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ISSN 0103-8125

e-ISNN 2527-1318

76
Janeiro/Junho 2020
Volume 30
ISSN 0103-8125
e-ISNN 2527-1318

JANEIRO - JUNHO 2020

Volume: 30
Número: 76
Periodicidade: semestral

Revista da Polícia Militar de Minas Gerais


Academia de Polícia Militar

Versão eletrônica:
http://revista.policiamilitar.mg.gov.br/periodicos/index.php/alferes

O Alferes Belo Horizonte v. 30 n. 76 p. 01-212 JANEIRO/JUNHO - 20


Os artigos publicados são de responsabilidade dos autores, não
traduzindo, necessariamente, a opinião do Comando da Polícia
Militar do Estado de Minas Gerais.

A reprodução total ou parcial dos artigos poderá ser feita, salvo


disposição em contrário, desde que citada a fonte.

Aceita-se intercâmbio com publicações nacionais e estrangeiras.

Pidese canje.
On demande l’échange.
We ask for exchange.
Si richieri lo scambio.

O Alferes, nº 1 1983-
Belo Horizonte: Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da PMMG.
Semestral
Quadrimestral (1983 - 1985) trimestral (1986 - Jun./2000)
semestral (jul./2000 - )
Publicação interrompida de jan./95 a dez./96, jul./98 a dez./99, jul./01
a jun./02, jan. a dez./03, jul./08 a dez./09, e de jan./12 a dez./15.
ISSN 0103-8125
1. Polícia Militar - Periódico I. Polícia Militar do Estado de Minas Gerais
CDD 352.205
CDU 351.11 (05)
EQUIPE EDITORIAL

Comitê Consultivo
Cel PM Rodrigo Sousa Rodrigues – Especialista
Cel PM Welson Barbosa Rezende – Mestre

Editor-Chefe
Ten Cel PM Andrea Danielle Janhsen Mendes – Mestre

Editores associados - Pareceristas


Cel PM QOR Amauri Meireles - Especialista
Cel PM QOR Euro Magalhães - Especialista
Cel PM QOR Lúcio Emílio do Espírito Santo - Especialista
Cel PM QOR Álvaro Antônio Nicolau - Especialista
Ten Cel PM QOR João Bosco de Castro – Especialista

Membros do Conselho Científico - Pareceristas Ad Hoc


Cel PM QOR Sérgio Augusto Veloso Brasil - Mestre
Cel PM QOR Jesus Milagres - Especialista
Cel PM Hélio Hiroshi Hamada - Doutor
Ten Cel PM Jésus Souza Lima - Mestre
Ten Cel PM Fábio Luis dos Santos Cassavari – Mestre
Ten Cel PM Andrea Danielle Janhsen Mendes – Mestre
Maj PM Jadielson da Silva Nóbrega – Mestre
Maj PM Francis Albert Cotta Formiga – Doutor
Cap PM Eduardo Leal Silva - Doutor
Cap PM Filipe Márcio F. Marteletto – Mestre
Cap PM Tiago Farias Braga - Mestre
Cap PM Antônio Hot Pereira de Faria – Doutor
Cap PM Lucas Tadeu Bonaccorsi - Especialista
Cap PM Paulo Henrique Brant Vieira - Mestre
1º Ten PM Alisson Eustáquio Gonçalves – Mestre
2º Sgt PM Alexander Marques - Mestre
Cb PM Juliana Lemes da Cruz - Mestre
Prof. Dr. Luís Flávio Sapori - PUCMinas
Profª. Dra. Rosânia Rodrigues de Sousa - FJP
Profª. Dra. Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro - CRISP/UFMG
Revisão Gramatical
3º Sgt PM Sarah Caroline Dias Leão - Graduado
Cb PM Clarice do Carmo Conde - Mestre
Sd 1º CL PM Jéssica Nathane Martins Mariz - Graduado

Revisão Metodológica
Cb PM Paulo Tiego Gomes de Oliveira - Mestre
FC Aryadina Mara Ribeiro – Doutora
FC Resângela Pinheiro de Sousa – Mestre
FC Isabel Cristina de Paiva Moreira Nazareth - Especialista

Projeto de capa
Cb PM Paulo Tiego Gomes de Oliveira – Mestre

Diagramação e formatação
Cb PM Paulo Tiego Gomes de Oliveira – Mestre
Sd 2ª CL Mário Sérgio Fernandes de Sousa – Graduado

Autores
Thiago Ramos dos Santos
Paulo Tiego Gomes de Oliveira
João Paulo Fiuza da Silva
Cláudio Torres de Assis
Márcio Lopes Ferreira
Deivison Lopes de Oliveira
Osmar Faria Pereira
Miller França Michalick
Hélio Hiroshi Hamada
David Lopes Brocanelle
Vanessa Canton Carvalho
Naira Alicia Lacerda Flores
Antônio Hot Pereira de Faria

Administração
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da Polícia Militar
Rua Diabase, 320 - Prado
Belo Horizonte - MG
CEP 30.411-060
Tel: (0xx31) 2123-9513
Fax: (0xx31) 2123-9512
APRESENTAÇÃO

O Comitê Editorial da Revista “O Alferes”, com a edição


do volume 30, número 76 – Janeiro/Junho 2020 vem oferecer
à Comunidade Acadêmica, os trabalhos de cunho científico
voltados para a Segurança Pública.

Além de uma importante contribuição nos campos


de conhecimento da Segurança Pública e Defesa Social e o
crescimento profissional e intelectual de seus leitores, a Revista
“O Alferes” é catalisadora de importante legado cultural e
epistêmico da Polícia Militar de Minas Gerais, permitindo
consolidar valoroso acervo técnico e científico das gerações de
pesquisadores, pensadores e escritores.

Atualmente, a Revista passa por uma reformulação


e ampliação de acesso ao público externo da instituição, a fim
de que possa figurar no campo acadêmico como um periódico
científico da área Interdisciplinar perante a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do
Ministério da Educação (MEC). Essa reestruturação inclui:
abertura para o público externo à instituição militar; continuidade
da periodicidade semestral; inclusão da revista nos principais
indexadores de periódicos científicos e inserção da revista
no Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER) que
disponibilizará os números na internet.

A Edição de número 76 contêm seis artigos, reunido


os esforços dos autores com informações de interesse para a
manutenção e preservação da Ordem Pública e disseminação de
conteúdos afetos às Ciências Políciais, a saber:
1. A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO
NA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do
planejamento na administração pública, por THIAGO RAMOS
DOS SANTOS E PAULO TIEGO GOMES DE OLIVEIRA, que tem
o objetivo de problematizar a exigência de nível superior de
escolaridade para ingresso na Polícia Militar de Minas Gerais,
traçando paralelos a fim de responder a questão sob uma análise
crítica frente aos interesses corporativistas e políticos envoltos no
Projeto de Lei Complementar 61/2010 e da Proposta de Emenda
à Constituição Estadual 59/2010, na Assembleia Legislativa de
Minas Gerais.

2. RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS


NA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?,
por JOÃO PAULO FIUZA DA SILVA, CLÁUDIO TORRES DE ASSIS,
DEIVISON LOPES DE OLIVEIRA, OSMAR FARIA PEREIRA E MÁRCIO
LOPES FEREIRA, que se propõe a avaliar, a partir de metodologia
teórico-empírica, o processo de recrutamento e seleção na
Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), especificamente para
os cargos de Soldado dos Quadros de Praças (QP-PM) e Praças
Especialistas da Polícia Militar (QPE-PM) e Tenente do Quadro de
Oficiais da Polícia Militar (QO-PM).

3. ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E


PARADOXOS DO USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES
MILITARES, por MILLER FRANÇA MICHALICK E HÉLIO HIROSHI
HAMADA, que sob o enfoque da estética militar, visa a boa
apresentação pessoal do Policial Militar, sendo importante
para o policiamento a pé, contribuindo para a ostensividade
no desempenho das atividades, culminando em um maior
estabelecimento da segurança objetiva à população.
4. INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA,
DESINFORMAÇÃO E FAKE NEWS: como identificar esse
problema?, por DAVID LOPES BROCANELLE E PAULO TIEGO
GOMES DE OLIVEIRA, discorre sobre o serviço de Inteligência de
Segurança Pública ter a função de identificar se uma informação
é falsa ou verdadeira e assessorar os tomadores de decisão
que muitas vezes precisam dar uma resposta rápida a uma
determinada situação. Para compreender adequadamente o
fenômeno da desinformação, é preciso levar em conta fatores
técnicos, sociais, econômicos e psicológicos diversos que
condicionam a elaboração e o acesso de conteúdo desinformativo
no contexto das novas mídias sociais.

5. CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA


NO COMBATE AO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS,
por VANESSA CANTON CARVALHO E PAULO TIEGO GOMES DE
OLIVEIRA, aborda a temática do Tráfico Internacional de Pessoas
para fins de exploração sexual e evidencia as contribuições da
atividade de inteligência no combate a esse tipo de crime.

6. IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO


HOSPITALAR POR PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA
DOS SERVIDORES MILITARES DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
por NAIRA ALICIA LACERDA FLORES E ANTÔNIO HOT PEREIRA
DE FARIA, discorre sobre os custos crescentes em saúde e
imprescindível a adoção de modelos de remuneração de serviços
que permitam avaliar e controlar de maneira mais efetiva os
gastos com assistência à saúde. Nesse sentido, o presente estudo
tem como objetivo apresentar a experiência de uma autarquia
na implantação de pacotes como modelo de remuneração aos
prestadores de serviço, subsidiando a tomada de decisão dos
gestores em relação à sustentabilidade das contratações de
serviços de saúde.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................... 5-7

A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA


MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento
na administração pública

Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira..10-40

RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA


MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes


de Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Fereira.......41-71

ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS


DO USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada................72-109

INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E


FAKE NEWS: como identificar esse problema?

David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira..110-142

CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE


AO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS

Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira.143-172

IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR


POR PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES
MILITARES DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria..173-211

NORMAS..........................................................................212-212
ARTIGOS
A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

Thiago Ramos dos Santos


Bacharel em Administração Pública (UFLA). Mestrando
em Administração (CEFET-MG). Especialista em Gestão e
Planejamento Estratégico (UNITER) e em Inteligência de
Segurança Pública pelo (CPP/PMMG).

Paulo Tiego Gomes de Oliveira


Bacharel em Direito (UNIVERSO) e em Ciências Sociais (PUCMG).
Especialista em Educação (UFMG) e Direito Penal (Fac.Batista).
Mestre em Ciências Sociais (PUCMG). Doutorando em Educação
(UFMG).

Resumo: Seguindo tendências contemporâneas, a


Polícia Militar de Minas Gerais passou a exigir em
2010 o nível superior de escolaridade para ingresso
na corporação. As polícias estaduais brasileiras lidam
com temas de frequente discussões no âmbito da
segurança pública: sendo mais recorrentes a unificação
das polícias militar e civil, a desmilitarização, além da
realização do ciclo completo de polícia. O objetivo deste
estudo é problematizar a exigência de nível superior de
escolaridade para ingresso na Polícia Militar de Minas
Gerais, traçando paralelos a fim de responder a questão
sob uma análise crítica frente aos interesses envoltos no
Projeto de Lei Complementar 61/2010 e da Proposta de
Emenda à Constituição Estadual 59/2010, na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais. Trata-se de pesquisa
exploratória, em que o uso do método dialético buscou
apontar diferentes pontos de vista sobre o assunto,
com vistas a estabelecer um conhecimento fundado
em argumentação sólida, com interpretação dinâmica
da realidade, tratando o tema dentro do contexto
social, institucional e político. Finalizamos entendendo
que muitos dos motivos alegados para se exigir nível

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

superior de escolaridade alicerçam-se em questões


com pouco impacto na melhoria do serviço público ao
cidadão, além de estarem na contramão das teorias
de planejamento da Administração Pública somado às
revisões de literatura sobre o tema.
Palavras-chave: Polícia Militar. Ensino superior.
Administração Pública.

Abstract: Following contemporary trends, the Military


Police of Minas Gerais began to demand in 2010 the
higher level of education to join the corporation.
Brazilian state police officers deal with issues of
frequent public security discussions: the unification
of the military and civil police, demilitarization, and
the completion of the full cycle of police being more
frequent. The objective of this study is to problematize
the requirement for a higher level of education to join
the Military Police of Minas Gerais, drawing parallels in
order to answer the question under a critical analysis in
the face of interests involved in the Complementary Law
Project 61/2010 and of the Proposed Amendment to the
State Constitution 59/2010, in the Legislative Assembly
of Minas Gerais. This is exploratory research, in which
the use of the dialectical method sought to point out
different points of view on the subject, with a view to
establishing knowledge based on solid arguments, with
dynamic interpretation of reality, addressing the theme
within the social, institutional context and political. We
concluded by understanding that many of the alleged
reasons for requiring a higher education level are based
more ideas than on the improvement of public service
to citizens, in addition to being against the planning
theories of Public Administration added to the literature
reviews on the theme.
Keywords: Military Police; Higher education; Public
administration.

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A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

INTRODUÇÃO

A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) está presente em todos


os 853 municípios do estado mineiro. É um órgão de segurança
pública, representante do Estado, muitas vezes solicitado
para finalidades diversas às que estão constitucionalmente
instituídas. Além da prevenção e repressão ao crime e da gestão
de suas atividades administrativas, a PMMG atua em outras
frentes sociais, como na educação de crianças e adolescentes
sobre cidadania, resistência às drogas e à violência; atividades
de defesa civil; apoio às atividades promovidas por outras
instituições; dentre outras.

Em 2010, seguindo uma tendência adotada por outros estados


da Federação, Minas Gerais alterou as regras para ingressar na
PMMG, passando a exigir nível superior de escolaridade, ao invés
de nível médio. Para a carreira inicial como Tenente, por meio do
Curso de Formação de Oficiais (CFO), especificamente, passou-
se a exigir o título de bacharel em Direito; e o nível superior em
qualquer área do conhecimento para ingresso como praça, no
Curso de Formação de Soldados (CFSD). Tal mudança infere a
busca de equiparação com a Polícia Civil, buscando a exigência
de graduação em Direito para delegado, concomitantemente,
carreira jurídica para os Oficiais da PMMG do quadro de Oficiais
Políciais Militares (QOPM). As alterações deram-se através da
Emenda à Constituição nº 83, de 03 de agosto de 2010, e da Lei
Complementar 115, de 05 de agosto de 2010.

A mudança de nível de escolaridade para ingresso na PMMG


é um tema de relevância para a instituição e para a sociedade
como um todo, pois altera, assim, o perfil e o público-alvo
para recrutamento e seleção de futuros policiais militares.
Partindo dessa premissa, a fim de gerar novos conhecimentos
e sistematizar a realidade empírica, surge a necessidade de

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

analisar, cientificamente, a seguinte questão: a exigência de


nível superior de escolaridade para ingresso na Polícia Militar de
Minas Gerais foi motivada pela melhoria da prestação do serviço
de segurança pública ao cidadão?

Para atingir o objetivo proposto, de forma exploratória, o presente


artigo utiliza-se do método dialético, através das técnicas de
pesquisa bibliográfica e documental.

A pesquisa encontra-se dividida em três partes: na primeira, o


referencial teórico, o qual aborda as fundamentações utilizadas
nas tramitações dos projetos na Assembleia Legislativa, as
consequências identificadas e as teorias de planejamento na
Administração Pública, juntamente com a revisão da literatura
sobre o tema; a segunda, detalha a metodologia utilizada para
responder ao problema proposto; e a terceira parte, por fim,
constitui a análise da pesquisa documental, confrontada com
a pesquisa bibliográfica, evidenciando-se as contradições neste
estudo de caso.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

Na primeira parte desta seção, aborda-se a Polícia Militar, suas


atividades e o processo legislativo de dois textos que tramitaram
na Assembleia Legislativa de Minas Ferais (ALMG) e resultaram
na exigência de nível superior de escolaridade na PMMG. A
segunda seção identifica as consequências percebidas após a
vigência da nova legislação e a a terceira aborda o planejamento
na Administração Pública.

1.1 A Polícia Militar de Minas Gerais e a exigência de nível


superior de escolaridade

Exigir nível superior de escolaridade para ingresso nas Polícias


Militares é algo que se pode chamar espécie-tendência, vez
que, no panorama contemporâneo, busca a melhoria do

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A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

desempenho policial. Essa medida implica supor um futuro em


que as instituições policiais seriam melhores, mais preparadas
e, portanto, mais adaptadas para lidar com as adversidades que
permeiam a sociedade. Porém, valorizar o nível de escolaridade
para a formação de novos recursos humanos implica,
concomitantemente, senão antes mesmo, em mudanças no
modelo de gestão da instituição baseada em um novo tipo de
influxo e aplicação diferenciada do capital humano, o que não se
percebe na prática (DANTAS; BRITO, 2010). Acompanhando essa
tendência, que já ocorrera em outros estados do Brasil, como
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a PMMG passou a exigir
nível superior de escolaridade para ingresso no CFO a partir de
2010. Oportuno, tornou-se então, analisar as fundamentações
utilizadas para justificar tal mudança e como elas se enquadram
sob a ótica do planejamento na Administração Pública.

A polícia militar é um órgão de segurança pública previsto


na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e
ratificado na Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989,
tendo como competência a polícia ostensiva de prevenção
criminal; de trânsito urbano e rodoviário; de meio ambiente;
a preservação e restauração da ordem pública; e a garantia do
exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicos.

Na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a atividade
policial militar é classificada no grupo de serviços coletivos
prestados pela Administração Pública (84.2), dentro da seção de
Administração Pública, defesa e seguridade social.

Conforme o artigo 142 da Constituição do Estado de Minas


Gerais, a Polícia Militar é organizada “[...] com base na hierarquia
e na disciplina militares e comandados, preferencialmente, por
oficial da ativa do último posto”, ou seja, o posto de Coronel.

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O artigo 143 da Constituição Estadual diz que “Lei complementar


organizará a Polícia Militar”, com previsão legal de revisões
periódicas em intervalos de no máximo cinco anos, visando seu
aprimoramento e atualização. Cabe à instituição, ainda, a função
de polícia judiciária militar.

A legislação evidencia que a competência da Polícia Militar é


ampla e focada mais na atividade de polícia administrativa do
que de polícia judiciária. A função de polícia judiciária, além
de limitada à área militar, é apenas uma das muitas funções
exercidas pela PMMG.

A polícia tem sua visibilidade notória, pois sua atuação legal é a


de forma ostensiva, a fim de prevenir e controlar a criminalidade
e a violência, aumentando a sensação de segurança dos cidadãos.
“Os policiais são os agentes públicos mais presentes nas ruas,
mais próximos dos cidadãos”, (RUDNICKI, 2007, p. 80) a quem
a sociedade pode recorrer a qualquer hora, qualquer que seja o
problema.

O ingresso na PMMG ocorre por meio de concurso público, tanto


para admissão para se tornar Soldado de 1ª Classe do Quadro de
Praças Policiais Militares (QPPM), quanto ao Quadro de Oficiais
Policiais Militares (QOPM), primeiramente como 2º Tenente.
São consideradas praças as graduações de Soldado de Segunda
Classe, Soldado, Cabo, Sargentos e Subtenente. Praças especiais
são os militares que estão em curso para formarem Oficiais,
nesta categoria incluem-se os Cadetes e os Alunos do Curso
de Habilitação de Oficiais (CHO), esses ultimos que passam a
pertencer ao Quadro de Oficiais Complementares (QOC) quando
declarados 2º Tenentes. São considerados Oficiais os postos de
Tenentes, Capitão, Major, Tenente-Coronel e Coronel (MINAS
GERAIS, 1969).

Como instituição pública, subordinada ao Chefe do Poder


Executivo, a PMMG é regulada por leis e somente pode atuar

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A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

dentro do que ela determina, para que seu ato não seja ilegal ou
nulo (BRANCHIER; TESOLIN, 2012).

Após as mudanças ocorridas em 2010, que implicaram em


alteração na Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969 (Estatuto
dos Militares do Estado de Minas Gerais), que regula os critérios
para admissão à instituição, até aquele ano, exigia-se dentro dos
requisitos de ingresso para praças e Oficiais da PMMG o ensino
médio completo. Após as alterações, para ingresso no Quadro de
Oficiais da PMMG, exige, desde então, a graduação em Direito
e aprovação em concurso público de provas e títulos. Além
disso, o cargo de Oficial, com competência para o exercício da
função de Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar,
passou a integrar a carreira jurídica militar do Estado, conforme
a nova redação do artigo 142 da Constituição do Estado, em seus
parágrafos 3º e 4º.

Para o ingresso no Quadro de Praças da PMMG, a Lei


Complementar 115 definiu, em seu artigo 6º B, que após cinco
anos da data de sua publicação, ou seja, 5 de agosto de 2015,
seria exigido nível superior de escolaridade em qualquer área.
Contudo, o parágrafo único deste artigo, prevê que “o período
de transição de cinco anos poderá ser prorrogado por período
equivalente por ato do Governador do Estado”.

No ano de 2015, a PMMG lançou dois editais de concurso para


vagas de soldado. O primeiro, antes da data limite, exigindo nível
médio. O segundo, após a data limite, exigindo nível superior em
qualquer área, ou seja, o primeiro concurso para soldado com
exigência de nível superior. Após o lançamento dos dois editais,
em oito de outubro de 2015, o Governo de Minas Gerais publicou
o decreto nº 413, prorrogando por mais cinco anos o período de
carência referente a exigência de ensino superior para ingresso
na PMMG como praça. Entretanto, a PMMG não cumpriu a

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

prorrogação do prazo contida no decreto nº 413 e exige desde


então, nos editais de processo seletivo, o nível superior de
escolaridade em qualquer área de ensino.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 61/2010, que resultou na Lei


Complementar 115/2010, tem como autor o então Governador
do Estado Antônio Augusto Junho Anastasia. Em pesquisa no site
da Assembleia Legislativa de Minas Ferais (ALMG), na tramitação
do projeto, constatou-se que não houve fundamentação no texto
original por parte do autor.

Durante análise pela ALMG, no parecer de 1º turno pela Comissão


de Constituição e Justiça foi assegurado, após tramitação interna,
que o ingresso no Corpo de Bombeiros Militares de Minas Gerais,
cuja legislação é a mesma da PMMG, a manutenção da exigência
de nível médio de escolaridade.

No parecer da Comissão de Administração Pública avaliou-se


que, referente a exigência de bacharel em Direito para Oficiais
do CFO, o conhecimento jurídico, aliado ao conhecimento da
técnica policial, traria benefícios para a sociedade tornando
a PMMG mais responsável e consciente dos seus atos. Para a
exigência de nível superior para praças, a comissão entendeu
que as responsabilidades do cargo demandavam um nível mais
alto de escolaridade (MINAS GERAIS, 2010a).

Sobre o parecer da Comissão de Direitos Humanos, esta


reconheceu que um policial militar graduado em nível superior
reuniria melhores condições para a defesa e o respeito aos
Direitos Humanos. Entretanto, ao se posicionar especificamente
sobre a exigência de bacharelado em Direito para os Oficiais, a
comissão argumentou que:

Cabe salientar, todavia, que a exigência do bacharelado


em Direito para o ingresso no quadro de Oficiais da
PMMG é medida que não se justifica, já que não há

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A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública
na função policial militar atividades eminentemente
jurídicas. Como todo o que exerce função pública, o
Oficial da PMMG se submete ao princípio da legalidade e,
assim sendo, age sob o direito. Em suas especificidades,
a função policial militar exige conhecimento das leis
que regem a vida em sociedade, mas isso não implica a
necessidade da graduação em Direito. O fato de o Oficial
policial militar se submeter às leis e dever conhecê-las
não é motivo suficiente para que se exija dele o diploma
de bacharel em Direito. Se assim fosse, aliás, diversos
agentes públicos, entre os quais os que atuam na
tributação, vigilância sanitária, fiscalização ambiental,
correição, compras, contratações ou gestão de recursos
humanos, deveriam também ser bacharéis em Direito.
O Oficial da PMMG, como a praça, exerce atividade
administrativa, para a qual não é necessária a pretendida
habilitação específica em Direito. Essa, inclusive, é a
distinção empreendida por Celso Antônio Bandeira de
Mello, segundo a qual polícia administrativa e polícia
judiciária não se confundem, uma vez que a segunda se
rege pela conformidade da legislação processual penal,
e a primeira, pelas normas administrativas (MINAS
GERAIS, 2010a).

Justificado por esse parecer, a Comissão de Direitos Humanos


propôs a Emenda nº 2, dando a seguinte redação:

Art. 6º- A – Para ingresso nos Quadros de Oficiais –


QOPM –, de Praças – QPPM – e de Praças Especialistas
da Polícia Militar – QPE-PM – é exigido o nível superior
de escolaridade, realizado em estabelecimento
reconhecido pelo sistema de ensino federal, estadual ou
do Distrito Federal, em área de concentração definida
em edital, sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 4º do
art. 13 (MINAS GERAIS, 2010a).

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Pontual notar que a emenda nº 2 da Comissão de Direitos


Humanos foi proposta em 6 de julho de 2010. Seis dias depois, em
12 de julho de 2010, foi publicada a Emenda nº 4 com o seguinte
conteúdo: “Suprima-se o art. 6-A, a que faz referência o art. 3º
do Substitutivo nº 2”. Portanto, a emenda nº 2 foi suprimida sem
qualquer justificativa elencada, ficando os Direitos Humanos em
segundo plano na seara da Segurança Pública.

A Comissão de Segurança Pública, no seu parecer de 1º turno,


opinou contrariamente ao parecer da Comissão de Direitos
Humanos. No parecer de 2º turno, entendeu que a exigência do
bacharelado em Direito para o Oficial policial militar possibilitaria
exercer a função de forma mais qualificado, ampliando a prestação
de serviços de segurança com a manutenção do direito. Em
relação às praças, a comissão entendeu que o desempenho das
funções exige grande responsabilidade, demandando adequada
formação e capacidade de discernimento, o que seria permitido
por um nível mais alto de escolaridade, no caso o diploma de
nível superior.

Em nenhum momento durante a tramitação do projeto foi


discutido o tempo de implementação da nova lei, que conforme
proposto, era de imediato para os Oficiais e para as praças
poderia demorar de cinco a dez anos. O planejamento, o tempo
e a forma de implantação das mudanças não foram tratadas pela
ALMG.

Praticamente ao mesmo tempo em que tramitava o PLC 61/2010,


citado anteriormente, cuja matéria fora publicada no Diário do
Legislativo em 29 de abril de 2010, também tramitava a Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 59/2010, publicada no Diário do
Legislativo em 22 de maio de 2016, de autoria de um terço dos
Deputados Estaduais. A referida PEC, além de exigir o título de
bacharel em Direito para oficiais, pretendia integrar os Oficiais
do QOPM na carreira jurídica militar do Estado. A PEC fora
aprovada, transformando-se na Emenda à Constituição 83/2010.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 19


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

Na justificação da PEC 59/2010, definiu-se que carreira jurídica


é pertencente àqueles que lidam rotineiramente com atividades
jurídicas, como juízes, promotores, defensores públicos e
procuradores do estado e se argumentou que os Oficiais da
PMMG exercem cotidianamente funções que demandam
conhecimento jurídico, como aplicação da lei penal militar e
processual penal militar, citando também o Tribunal de Justiça
Militar, composto por Juiz Coronel PM (MINAS GERAIS, 2010b).

O texto ressaltou, ainda, ser fundamental a manutenção de


igualdade de status funcional entre Delegado de Polícia Civil e
Oficial de Polícia Militar, com equiparação da carreira jurídica,
afirmando que a aprovação da PEC iria ao encontro do princípio
da eficiência, representando um avanço e adequação à
administração pública moderna (MINAS GERAIS, 2010b).

A alegação de manter igualdade de status entre o Oficial da PM e


delegado da Polícia Civil, este já integrante das carreiras jurídicas
do Estado, deixa vestígios de que a emenda nº 2 da Comissão de
Direitos Humanos para o PLC 61/2010, que propunha exigência
de curso superior para Oficial, mas não especificamente
apenas bacharel em Direito, que fora suprimida sem motivos
publicitados, possa ter ocorrido de forma a não inviabilizar a PEC
59/2010.

A PMMG esteve presente durante todo o processo de discussão


na ALMG. Conforme veiculado em diversas reportagens, que
podem ser encontradas no site da Associação dos Oficiais
da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado
de Minas Gerais (AOPMBM), por exemplo, constam que as
alterações propostas foram uma solicitação do Comando da
PMMG ao Governo do Estado. Outra observação noticiada, é
que policiais militares lotaram as sessões da ALMG em que se

20 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020


Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

discutiram o tema.

A alteração legal, demonstrada nessa equiparação, faz com que


as Polícias Civil e Militar distanciem-se ainda mais. Prova disso,
é que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4448)
contra a Emenda à Constituição nº 83/2010 foi impetrada pela
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) (BRASIL,
2010).

A atividade de polícia judiciária, conforme já mencionado na


revisão bibliográfica, é apenas uma das diversas atividades
exercidas sob o comando de um Oficial de qualquer polícia militar
brasileira. Há, também, uma gama de atividades de gestão:
de pessoas, logística, financeira, educacional, administrativa
e de planejamento. Bem como, comunicação organizacional,
tecnologia da informação e de sistemas, comunicação, exercida
nos três níveis do planejamento, além do comando de tropa nas
atividades-fim, exercidas por Oficiais da PM.

Ressalta-se que o Curso de Formação de Oficiais não foi extinto


com a exigência do bacharelado em Direito, à época foi possível
reduzir disciplinas, o que resultou também na diminuição do
tempo de formação, implicando, nesse sentido, em redução
de custos e em oferta mais rápida de recursos humanos no
policiamento. Contudo, atualmente, houve o retorno de várias
disciplinas.

Fica evidente que é necessário conhecimento multidisciplinar


(incluindo o jurídico, mas não só ele) para que a organização
funcione de forma moderna e eficaz. Excetuando os coronéis,
que ocupam a função de Juiz Oficial do Tribunal de Justiça Militar,
os demais Oficiais da PM exercem atividades de naturezas
diversas, não possuindo em suas funções atividades que tenham
como objeto, unicamente, o conhecimento jurídico. Observe,
por exemplo, os Oficiais que atuam na administração escolar,
logística, de material bélico e de análise criminal. São funções

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 21


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

que não exigem o conhecimento especifico do Direito, e sim de


inúmeras outras ciências.

Rudnicki (2007) realizou uma pesquisa relacionada à formação


dos Oficiais da Polícia Militar do Rio Grande do Sul (Brigada
Militar), a qual passou a exigir o título de bacharel em Direito para
Oficiais em 1997. O autor pesquisou se essa exigência integrava a
ideia de defesa do cidadão ou se estava limitada a uma estratégia
de reivindicação de melhoria salarial e voltado para a defesa do
Estado. A Brigada Militar foi a primeira Polícia Militar do país a
exigir nível superior de escolaridade para ingresso. Tal alteração
foi definida pela Lei Estadual nº 10.992 de 1997.

A tese concluiu que a exigência de graduação em Direito surgiu


como forma de reivindicação de melhoria salarial; equiparação
com as carreiras jurídicas, em especial com os Delegados
de Polícia Civil; como adequação para possuir a qualificação
necessária para realizar o ciclo completo de polícia1, uma
ambição das polícias militares brasileiras; e como prevenção à
possibilidade de unificação das polícias.

Rudnicki (2007, p. 333), em suas conclusões, alerta que:

[...] a Corporação esqueceu, propositadamente ou


não, que, dos cursos de graduação em Ciências Sociais
Aplicadas, os de Ciências Jurídicas e Sociais são, de
modo geral, os mais legalistas, os mais conservadores
e positivistas. Logo, ainda que sirvam para o objetivo
de respeitar as leis de um Estado Democrático de
Direito, por outro lado, comparativamente, talvez
não sirvam plenamente à finalidade de formar oficiais
críticos, reflexivos, preparados para atuar conforme as

1
A mesma instituição policial poder realizar atividades de prevenção, osten-
sivas e de investigação, inclusive fornecendo provas ao Ministério Público.

22 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020


Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

necessidades do policiamento moderno.

Os argumentos utilizados para mudança do nível de escolaridade


para ingresso na PMMG atrelaram-se a ideias parecidas com
os motivos utilizados no Rio Grande do Sul, no ano de 1997, e
que tiveram, naquela ocasião, mais interesses corporativistas e
políticos do que visando à real melhoria do serviço público, ao
menos na ponta, considerando que é a praça que, notoriamente,
está à frente das ocorrências com maior necessidade do serviço
policial, não sendo ela adstrita a uma formação exclusiva em
Direito. Assim, é fatídico que “para planejar, é preciso procurar
informações recentes e consistentes sobre o problema em análise,
sem preconceber ideias ou manter-se atrelado a ideias antigas
e, somente depois, trabalhar em sua solução” (VASCONCELOS,
2009, p. 27).

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a exigir graduação em


Direito para Oficiais da Polícia Militar, podendo ser considerada
uma inovação à época. Porém, mais de dez anos depois, a PMMG
utilizar argumentos parecidos, com estudos disponíveis sobre o
tema, não se trata de inovação, nem de planejamento.

Ressalta-se ser fatídico que a arena política é mais complexa do


que a realidade pura e simples impressa no que está no papel.
Contudo, houve um consenso e a lei foi aprovada na casa do povo
que é a assembleia legislativa. Há pressões por todos os lados
e de diversos atores, o que é estudado na ciência política, área
esta não abordada no presente artigo, o que poderia explicar
parte das decisões tomadas pela PMMG como corporação.

1.2 Consequências identificadas após a exigência de nível


superior na PMMG

Mozzer (2015) analisou as turmas que ingressaram na PMMG,


pelo Curso de Formação de Oficiais (CFO), tendo como exigência
a graduação em Direito nos anos de 2012 a 2015. O estudo

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A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

identificou uma mudança expressiva no perfil dessas pessoas,


comparando-as com as turmas anteriores. Ainda, apontou que
mais da metade dos oficiais (56,91%) que ingressaram entre os
anos de 2013 a 2016 terão pouca ou nenhuma probabilidade de
ascender ao posto de Tenente-coronel durante a sua carreira.
O motivo é que essa grande parcela já era praça da PMMG
antes de ingressar no CFO, já possuindo tempo de serviço na
instituição. Portanto, seguindo o sistema de promoção vigente,
os resultados do estudo preveem que haverá insuficiência de
Tenentes-coronéis a partir de 2032, pois o novo perfil do policial
militar não se adequa ao sistema de promoção vigente (MOZZER,
2015).

Oportuno recordar que os cargos de Coronel e Tenente-coronel


são os últimos postos do oficialato da PMMG e que compõem a
chefia das principais seções da PMMG, seja na atividade-fim ou
atividade-meio.

Outra consequência percebida após a exigência de nível superior


de escolaridade para ingresso na PMMG é o uso do diploma de
curso sequencial como comprovação da posse de nível superior
pelo candidato. Um desses cursos disponíveis no mercado,
por exemplo, é realizado em um período de três meses, na
modalidade de ensino à distância.

O argumento utilizado pelas empresas que fornecem o curso


sequencial, e por consequência pelos alunos que o cursam, é
que o artigo 5º da Lei 5.301/1969 traz como requisito “possuir
nível superior de escolaridade para ingresso na Polícia Militar”,
sem maior especificação.

A Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional, define em seu artigo
44, inciso I, que a educação superior abrangerá, além da

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

graduação, da pós-graduação e da extensão, “cursos sequenciais


[...] que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições
de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou
equivalente”.

Uma possível alteração na legislação que mude novamente a


exigência de escolaridade na PMMG terá que ser submetida
ao poder legislativo estadual, pois a ALMG é quem tem a
competência para chancelar os requisitos que condicionam o
ingresso no serviço público.

Em 29 de junho de 2018, a Polícia Militar de Minas Gerais publicou


o Edital nº 06/2018, para concurso público para admissão ao
Curso de Formação de Soldados para o ano de 2019. Em 29 de
agosto de 2018, há menos de uma semana da realização das
provas escritas, marcadas para 02 de setembro de 2018, a Justiça
de Minas Gerais suspendeu o concurso em questão, ordenando
que o Estado retificasse o edital para exigência de nível médio
de escolaridade, no prazo de 30 dias, com a reabertura das
inscrições (MINAS GERAIS, 2018b).

A decisão foi por liminar expedida pela 4ª Vara da Fazenda


Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, motivada
por uma Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública
da comarca de Ipatinga. Um dos argumentos foi o decreto nº
413/2015, citado anteriormente nesta pesquisa, que prorrogava
a exigência de nível médio até o ano de 2020.

Em 31 de agosto de 2018, a pedido do Estado de Minas Gerais,


o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG),
suspendeu a liminar acima descrita e manteve o concurso em
andamento (MINAS GERAIS, 2018b). Em um intervalo de menos
de uma semana da realização das provas, o concurso foi suspenso
e retomado por decisões judiciais.

