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Porque os estados mais indígenas do Brasil não elegem indígenas voltados à

causa ambiental.
Eleitores de aldeias da Amazônia citam não ter contato suficiente com candidatos dos povos originários,
enquanto os que tentavam vagas afirmam não ter tido financiamento necessário

Por Rosiene Carvalho 6.nov.2022 às 10h00 /Atualizado: 6.nov.2022 às 17h11

Eleitores do povo kambeba mostram seus títulos eleitorais na aldeia Tururukari-Uka, em Manacapuru (AM) - Raphael Alves/Folhapress

A última eleição foi recordista em candidatos indígenas. Por outro lado (embora), os
estados da Amazônia, com a maior população indígena do Brasil, não elegeram
representantes indígenas que tenham pauta de proteção do meio ambiente e dos direitos
dos povos originários.
De acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em todo o país, foram 186
candidatos autodeclarados indígenas. Em 2018 e 2014, respectivamente, eram 133 e 85.
Dos sete autodeclarados indígenas eleitos no Brasil, duas têm atuação na defesa
ambiental e nos direitos indígenas, (apesar de/embora) mas não foram eleitas por quem
vive na Amazônia. Célia Xakriabá chegou ao mandato pelo PSOL de Minas Gerais e Sonia
Guajajara que é do Maranhão, foi eleita pelo PSOL de São Paulo
A segunda deputada federal indígena da história do país, Joenia Wapichana (Rede –
RR), não se reelegeu —o primeiro foi Mário Juruna, eleito pelo PDT do Rio de Janeiro em
1982. A única indígena eleita para o Congresso com votos na Amazônia foi a bolsonarista
Silvia Waiãpi (PL) do Amapá.
Levantamento da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) mostra que, das
85 candidaturas indígenas nos estados da Amazônia Legal em 2022, 47 concorreram por
partidos de direita e centro e 38 por partidos do campo progressista.
(Ainda que/ser) Os eleitores da Amazônia deram a maioria de suas vagas na Câmara
para partidos de centro e direita: MDB, PL, União Brasil e Republicanos foram os mais
votados na região Norte e em Mato Grosso. O MDB ocupará 17 das 73 vagas de deputado
federal desses estados. A vantagem da sigla veio do Pará, que reelegeu o emedebista Helder
Barbalho ao governo.
O segundo lugar é dividido entre o PL do presidente Bolsonaro e o União Brasil com
15 federais cada um.
PL e União Brasil foram os que mais elegeram senadores na Amazônia. Dois, cada
um, o que representa mais de 50% das vagas. (reunir em 1 parágrafo, usando
embora/apesar de/ainda que)
Essas siglas aparecem entre as que atuaram, em votações no Congresso, com maior
contundência contra os direitos dos povos originários, segundo levantamento feito pelo
Cimi (Conselho Indigenista Missionário) em setembro deste ano. O trabalho analisou
votações entre 2012 e 2021.
A ausência da pauta ambiental e indígena tem ressonância nas assembleias
legislativas eleitas na Amazônia. Nos estados do Norte e em Mato Grosso, não há frentes
parlamentares estaduais ambientais.
A vantagem do poder político e econômico de candidatos não indígenas ficou
exposta no Parque das Tribos na eleição. Paredes e ruas do bairro exibiam campanha de não
indígenas. A comunidade, porém, tinha dois representantes na disputa a deputado federal,
o cacique Israel Munduruku (PDT) e a técnica de enfermagem indígena Vanda Witoto (Rede
Israel Munduruku diz que o eleitor indígena é diferente, quer olhar nos olhos e
firmar compromisso. Ele se queixa que os R$ 23 mil que recebeu do PDT não permitiram se
deslocar às aldeias, no interior do Amazonas.
O material de campanha de Israel foi entregue a ele poucos dias antes do final da
campanha e sem o slogan pedido: "Um cacique na política". Para piorar, nas urnas o nome
apareceu com erro na etnia: "Cacique Mungurukú". Israel recebeu 569 votos.
"Uma falta de respeito. Deveriam estar felizes por apoiarem um indígena.
Imaginamos que eles vão pensar como nós, mas não pensam. Estou arrependido, mas o PDT
foi o único partido que me deixou ser candidato. Procuro o PT, mas as listas sempre estão
