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Bauru- 2022/2023
A Marcha das Mulheres Indígenas, organizada pela Articulação Nacional das Mulheres
Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), aconteceu no Brasil em dois anos significativos
de luta para os povos originários. A 1ª Marcha, com o tema “Território, nosso corpo,
nosso espírito” ocorreu em 2019, primeiro ano de mandato do presidente Jair Messias
Bolsonaro (sem partido), que afirmou, durante sua campanha, que sob seu governo os
índios não teriam um centímetro a mais de terras demarcadas. A 2ª Marcha, em 2021,
com o tema “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”, aconteceu
em meio a crises econômica e sanitária (agravadas pela pandemia de Covid-19) e à
votação, no Supremo Tribunal Federal, da PEC 490, considerada pelos indígenas a maior
afronta a seus direitos desde a redemocratização do Brasil. Um importante veículo de
comunicação na cobertura desses atos foi a Mídia Índia, nativo digital formado
exclusivamente por indígenas de diversas etnias do país. Esta pesquisa pretende analisar
e interpretar a cobertura da Mídia Índia na Marcha das Mulheres Indígenas sob a luz dos
conceitos do jornalismo para a paz e verificar se esse veículo de comunicação reverbera
as vozes e as pautas das mulheres indígenas.
APRESENTAÇÃO
1
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-20/nem-um-centimetro-a-mais-para-os-
indigenas-e-para-a-biodiversidade-no-brasil-de-bolsonaro.html. Acesso em 06 de out. 2021.
indígenas (ou seus antepassados) estão paralisados. As áreas indígenas são as mais
protegidas ambientalmente, tanto as já demarcadas quanto as que ainda aguardam pelo
processo, segundo dados da organização MapBiomas2 (uma iniciativa colaborativa de
universidades, empresas de tecnologia e ONGs para mapear e monitorar as mudanças na
cobertura e uso da terra no Brasil). O coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo,
comenta, na página do site da organização, que menos de 1% do desmatamento no Brasil
entre 1985 e 2020 ocorreu em terras indígenas. “Se queremos ter chuva para abastecer os
reservatórios que provêm energia e água potável para consumidores, indústria e o
agronegócio, precisamos preservar a floresta amazônica. E as imagens de satélite não
deixam dúvidas: quem faz isso são os indígenas”, afirma Tasso.
Na contramão desses estudos e dos apelos dos povos indígenas, o congresso brasileiro
discutiu, em 2021, leis que pretendem dificultar e até extinguir a demarcação de territórios
indígenas. Dois projetos de lei (PLs) ganharam força durante o governo de Bolsonaro: o
PL 490/2007 (autoria de Homero Pereira, do PR-MT, pronto para entrar na pauta de
votações no Plenário) e o PL 191/2020 (proposta pelo poder executivo e aguardando a
criação da comissão especial pela Mesa Diretora; pronta para entrar na pauta de votações
no Plenário). O PL 490/2007 trata do “marco temporal”, determinando que teriam direito
às suas terras ancestrais os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da
Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988; altera o Estatuto do Índio para permitir,
segundo o texto, um "contrato de cooperação entre índios e não índios", para que estes
possam realizar atividades econômicas em terras indígenas e permite que não indígenas
tenham contato com povos isolados. O PL 191/2020 propõe liberar a exploração das terras
indígenas para grandes projetos de infraestrutura e mineração, abrindo espaço para
realização de pesquisa e de lavra de recursos minerais, inclusive de petróleo e gás natural,
e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras
indígenas.
A votação no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre do marco temporal (que servirá de
base para inúmeras decisões judiciais futuras em relação aos direitos dos povos
indígenas), foi suspensa inúmeras vezes desde outubro de 2020. Retomada em agosto de
2021, desencadeou uma mobilização histórica dos povos indígenas em Brasília, no
Acampamento Luta Pela Vida, que reuniu cerca de seis mil indígenas de 173 povos de 20
estados. O julgamento, marcado para 26 de agosto de 2021, foi adiado novamente para 2
2
Disponível em: https://mapbiomas.org/vegetacao-nativa-perde-espaco-para-a-agropecuaria-nas-
ultimas-tres-decadas. Acesso em 06 de out. 2021.
de setembro, depois para 9 de setembro (quando o ministro Edson Fachin se posicionou
contra o PL) e depois para 15 de setembro (quando o ministro Kássio Nunes Marques
votou a favor do PL). O ministro Alexandre de Moraes, que votaria na sequência, pediu
vista do julgamento que, com isso, fica suspenso até que o magistrado decida emitir seu
voto; na prática, os ministros não têm prazo para devolver o caso ao plenário.