Por uma sequência lógica de raciocínio, antes se exigia nível

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 25


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

médio de escolaridade para ingresso na PMMG, em que os


aprovados qualificavam-se em um curso técnico para soldado,
ou em uma graduação para Oficial. Com a exigência de nível
superior, não se mantém a mesma lógica. O Curso de Formação
de Soldado deixou de ser técnico e passou a ser uma graduação
tecnológica entre 2014 e 2016. A partir de 2017 voltou a ser um
curso livre, contudo, mantendo a exigência de nível superior de
escolaridade.

1.3 Planejamento na Administração Pública

A PMMG é uma instituição pública com gestão burocrática e


estruturada de forma funcional, tem seu planejamento formal
dividido nos níveis estratégico, tático e operacional, acrescida
da divisão por funções operacionais e funções administrativas.
A forma de atuação operacional é dividida por territórios
geográficos articulados em regiões, áreas, subáreas e setores
(BARROSO, 2008).

O processo de planejamento é uma atividade de extrema


relevância para que as organizações públicas adequem-se às
realidades sociais contemporâneas; é um instrumento capaz de
conduzir racionalmente as organizações na direção almejada.
Planejar é escrever o que se pretende para o futuro, é saber o
que fazer, quando fazer, onde fazer, como fazer, com quanto fazer
e para quem fazer. O planejamento deve partir do geral para
o específico, tendo entre eles o planejamento intermediário,
integrador. Todos os três níveis devem orientar os esforços
internos das organizações com o objetivo de alinhá-los com o
ambiente externo, a fim de agregar valor e gerar economia
(CATAPAN et al, 2013).

Almeida (2015) afirma que para atingir os objetivos, o


planejamento tem que estar em harmonia com a missão. É tal

26 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020


Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

conceito que vai apontar o caminho a ser percorrido e o modo


pelo qual a organização atingirá suas metas. O planejamento
estratégico deve desenvolver o plano, pensar em como implantá-
lo, fazer seu controle. O planejamento estratégico é executado
pela alta administração, abrange a organização como um todo,
envolve objetivos e estratégias de longo prazo e constituem o
ponto de partida para os planejamentos táticos e operacionais.
Os objetivos traçados nesse nível de planejamento são gerais
(NOGUEIRA, 2014). O nível estratégico da PMMG é composto pelo
Comando-Geral e o Estado-Maior, este composto pelas seções de
Recursos humanos, Inteligência, Emprego Operacional, Logística
e Tecnologia, Comunicação Organizacional e Coordenação
administrativa (MINAS GERAIS, 2002).

O planejamento tático leva os objetivos gerais (nível estratégico)


para o domínio de uma área específica da organização (nível
operacional). Entre o nível estratégico e o nível operacional
existe uma considerável diferença de comportamento e de
conhecimento, necessitando-se de um nível intermediário para
que as decisões estratégicas sejam traduzidas e adaptadas em
planos capazes de serem entendidos e, consequentemente,
executados. O nível tático caracteriza-se como: um processo
contínuo e permanente, tendo seu foco no futuro; projetado a
curto e médio prazos; orienta o processo de tomada de decisão;
é sistêmico, interativo e flexível (CATAPAN et al, 2013; NOGUEIRA,
2014).

O nível tático da PMMG é dividido em Unidades de Direção


Intermediária (UDI), para a execução das atividades
administrativas, e Regiões da Polícia Militar (RPM), para
articulação operacional. As RPM, dezenove atualmente, são
descentralizadas por todo o estado de Minas Gerais, dividindo-o
em dezenove áreas geográficas.

O planejamento operacional é um desdobramento do plano tático


e se refere a procedimentos e ações específicas requeridos nos

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A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

níveis de execução operacional da organização. São orientados


para o curto prazo e são bastante adaptáveis às circunstâncias
que se apresentam no dia a dia (NOGUEIRA, 2014).

As unidades de execução da PMMG realizam as atividades-fim


e atividades-meio em cumprimento ao planejamento tático
e estratégico. As UDI possuem suas seções subordinadas e
cada RPM é composta por batalhões, companhias, pelotões
e destacamentos. Todos os Batalhões da Polícia Militar têm
autonomia administrativa e realizam, assim como as RPM,
atividades de gestão de pessoas, inteligência, empenho
operacional, logística, comunicação organizacional, secretaria e
almoxarifado.

Os chefes das seções dos níveis estratégico e tático; os


comandantes e subcomandantes das Regiões de Polícia Militar,
bem como os chefes das seções administrativas das RPM; e os
comandantes e subcomandantes dos Batalhões da Polícia Militar,
são funções de Coronel, Tenente-coronel e Major. Esses cargos
só são alcançados por policiais militares, durante a carreira, que
ingressam na PMMG através do Curso de Formação de Oficiais,
cuja exigência para admissão é a graduação em Direito.

A PMMG não possui concurso específico e especializado


para às necessidades administrativas, sendo esses cargos
preenchidos por militares advindos da atividade operacional. Se
a administração não atende as necessidades operacionais, há
reflexos para toda a organização, comprometendo a qualidade
da prestação de serviços (EVANGELISTA NETO, 2001).

A discriminação das atividades que compõe o organograma da


PMMG demonstra a abrangência e a diversificação das atividades
sob sua responsabilidade. Somado às atividades operacionais
que a Polícia Militar desempenha, evidencia-se a necessidade

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

de um apoio administrativo complexo e multidisciplinar que


seja capaz de dar sustentabilidade às atividades fim, ou seja, aos
policiais militares que trabalham nas ruas. Não estando adistrito
exclusivamente ao Direito.

“A atividade de planejamento é uma função essencial na


administração pública, sendo o ponto de partida para uma
administração eficiente e eficaz” (CATAPAN et al, 2013, p. 37).
De forma geral, o autor destaca que há duas principais fases do
planejamento na área pública, sendo a fase de preparação e a
fase de execução, definindo-as da seguinte forma:

1 - Fase de preparação: de caráter político, vai da formulação


à aprovação do plano. É uma fase essencial, a qual deve
ser precedida de pesquisa, a fim de dar condições ao órgão
planejador para um diagnóstico, visando à fixação dos objetivos
e das metas, com vistas aos programas e projetos.

2 - Fase de execução: de caráter técnico, envolve a implantação,


o controle e a avaliação do plano. Nessa fase, o planejamento
está intimamente relacionado ao orçamento, tanto que, sem
um, é impossível a existência do outro; neste ponto observa-se
que o planejamento é elemento essencial ao orçamento.

“Os princípios do planejamento aplicados à área pública


constituem as premissas que direcionam a atividade de
planejar. Seis princípios se apresentam: racionalidade, previsão,
universalidade, unidade, inerência e continuidade” (CATAPAN et
al, 2013, p. 29).

A Racionalidade: é a própria essência do planejamento. Consiste


na relação de alternativas de ação, com a finalidade de fixar
uma conduta final que propicie o máximo aproveitamento dos
recursos empregados.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 29


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

Previsão: os programas devem ser dimensionados no tempo, ou


seja, deve-se fixar o período dentro do qual os objetivos serão
atingidos em curto, médio e longo prazos.

Universalidade: o planejamento deve abranger todas as etapas


do processo econômico, social e administrativo, para que se
tenha orientação coerente e disciplinada dentro do quadro de
constante mutação que se observa.

Unidade: o planejamento deve formar um todo orgânico e


compatível, para que se evitem duplicidade de esforços e
desperdícios de recursos.

Inerência: nada será realizado com eficiência se não houver


planejamento de suas diretrizes de acordo com as mutações do
meio social.

Continuidade: o planejamento deve ser permanente, de duração


ilimitada.

2 METODOLOGIA

O presente artigo parte do estudo de caso sobre a exigência de


nível superior para ingresso na PMMG. Utiliza-se a base lógica de
investigação do método dialético, no qual se buscam diferentes
pontos de vista sobre o assunto, com o fim de estabelecer
um conhecimento fundado em argumentação sólida, com
interpretação dinâmica da realidade, tratando o tema dentro do
contexto social, institucional e político, em que as contradições
transcendem ao serem comparadas às teorias do planejamento
na Administração Pública e as revisões da literatura (DIEHL;
TATIM, 2004).

A pesquisa se classifica como exploratória, pois, de acordo com

30 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020


Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Gil (1999), proporciona ao leitor maior familiaridade com o


problema à medida que o torna mais explícito.

O procedimento técnico adotado utiliza-se de pesquisa


documental, pela análise das fundamentações utilizadas nas
tramitações do Projeto de Lei Complementar 61/2010 e da
Proposta de Emenda à Constituição 59/2010, na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, e outros materiais relativos ao tema,
que ainda não haviam recebido tratamento analítico, somado
à pesquisa bibliográfica. Esta combinação possibilitou ratificar
a dialética quando se confronta o que os estudos científicos
indicam, com a maneira como as alterações, na exigência de nível
de escolaridade para ingresso na corporação, foram adotadas
pela PMMG.

3 À GUISA DE UMA CONCLUSÃO

A discussão de políticas públicas na área de segurança pública,


no Brasil, tem sido predominantemente de responsabilidade
de militares, especialistas em Direito e policiais, ao contrário
do desejável, que seriam equipes multidisciplinares (SOARES,
2001 apud YAMAWAKI; SALVI, 2013, p. 152). Até mesmo pelo
fato de que não há, com tais agentes, consenso teórico capaz
de alinhar, ao mesmo tempo, ideologias, relações de poder e o
desenvolvimento da segurança pública.

A exigência de nível superior de escolaridade na PMMG seguiu


uma tendência já adotada em outros estados do país. Analisando
as justificativas para essa mudança pela Brigada Militar do Rio
Grande do Sul, através do estudo de Rudnicki (2007), percebeu-
se que houve motivos corporativistas e que a melhoria da
prestação de serviço ao cidadão não foi o principal motivo da
mudança. Minas Gerais, mais de uma década depois, utilizou de
argumentos parecidos, como se percebeu nas fundamentações
estudadas neste trabalho.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 31


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

Considerar o incremento da escolaridade superior em Direito na


admissão de seus integrantes, de modo simplista, como indutor
da excelência na profissionalização policial pode não produzir
necessariamente uma prestação de serviços de qualidade
superior. A questão parece mais complexa (DANTAS; BRITO,
2010).

Pode-se perceber que exigir graduação em Direito para os Oficiais


na PMMG teve como objetivo equiparar-se aos delegados de
polícia civil para estarem aptos à uma possível integração como
carreira jurídica. As fases de planejamento na área pública, de
preparação e de execução, ficaram prejudicadas.

Na fase de preparação, precedida de pesquisa, seria possível


estudar os demais casos já ocorridos nas outras polícias militares,
como o estudo de Rudnicki (2007). Outro fato a observar é
que a Polícia Militar e o Bombeiro Militar de Minas Gerais são
regidos pela mesma legislação. Ambos exigiam nível médio de
escolaridade para ingresso até 2010.

Na análise do Projeto de Lei Complementar 61/2010, a primeira


preocupação foi assegurar que para o ingresso no Corpo de
Bombeiros se mantivesse a exigência da escolaridade em nível
médio. As justificativas elencadas de que as responsabilidades dos
cargos militares demandam um nível mais alto de escolaridade,
para que se tenha melhores condições para a defesa e o respeito
aos direitos humanos, se estivessem voltadas à melhoria do
serviço público ao cidadão e estivessem baseadas em um amplo
estudo prévio de preparação, também seriam aplicáveis ao
Corpo de Bombeiros Militar.

Abri-se uma celeuma contra a isonômia, visto que o tenente


do Corpo de Bombeiros têm as mesmas funções do tenente da
Polícia Militar, percebe o mesmo vencimento, tem a mesma lei

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Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

orgânica (Lei 5.301/69), também exerce a função de juíz militar,


contudo, o CFO dos Bombeiros exige nível médio.

Em uma transmissão por vídeo, em 13 de setembro de 2019,


em uma rede social pela internet, o Deputado Estadual Sargento
Rodrigues, envolvido na tramitação dos textos que resultaram
na exigência de nível superior de escolaridade para ingresso na
PMMG em 2010, comentou o assunto objeto desta pesquisa.
Ao discorrer sobre algumas de suas participações durante sua
carreira como deputado, relacionadas à Segurança Pública, ele
citou a exigência de bacharelado em Direito e a carreira jurídica
para Oficiais da PMMG. Na ocasião, Rodrigues (2019) disse que:

a carreira jurídica dos oficiais que nós defendemos aqui


(na ALMG) em 2010 foi para não perder o atrelamento
com os delegados de polícia. Essa emenda constitucional
só foi aprovada porque este deputado (Sargento
Rodrigues) suspendeu o plenário por sete vezes até que
houvesse quórum. Eu tirei o deputado Carlos Pimenta,
que estava casando sua filha no cartório [...] para trazer
o deputado aqui e votar favoravelmente. Isto foi para
não perder a paridade com os Delegados de Polícia.
Coisas que muitos de vocês não ficam sabendo.

A declaração do Deputado reforça o entendimento de que


houve mais interesses políticos e corporativistas, equiparando-
se Oficiais e Delegados, do que planejamento ou interesse na
melhoria da qualidade da prestação do serviço policial e da
segurança pública.

O uso do planejamento na administração pública é fundamental


para que esta se torne eficiente e eficaz. Relacionando as
alterações nas leis aqui estudadas com os princípios do
planejamento aplicados à área pública, percebe-se a existência
de incompatibilidades.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 33


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

A previsão afirma que os programas devem ser bem definidos


no tempo em que serão aplicados e seus resultados atingidos.
Contrapondo-se a isso, a exigência de nível superior na PMMG
foi aplicada de forma imediata para Oficiais e não definida
claramente para praças. A exigência de graduação em Direito
para Oficiais passou a valer de imediato, ao passo que a exigência
de nível superior para praças foi prevista para um intervalo de
cinco anos após a aprovação da lei, podendo ser prorrogável por
igual período.

Dessa falta de previsibilidade, resultou que, em 2015, houvesse


um edital para recrutamento de praças com nível superior. Pouco
tempo depois, expediu-se o Decreto nº 413/2015 do Governo
do Estado, prorrogando por mais 5 anos tal exigência. Decreto
este que não foi cumprido. Em 2018, como apresentado neste
estudo, o concurso para Soldado sofreu intervenção judicial sob
o argumento apresentado no mesmo Decreto.

Essa diversidade de entendimento gera insegurança e gastos de


recursos, contrariando os princípios do planejamento aplicados
à área pública: a unidade e a racionalidade.

O estudo de Mozzer (2015) mostrou que a maior parte dos que


se tornaram Oficiais da PM, através do CFO, após a exigência do
bacharelado em Direito, já eram Praças da PMMG e não atingirão
os dois postos mais altos da instituição, por já possuírem tempo
de efetivo serviço como Praça.

Isso demonstra que aqueles Oficiais que eram praças não serão
valorizados à longo prazo pela nova legislação, ao passo que
aqueles que eram civis e ingressaram na PMMG diretamente
através do CFO não terão concorrência quando atingirem os dois
últimos postos da PMMG, sendo claramente beneficiados.

34 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020


Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Não há óbice em se utilizar argumentos em 2010, parecidos com


os utilizados no Rio Grande do Sul em 1997, para propor mudanças
para 2020, em um ambiente de mutação social altamente rápido,
que necessita de ajustes constantes em intervalos de tempo
cada vez menores. A própria legislação prevê revisões periódicas
em intervalos de no máximo cinco anos, para aprimoramento e
atualização. Contudo, a alteração não revela maiores ganhos à
sociedade.

Não há um padrão nacional sobre a escolaridade exigida para


ingresso nas instituições policiais militares. Alguns estados,
como Minas Gerais e Santa Catarina, exigem graduação em
Direito para Oficiais e superior em qualquer área para praças;
outros estados exigem graduação apenas para Oficiais, como
Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Pará e Piauí; o Distrito
Federal exige graduação para Oficiais e praças; enquanto São
Paulo, por exemplo, a exigência é nível médio.

Ao invés de buscar soluções e modernização conjunta, Executivo,


Legislativo e Judiciário se acusam mútua e ciclicamente como
responsáveis pela situação da violência atual (RUDNICKI, 2007).
A solução de um problema de segurança pública necessita da
atuação de diversas instituições. Apenas uma evolução do sistema
como um todo, não só em nível estadual, mas também nacional
e municipal, fará com que o planejamento tenha continuidade e
ocorra de forma abrangente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sustentada pelas pesquisas já publicadas no meio acadêmico e


pela análise documental apresentada, esta pesquisa considera
que a PMMG precisa se atentar para a necessidade de ações
estratégicas e planejamento referente à gestão de pessoas a
curto, médio e longo prazos.

Os motivos alegados para se exigir o nível superior em Direito

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020 35


A EXIGÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR PARA INGRESSO NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: análise sob a ótica do planejamento na
administração pública

como requisito para ingresso no quadro de Oficiais via CFO foi


motivado por questões outras que não o enfoque social. Ou
ainda, não o foi com vistas à ampliação, primeira, da qualidade
do serviço operacional. Se assim fosse, qual seria o motivo para
que praças tenham como requisito a formação nas diversas
ciências e não apenas em Direito? Além do mais, é sabido que a
base (praças) é que sustentam a pirâmide hierárquica e mesmo
a estrutura operacional, pois são elas as quais mais executam
a atividade-fim e não são exclusivamente formados em Direito,
mas em várias outras ciências. Dái se pergunta: o que enseja a
ruptura na isonomia de acesso ao QOPM quando é a junção das
ciências que permite a evolução humana, portanto, também a
social?

A PMMG é responsável pela gestão de todas as suas atividades,


não apenas nas questões relativas às normas jurídicas. Como
demonstrado neste trabalho, a gestão de pessoas, a logística,
comunicação organizacional, atividades de assistência social,
docência para crianças e adolescentes (PROERD), tecnologia
da informação e comunicação, são algumas das atividades
de responsabilidade da corporação que tendem a não ser
beneficiadas diretamente com a exigência exclusiva de graduação
em Direito para seus futuros gestores.

Referente à gestão de pessoas, apesar do discurso que a exigência


de graduação em Direito para o oficialato refletiria em uma
política de reconhecimento e valorização de pessoas, os Oficiais
que eram praças na PMMG, antes de ingressarem no CFO com
o curso de Direito (público interno), não são beneficiados, uma
vez que terão menos ou quase nenhuma chance de alcançar os
postos mais altos da PMMG, em comparação com o público civil
que acessa diretamente o CFO.

36 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 10-40, jan./jun. 2020


Thiago Ramos dos Santos e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Considera-se, portanto, que o presente artigo atendeu ao objetivo


proposto. Através de um estudo multidisciplinar e gerencial,
não apenas atrelado ao conhecimento jurídico, avaliou-se de
forma moderada a questão, em busca de novas possibilidades e
com informações recentes e consistentes sobre o problema em
análise.

Ao mesmo tempo em que o estudo não se atrelou a ideias antigas,


também não buscou dar uma solução definitiva ao problema. Ao
torná-lo mais explícito, pela interpretação dinâmica da realidade
e pelas contradições demonstradas, evidenciou-se necessário
uma continuidade de estudos sobre o tema, em diferentes
vertentes do conhecimento, a fim de que se construa uma rede
de propostas que vise melhorar a instituição policial militar e o
sistema de segurança pública como um todo.

Modernizar e evoluir em segurança pública deve ocorrer com


a adoção de medidas universais e não apenas isoladas. Um
problema complexo como a segurança pública, não se resolve
com soluções simples e modelos prontos. A medida adotada
revela erros e acertos que tal qual qualquer política pública
submete-se. De tal sorte, esse estudo não visa tapar o sol, apenas
amplia o horizonte.

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RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

João Paulo Fiuza da Silva


Mestre em Administração (UFMG), Especialista em Segurança
Pública pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, Capitão
da Polícia Militar de Minas Gerais.

Cláudio Torres de Assis


Especialista em Segurança Pública pela Academia de Polícia
Militar de Minas Gerais, Capitão da Polícia Militar de Minas
Gerais.

Deivison Lopes de Oliveira


Especialista em Segurança Pública pela Academia de Polícia
Militar de Minas Gerais, Capitão da Polícia Militar de Minas
Gerais.

Osmar Faria Pereira


Especialista em Segurança Pública pela Academia de Polícia
Militar de Minas Gerais, Capitão da Polícia Militar de Minas
Gerais.

Márcio Lopes Ferreira


Especialista em Segurança Pública pela Academia de Polícia
Militar de Minas Gerais. Capitão da Polícia Militar de Minas
Gerais.

RESUMO: O presente artigo se propõe a avaliar, a


partir de metodologia teórico-empírica, o processo
de recrutamento e seleção na Polícia Militar de Minas
Gerais (PMMG), especificamente para os cargos de
Soldado dos Quadros de Praças (QP-PM) e Praças
Especialistas da Polícia Militar (QPE-PM) e Tenente do
Quadro de Oficiais da Polícia Militar (QO-PM). Para
tanto, foi realizada pesquisa com objetivo descritivo,
de abordagem qualitativa e com procedimento de

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 41


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

análise documental, buscando verificar a aderência


das práticas de recrutamento e seleção da organização
ao que é preconizado pela literatura especializada. Os
resultados da pesquisa apontam para o descolamento
entre o proposto na literatura e as práticas da PMMG,
evidenciando a necessidade de aperfeiçoamento dos
processos em vigor na organização.
Palavras-chave: Gestão por competências. Gestão de
recursos humanos. Recrutamento e seleção. Polícia
Militar.

ABSTRACT: This paper proposes to evaluate, by a


theoretical-empirical methodology, the recruitment and
selection process in the Military Police of Minas Gerais
(PMMG), specifically for the positions of Private of Non-
comissioned Officers and Specialized Non-comissioned
Officers career fields and Lieutenant of the Military Police
Officers career field. Therefore, a research was carried out
with a descriptive objective, with a qualitative approach
and a documental analysis procedure, seeking to verify
the adherence of the practices of recruitment and
selection of the organization to what is recommended
in the specialized literature. The results of the research
point to the detachment between the proposed in the
literature and the PMMG practices, evidencing the need
to improve the processes in force in the organization.
Keywords: Managemente by competencies. Human
Resource Management. Recruitment and selection.
Military Police.

INTRODUÇÃO

O presente artigo se propõe a avaliar, a partir de metodologia


teórico-empírica, o processo de recrutamento e seleção na

42 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), especificamente para


os cargos de Soldado dos Quadros de Praças (QP-PM) e Praças
Especialistas da Polícia Militar (QPE-PM) e Tenente do Quadro
de Oficiais da Polícia Militar (QO-PM), considerando o fato de
serem voltados para a seleção externa de pessoas e de serem
sucedidos por curso de formação específico. A proposta é
analisar se as práticas de recrutamento e seleção da PMMG
estão alinhadas à perspectiva da gestão por competências
atualmente compreendida como a melhor prática, seja no setor
público ou privado, para o provimento de cargos em todos os
níveis organizacionais, constituindo-se como fonte de diferencial
competitivo e alto desempenho organizacional (BRANDÃO e
BAHRY, 2005).

A temática está presente nos planos estratégicos da Polícia


Militar de Minas Gerais (PMMG) desde o início de 2001, até
o último, este tem vigência de 2016 a 2019 e prevê, como um
dos seus objetivos estratégicos, “potencializar o desempenho
institucional por meio da Gestão por Competências.” (MINAS
GERAIS, 2018, p. 41).

O consenso verificado na literatura especializada no sentido de que


a adoção de práticas de gestão por competências é indissociável
de uma gestão pública adequada à contemporaneidade, como
exemplificam os estudos de Guimarães (2000) e Freitas e Jabbour
(2010), aliado ao contexto de realização do presente estudo,
revelam sua relevância tanto sob o ponto de vista acadêmico,
quanto empírico. A primeira, por contribuir para o crescimento
incremental do conhecimento no campo da gestão pública em
âmbito nacional, à semelhança dos trabalhos já mencionados.
A segunda, por fornecer elementos de análise aos gestores da
organização em que o estudo se insere, oferecendo possibilidades
de melhorias em suas práticas de gestão de recursos humanos,
neste caso, no que se refere ao recrutamento e seleção.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 43


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

Para tanto, foi realizada uma pesquisa com objetivo descritivo,


utilizando-se de procedimentos de análise documental, em uma
abordagem qualitativa, na qual se buscou avaliar se as práticas
de recrutamento e seleção da PMMG têm aderência ao que a
literatura prescreve para a Gestão por Competências. A análise

recaiu sobre os editais do último concurso1 para provimento


dos cargos de Soldado do Quadro de Praças PM (QP-PM) e
Especialistas (QPE-PM) da PMMG e de 2º Tenente do Quadro
de Oficiais da Polícia Militar (QO-PM)2 e sobre os respectivos
perfis profissiográficos. A delimitação, pelos citados cargos, deu-
se por dois motivos: a) o fato de se destinarem ao provimento
originário de cargos, ou seja, ambos se destinam ao ingresso de
pessoas externas à corporação; b) por tratarem-se dos cargos
eleitos como prioridade, no Plano Estratégico 2016-2019, para
a elaboração dos respectivos perfis profissiográficos (MINAS
GERAIS, 2018, p. 37)3 . Agrega-se aos motivos retro, o tempo
disponível para a realização da pesquisa.

¹Foram analisados: Edital DRH/CRS nº 06/2018, de 29 de junho de 2018 - Concurso nº


0618 - Concurso Público para Admissão ao Curso de Formação de Soldados da Polícia
Militar de Minas Gerais (QPPM), para o ano de 2019 (CFSD QPPM/2019); Edital DRH/
CRS nº 10/2018, de 17 de setembro de 2018 - Concurso nº 1018 - Concurso Público
para Admissão ao Curso de Formação de Soldados do Quadro de Praças Especialistas
(QPE) da Polícia Militar de Minas Gerais para o ano de 2019, vagas para as categorias
de saúde (CFSD QPE/2019 - Saúde); Edital DRH/CRS nº 11/2018, de 17 de setembro de
2018 - Concurso nº 1118 - Concurso Público para Admissão ao Curso de Formação de
Soldados do Quadro de Praças Especialistas (QPE) da Polícia Militar de Minas Gerais,
para o ano de 2019, vagas para as categorias de músicos (CFSD QPE/2019- Músico);
Edital DRH/CRS nº 15/2018, de 07 de dezembro de 2018 - Concurso nº 1518 - Concurso
Público para Admissão ao Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Minas
Gerais (PMMG), para o ano de 2019.

²Os quadros estão descritos no art. 13 da Lei Estadual nº 5.301, de 19 de outubro de


1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais.

³A primeira versão do Plano Estratégico previa a elaboração de perfis profissiográficos


de Soldado e Tenente, por meio de convênio com a Secretaria Nacional de Segurança
Pública (Senasp). Durante os trabalhos, este escopo foi ampliado abrangendo todos
os demais graus hierárquicos, o que foi objeto de atualização na 2ª edição do mesmo
plano. Os perfis foram acessados em manuscrito, vez que ainda não foram publicados.

44 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

1 REFORMA GERENCIAL DO ESTADO E INCORPORAÇÃO DA


GESTÃO POR COMPETÊNCIAS NO SETOR PÚBLICO

A temática que se apresenta como objeto de estudo deste artigo


guarda relação com o movimento reformista vivenciado pelas
administrações públicas de diversos Estados ao redor do mundo
a partir da década de 1980. A década em comento é marcada
pelo colapso do Estado Social e Burocrático provocado pela
Crise do Petróleo. Isso culminou na ascensão de modelos de
gestão pública influenciada pelo neoliberalismo e representada,
especialmente, pelos governos de Margareth Tatcher, na Grã-
Bretanha, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos. No mote
da discussão estavam questões como o tamanho, o papel, a
eficiência, o custo do Estado e a necessidade de reformá-lo para
caber na nova realidade fiscal enfrentada à época (BRESSER-
PEREIRA, 1998).

Novos modelos de governança pública surgem, como o New


Public Management (NPM), de escola britânica, e o New Public
Administration (NPA), no contexto americano. Em comum, a
característica de incorporarem à gestão pública valores e práticas
gerenciais da iniciativa privada, inclusive deslocando o foco
autorreferente de atuação do Estado (típico da Administração
Burocrática) para o atendimento das demandas do cidadão,
surgindo a figura do usuário-cliente (BRESSER-PEREIRA, 1998).

Destarte, questões como a qualidade dos serviços prestados,


a eficiência, a eficácia e a efetividade das políticas públicas
promovidas pelo poder público passam a estar no centro das
preocupações da gestão estatal. Influenciados e inclusive
financiados por agências internacionais de fomento, esses
modelos são incorporados à gestão pública no Brasil a partir da
década de 1990 e, em Minas Gerais, na primeira década dos anos
2000 (PECI et al., 2008; SARAIVA e CAPELÃO, 2000; BRESSER-
PEREIRA, 1998). Como afirma Guimarães (2000), esses modelos

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 45


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

de gestão apresentam variações que podem ser posicionadas


em quatro quadrantes assentadas nos eixos da eficiência e
racionalidade e desenvolvimento e cidadania (FIGURA 1).

Figura 1 - Modelos da nova administração pública

Fonte: GUIMARÃES, 2000, p. 130.

Para compreensão dos termos, deve-se considerar o downsizing


e descentralização como a redução do tamanho do estado e a
redistribuição de suas funções – principalmente políticas públicas
– para a iniciativa privada, entes paraestatais ou mesmo para
entes federativos subnacionais (Estados e Municípios). Como
impulso para a eficiência, a preocupação com o melhor emprego
de recursos, inclusive pessoas, e a redução de custos. A busca para
a excelência e a orientação para o serviço público convergem-
se em direção à qualidade dos serviços públicos e à capacidade
de atendimento às demandas do cidadão (GUIMARÃES, 2000;
FREITAS e JABBOUR, 2010).com pensamentos sobre reais e
potenciais casos práticos apresentados ao longo do artigo,
devem ser entendidas como fruto de um processo científico
de tensionamento dos referenciais teóricos tanto das ciências
jurídicas quanto de apropriações das ciências da comunicação,

46 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

em busca sínteses em movimento para melhores conciliações/


ponderações dos princípios e até mesmo das regras do sistema
jurídico pátrios.

As práticas e saberes em gestão de recursos humanos no setor


público não ficaram imunes a esse processo e a incorporação
de ações gerenciais, até então típicas do setor privado, são
agregadas à gestão pública, buscando aumentar os níveis
de desempenho nos serviços prestados ao público interno
e externo. Este movimento representou uma inflexão em
relação ao modelo tradicional de gestão de recursos humanos
na Administração Pública, incluindo as áreas de recrutamento
e seleção, uma vez que havia predomínio de uma postura
eminentemente normativa e prescritiva, voltada à realização
de tarefas rotineiras, escriturais, concessão de direitos, dentre
outras, e não para a gestão dos recursos voltada à consecução da
estratégia da organização (FREITAS; JABBOUR, 2010).

No contexto do denominado modelo tradicional de recrutamento


e seleção, a seleção de pessoal recorre, com frequência, à
descrição e análise de cargos, nas quais o selecionador tem
acesso ao perfil do cargo ou função para o qual se fará o processo
seletivo. Quando esse processo passa a ser operado pelo modelo
da competência, entram em jogo novas exigências para inserção
dos candidatos ao trabalho, implicando competências móveis,
fluidas, que escapam ao tradicional perfil profissiográfico (PINTO;
GOMES, 2017, p. 627).

Não obstante já estar cristalizada uma compreensão de que


a gestão por competências apresenta vantagens bastante
significativas em relação à gestão tradicional, a sua aplicação
no recrutamento e seleção no serviço público ainda é uma
questão mal resolvida, com o predomínio de processos seletivos
focados no cargo, com técnicas quase sempre inadequadas

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 47


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

ou insuficientes para a seleção dos melhores quadros, com o


predomínio de exames de conhecimentos em provas objetivas
e não de competências (FONTAINHA et al., 2015; COELHO e
MENON, 2018).

Coelho e Menon (2018) chamam a atenção para a necessidade


de se ultrapassar o discurso e aprofundar as discussões em torno
da gestão por competências no setor público, principalmente
no que concerne ao processo de recrutamento e seleção. Na
visão dos autores, o processo seletivo via concurso público se
apresenta de modo anacrônico às práticas de gestão pública e de
recursos humanos na contemporaneidade ao focar nos aspectos
jurídicos em detrimento das demandas organizacionais.

Para tanto, Guimarães (2000) aponta para a necessidade de


observar alguns pressupostos para a implementação da gestão
por competências nas organizações, em especial no setor
público, quais sejam: a necessidade de ter uma estratégia
bem definida e comunicada de forma clara ao público interno
e externo; o segundo pressuposto seria a necessidade de
construir um ambiente favorável à participação e à inovação,
como empoderamento das pessoas e fomento às equipes de
alta performance; e a coerência entre as práticas gerenciais,
incluindo a área de gestão de recursos humanos e as políticas e
diretrizes da organização.

2 RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS

2.1 O recrutamento e seleção como subsistemas da gestão de


recursos humanos

Classicamente, a Gestão de Recursos Humanos ou GRH é dividida


em quatro subsistemas: o recrutamento e a seleção; o treinamento

48 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun.


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Marcio Lopes Ferreira

e desenvolvimento; a gestão de carreira, cargos e remuneração


e a avaliação de desempenho (PIRES et al., 2005). Moraes e
Coelho (2018) citando Longo4 (2007), por sua vez, afirmam
que os subsistemas de recursos seriam sete: planejamento da
força de trabalho; organização do trabalho; gestão do emprego;
gestão de desempenho; gestão da compensação; gestão do
desenvolvimento e gestão de relações humanas. Para os autores,
os subsistemas devem ser compreendidos como o agrupamento
de prioridades que direcionam a estratégia de gestão de recursos
da organização, ou em outras palavras, as áreas de especialização
da GRH, na busca do melhor desempenho organizacional.

O recrutamento e seleção é um subsistema composto por


duas atividades distintas. O recrutamento consiste na atração
de candidatos considerados qualificados para ingressarem na
organização (CHIAVENATO, 1999). Neste sentido, o recrutamento
envolve a definição do perfil do candidato que se pretende
angariar e na implementação de métodos e técnicas para a
localização de uma massa de candidatos a serem inseridos no
processo de seleção, usando-se banco de talentos, captação
de currículos ou abertura de editais para concursos públicos
(CARVALHO, 2015).

A seleção, por sua vez, consiste nas práticas voltadas ao


peneiramento dos candidatos recrutados, verificando aqueles
que se enquadram no perfil previamente estipulado pela
organização, por meio de técnicas diversas, tais como entrevistas,
testes psicológicos, dinâmicas de grupo, provas, análise de
currículo, dentre outras várias possibilidades. No caso do serviço
público a seleção, em regra, se dá via realização de concursos
abertos ao público ou no âmbito interno (CARVALHO, 2015;
MORAES e COELHO, 2018; PIRES et al., 2005).

4
LONGO, Francisco. Mérito e flexibilidade: gestão das pessoas no setor pú-
blico. Edições Fundap, 2007.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 49


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

2.2 Competência e recrutamento seleção por competência

O conceito de competência, no âmbito da Gestão por


Competências, representa um deslocamento da noção tradicional
do termo como uma atribuição legal ou normativa para a
acepção de que é a capacidade ou conjunto de capacidades de
uma organização ou indivíduo.

Prahalad e Hamel (1990) tratam do conceito de competência


no nível organizacional referindo-se a ela como um conjunto
de conhecimentos, habilidades, tecnologias, sistemas físicos e
gerenciais e de valores que geram um diferencial competitivo
para a organização.

Importante ressaltar que são as competências organizacionais


que irão determinar as competências individuais que serão
demandadas pelas organizações. Como afirma Carvalho (2015),
um dos passos indispensáveis para que possa mapear as
competências que balizarão os processos seletivos de recursos
humanos é exatamente determinar a estratégia da organização
e o conjunto de competências necessárias para sua consecução.

A construção do conceito de competência em GRH, segundo


Fleury e Fleury (2001), inicia-se na década de 1970 nos Estados
Unidos. Já naquela época, o ponto de partida dizia respeito a uma
definição que persiste até nos estudos mais contemporâneos,
com algumas variações incrementais. Neste primeiro momento,
o desafio inicial foi distinguir o que era uma aptidão – algo
compreendido como inato – e uma competência, algo que
poderia ser desenvolvido ou aprendido. Essa demarcação é
extremamente relevante para o subsistema de recrutamento
e seleção, vez que o gestor deve estar atento ao fato de que
nem sempre as competências pretendidas estarão disponíveis
no universo de recrutamento, mas poderão ser desenvolvidas

50 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

internamente, no âmbito da própria organização, após a inclusão


do indivíduo em seus quadros.

