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Biografia de Sônia Guajajara

Ministra de Estado
Telefone(s) : (61) 2020-1033
E-mail : agenda.mpi@povosindigenas.gov.br
Sonia Bone de Sousa Silva Santos, indígena do povo Guajajara/Tentehar.
Pós-graduada em Educação Especial, Bel em letras. Destaca-se por sua luta histórica
pelos direitos dos povos originários e pelo meio ambiente.
Tem reconhecimento internacional na defesa dos direitos dos povos indígenas, seus
territórios e causas socioambientais, sendo eleita uma das 100 pessoas mais influentes
de 2022 pela revista TIME. Atuou em várias organizações
indígenas, como a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas
do Maranhão (Coapima), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (COIAB). Foi coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB).

Sônia Guajajara nasceu Sônia Bone, na Terra Indígena de Araribóia, no Maranhão.


Desde muito cedo entendeu que precisava lutar contra o anonimato, contra a
invisibilidade dos povos indígenas. “Todo tempo eu queria encontrar um rumo, um jeito
de como trazer essa história e essa vida dos povos indígenas para um conhecimento da
sociedade.”
Sônia é professora do ensino fundamental, auxiliar de enfermagem, liderança indígena
feminista. Mas a sua força e coragem lhe levaram a alçar voos maiores, chegando a ser a
primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018,
aos 44 anos.
Com 15 anos, Sônia saiu de casa para estudar em Minas Gerais convidada pela Funai, e
hoje é mestra em Cultura e Sociedade pelo Instituto de Humanidades, Artes e Cultura
pela Universidade Federal da Bahia. Em 2001 participou do primeiro evento nacional
indígena, a pós-conferência da Marcha Indígena, para discutir o Estatuto dos Povos
Indígenas em Luziânia, no estado de Goiás.
Também fez história ao entregar o prêmio Moto Serra de Ouro para a senadora Kátia
Abreu em defesa do Código Florestal. Em 2012, coordenou a organização do
Acampamento Terra Livre na Cúpula dos Povos, contrapondo o evento mundial da Rio
+20. E no ano seguinte estava à frente da Semana dos Povos Indígenas e a ocupação do
plenário da Câmara e do Palácio do Planalto.
Em quase duas décadas de luta pelos direitos das populações originárias, ocupa cargos
de destaque em diferentes organizações e movimentos. Entre eles, a Coordenação das
Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), a
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e
a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), onde é coordenadora executiva.

Entrevista com Sônia Guajajara.

Brasil de Fato RS: O que é ser mulher indígena no Brasil?


Sônia Guajajara: Ser mulher indígena no Brasil é você viver um eterno desafio, de
fazer a luta, de ocupar os espaços, de protagonizar a própria história. Historicamente foi
dito para nós que a gente não poderia ocupar determinados espaços. Por muito tempo as
mulheres indígenas ficaram na invisibilidade, fazendo somente trabalhos nas aldeias, o
que não deixa de ser importante, porque o trabalho que a gente exerce nas aldeias
sempre foi esse papel orientador. Só que chega um momento que a gente acredita que
pode fazer muito mais do que isso, que a gente pode também estar assumindo a linha de
frente de todas as lutas.
Para nós é desafiador romper essa barreira do sair da aldeia para ocupar esses espaços.
Imagina ocupar esses espaços aqui fora, onde há um preconceito, um racismo
impregnado, que nunca se venceu, e que em algum momento a gente achou que estava
conseguindo avançar... E a gente se depara agora com essa nova luta contra o racismo,
contra o preconceito que está cada dia mais expresso na sociedade como um todo.

Então ser mulher indígena é esse desafio permanente de reafirmar a sua cultura, a sua
identidade e principalmente o seu gênero.

Em que momento iniciou a militância?


Eu já nasci militando. A minha vida inteira foi lutando contra esse anonimato, contra
essa invisibilidade dos povos indígenas. Todo tempo eu queria encontrar um rumo, um
jeito de como trazer essa história e essa vida dos povos indígenas para um conhecimento
da sociedade. Porque eu sempre percebi que a história contada sobre os povos indígenas
não é uma história real, e ainda no ensino fundamental os livros tratavam, e como
tratam até hoje, dos povos indígenas como os povos indígenas de 1500, como povos do
passado.

Isso sempre me inquietava muito porque os livros não tratavam, ou não tratam dos
povos indígenas hoje, no presente. Porque não tratam dessa violência que existe contra
os povos indígenas, dessa disputa por território, sendo que o Estado brasileiro tem uma
Constituição federal que garante o direito territorial dos povos indígenas. Claro que esse
direito é originário, é antes da Constituição, mas a Constituição reconheceu, escreveu, e
esse Estado não implementa essa demarcação dos territórios indígenas.

