preciso se encaixar em uma
moldura para pertencer a ela. Ali se acredita que todas as pessoas que tenham uma
tatuagem são delinquentes. Ou que os loiros são mais inteligentes que qualquer um.
(Antología del Desengaño [es])

Um país onde estereótipos são levados em consideração e a cor da pele define quem é
cada pessoa, e não pelos seus feitos, suas características e habilidade, você é determinado pelo
simples fato de nascer assim, por suas características biológicas. Os povos Maias só vieram
ter alguns direitos em 1996 quando cresceram as organizações de amparo a eles e ainda assim
foram vistos pela raça superior como uma ameaça a unidade nacional, os brancos e ladinos
afirmavam nos seus discursos que os indígenas maias queriam ter mais privilégios para
promover uma guerra étnica.
Embora nos dias de hoje a Guatemala se reconheça como um país multiétnico,
multilíngue e pluricultural, ela ainda reflete esse forte racismo mesmo que oculto e mostra as
sequelas que foram deixadas por um racismo de nível maior que foi herança colonial. No
artigo intitulado “Os desafios dos jovens maias de Ixcán na Guatemala de hoje” a autora
Adriana Ines Nones mostra a realidade desses jovens Maias que sofrem ainda reflexos das
guerras passadas. Um exemplo é o de um jovem de 15 anos que oculta o seu sobrenome Maia
pode medo, tendo em vista que as relações sociais no país foram construídas por
fragmentação e preconceito.
Marcus, ao afirmar que “yo sé lo que soy” não oculta seus vínculos de
pertencimento à civilização Maia. Diferente de um jovem Q’eqchi’, de 15 anos que,
ao apresentar-se em público, apenas diz seu nome e o sobrenome da mãe, que é
Ladina, ocultando o do pai, que é Q’eqchi’. Ao ser questionado se é Q’eqchi’ e se
fala a língua paterna ele, mesmo constrangido, reconhece que sim, mas que se sente
tranquilo apresentando-se somente como Ladino (NONES, 2011, p. 137-138).
Um racismo histórico e estrutural que se encontra longe de acabar, ainda há muito o
que lutar, é possível ouvir os gritos silenciosos da população Maia eclodindo na Guatemala.
Ela pede socorro, e não quer nada mais do que direitos, direito a saúde, a educação de
qualidade, a serviços básicos que deveriam ser dados a qualquer um de forma igualitária, mas
sabemos que é mito, a igualdade por mais que seja idealizada, não passa disso, de uma
idealização, uma utopia.
O discurso pode ser igualitário, mas na pratica é totalmente o contrario. O verdadeiro
câncer da sociedade não é e nunca foram os indígenas e sim todo o preconceito que gira em
torno do racismo, o racismo só tem voz porque ele é reforçado. Talvez o problema não seja as
classes sociais, as formas de dominação e nem sequer o estado, o problema talvez seja a
humanidade, que é e sempre foi falha, talvez no fim das contas não sejam tão humanos assim,
ou quiça um dia a humanidade conviva harmonicamente com o diferente, sendo capaz de
eliminar o racismo completamente. Talvez. É muito talvez para pouca certeza.
A única certeza que temos por ora é que é necessário um olhar para a população
Guatemala, um olhar critico que os salve do destino cruel que é predestinado a sua população.

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