Indo em direção ao conceito do construto da competência, é


importante mencionar que a definição se diferencia conforme
duas escolas distintas de estudos sobre competências, quais
sejam a americana e a francesa. A Escola Americana entende as
competências como um conjunto de conhecimentos, habilidades
e atitudes que qualificam um indivíduo para o desempenho de
um cargo ou função. Já a Escola Francesa entende a competência
como a capacidade de um indivíduo utilizar o conjunto de suas
habilidades para entregar uma realização em determinado
contexto profissional (CARBONE et al., 2009).

Para a análise proposta neste artigo, será utilizado o conceito


integrador de competência proposto por Brandão et al. (2009)
ao descreverem o construto como a integração sinérgica
de conhecimentos, habilidades e atitudes para a realização
de determinado desempenho profissional no contexto
organizacional, com o devido alinhamento estratégico e
com o objetivo ou capacidade de agregar valor às pessoas ou
organizações. Essa definição integradora já estava presente
em estudos anteriores, como na proposta de construção de
um conceito de competência feita por Fleury e Fleury (2001,
p. 188): [...] um saber agir responsável e reconhecido, que
implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos
e habilidades, que agreguem valor econômico à organização e
valor social ao indivíduo”.

Considerando a peculiaridade da organização que será analisada,


dada a natureza pública de sua atuação, pode-se, neste contexto,
representar o conceito de competência pela Figura 2.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 51


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

Figura 2 - Competências como fonte de valor para o indivíduo e


para a organização

Fonte: Adaptado de CARBONE et al., 2009 e FLEURY e FLEURY, 2001.

Para a compreensão do modelo, é preciso considerar que


conhecimento é o conjunto de saberes do indivíduo, adquirido
pela formação acadêmica, experiências e outras formas de
aprendizado; as habilidades se referem à capacidade do indivíduo
transformar seus saberes em ação, convertendo em realizações e
resultados; por fim, as atitudes devem ser compreendidas como
os aspectos sociais, afetivos, morais e axiológicos que regulam
os relacionamentos e os comportamentos e as condutas do
indivíduo no contexto organizacional (CARBONE et al., 2009).

Estudos recentes, como os realizados por Fontainha et al.


(2015) e Moraes e Coelho (2018), sinalizam que a realização de
processos seletivos baseados, de fato, em competências, ainda
se encontra distante de acontecer. Deficiências que já eram
descritas por Pires et al. (2005) como o privilégio à verificação
de conhecimentos e habilidades em detrimento dos aspectos
comportamentais, bem como a processos sustentados apenas
por provas de conhecimentos ainda persistem, demonstrando
uma forte desintegração entre o subsistema de recrutamento
e seleção e os demais subsistemas da GRH, isto é, aquele não

52 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

seleciona o futuro funcionário adequado para trabalhar na


organização, mas sim o que teve melhor desempenho no
concurso, o que nem sempre é a mesma coisa.
Como resultado, têm-se, na maioria das vezes, servidores não
aderentes à cultura organizacional, não comprometidos com o
serviço público e desfocados dos objetivos das organizações às
quais pertencem.

Não obstante as limitações factuais verificadas, caminhos


para a implementação da gestão por competências já foram
apresentados em obras como as de Pires et al. (2005), Brandão
e Bahry (2005) e Carvalho (2015). Todos os autores sugerem
que, para uma adequada seleção com base em competências,
deve-se ter um perfil de competências elaborado conforme
a identidade e estratégia estabelecida pela organização, de
modo que o processo seletivo se cuidaria de selecionar, dentre
os candidatos, aqueles que melhor se amoldem ao perfil de
competências delineado. Como afirma Carvalho (2015), embora
o cargo ainda seja a unidade de análise para a seleção, não é
mais sua descrição que é utilizada como barema, mas sim o
conjunto de saberes necessários ao seu desempenho, ou seja, o
que precisam saber, saber fazer e saber ser.

Neste sentido, Carvalho (2015) e Brandão e Bahry (2005) defendem


que uma etapa primordial para que haja de fato uma seleção por
competências é o mapeamento de competências organizacionais,
verificando-se as competências necessárias existentes e os gaps
que precisam ser preenchidos com os processos seletivos, os
quais observarão os perfis de competências. Estes por sua vez,
segundo Carvalho (2015) deverão ser elaborados observando-se
o fluxo descrito na Figura 3.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 53


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

Figura 3 - Processo para elaboração de perfis de competências


para recrutamento e seleção por competências

Fonte: Adaptado de CARVALHO, 2015, p. 45-46.

Os sinalizadore�, segundo Carvalho (2015), são quais


informações permitem inferir as competências necessárias para
o adequado desempenho das funções, tais como a descrição do
cargo, a cultura da organização, os principais desafios do cargo,
entre outros. Observe-se que a descrição do cargo, que é um
aspecto proeminente nos processos seletivos do setor público,
é apenas um dos sinalizadores, ou seja, um dos fatores que irão
determinar as competências a serem verificadas no certame, não
a única, devendo ser complementada por outros sinalizadores
e competências correspondentes, conferindo integralidade à
seleção. Como resultado deste processo, tem-se a Matriz de
Competências.

Um dos desafios apontados pelos diversos autores é a descrição


clara e objetiva das competências a serem demonstradas
pelos candidatos durante o processo seletivo, seja interno ou
externo. Neste sentido, Brandão et al. (2008) sugerem que a
descrição de competências deve, em regra, observar a fórmula:
comportamento + critério de análise + condição. Deve-se ainda
evitar descrições genéricas, longas ou com critérios de julgamento
ambíguos como bom, mau, melhor, pior, dentre outras.

Considerando a complexidade que pode envolver a avaliação das


competências desejadas, para além dos testes de conhecimentos,

54 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

Carvalho (2015) sugere que deve haver a diversificação de


instrumentos, podendo ser utilizados testes de conhecimentos
e psicológicos, dinâmicas de grupo, entrevistas, instrumento
de perfil, dentre outros, conforme o perfil das competências
a serem avaliadas. Na mesma linha, Pires et al. (2005, p. 24)
propõem que:

Além da seleção mediante aplicação de provas e


comprovação de títulos, outras formas de avaliação
devem ser incluídas. As organizações podem optar
pela incorporação de mais uma fase em seus concursos
– como, por exemplo, a realização de um curso de
formação –, com o intuito de viabilizar a identificação das
competências interpessoais, estratégicas e gerenciais
cuja observação não seria possível pela aplicação de
instrumentos, como provas escritas e comprovação de
titulação.

Em se tratando de concurso público e a característica burocrática


da Administração Pública, um fator dificultador é a rapidez
com que as competências podem se alterar, o que implicaria
na necessidade de reformulações constantes das matrizes
de competências e, consequentemente, dos instrumentos
e práticas de recrutamento e seleção. Para vencer essa
dificuldade, Guimarães (2000) sugere que as organizações
focalizem as denominadas competências essenciais, ou seja, no
caso da PMMG, por exemplo, para se conferir maior estabilidade
aos editais e às normativas que regulam os concursos, as
competências deveriam ser mapeadas e incorporadas aos
citados instrumentos.

Depreende-se, portanto, que não obstante a concepção de


que a gestão por competências seja a forma mais adequada
e consentânea às necessidades e premissas de atuação, sua
implementação efetiva é complexa e desafiadora, exigindo

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 55


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

esforço continuado das organizações. Na seção 4 será


apresentada a análise das práticas de recrutamento e seleção da
PMMG neste contexto.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO

Para a consecução do trabalho da análise que será apresentada


nesta seção, foram considerados como universo de pesquisa os
editais dos últimos concursos para recrutamento e seleção de
Soldados, incluindo especialistas, e 2º Tenentes do Quadro de
Oficiais PM, da PMMG. Para tanto, os editais foram analisados
especificamente sob três categorias, considerando as abordagens
apresentadas por Carvalho (2015) e Brandão et al. (2008), quais
sejam: aspectos relacionados à descrição do cargo (existência
e clareza); explicitação das competências esperadas para o
desempenho do cargo; e instrumental utilizado nos certamente
para a verificação das competências descritas.

Antes será realizada uma breve contextualização sobre a estrutura


e normativas relativas à gestão de concursos na PMMG.

4.1 Recrutamento e seleção na Polícia Militar de Minas Gerais

Na Polícia Militar, todos os concursos públicos e processos


seletivos internos são realizados pelo Centro de Recrutamento
e Seleção (CRS), unidade subordinada à Diretoria de Recursos
Humanos (DRH), situado na capital do Estado. O CRS é responsável
pela administração e a execução das atividades de recrutamento
e seleção dos concursos para ingresso na Polícia Militar em todo
o estado. Dada a capilaridade da PMMG e a extensão territorial
do estado, algumas etapas dos processos seletivos são realizadas
com apoio de unidades da própria organização, no interior, sob
gestão do CRS.

Para o desenvolvimento dos trabalhos de recrutamento e

56 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

seleção, a Polícia Militar ainda utiliza como referência o Manual


de Recrutamento e Seleção da Polícia Militar de Minas Gerais
(MARESEL)5, aprovado pela Resolução nº. 3.297, de 05 de julho de
1996, com o objetivo de otimizar a implementação das políticas
de Administração de Recursos Humanos, fornecendo àqueles
que lidam diretamente com o processo seletivo uma orientação
segura para seu gerenciamento e execução.

As definições sobre os cargos e quantitativos de cargos a serem


preenchidos são dadas conforme decisão do Comandante-Geral
da Polícia Militar, observada a legislação que fixa os efetivos
da corporação6. Anualmente, as necessidades de pessoal da
Corporação são publicadas por meio da resolução de cursos, o
número de vagas, os cursos, os locais em que serão realizados e
o período de duração. Esse delineamento é o ponto de partida
para todo o processo de recrutamento e seleção da PMMG e,
por intermédio do CRS, há divulgação da realização de concurso
público por meio de editais, seguindo os parâmetros da legislação
e das normas em vigor.

Nos editais da Polícia Militar constam principalmente as


informações preliminares (normas que regem o certame), das
condições gerais de ingresso (requisitos necessários de acordo
com a legislação), das atribuições do cargo (descrição das
funções), das vagas e validade (quantidade e prazo), inscrições
(prazo e valores), das fases, da aprovação, classificação e
matrícula no curso, dos recursos, das medidas de segurança do
certame e as disposições finais.

A principal norma regente dos certames da PMMG é a Lei Estadual


5
MINAS GERAIS. Polícia Militar. Comando-Geral. Resolução nº 3.297/96 que
aprova o Manual de Recrutamento e Seleção (MARESEL). Belo Horizonte,
1996.
6
Atualmente os efetivos da PMMG são fixados pela Lei Estadual nº 22.415, de
16 de dezembro de 2016 e suas alterações.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 57


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

nº 5.301, de 16 de outubro de 1969, que contém o Estatuto dos


Militares do Estado de Minas Gerais. Nele, especialmente em
seus artigos 5º, 6º, 6º-A e 6º B, estão descritos requisitos como
idade, altura, idoneidade moral, aptidão física e psicológica,
formação acadêmica, dentre outros, a serem atendidos por um
candidato, para ingresso na Corporação.

Buscando aperfeiçoar o processo de recrutamento e seleção, no


ano de 2015 foi celebrado convênio entre a PMMG e a Secretaria
Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp/
MJ), com o objetivo de traçar o perfil profissiográfico dos cargos
de Soldado dos Quadros de Praças PM e Especialista (QP-
PM e QPE) e Tenente do Quadro de Oficiais PM (QO-PM). O
trabalho foi concluído no ano de 2017 e enviado para o CRS com
objetivo de balizar os processos seletivos desde então, contudo,
como será melhor descrito a seguir, esses perfis não foram
incorporados aos editais que regulam os respectivos concursos
e, consequentemente, às práticas de recrutamento e seleção.

4.2 Análise dos instrumentos e práticas de recrutamento e


seleção na Polícia Militar de Minas Gerais

A análise dos últimos editais que regularam os certames de


ingresso na PMMG, confrontada com os parâmetros desejáveis
explicitados pelos diversos estudos especializados na área de
gestão por competências, devidamente apresentados retro,
evidencia que os processos seletivos realizados pela organização
apresentam as mesmas deficiências apontadas por Moraes e
Coelho (2018), Pinto e Gomes (2017) e Fontainha et al. (2015),
isto é, estão muito mais próximos de um modelo tradicional,
com privilégio a aspectos formais e normativos, do que de um
modelo baseado em gestão por competências. É o que se verifica
nos Quadros 2,3 e 4 elaborados pelos autores. Cada quadro diz
respeito a um cargo específico dentre os analisados.

58 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

Quadro 2 - Análise do processo seletivo para o cargo de Soldado


do QP-PM

SOLDADO – QPPM
Descrição do Cargo Presente no Edital
Promover a segurança pública, através de ati-
vidades preventivas e repressivas nos diversos
Sim
tipos de policiamento (geral, trânsito urbano e
rodoviário, meio ambiente, guardas e outros).
Competências Mapeadas Presente no Edital
Das 41 competências técnicas mapeadas, so- No Edital são previstas 08
mente 09 tem correlação no Edital (descritas atribuições específicas,
de forma genérica): entretanto foram encon-
tradas somente 06 atri-
1. Ao atender ocorrências, determinar as pro- buições com correlação
vidências cabíveis de acordo com a análise do às competências técnicas,
fato, as noções básicas de Direito e as normas mesmo assim de forma
internas da instituição. genérica:

Competências Mapeadas Presente no Edital


8. Ao realizar policiamento ostensivo, adotar
uma postura adequada à necessidade do servi- No Edital são previstas 08
ço, de forma ostensiva e preventiva, aplicando atribuições específicas,
as legislações pertinentes. entretanto foram encon-
tradas somente 06 atri-
10. Ao realizar policiamento preventivo, mo- buições com correlação
bilizar a população, por meio da filosofia de às competências técnicas,
Polícia Comunitária, com objetivo de prevenir mesmo assim de forma
a criminalidade, utilizando as políticas públicas genérica:
pertinentes e os recursos disponíveis.
a) realizar policiamento
13. Ao executar operações policiais, agir com
ostensivo fardado;
disciplina tática e o uso diferenciado da força,
empregando recursos e técnicas adequadas ao b) executar atividades
fato,com base nas normas internas da institui- operacionais diversas;
ção e legislações pertinentes.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 59


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

14. Ao executar operações policiais, mobilizar c) atender e solucionar


a população, utilizando filosofia de Polícia Co- ocorrências policiais de
munitária, com objetivo de prevenir a crimina- modo a manter ou resta-
lidade. belecer a ordem pública;

27. Ao prestar atendimento ao público, trans- d) redigir boletins de


mitir com clareza as informações solicitadas, ocorrência, relatórios e
fazendo os devidos encaminhamentos, quando outros documentos admi-
necessário, de acordo com as normas e proce- nistrativos;
dimentos pertinentes.
e) estabelecer contatos
32. Ao conduzir viaturas, empregar as técnicas com a comunidade, en-
de direção defensiva e ofensiva, de acordo com volvendo-a na promoção
legislação de trânsito. da segurança pública;

33. Ao conduzir viaturas, deslocar-se adequa- h) conduzir viaturas da


damente na área de atuação, respeitando a le-
PMMG, em qualquer ca-
gislação de trânsito e utilizando o conhecimen-
tegoria de CNH, se habili-
to da geografia urbana local.
tado e credenciado.
39. Ao confeccionar relatórios, redigir o texto
com coerência, concisão e clareza, em confor-
midade com as normas de redação oficial e as
regras da Língua Portuguesa.

Processo seletivo verifica


Como a seleção acontece pelo Edital
as competências
- 1ª fase por meio de provas de conhecimentos:
prova objetiva e dissertativa;

Não
- 2ª fase avaliação psicológica, avaliação física
militar, exames de saúde preliminares e com-
plementares, exames toxicológicos.
Fonte: Pesquisa elaborada pelos autores.
Nota: QP-PM = Quadros de Praças da Polícia Militar.

60 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

Quadro 3 - Análise do processo seletivo para o cargo de Soldado


do QPE-PM

SOLDADO - QPE
Descrição do Cargo Presente no Edital
Promover a segurança pública, através de ati-
vidades preventivas e repressivas nos diversos
Sim
tipos de policiamento (geral, trânsito urbano e
rodoviário, meio ambiente, guardas e outros).
Competências Mapeadas Presente no Edital
Das 41 competências técnicas mapeadas, so- No Edital são previstas 08
mente 09 tem correlação no Edital (descritas atribuições específicas,
de forma genérica): entretanto foram encon-
tradas somente 06 atri-
1. Ao atender ocorrências, determinar as pro- buições com correlação
vidências cabíveis de acordo com a análise do às competências técnicas,
fato, as noções básicas de Direito e as normas mesmo assim de forma
internas da instituição. genérica:

8. Ao realizar policiamento ostensivo, adotar a) realizar policiamento


uma postura adequada à necessidade do servi- ostensivo fardado;
ço, de forma ostensiva e preventiva, aplicando
as legislações pertinentes.
10. Ao realizar policiamento preventivo, mo- b) executar atividades
bilizar a população, por meio da filosofia de operacionais diversas;
Polícia Comunitária, com objetivo de prevenir
a criminalidade, utilizando as políticas públicas
pertinentes e os recursos disponíveis. c) atender e solucionar
ocorrências policiais de
modo a manter ou resta-
13. Ao executar operações policiais, agir com
belecer a ordem pública;
disciplina tática e o uso diferenciado da força,
empregando recursos e técnicas adequadas ao d) redigir boletins de
fato, com base nas normas internas da institui- ocorrência, relatórios e
outros documentos admi-
ção e legislações pertinentes.
nistrativos;

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 61


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

14. Ao executar operações policiais, mobilizar e) estabelecer contatos


a população, utilizando filosofia de Polícia Co- com a comunidade, en-
munitária, com objetivo de prevenir a crimina- volvendo-a na promoção
lidade. da segurança pública;

h) conduzir viaturas da
PMMG, em qualquer ca-
tegoria de CNH, se habili-
tado e credenciado.

Processo seletivo verifica


Como a seleção acontece pelo Edital
as competências
- 1ª fase por meio de provas de conhecimentos:
prova objetiva e dissertativa;
Parcialmente. Apenas as
- 2ª fase avaliação psicológica, avaliação física relacionadas às funções
militar, exames de saúde preliminares e com- da especialidade (músico,
mecânica etc.)
plementares, exames toxicológicos;

- 3ª fase: Prova prática.


Fonte: Pesquisa elaborada pelos autores.
Nota: QPE-PM = Quadros de Praças Especialistas da Polícia Militar.

Quadro 4 - Análise do processo seletivo para o cargo de Tenente


QO-PM

Tenente do QO-PM
Descrição do Cargo Presente no Edital
Promover a segurança pública por meio de
ações e operações policiais militares, coorde-
Sim
nando, controlando e monitorando os resulta-
dos alcançados.

62 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

Competências Mapeadas Presente no Edital


Das 32 competências técnicas mapeadas, so- No Edital são previstas 09
mente 11 tem correlação no Edital (descritas atribuições específicas,
de forma genérica): entretanto foram encon-
tradas somente 08 atri-
1. Ao comandar pelotão/setor, organizar ade- buições com correlação
quadamente as demandas administrativas e às competências técnicas,
operacionais, delegando tarefas aos subordina- mesmo assim de forma
dos e identificando falhas nas rotinas, quando genérica:
possível, conforme normas e legislações insti-
tucionais. a) comandar pelotão;

2. Ao comandar pelotão/setor, proceder à ges- b) coordenar policiamen-


tão adequada dos recursos sob sua responsa- to ostensivo, reservado e
bilidade, aplicando conhecimentos de Adminis- velado;
tração e normas da instituição para a produção
de serviços de segurança pública. c) assessorar o comando;

4. Ao coordenar turnos de serviço operacional, d) gerenciar recursos hu-


empregar adequadamente os recursos disponí- manos e logísticos;
veis de acordo com as prioridades estabeleci-
das, adotando providências cabíveis e medidas e) participar do planeja-
corretivas a cada situação, pautado pelo conhe- mento de ações e opera-
cimento das normas vigentes. ções;

5. Ao planejar operações policiais, definir cor- g) atuar na coordenação


retamente a logística e os recursos necessários, da comunicação social;
com base na análise da demanda e nas normas
e legislações vigentes.
8. Ao atuar como adjunto ou chefe de seção
da unidade, gerir os processos e rotinas admi- h) promover estudos téc-
nistrativas, solucionando demandas diversas nicos e de capacitação
e assessorando o escalão superior, conforme profissional.
normas vigentes.

14. Assessorar o comando ou chefe direto na


tomanda de decisões, apontando soluções para

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 63


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

Competências Mapeadas Presente no Edital


demanda, vislumbrando as possíveis implica-
ções decorrentes.

17. Ao elaborar estudo de situação, propor li-


nhas de ações fundamentadas, assessorando o
comando de forma clara e objetiva quanto ao
objeto do estudo. 18. Ao elaborar projetos, de-
finir corretamente seu escopo de acordo com
os objetivos estabelecidos e as normas vigen-
tes, visando tornar viável sua implementação e
execução.

24. Ao desenvolver atividades de comunica-


ção organizacional, transmitir informações de
forma clara, confiável, atrativa e adequada ao
público alvo, empregando meios e técnicas dis-
poníveis, para a valorização do público interno
e da imagem institucional.

27. Ao confeccionar processos e procedimen-


tos administrativos, interpretar as provas pro-
duzidas por meio das diligências realizadas,
aplicando as normas vigentes ao caso concreto.

30. Ao ministrar treinamentos, adequar o co-


nhecimento teórico e prático à realidade da
instituição, empregando os recursos didáticos
necessários e disponíveis, de acordo com seus
objetivos e o público alvo.

Processo seletivo verifica


Como a seleção acontece pelo Edital
as competências
Na 1ª fase por meio de provas de conhecimen-
tos: prova objetiva e dissertativa;
Não
Na 2ª fase avaliação psicológica, avaliação física
militar, exames de saúde preliminares e com-

64 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

Processo seletivo verifica


Como a seleção acontece pelo Edital
as competências
plementares, exames toxicológicos, prova oral
e prova de títulos. Não

Fonte: Pesquisa elaborada pelos autores.


Nota: QPE-PM = Quadros de Praças Especialistas da Polícia Militar.

Nota-se que os editais analisados fazem uma descrição sumária


dos cargos e das atribuições necessárias para o Soldado e
para o Tenente como futuros policiais militares, mas de forma
descritiva, traçando apenas o perfil profissiográfico exigido
para ingresso, sem fazer nenhuma referência às competências
para o exercício da graduação ou do posto. Dessa forma, a
PMMG por meio dos concursos públicos, prioriza a seleção dos
candidatos que conseguem o melhor desempenho nas provas
de conhecimento (prova objetiva e dissertativa) e provas físicas,
que tenham condições de saúde aceitáveis ao longo da carreira,
prova de títulos e prova oral (para ingresso no CFO). Ressalta-se
que a Polícia Militar realiza a seleção de candidatos sem vínculo
com o mapeamento de competências do cargo pretendido.

A estratégia utilizada é buscar os candidatos com o melhor


desempenho nas provas e testes, e como etapa diferenciada
da seleção, o certame prevê a exclusão daqueles que são
considerados incompatíveis, observando alguns traços de
personalidade. A avaliação psicológica do processo seletivo
da PMMG preocupa-se somente com traços exclusivos de
personalidade sem citar, em nenhum momento, requisitos de
competências a serem avaliados para o exercício do cargo. Dessa
forma, consegue-se eliminar aqueles de acordo com os perfis
previsto no anexo E, do grupo XVI da Resolução Conjunta n°
4.278 de 10 de outubro de 20137:1
7
RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 4.278/2013 - Dispõe sobre perícias, licenças
e dispensas saúde, além de atividades correlatas desenvolvidas na Polícia

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 65


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

GRUPO XVI: TRAÇOS DE PERSONALIDADE


INCOMPATÍVEIS 1. Descontrole emocional; 2. descontrole
da agressividade; 3. descontrole da impulsividade; 4.
alterações acentuadas da afetividade; 5. oposicionismo
a normas sociais e a figuras de autoridade; 6. dificuldade
acentuada para estabelecer contato interpessoal; 7.
Funcionamento intelectual abaixo da média, associado
a prejuízo no comportamento adaptativo e desempenho
deficitário de acordo com sua idade e grupamento
social; 8. Distúrbio acentuado da energia vital de forma
a comprometer a capacidade para ação com depressão
ou elação acentuadas. 9. Instabilidade de conduta (com
indicadores de conflito intrapsíquico que possa refletir
um comportamento inconstante e imprevisível); 10.
Quadros de excitabilidade elevada ou de ansiedade
generalizada; 11. Inibição acentuada com indicadores
de coartação e bloqueio na ação; 12. Tremor persistente
no(s) teste(s) gráfico(s) (MINAS GERAIS, 2013).

Não obstante a manifestação explícita da PMMG em seu Plano


Estratégico sobre a adesão ao modelo de gestão por competências
observa-se que ainda existe uma lacuna institucional, visto que
não há um recrutamento e seleção de acordo com mapeamento
de competências realizado pela Instituição. Além disso, nos
editais não há previsão e divulgação de todas as competências
necessárias para o desempenho das atividades dos cargos a
serem recrutados. A falta de foco nas competências, pelo menos
as consideradas essenciais, dificulta a seleção do perfil que se
amolda às competências profissiográficas alinhadas à missão,
visão, valores e cultura organizacional.
Militar e no Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

66 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020


João Paulo Fiuza da Silva, Cláudio Torres de Assis, Deivison Lopes de
Oliveira, Osmar Faria Pereira e Márcio Lopes Ferreira

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos instrumentos e práticas de recrutamento e seleção


da PMMG relativos aos cargos de Soldado e Tenente, evidenciam
o descolamento em relação às melhores práticas de gestão
por competências informadas pela literatura especializada.
Os achados da pesquisa permitiram verificar que não há um
mapeamento das competências organizacionais, de modo que
os perfis profissiográficos elaborados não seguiram as premissas
de delineamento da estratégia da organização e identificação
das competências necessárias à consecução como baliza para a
elaboração das matrizes de competências dos cargos estudados.

Os editais analisados demonstram uma preocupação com


aspectos formais e com a verificação de conhecimentos
acadêmicos, em detrimento da avaliação de conhecimentos
profissionais e, em menor escala ainda, com as habilidades
para o desempenho do cargo que será ocupado futuramente.
Em relação às competências atitudinais, denota-se uma total
ausência destas na fase de recrutamento e seleção, mesmo
diante do conhecimento da importância delas para o exercício
da atividade policial militar.

Há de se ressalvar que, em face da especificidade da atividade


da PMMG, a seleção externa de candidatos possuidores das
competências necessárias ao exercício dos respectivos cargos
impõe maior dificuldade. Contudo, há um bloco de competências
essenciais, principalmente as atitudinais, que poderiam ser melhor
aferidas no momento da seleção, privilegiando as competências
técnicas ou procedimentais para serem desenvolvidas durante
os cursos de formação e no decorrer da própria carreira.

Por fim, pode-se afirmar que há necessidade de aprofundamento


do diagnóstico e de encaminhamento de medidas para a efetiva
implementação do recrutamento e seleção por competências na

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 41-71, jan./jun. 2020 67


RECRUTAMENTO E SELEÇÃO POR COMPETÊNCIAS NA POLÍCIA
MILITAR DE MINAS GERAIS: ficção ou realidade?

PMMG, de forma integrada aos demais subsistemas de GRH, visto


que o estado atual é de total aderência ao modelo tradicional
de seleção, a despeito das diretrizes do nível estratégico da
Corporação.

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ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

Miller França Michalick


Especialista em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela
Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, Tenente Coronel da
Polícia Militar de Minas Gerais.

Hélio Hiroshi Hamada


Doutor e Mestre em Educação, Coronel da Polícia Militar de
Minas Gerais.

RESUMO: O presente artigo explorou a utilização da


cobertura na Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). O
objetivo geral do trabalho foi identificar se a cobertura,
sob os aspectos da ergonomia e da estética militar,
atende às necessidades dos policiais militares. Foram
estabelecidos os seguintes objetivos específicos:
investigar as teorias de ergonomia no trabalho
aplicáveis ao uso do uniforme; caracterizar os aspectos
da estética militar inerentes ao uso do fardamento;
conhecer a opinião dos policiais militares sobre o uso
da cobertura na PMMG. A pesquisa caracterizou-se
como exploratória, tendo-se em vista a insuficiência de
estudos que avaliem a temática. Com relação às técnicas
de coleta de dados, utilizou-se documentação indireta
(pesquisa bibliográfica), por meio dessa técnica foram
examinadas, como fontes primárias e secundárias de
consulta, produções acerca do tema em documentos
normativos, livros, periódicos, trabalhos acadêmicos,
sítios da internet, dentre outros. Foi realizada além de
observações diretas extensivas, através da distribuição
de questionários constituídos por uma série de
perguntas que foram respondidas por escrito e sem a
presença do pesquisador, com auxílio da plataforma
de formulários da Google. Após analisar e interpretar
os dados, os resultados evidenciaram a insatisfação
dos respondentes em relação ao uso da cobertura para

72 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

as atividades de policiamento motorizado, bem bem


como o entendimento de que a boina não se trata de
um equipamento de proteção individual. Também
evidenciaram que, sob o enfoque da estética militar,
o uso da cobertura contribui para a boa apresentação
pessoal do Policial Militar, sendo importante para o
policiamento a pé, contribuindo para a ostensividade no
desempenho das atividades, culminando em um maior
estabelecimento da segurança objetiva à população.
Infere-se, portanto, o entendimento de que a cobertura
atual, constituída pela boina preta, trata-se mais de uma
peça ornamental, que contribui para a boa apresentação
pessoal do policial militar, do que de um equipamento
de proteção individual, que contribua positivamente
para o desempenho das atividades policiais militares.
PALAVRAS-CHAVES: Polícia Militar. Ergonomia. Estética
Militar. Uniforme. Cobertura. Boina.

ABSTRACT: The present term paper explored the use


of the military headgear in the Polícia Militar de Minas
Gerais (PMMG). The general objective of this study was
to identify whether the headgear, under the aspects of
ergonomics and military aesthetics, has met the needs
of the military police officers. The following specific
objectives were established: to investigate theories of
ergonomics at work applicable to the use of the uniform;
characterize aspects of military aesthetics inherent in the
use of uniforms; to know the opinion of the military police
officers about the use of the headgear. The research was
characterized as exploratory, in view of the insufficiency
of studies that evaluate the theme. Regarding data
collection techniques, indirect documentation
(bibliographical research) was used, through which
this technique was analyzed as primary and secondary
sources of reference, on normative documents, books,
periodicals, academic works, websites, among others,

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 73


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

as well as extensive direct observations, through the


distribution of questionnaires consisting of a series of
questions that were answered in writing and without
the presence of the researcher, with the aid of the
Google Forms. After analyzing and interpreting the data,
the results showed the respondents’ dissatisfaction with
the use of the headgear for motorized policing activities,
as well as the understanding that the beret is not an
individual protection equipment. They also showed
that, under the focus of military aesthetics, the use of
headgear contributes to the good personal presentation
of the Military Police, being important for policing on
foot, contributing to the ostensibility in the performance
of activities, culminating in a greater establishment of
objective security to population. It is inferred, therefore,
the understanding that the current cover, consisting of
the black beret, is more an ornamental piece, which
contributes to the good personal presentation of the
military police, than an individual protection equipment,
which contributes positively to the performance of
military police activities.
KEY-WORDS: Military Police. Ergonomics. Military
Aesthetics. Uniform. Headgear. Beret.

INTRODUÇÃO

Mais do que um conjunto de peças para vestir, o fardamento
carrega um significado profundo que se confunde com a própria
história das Instituições Militares. São peças fundamentais para
evidenciar a identidade da organização, trazendo uma distinção
em relação à sociedade. Ao mesmo tempo, há milhares de
indivíduos que fazem parte do corpo de tropa que assimilam
essas particularidades advindas da semiose1 do fardamento
1
Semiose é um termo que foi introduzido pelo filósofo e matemático norte-
-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) para designar o processo de
significação e a produção de significados, ou seja, a maneira como os seres

74 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

(REGO, 1934; CAMARGO, 1997; COELHO, 1998; SIRIMARCO,


2009; DUARTE, 2016).

Ocorre que, há muito tempo, existem dilemas e paradoxos


nas discussões que envolvem o fardamento, principalmente
quando as Instituições Militares levantam necessidades de
mudança de uniformes, com a extinção ou inclusão de peças. A
teorização desta discussão está submergida em aspectos sociais,
culturais, éticos, econômicos e tem influenciado as decisões de
manutenção ou mudança em fardamentos (BOURDIEU, 1993;
SIRIMARCO, 2009; DUARTE, 2016).

Isto posto, a ideia do presente estudo foi debruçar sobre os


aspectos inerentes ao uso da cobertura pelos policiais militares
durante suas atividades, adotando-se por base as teorias da
ergonomia, associadas aos trabalhos desempenhados pelos
policiais militares, bem como a sua utilização enquanto elemento
estético na composição do uniforme da polícia militar. Tal
delimitação visa demonstrar o quanto uma peça do fardamento
pode significar, em termos de simbologia, para a Instituição e
para os militares que a utilizam.

A pesquisa pretendeu compreender o seguinte problema: Será


que sob o enfoque da ergonomia e da estética militar, o uso da
cobertura atende às necessidades dos policiais militares durante
a execução de suas atividades?

Para compreensão do tema, primeiramente, buscou-se investigar


as teorias da ergonomia e as condições de trabalho aplicáveis ao
uso do uniforme, perpassando pelos equipamentos de proteção
individual e a qualidade de vida no trabalho. Em seguida, sob o
enfoque da estética militar, procurou-se caracterizar os aspectos
inerentes ao uso do uniforme e da cobertura.

humanos usam um signo, seu objeto (ou conteúdo) e sua interpretação (CI-
BERDÚVIDAS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2020).

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 75


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

Feita a explanação teórica, é realizada uma análise e interpretação


de dados de pesquisa que foi realizada junto a 1151 (um mil cento
e cinquenta e um) policiais militares mineiros, por intermédio
de observações diretas extensivas. Foi apresentado questionário
com uma série de perguntas que foram respondidas sem a
presença dos pesquisadores, com auxílio da plataforma de
formulários online Google Forms, que por sua vez apresentaram
relevantes informações acerca do uso da cobertura no âmbito da
Polícia Militar de Minas Gerais.

1 ERGONOMIA E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Após a II Guerra Mundial, por volta de 1940, surge a ergonomia


com o objetivo de buscar compreender a complexidade da
interação do ser humano com o trabalho, como consequência
do trabalho interdisciplinar realizado por diversos profissionais,
oferecendo subsídios teóricos e práticos para aprimorar a citada
interação. Sua origem foi a resultante da atuação conjunta de
engenheiros, psicólogos e fisiologistas para remodelarem os
aviões de caça ingleses, de forma que fossem mais adaptados às
condições humanas. O êxito dessa experiência interdisciplinar a
credenciou para ser exportada para o mundo industrial no pós-
guerra (IIDA, 2005; WACHOWICZ, 2007; FERREIRA, 2008).

Entretanto, destaca-se que a origem do termo data de 1857,


quando o polonês Wojciech Jastrzebowski nomeou uma de suas
obras de “Esboço da ergonomia ou ciência do trabalho baseada
sobre as verdadeiras avaliações das ciências da natureza”. O
termo foi adotado oficialmente na Inglaterra, em 1949, quando
da fundação da Ergonomic Research Society2 (IIDA 2005;
WACHOWICZ, 2007; FERREIRA, 2008).

Wisner (1987, p. 12) apresenta a ergonomia como “o conjunto


de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários

Sociedade de Pesquisa Ergonômica, em português.


2

76 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que


possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e
eficácia”.

Segundo a Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO), em


agosto de 2000, a IEA - Associação Internacional de Ergonomia
adotou a definição oficial apresentada a seguir:

A Ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina


científica relacionada ao entendimento das interações
entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas,
e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos
a projetos a fim de otimizar o bem-estar humano e o
desempenho global do sistema. [...] A palavra Ergonomia
deriva do grego Ergon [trabalho] e nomos [normas,
regras, leis]. Trata-se de uma disciplina orientada para
uma abordagem sistêmica de todos os aspectos da
atividade humana. Para darem conta da amplitude dessa
dimensão e poderem intervir nas atividades do trabalho
é preciso que os ergonomistas tenham uma abordagem
holística de todo o campo de ação da disciplina, tanto
em seus aspectos físicos e cognitivos, como sociais,
organizacionais, ambientais, etc. (ABERGO, 2018).