Há um distanciamento entre a realidade dos povos indígenas, que é de muita luta, muita
resistência, e o que a sociedade conhece, ou o que o sistema educacional transmite. Isso
gera esse distanciamento, e com isso continuam ainda desconhecendo a sua própria
história. Porque quem não conhece a história do Brasil, não conhece a história dos
povos indígenas, não conhece a si mesmo.
É algo que acontece também quando falamos dos povos negros, a história não
contada. Por que não conseguimos levar essa história para as escolas? Por que não
conseguimos mudar isso?
A própria base do plano de desenvolvimento do país, a própria base de plano econômico
do país é pautada no extermínio desses povos indígenas e da população negra, porque
nós sempre fomos vistos como obstáculos, como problemas. O próprio Bolsonaro
quando era deputado tem uma fala forte que diz: “competente foi a cavalaria dos
Estados Unidos que conseguiu exterminar todos os índios, e hoje eles não têm esse
problema”.

É um pensamento totalmente criminoso, mas que vem de todo esse processo criminal de
matar todo mundo que atrapalhasse o desenvolvimento. Então teve sempre essa ideia do
progresso a partir da morte. Toda essa elite branca, rica, sempre no comando do país,
nunca vai dar oportunidade para poder se discutir essa diversidade no Brasil, para
discutir essa presença de povos, culturas e territórios diversificados.

Então, por mais que a gente faça essa luta, essa resistência, movimento indígena,
movimento negro, mais a gente continua sendo invisibilizado. A nossa vida continua
sendo totalmente secundarizada, os direitos sendo totalmente atacados ou retirados
quando se consegue um pouco. Tudo isso contribui para que essa elite que está no
poder, no comando, continue a dizer o que é que faz e o que não faz. Historicamente foi
dito para nós qual era nosso lugar, nosso limite. E nós fazemos essa luta porque somos
teimosos, resistentes, e não vamos aceitar esse sistema opressor, essa dominação
permanente, não vamos aceitar essa imposição.

E por mais que nosso povo continue morrendo, está morrendo na luta. Por isso que eu
digo que sempre estive na luta, na linha de frente. Desde quando estava na cartilha do
abc, tinha essa inquietude comigo de que eu não podia ficar ali vendo, assistindo tudo
isso sem reagir. O tempo foi passando, assumi o movimento indígena no estado do
Maranhão por dois mandatos, depois assumi o momento indígena na Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira , depois na Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil . É uma história de lutas e desafios, mas também de muita
coragem, porque tudo que foi dito que a gente não podia fazer, fomos rompendo essas
barreiras e vamos tomando esses espaços.
Vim do território, passei pelo estado, pela Amazônia, pelo nacional, e ali assumi outro
lugar, na disputa eleitoral, que ultrapassou só os limites da luta indígena. Chegamos
nessa disputa pela primeira vez na história, foram 518 anos para acontecer isso, e para
nós foi muito significativo.

Essa eleição foi a primeira após o golpe de 2016, que tirou a presidenta Dilma e
que, visivelmente, foi também um golpe misógino. E hoje pesquisas demonstram o
ataque preconceituoso contra as mulheres, tanto na grande imprensa como através
do “gabinete do ódio” nas redes sociais. Nesse sentido como você avalia a
participação da mulher na política e por que ainda é tão baixa no Brasil?
Realmente é ainda um número bem pequeno de mulheres ocupando a política, tendo em
vista que as mulheres têm assumido o protagonismo de diversas lutas. Mas acho que
conseguimos dar um salto nos últimos anos. Apesar de ainda ter muito a ser feito para a
mulher ser reconhecida na igualdade de capacidades.

Ainda hoje é lamentável a gente ver como muitas pessoas deixam de votar ou de confiar
na mulher por ser mulher, porque sempre acha que é lugar para os homens. É o
machismo ainda totalmente aflorado que está muito presente, e é esse machismo que
fala muito mais alto na hora das escolhas, de eleger seus representantes. É uma triste
realidade, mas é assim que acontece ainda. E acho que precisamos lutar muito contra
esse machismo para podermos estar cada vez mais assumindo esses espaços.

Além do machismo, a disputa acaba sendo muito injusta, muito desleal na própria
campanha, as pessoas votam muito por agrado, com voto pago. Eu penso que nós
mulheres, quando a gente entra, a gente que vem de movimentos sociais, dessa frente de
resistência, a gente que vem principalmente das esquerdas, a gente vem para fazer o
diferencial. A gente vem para mudar essa forma de fazer política. E todas as mulheres
que vêm desse campo, vem com esse pensamento, de mudar esta forma de fazer
política. E as pessoas estão muito habituadas, acostumadas a poder dar o voto em troca
de alguma coisa, e por não fazer isso, diminui ainda mais esses votos que seriam para
eleger essas mulheres.

Sonia é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil / Monika


Skolimowska / Getty Images

E dentro dos partidos têm incentivo?


Tem o incentivo, mas eu acho que ainda é muito tímido. Ainda há uma priorização
dentro dos partidos por quem tem mais experiência, ou por quem tem mais, talvez,
amizades. E geralmente quem tem mais experiência são os homens porque eles é que
estiveram sempre, em toda história, ocupando esses lugares, nós mulheres ainda somos
ainda bem poucas com essa experiência na vida política. Então nessa hora de escolher
quem é a prioridade nos partidos, geralmente ainda são os homens. São poucos os
partidos que trazem as mulheres para esse campo da prioridade.