fechadas. No PSOL, brigam muito", disse o cacique.
Joenia Wapichana, única deputada indígena da atual legislatura, concorreu à
reeleição pela Rede de Roraima em coligação com o PSOL. Ela foi a sexta melhor votada
para a Câmara no estado e aumentou em 24,3% o eleitorado em comparação ao pleito
anterior, mas a coligação Rede/PSOL teve menos votos que PSD e União Brasil. Estes, por
isso, elegeram para três deputados com menor votação que a dela. (Posso melhorar essa
passage usando conjunção concessiva e o subjuntivo)
A aldeia Tururukari-uka, do povo kambeba, também entrou na rota de candidatos
não indígenas, uma maratona que ocorre a cada dois anos. A uma semana do primeiro
turno, com folhas de árvores enfeitando a grande maloca e vestidos com as tradicionais
roupas de algodão cru, os kambebas receberam mais um candidato não indígena atrás dos
44 votos da comunidade.
A aldeia está a 500 metros da rodovia AM-070, no município de Manacapuru (70 km
de Manaus). No período de chuvas, as águas sobem e tornam difícil o acesso ao local. Os
indígenas aproveitam a eleição para serem ouvidos por quem aparece em busca de votos.
Dessa vez, a construção de uma ponte e melhorias na escola indígena foram as prioridades.
Os kambebas de Manacapuru cogitaram direcionar os votos em indígenas, disseram
à reportagem. Ao longo da campanha, porém, desanimaram. Alegam que só foram
procurados e só conseguiram apresentar o pleito urgente da aldeia para os não indígenas.
"Os parentes só mandaram mensagem e exigiram nosso voto porque somos
indígenas. Não é assim! Nós temos as nossas propostas para serem apresentadas",
argumentou a liderança indígena Marlete Kambeba, 37.
"Hoje a gente sabe que faz a diferença votando. Antes não tínhamos o entendimento
que podíamos trazer, por meio da política, melhorias para a aldeia. Antigamente, o político
vinha, colocava cartaz e a gente só balançava a cabeça. Hoje eles vêm para ouvir o que
pensamos", concluiu.
Vanda Witoto, que concorreu a deputada federal pela Rede, critica a lógica do voto
escambo imposto pelas candidaturas dos brancos nas aldeias.
"Sou uma mulher indígena, fazendo uma caminhada política de luta pelos nossos
direitos. Não vamos com o mesmo peso nem oferecemos troca. Na eleição, levamos
também uma educação de cidadania", disse ela, que recebeu 25.545 votos, mas não foi
eleita pelo Amazonas.
O analista jurídico do TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) Valber
Nascimento, mestre em direito eleitoral, aborda em sua dissertação os entraves às
candidaturas indígenas. Como fatores, ele cita: a burocracia do processo eleitoral brasileiro,
a lógica de exercício do poder e o racismo dos não indígenas em relação aos candidatos
indígenas.
O indígena Gersem Baniwa, doutor em antropologia social e professor da UnB
(Universidade de Brasília), avalia, no entanto, que existe uma outra questão: pela
construção histórica, os próprios indígenas preferem votar em brancos.
O antropólogo afirma que o preconceito em cidades com identidade indígena, como
Manaus, revela um "autorracismo por não assumir sua ancestralidade". Para ele, por essa
razão, "os candidatos indígenas cometeram erros na escolha de partidos". "O não indígena
conservador de Manaus jamais vai votar no índio. Os não indígenas progressistas votam",
disse.
Baniwa vê retrocesso no Congresso eleito, mas, por outro lado, há avanço
"substantivo e histórico". Ele explica que, em contato com uma sociedade dividida, é natural
que indígenas também apresentem divisões. Os parlamentares indígenas com pauta anti-
indígena preocupam, na sua opinião, mas existe precedente histórico. "No Brasil colônia,
houve indígenas que resistiram e outros que se aliaram com colonizadores."

Texto adaptado da Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/11/por-que-os-estados-mais-indigenas-do-
brasil-nao-elegem-indigenas-voltados-a-causa-ambiental.shtml

Acesso 07/12/2022

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