A ergonomia não se trata de uma ciência exata ou estanque,


visto que engloba diversos fatores humanos relativos à interação
do homem com o seu ambiente de trabalho, não somente os
ambientes físicos, mas também os organizacionais e cognitivos.
Por contemplar um espectro vasto, diversas podem ser as
aplicações deste campo do conhecimento.
A ergonomia estuda diferentes fatores intervenientes no
desempenho produtivo e procura reduzir as consequências
nocivas ao trabalhador. A eficiência virá como consequência.
Não é aceitável colocar a eficiência como objetivo principal da
ergonomia, visto que, isoladamente, poderia justificar medidas

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 77


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

que aumentem os riscos, além do sofrimento e sacrifício do


trabalhador, o que é inaceitável, porque a ergonomia visa em
primeiro lugar, à saúde, à segurança e à satisfação do trabalhador
(IIDA, 2005).
Iida (2005) elenca quatro fatores componentes dos objetivos
básicos da ergonomia: satisfação, eficiência, saúde e segurança.
A participação dos trabalhadores e demais atores organizacionais
envolvidos com a situação-problema é vital para obtenção
de resultados confiáveis da Análise Ergonômica do Trabalho
(AET). Essa participação deve ser voluntária (e não imposta pela
hierarquia), efetiva (e não necessariamente formal) e global (em
todas as etapas da AET e não residual, tópica). Mas para que isso
se torne viável, é imprescindível o apoio da alta administração
da organização para facilitar e encorajar a participação de todos
esses profissionais na solução de problemas ergonômicos (IIDA,
2005; FERREIRA, 2011).
Os trabalhos em ergonomia têm uma dupla vertente, científica
e prática, que se traduzem em mudanças implantadas nas
organizações nas quais as intervenções são realizadas de forma
que os resultados das intervenções ergonômicas vão interagir
nos diversos campos e áreas do conhecimento. A ergonomia é
uma disciplina para a ação sobre o real e se expressa de forma
especialmente pertinente para os projetos de mudanças na
tecnologia física e de gestão. Os desdobramentos de uma
intervenção ergonômica podem ser muitos, mas o que confere um
caráter de intervenção ergonômica é o resultado materializado
num projeto implantado de mudanças para melhor (VIDAL,
2001).

1.1 Ergonomia e o uso dos equipamentos de proteção individual

Não há que se falar em análise ergonômica do trabalho sem


perpassar pela análise dos Equipamentos de Proteção Individual
(EPI). Essa análise deve levar em conta a assertiva de que é

78 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

preciso adaptar o trabalho ao ser humano e não ao contrário,


atuando a ergonomia como parâmetro ético e técnico para o
desenvolvimento das tarefas desempenhadas pelo trabalhador,
inclusive influenciando no uso de determinado EPI (WISNER,
1987; NOULIN, 2002; IIDA, 2005).
Produzir um efeito positivo no ambiente de trabalho decorrente
do uso do EPI não é tarefa simples, visto que a sua utilização
envolve uma série de nuances, que podem interferir diretamente
na utilização, ou não utilização, de determinado equipamento.
Torna-se pertinente realizar uma análise pormenorizada das
atividades laborais desenvolvidas, visto que a utilização está
diretamente vinculada à compatibilidade do equipamento com a
tarefa executada e à satisfação de seu uso pelo trabalhador.
No campo da ergonomia, a usabilidade relaciona-se ao conforto
e eficiência do produto, “usabilidade (neologismo traduzido do
inglês usability) significa facilidade e comodidade no uso dos
produtos.” (IIDA, 2005, p. 32).
O uso de determinado produto está relacionado não só
às características físicas do produto, mas principalmente à
adequação deste às tarefas desempenhadas pelos usuários, além
da percepção de como o produto pode influenciar positivamente
na sua performance ao realizar suas atividades (WISNER, 1987;
IIDA, 2005). Não se trata, portanto, de uma avaliação fácil de ser
aferida. Gonçalves e Lopes (2007) descrevem que a ergonomia
considera que todos os produtos necessitam satisfazer
as necessidades humanas, devendo apresentar algumas
características básicas como qualidade técnica, qualidade
ergonômica e qualidade estética.
Insta salientar que cabe à ergonomia o papel de contribuir para
o desenvolvimento de produtos adequados aos utilizadores,
considerando o aspecto de funcionamento e eficácia do produto,
de forma que o indivíduo usufrua de seus benefícios com perfeito
desempenho, bem como identifiquem suas contribuições. A

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 79


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

ergonomia traz ou designa possibilidade de influenciar a vida


dos indivíduos contribuindo para uma melhoria na vida dos
utilizadores (GONÇALVES; LOPES, 2007, p. 5-7).
Em relação à compatibilidade da tarefa e o uso do EPI, Wisner
(1987, p. 93-94) cita que “o conforto e a duração máxima de uso
do EPI colocam problemas difíceis, pois frequentemente não
se liga para o desconforto e até para a dor durante o trabalho.
Na prática, se o sofrimento é muito intenso, o EPI deixa de ser
usado”.
Numa perspectiva ergonômica, o desenho de vestuário significa
que o designer considera as necessidades psicológicas, sociais e
físicas do utilizador. As necessidades do utilizador, juntamente
com as formas, os materiais e os pormenores, formam a base
da seleção de componentes do design de vestuário, desta forma
o designer poderá fazer corresponder o conforto, a segurança e
o desempenho às necessidades e expectativas dos utilizadores
(LABAT3, 2006 apud SANTOS, 2012, p. 28).
Essa percepção apontada levou às organizações modernas
a reverem seus princípios, se anteriormente o foco estava
na realização das tarefas, com priorização da mecanização
em detrimento do homem, ou seja, adaptação do homem à
máquina, atualmente as organizações passaram a preocupar com
o bem-estar e a saúde dos trabalhadores, que na lógica inversa
à anterior, adaptaram as funções ao homem, que assim se sente
mais valorizado e respeitado (IIDA, 2005; WACHOWICZ, 2007).
O trabalho moderno é caracterizado pela flexibilidade e maior
respeito às diferenças individuais. É consenso que a ergonomia,
em seu sentido amplo, tem contribuído para melhorar não só as
condições de trabalho, mas também a vida cotidiana, portanto

3
LABAT, Karen L. Human factors as applied in apparel design. International
Encyclopedia of Ergonomics and Human Factors, Ed. W. Karwowski, p. 1655-
1657, 2006.

80 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

sua contribuição não se restringe somente às indústrias ou ao


trabalho, contribuindo para a melhoria da saúde, conforto e
eficiência no dia a dia da vida em sociedade (WISNER, 1987; IIDA,
2005; WACHOWICZ, 2007; FERREIRA, 2008; FERREIRA, 2011).
Wachowicz (2007, p. 193) aponta que, “a qualidade de vida
no trabalho está inserida na ergonomia, pois ambas atuam de
forma holística”, e conclui que “[...] todos os investimentos feitos
nessas áreas surtem efeitos imediatos, não somente em termos
de retorno financeiro, mas em relação ao trabalhador, que assim
se sente valorizado e respeitado”.

1.2 Ergonomia e qualidade de vida no trabalho (QVT)

Atualmente, tem crescido nas organizações o interesse pelo tema


Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Vários atores se veem
envolvidos na temática, tais como empresas, trabalhadores,
órgãos públicos, organizações sociais, sindicatos e associações de
trabalhadores. Surgido em meados da década de 50, na Inglaterra,
por meio de um psicólogo chamado Eric Trist, o movimento QVT
evidenciou a relação existente entre trabalhador e organização,
tendo como um dos aspectos fundamentais estudados os
fatores que levavam os indivíduos a realizarem suas tarefas com
satisfatoriedade na empresa (RIBEIRO; SANTANA, 2015, p. 80).
As transformações do mundo do trabalho obrigaram as
organizações a se preocupar e necessitar de pessoas motivadas
e comprometidas com objetivos e filosofia institucionais. Assim,
o mapeamento das condições gerais de trabalho tornou-se
componente importante da gestão (TIMENI, 2011).
A Gestão de Pessoas, no âmbito das organizações, apresentou
uma evolução influenciada por diversos fatores, em especial
os relacionados aos aspectos sociais e econômicos incidentes
em cada período. A relevância do assunto para as organizações
reside no fato destas serem formadas por pessoas, as quais são
as responsáveis pela tomada de decisões e pela execução das

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 81


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

atividades diretamente relacionadas à efetividade do alcance


dos objetivos organizacionais.
Segundo Limongi-França (1997), a construção da qualidade de
vida no trabalho ocorre a partir do momento em que se olha a
empresa e as pessoas como um todo. Ela, ainda, apresenta a QVT
como um conjunto das ações de uma empresa que envolvem a
implantação de melhorias e inovações gerenciais e tecnológicas
no ambiente de trabalho. A mesma pesquisadora esclarece que a
origem do conceito vem da medicina psicossomática que propõe
uma visão integrada, holística do ser humano, em oposição à
abordagem cartesiana que divide o ser humano em partes.
Fernandes 4 (1996 apud RIBEIRO; SANTANA, 2015, p. 79) descreve
que “a Qualidade de Vida no Trabalho pode ser vista como uma
estratégia, cujo intuito é aliar os interesses individuais ao da
organização para atingir um bem comum”. Pode-se entender
a QVT como um programa que busca facilitar e satisfazer as
necessidades do trabalhador para desenvolver suas atividades
na organização e que parte da premissa de que as pessoas são
mais produtivas quanto mais estiverem satisfeitas e envolvidas
com o próprio trabalho (CONTE, 2003).
Conforme Timeni (2011, p. 4) a quase totalidade das definições
de QVT “guarda, entre si, como ponto comum, o objetivo de
propiciar a humanização do trabalho, de elevar o bem-estar dos
trabalhadores e de produzir maior abertura política nas decisões
e problemas do trabalho”.
Essa tarefa apresenta elevado grau de complexidade. Ao
se conciliar os desejos individuais às diversas variáveis
organizacionais, além de se buscar a garantia de um tratamento
equitativo e justo no âmbito da organização em relação aos seus
trabalhadores, a organização também objetiva uma melhora no

4
FERNANDES, Eda. Qualidade de vida no trabalho: como medir para melho-
rar. Salvador: Casa da Qualidade, 1996.

82 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

desempenho e na contribuição individual para o alcance dos


resultados.
Conte (2003, p. 33) reforça a ideia da importância das pessoas
na organização ao esclarecer que “a meta principal do programa
de QVT é a conciliação dos interesses dos indivíduos e das
organizações, ou seja, ao melhorar a satisfação do trabalhador,
melhora-se a produtividade da empresa”.

2 ESTÉTICA MILITAR

As organizações militares possuem alguns princípios basilares.


Os principais são a hierarquia e a disciplina, mas não se pode
excluir como característica marcante destas organizações o
respeito às tradições. A tradição confere às corporações militares
o uso de uma estética diferenciada da população civil, de forma
a distinguir visualmente seus integrantes dentro da sociedade.
Essa distinção diferenciada, tão peculiar para as organizações
militares, é também conhecida como estética militar.
Embora o termo estética tenha sido cunhado só no século
XVIII por Alexander G. Baumgarten (1714-1762), com a obra
Aesthetica (1750/58), a reflexão filosófica sobre o tema é bem
mais antiga (MARÇAL, 2009).
Sócrates, que viveu por volta de 400 a.C., associava o belo ao útil.
Ou seja, se um objeto se adapta e cumpre sua função, é belo,
mesmo que não esteja adornado. Sócrates inaugura um tipo de
estética funcional utilitária, que cotidianamente está presente
na produção dos objetos de uso corriqueiro, mas que também
possuem uma preocupação estética (SANTOS, 2010).
A definição de estética, interessante para a presente pesquisa,
é a relacionada à filosofia. Visto que leva a elucubrações que
extrapolam as simples observações do fenômeno artístico e a
leva como ciência que trata do belo em geral e as reflexões que
despertam nos seres humanos. Dessa forma, a estética pode

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 83


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

propor alguma aplicabilidade para as organizações policiais


militares.

2.1 Estética militar e o uso do uniforme

Em conformidade ao pensamento socrático e vinculado


diretamente à ergonomia, ao discorrer sobre o uso do uniforme,
Flügel (1966, p. 210) esclarece que “a fim de proporcionar
maior satisfação, nossos trajes não devem somente ser
bonitos, higiênicos, baratos e confortáveis; devem também ser
convenientes para o uso”.

De forma didática, uniforme, que também pode ser chamado de


farda ou fardamento, pode ser entendido por aquilo que possui
apenas uma forma. Nesse caso como um vestuário padronizado
de uso regular de uma corporação, classe ou instituição,
elaborados para tornar quem o usa igual, semelhante ou idêntico
(CORAZZA, 2004).

No meio militar, o uniforme é denominado de farda. Na literatura,


há nítida vinculação dos termos uniforme e farda (REGO, 1934;
COELHO, 1998; SIRIMARCO, 2009; CORAZZA, 2004). Sendo a
farda mencionada como definição de uniforme, quando se trata
do vestuário padronizado e distintivo usado pelos membros de
uma categoria, no caso, a militar. Para a presente pesquisa, os
termos farda e uniforme assumem igual sentido, sendo ambos
utilizados para designar a vestimenta utilizada por militares,
podendo aparecer nos textos ora com uma ou outra designação,
a depender dos autores pesquisados. Após a devida definição
dos termos, passa-se a discorrer mais especificamente sobre a
estética militar e o uso do uniforme.

Outra particularidade presente no uso do uniforme está no


fato de que ele apaga as distinções do corpo, em prol de uma
lógica que favoreça o ordenamento disciplinar. A visualidade

84 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

outorgada pelo uniforme, como uma camada homogeneizadora,


também permite a fácil identificação e captura dos elementos
diferenciadores que ensejam a livre afirmação de sua
singularidade (VILELA; JUNGER, 2013).

Apesar do inconteste papel do uniforme, seu uso não serve


apenas para demonstração de força ou distinguir o militar
do civil. Na contemporaneidade, o uniforme assume diversas
outras características relevantes como a organização e disciplina
decorrentes da estética militar, de modo a demonstrar segurança
à sociedade pelo emprego do poder de polícia (LISBOA, 1997).

Percebe-se a complexidade que envolve a temática da utilização


de uniformes, visto que apresenta múltiplas implicações e
significados, tanto para aqueles que o utilizam, quanto para a
sociedade na qual se encontra inserido.

Nos campos da Ergonomia Cognitiva e da Filosofia Moral,


reconhece-se ser possível uma investigação sobre as fardas
enquanto objetos de interface com a cognição humana, capazes
de influenciar comportamentos por meio de seu uso, ou seja, a
estética de um produto interfere na forma de seu uso (DUARTE,
2012).

Assim, pode-se intuir que o uniforme assume uma grande


relevância para as organizações policiais, mormente àquelas que
possuem como atividade precípua o policiamento ostensivo, não
só por identificar seus membros, mas também pelo significado
que impõe aos seus integrantes e à sociedade.

O uso do uniforme não pode ser dissociado da cultura do grupo


na qual estão relacionadas as pessoas que o utilizam. A estética
do uso da farda impõe uma ética ao conjunto de pessoas que a
envergam, há uma intensa relação da honra pessoal com a honra
institucional, tanto do indivíduo que a veste como do grupo ao
qual ele pertence. É nessa veiculação de entendimentos, não só

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 85


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

profissionais como também morais, que reside seu significado


(SIRIMARCO, 2013).

A importância da farda e sua abrangência de significado para as


organizações policiais militares não podem ser desconsideradas.
Não só como elemento distintivo do todo, mas principalmente
pela sua influência direta sobre o aspecto cognitivo na ética
daqueles que a envergam, atuando como componente de
instigação da representatividade organizacional, a farda deve ser
analisada sob o aspecto do reforço positivo direto sobre a ética
policial (ROCHA, 2013, p. 251).

As fardas constituem uma ferramenta de trabalho capazes


de conduzir não somente os processos mentais (como
percepção, atenção, cognição, entre outros), mas também
a moral do indivíduo e propõem, por meio da estética (no
sentido de configuração formal do objeto), uma ética no
trabalho. A possibilidade de reformulação do design das fardas,
contemplando os fatores humanos, pode delimitar a cognição do
indivíduo em seu trabalho que, por conseguinte, pode modificar
a moral e a ética no trabalho (DUARTE, 2012).

Se o uso da farda interfere e se correlaciona com a honra e a


ética institucional, pode-se inferir que ele, o uso, tem implicação
direta na representatividade institucional em relação à sociedade
na qual a organização policial está inserida. O comportamento
daquele que utiliza a farda reflete-se, positiva ou negativamente,
na própria imagem da corporação.

A profissão policial militar impõe ao indivíduo uma série de


atribuições, seguidas de renúncias de direitos e prerrogativas
inerentes ao mundo civil, inclusive da própria vida, sendo a vida
do militar guiada pela correção de atitudes, além de conduta
moral e profissional irrepreensíveis a todos que integram suas
fileiras. Muito deste comportamento pode ter vinculação

86 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

direta ao fato do militar envergar a farda, o que, por si só, já


o diferencia do restante da sociedade. Camargo (1997, p. 59)
descreve que “a estética militar, muito mais do que responsável
pela boa apresentação da tropa e dos militares individualmente,
é geradora de uma psicologia individual”.
A farda, além de ser uma representação da moralidade
institucional, é também uma modalidade para sua própria
construção. Na ausência de amarrotamento e de manchas
repousa a “correção moral”. Se para o indivíduo deve ser
uma honra vestir a farda policial, seu uso correto é também
imprescindível para a honra da instituição, visto que a farda é um
símbolo bivalente, que expressa tanto a honra individual como
a honra institucional (BOURDIEU5, 1993 apud SIRIMARCO, 2013,
p. 37).
As características retro mencionadas são essenciais para
o desenvolvimento das atividades de polícia ostensiva de
preservação da ordem pública destinadas às Polícias Militares.
Visto que a estética militar atribuída pelo uniforme, confere
atributos positivos aos policiais militares que envergam suas
fardas, muito mais no campo cognitivo da moral e da correção
de atitudes do que na beleza de suas vestes, contribui para que
o referido seja reconhecido como referência, não só visual, mas
principalmente, ética para a sociedade (CAMARGO, 1997, p. 71).
A correlação da estética com a ética profissional é tão latente que
chega a interferir no comportamento não somente do indivíduo,
mas também do grupo profissional ao qual está diretamente
relacionada, podendo, inclusive, determinar uma nova cultura
profissional na coletividade (BOURDIEU, 1993; CAMARGO, 1997;
DUARTE, 2016).
Apesar das implicações éticas relacionadas à estética, fazendo
uma comparação com a teoria evolucionista de Darwin,
5
BOURDIEU, Pierre. Los ritos como acto de institución, in J. Pitt-Rivers e J. G.
Peristiany (eds.), Honor y gracia, Madri, Alianza Editorial, 1993.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 87


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

ressalta-se que as mudanças não deixam de ter seus perigos e


dificuldades. Pesquisar o que é verdadeiro sem desvios subjetivos
é bastante difícil, de forma que uma pesquisa ética das roupas
deve valorizar suas funções e considerar até que ponto essas
funções necessitam ser preenchidas, bem como quando uma
função deve dar lugar a outra, ou seja, os vestígios que deixaram
de ter funcionalidade, tanto nos organismos vivos, como nos
trajes, poderiam ser eliminados ou substituídos sem qualquer
prejuízo, ainda que estejam servindo apenas de ornamento. Ou
seja, quando as condições se tornam desfavoráveis, itens podem
desaparecer, enquanto aqueles que se adaptaram às novas
funções serão capazes de sobreviver (FLÜGEL, 1966, p. 152-155,
166-167).
A despeito de ser plenamente plausível e até esperadas
mudanças evolutivas nos uniformes, deve-se avaliar
meticulosamente qualquer deliberação relativa a provocar
alterações no fardamento de determinado grupo profissional,
visto que a depender da decisão tomada, a corporação poderá
transformar, positiva ou negativamente, a conduta profissional e
ética de determinado grupo. Assim, para qualquer modificação
no fardamento utilizado, torna-se imperioso à Polícia Militar
realizar um detido estudo, com vistas a contemplar não somente
a estética, mas principalmente as implicações éticas decorrentes
desta modificação.

2.2 A cobertura em composição à estética militar

Como demonstrado, a estética militar é complexa e formada pelo


todo, abrangendo o militar, seu comportamento e a perspectiva
visual composta pela farda. No imaginário coletivo, a figura do
militar é devidamente delineada e facilmente identificada. Além
dos aspectos morais, a sua efígie começa no coturno, passa
pelo fardamento, pelos seus armamentos, equipamentos e
apetrechos policiais, culminando no devido uso da cobertura.

88 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

O chapéu é um dos itens que compõe o vestuário e serve para


externar certas simbologias, como as das dignidades eclesiásticas
e a dos militares. O chapéu tem a função de proteger a cabeça do
usuário de intempéries climáticas ou simplesmente reduzido a
um simples adorno (BARSA6, 2002, p. 113 apud OLIVEIRA, 2006,
p. 12).
No meio militar, cobertura é a designação genérica dos apetrechos
que são utilizados sobre a cabeça, em composição à farda,
podendo se tratar de chapéu, quepe, barretina, capacete, gorro
com pala, gorro sem pala, boina, etc. Ou seja, são os diversos
tipos de adornos utilizados sobre a cabeça que contribuem
para identificação da estética militar, além de oferecer alguma
proteção àqueles que os utilizam.
Em relação à indumentária militar, a farda deve ser considerada
em sua integralidade, ou seja, pelo conjunto de suas partes, que
associadas identificam a estética militar. Sob este aspecto, o uso
da cobertura assume um papel valioso, visto se tratar da peça
de fardamento localizada na parte mais alta da configuração da
estética militar. (FLÜGEL, 1966; BOURDIEU, 1993)
Sobre essa visão do uniforme militar como um todo e ressaltando
a importância da cobertura, Flügel (1966) descreve:
Um uniforme militar é um todo, e a remoção de
qualquer parte dá ao usuário uma aparência de
despido, isto é, impudica, de modo que o soldado sem
o uniforme completo seria como uma mulher vestida
inadequadamente. [...] A remoção do elmo constituiria,
como a remoção da espada, um símbolo dolorosamente
claro de castração; doloroso demais, realmente, para ser
tolerado, de modo que o soldado orgulhosamente exibe
sua glória militar (FLÜGEL, 1966, p. 94-95).

6
BARSA, Nova Enciclopédia. 6. Ed. São Paulo: Barsa Planeta Internacional
Ltda., 2002.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 89


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

Sob o aspecto da identificação visual, existe a clara compreensão


da cobertura como peça importante para composição da estética
militar, entretanto, Coelho (1998) apresenta outro objetivo
da cobertura, que possuiria finalidade diversa da aparência
meramente estética, servindo para criar um aspecto intimidatório
em suplementação à compleição física do militar.
Seja pela sua importância na estética militar, como equipamento
de proteção individual ou até mesmo pelo aspecto de respeito
e intimidatório, a cobertura possui grande relevância para a
cultura e a tradição militar, sendo a sua ostentação objeto de
orgulho e de representatividade institucional (COELHO, 1998;
INVICTUS, 2017).
A cobertura, objeto da presente pesquisa, é a boina, principal
modelo de cobertura utilizado pela PMMG e um dos principais
utilizados pelas demais polícias militares do Brasil7.
Ao discorrer sobre a boina, Invictus (2017) destaca relevância da
cobertura para a cultura militar em contraponto à cultura civil:
Para civis pode parecer um “bonezinho”, mas os
militares a chamam de cobertura. Há quem pense
que a boina é apenas uma peça elegante presente na
indumentária militarista, mas sua história, significados
e usos provam que não é só isso. Fato é que, mais que
um simples adorno, a boina está presente na história
da humanidade, cobrindo, desde pintores e artistas
únicos, a tropas de bravos guerreiros. [...] No meio
militar, a boina está entre os modelos de cobertura que
contemplam usos e ocasiões distintas. O formato quepe
é utilizado com trajes de gala e passeio, o gorro de pala
é o popular boné, o bibico se assemelha ao “toque”,

7
Em levantamento realizado em Polícias Militares de 26 estados da Federa-
ção (excluindo-se a de Minas Gerais, que foi objeto da pesquisa), 18 respon-
deram ao questionamento de qual modelo de cobertura era adotado em
cada instituição.

90 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

ou chapéu de cozinheiro; já a boina está em práticas


mais ostensivas, cobrindo, entre outros, batalhões de
operações especiais como o BOPE, a ROTA e o GATE, que
a vestem na cor preta (INVICTUS, 2017).

A título de ilustração, Chico (2005, p. 150) descreve a utilização


da boina por tropas militares modernas de vários países ao redor
do mundo, tais como França, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia,
Iraque, Paquistão, Venezuela, Congo e África do Sul, citando,
ainda, as tropas das Nações Unidas, caracterizadas por suas
boinas azul-bebê.

Ao mencionar a utilização de cores distintivas nas boinas


militares, o site Boinas Verdes, dedicado aos paraquedistas
portugueses, descreve-a como uma peça diferenciadora, que
carrega uma carga simbólica e com significado mítico, sendo
sinônimo de orgulho e prestígio para quem as usava e que, ao
mesmo tempo, transmitia respeito e admiração para quem os
via (BOINAS..., [2017?]).
O uso de cores distintas para diferenciar as unidades
especializadas também ocorreu no Brasil. O Exército Brasileiro,
por exemplo, utiliza diversas cores de boinas para diferenciar
seus grupamentos:
Boina verde-oliva: padrão do Exército Brasileiro.
Boina azul-ferrete: cadetes da Academia Militar das
Agulhas Negras, alunos da Escola Preparatória de
Cadetes do Exército, do Centro de Preparação de Oficiais
da Reserva, do Núcleo de Preparação de Oficiais da
Reserva, da Escola de Sargentos das Armas e do Instituto
Militar de Engenharia.
Boina bordô: Brigada de Infantaria Paraquedista.
Boina camuflada: infantaria da selva.
Boina garança: colégios militares.
Boina preta: unidades blindadas ou mecanizadas.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 91


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

Boina castanha: Brigada de Operações Especiais.


Boina cinza: infantaria de montanha.
Boina azul-ultramar: Comando de Aviação do Exército.
Boina bege: unidades aeromóveis.
Boina azul-celeste: missões de paz das Nações Unidas
(INVICTUS, 2017).

Entretanto, a boina não possui apenas funções estéticas para


composição do uniforme militar ou distinção de determinada
tropa. Detém diversas características ergonômicas que
contribuíram para a sua popularização no meio militar, que vão
desde sua capacidade de proteção, até sua adequabilidade às
missões militares, por ser leve, flexível, de fácil adaptação a
qualquer compleição física e não restringir o campo de visão do
militar. Assim, a boina não compromete os militares em ações
de conflito, protege do sol, em decorrência do seu design, não
impede a visão dos agentes em abordagens. Mais do que um
acessório, a boina é uma peça que impõe respeito e excelência
na composição do fardamento (INVICTUS, 2017).

3 MATERIAL E MÉTODOS

Para o presente estudo, foram utilizadas as técnicas dos métodos


comparativo, monográfico e estatístico, quando se buscou
investigar o uso da cobertura na Polícia Militar de Minas Gerais,
tratando o tema com detalhe e maior amplitude de análise, o
que possibilitou, ao final, melhor compreensão da temática.

Foram realizadas observações diretas extensivas, através da


distribuição de questionários, constituídos por uma série
de perguntas que foram respondidas sem a presença do
pesquisador, com auxílio de uma plataforma de formulários
online, denominada Google Forms. Todos os dados coletados
nesta pesquisa tiveram tratamento confidencial e agregado. Os
resultados e as análises serão apresentados de forma consolidada
e agrupada, não sendo individualizado ou identificado qualquer

92 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

participante.
Os questionários abrangiam doze questões. Para avaliação de
cada afirmação foi utilizada uma escala Likert, adaptada para seis
pontos, sem a presença de uma posição neutra, para facilitar uma
avaliação polarizada das respostas. Foi adotada a escala de 1 (um)
para discordo totalmente, a 6 (seis) para concordo totalmente. A
cada célula de resposta foi atribuído um número, que sintetiza a
posição dos respondentes em relação a cada afirmação.
Após a tabulação das respostas em escala Likert, foi definida a
média das pontuações obtidas para cada assertiva pesquisada.
Assim, em relação à pontuação obtida, quanto mais próxima
de 6 (seis) maior a concordância dos pesquisados em relação
à afirmação avaliada e quanto mais próximo de 1 (um) maior a
discordância.
Como foi utilizada uma escala Likert de seis pontos, sem a
presença de uma posição neutra, a pontuação que representa
a neutralidade é calculada pela razão das duas posições
centrais, no caso 3 e 4, sendo, portanto, 3,5 a pontuação que
dividirá as opiniões entre a discordância ou concordância das
assertivas. Desta forma, uma pontuação menor do que 3,5 indica
discordância, ao ponto que acima de 3,5 indica concordância.

A análise e interpretação de dados foi decorrente da coleta de


dados obtidos de 1.151 (um mil cento e cinquenta e um) policiais
militares lotados na 1ª Região de Polícia Militar, localizada em
Belo Horizonte. A capital do estado de Minas Gerais foi eleita
para a pesquisa, tendo tem vista que nela se encontram os
mais diversos fatores intervenientes que possam subsidiar a
pesquisa sobre a utilização da cobertura boina. Dentre os fatores
intervenientes ao uso da cobertura que motivaram a escolha da
cidade, destacam-se os diversos tipos de arquitetura urbana,
desde áreas de mata, até aglomerados urbanos, passando por
condomínios de alto padrão e densa área comercial.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 93


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

A seguir será apresentada a interpretação e análise dos dados


coletados na pesquisa de campo. Para melhor compreensão, os
dados foram divididos e analisados com base nos referenciais
teóricos pesquisados, alusivos aos conhecimentos sobre
ergonomia e estética militar.

A primeira assertiva apresentada objetivou correlacionar o


uso da cobertura com a apresentação pessoal. Dentre todas
as assertivas, essa foi a que obteve a maior correlação de
concordância entre os pesquisados, 74,6%, alcançando a
pontuação de 4,60 na escala Likert, sendo que quase a metade
(49,2%) concordou totalmente com a afirmação de que sob o
enfoque da estética militar, o uso da cobertura contribui para a
boa apresentação pessoal do Policial Militar (GRÁFICO 1).

Gráfico 1 - Sob o enfoque da estética militar, o uso da cobertura


contribui para a boa apresentação pessoal do Policial Militar –
Belo Horizonte, 2018

Fonte: Dados da pesquisa.

94 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


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Sob o enfoque da estética militar, o Gráfico 2 mostra a percepção


dos pesquisadores dobre o uso da cobertura e sua relação com
a ostensividade e o estabelecimento da segurança objetiva à
população. 62,03% dos militares respondentes concordaram
com essa assertiva, dos quais 34,1% concordaram totalmente. A
escala Likert alcançou 3,97, uma das mais altas da pesquisa.

Gráfico 2 - Sob o enfoque da estética militar, o uso da cobertura


na PMMG contribui para a ostensividade no desempenho
das atividades policiais militares, culminando em um maior
estabelecimento da segurança objetiva à população - Belo
Horizonte, 2018

Fonte: Dados da pesquisa.

O Gráfico 3 apresenta o resultado da pesquisa acerca da


percepção do uso da cobertura como otimizadora das condições
de trabalho, contribuindo positivamente para o desempenho das
atividades de policiamento ostensivo geral. A baixa pontuação
na escala Likert (2,86) terceira menor da pesquisa, demonstra
que os respondentes discordaram dessa assertiva.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 95


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES

Gráfico 3 - Sobre o serviço policial militar ordinário (policiamento


ostensivo geral), a cobertura otimiza minhas condições de
trabalho e contribui positivamente para o desempenho de
minhas atividades - Belo Horizonte, 2018

Fonte: Dados da pesquisa.

No campo da ergonomia, mas com foco nos equipamentos


de proteção individual (EPI), foi pesquisado se a boina preta
proporciona proteção contra acidentes e a incidência dos raios
solares (GRÁFICO 4). Dentre todos os aspectos pesquisados,
esse apresentou a segunda maior discordância entre os
respondentes, com 77,50% de discordância e 2,28 de pontuação
na escala Likert, somado ao fato de que quase a metade (48%)
discordou totalmente. Demonstra-se que os usuários da boina
preta não percebem características de proteção contra acidentes
e a incidência dos raios solares nesse produto.

96 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

Gráfico 4 - A cobertura, boina preta, prevista no RUIPM


proporciona proteção contra acidentes e a incidência dos raios
solares - Belo Horizonte, 2018

Fonte: Dados da pesquisa.

Ao se analisar a adequação do uso da cobertura para a atividade


de policiamento motorizado, dentre todos os itens pesquisados,
encontrou-se a maior discordância e polarização. A análise aponta
que 79,24% dos policiais militares respondentes não entendem
que a cobertura seja importante para a atividade de policiamento
motorizado, dos quais, mais da metade (53,4%) discordaram
totalmente da assertiva. Por conseguinte, evidenciou-se a mais
baixa pontuação de toda a pesquisa, obtendo a pontuação de
apenas 2,21 na escala Likert (GRÁFICO 5).

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 97


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES
Gráfico 5 - O uso da cobertura é importante para a atividade de
policiamento motorizado - Belo Horizonte, 2018

Fonte: Dados da pesquisa.

Pesquisou-se, também, se a boina interfere no desempenho


dos policiais militares durante o desempenho do policiamento
motorizado (GRÁFICO 6).

Gráfico 6 - A cobertura (boina preta) já me atrapalhou durante


o desempenho do policiamento motorizado - Belo Horizonte,
2018

Fonte: Dados da pesquisa.

98 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

Os resultados das doze afirmações avaliadas na pesquisa foram


agrupados e classificados em ordem crescente de forma a
proporcionar um melhor entendimento dos aspectos atinentes
ao uso da cobertura na PMMG. Dessa forma, o Gráfico 7 sintetiza
as informações coletadas na primeira parte da pesquisa.

Gráfico 7 – Resultados da Escala de Likert (1-6)81aplicados às


respostas do questionário - Belo Horizonte, 2018

Fonte: Dados da pesquisa.

8
Neutralidade = 3,5 (calculada pela razão das duas posições centrais na esca-
la Likert, no caso 3 e 4).

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 99


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES
Decorrente da análise dos dados consolidados no Gráfico 7,
algumas observações tornam-se pertinentes. Preliminarmente,
insta salientar que as duas maiores polarizações de discordância
ocorreram em decorrência das assertivas analisadas nos itens
6 e 5. Ou seja, o uso da cobertura não seria importante para
a atividade de policiamento motorizado e a boina preta não
proporcionaria proteção contra acidentes e a incidência dos
raios solares.

Conforme já mencionado anteriormente, essas respostas


evidenciam a insatisfação dos respondentes em relação ao uso
da cobertura para as atividades de policiamento motorizado,
bem como o entendimento de que a boina não se trata de
um EPI, levando-se a inferir que, na visão dos pesquisados,
ela seria considerada uma peça ornamental, em composição à
estética militar. Tal enfoque é reforçado pelo resultado no qual
os policiais militares discordaram que a cobertura não otimizaria
suas condições de trabalho, contribuindo positivamente para o
desempenho de suas atividades.

O fato da cobertura ser entendida como peça ornamental em


composição ao uniforme é robustecido pela análise em conjunto
dos resultados anteriores. Com a terceira maior polarização
apresentada no Gráfico 7, nesse caso uma polarização de
concordância, a qual assevera que, sob o enfoque da estética
militar, o uso da cobertura contribui para a boa apresentação
pessoal do Policial Militar.

Esse entendimento por parte dos respondentes é relevante


para compreensão de outro ponto de vista evidenciado na
pesquisa, acerca da usabilidade da cobertura, no qual os
respondentes apontaram ser o uso da cobertura importante
para o policiamento a pé e que seu uso contribuiria para a
ostensividade no desempenho das atividades, culminando em
um maior estabelecimento da segurança objetiva à população

100 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

(GRÁFICO 7).

Percebe-se, portanto, que a pesquisa demonstrou que a


cobertura atual, boina preta, trata-se mais de uma peça
ornamental, contribuindo para a boa apresentação pessoal
do policial militar, do que de um equipamento de proteção
individual, que contribua positivamente para o desempenho das
atividades policiais militares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo procurou conceituar o termo ergonomia e


investigar as suas teorias aplicáveis ao uso do uniforme. Ressalta-
se que a ergonomia é uma ciência recente, em evolução e de
caráter interdisciplinar, conjugando conhecimentos de diversas
áreas, como Engenharia, Fisiologia e Psicologia. Evidenciou-
se, ainda, que a Ergonomia não se trata de uma ciência exata
ou estanque, mas em evolução, que engloba diversos fatores
humanos relativos à interação do homem com seus equipamentos
e seu ambiente de trabalho.