Com isso, já vimos várias pesquisas que mostram ao final das eleições que muitas
mulheres são utilizadas só para compor, para complementar cotas. Precisamos ainda
discutir muito isso, para as mulheres não aceitarem lançar suas candidaturas somente
para complementar cotas, mas para que de fato elas sejam prioridades, tenham incentivo
e tenham como fazer uma campanha igual a dos outros.

A minha candidatura com o Guilherme Boulos foi muito justa, muito compartilhada, até
porque assumimos ali uma candidatura que não era uma candidatura de quem é mais ou
menos. É claro que o próprio sistema político obriga você a ter que lançar a candidatura
com cabeça, com vice e tal. Mas a gente adotou a co-candidatura. Isso foi assumido
internamente no partido. Fizemos uma campanha totalmente compartilhada, agenda
compartilhada, eu com toda autonomia de fazer a minha agenda, com o recurso que
estava destinado para as mulheres. Foi uma experiência bem diferente, tanto da co-
candidatura, como a forma como foram utilizados os recursos para facilitar essa
autonomia na agenda.

A extrema-direita tem imposto suas pautas fascistas, conservadoras. Como isso


reflete nas comunidades indígenas?
É uma preocupação muito grande. Esse conservadorismo cresce e cresce para todo lado.
E a gente não está isento de todo esse processo. Hoje temos um trânsito muito grande de
indígenas que vêm na cidade, que transitam na cidade, que têm acesso à comunicação,
que têm mais acesso à internet, e é claro que tudo isso acaba influenciando bastante
também na formação de opinião onde quer que a gente esteja.
Nós temos nesse momento, eu não sei se duas situações extremas, mas acho que
estamos em um paralelo, porque ao mesmo tempo que cresce o conservadorismo e
chega também nas aldeias, nós, mulheres indígenas, estamos rompendo muitas barreiras
e estamos saindo desse espaço aldeia e chegando a ocupar outros espaços externos. Um
exemplo grande disso foi que no ano passado realizamos a primeira Marcha das
Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília Foi a primeira marcha das mulheres
indígenas no mundo, e que está servindo de exemplo até agora para inspirar outras
mulheres, de outros continentes, que também querem fazer a sua marcha.

Fizemos a marcha para mostrar que estamos juntos, que queremos lutar junto, e que não
íamos aguentar de forma alguma, silenciada, essa política genocida do governo
Bolsonaro. A marcha foi uma reação a todo esse retrocesso e esse fascismo instalado.

A marcha só foi possível porque várias outras mulheres já ultrapassaram essas barreiras
e estão assumindo lugares também de comando. Nós temos, na Amazônia Brasileira,
a Nara Baré, que foi a primeira mulher a assumir a coordenação geral da Coiab. Foi um
trabalho longo, de 10 anos. A entidade já tem 31 anos e só em 2017 conseguimos
colocar uma mulher na coordenação geral.
Aqui no Maranhão, na organização indígena do nosso estado, a Coordenação das
Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapimba), na eleição
passada, em uma coordenação de quatro, colocamos três mulheres e um homem, e esse
homem era o secretário, que era exatamente o papel dado a nós, mulheres, para assumir
qualquer espaço nas coordenações.

E na última eleição realizada em fevereiro colocamos dois homens e duas mulheres, e as


mulheres na função de coordenadora geral e vice-coordenadora. E eu assumo a
coordenação geral na Apib.

Esse conjunto de mulheres assumindo vários espaços em articulação com várias outras
mulheres que assumem funções importantes na educação, na saúde, na cultura e no
próprio fazer comunitário, nos possibilitou realizar essa marcha, e com isso motivar
muitas mulheres também a chegar mais junto, mais perto. Todas as quatro ou cinco mil
mulheres que chegaram na marcha, todas elas voltaram com esse sentimento de que não
seriam mais as mesmas, e que a gente precisa assumir esse comando.

Por um lado, cresce o conservadorismo, mas para nós mulheres indígenas chegou o
nosso momento, e estamos na linha de frente.

"Por um lado, cresce o conservadorismo, mas para nós mulheres indígenas chegou o
nosso momento, e estamos na linha de frente" / Arquivo pessoal

Estamos vivendo também muito retrocesso na questão de direitos conquistados


pelos indígenas. E também um grande avanço da mineração nos territórios
indígenas. Como a Apib está vendo toda essa situação ?
É realmente um momento muito traumático que estamos vivendo, talvez um dos piores
momentos de toda nossa história. Porque você junta agora essa crise sanitária, essa
preocupação com a pandemia que está assustando demais todo mundo, e a gente larga o
que está fazendo, o combate para conter essas invasões históricas que acontecem nos
territórios indígenas. E a gente para um pouco para poder olhar para a pandemia, como
combater e controlar esse novo coronavírus.
Mas a gente começa a se dar conta que não dá para parar todas as outras coisas, porque
os invasores não param, a bancada ruralista não para, e principalmente querem se
aproveitar desse momento para fortalecer as suas alianças com todos esses setores, da
indústria madeireira, do agronegócio, da mineração, para aprovar leis que beneficiam
esses aliados.

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