Concomitantemente ao Acampamento Luta pela Vida aconteceu a 2ª Marcha das
Mulheres Indígenas, de 7 a 11 de setembro, também em Brasília, com o “Mulheres
Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”. Participaram do evento mais de
cinco mil mulheres de 172 povos indígenas de todos os biomas do Brasil. A pauta
principal da Marcha também foi o marco temporal, que é considerado pelos indígenas
brasileiros a maior afronta a seus direitos pós-constituinte.
Em 2022, ano de eleições gerais no país, o mapa político no Congresso parece ser um
pouco mais favorável, em relação à representatividade, às causas indígenas (apesar de
haver eleitos autodeclarados indígenas, como Hamilton Mourão (Republicanos) e Silvia
Waiãpi (PL), aliados de Jair Bolsonaro. Os indígenas aumentaram de um para sete o
número de parlamentares no Congresso. Em comparação às eleições anteriores, em 2018,
as candidaturas autodeclaradas indígenas tiveram um aumento de 40%, segundo o TSE
(Tribunal Superior Eleitoral). As mulheres indígenas, maioria entre os eleitos, tiveram
crescimento ainda maior no número de candidaturas: de 49 em 2018 para 82 em 2022.
Acompanharemos como se desenharão, nos próximos anos, as políticas voltadas
especificamente para os povos originários.
Na cobertura jornalística das duas edições da Marcha das Mulheres (2019 e 2020), a
presença dos veículos nativos digitais foi essencial para reverberar as ações. Em nossas
pesquisas online constatamos coberturas sobre os eventos na mídia hegemônica (Folha
de S. Paulo, Exame, Uol, Correio Braziliense, IstoÈ, Marie Claire, Globo), porém a
grande quantidade de informação sobre o fato se encontra nos sites e redes sociais de
ONGs, institutos, movimentos sociais e veículos nativos digitais (como Catarinas, Mídia
Ninja, AzMIna, Mídia Índia, Sul 21, Amazônia Real). Um dos destaques na cobertura
midiática da 2ª Marcha das Mulheres Indígenas é a Mídia Índia-Voz dos Povos, veículo
nativo digital que nasceu em abril de 2017, como fruto dos estudos de jornalismo de
Erisvan Guajajara, da aldeia Lagoa Quieta, Terra Indígena Arariboia (MA), que se formou
pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
A Mídia Índia iniciou suas atividades em sua página no Facebook; hoje tem Instagram,
Twitter, site, rádio e canal no YouTube, além da página no Facebook. Os conteúdos são
produzidos exclusivamente por indígenas de várias etnias (a maioria com formação na
área de comunicação). Em dezembro de 2020, a Mídia Índia venceu o Prêmio Joan Alsina
de Direitos Humanos, concedido pela Fundação Casa América Catalunya, na Espanha.
O prêmio foi instituído pela Câmara Municipal de Barcelona em memória do padre
catalão Joan Alsina, assassinado pela ditadura de Pinochet, no Chile, em 1973. Em
entrevista ao site Amazônia Real3, Erisvan Guajajara afirma que a Mídia Índia nasceu
para dar voz e visibilidade aos povos tradicionais na luta e resistência, em um momento
de ataques e perda de direitos e que a grande mídia brasileira ainda cobre ´´timidamente
as questões indígenas. O fundador da Mídia Índia destaca que trabalham na plataforma
mais de cem comunicadores, que cobrem desde festas culturais nas aldeias até questões
relacionadas ao meio ambiente, como os incêndios florestais na Amazônia, invasões de
garimpeiros e madeireiros nos territórios, assim como as campanhas pela demarcação das
terras. No Facebook (desde 2017), a Mídia Índia tem 74 mil seguidores; no Instagram
(desde 2019), 184 mil seguidores; no Twitter (desde 2019) são 14 mil seguidores e, no
YouTube (desde 2021), 2.100 inscritos.