Em relação à estética militar, destaca-se a associação do belo ao


útil, ou seja, se um objeto se adapta e cumpre sua função, é belo,
sob este ângulo, percebe-se que existe uma vinculação entre a
estética e a ergonomia. Nesse sentido, os estudos apontam para
um vínculo existente entre a estética e a ética, proporcionando
a compreensão da importância da farda e sua abrangência de
significado para as organizações policiais militares, não só como
elemento distintivo do todo, mas principalmente pela sua
influência direta sobre o aspecto cognitivo na ética do policial.

Em relação à boina, objeto de estudo do presente trabalho,


foram evidenciadas suas características ergonômicas e estéticas
que contribuíram para a popularização no meio militar, tais como
ser leve, flexível, de fácil adaptação a qualquer compleição física
e não restringir o campo de visão do militar, sendo uma peça de

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020 101


ERGONOMIA OU ESTÉTICA MILITAR? DILEMAS E PARADOXOS DO
USO DE FARDAMENTO PELAS INSTITUIÇÕES MILITARES
uniforme que impõe respeito, além de possibilitar a distinção de
determinada tropa.

A pesquisa de diversos autores de áreas distintas revelou a


perspectiva de que o olhar sobre a temática do uso da cobertura
deve passar não só pela ergonomia, mas também pela estética
militar, além de sua utilidade para a atividade policial militar.

Na análise e interpretação dos dados, sobressai-se que existe


uma insatisfação dos respondentes em relação ao uso da
cobertura para as atividades de policiamento motorizado, bem
como o entendimento de que a boina não se trata de um EPI.
Também evidenciam que sob o enfoque da estética militar, o
uso da cobertura contribui para a boa apresentação pessoal
do Policial Militar, sendo importante para o policiamento a
pé, contribuindo para a ostensividade no desempenho das
atividades, culminando em um maior estabelecimento da
segurança objetiva à população.

Infere-se, portanto, o entendimento de que, para os respondentes,


a cobertura atual, boina preta, trata-se de mais de uma peça
ornamental, que contribui para a boa apresentação pessoal
do policial militar, do que de um equipamento de proteção
individual, que contribua positivamente para o desempenho das
atividades policiais militares.

Fica evidenciado que pode haver interferência na forma de


uso da cobertura pelos policiais militares em decorrência da
baixa percepção sobre a sua importância para a atividade
desempenhada, já que, conforme os autores referenciados
(WISNER, 1987; NOULIN, 2002; IIDA, 2005; WACHOWICZ,
2007), a usabilidade dependeria da interação entre o produto,
o usuário, a tarefa e o ambiente. Na prática, se ao usar um
equipamento ele atrapalhar o desempenho do profissional, ou
se o sofrimento pelo uso for intenso, este deixa de ser usado.

102 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 72-109, jan./jun. 2020


Miller França Michalick e Hélio Hiroshi Hamada

O que permite salientar que as alternativas de solução para o


problema requerem uma avaliação ergonômica da cobertura por
parte da PMMG, objetivando a adequação do uso às atividades
realizadas, de forma a proporcionar um desempenho eficiente,
confortável e seguro, permitindo melhorar a satisfação do policial
militar e, por conseguinte, o aumento da produtividade.

Portanto, as atividades da Policia Militar de Minas Gerais, com


vistas a resolver os óbices detectados, necessitam englobar
ações que levem em consideração os aspectos relativos à
ergonomia, de forma a possibilitar uma melhor adaptação do
produto ao trabalhador, em relação à tarefa executada, sem,
contudo, desprezar as implicações éticas e estéticas decorrentes
das mudanças.

Como apontado no presente estudo, a estética dos produtos


tem correlação estreita com a ética, assim, antes de se efetuar
mudanças nos uniformes, deve-se avaliar meticulosamente as
implicações dessa mudança na conduta profissional e ética dos
policiais militares.

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INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: como identificar esse problema?
David Lopes Brocanelle
Bacharel em Gestão Pública (UFMG), Especialista em Segurança
Pública pela Polícia Militar de Minas Gerais.

Paulo Tiego Gomes de Oliveira


Bacharel em Direito (UNIVERSO) e em Ciências Sociais (PUCMG).
Especialista em Educação (UFMG) e Direito Penal (Fac.Batista).
Mestre em Ciências Sociais (PUCMG). Doutorando em Educação
(UFMG).

Resumo: Os agentes do serviço de Inteligência de


Segurança Pública têm a função de identificar se uma
informação é falsa ou verdadeira e assessorar os
tomadores de decisão que muitas vezes precisam dar
uma resposta rápida a uma determinada situação.
Para compreender adequadamente o fenômeno
da desinformação, é preciso levar em conta fatores
técnicos, sociais, econômicos e psicológicos diversos
que condicionam a elaboração e o acesso de conteúdo
desinformativo no contexto das novas mídias
sociais. Essas mídias sociais são responsáveis pela
disponibilidade ampla de tecnologias de edição e
publicação de conteúdos textuais, visuais, em áudio e
audiovisuais. Sendo assim, esse artigo buscou, por meio
de uma pesquisa bibliográfica exploratória, autores que
tratam dos seguintes assuntos: desinformação, fake
news, atividade de inteligência e serviço de inteligência
da Polícia Militar de Minas Gerais. Foi feito o uso da
metodologia quantitativa por meio da aplicação de
questionário aos agentes de segurança pública da Polícia
Militar de Minas Gerais, de modo a mensurar como
esses profissionaos, ao tomarem conhecimento de uma
determinada informação, conseguem avaliar se é uma
desinformação ou fake news. Por fim, detectamos que
o profissional de inteligência repassa informação sem
realizar corretamente a Técnica de Avaliação de Dados.

110 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Palavras-chave: Desinformação. Fake News. Serviço de


Inteligência. Inteligência Policial. Técnica de Avaliação de
Dados.

Abstract: The agents of the Public Security Intelligence


service have the function of identifying information that
is false or true and evaluating decision makers that are
often necessary or a quick response to a specific situation.
To understand the phenomenon of disinformation, it is
necessary to take into account various technical, social,
economic and psychological factors that condition the
creation and access to the disinformative content in
the context of new social media. These social media are
responsible for the availability of technologies for editing
and publishing textual, visual, audio and audiovisual
content. Therefore, this article is sought through an
exploratory bibliographic search by authors who deal
with the following subjects: disinformation, false
news, intelligence activity, intelligence service of the
Military Police of Minas Gerais. The use of quantitative
methodology was made through the application of
a questionnaire to the public security agents of the
Military Police of Minas Gerais, in order to measure how
these professionals, to learn about specific information,
assess whether it is misinformation or Fake News.
Finally, we detect that the intelligence professional
passes on information without correctly performing the
Data Evaluation Technique.
Keywords: Misinformation. Fake News. Intelligence
Service. Intelligence Military Police. Data Evaluation
Technique.

INTRODUÇÃO

Os órgãos de Segurança Pública têm um papel importante


no cenário nacional, desde a garantia da ordem pública à

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 111


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
segurança das informações. Na atividade de inteligência, é
necessário transformar informações e acontecimentos em
conhecimento confiável, principalmente para aqueles que fazem
parte do sistema de inteligência de segurança pública, pois são
responsáveis por assessorar os tomadores de decisão.

Com o aumento do acesso às informações, antes restritas a um


pequeno grupo de pessoas, seja por meio da internet, televisão
ou mídia escrita, é possível gerar um caos simplesmente com
publicações de boatos nas redes sociais. A título de exemplo,
cita-se uma possível paralisação dos caminhoneiros pelo Brasil1
que levou pessoas a abastecerem seus veículos a fim de evitar
um desabastecimento que uma nova greve poderia causar, isso
elevou substancialmente o preço da gasolina. Tal fato gerou
uma onda de desinformação e notícias falsas (fake news) em
todo o Brasil,1causando impacto na ordem pública. Sendo assim,
os profissionais de Inteligência de Segurança Publica têm a
função de identificar se uma informação é falsa ou verdadeira e
assessorar os tomadores de decisão que, muitas vezes, precisam
dar uma resposta rápida à determinada situação.

Para compreender adequadamente o fenômeno da


desinformação, é preciso levar em conta diversos fatores técnicos,
sociais, econômicos e psicológicos que condicionam a elaboração
e o acesso de conteúdo desinformativo no contexto das novas
mídias sociais pela disponibilidade ampla de tecnologias de
edição e publicação de conteúdos textuais, visuais, em áudio ou
audiovisuais (DELMAZO, 2018).

1
Boato sobre nova greve de caminhoneiros. Disponível em: http://www.ra-
diocidadecaratinga.com.br/2018/09/03/boato-sobre-nova-greve-de-cami-
nhoneiros-leva-milhares-de-consumidores-aos-postos-de-gasolina/Acesso
em: 10 set. 2019.

112 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Cepik (2003) define os serviços de inteligência como agências


governamentais incumbidas de coletar, analisar e divulgar
informações que sejam essenciais para o processo de avaliação
ou implementação de uma política pública.

Essas informações seriam voltadas às áreas de políticas


externas, internas, defesa nacional e ordem pública. A definição
supracitada é um dos principais lemas do serviço de inteligência
brasileiro que, a todo o momento, busca assessorar, de forma
clara e precisa, os tomadores de decisão. Além disso, Cepik traz
a seguinte definição para inteligência:

Inteligência é toda informação coletada, organizada ou


analisada para atender as demandas de um tomador
de decisões qualquer. Para a ciência da informação,
inteligência é uma camada específica de agregação e
tratamento analítico em uma pirâmide informacional,
formada, na base, por dados brutos e, no vértice, por
conhecimentos reflexivos (CEPIK, 2003, p. 27-28).

Cepik e Ambros (2012) afirmam, ainda, que a inteligência é uma


atividade estatal que tem como finalidade o assessoramento de
políticas públicas voltadas para áreas de defesa, ordem pública e
diplomacia. Sendo assim, o agente de inteligência de segurança
pública deve, a todo o momento, estar atento a possíveis ameaças
à paz social, dentre elas a desinformação, como problema chave
para a segurança pública no Brasil.

A inteligência trabalha com uma específica forma


de incerteza, com fragmentos de acontecimentos
e intenções muitas vezes ocultas e não-declaradas,
e necessita transformar esses dados dispersos em
um conhecimento preciso, verdadeiro e confiável
(KRAEMER, 2015 Apud AGRELL, 2002, p. 5).

Nesse contexto, os profissionais de Inteligência de Segurança

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 113


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
Pública devem ser capazes de identificar o que é uma
desinformação e como ela pode influenciar no assessoramento
dos tomadores de decisão, pois a sociedade vem transformando-
se de forma rápida e, a cada momento, "[...] surgem novos
interesses, novas demandas, novos crimes, ou seja, conflitos
antes inexistentes se tornam cada vez mais comuns, necessitando
de modernização e adaptação nas mais diversas esferas [...]"
(LEHMANN, 2008, p. 540).

Baseado nesse cenário, os órgãos de segurança pública são


obrigados a modernizar seus equipamentos, técnicas e seu
modo de ver e refletir as lutas diárias contra a criminalidade. O
profissional de Inteligência de Segurança Pública deve, a todo o
momento, ter um cuidado especial na coleta e tratamento das
informações: saber identificar sua veracidade passa a ser um
desafio diário. Não cair no círculo vicioso que a desinformação
pode gerar hoje é o grande obstáculo para o profissional voltado
ao campo da inteligência de segurança pública.

Na era da informação, um indivíduo pode, por meio de um


‘’click’’ na internet, obter determinada informação em questão
de segundos, pois "[…] hoje existe uma diversidade de dados
disponíveis capazes de auxiliar a atividade de inteligência [...]"
(LEITE, 2014, p.11), porém cabe a pergunta: as informações são
de qualidade? Pode-se confiar na fonte dos dados coletados e
apresentados?

Segundo Kraemer (2015), um bom analista de inteligência deve


selecionar os dados, avaliar, interpretar e entregar, além de
utilizar os dados negados oriundos das operações de inteligência,
completando assim o conjunto de informações necessárias para
o assessoramento do tomador de decisão.

Por outro lado, o acesso a diversas informações de forma rápida,


principalmente pelas redes sociais, tem contribuído para o
aumento da desinformação e a disseminação de fake news.

114 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Nas políticas públicas de segurança da Agência Brasileira de


Inteligência (ABIN), destaca-se a Política Nacional de Inteligência
(PNI)2, que tem como finalidade orientar as atividades de
inteligência e, dentre elas, há uma preocupação com a propagação
de desinformação, vulgarmente conhecida na atualidade com
fake news.

A informação tem conotação precisa, indica um contexto, origem


e é indicada de forma direta e sem deturpação (VALENTIM, 2002).
Todavia, a desinformação é a informação distorcida, deturpada
fora de contexto e sentido, com uso de fontes construídas
aleatoriamente (BRITO e PINHEIRO, 2017). Já a expressão Fake
News é uma ideia reducionista e, via de regra, é usada por
revistas, jornais, mídias e pessoas públicas com o intuito de
chamar a atenção para uma determinada questão, provocando
uma desordem informacional.

Essa pesquisa tem como objetivo responder a seguinte pergunta:


como o Profissional de Inteligência de Segurança Pública, policial
militar, identifica uma desinformação ou fake news e quais
os meios disponíveis que esse policial tem para checar sua
veracidade? Para tanto, partimos da hipótese de que o agente
de inteligência, ao receber uma informação via rede sociais, não
avalia a fonte e o conteúdo das informações ao repassá-las, pois
quando recebe a informação parte-se do princípio que ela foi
"checada" por outros agentes. Sendo assim, há repasse do que
é recebido via rede social antes de avaliar a fonte e o conteúdo,
mesmo sendo o agente um conhecedor da técnica de avaliação
de dados (TAD).

Nesse sentido, este artigo procurará apresentar uma pesquisa


que resulte em possíveis orientações para os profissionais de

2
Política Nacional de Inteligência. Disponível em: http://www.abin.gov.br/
acessoinformacao/legislacao-de-inteligencia/coletanea-de-legislacao/politi-
ca-nacional-de-inteligencia/Acesso em 10 de set. 2019.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 115


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
Inteligência de Segurança Pública, no sentido de identificar e
diferenciar uma desinformação ou fake news, no processo de
análise do conhecimento para um assessoramento de qualidade
aos tomadores de decisão. Isso ocorrerá por meio de pesquisa
bibliográfica exploratória de autores que tratam sobre os
assuntos: desinformação, fake news, atividade de inteligência e
serviço de inteligência da Polícia Militar de Minas Gerais.

Por meio de pesquisa quantitativa, utilizando-se de questionário


fechado (pesquisa online) aplicado a policiais militares da
inteligência de segurança pública da Polícia Militar de Minas
Gerais, objetivou-se mensurar como esses profissionais agem
ao tomar conhecimento de uma determinada informação e
se conferem a veracidade por meio da técnica de avaliação de
dados ou continuam propagando desinformação ou fake news.

1 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E INTELIGÊNCIA SEGURANÇA


PÚBLICA

Para Ferreira (2018), a atividade de inteligência parte do princípio


da busca e análise de elementos e fatos, com a finalidade de
produzir informações relevantes para o tomador de decisão.

Até mesmo na Bíblia (1993), é possível encontrar alguns casos que


remetem à atividade de inteligência. Numa passagem descrita
no livro de Números, Moisés, líder do povo Israelita, enviou à
Canaã espiões a fim de obter o maior número de informações
do local a ser explorado. Josué, substituto de Moisés, tomou a
mesma atitude ao enviar dois espiões, à cidade de Jericó, a fim
de buscar dados sobre aquela cidade.

Histórias narradas nas Escrituras Sagradas mostram que a


atividade de inteligência já era utilizada há séculos. No livro a
Arte da Guerra, o General Sun Tzu (2006) tinha como premissa
que os espiões possuíam papel importante na batalha, pois
as informações repassadas por eles davam conhecimentos

116 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

importantes para movimentar o exército de forma estratégica.

A atividade de inteligência teve origem em tempos longínquos e


era usada por instituições militares a fim de obter conhecimento
sobre as armas utilizadas por seus inimigos, modo de ação e as
técnicas empregadas. Tinha como objetivo o assessoramento
sobre quais estratégias militares deveriam ser tomadas, prevendo
assim as reações do inimigo: seu fim era para sua autoproteção
(ALCÂNTARA, 2011).

No Brasil, a atividade de inteligência ganhou destaque


principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Com a vitória
dos aliados, houve uma nova disputa política, ideológica e
expansionista entre os Estados Unidos da América e a União
dos Estados Socialistas Soviéticos, surgindo assim a Guerra fria.
Com temor do crescimento do comunismo pelo mundo, os
Estados Unidos apoiaram os sistemas de governos autoritários
na América Latina. Dessa forma, países como Argentina, Chile e
Brasil seguiram à risca o modelo Americano (FIGUEIREDO, 2005).

Os Militares, por sua vez, para se manterem no poder, souberam


usar os conhecimentos estratégicos, ou seja, fortaleceram os
serviços de inteligência pelo Brasil, com a publicação da Lei n.
4.341, em 13 de junho de 1964, que instituiu o Serviço Nacional
de Informação (SNI). Este tinha como objetivo coordenar, em todo
território nacional, as redes de informações e contrainformações
que eram utilizadas para neutralizar opositores políticos e
ideológicos, além de combater insurgentes terroristas, mantendo
assim o Estado e a sociedade protegidos contra o comunismo
(FIGUEIREDO, 2005).

Com o esgotamento do comunismo soviético, na década de


oitenta, foi aberto caminho para o fim dos regimes autoritários da
América Latina. No Brasil, ocorreu, de forma gradual, a abertura
política para a redemocratização, o que acarretou a promulgação
de uma nova constituição conhecida como Constituição Cidadã.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 117


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
2 INTELIGÊNCIA E CONTRAINTELIGÊNCIA

Segundo a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), a atividade de


inteligência está relacionada à inteligência31 e contrainteligência4.2
Para a ABIN, inteligência é a busca de informações pertinentes
a uma compreensão de cenários do passado e do presente para
melhor entender como se darão cenários futuros. Sua principal
função é assessorar o tomador de decisão com informações
relevantes e específicas. Para tanto, utiliza-se "instrumentos de
obtenção e análise de dados disponíveis nas diversas áreas do
conhecimento" (BRASIL, 2019a).

Os agentes de inteligência utilizam metodologias e técnicas


especializadas, possuem acesso a dados e informações que
não estão disponíveis para a população e pesquisadores, pois
essas informações são protegidas. Essas ações, porém, devem
ser realizadas dentro do princípio da legalidade. Já o tratamento
das informações e a avaliação dos dados passam por avaliações
metodológicas peculiares de produção de conhecimento de
inteligência, permitindo ao analista de inteligência uma percepção
dos fatos e a construção de conjunturas para o assessoramento
dos tomadores de decisões (BRASIL, 2019a).

Gonçalves (2018, p.32) define inteligência como o processamento


de uma matéria bruta, utilizando de metodologias próprias,
através de fontes sigilosas ou abertas com um único propósito:
assessoramento nos processos decisórios nos seus vários níveis.

3
ABIN, Inteligência. Agência Brasileira de Inteligência. Disponível em: Site
http://www.abin.gov.br/ atividadeinteligencia/inteligenciaecontrainteligen-
cia/inteligencia/ Acesso em: 02 set. 2019.
4
ABIN, Contrainteligência. Agência Brasileira de Inteligência. Disponível em:
Site http://www.abin.
gov.br/atividadeinteligencia/inteligenciaecontrainteligenciacontrainteligen-
cia/Acesso em: 02 set. 2019.

118 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Dentro da inteligência, há diferentes categorias, tais como:


"inteligência militar, inteligência policial ou criminal, inteligência
financeira, inteligência fiscal, inteligência competitiva, inteligência
estratégica e inteligência de Estado (Externa e Doméstica)". Ou
seja, a inteligência coleta informações em diferentes campos:
político, militar, científico e técnico, sociológico, econômico e
ambiental. Porém, o conhecimento produzido deve ser protegido.
Para isto, a contrainteligência tem um papel importante, pois
busca proteger dados, conhecimentos, infraestruturas sensíveis,
comunicação, transportes, tecnologias de informação além de
informações sigilosas de importância para a sociedade e Estado
Brasileiro (BRASIL, 2019b). Seu objetivo principal é a defesa
contra os riscos de uma espionagem, sabotagem, vazamento
de informação e o terrorismo praticados por órgãos, grupos ou
governo externos (BRASIL, 2019b).

A metodologia utilizada pela contrainteligência está em


desenvolver medidas para prevenção, identificação, bloqueio e a
paralisação de ameaças aos interesses nacionais. Na prevenção,
são utilizados meios para sensibilizar, orientar e capacitar
instituições de carácter estratégico na proteção de ativos de
interesse do Estado, desenvolvendo ações, comportamentos e
regras de segurança. Já na localização, obstrução e paralisação,
a contrainteligência utiliza ações especializadas de recursos
humanos e tecnológicos no intuito de impedir possíveis ameaças
contra a sociedade brasileira (BRASIL, 2019a).

A contrainteligência parte de uma modalidade específica da


inteligência que está voltada ao controle de ameaças vindas de
operações de inteligência de serviços estrangeiros, ou seja, "tem
por objetivo neutralizar a inteligência adversa e salvaguardar o
conhecimento produzido" (GONÇALVES 2018, p. 89).

Há medidas de contrainteligência que devem ser observadas


pelos agentes de inteligência, pois o papel da contrainteligência
será a produção de "conhecimentos para neutralizar ações

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 119


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
adversas, e proteger a atividade e a instituição que pertence",
(PARANÁ, 2019), para isso é utilizada a Segurança Orgânica
(SEGOR) e a Segurança Ativa (SEGAT).

A Segurança Orgânica (defensiva) busca impedir que outras


pessoas ou instituições antagônicas, que tenham interesse
em obter dados protegidos, acessem informações. Cabe a
ela neutralizar com ações externas e internas. Já a segurança
ativa (ofensiva) busca detectar, identificar, avaliar, analisar e
neutralizar os riscos de segurança da instituição, ou seja quando
uma organização falha ela é ativa, cabendo à contrainteligência
alertar o perigo que a organização está exposta. Para isso, são
utilizadas medidas de contraespionagem, contrapropaganda
e desinformação (GONÇALVES, 2018, PARANÁ, 2019).
Nesse contexto, o serviço de inteligência usa medidas de
contrainteligência para neutralizar ações de desinformação e
as fake news propagadas por agentes externos ou internos,
conforme propõe Gonçalves (2018).

3 DESINFORMAÇÃO E FAKE NEWS

O Comitê de Segurança do Estado (KGB)5,3serviço secreto


soviético, utilizou em suas operações de técnicas dissimuladas,
principalmente após a Segunda Guerra Mundial e durante
a Guerra Fria, "propaganda dissimulada (isto é, falsamente
atribuída), operações com agentes de influência e desinformação
oral e escrita (incluindo falsificação). " (SHULTZ e GODSON, 1984,
p.37). Para obter êxito nas suas ações, a KGB utilizava de duas
táticas. A primeira era a publicação oculta de matérias de interesse
do Estado em jornais internacionais, dando credibilidade a um
material que não teria como ter a fonte checada. A segunda
5
“KGB é a sigla em russo de Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnosti cujo signi-
ficado em português é Comitê de Segurança do Estado. O KGB era a principal
organização de serviços secretos da ex-União Soviética, que esteve em funcio-
namento entre 13 de Março de 1954 e 6 de Novembro de 1991”. Disponível
em: https://www.significados.com.br/kgb/ Acesso em: 13 de set. de 2019

120 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

técnica utilizada envolvia agentes de influência que tinham


como objetivo propagar uma imagem positiva em círculos
governamentais, políticos, jornalísticos, financeiros, trabalhistas
e universitários. Em troca, eles recebiam ajuda para suas
atividades particulares. (SHULTZ e GODSON, 1984, p.37).

Os soviéticos usam o termo dezinformatsia64como sendo "medida


ativa", ou seja, uma modalidade de técnica de desinformação.
Porém, tanto a KGB quanto a Agência Central de Inteligência
(CIA)75interpretavam de forma divergente o termo.

Para a CIA, desinformação "é a informação falsa, incompleta ou


confusa, passada, enriquecida ou confirmada em relação a um
país, a um grupo ou a um indivíduo em mira" (SHULTZ e GODSON,
1984, p.42). Já o serviço soviético entendia que:

A desinformação estratégica auxilia a execução de


tarefas do governo e é direcionada para confundir
o inimigo quanto às questões básicas da política do
governo, à situação econômica-militar e quando às
conquistas técnicas e científicas da União Soviética;
à política de certos governos imperialistas entre si, e
com relação a outros países; e às funções específica da
contrainformação dos órgãos de segurança do Estado
(SHULTZ e GODSON, 1984, p.42).
6
Dezinformatsia: Medidas ativas na estratégia soviética, desinformação era a
guerra de informação usada pela KGB durante o período da União Soviética
, como parte de suas táticas de medidas ativas . (Traduzido pelo Google tra-
dutor) Disponível em: https://en.wikipedia.org › wiki › Dezinformatsia_(book)
Acesso em 12 set. 2019.
7
"Agência Central de Inteligência, (CIA), do governo dos EUA é responsável
por investigar e fornecer informações de segurança nacional. Também se en-
gaja em atividades secretas, a pedido do presidente dos Estados Unidos.."
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/espiona-
gem-cibernetica Acesso em: 12 set. 2019.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 121


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
Ainda para Shultz e Godson, (1984), essas definições contêm
falhas, apesar de serem úteis. Uma desinformação geralmente
tem como alvo os tomadores de decisão ou uma população-alvo.
Sendo assim, eles entendem que uma desinformação pode ser
definida de forma direta ou disfarçada (secreta) com o intuito de
passar uma mensagem com conteúdo falso e errôneo de forma
intencional. Geralmente, tem como alvo as elites estrangeiras
governamentais ou não.

Desinformação direta é uma interlocução não-


simbólica ou falsamente simbólica, escrita ou oral,
que contém informação incompleta, enganadora ou
intencionalmente falsa, (frequentemente combinada
com a informação verdadeira), que tente enganar,
informa mal e/ou confundir o alvo. (SHULTZ e GODSON,
1984, p.42).

Já a desinformação disfarçada (secreta) usualmente é utilizada


de forma exclusiva e distinta. "Esta técnica pode ser ampliada
com rumores, falsificações, ações políticas que podem ser
manipuladas, agentes de influência, organizações de fachada
e outros artifícios." Portanto, seu objetivo é fazer com que o
"alvo" confie na autenticidade do material apresentado e por
conseguinte possa "[...] agir no interesse da nação que executou
a operação de desinformação" (SHULTZ e GODSON, 1984, p.43).

Apesar de haver estudos sobre qualidade da informação, há


poucos estudos acerca da desinformação e os seus múltiplos
significados, segundo Pinheiro e Brito (2014, p.1). Para esses
autores, nas redes digitais com grande volume de dados, verdade
e mentira se sobrepõem e se alteram a cada instante. Diversas
pesquisas científicas e grandes canais de comunicação têm
"associado o termo desinformação com o estado de ignorância
ou de ausência de informação". Portanto, desinformação parte
do pressuposto da "ausência de cultura ou de competência
informacional, impossibilidade que o usuário localize por si

122 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

mesmo a informação que necessita, não chegando, portanto, às


suas próprias conclusões." O indivíduo sujeio à desinformação
estaria acessando subinformação, isto é, a informação inacabada
ou limitada. Sendo assim, estar desinformado é o mesmo que
estar privado de informações, o que afetaria a subsistência do
indivíduo em um grupo dito como informacional. (PINHEIRO e
BRITO, 2014).

Para Gonçalves (2018, p.124), "o maior problema do analista


ao lidar com fontes abertas é exatamente identificar o que é
relevante, processar toda essa informação e extrair daí um
conhecimento de inteligência [...]",. Nesse sentido, o uso da
internet como meio de obtenção de conhecimento e de sua
propagação em meio ao grande volume de dados torna-se um
desafio, pois nem toda informação disponível é aproveitável
para a produção de conhecimento de inteligência.

Segundo Hamada (2011), redes sociais são uma mescla de


contatos que as pessoas fazem, entre si ou entre grupos sociais,
com o objetivo de proporcionar a circulação de informações
repassadas, debatidas e discutidas, formando assim espécies
de estruturas sociais Isso torna a comunicação rápida, sem
obstáculos, proveitosa e prazerosa para os usuários. O uso
sistemático das redes sociais, pelos agentes de inteligência
de segurança pública, possibilita maior agilidade no envio e
recebimento de informações. O profissional de inteligência, a
todo momento, depara-se com mensagens que porventura serão
utilizadas na produção do conhecimento e assessoramento dos
tomadores de decisão. É necessário, portanto, saber distinguir
se a informação recebida via redes sociais tem credibilidade ou
não.

Segundo Trasel, (2018) a expressão "fake news" foi utilizada por


um profissional de um jornal americano em 2014 quando houve
deparo com uma notícia falsa sobre uma cidade que estaria
em quarentena em decorrência de uma família ter contraído o

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 123


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
vírus Ebola. Já nas eleições presidenciais do Estados Unidos em
2016, o termo "fake news" foi apropriado pelo então candidato
Donald Trump e seus apoiadores. Qualquer notícia veiculada
contra o candidato, mesmo as consideradas verdadeiras, eram
consideradas como falsa por eles.

As notícias falsas podem ser descritas, então, como


um tipo específico de desinformação, que assume a
aparência de produtos jornalísticos para se aproveitar
da credibilidade conferida pela sociedade ao trabalho
de reportagem e à mídia (TRASEL, 2018, p.71).

Sendo assim, o uso de textos falaciosos, na medida em que são


distribuídos ou repassados via redes sociais, com aspecto de
notícia, são capazes de influenciar várias pessoas. A propagação
de notícias falsas (fake news) pela internet atualmente é um
grande problema enfrentado pelos provedores de conteúdo nas
redes sociais. A manipulação, por atores maliciosos, contribui
para o aumento sistemático da vulnerabilidade de indivíduos,
instituições e da sociedade, segundo Delmazo e Valente (2018).

Mendes, Doneda e Bachur, (2018, p.131) entendem que:

Fake news: informações propositalmente manipuladas


e distorcidas, que circulam nas redes sociais de forma
agressiva por força do recurso a tecnologias que
automatizam a produção e reprodução de conteúdo
(postagens, “likes”, comentários etc.), a partir de uma
estratégia central cujo escopo é influenciar a formação
coletiva da vontade em prol de uma determinada
bandeira política.

Para combater a propagação das "fake news", busca-se fazer


uma checagem dos fatos. Usualmente é utilizado o termo fact

124 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

checking8,6que seria a checagem de fatos, quando o responsável


por esse trabalho busca "verificar afirmações de políticos ou a
veracidade de vídeos, imagens, áudios e textos divulgados em
redes sociais" (TRASEL, 2018, p.72). Além da checagem dos
fatos, no caso específico da Inteligência, tem-se à disposição a
Técnica de Avaliação de Dados (TAD) que geralmente é utilizada
para julgar o conteúdo e a fonte de uma informação.

4 TÉCNICA DE AVALIAÇÃO DE DADOS

Segundo o Manual do Exército Brasileiro (BRASIL, 2019c), o


serviço de inteligência segue uma metodologia específica para
avaliar a produção do conhecimento denominada técnica de
avaliação de dados (TAD).

Sendo assim o termo dados é entendido como toda e qualquer


reprodução de acontecimentos ou cenário “por meio de
documento, fotografia, gravação, relato, sensores eletrônicos
de vigilância, carta topográfica ou digital e outros meios, são
submetidas à metodologia para a produção de conhecimento de
inteligência” (BRASIL, 2019c, p.2-16).

Os agentes de inteligência utilizam-se da TAD para avaliar a


credibilidade de um dado. Esse procedimento é peça chave
para produção de conhecimento de inteligência. Ao aplicar a
Metodologia TAD, deve-se estabelecer um grau de credibilidade
que, dependendo do seu valor, poderá ser usado nos diversos
tipos de produção dos conhecimentos de inteligência. Nesse
caso, o analista somente pode usar os dados que tiveram uma

8
"Fact-cheking é, na tradução literal para o português, checagem de fatos.
Portanto, o ofício de conferir a veracidade das informações, confirmar se são
100% verdades, se contêm algum exagero, dado inflado ou diminuído, a fonte
de certa, o método de coleta de um dado ou estatística, etc. Disponível me:
https://www.politize.com.br/checagem-de-fatos/ Acesso em: 16 set. 2019.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 125


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
avaliação acerca da sua credibilidade. O entendimento do
emprego da TAD depende de como ocorre a interlocução do
dado “entre a fonte (emissor) e o destinatário” (BRASIL, 2019c,
p.2-17).

Entende-se como fonte de dado tudo aquilo que contém, gera ou


capta um dado. Fonte é entendida como qualquer “pessoa, grupo,
organização, documento, foto, vídeo, instalação, equipamento
e qualquer outro elemento do qual se possa extrair dados de
interesse para a inteligência” (BRASIL, 2019c, p.2-17).

O avaliador, por conhecer a TAD, estaria habilitado para definir


a credibilidade do dado. Entretanto, pode haver um elemento
intermediário entre a fonte e o avaliador, conhecido como canal
de transmissão, que tem capacidade de captar, gravar e detalhar
uma situação ou fato. Logo, o avaliador deve considerar como
o dado chegou ao seu conhecimento e se foi direto da fonte ou
por meio de um canal transmissor (intermediário). Caso se tenha
recebido o dado por um canal intermediário, deverá ser avaliada
a fonte e julgado o canal transmissor como fonte a fim de dar
maior credibilidade à avaliação (BRASIL, 2019c, p.2-17).

Para estabelecer o grau de idoneidade de uma fonte, é preciso


fazer o julgamento acerca da autenticidade, confiança e
competência. Já para o julgamento do conteúdo, é preciso
estabelecer o grau de veracidade do conteúdo do dado, a partir
de três pontos: semelhança, coerência e compatibilidade (BRASIL
2019c, p.2-17).

Ao juntar os dados obtidos no julgamento da fonte e do


conteúdo, o analista se depara com o código de avaliação de
dados, conforme as duas colunas da tabela julgamento da fonte
e conteúdo.

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David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Quadro 1 - Julgamento da Fonte e Conteúdo.

Julgamento da Fonte Julgamento do conteúdo


1 - Confrimado por outras fon-
A - Inteiramente idônea
tes
B - normalmente idônea 2 - Provavelmente verdadeiro
C - Regularmente idônea 3 - Possivelmente verdadeiro
D - Normalmente inidônea 4 - Duvidoso
E - Inidônea 5 - Improvável
F - A idoneidade não pode ser ava- 6 - A veracidade não pode ser
liada avaliada
Fonte: Manual técnico Produção do Conhecimento de Inteligência (Brasil,
2019c).

Com os dados da tabela acima, o agente de inteligência terá


condições de avaliar, de forma distinta, o julgamento da fonte
e do conteúdo. Nesse sentido, foi aplicado questionário a
uma amostra de integrantes do SIPOM cujos quesitos estão
relacionados com a TAD e serão apresentados na próxima seção.

5 ANÁLISE DOS DADOS

Após pesquisa bibliográfica exploratória para formação da


teoria de base sobre o tema, foi realizada pesquisa quantitativa
(GIL, 2002), por meio de questionário aplicado a uma amostra
de profissionais de inteligência. Tal questionário teve como
objetivo identificar como o agente de inteligência de segurança
pública do SIPOM lida com uma desinformação ou fake news,
se há o hábito de repassar um conteúdo antes de avaliá-lo e,
principalmente, para responder a pergunta problema dessa
pesquisa. Além disso, foi analisado se o agente de inteligência
conhece e emprega técnicas de avaliação de dados, seja no seu
dia a dia ou até mesmo no processo de assessoramento, pois
essa ferramenta deveria ser constantemente utilizada.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 127


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
No período de 03 a 26 de setembro de 2019, o questionário foi
aplicado em dois grupos de profissionais militares, por meio do
WhatsApp, com universo de 316 integrantes que são agentes da
inteligência da Policia Militar de Minas Gerais. Foram obtidas 66
participações, sendo assim foi possível construir os resultados
abaixo.

Do total de 66 respostas, percebe-se que 6,1% são Soldados,


43,9% são Cabos, 19% são 3º Sargentos, 18,2% são 2º Sargentos,
3% são 1º Sargentos, 1,5% são Subtenentes, 6,1% são 1º
Tenentes e 1,5% Tenentes-coronéis. Com esse resultado, pode-
se perceber que a amostra corresponde a uma população maior
de Praças da Polícia Militar, ou seja, profissionais de inteligência
que, geralmente, estão atuando na rua\campo, trabalhando
diretamente na obtenção de repasse de informações, quer seja
na análise ou na busca de informações.

No que se refere à experiência profissional, aferiu-se que 40,9%


têm 1 a 3 anos no serviço de inteligência, 21,2% têm 3 a 6 anos,
16,7% têm 6 a 9 anos, 7,6% têm 9 a 12 anos, 6,1% têm 12 a 15
anos, 6,1% possui 15 a 18 anos e 1,5% têm 18 a 21 anos. Com isso,
foi possível identificar que 40,9% dos militares que responderam
têm entre 1 e 3 anos trabalhando ou trabalhados no serviço de
inteligência. Entretanto, pode-se perceber que a maioria, 59,1%,
tem mais de 3 anos. Sendo assim, é possível inferir que a maioria
desses militares têm experiência no serviço de inteligência,
principalmente na busca e análise de informações, ou seja,
muitos dos entrevistados têm um conhecimento básico sobre o
serviço de inteligência de segurança pública.

128 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Gráfico 1 - Você utiliza as redes sociais com frequência na


execução da atividade de inteligência?

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Observa-se que os profissionais utilizam as redes sociais


com frequência, ou seja, 72,7% utiliza todos os dias, já 25,8%
responderam que usam as redes sociais somente durante o turno
de serviço e 1,5% não utilizam para o serviço policial. Podemos
concluir que os militares recorrem a vários recursos, dentre eles
as redes sociais, para obter ou repassar alguma informação de
inteligência de segurança pública, possivelmente pela frequência
do uso dessas redes durante o turno de serviço.

GRÁFICO 2 - Durante o serviço, quando você recebe uma


mensagem por meio das mídias sociais, você tem o costume de
repassá-la?

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Perguntado se há o costume de repassar uma mensagem

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 129


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
recebida via redes sociais durante o serviço, 45,5% responderam
que só repassam uma mensagem após verificarem a fonte
e o conteúdo. 27,3% responderam que, dependendo da
fonte, repassam de imediato. 22,7% repassam somente após
verificarem o conteúdo, 1,5% sempre repassam as mensagens
e 3 % não repassam nenhum tipo de mensagem. Por meio das
respostas dadas, pode-se aferir que os militares se preocupam
em verificar o conteúdo e a fonte de uma mensagem.

Gráfico 3 - Durante o serviço, quando você precisa encaminhar


uma mensagem recebida por meio das mídias sociais, você
prioriza?

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Indagado o militar acerca do que ele prioriza ao encaminhar


uma mensagem recebida por meio das mídias sociais, 47% dos
profissionais de Inteligência priorizam a avaliação da fonte e do
conteúdo, 31,8% priorizam sua relevância para o serviço, 13,6%
priorizam credibilidade da fonte, 6,1% priorizam a avaliação do
conteúdo e 6,1% priorizam a agilidade no repasse. Somente
1,5% priorizam a oportunidade. Com as respostas dadas pelos
militares, nota-se que a maioria prioriza avaliar a fonte e o
conteúdo antes de encaminhar mensagens recebidas por meio
das mídias sociais.

130 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Gráfico 4 – Você acha importante avaliar o conteúdo de uma


informação antes de repassá-la? Em uma escala de 1 a 5, em
que 1 é pouco importante e 5 é muito importante:

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Foi perguntado para os militares se eles acham importante avaliar


o conteúdo de uma informação antes de repassar e, grande parte
da amostra, 90,0% respondeu que acha muito importante.

Grafico 5 - Você acha importante avaliar a fonte de uma


informação antes de repassá-la? Em uma escala de 1 a 5, em
que 1 é pouco importante e 5 é muito importante:

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Para o quesito avaliação da fonte de uma informação, 83,3%


respondeu que é muito importante a avaliação antes de repassar
uma informação.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 131


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
Gráfico 6 - Na atividade de inteligência você já recebeu alguma
informação improcedente, por meio das mídias sociais, de
fonte considerada idônea?

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Perguntados sobre o recebimento de algum tipo de informação


improcedente através das mídias sociais, de fonte considerada
idônea, observa-se que 63,6% dos agentes, às vezes, recebem
informações falsas e 30,3% recebem com frequência informações
improcedentes de fonte considerada idônea. Ou seja, 93,9% do
total da amostra receberam informações falsas de fonte idônea.
Isso leva-nos a entender que, mesmo tomando todos os cuidados
em avaliar a fonte e o conteúdo, o militar acaba recebendo
algum tipo informação improcedente, corroborando, em partes,
com a hipótese apresentada. Afinal, conforme exposto, 27,3%
repassam de imediato uma informação recebida de uma fonte
idônea, inferindo-se que ainda há agentes que realizam repasse
sem fazer a TAD, ou seja: checar a fonte e o seu conteúdo.

132 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Gráfico 7 - Você já repassou alguma informação para o sistema


de inteligência, por meio das mídias sociais, que posteriormente
constatou ser inverídica?

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

Ao perguntar para o militar se ele repassou alguma informação


que posteriormente constatou ser inverídica, 60,6% responderam
que nunca repassaram, 39,4% às vezes já repassaram informações
inverídicas. A última pergunta do questionário teve como
objetivo identificar se o agente de inteligência utiliza técnica
de avaliação de dados para informações recebidas via mídias
sociais. Eis que 39,4% verificam o antecedente da fonte, 19,7%
verificam se a fonte da informação é presumida, 51,5% verificam
se a informação apresenta contradições e 36,4% verificam se o
dado tem conteúdo semelhante.

Gráfico 8 - Quando da avaliação de alguma informação recebida,


por meio das mídias sociais, você geralmente verifica:

Fonte: Dados da pesquisa 2019.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 133


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas, a internet possibilitou que um maior


número de informação seja disponibilizado on-line, dessa forma,
qualquer indivíduo se torna um vetor ou receptor de uma
informação.

Por outro lado, o uso sistemático das redes sociais, pelos


profissionais de inteligência de segurança pública, possibilita
maior agilidade no envio e recebimento de informações.
A todo momento, o profissional de inteligência se depara
com mensagens que poderão ser utilizadas na produção do
conhecimento e assessoramento dos tomadores de decisão. De
igual modo, também há o deparo com as chamadas fakes news,
seja no serviço diário ou no círculo de amizade.

Saber identificar uma notícia falsa ou uma desinformação não


é uma tarefa fácil, necessitando de recursos materiais, suporte
tecnológico e capacidade intelectual, além de treinamento
especializado na área de inteligência para lidar com os tipos de
informações propagadas nas redes sociais.

Com o mesmo entendimento, Gonçalves (2018, p.124) afirma


que "o maior problema do analista ao lidar com fontes abertas é
[...] identificar o que é relevante, processar toda essa informação
e extrair daí um conhecimento de inteligência [...]". Verifica-
se, então, que o uso da internet como meio de obtenção de
conhecimento e de sua propagação em meio ao grande volume de
dados torna-se um desafio, pois nem toda informação disponível
é aproveitável à produção de conhecimento de inteligência.

Nesse viés, este trabalho procurou fazer uma pesquisa


bibliográfica sobre desinformação, fake news e o serviço de
inteligência de segurança pública – em especial o Sistema de
Inteligência da PMMG – e como os profissionais de inteligência
procedem ao receber uma informação, bem como identificar as

134 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

ferramentas e disponíveis e os cuidados tomados ao repassar


uma informação recebida via rede sociais.

Para tanto, partiu-se do problema a seguir: como o agente de


inteligência de segurança pública, policial militar, identifica uma
desinformação ou fake news e quais os meios disponíveis para
checar sua veracidade?

Durante pesquisa de campo, por meio de questionário aplicado


a um efetivo de 66 (sessenta e seis) profissionais de inteligência,
constatou-se que nem todos têm a devida atenção ao repassar
uma informação, pois 39,4% da amostra afirmou que, às vezes,
são repassadas informações por meio das mídias sociais e que
posteriormente constatou-se tratar de inverícidade. Além disso,
apesar de 45,5% afirmarem que só repassam uma informação
após verificar o conteúdo e a fonte da mensagem, 54,5%, ou
seja, a maioria, não tem a mesma preocupação.

Corroborando com os dados anteriores, no viés de que


informações falsas circulam no meio da inteligência, 93,9%
dos respondentes afirmam já terem recebido algum tipo de
informação improcedente de fonte considerada idônea, o que
comprova, em parte, a hipótese apresentada de que o profissional
de inteligência não avalia/checa devidamente uma informação
contida ou recebida pelas mídias sociais antes de repassá-la.

No que tange aos meios disponíveis para checar a veracidade


da informação, a pesquisa bibliográfica apresentada denota
que o profissional de inteligência poderá valer-se da técnica de
avaliação de dados (TAD), ferramenta que visa avaliar a fonte e o
conteúdo de uma informação antes do repasse. Sendo assim, o
profissional de inteligência, ao usar a técnica, terá mais eficiência
no julgamento da fonte e do conteúdo, dando maior credibilidade
na análise e no repasse de uma informação.

Pelas respostas apresentadas no questionário, 47% afirmaram

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 135


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
que buscam avaliar a fonte e o conteúdo de uma mensagem
recebida. Nesse sentido, conhecem a técnica de avaliação
de dados, porém precisam aplicar melhor a metodologia. O
avaliador estaria habilitado para definir a credibilidade do dado.
Entretanto, pode haver um elemento intermediário entre a fonte
e o avaliador, conhecido como canal de transmissão, este tem
capacidade de captar, gravar e detalhar uma situação ou fato.

Entretanto, quando confrontado o dado de 93,9% dos


profissionais de inteligência da amostra que afirmam já terem
recebido algum tipo de informação improcedente de fonte
considerada idônea, conclui-se que essa metodologia deve ser
melhor aplicada, ou pelo menos conjugada, com o fact checking
(checagem de fatos), quando o agente poderá utilizar as próprias
redes sociais para apurar as declarações, a autenticidade de
vídeos, imagens, áudios e textos propagados principalmente nas
redes sociais.

Por fim, cabe destacar que um bom analista de inteligência deve


selecionar os dados, avaliar, interpretar e entregar, além de
utilizar os dados negados oriundos das operações de inteligência,
completando assim o conjunto de informações necessárias para
o assessoramento do tomador de decisão. Para tanto, tem-se à
disposição uma ferramenta há tempos utilizada e consolidada no
meio da inteligência: a técnica de avaliação de dados (TAD).

Não obstante, verificou-se nessa pesquisa que boa parte dos


agentes de inteligência do SIPOM, apesar de conhecerem a
técnica, não a utilizam ou usam-na de forma equivocada. Quando
se trata de informações obtidas pelas mídias sociais, 27,3% dos
agentes repassam de imediato uma informação recebida de uma
fonte considerada idônea, o que comprova a hipótese que ainda
há agentes que repassam informações sem fazer a TAD.

Entende-se que o tema é polêmico e deve ser estudado com


mais profundidade, porém caberá ao profissional de inteligência

136 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


David Lopes Brocanelle e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

de segurança pública se preparar e se qualificar para prestar um


melhor assessoramento aos tomadores de decisão. Isso ocorrerá
com informações claras e precisas de fatos, no atual contexto
das mídias e redes sociais, ferramentas nas quais as informações
falsas (fake news) s]ao propagadas cada vez mais rapidamente e
sem controle.

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O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020 141


INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, DESINFORMAÇÃO E FAKE
NEWS: COMO IDENTIFICAR ESSE PROBLEMA
(Especialização em Gestão Estratégica de Segurança Pública)
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Cassal. -- Porto Alegre: L&PM, 2006. 152 p.; 18 cm (Coleção
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142 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 110-142, jan./jun. 2020


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
Vanessa Canton Pereira Carvalho
Analista Universitária (UEMG), Especialista em Segurança Pública
pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais.

Paulo Tiego Gomes de Oliveira


Bacharel em Direito (UNIVERSO) e em Ciências Sociais (PUCMG).
Especialista em Educação (UFMG) e Direito Penal (Fac.Batista).
Mestre em Ciências Sociais (PUCMG). Doutorando em Educação
(UFMG).

RESUMO: O objeto precípuo desta pesquisa é abordar


a temática Tráfico Internacional de Pessoas para fins
de exploração sexual e evidenciar as contribuições da
atividade de inteligência no combate a esse tipo de
crime. Neste artigo, será apresentado o modus operandi
do crime em questão, através do depoimento extraído
de um processo da Justiça Federal/Seção Judiciária de
Minas Gerais, relativo a cinco vítimas, além de dados
fornecidos pela Polícia Federal de Belo Horizonte e estudo
realizado por outros autores. Mais especificamente,
será descrita as contribuições da Inteligência de Estado
e da Inteligência Externa, enquanto ferramentas
importantes a serem utilizadas no combate ao citado
crime. Observou-se que tráfico internacional de
pessoas é um crime altamente lucrativo e difícil de ser
punido, em decorrência do seu caráter transnacional. A
abordagem metodológica adotada neste estudo foi a
qualitativa e utilizado como procedimentos a pesquisa
bibliográfica e documental. Os objetivos desta pesquisa
foram atendidos, pois diante da descrição por parte das
próprias vítimas acerca do modus operandi adotados
pelos criminosos, é possível, através da Inteligência de
Estado, o combate deste crime, que tende a aumentar
cada vez mais em decorrência das desigualdades sociais,
agravadas pela crise mundial e pela pobreza.
Palavras-chave: Inteligência de Estado. Tráfico. Seres

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 143


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
humanos. Exploração Sexual. Modus Operandi.

ABSTRACT: The main object of this research is on the


topic related to International Trafficking in Persons for
the purpose of sexual exploitation. In this Scientific
Article, the modus operandi of the crime in question
will be presented, through the testimony extracted
from a case of the Federal Justice / Judicial Section of
Minas Gerais, concerning five victims, in addition to
data provided by the Federal Police of Belo Horizonte
and a study by other authors. More specifically,
the contributions of State Intelligence and External
Intelligence will be described, as important tools to be
used in combating the aforementioned crime. It was
observed that international trafficking in persons is
a highly lucrative crime and difficult to punish, due to
its transnational character. The scientific methodology
adopted in this study was qualitative and bibliographic
and documentary research was used as procedures. The
objectives of this research were met, because given the
description by the victims themselves about the modus
operandi adopted by criminals, it is possible through
State Intelligence to combat this crime, which tends to
increase more and more as a result of social inequalities
aggravated by world crisis and poverty.
Keywords: State Intelligence. Trafficking. Human beings.
Sexual Exploitation. Modus operandi.

INTRODUÇÃO

A colonização do Brasil foi marcada pelo uso da mão de obra


escrava trazida do continente africano. A população indígena que
habitava o território brasileiro também sofreu com o processo de
aculturação europeia e foi obrigada a realizar trabalhos forçados
pelos colonizadores.

144 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

De acordo com Leite (2017) o tráfico de pessoas, trazidas do


continente europeu, via oceano Atlântico, ocorreu por mais de
200 anos, entre os séculos XVI e XIX.

O Brasil foi o país que mais recebeu escravos do continente


africano, cerca de 40% (quarenta por cento) dos africanos que
vieram de seu continente foram vítimas da escravidão em nosso
país.

O comércio de seres humanos que ocorreu a partir do século


XVI, configurou uma prática desumana. O ser humano, diante
deste lastimável contexto, era considerado coisa, um commodity
a ser negociado como vil objeto.

A escravidão no Brasil durou cerca de 300 anos, ocorreu entre


1550 até 1888. Nesse período, havia um domínio legítimo
sobre a pessoa do escravo. Era uma prática que acontecia sob a
permissão social e legal para a exploração humana pelo senhor
do escravo.

Na escravidão moderna não há legitimidade no domínio da


pessoa traficada, mas sim a cruel utilização do ser humano em
condição vulnerável, que é obrigado a se submeter como mera
mercadoria a ser explorada física e sexualmente.

O tráfico de pessoas é um crime que afeta um número significativo


de seres humanos na atualidade. Afronta os direitos humanos
como ocorreu com a escravidão do passado. Pode ser designado
como a escravidão moderna, pois os seres humanos, em especial
crianças e mulheres, são tratados como produtos de comércio a
ser negociado por aliciadores criminosos.

No Manual de capacitação sobre enfrentamento ao Tráfico de


Pessoas, as estimativas exaradas pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) apontaram que o crime chegou a movimentar
cerca de US$ 32 bilhões de dólares por ano, inferior apenas ao

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 145


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
comércio ilegal de drogas e ao contrabando de armas. Segundo
esse manual, o lucro é gerado em países industrializados,
representando aproximadamente, 13 mil dólares anuais por
pessoa traficada (FAUZINA, 2010).

O tráfico de pessoas é utilizado para diferentes fins como


exploração sexual, trabalho forçado, remoção de órgãos, atuação
em grupos terroristas e adoção ilegal, por exemplo.

Pode-se destacar a diferença entre a escravidão “velha” e a


escravidão moderna. A primeira acontecia legitimada por um
domínio que se dava pelo direito de propriedade reconhecido
pelo Estado e pela sociedade. Na escravidão moderna a
vulnerabilidade das vítimas é que favorecem a sua submissão
aos criminosos do tráfico, transformando-as em mercadorias
a serem exploradas física e sexualmente, se desenvolvendo
a margem do sistema jurídico que abolira a antiga escravidão.
Apesar destas diferenças, as duas formas de escravidão têm em
comum o tráfico humano para fins econômicos.

Para combater esta prática violadora dos direitos da pessoa


humana, a atividade de inteligência é uma grande aliada,
identificando potenciais ameaças, corroborando com o processo
decisório, para assegurar a segurança do Estado.

Nesta complexa seara de estudo, por se tratar de um delito que vai


além das fronteiras nacionais, se faz relevante o aprofundamento
minucioso das legislações nacionais e internacionais que visam
combater o crime a este assunto relacionado.

Diante do exposto, tem-se o seguinte problema de pesquisa:


qual o modus operandi1 de aliciamento de vítimas de tráfico
internacional de pessoas para fins de exploração sexual?

1
Significa o modo de agir e, no mundo jurídico, é a expressão utilizada para
caracterizar a forma peculiar que um criminoso (ou vários) tem de agir.

146 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Para responder tal pergunta foi realizado levantamento de dados


na Justiça Federal e na Polícia Federal, ambos com sede em Belo
Horizonte/Minas Gerais. Não se trata de um estudo englobante,
mas, sim, delimitado em recorte específico e temporal, conforme
os dados que foram possíveis de coleta, haja vista, que por se
tratar de um delito de difícil detecção e comprovação, limitou
sobremaneira a obtenção de tais elementos.

A pesquisa foi delineada a partir de teorias da Inteligência, uma


vez que ela permite lançar mão de ferramentas que são basilares
para o estudo desenvolvido além, é claro, de contribuírem para
melhor compreender o fenômeno. Dentre outras, foi baseada
no aporte doutrinário de Gonçalves (2018), que descreve dentro
da categoria da atividade de inteligência a inteligência externa,
objetivando combater a exploração dos seres humanos na
contemporaneidade. Lançou-se mão, também, da Inteligência
de Estado, pois entende-se que ambas se complementam para
o fim aqui proposto. Ao longo da pesquisa os conceitos e suas
aplicações serão melhor descritos.

O objetivo geral desse estudo é apresentar o modus operandi de


criminosos a partir da análise do depoimento de cinco vítimas e,
diante das limitações para se combater esta prática criminosa,
em decorrência do seu caráter transnacional, pretende-se, de
forma mais específica, descrever como a inteligência de Estado e
a inteligência externa, podem contribuir enquanto ferramentas
para coibir a prática do crime em questão e identificar os fatores
sociais que originam o tráfico de seres humanos.

A pesquisa é de cunho qualitativa e pautou-se na coleta de


informações, análise crítica e valorativa dos dados, através do
estudo do fenômeno e sua relação com os diversos contextos
sociais, em especial às contribuições da inteligência de Estado e
inteligência externa enquanto ferramentas para coibir o tráfico
internacional de pessoas.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 147


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
O procedimento adotado nesta pesquisa será o bibliográfico e o
documental, com a utilização de dados processuais e legislações
correlatas.

Neste artigo são apresentados dados estatísticos acerca do


crime estudado, disponibilizados pela Polícia Federal em 2018,
informações disponíveis nos relatórios do Ministério da Justiça,
bem como em processos que se encontram em tramitação nas
Varas Criminais da Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado de
Minas Gerais, além de depoimentos extraídos do Processo nº
2002.38.00.028511-8, que foi desarquivado na 35ª Vara Criminal
da Justiça Federal, da Seção Judiciária de Minas Gerais.

Dessa forma, almeja-se descortinar esta modalidade de crime


que acomete a contemporaneidade, através das contribuições
da atividade de inteligência no combate ao tráfico internacional
de pessoas.

1 DESENVOLVIMENTO

1.1 Descrevendo o recorte de estudo

A partir de agora será abordada a aplicação da ferramenta de


inteligência enquanto instrumento ímpar na apuração de crimes
de tráficos de pessoas, especialmente, para fins de exploração
sexual, além de uma breve análise social sobre o fenômeno em
questão.

1.2 Contribuições da atividade de inteligência no combate ao


Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração sexual

Inicialmente será relevante definir Atividade de Inteligência e


Tráfico Internacional de Pessoas, sendo estes os termos mais
caros para melhor compreensão desta pesquisa.

O conceito de inteligência segundo a Lei nº 9.883, de 07

148 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

de dezembro de 1999 que instituiu o Sistema Brasileiro de


Inteligência e criou a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN,
art. 1º, § 2º:

§ 2o Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se


como inteligência a atividade que objetiva a obtenção,
análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora
do território nacional sobre fatos e situações de imediata
ou potencial influência sobre o processo decisório e a
ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança
da sociedade e do Estado (BRASIL, 1999).

O conceito de inteligência, segundo Cepik (2003), é “[...] toda


informação coletada, organizada ou analisada para atender as
demandas de um tomador de decisões qualquer” (CEPIK, 2003,
p. 27).

De acordo com Gonçalves (2018), a inteligência policial se


diferencia da investigação policial. Enquanto a Inteligência
trabalha com a análise sistemática de informações disponíveis,
a investigação pretende a produção de provas de materialidade
e autoria dos crimes, com o objetivo de compor os autos de um
inquérito.

Tal ferramenta mostra-se fundamental para o enfrentamento do


tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, notadamente,
o de mulheres, haja vista, que se trata de um crime complexo, o
qual envolve diversos agentes e cenários, rompendo fronteiras
nacionais e estando acobertado, muitas das vezes, por
autoridades locais.

A definição para o tráfico de pessoas segundo o Protocolo


Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional relativo à prevenção, repressão e
punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças,
ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.017, de 12 de

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 149


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
março de 2004, em seu artigo 3, é descrita como:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa


o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à
ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à
situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento
de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para
fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a
exploração da prostituição de outrem ou outras formas
de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a
servidão ou a remoção de órgãos;
b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de
pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração
descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado
irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios
referidos na alínea a);
c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins
de exploração serão considerados “tráfico de pessoas”
mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos
da alínea a) do presente artigo;
d) O termo “criança” significa qualquer pessoa com
idade inferior a dezoito anos (BRASIL, 2004).

Fica clara a exploração à qual a vítima é acometida e o elenco dos


diversos tipos de violências praticadas nesta conduta.

Para tanto, reside na Inteligência de Estado a ferramenta


indispensável. Surgida no Brasil em 1927, já no período
republicano, a maior função e/ou missão desse tipo de serviço
é identificar situações que possam afetar interesses do país e
mesmo afrontar a soberania nacional. E, por meio de dados e

150 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

informações, é possível analisar o cenário a fim de prospectar


decisões (ABIN, 2019).

Para Gonçalves (2018) a inteligência de Estado em sua acepção


clássica, trata-se de uma atividade voltada para a produção
de conhecimento, visando assegurar a segurança do Estado e
da sociedade, para subsidiar o processo decisório do tomador
de decisão. Nesta perspectiva, este autor aborda que são
quatro as denominações que se aplicam a esta modalidade de
inteligência, a saber: inteligência de Estado, Política, Nacional e
Governamental.

Assim, como a inteligência de Estado é uma forte ferramenta


ao combate do tráfico de pessoas para fins de exploração
sexual, é importante que o ser humano, objeto desta violência,
seja o centro desta questão. E para tanto, é importante que a
inteligência de Estado esteja ancorada na linguagem dos Direitos
Humanos.

Esta é uma atividade criminosa altamente lucrativa, onde as


pessoas são tratadas como produtos de comércio, tendo sua
dignidade humana vilipendiada. Nas palavras de Frans Nederstigt
(2008) o autor reafirma o tráfico humano enquanto violador dos
direitos da pessoa humana.

É consequência de violações de direitos humanos


porque o tráfico humano origina-se da desigualdade
social-econômica, da precariedade de políticas públicas
básicas, da falta de perspectivas de emprego e de
realização pessoal e da luta diária pela sobrevivência. Em
outras palavras: é principalmente causado por violações
de direitos humanos econômicos, sociais e culturais,
também chamados de direitos humanos de segunda
geração (ou dimensão) (NEDERSTIGT, 2008, p.1).

A categoria de inteligência nacional também conhecida como

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 151


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
inteligência de Estado, “é aquela considerada de alto nível,
abrangendo amplamente aspectos de interesse nacional e
transcendendo a competência exclusiva ou as necessidades de
um único ministério ou agência” (GONÇALVES, 2018, p.30). O
crime em questão tem caráter transnacional, o artigo 109, V da
Constituição Federal de 1988, preceitua que compete à Justiça
Federal processar e julgar o tráfico internacional de pessoas.
Desta forma, como os processos investigatórios são iniciados
pela Polícia Federal e as vítimas são cooptadas no Brasil e levadas
a diversos países no exterior, há necessidade de atuação da
Organização Internacional de Polícia Criminal-INTERPOL.

No site da INTERPOL (2019), consta que há 17 bancos de dados


conectados a 194 países membros, em tempo real, contendo
dados sobre crimes e criminosos. As principais informações
contidas nestes bancos de dados são nomes, impressões digitais
e passaportes roubados.

Organizações policiais de caráter supranacional como a INTERPOL


são de suma importância para o combate ao tráfico internacional
de pessoas. A cooperação entre os serviços de inteligência dos
países membros é fundamental para que se consiga descortinar
esta modalidade criminosa de caráter transnacional. De acordo
com o artigo 2º da Constituição da ICPO- INTERPOL:

Seus objetivos são: (1) Garantir e promover o mais amplo


possível a assistência mútua entre toda a polícia criminal,
autoridades dentro dos limites das leis existentes nos
diferentes países e no espírito da “Declaração Universal
dos Direitos Humanos”; (2) Estabelecer e desenvolver
todas as instituições prováveis, contribuir efetivamente
para a prevenção e supressão de crimes de direito
comum (VIENA, 1956).

Essa prática criminosa viola a dignidade da pessoa humana,

152 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

cerceando o direito à liberdade que é considerada inalienável


por vários dispositivos legais, como a Declaração Universal dos
Direitos Humanos em seu artigo 1º.
O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10
de dezembro de 1948 disciplina in verbis “art. 1 todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade”. (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1948).

O delito de traficar pessoas desrespeita de forma veemente


os direitos humanos e faz parte da realidade mundial
contemporânea, em que indivíduos são negociados como
objetos de comércio.

Piovesan (2014) cita a convenção de Belém do Pará como o


primeiro tratado internacional de proteção aos direitos humanos,
a reconhecer a violência contra a mulher.

A Convenção afirma que a violência contra a mulher


constitui grave violação aos direitos humanos e ofensa
à dignidade humana, sendo manifestação de relações
de poder historicamente desiguais entre mulheres
e homens. Define ainda a violência contra a mulher
como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico. Sexual ou
psicológico à mulher, tanto na esfera pública, como na
privada”. A violência contra a mulher é concebida como
um padrão de violência específico, baseado no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, ou
psicológico à mulher (PIOVESAN, 2014, p. 359).

Nesse contexto, a atividade de inteligência de Estado é uma


importante aliada, auxiliando os trabalhos da polícia judiciária

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 153


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
e do Ministério Público no combate ao crime organizado. Há
que se destacar o fato de que os profissionais envolvidos nesse
enfrentamento devem estar preparados técnica e moralmente,
tendo em vista que as vítimas sempre estão fragilizadas,
envergonhadas e totalmente dependentes de ajuda, sendo
exigido “condutas ilibadas e isentas de posicionamentos
motivados por qualquer tipo de discriminação baseada
exclusivamente no sexo.” (MACEDO, 2015, p.99).

2 O CAMPO DE PESQUISA: JUDICIALIZAÇÃO DOS CASOS DE


TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS EM MINAS GERAIS
PARA FINS DA EXPLORAÇÃO SEXUAL

Em pesquisa realizada nas quatro varas criminais no Tribunal


Regional Federal da 1ª Região/TRF1, Seção Judiciária do Estado
de Minas Gerais foram fornecidas pelas Secretarias, os seguintes
dados:

Na 35ª Vara Criminal há apenas um processo com status de baixa


definitiva desde 2015 relacionado ao crime contra a liberdade
individual/pessoal, Tráfico Internacional de Pessoas para fins de
exploração sexual. Na 11ª Vara Criminal há 05 (cinco) processos
sobre o Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração
sexual (todos baixados ou arquivados). Na 4ª Vara Criminal há 10
(dez) processos sobre Tráfico Internacional de Pessoas para fins
de lenocínio, contudo todos foram baixados, por falta de provas
ou extinção de punibilidade. Na 9ª Vara Criminal há 26 (vinte e
seis) processos sobre Tráfico Internacional de Pessoas para fins
de lenocínio, contudo há apenas um processo concluso para
sentença, os outros todos foram baixados.

A demora nos trâmites legais dificulta a finalização dos processos


e a prisão dos agentes, em decorrência da prescrição e da perda
de punibilidade.

Outro problema, na condução dos processos é que em muitos

154 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

casos a vítima não se considera vítima. Isto ocorre, pois, muitas


aliciadas como será descrito em depoimentos adiante, são
obrigadas a indicar outras mulheres para se prostituírem, como
meio para conseguir se livrar da obrigação de continuar nos
ambientes de prostituição.

Outra questão denunciada, e que também dificulta a atuação


policial, ocorre nas fiscalizações da polícia nos locais de
prostituição. As aliciadas não falam o idioma do país em que
se encontram, sofrem vários tipos de ameaças, inclusive de
serem assassinadas. Assim, quando há fiscalização são obrigadas
a se esconderem, para não serem vistas pelos policiais. Nos
estabelecimentos que estas vítimas se encontram, apresentam
como fachadas restaurantes, boates e hotéis, para mascarar
a rede de prostituição ilegal. É importante ressaltar que os
processos sobre as modalidades criminosas acima descritas
estão sob sigilo da justiça.

A migração é um fenômeno social e ocorre ao longo da história


por diversos motivos: guerras, intempéries climáticas, crises,
desempregos, epidemias, dentre outros.

O Brasil possui extensão continental e faz fronteira com dez


países. Além disso, há muita perspectiva no imaginário das
pessoas originárias de países cujo índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), que mede as riquezas de um país, o nível de
educação e a expectativa de vida, é baixo.

Os Estados Unidos, Canadá e vários países da Europa têm


endurecido suas políticas e legislações quanto ao processo
migratório. Diante disto, a imigração ilegal tem aumentado
sobremaneira e difere do tráfico internacional de pessoas.

De forma distinta, na imigração ilegal a pessoa contrata o agente

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 155


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
criminoso para auxiliá-la a entrar em um país de forma ilegal,
em troca de um benefício econômico. Por isso a importância de
diferenciar os dois crimes, principalmente na esfera jurídica.

2.1 A diferença entre tráfico internacional de pessoas e


imigração ilegal

Inicialmente, é importante destacar que existe uma linha


tênue que pode confundir o leitor sobre os conceitos de
tráfico internacional de pessoas e imigração ilegal, contudo, a
proximidade aventada entre os termos se afasta sobremaneira
quando analisadas suas implicações jurídicas, conforme
passaremos a expor.

O Decreto Nº 5.948, de 26 de outubro de 2006, aprova a Política


Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cujo objetivo
é estabelecer ações de prevenção e repressão, bem como
atendimento às vítimas desta modalidade criminosa.
No art. 2º é estabelecido o conceito da expressão tráfico de
pessoas, in verbis:

Art. 2º Para os efeitos desta Política, adota-se a


expressão “tráfico de pessoas” conforme o Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial
Mulheres e Crianças, que a define como o recrutamento,
o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso
da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude,
ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação
de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento
de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para
fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a

156 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

exploração da prostituição de outrem ou outras formas


de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a
servidão ou a remoção de órgãos (BRASIL, 2006).

De acordo com o conceito acima descrito, o agente mediante


abuso comete o crime em desrespeito à liberdade individual da
vítima. Esta, ao ser enganada é forçada a se prostituir.

A consumação do crime, na visão de Azevedo e Salim (2018),


ocorre quando o agente emprega um dos meios para a sua
execução, tais como: grave ameaça, violência, coação, fraude
ou abuso. Para esses autores, basta os agentes praticarem
qualquer uma das oito condutas típicas, contidas no artigo 149-
A do Código Penal de 1940, que são agenciar, aliciar, recrutar,
transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher, para o crime
ser configurado, mesmo que a finalidade não seja alcançada.
O consentimento da vítima independe na configuração desta
prática criminosa.

Para Cunha e Pinto (2018) o crime de traficar pessoas pode ser


cometido tanto no Brasil, quanto no exterior. A Lei 13.344 de
2016, em seu artigo 1º trata do tráfico de pessoas no território
nacional contra vítima brasileira ou estrangeira, de acordo com
o princípio da territorialidade, contido no artigo 5º do Código
Penal. Com relação à vítima brasileira que for acometida por este
crime no exterior, também será amparada por este dispositivo
legal, em decorrência do princípio da extraterritorialidade
exposto no artigo 7º do Código Penal.

Com relação à imigração ilegal, o Brasil promulgou o Decreto Nº


5.016 de 2004, relativo ao Protocolo Adicional à Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo
ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima
e Aérea, conceitua no artigo 3, tráfico de migrantes:

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 157


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
Para efeitos do presente Protocolo: A expressão "tráfico
de migrantes" significa a promoção, com o objetivo de
obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro
ou outro benefício material, da entrada ilegal de uma
pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não seja
nacional ou residente permanente (BRASIL, 2004).

A principal diferença entre tráfico de pessoas e migração ilegal


é que o primeiro está pautado na transnacionalidade e na não
concordância da vítima, já no segundo o consentimento existe.
Na migração ilegal ocorre o transpasse de fronteiras e o negócio
se encerra na entrada do país de destino, com o pagamento dos
traficantes. No tráfico de pessoas o crime pode ocorrer no país
da vítima ou em outro país. As pessoas traficadas permanecem
sendo abusadas na chegada ao destino, a fim de gerar lucro aos
traficantes.

A diferenciação entre as duas modalidades de crime é importante


para que a vítima tenha a adequada proteção legal.

2.2 Perfil das vítimas de Tráfico Internacional de pessoas em


Minas Gerais para fins de exploração sexual e modus operandi
do crime

Nesta seção serão abordados os relatos de cinco vítimas de Tráfico


Internacional de pessoas para fins de exploração sexual, exarados
do Processo nº 2002.38.00.028511-8 que foi desarquivado na
35ª Vara Criminal da Justiça Federal/Seção Judiciária de Minas
Gerais. Tais pessoas foram vítimas de crimes ocorridos entre
1998 e 1999.

A denúncia do Ministério Público ocorreu em 2000, o processo

158 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

iniciou em 2002 e foi prolatada sentença em 2010, não está mais


sob sigilo na justiça. Os aliciadores eram uma mulher brasileira
casada com um homem alemão, formado em Engenharia.

QUADRO 1- PERFIL DAS VÍTIMAS INFORMANTES

Idade à época Grau de Es- Profissão


Informante Naturalidade
do crime colaridade no Brasil
Diamantina/ Ensino Mé-
I-1 20 anos Estudante
MG dio
Ensino Mé-
I-2 21 anos Betim/MG Estudante
dio
Revende-
João Monle- Ens. Funda- dora de
I-3 22 anos
vade/MG mental artigos de
couro
Paulo Afon- Ensino Mé-
I-4 24 anos Secretária
so/BA dio
Teófilo Otoni/ Ens. Funda-
I-5 29 anos Costureira
MG mental
Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Os principais pontos apontados nos depoimentos das cinco


vítimas foram acompanhados pela INTERPOL, que no Brasil,
é representado pela Polícia Federal. A função da INTERPOL é
promover a cooperação com organizações policiais e judiciais de
outros países; no caso em questão foi com a Alemanha.