O trabalho da Mídia Índia, voltado a cobrir assuntos relacionados a comunidades
vulneráveis (Marcha das Mulheres Indígenas, no caso do presente estudo) e a um grupo
específico (povos originários) que, historicamente, desde a colonização, luta para se
manter vivo e incluído na sociedade contemporânea, dialoga, harmonicamente, com os
conceitos de jornalismo para a paz (JP), desenvolvidos a partir dos Estudos para a Paz
(Peace Studies) do sociólogo e matemático norueguês Johan Galtung e com os conceitos
de interseccionalidade (etnia, gênero, classe social e território).
O jornalismo para a paz preza pelos impactos sociais e pela qualidade dos conteúdos, em
vez de privilegiar interesses econômicos de empresas, “já que muitos veículos de
comunicação convencionais realizam uma cobertura superficial e descontextualizada de
problemas, com o objetivo de controle social (SALINAS, 2014, p.10, apud CABRAL;
SALHANI, 2017).
3
Disponível em: https://amazoniareal.com.br/midia-india-e-reconhecida-com-o-premio-joan-alsina-de-
direitos-humanos-da-espanha/ Acesso em 06 de out. 2021)
Para Shinar (2008), o jornalismo para a paz visa à melhoria das representações da mídia,
da construção da realidade e da consciência crítica, buscando tratar as histórias em termos
mais amplos, diversos e justos. Geralmente os temas relacionados aos povos originários
são tratados, pela mídia tradicional, com pouca profundidade e distanciamento (sem a
presença de repórteres in loco, por exemplo), necessidade que é suprida pela cobertura da
Mídia Índia.
Em seus estudos sobre jornalismo para a paz Cabral e Salhani (2017) apontam que:
A abordagem da Mídia Índia - feita por povos originários sobre as mulheres originárias -
é importante, porque é de “dentro para dentro”, mas se espalha como raízes, dada a
velocidade da internet e seu poder de alcance. É uma comunicação que dá voz às partes
envolvidas (como prevê o jornalismo para a paz), não apenas às que dominam em termos
políticos e socioeconômicos
De acordo com Flávia Silva (2018), a realidade dos povos indígenas já é, em si mesma,
de luta e de resistência, mas em relação à situação das mulheres indígenas essa realidade
é ainda mais tensa, já que elas precisam reivindicar direitos enquanto sujeitos pertencentes
a dois grupos sensíveis: indígenas e mulheres (e incluímos, ainda, mulheres indígenas
trans, lésbicas, entre outros grupos). Silva (2018) afirma que:
Pesquisar, analisar e interpretar a Marcha das Mulheres Indígenas sob o viés de uma mídia
indígena nativa digital, a partir dos conceitos do jornalismo para a paz é discutir sobre o
período gigante de silenciamento dessas mulheres na mídia, desde a colonização. É
também discutir se a Mídia Índia rompe com esses silenciamentos e reverbera a voz e a
as pautas dessas mulheres em sua cobertura jornalística ou se reproduz práticas midiáticas
das mídias hegemônicas.
PROBLEMA DE PESQUISA
Com base nos conceitos do Jornalismo para Paz, como o veículo nativo Mídia Índia
contribui para reverberar as pautas da Marcha das Mulheres Indígenas?
OBJETIVOS
4
Disponível em: https://apublica.org/2016/11/o-que-descobrimos-com-o-mapa-do-jornalismo-
independente/ Acesso em 08 de out.2021
JUSTIFICATIVAS
METODOLOGIA
Para este estudo utilizaremos como metodologia a análise de conteúdo a partir dos estudos
de Bardin (2016), passando pelas três fases definidas pela autora: pré-análise, exploração
do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Também utilizaremos o
jornalismo para a paz como metodologia, estabelecendo categorias de análise a partir dos
estudos principalmente das autoras e autores latino-americanos, como Nos Aldás (2016),
Cabral; Salhani (2017), Shinar (2008), Salinas (2014), Pureza (2005), entre outros.
CRONOGRAMA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NA WEB