De acordo com o depoimento exarado do processo, a informante


I-4, tinha à época 24 anos. Teve relacionamento amoroso com o
irmão da aliciadora. O irmão da aliciadora a convenceu a ir para
Kaiserslautern/Alemanha, para trabalhar como babá dos filhos da
sua irmã, que era casada e residente neste país, com a promessa
de ser bem remunerada. Essa vítima foi levada por seu amante,
que é irmão da aliciadora, até o aeroporto de Confins, em Belo
Horizonte/MG. Ao desembarcar na Alemanha, foi recebida

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 159


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
pelo casal de aliciadores que a conduziram a um apartamento
onde já estavam duas brasileiras. Após dois dias naquele lugar, a
aliciadora trouxe um homem e disse à vítima que ela deveria se
prostituir para pagar os gastos com a viagem e que apenas sairia
dali após quitar a sua dívida.

Durante o dia as brasileiras ficavam trancadas no apartamento,


sem acesso ao telefone e com a recomendação para não chegarem
à janela. A aliciadora ora levava clientes ao apartamento, ora
levava as vítimas para encontros em outros locais. Era obrigada
a praticar sexo com os clientes sem preservativo. A informante
ficou cinco meses na Alemanha e conseguiu retornar ao Brasil,
após ter pedido a uma amiga para ligar para a aliciadora dizendo
que iria denunciá-la à Polícia Federal.

A informante I-4 relata que em seu depoimento, permanecia


trancada o dia todo e era proibida de usar o telefone. A aliciadora
a obrigava a fazer programas com homens sem preservativo e
ficava com todo o dinheiro que recebia dos clientes. Relatou que
chegou a permanecer trancada no apartamento por dois dias,
sem comida e sem condições de pedir socorro. A informante
disse que apanhava dos aliciadores e era ameaçada de morte
caso procurasse a polícia para denunciar. Mencionou também
que a aliciadora descontava 800,00 DM (oitocentos marcos
alemães) por mês, do seu dinheiro para pagar a sua alimentação.
Expôs que ficou cinco meses na Alemanha e que era obrigada
a se prostituir não menos que quinze horas por dia, incluindo
sábados, domingos e feriados e mesmo estando doente,
chegando a fazer 160 (cento e sessenta) programas por mês.

Narrou que sempre que conseguia dinheiro escrevia cartas para a


sua família no Brasil e colocava cédulas de dinheiro nos envelopes,
mas como estas cartas eram postadas pela aliciadora o dinheiro
era retirado dos envelopes e não chegava aos seus familiares.
Disse, ainda, que os telefonemas autorizados a dar para o Brasil
eram sempre monitorados e controlados pela aliciadora e que

160 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

estes possuíam em casa armas e drogas, incluindo um viveiro de


maconha em um dos quartos.

Todas as garotas aliciadas eram obrigadas a usar drogas.

Disse que ao chegar ao Brasil foi ameaçada pelo aliciador, que


contrataria alguém do Rio de Janeiro para matá-la.

Em um dos depoimentos, a vítima disse que o valor do programa


era de 300,00 DM (trezentos marcos alemães).

Conforme relatado acima, a informante era obrigada a fazer no


mínimo 160 (cento e sessenta) programas por mês. Ao multiplicar
300,00 DM por 160, tem-se o valor de 48.000,00 DM (quarento
e oito mil marcos alemães) por mês, o que equivaleria, na
atualidade, convertendo o valor em euros, a, aproximadamente,
R$216.480,00 (duzentos e dezesseis mil, quatrocentos e oitenta
reais) de lucro por mês, com cada mulher traficada. É importante
ressaltar que a moeda marco alemão foi adotada na Alemanha
no período de 1949 até 2002, a partir de 2002 este país aderiu
ao euro.

Como o casal de aliciadores mantinham uma rede de prostituição,


arrecadavam uma verdadeira fortuna por mês com essa prática
delituosa.

A aliciadora permitiu que a informante voltasse ao Brasil, após


várias ameaças. A vítima tem receio de que a sua família fique
sabendo o que se passou na Alemanha.

Segundo a informante I-1, cujo depoimento consta nos autos do


citado processo, residia em Belo Horizonte/MG com uma amiga,
era estudante e tinha suas despesas pagas pelo pai. Ela foi aliciada
pela vítima I-5, que já se encontrava aliciada na Alemanha. Foi
obrigada pelos criminosos a conseguir mais vítimas para ficarem
em seu lugar, na exploração sexual, com a promessa de que

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 161


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
poderia voltar ao Brasil se assim fizesse.

Desta forma, ligou para a vítima I-1 e a convenceu que poderia


viajar para a Alemanha, pois teria a possibilidade de conseguir
emprego em um restaurante e ganhar um bom salário.
Diante dessa promessa, a informante decidiu ir para a Alemanha
e embarcou com a aliciadora.

Ao chegar à Alemanha, foi levada pela aliciadora a um apartamento


e neste local se deparou com outras duas brasileiras, sendo
uma delas a que a convenceu a ir para este país com o intuito
de trabalhar em um restaurante. Neste país, percebeu que as
brasileiras não trabalhavam no restaurante de uma boate e sim,
para uma agência de prostituição que recebia telefonemas de
clientes para este fim.

A aliciadora publicava anúncios no jornal local oferecendo os


programas. Metade do dinheiro recebido pelos programas tinha
que ser repassado à aliciadora, além da informante ter que pagar
200,00 DM (duzentos marcos alemães) por semana, a título de
alimentação.

Era obrigada a fazer sexo com os clientes sem preservativo e a se


submeter a todas as regras daquela casa de prostituição. Ficou na
Alemanha por um ano e cinquenta e três dias. Apenas conseguiu
voltar ao Brasil depois de pagar toda a dívida com a aliciadora. Foi
ameaçada de morte caso denunciasse às autoridades policiais a
rede criminosa. Ficou sabendo que a aliciadora estaria de viagem
marcada ao Brasil para buscar mais três jovens mulheres para
serem obrigadas a se prostituírem. Tinha receio de que sua
família descobrisse o que se passou naquele país.

A informante I-3, cujo depoimento na íntegra consta nos autos


do processo supramencionado, conheceu o marido da aliciadora
em Belo Horizonte/MG. Este a convenceu a ir trabalhar na
Alemanha, para sua esposa, como babá de seus filhos, com a

162 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

promessa de uma boa remuneração. Depois de uma semana,


o aliciador a encaminhou para tirar o passaporte e apresentou
a passagem para que a mesma pudesse embarcar para a
Alemanha. O aliciador a acompanhou na viagem e colocou em
sua bolsa uma quantidade significativa de dinheiro, dizendo que
era para apresentar à imigração caso esta “criasse” problemas na
sua entrada ao país.

Ao chegar à Alemanha, o aliciador pegou o dinheiro que tinha


dado à vítima e a apresentou para sua esposa, também aliciadora.
A informante ficou alguns dias na casa da aliciadora e depois foi
transferida para um apartamento, onde ficou sabendo que estava
naquele país para fazer programas. Disse que chorou muito, mas
não teve alternativa, a não ser se prostituir. Relatou que ficava
com as outras brasileiras o dia todo trancadas no apartamento e
ali mesmo recebiam homens para se prostituírem. Declarou que
eram obrigadas a praticar ato sexual sem preservativo e muitas
vezes apanhavam tanto dos clientes, quanto dos dois aliciadores.
Todo o dinheiro que recebia relativo aos programas ficava com
a aliciadora. Esta, também a obrigava a usar drogas. I-3 passava
necessidades dentro do apartamento, mas não tinha o que
fazer, pois não falava o idioma do país, não tinha dinheiro e não
conhecia pessoas na Alemanha.

Narrou que as jovens mulheres que trabalhavam para a aliciadora


eram obrigadas a praticar sexo com a mesma, além de apanharem
com chicote. Ficou cerca de cinco meses na Alemanha. Depois
de insistir para a aliciadora deixá-la voltar, a mesma disse que
deveria indicar outras mulheres para o seu lugar.

Diante da possibilidade de ficar livre desta situação, a informante


fez contato telefônico com duas conhecidas, mentindo para
duas jovens mulheres. Nesta ligação convenceu às conhecidas
que poderiam viajar tranquilas à Alemanha, pois não teriam
problemas.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 163


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
Era sempre ameaçada de morte para não procurar as autoridades
policiais.

Disse em seu depoimento que os aliciadores mantinham três


apartamentos em Kaiserslautern/Alemanha, com mulheres
cativas, obrigadas a ser prostituírem, nas mesmas condições
acima relatadas.

I-2 relata que morava com sua mãe e apenas estudava. Conheceu
o irmão da aliciadora através de uma amiga. Este a convenceu que
poderia conseguir um emprego para a vítima na Alemanha com
um bom salário. Ao embarcar para este país com a aliciadora,
esta, a deu U$1.000,00 (mil dólares), para apresentar à polícia
na chegada a Frankfurt. Ao chegar à Alemanha foi recebida pelo
marido da aliciadora e teve que devolver os U$1.000,00 (mil
dólares), imediatamente. Foi levada para a casa da aliciadora e
depois para um apartamento em Kaiserslautern.

I-5 foi contatada com promessas de emprego na casa da


aliciadora. Ao chegar à Alemanha descobriu que seria obrigada
a se prostituir. A informante verificou que o casal de aliciadores
possui uma rede de prostituição na Alemanha. Era ameaçada de
morte caso tentasse retornar ao Brasil. Essa vítima foi ameaçada
de morte, tanto pelo advogado constituído pelos réus quanto
pelos aliciadores, após realizar a denúncia à Polícia Federal.
Também sofreu ameaça por parte da aliciadora, a qual disse
que faria denúncia à Receita Federal por não ter declarado os
impostos relativos ao dinheiro recebido na Alemanha e que
poderia perder a casa que conseguiu comprar. Ela tinha dois
filhos.

Todas as informantes foram ameaçadas pelos aliciadores e pelo


advogado constituído, pelos denunciados após deporem à Polícia
Federal e dar início ao processo criminal, inclusive procuraram o
judiciário para retirarem as denúncias em decorrência do medo
sofrido diante das ameaças.

164 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

O modus operandi descrito pelas vítimas apresenta traços de


criatividade: os aliciadores se organizavam para que cada membro
da organização criminosa abordasse uma vítima diferente e
assim não fossem detectados. Os argumentos ditos às vítimas,
a respeito das vantagens para irem à Alemanha, também eram
diferentes para cada mulher. Tanto que houve envolvimento
afetivo do irmão da aliciadora com uma das vítimas. A mãe de
outra vítima morava de favor na casa de conhecidos da aliciadora
e as outras abordagens eram sempre realizadas mediante
apresentação de pessoas conhecidas das vítimas aos aliciadores.
Esse mesmo modus operandi também apresenta traços de
sofisticação: as passagens aéreas eram compradas sempre na
mesma agência de viagens e pagas com dinheiro em espécie.
Outro aspecto da sofisticação acontecia quando o aliciador
dava dinheiro, também em espécie, para as vítimas, em dólar,
a fim de comprovar condições de permanecer no país, para
facilitar a entrada e permanência na Alemanha, lembrando que
esse dinheiro era meramente de caráter enganoso (ludibriar as
autoridades competentes).

Nos depoimentos das cinco vítimas, extraídos do processo


supramencionado, cada abordagem ocorreu de maneira
diferente. Em todos os depoimentos as vítimas viajaram à
Alemanha por vontade própria, por acreditar que teriam uma
vida melhor diante da promessa de emprego em outro país,
assim, são atraídas pelo sonho e pela necessidade. Contudo,
chegando ao destino percebem que foram enganadas e que as
promessas de emprego são na realidade, a prostituição forçada.
De acordo com os depoimentos acima, é possível verificar que
o tráfico de pessoas é um crime que apresenta como principais
características a fraude e o engano a seres humanos em condição
de vulnerabilidade. Verifica-se que os criminosos utilizam
aliciadores diferentes para cooptar as vítimas e com estratégias
variadas, para que o modus operandi não seja descoberto.

Na contemporaneidade, o tráfico de pessoas, em especial de

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 165


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
mulheres e crianças, tem suas raízes na sociedade patriarcal, que
segundo Scott (1995):

É uma forma de organização social onde suas relações


são regidas por dois princípios basilares: as mulheres são
hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens
estão subordinados hierarquicamente aos homens mais
velhos, patriarcas da comunidade. (SCOTT, 1995, p.72).

O patriarcado propiciaria, nesse prisma, o abuso de mulheres,


vistas como propriedades dos pais e maridos. Outro mercado
bastante rentável para esta prática em nosso país está alicerçado
no turismo sexual. Indivíduos de países ricos buscam em países
como o Brasil, o mercado sexual, para satisfação de seus desejos
mais vis, tratando seres humanos como objeto de consumo.

No Relatório do Ministério da Justiça foi detectada que a maior


incidência do tráfico internacional de brasileiros (as) ocorre para
fins de exploração sexual (BRASIL, 2013).

De acordo com a Polícia Federal, em 2018 os valores variavam


entre €6.000,00 (seis mil euros) a €13.000,00 (treze mil euros) por
pessoa aliciada. A maior parte destes valores é paga com a prática
da prostituição depois que o aliciado se encontra em território
estrangeiro, além de ter que arcar com os gastos da viagem,
como a passagem, conforme confirmado pelo depoimento das
vítimas acima descrito.

A atividade criminosa continua com a retenção do passaporte


no local de destino até que toda a quantia seja paga. Imóveis da
família são dados em garantia, pois a pessoa tem a ilusão que
poderá ajudar mais a sua família trabalhando no exterior, sem
saber ao certo a realidade que a espera.

Verifica-se que em toda a dinâmica do crime, há uso da violência,


ameaça e coação, por se tratar de uma atividade altamente

166 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

lucrativa, ficando atrás apenas do tráfico de drogas.

O Ministério da Saúde, órgão que registra de forma mais confiável


os dados sobre as vítimas de tráfico de pessoas que procuram
os serviços de saúde, destaca o perfil destas em sua maioria
composto por mulheres, de baixa escolaridade, solteiras, cuja
zona de residência é, em 75% dos casos, a urbana. A faixa etária
destas mulheres detectada pelo relatório foi de 10 a 29 anos,
havendo, todavia, uma maior incidência de vítimas, cerca de
25%, na faixa etária de 10 a 19 anos (BRASIL, 2013).

Os dados da Polícia Federal (2018), neste mesmo relatório


mostram que há um maior número de aliciadoras, recrutadores
ou traficantes do sexo feminino, com cerca de 55% dos indiciados.
Em contrapartida, no Sistema Penitenciário, apresenta um
número maior de homens presos por tráfico de pessoas, dado
que resta ser confirmado pelo Ministério da Saúde, onde cerca
de 65 % dos casos, homens foram identificados pelas vítimas
como supostos autores da agressão.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Tráfico Internacional de Pessoas constitui o terceiro negócio


ilícito mais rentável do mundo.

Por se tratar de um crime altamente lucrativo, cujo trâmite


processual é complexo, uma vez que depende das autoridades
policiais e judiciais de outros países e com previsão penal
relativamente pequena, segundo o artigo 149-A do Código Penal
de 1940, de quatro a oito anos de reclusão, tem acarretado no
aumento das redes criminosas para fins de exploração sexual.

Na maioria dos casos, os aliciadores são pessoas próximas à vítima


ou da família desta que, diante de situação de vulnerabilidade,
acredita que poderá ter uma vida mais promissora no exterior,
geradas pelas promessas de emprego.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 167


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
Com relação ao depoimento das cinco vítimas acima explicitadas,
as abordagens foram realizadas pelo aliciador, cidadão Alemão,
por sua esposa brasileira, pelo irmão da aliciadora e pelas
próprias vítimas utilizadas como isca e obrigadas a atrair novas
vítimas, mentindo que tinham conseguido um bom emprego no
exterior.

As passagens eram compradas sempre na mesma agência de


turismo e pagas com dinheiro.

Dessa forma, é importante que Polícia Federal, Ministério


Público e as Agências de Inteligência utilizem a ferramenta de
contrainteligência para proteger as informações acerca do
modus operandi das redes de criminosos, de forma a resguardar
os dados advindos desse crime.

Essas mulheres traficadas nutrem profundo medo e vergonha


de que seus familiares descubram o que se passou. Diante
das agressões na esfera psicológica e física sofridas acabam
se identificando com o traficante. São mulheres vilipendiadas
dos seus direitos humanos, acabam acreditando que devem
permanecer naquela condição para quitar a dívida das passagens
e estadia com os criminosos, que vão acabar juntando algum
dinheiro para voltar ao Brasil, pois sua condição de vida no Brasil
era, em muitos casos, pior. Alimentam sentimentos de culpa por
terem sido obrigadas a indicar outras vítimas para ocuparem o
seu lugar no “cativeiro”.

Nesse contexto, a Inteligência de Estado se faz de suma


importância como ferramenta de combate a tal modalidade
criminosa que vai além das fronteiras nacionais.

Para combater essas redes de prostituições transnacionais, se


fazem necessárias ações coordenadas das diversas agências de
inteligência nas esferas Estadual, Federal e Internacional. Além
da cooperação das Polícias Militares, Exército, Polícia Federal e

168 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


Vanessa Canton Carvalho e Paulo Tiego Gomes de Oliveira

Ministério Público.

Assim, a produção de conhecimento com o objetivo de assegurar


informações para proteger o Estado e a sociedade do crime
organizado e garantir a ordem, bem como a democracia são
fundamentais no combate deste crime.

Para tanto, é fundamental que o Brasil amplie as parcerias com


os serviços de inteligência de outros países e constitua o serviço
de inteligência externa, para facilitar a condução da atividade
operação no exterior.
Outro aspecto importante é a proteção das informações acerca
do crime em questão, através das técnicas de contrainteligência.
Uma medida que o judiciário já adota é manter os processos
atinentes ao tráfico internacional de pessoas sob sigilo.

Por se tratar de um crime multifacetado, a Inteligência de Estado


precisa atuar, principalmente, nas áreas do judiciário, educação,
turismo e migração.

O tráfico internacional de pessoas pode ser configurado como


lesa-humanidade, pois fere a dignidade da pessoa humana. As
vítimas são cooptadas para servidão sexual e exploradas para
pagar uma dívida que não escolheram contrair.

A crise mundial agrava a pobreza e aprofundam as desigualdades


sociais, o que torna as vítimas, em especial as mulheres, ainda
mais fragilizadas diante de sua condição social. O combate a
este crime esbarra no preconceito, o que acaba por dificultar a
utilização de métodos de repressão por parte do Estado.

Embora as redes internacionais de prostituição alcancem


organização e proporções cada vez maiores, os Estados
transnacionais precisam se unir em redes de cooperações
jurídicas e observar três eixos principais de ação que consistem
na prevenção, repressão e atendimento às vítimas.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020 169


CONTRIBUIÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS
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o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra
o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial
mulheres e crianças. Brasília, 15 de mar. 2004.

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a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e
institui o Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo
de elaborar proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas – PNETP . Brasília, 27 de out. 2006.

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de 1980, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941
(Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 07
de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do
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172 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 143-172, jan./jun. 2020


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR PACOTE NO
INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Naira Alicia Lacerda Flores


Graduada em Enfermagem (UFMG), Especialista em Gestão
de Sistema e Serviço de Saúde (UNB) e Analista de Gestão de
Seguridade Social do IPSM.

Antônio Hot Pereira de Faria


Doutor em Geografia (PUCMG), Mestre em Administração
(FEAD), Graduado em Ciências Militares pela Polícia Militar de
Minas Gerais, Capitão da Polícia Militar de Minas Gerais

Resumo: O aumento crescente dos custos em saúde torna


imprescindível a adoção de modelos de remuneração de
serviços que permitam avaliar e controlar de maneira
mais efetiva os gastos com assistência à saúde. Nesse
sentido, o presente estudo tem como objetivo apresentar
a experiência de uma autarquia na implantação de
pacotes como modelo de remuneração aos prestadores
de serviço, subsidiando a tomada de decisão dos
gestores em relação à sustentabilidade das contratações
de serviços de saúde. Trata-se de pesquisa qualitativa,
descritiva, baseada em análise documental e de dados
bibliográficos. Inicialmente, o estudo dedicou-se a uma
revisão da literatura acerca dos modelos de remuneração
de serviços de saúde; no segundo momento apresenta o
modelo implementado no Instituto de Previdência dos
Servidores Militares do Estado de Minas Gerais, com
análise de 12 procedimentos médico-hospitalares e
suas perspectivas de economia financeira. Os resultados
indicam que a utilização de pacotes gera redução de
custos para a fonte pagadora dos serviços e conclui-
se que é preciso haver um equilíbrio entre os critérios
técnicos e financeiros na definição do valor do pacote.
Palavras-chave: Pacotes hospitalares. Remuneração
hospitalar. Pagamento hospitalar. Fee for service.
Pagamento por performance. Custos da saúde.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 173


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Abstract: The rising cost of healthcare makes it


imperative to adopt service remuneration models that
allow health care spending to be assessed and controlled
more effectively. In this sense, the present study
aims to present the experience of an autarchy in the
implementation of packages as a model of remuneration
to service providers, supporting the decision making
of managers for the sustainability of health service
contracts. It is a qualitative, descriptive research, based
on documentary analysis and bibliographic data. The
study was initially dedicated to a literature review on
payment methods in health care services; and in the
second, it presents the model implemented at the
Instituto de Previdência dos Servidores Militares do
Estado de Minas Gerais with an analysis of 12 hospital
procedures and their prospects for financial savings. The
results indicate that the adoption of packages generates
cost reductions for the service payer and concludes that
there needs to be a balance between the technical and
financial criteria in defining the value of the package.
Keywords: Hospital payment. Fee-for-service. Health
costs. Pay for performance. Payment methods.

INTRODUÇÃO

A transição demográfica e epidemiológica, o alongamento da


expectativa de vida, bem como o aumento da prevalência das
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e o incessante
avanço tecnológico são alguns dos fatores que contribuem para
uma tendência crescente dos custos em saúde. Esse cenário
torna evidente a discussão acerca dos modelos de remuneração
de prestadores de serviços de saúde e seus impactos na
sustentabilidade do setor.

174 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

A necessidade de redesenhar a política de pagamento dos


procedimentos é de relevância mundial e tem-se intensificado
nas últimas décadas (OMS, 2010). O aumento progressivo dos
valores pagos aos prestadores de serviços preocupa o governo
e as operadoras de planos de saúde, colocando os sistemas
de pagamento em posição cada vez mais crítica na política de
saúde, uma vez que envolve a utilização de recursos financeiros,
a melhoria da qualidade do cuidado e dos resultados em saúde.

O modelo de pagamento Fee For Service (FFS) ainda é o mais


praticado e, por se tratar de um sistema de pós pagamento
de todos os itens ofertados, pode induzir o uso excessivo de
procedimentos em saúde sem, necessariamente, entregar
mais qualidade assistencial (UGÁ,2012; BOACHIE, 2014). Em
levantamento realizado em 2017 pelo Instituto de Estudos
de Saúde Suplementar (IESS), dentre os 10 (dez) países com
maior inflação médica em 2016, 6 (seis) deles praticam,
predominantemente, o modelo de pagamento hospitalar do
tipo Fee For Service. Esse dado permite inferir que os países que
adotam o FFS de forma preponderante têm estimulado o setor
hospitalar, gerando assim maior crescimento dos custos médico-
hospitalares (IESS, 2017).

Nesse contexto, alternativas ao modelo convencional Fee For


Service são experimentadas em diversos países, tanto na esfera
pública quanto na privada, com diferentes resultados (UGÁ,
2012; CALSYN; LEE, 2012).

No Brasil, o FFS ainda é hegemônico, principalmente no


setor privado. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), em 2018, na saúde suplementar, apenas 4%
dos valores pagos aos prestadores de serviços foram realizados
por meio de modelos de pagamento alternativos.

O modelo utilizado pelo Instituto de Previdência dos Servidores

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 175


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Militares do Estado de Minas Gerais12(IPSM) para remuneração


dos serviços credenciados é o clássico Fee For Service, também
chamado de “conta aberta”, que constitui na cobrança de todos
os itens utilizados, item a item, com verificação da auditoria de
forma retrospectiva. Dessa maneira, é permitido aos prestadores
a sobreutilização de serviços, levando a glosas (não pagamento)
e desgastes na relação comercial, além de não oferecer aos
gestores uma previsão de custos na saúde.

Salvo a política de pagamento dos prestadores de serviços,


o Instituto, assim como os demais órgãos da administração
pública estadual, vinha passando por uma fase árdua em termos
financeiros, em que os recursos previstos não eram repassados
pelo governo de Minas Gerais na sua totalidade, gerando atrasos
no pagamento dos serviços. Aliado a esse impasse, os gastos em
saúde no IPSM, apesar de não atingirem as taxas de crescimento
dos custos do setor, são maiores do que os demais parâmetros
da economia.

Diante desse cenário, tornou-se imprescindível adotar reformas


nos modelos de pagamento ao prestador, principalmente aos
hospitais, no sentido de controlar e avaliar de maneira mais
efetiva os gastos com assistência à saúde. Uma das estratégias
aprovadas pelo IPSM para tentar frear o incremento dos gastos
foi a adesão ao modelo de remuneração de procedimentos por
pacote.

O presente estudo tem como objetivo principal analisar


a implantação do método de pagamento de pacotes de
procedimentos no IPSM e, como objetivos específicos: a) verificar
o potencial de eficiência dos pacotes em termos financeiros;

1
O IPSM é uma autarquia estadual vinculada à Polícia Militar que tem por fina-
lidade a prestação previdenciária e assistência à saúde aos policiais e bombei-
ros militares segurados e dependentes (MINAS GERAIS, 1990).

176 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

b) analisar os cenários interno e externo à organização em


relação à implantação de outro modelo de remuneração de
procedimentos.

Os processos alvos dessa pesquisa são estratégicos para a


instituição nos aspectos administrativo, financeiro e assistencial.
A adesão de pacotes como alternativa para minimizar gastos
e permitir uma melhor previsão orçamentária subsidia a alta
gestão na tomada de decisão e no planejamento de ações que
visem à otimização dos recursos e dos processos. E, ainda,
possibilita a atuação do IPSM como protagonista na relação
com os prestadores de serviços, com o objetivo de garantir a
sustentabilidade do Instituto e a qualidade no atendimento aos
beneficiários.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, de caráter


exploratório, por meio de um estudo de caso, com a utilização de
fonte documental e de dados bibliográficos. Para o embasamento
teórico do tema foi feito levantamento de bibliografia e legislação
relativas ao tema, bem como acerca do cenário do estudo.
Recorreu-se às publicações de agências especializadas, a exemplo
da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS), como as principais referências
para as diretrizes relativas à remuneração baseada em valor em
saúde. Ademais, utilizou-se dados provenientes de sistemas de
informação e documentação interna do Instituto.

O estudo aborda a metodologia de elaboração e implantação


de pacotes realizada entre agosto de 2018 e agosto de 2019.
Considerando que os pacotes estudados foram disponibilizados
para negociação muito recentemente (julho e agosto de 2019),
ainda não foi possível fazer uma análise comparativa a partir
dos resultados do novo modelo de remuneração adotado. No
entanto, são apresentadas as estimativas de impacto financeiro.

Para fins de pesquisa e para resguardar processos negociais

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 177


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

estratégicos do IPSM, foram adotadas codificações em


substituição à especificação do procedimento e dos prestadores
de serviço admitidos como exemplos no estudo.

A avaliação do cenário do processo de implantação dos pacotes


de procedimentos no IPSM foi feita com base na metodologia
da Análise SWOT2.3A matriz SWOT é uma ferramenta para
diagnóstico de conjunturas e se dá pela interseção dos pontos
fortes e fracos de uma organização com as oportunidades e
ameaças externas (CHIAVENATO; SAPIRO, 2003).

O presente artigo, além desta introdução, dispõe de mais quatro


capítulos. No segundo capítulo, pretendeu-se contextualizar
o tema no Brasil e no mundo e apresentar os modelos de
remuneração mais praticados na saúde; no terceiro, buscou-
se caracterizar o IPSM enquanto cenário do estudo; no quarto
capítulo, apresentou-se as etapas de elaboração dos pacotes, bem
como a análise e a discussão dos processos de implementação
do novo modelo de remuneração no Instituto. O capítulo cinco
apresentou a etapa conclusiva do trabalho.

1 REMUNERAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE - UM PANORAMA

A forma de pagamento de serviços hospitalares é assunto


discutido no Brasil e no mundo. Diante dos gastos crescentes, os
sistemas de saúde têm buscado alternativas que desestimulem
o uso indiscriminado de recursos e que permitam um maior
controle dos custos.

No Brasil, a ANS vem assumindo o desafio de conduzir o debate


em torno da temática, além de intermediar e alinhar, junto aos
atores da saúde suplementar, a adoção de modelos baseados em
2
Strengths (pontos fortes), Weaknesses (pontos fracos), Opportunities (opor-
tunidades) e Threats (ameaças).

178 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

valor que não privilegiem somente a redução de custos.

1.1 Breve histórico da evolução dos modelos remuneratórios


de serviços de saúde

De modo geral, há basicamente dois grupos de modelos de


remuneração: o pagamento retrospectivo, relacionado ao
volume de procedimentos realizados e à utilização de tecnologias,
representado pelo Fee For Service; e o modelo prospectivo,
que constitui no pagamento fixado e previamente acordado,
dissociado da produção de serviços.

A política de remuneração dos prestadores baseada na produção


de serviços é tema de debate desde a década de 1990, na
perspectiva de melhorar os resultados em saúde e assegurar a
sustentabilidade aos sistemas de saúde (UGÁ, 2012).

No documento Crossing the Quality Chasm: A New Health


System for the 21st Century, de 2001, do Institute of Medicine
(IOM), o comitê sugere que as fontes pagadoras, tanto públicas
quanto privadas, revisem seus modelos e alinhem as políticas de
pagamento com melhoria de qualidade, removendo as barreiras
que impedem o aprimoramento da qualidade da assistência
(IOM, 2001).

Em 2010, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em seu


Relatório Mundial de Saúde sobre o Financiamento dos Sistemas
de Saúde, recomenda modelos alternativos ao FFS como uma
maneira de reduzir a sobreutilização de serviços, por meio do
compartilhamento de risco com os prestadores para limitar o
desperdício na assistência (OMS, 2010).

O FFS pode induzir intervenções excessivas e desnecessárias sem


evidências de benefícios e, consequentemente, sem contribuir
para o alcance de melhores resultados em saúde. Dessa maneira,
a discussão referente à forma de remuneração de prestadores de

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 179


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

serviços interfere no modelo de atenção e organização da rede


de saúde e nos resultados esperados (MENDES, 2011).

Há uma tendência mundial na implantação de modelos de


remuneração prospectivos como uma estratégia de controle das
despesas. Em 2003, a Inglaterra adotou o modelo de pagamento
por resultados no sistema público de saúde (National Health
System – NHS). E, entre os anos de 2000 e 2009, a Alemanha,
África do Sul e os Estados Unidos tiveram experiências assertivas
com o modelo DRG (Diagnosis Related Groupings). Esses países
apresentaram impacto positivo com a contração da inflação
médica e redução dos custos hospitalares (IESS, 2015).

No Brasil, o setor de saúde suplementar pratica a estrutura


remuneratória baseada no Fee For Service. Entretanto, diante
da experiência internacional, é inconcebível não pensar em um
modelo de pagamento diferente do que atualmente é aplicado
no Brasil, pois, cada vez mais, se faz necessário buscar a eficiência
na utilização de recursos do sistema de saúde.

Desse modo, a ANS criou, em 2016, o Grupo Técnico de Modelos


de Remuneração (GT), com entendimento de que os modelos
de remuneração podem contribuir para a sustentabilidade dos
sistemas de saúde e ser um mecanismo indutor da qualidade do
cuidado.

Na Fase 1 do GT, a ANS compartilhou estudos sobre os principais


modelos de remuneração, realçando a prática internacional e
o comparativo com os modelos experimentados no Brasil, em
especial na saúde suplementar. Participaram da primeira fase
diversas representações da saúde suplementar como operadoras
de planos privados, prestadores de serviços, entidades
profissionais de saúde e indústria do setor.

180 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

Em 2017, já na Fase 2 do GT de Remuneração, houve a formação


de subgrupos com o objetivo de aprofundar temas específicos
e identificar estratégias para viabilizar a implementação efetiva
de modelos de remuneração alternativos, centrados na melhoria
da qualidade do cuidado e na sustentabilidade da saúde
suplementar.

A Fase 3 teve início em abril de 2019, a qual se propôs testar


os modelos de remuneração por meio de projetos-piloto. Entre
os objetivos dessa nova fase destacam-se: contribuir com a
viabilização da implementação de modelos de remuneração
alternativos e superar os desafios desse processo.

1.2 Modelos de remuneração

O FFS é o modelo mais frequentemente utilizado na contratação


de serviços de saúde. Entretanto, com a crescente crítica a essa
política de remuneração, as fontes pagadoras e os prestadores
de serviço têm migrado para diferentes modelos de pagamento.
Neste capítulo, são abordados os modelos de remuneração mais
praticados e, ao final, as vantagens e desvantagens de cada um
deles serão apresentadas.

1.2.1 Fee For Service (FFS)

O modelo Fee For Service (FFS) também é conhecido como conta


aberta e implica a existência de tabelas com valores estabelecidos
para cada procedimento, material, medicamento, diária, taxas de
sala, gases e equipamentos. O pagamento é realizado item a item
de forma retrospectiva, ou seja, após a execução dos serviços.

O FFS se caracteriza pela remuneração por quantidade de


produção e uma das principais críticas se dá pelo fato de que
a oferta estimula a sobreutilização de serviços sem que haja
necessidade para o paciente. Não há controle sobre a quantidade
de serviços realizados e quanto mais são executados, maiores são

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 181


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

os valores das contas hospitalares. Assim, a atenção pode gerar


intervenções inapropriadas e evitáveis, afetando os resultados e
a qualidade dos serviços prestados (MILLER, 2017). Além disso,
favorece o uso da alta tecnologia e requer vários mecanismos de
controle e auditoria.

Apesar das considerações e distorções decorrentes do FFS, esse


modelo pode ser adequado para atenção especializada, em
casos específicos que apresentem baixa previsibilidade como,
por exemplo, internações longas que envolvam procedimentos
de alta complexidade (ANS, 2019).

Alguns países como Dinamarca, França, Holanda e Suíça têm


incorporado modelos alternativos combinados com o FFS que
estejam mais relacionados à qualidade. O agrupamento de
vários tipos de pagamentos mostra potencial para superar a
fragmentação do cuidado, levando a melhores resultados e uma
desaceleração no crescimento dos gastos (OECD, 2016).

Para transpor as limitações do FFS, seria importante adotar


modelos centrados no paciente com a visão em obter melhores
resultados em saúde, baseados nas reais necessidades dos
usuários a um custo viável para o sistema.

1.2.2 Capitation

No modelo Capitation, o prestador recebe um valor fixo para


cada beneficiário assistido, pelo qual passa a se responsabilizar
por todo o fornecimento de serviços de saúde previamente
contratados, em uma população definida, em um período de
tempo especificado. Os recursos são repassados periodicamente
ao prestador com base no valor per capita multiplicado pelo
número de indivíduos a ele adscritos. Este valor individual é
reajustado por risco, considerando variáveis como sexo e idade

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Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

da população. O pagamento independe da quantidade e do


tipo de serviço prestado e é feito de forma prospectiva (UGÁ,
2012; BOACHIE, 2014; BICHUETTI; MERE, 2016). Dessa forma,
ao assumir o risco, o prestador deve gerenciar a utilização dos
recursos, o que leva à necessidade de maior controle tanto por
parte da operadora quanto do prestador (BALZAN, 2000).

Dentre as deficiências desse modelo de remuneração, destaca-se


a dificuldade de estabelecer medidas de saúde e não de doença
(ANDREAZZI, 2003) e também a possibilidade de que, com uma
receita fixada por paciente, os prestadores racionem ou neguem
procedimentos e serviços mais caros, mesmo os que podem
levar a melhores resultados de saúde a longo prazo.

1.2.3 Diagnosis Related Groupings (DRG)

O modelo Grupos de Diagnósticos Homogêneos (GDH),


mais conhecido como Diagnosis Related Groupings (DRG),
originalmente foi concebido como um sistema de classificação de
pacientes com o objetivo de monitorar a utilização de serviços,
bem como mensurar e avaliar o desempenho dos hospitais,
subsidiando a gestão da qualidade da atenção hospitalar
(NORONHA et al., 2004; UGÁ, 2012; BOACHIE, 2014).

O sistema tem como foco a definição de conjuntos de bens e


serviços prestados aos pacientes para tratar problemas de saúde
específicos. Este método de classificação dá suporte tanto à
gestão econômica (custo das internações), quanto à gestão
clínica (perfil clínico dos casos tratados), constituindo grupos que
se caracterizam homogêneos na concepção de custo.

Portanto, esse sistema se tornou base para um modelo de


remuneração pautado no tipo de caso ou doença tratada por meio
de um valor previamente acordado e pago prospectivamente,
independentemente dos custos reais do paciente (NORONHA et
al., 2004; BOACHIE, 2014; BICHUETTI; MERE, 2016).

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 183


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Os pontos de questionamento desse modelo estão relacionados


à classificação exaustiva do caso específico do paciente, o que
demanda tempo e treinamento; à variabilidade dos custos
dos diagnósticos conforme uma série de fatores como idade
do paciente, gravidade do caso e patologias associadas e à
possibilidade de distorções de informação e da atenção à saúde
por conhecimento dos prestadores de quais são os diagnósticos
mais ou menos vantajosos (ANDREAZZI, 2003).

1.2.4 Pagamento por Desempenho (P4P)

O Pagamento por Desempenho (P4P), também chamado de


pagamento por performance ou compra baseada em valor,
remunera os prestadores de acordo com o alcance de metas
de desempenho estabelecidas que gerem qualidade. Por outro
lado, autua os resultados insatisfatórios, falhas assistenciais ou o
custo elevado sem melhorias de contrapartida.

O P4P é utilizado associado a outro modelo, pois estipula o


pagamento conforme a performance do serviço apoiado em
algum método já estabelecido, geralmente o Capitation, o DRG,
ou até mesmo o FFS (ANS, 2019).

O pagamento por desempenho implica na mensuração e


acompanhamento de indicadores de qualidade de atenção,
sejam eles qualitativos ou quantitativos (UGÁ, 2012; MILLER,
2017). Tem como objetivo a redução de custos e o aumento da
qualidade e efetividade dos serviços.

O modelo está sendo disseminado e implementado em


vários países como Canadá, Portugal, Noruega, Austrália,
França e Alemanha. Em 2012, quase dois terços dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OECD) relataram ter pelo menos um esquema de P4P em vigor.

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Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

Eles são predominantemente encontrados na atenção primária,


mas também estão se espalhando para serviços especializados e
hospitais voltados para casos agudos (OECD, 2016).

Como crítica a esse modelo, autores apontam a falta de garantia


da qualidade da assistência; a possibilidade de interromper
o ciclo de melhorias uma vez alcançadas as metas mínimas
de desempenho (CAMPBELL et al, 2009); e a manutenção da
estrutura do Fee For Service, que neste caso só se diferencia por
ser baseado no desempenho (MILLER, 2017).

1.2.5 Diária global

A diária global segue a lógica de “pacote” ou “conta fechada”,


em que é estabelecido um preço fixo para um agrupamento
de serviços. Esse modelo não inclui procedimentos cirúrgicos e
normalmente é utilizada para casos clínicos.

Trata-se da precificação única de um conjunto de serviços


hospitalares, independente da patologia e engloba a maioria dos
itens relacionados à internação do paciente. Na diária global,
paga-se o número de diárias de acordo com a permanência
do paciente e a acomodação utilizada. No entanto, os itens de
alto custo, como por exemplo, órteses e próteses, são cobrados
separadamente (SILVA, 2003).

Esse modelo pode levar ao aumento do número de dias de


internação (UGÁ, 2012; BOACHIE, 2014) ou o racionamento de
serviços, ainda que necessários ou até mesmo a seleção de riscos,
recusando internações de casos que tenham probabilidade de
elevar o custo da internação acima do valor negociado pela
diária (ANDREAZZI, 2003).

1.2.6 Procedimento gerenciado (Pacote)

O procedimento gerenciado consiste na remuneração a partir

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IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

da composição de um “pacote” de serviços, geralmente para


procedimentos cirúrgicos. Nesse modelo, os itens e serviços
(diárias, materiais, medicamentos, taxas, entre outros) previstos
para realização de um determinado procedimento são agrupados
e um valor único é fixado para o “pacote”.

Estabelece-se um protocolo de utilização dos recursos que deve


ser seguido pelos prestadores para a maioria dos casos. Quando
ocorre uma intercorrência que consome muito mais recurso
do que o previsto no pacote, o prestador e a fonte pagadora
negociam o pagamento do excedente, com base em justificativas
técnicas (TAKAHASHI, 2011).

A auditoria das contas nesse modelo é realizada para verificar


se os itens contemplados no valor do pacote foram utilizados
ou se o hospital restringiu o uso de insumos e serviços com a
intenção de reduzir o custo e, consequentemente, aumentar o
lucro. Ao contrário do modelo FFS, em que a auditoria é feita a
fim de detectar a sobreutilização, verificando se todos os itens
cobrados realmente foram utilizados.

Essa forma de remuneração permite uma maior previsibilidade


para as fontes pagadoras e divide o risco com os hospitais,
pois implica em um alinhamento entre as gestões assistencial
e financeira do prestador a fim de buscar a redução de
perdas, desperdícios e prejuízo, sem prejudicar a qualidade da
assistência. Por outro lado, podem apresentar uma tendência a
engessar o conjunto de serviços, com pouca complacência diante
de casos com maior complexidade. Esse modelo, normalmente
não contempla ajuste por desempenho, acompanhamento
de indicadores de resultado e de qualidade ou a utilização de
protocolos e diretrizes clínicos baseados em evidências, tendo o
eixo voltado para a redução dos custos (ANS, 2019).

186 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

1.2.7 Comparação entre os modelos de remuneração

A partir da análise das características dos modelos de


remuneração apresentados, elaborou-se o Quadro a seguir a fim
de servir de “constructo” analítico das vantagens e desvantagens
de cada um deles.

Quadro 1 – Síntese das vantagens e desvantagens dos modelos


de remuneração

Modelo de
Vantagens Desvantagens
remuneração
• Não considera resultados
ou qualidade dos serviços
• Pagamento por cada
prestados;
serviço prestado inde-
• Pode levar à sobreutiliza-
pendente de aspectos
ção de serviços;
que saiam diretamente
• Pagamento de valores infe-
do controle do prestador;
riores ao custo para a execu-
• Pagamentos direta-
ção de cuidados apropriados
Fee For Service mente proporcionais à
e de alta qualidade;
(FFS) utilização;
• Não pagamento de servi-
• Acesso aos melhores
ços relevantes realizados por
cuidados disponíveis,
profissionais não médicos;
desde que os pagamen-
• Dificulta a estimativa de
tos compensem o custo
custos totais de um trata-
do cuidado.
mento e a comparação de
custos entre prestadores.

• Previsibilidade do gasto
• Pode induzir a redução do
para o órgão pagador;
acesso aos serviços ou a bai-
• Previsibilidade da re-
Capitation xa qualidade, caso o valor
ceita para o prestador de
acordado seja muito baixo;
serviço;
• Subprodução de serviços,
• Redução de custos;

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 187


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Modelo de
Vantagens Desvantagens
remuneração
já que o valor recebido pelo
prestador é relacionado ao
número de pessoas adstritas
e não ao número de pacien-
tes tratados;
• Gerenciamento da uti-
• Requer acompanhamen-
Capitation lização dos serviços pelo
to de dados estatísticos
médico.
para que o modelo fun-
cione adequadamente;
• Pode gerar impacto negati-
vo nos resultados em saúde.

• Requer classificação dos


casos, o que é uma tarefa
complexa e demorada;
• Exige um sistema de infor-
mações complexo;
• Pode levar à seleção de ca-
sos menos complexos;
• Permite auxiliar a ges- • Pode induzir o aumento
tão econômica e clínica das reinternações, o que
Diagnosis Rela- dos casos; sugere altas precoces, a fim
ted Groupings • Pressupõe a adoção de reduzir custos e/ou gerar
(DRG) de valores diferenciados novas internações a serem
caso a caso. remuneradas;
• Possível atribuição de DRG
que não corresponde exata-
mente ao perfil do paciente;
• Pode levar à subutilização
dos insumos e serviços com
o intuito de diminuir o custo
das internações.

Pagamento por • Acompanhamento da • Não garante a prestação de


qualidade da assistência serviços apropriados, de alta
Desempenho
qualidade e que alcancem os
(P4P) • Diminuição do risco de resultados desejados para

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Modelo de
Vantagens Desvantagens
remuneração
um paciente específico;
• Pagamento ao prestador
quando um serviço é pres-
consequências não espe- tado a um paciente, mesmo
Pagamento por radas; que não atenda ao padrão
Desempenho • Apresenta efeitos posi- de qualidade para aquele pa-
(P4P) tivos de equidade e cus- ciente especificamente;
to-efetividade. • Não estimula a continuida-
de de melhorias, uma vez al-
cançadas as metas mínimas
estabelecidas.
• Pode não gerar incentivos
ao bom desempenho do
prestador de serviços;
• Previsão de gastos ao • Possível subutilização e se-
órgão financiador; leção adversa de risco;
Procedimento • Previsão de receitas à • Responsabilização total
gerenciado unidade de saúde; dos prestadores pelos riscos,
(Pacote) • Contenção de custos lucros e perdas, caso o valor
pode ser alcançada. acordado seja muito baixo;
• Complexidade de imple-
mentação e mensuração de
indicadores.

Fonte: Adaptado de ANS (2019, on-line3)4

Todos os modelos de remuneração apontados demonstram


vantagens e desvantagens, gerando distorções que podem
interferir na qualidade do cuidado. Observa-se que as propostas
de estrutura remuneratória ainda são insuficientes para superar
todos os desafios da saúde, tendo muitas vezes o objetivo de
reduzir custos.

Vencer os desafios do clássico Fee For Service e implementar

3
http://www.ans.gov.br/images/Guia_-_Modelos_de_Remuneração_Basea-
dos_em_Valor.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2019

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IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

efetivamente modelos de remuneração que agreguem valor


ainda são processos em fase de debate, embora todo empenho
seja válido. A intenção não é simplesmente abolir o FFS, visto que,
em alguns contextos, esse pode ser o mais adequado se utilizado
de forma aprimorada (ANS, 2019). Sistemas combinados têm
sido considerados na tentativa de minimizar os problemas de
cada um dos modelos.

2 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: O INSTITUTO


DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES DO ESTADO DE
MINAS GERAIS (IPSM)

Em 1911, a Caixa Beneficente da Força Pública do Estado de


Minas Gerais foi criada pela Lei Estadual nº 565, a partir de uma
organização de sargentos para amparo às famílias de militares
falecidos. Ao longo dos anos, a Caixa Beneficente passou por
várias mudanças no que diz respeito a financiamento, modelos
de serviços e abrangência de benefícios até que, em 1990, foi
transformada no Instituto de Previdência dos Servidores Militares
do Estado de Minas Gerais (IPSM), através da Lei nº 10.366
(MINAS GERAIS, 1990). Em 2011, o decreto nº 45.741 publica
o regulamento do Instituto, regendo-o como personalidade
jurídica de direito público, com autonomia administrativa e
financeira (MINAS GERAIS, 2011).

O IPSM é uma autarquia estadual e tem por finalidade a prestação


previdenciária e a assistência à saúde de seus beneficiários
(MINAS GERAIS, 1990). No que se refere à saúde, o Instituto
oferece atenção em diversas modalidades e especialidades,
contando com uma vasta rede de serviços que compõem o
Sistema de Assistência à Saúde (SISAU). O SISAU é dividido em
rede orgânica, que compreende as unidades próprias sob o
comando das Diretorias de Saúde da Polícia Militar do Estado de
Minas Gerais (PMMG) e do Corpo de Bombeiro Militar do Estado

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Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

de Minas Gerais (CBMMG) e rede credenciada, constituída por


prestadores de serviços, pessoa física ou jurídica, contratados
para a prestação de serviços de assistência à saúde, mediante
aceite de tabela própria de remuneração do SISAU (PMMG‐
CBMMG‐IPSM, 1995).

O SISAU funciona por meio de um convênio celebrado entre


o IPSM, PMMG e CBMMG e não está vinculado às agências
regulatórias, o que lhe confere autonomia de gestão e
normatização. Possui seu próprio rol de procedimentos, taxas,
materiais e medicamentos e remunera os serviços conforme
tabelas com precificação exclusiva. Outra peculiaridade do
sistema é a prerrogativa de que todas as ações implantadas
são aprovadas pelos comandos da PMMG, CBMMG e IPSM e
publicadas como Deliberações de Saúde.

A rede orgânica é remunerada pelo Instituto por meio


da transferência de recursos com base em proposições
orçamentárias, metas e indicadores previamente apresentados
pela PMMG e CBMMG, conforme previsto nos convênios de
cooperação mútua.

A estrutura remuneratória utilizada pelo IPSM para pagamento


dos serviços da rede credenciada é tradicionalmente o Fee
For Service. Os prestadores apresentam as contas contendo
todos os itens consumidos na assistência e seus respectivos
valores previamente acordados nas tabelas. Após a conferência
das contas, o Instituto faz o pagamento de acordo com as
quantidades verificadas, além de critérios de auditoria técnica
e administrativa. Ademais, a remuneração de item a item de
maneira retrospectiva do FFS não permite aos gestores uma
previsibilidade orçamentária.

O custeio dos benefícios e serviços previstos pelo IPSM é

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IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

mantido por meio da contribuição patronal do Estado, além da


arrecadação dos segurados fixada em um percentual sobre o
salário dos militares, conforme previsto na Lei nº 10.366 (MINAS
GERAIS, 1990). Dessa forma, os recursos são pré-estabelecidos e
limitados e, portanto, não acompanham as taxas de inflação da
área da saúde que geram o incremento dos custos assistenciais,
conforme pode ser observado no Gráfico 1, o qual representa a
evolução dos custos com saúde do IPSM de 2014 a 2018.

Gráfico 1 – Evolução dos custos com saúde no IPSM entre os


anos 2014 e 2018.

Fonte: IPSM (2019).

Os custos em saúde apresentam tendência ascendente, sendo


que 2016 e 2018 foram os anos com maiores incrementos; 46,1
milhões (11,6%) e 45,6 milhões (9,6%) respectivamente, em
relação aos anos anteriores.

No Gráfico 2 a seguir, foi adotado um valor inicial de R$100,00


representando um custo base e sua evolução ao longo dos anos,
frente uma receita estável.

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Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

Gráfico 2 – Receita e evolução dos custos com saúde no IPSM


entre os anos 2014 e 2018.

Fonte: IPSM (2019).

Observa-se um aumento de 43,7% dos custos em 4 (quatro) anos,


enquanto a receita não seguiu esse incremento. Este cenário é
agravado pela crise financeira do Estado de Minas Gerais que
tem prejudicado o repasse de recursos ao IPSM, determinando
aos gestores buscarem alternativas para reduzir custos e garantir
a sustentabilidade do Instituto.

Diante da adversidade financeira do Estado somada à necessidade


de perdurar a oferta dos benefícios pelo IPSM de forma
sustentável, em 2018, a alta gestão implantou um programa
de reestruturação do Instituto por meio de projetos agrupados
por eixos: 1) Modernização Administrativa e Tecnológica; 2)
Prestação de Atendimento de Qualidade e 3) Consolidação da
Gestão com Foco em Resultados. Dentre os diversos planos
traçados, a implantação de pacotes de procedimentos foi
desenhada visando resultado com impacto financeiro e, ainda,
assegurando a qualidade assistencial ao beneficiário.

3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DA IMPLEMENTAÇÃO


DO MODELO DE PACOTE NO IPSM

A adoção do novo modelo de remuneração aos prestadores de


serviço de saúde credenciados ao IPSM abrangeu uma série de
etapas para a elaboração dos pacotes de procedimentos, além
do desenvolvimento de processos que relacionam saúde, custos,
práticas de mercado e negociação.

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IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Para o estudo de pacotes, a Diretoria de Saúde do IPSM


designou uma comissão composta por médicos e enfermeiras
envolvidos nos processos de regulação, auditorias prospectiva e
retrospectiva e assessoria técnica em saúde.

Inicialmente, a comissão, juntamente com o Diretor de Saúde,


elencou os procedimentos a serem estudados, priorizando
as cirurgias segundo critérios de previsibilidade, frequência e
ocorrência de glosas. Segundo Silva (2003), os pacotes constituem
“Procedimentos de Preços Previsíveis”, geralmente utilizados
em procedimentos de baixa complexidade, concentrando-se
em cirurgias ambulatoriais e aquelas com internações de curta
permanência.

3.1 Construção da metodologia de remuneração implementada


no IPSM

No trabalho realizado no IPSM foram analisados 12 (doze)


procedimentos cirúrgicos no período de 12 (doze) meses, a partir
de valores referentes ao processamento de abril a dezembro de
2018. Esse período foi definido considerando que, em março
de 2018, ocorreu uma importante reestruturação da tabela de
procedimentos com a atualização de codificações e valores.

A etapa de levantamento de custos exigiu um prazo aumentado


para ser realizado, pois o Instituto não dispõe de um sistema
de informação que forneça uma massa de dados com o
detalhamento necessário para estudos e análises em geral.
Portanto, os dados obtidos do sistema de processamento de
contas foram, em parte, tabulados e trabalhados manualmente
em aplicações como tabelas e gráficos.

A partir da identificação dos procedimentos que são faturados


em grande volume no IPSM e/ou apresentam um padrão de
cobrança com baixa variabilidade nos itens utilizados, elegeu-se
o procedimento “cirurgia A” como o primeiro a ser transformado
em pacote.

194 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

Para descrever o desenvolvimento do trabalho, a “cirurgia A”


será utilizada como forma de exemplificação do processo.

A partir do desarquivamento de contas faturadas para a “cirurgia


A” realizadas após abril de 2018 por diferentes credenciados,
foi possível verificar todos os insumos, medicamentos, taxas e
honorários profissionais utilizados na assistência ao paciente.
Utilizou-se uma planilha eletrônica para estratificar cada item
cobrado e identificar aqueles mais frequentemente utilizados
pela maioria dos prestadores.

Além do levantamento das contas faturadas, utilizou-se um


manual técnico da especialidade médica e, ainda, o parecer de
médico especialista do Hospital da Polícia Militar (HPM), a fim de
embasar a estruturação de um gabarito técnico contendo todos
os itens necessários para a cirurgia em questão. Assim, os itens
foram codificados e valorados conforme as tabelas de honorários
profissionais; órteses, próteses e materiais; serviços hospitalares
e medicamentos do SISAU, somando um valor final de R$2278,60
(dois mil, duzentos e setenta e oito reais e sessenta centavos).

Os eventos identificados como complicação clínica ou cirúrgica


foram excluídos da análise, já que extrapolam o padrão esperado
para o procedimento, gerando mais gastos.

Paralelamente, foi estruturado um banco de dados dos


procedimentos cirúrgicos processados no período de abril a
dezembro de 2018. Essa massa de dados, extraída das bases
do Sistema de Administração de Assistência à Saúde (SMAH)
do IPSM, representa uma amostra de contas passível de
análise, nas quais constam a discriminação dos prestadores,
os custos dos honorários médicos desvinculados dos custos de
serviços hospitalares, a quantidade e o tipo de diárias (Tabela
1). Importante pontuar que os dígitos obtidos correspondem
aos valores finais das contas após a conferência das auditorias
técnica e administrativa.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 195


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PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
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Tabela 1 - Modelo de levantamento de custos de procedimentos


faturados.
CREDEN- SERV HOSPI- CUSTOS HOS- HONORA-
DIARIAS TOTAL
CIADO TALARES PITALARES RIOS
X R$ 2.624,91 R$ 2.624,91 R$ 1.501,27 R$ 4.126,18
X R$ 2.566,89 R$ 2.566,89 R$ 1.501,27 R$ 4.068,16
X R$ 2.566,89 R$ 2.566,89 R$ 1.501,27 R$ 4.068,16
Y R$ 83,28 R$ 2.906,40 R$ 2.989,68 R$ 1.501,27 R$ 4.490,95
Y R$ 83,28 R$ 2.847,23 R$ 2.930,51 R$ 1.501,27 R$ 4.431,78
Y R$ 83,28 R$ 2.844,00 R$ 2.927,28 R$ 1.501,27 R$ 4.428,55
Y R$ 83,28 R$ 2.812,14 R$ 2.895,42 R$ 1.501,27 R$ 4.396,69
W R$ 2.591,92 R$ 2.666,87 R$ 1.501,27 R$ 4.168,14
W R$ 2.591,92 R$ 2.666,87 R$ 1.501,27 R$ 4.168,14
Z R$ 1.978,13 R$ 1.978,13 R$ 1.501,27 R$ 3.479,40
Z R$ 1.977,66 R$ 1.977,66 R$ 1.501,27 R$ 3.478,93
T R$ 2.374,87 R$ 2.374,87 R$ 1.501,27 R$ 3.876,14
T R$ 2.141,31 R$ 2.141,31 R$ 1.501,27 R$ 3.642,58
Fonte: IPSM (2019).

Como pode ser visto na Tabela 1, o custo hospitalar se dá pela


soma dos valores das diárias e dos serviços hospitalares, que
por sua vez são compostos por taxas, materiais, medicamentos,
gases e outros.

Optou-se por excluir os honorários médicos do estudo de pacote,


devido ao entendimento de que o profissional executante, ou
seja, o médico é remunerado pelo ato, conforme a tabela própria
do IPSM e esse pagamento tem a destinação específica para o
profissional e não para a instituição. Portanto, o pacote foi
elaborado contemplando os serviços hospitalares, taxas, gases,
materiais e medicamentos.

Definiu-se que nos casos de intercorrência, o faturamento será


no modelo convencional de conta aberta, item a item. Essa

196 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

diretriz evita uma das limitações do pacote relacionada a pouca


flexibilidade para os casos complexos.

Para a análise dessa seleção de contas, foi utilizado um gráfico


de dispersão associado a medidas de percentis, por meio do
qual foi possível visualizar em qual faixa de valor as contas se
concentravam e a qual percentil esses valores se relacionavam,
demonstrando o padrão de cobrança de cada prestador (Gráfico
1). As medidas de percentil foram utilizadas como parâmetro
objetivo no direcionamento das propostas de valor de pacote e
na definição da precificação final.

Gráfico 3 – Modelo de gráfico de dispersão de contas por valor


e medidas de percentil

Fonte: IPSM (2019).

No gráfico é possível visualizar simulações de valor para o pacote


e avaliar em qual percentil ele se localiza, permitindo a análise
do posicionamento do pacote em relação aos valores pagos
aos prestadores atualmente. Além do gráfico de dispersão, a
elaboração de uma planilha dinâmica (Tabela 2) contendo os
prestadores que realizam o procedimento e suas respectivas
localidades, quantidade de eventos e a representatividade
do serviço em termos de volume e custo médio dos serviços
hospitalares possibilitou, também, prever o impacto do pacote

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 197


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
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na rede de serviços frente o compartilhamento de risco com


cada prestador e sua relevância na rede credenciada.

Tabela 2 – Modelo de planilha dinâmica da quantidade de


procedimento e valor dos custos hospitalares por prestador

VALOR
TOTAL VALOR MÉDIO
CRE-
QUAN- REPRESENTA- CUSTOS CUSTOS HOS-
DEN- MUNICÍPIO
TIDADE TIVIDADE HOSPITALA- PITALARES
CIADO
RES

BELO HORI-
X 115 13,06% 287.607,39 2.500,93
ZONTE
BELO HORI-
Y 89 11,55% 254.523,43 2.859,81
ZONTE
JUIZ DE
W 66 7,63% 168.047,42 2.546,17
FORA
GOVERNA-
Z DOR VALA- 30 2,66% 58.557,96 1.951,93
DARES
T UBERABA 18 1,72% 37.799,71 2.099,98
Fonte: IPSM (2019).

No caso da “cirurgia A”, escolhido como objeto de primeiro


estudo, observou-se que a maioria das contas se concentrava
numa faixa de valores próximos ao valor obtido na estratificação
do gabarito técnico, portanto na maioria das contas havia
cobrança de itens necessários ao procedimento. Essa informação
validou a análise do gráfico de dispersão associado à planilha
de prestadores como uma metodologia viável, uma vez que
demanda um tempo menor para elaboração e permite ter um
panorama dos valores atuais que são pagos pelo procedimento,
além de uma análise de cenário que inclui valores cobrados por

198 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


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prestador e sua representatividade na rede.

Para última análise, foi realizado Benchmarking de operadoras


de saúde de relevância no mercado do Estado de Minas Gerais,
além do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de
Minas Gerais (IPSEMG), autarquia semelhante ao IPSM. Assim,
foram inseridos os valores de pacote praticados pelas instituições
para a “cirurgia A”, para fins de comparações financeiras.

A partir desse arsenal de informações, a Comissão apresentou à


Diretoria o valor de R$2278,60 (dois mil e duzentos e setenta e
oito reais e sessenta centavos) como proposta de precificação do
pacote, bem como toda a metodologia estruturada para estudo.
Finalmente, de posse das informações explanadas pela equipe,
a alta gestão do Instituto acrescentou à avaliação, aspectos
negociais e estratégicos da rede de serviços para fundamentar a
valoração final do pacote. Diante desses critérios comerciais e da
análise comparativa com os valores praticados no mercado, foi
deliberado, administrativamente, um valor de R$1427,00 (Um
mil quatrocentos e vinte sete reais) para o pacote referente à
“cirurgia A”.

Nota-se que o valor estipulado está distante do valor sugerido


pela comissão que se baseou na estratificação dos itens a partir
de estudo técnico do procedimento, bem como na faixa de
valor onde concentra a maior parte das contas abertas. Assim, a
comissão de pacotes ponderou que o valor estabelecido poderia
impactar na assistência ao beneficiário além de dificultar as
negociações e aceitação por parte dos prestadores. No entanto,
os gestores decidiram levar em frente o valor deliberado, visto
que um dos principais credenciados já havia se manifestado
favorável ao preço estabelecido. Ademais, a aceitação ou não
do pacote poderia abrir uma oportunidade para rever a rede
credenciada quanto à disposição em seguir uma tendência na
área da saúde que visa à sustentabilidade do sistema.
A estimativa do impacto financeiro decorrente da adoção do

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 199


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PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

pacote foi calculada a partir da comparação entre o valor total do


custo hospitalar atualmente pago para um determinado número
de procedimentos e o montante total considerando o valor do
pacote para a mesma quantidade de eventos. Para a “cirurgia A”,
foi projetada uma economia de R$737.272,35 (Setecentos e trinta
sete mil e duzentos e setenta dois reais e trinta e cinco centavos)
tendo em conta 1027 eventos considerados inicialmente no
estudo (Tabela 3).

Tabela 3 – Estimativa de impacto financeiro dos pacotes


estudados

Pacote Número de eventos Estimativa de Impacto (Economia em R$)


"Cirurgia A" 1.027 737.272,35
"Cirurgia B" 84 20.156,91
"Cirurgia C" 69 59.005,17
"Cirurgia D" 229 179.884,67
"Cirurgia E" 35 31.086,45
"Cirurgia F" 143 -26.105,54
"Cirurgia G" 694 29.470,60
"Cirurgia H" 61 104.634,37
"Cirurgia I" 92 89.852,47
"Cirurgia J" 88 197.397,70
"Cirurgia K" 15 2.201,06
"Cirurgia L" 155 42.867,39
Fonte: IPSM (2019).

Dentre os pacotes relacionados, a “cirurgia F” foi a única que


apresentou impacto financeiro negativo, ou seja, aumento de
custos. Isso decorre de uma conjuntura nacional de escassez
de profissionais médicos em 2013 que gerou uma demanda
reprimida por atendimento em determinada especialidade
médica. Esse cenário levou o IPSM a uma negociação excepcional
de um valor acima do praticado no Instituto, o que inviabilizou a

200 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

estipulação de um valor mais baixo que condizia com a sugestão


da Comissão.

O modelo de remuneração por pacote reduz custos, permite


uma maior previsibilidade para as fontes pagadoras e o
compartilhamento de risco com os prestadores de serviço. Além
de ser uma forma de simplificar o processo de faturamento e
praticamente eliminar os conflitos do sistema de cobrança e
pagamento. Entretanto, Silva (2003) faz uma crítica referente
à formatação dos pacotes, a qual deveria se basear em
conhecimentos técnicos, mas a área administrativa acaba se
baseando num valor médio. Outro ponto de análise advém da
visão focada fundamentalmente na redução de custos e não na
melhoria do valor ao cliente final (OKAZAKI, 2006).

3.2 Ferramentas da metodologia

Durante a construção do método, a comissão criou algumas


ferramentas visando sistematizar o estudo de pacotes, como as
tabelas e gráficos apresentados no presente capítulo.

Uma vez estabelecida a metodologia que utiliza o Gráfico


de dispersão de contas (Gráfico 2) e a Planilha dinâmica de
representatividade dos prestadores (Tabela 2) para o estudo de
pacotes, foi padronizado um Formulário de Avaliação de Pacotes
no qual são registradas as informações sobre a demanda para o
estudo: procedimento, serviço solicitante, necessidade interna
do Instituto, data de entrada, parecer da Comissão, parecer da
Diretoria. E, ainda, a fim de uniformizar o curso das solicitações
de pacote e agilizar o início dos estudos, foi confeccionado
um fluxograma contemplando as etapas e as instâncias desde
o recebimento do pedido até a publicação do pacote em
Deliberação de Saúde.

A implantação do novo modelo remuneratório, apesar de ser

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 201


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

vantajoso em trazer facilidade operacional no processo de


faturamento e pagamento mediante o agrupamento de itens,
implicou em uma série de adaptações do sistema de informação
e processamento vigente no Instituto. Tal sistema já não atende
a capacidade e os processos do IPSM e as melhorias necessárias
dependem da disponibilidade da empresa prestadora de serviço
responsável pelo software.

O pacote da “cirurgia A”, exemplificado nesse estudo, foi


disponibilizado aos prestadores no final do mês de julho
e verificou-se o faturamento de contas já configuradas no
novo modelo de remuneração, porém o volume de eventos
ainda é incipiente para avaliar o impacto do pacote e seus
desdobramentos.

A metodologia aqui apresentada foi aplicada em outros 11


(onze) procedimentos cirúrgicos, além da “cirurgia A”. Em
alguns procedimentos estudados, as contas apresentaram
um comportamento muito difuso no gráfico de dispersão,
o que dificultou identificar uma faixa de valor e percentil
como referência. Nesses casos, a análise do valor médio dos
prestadores com maior representatividade e os parâmetros de
mercado tiveram mais relevância para a definição do valor do
pacote.

Os pacotes estudados foram publicados em deliberação de saúde


em julho e agosto de 2019 e disponibilizados para negociação com
os prestadores de serviços credenciados no SISAU. Novamente,
para alguns pacotes, foram definidos valores significativamente
mais baixos do que os propostos pela Comissão, o que pode
causar dificuldades na contratualização.

202 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

3.3 Análise SWOT

A análise estratégica foi realizada por meio da matriz SWOT,


segundo quatro variáveis: Strengths (Forças), Weaknesses
(Fraquezas), Oportunities (Oportunidades) e Threats (Ameaças).
A avaliação situacional a partir da matriz SWOT é uma ferramenta
muito utilizada na gestão e no planejamento estratégico e, de
acordo com Chiavenato e Sapiro (2003), a metodologia é baseada
no cruzamento das oportunidades e as ameaças externas
à organização com seus pontos fortes e fracos. Dentro do
método, relacionaram-se as oportunidades e ameaças presentes
no ambiente externo, considerando a rede de prestadores
credenciados e o mercado em saúde, com as forças e fraquezas
mapeadas no ambiente interno do Instituto. A partir da SWOT
buscou-se verificar a situação e a posição estratégica do pacote
para o IPSM no ambiente em que atua.

Quadro 2 – Matriz SWOT

Forças Fraquezas
•Otimização de recursos dis- •Sistema de informação pouco
pendidos para pagamento de flexível, que demanda grandes
credenciados; adaptações e prazos extensos
para as melhorias;
•Previsão orçamentária;
•Definição de valores de pa-
•Regulação mais eficiente; cotes abaixo dos valores pro-
postos pela equipe técnica,
•Facilidade operacional na
gerando desgastes comerciais
auauditoria e processamento
e exigindo ajustes posteriores.
das contas;

•Redução dos custos em saú-


de.

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 203


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Oportunidades Ameaças
•Estratégia de negociação; •Falha no repasse de recursos
pelo governo estadual;
•Redução de desperdício de insu-
mos e excesso de intervenções; •Não aceitação do pacote por
parte dos serviços credenciados;
•Melhoria da qualidade da assis-
tência; •Não renovação do contrato de
prestadores que não aderirem ao
•Facilidade e satisfação dos pres- pacote;
tadores com o processo de fatu-
ramento; •Suspensão de atendimento por
prestadores desfavoráveis ao pa-
•Reestruturação da rede contra- cote.
tada, a partir do credenciamento
ou manutenção de prestadores
favoráveis ao pacote e descre-
denciamento de outros desfavo-
ráveis.
Fonte: Elaborado pela autora.

No que diz respeito às considerações indicadas como ameaças,


aqueles referentes à não adesão do pacote por parte dos
prestadores, podem ser consideradas consequências de uma
fragilidade interna, também apontada no quadro, relacionada
à definição de baixos valores de pacote com foco na redução
de custos. Essa ameaça pode ser contornada ou, ao menos,
diminuída por meio da definição de valores de pacotes baseados
em protocolos técnicos.

A suspensão de atendimento por prestadores que não acatarem


ao modelo pacote pode ser considerada uma ameaça grave se
não houver outros credenciados que supram a demanda de
serviços, ocasionando prejuízo na assistência aos beneficiários.

204 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


Naira Alicia Lacerda Flores e Antônio Hot Pereira de Faria

Já a falha no repasse de recursos pelo governo do Estado, o IPSM


não tem governabilidade sobre a questão, porém a gestão do
Instituto tem tomado providências internas com o intuito de
otimizar os recursos disponíveis.

4 CONCLUSÃO

A metodologia apresentada para a elaboração de pacotes é


viável e admissível para a realidade do Instituto, uma vez que as
ferramentas elaboradas possibilitam a organização de dados e a
construção de informações que subsidiam a tomada de decisão
dos gestores. O modelo também se alinha com as diretrizes da
alta gestão na busca pela otimização de recursos, por meio das
estimativas de impacto financeiro com perspectiva de redução
de custos.

A metodologia de elaboração dos pacotes no IPSM permitiu aos


gestores do Instituto conhecerem de forma mais detalhada os
custos de cada procedimento estudado e avaliar o panorama da
rede de prestadores em termos de representatividade e impacto
dos pacotes.

Os valores de pacotes estabelecidos administrativamente,


baseados em preços que remuneram os procedimentos no
limite, com foco na redução de custos, divergiram das sugestões
da equipe técnica da comissão, sendo deliberados valores
abaixo da proposta baseada em critérios clínicos. Essa conduta
pode dificultar as negociações ou comprometer a qualidade da
assistência, gerando desgastes para o Instituto, prestadores de
serviço e beneficiários.

Apesar das limitações dos pacotes, é válido destacar a iniciativa


do IPSM em implementar um modelo de remuneração alternativo
ao FFS que, por sua vez, já não atende à realidade dos sistemas
de saúde. Os pacotes constituem uma estratégia adotada pelo

O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020 205


IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE REMUNERAÇÃO HOSPITALAR POR
PACOTE NO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MILITARES
DO ESTADO DE MINAS GERAIS

IPSM com o objetivo de otimizar os recursos e a assistência


em saúde aos seus beneficiários, visando a manutenção dos
benefícios ofertados. Além disso, é uma oportunidade de
renovar as parcerias com os prestadores dentro de uma visão
de compartilhamento de risco e de sustentabilidade para toda a
cadeia de saúde.

A adoção de novos modelos de remuneração é desafiadora


diante de um contexto em que as relações contratuais entre a
fonte pagadora e sua rede de prestadores de serviços de saúde
consistem num ponto de conflito, especialmente no que se refere
às questões remuneratórias contratualizadas.

A remuneração em saúde requer equilíbrio na utilização de


critérios técnicos e financeiros, aspirando bons resultados em
saúde para os pacientes e custos adequados em todo o ciclo de
cuidado. Assim, sugere-se avaliar a possiblidade da utilização
de modelos de remuneração baseados em valor, com foco na
melhoria da qualidade da assistência e no alcance de bons
resultados em saúde para os pacientes, nos quais a redução dos
gastos seria consequência da eficiência assistencial.

Ainda nessa perspectiva, é necessário inserir o próprio


beneficiário no contexto de desenvolvimento sustentável do
Instituto, com o entendimento de que é preciso conscientizá-
lo sobre os custos efetivos dos serviços que utilizam e torná-lo
também agente responsável pelo o que lhe é ofertado.

REFERÊNCIAS

ANDREAZZI, M.F.S. Formas de Remuneração de Serviços de


Saúde. In: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Texto

206 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 173-211, jan./jun. 2020


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NORMAS

As propostas de textos para publicação devem atender às normas


constantes do site da Revista disponível em:

https://revista.policiamilitar.mg.gov.br/index.php/alferes/
about/submissions#authorGuidelins

O Comitê Editorial.

212 O Alferes, Belo Horizonte, 76 (30): 212-212, jan./jun. 2020

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