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PROIBIÇÃO À TORTURA: O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO?

A Constituição de 1988 determina que a prática da tortura é proibida no Brasil, conforme


descrito no inciso III do artigo 5º. O artigo 5º é uma das partes mais importantes da nossa
Constituição, nele estão previstos os direitos que têm o objetivo de assegurar uma vida
digna, livre e igualitária a todos os cidadãos do país.

A tortura é prática absolutamente proibida pela legislação brasileira e é objeto de diversos


tratados e convenções internacionais. Como é contrária à proteção à vida e a integridade da
pessoa humana, é considerada violação gravíssima aos Direitos Humanos e é um princípio
geral do Direito Internacional. Por ser considerada um direito fundamental, a proibição à
tortura é uma cláusula pétrea de nossa Constituição. Isso significa que, mesmo que seja
realizada uma reforma constitucional, a proibição à tortura deve necessariamente
permanecer.

Neste texto vamos explicar para você o que o inciso III da Constituição fala sobre a tortura,
qual a relevância da proibição dessa prática e como ela foi tratada ao longo da história em
nosso país. Continue com a gente!

Para conhecer outros direitos, confira a página do Artigo 5º, um projeto desenvolvido pelo
Politize! em parceria com o Instituto Mattos Filho e a Civicus.
A RELEVÂNCIA DA PROIBIÇÃO À TORTURA?
O artigo 5º, em seu terceiro inciso, afirma que:

III – “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”

A partir deste inciso, a Constituição de 1988 é clara em afirmar que a prática da tortura é
expressamente proibida em território brasileiro. O inciso se aplica a qualquer pessoa, pois
ao determinar que ninguém será submetido a tais atos violentos, incluem-se os brasileiros e
qualquer estrangeiro dentro dos limites de nosso país. Além da tortura, esse inciso também
prevê que nenhuma pessoa pode ser vítima de tratamento desumano ou degradante, pois
em todos esses casos se estaria agindo contra a dignidade da pessoa humana e, portanto,
devem ser reprovados pelo Estado brasileiro.

Pode parecer lógico que, ao garantir o direito à vida, a prevenção à tortura está implícita,
porém deixá-la evidente foi uma maneira de relembrar as autoridades de que a tortura não
deve ser tolerada. Esse direito é relevante porque busca proteger a vida e a integridade
física e moral dos indivíduos e preveni-los de serem submetidos a atos cruéis e desumanos.

TRATAMENTO DESUMANO, TRATAMENTO DEGRADANTE E TORTURA


Tortura, tratamento desumano e tratamento degradante: apesar de diferentes, esses três
conceitos estão relacionados, pois todos se referem a situações em que o direito de viver
uma vida digna é impedido. O conceito de dignidade da pessoa humana, refere-se ao direito
de todos os seres humanos serem respeitados pelo Estado e pela sociedade, de terem
assegurados seus direitos e deveres fundamentais, de serem privados de tratamento
desumano e terem condições mínimas para uma vida saudável.
A primeira organização que se preocupou em conceituar esses termos foi a Comissão
Europeia de Direitos Humanos (CEDH), após analisar um caso de violações sistemáticas
aos direitos humanos na Grécia. Segundo essa organização:

Tratamento desumano: é um tratamento que provoca grande sofrimento, físico ou mental.


Não há razões para que ele aconteça e geralmente as pessoas são submetidas a esforços
que passam dos limites humanos.
Tratamento degradante: são os casos nos quais os indivíduos são levados a agir contra a
sua vontade ou quando são humilhados perante si mesmos ou outras pessoas. O
tratamento degradante é um tipo de tratamento desumano.
Tortura: a tortura é um tratamento desumano aplicado sobre uma pessoa com um objetivo
específico como, por exemplo, obter informações sobre a própria vítima ou um terceiro. A
tortura seria então um tratamento desumano mais grave.
A PROIBIÇÃO À TORTURA NA HISTÓRIA
Apesar de hoje ser uma prática combatida por quase todos os países e por inúmeras
organizações internacionais, a prática da tortura já foi utilizada como instrumento de poder
em diversas sociedades. No passado, as torturas serviam como punição e chegavam
inclusive a ser previstas nas legislações, como era o caso de Roma no século VIII a.c.

Além de ser um modo de punição, torturar as pessoas foi uma forma bastante comum de
adquirir provas ou confissões com o objetivo de incriminar alguém. As confissões, em
algumas sociedades, possuíam valor superior a outras provas, ou seja, o que era
confessado valia como verdade absoluta. Assim, criava-se um mecanismo que dava às
pessoas que tinham o poder, as condições de incriminar quem desejassem, pois para
livrar-se da dor da tortura, as vítimas acabavam por admitir até mesmo atos que nem
haviam praticado.

O uso da tortura como instrumento sistemático de manifestação do poder pode ser de difícil
compreensão para aqueles que vivem em um Estado de Direito, mas a tortura foi mais
comum do que nossa breve existência pode nos fazer crer. Séculos antes do nascimento de
Cristo, as torturas já eram utilizadas e só começaram a ser proibidas no século XVIII, com a
propagação das ideias iluministas, movimento intelectual que defendia o uso da razão e
pregava maior liberdade política e econômica.

Mas foi somente em 1948 que a proibição à tortura foi oficializada, com a assinatura da
Declaração Universal dos Direitos Humanos pelos Estados membros da Organização das
Nações Unidas. Fazia 3 anos que a Segunda Guerra Mundial havia acabado e a motivação
para assinatura da declaração era, em grande medida, prevenir que as atrocidades que
foram cometidas durante a guerra, em especial no holocausto, fossem cometidas
novamente. Veja o que diz o artigo 5º desse documento:

Artigo 5º “ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,


desumanos ou degradantes”.

Hoje, para o Direito Internacional, a proibição à tortura é considerada uma norma de jus
cogens, o que significa que todos os países devem obedecê-la, mesmo aqueles que não
tenham assinado qualquer tratado ou convenção internacional sobre o tema. Como já
explicamos, além da proibição à tortura ser um princípio geral do Direito Internacional, é
uma violação gravíssima aos Direitos Humanos.

Para saber mais sobre a história da tortura no mundo confira este texto do Politize!.

A PROIBIÇÃO À TORTURA NA HISTÓRIA DO BRASIL

A tortura também faz parte de diversas páginas da história do Brasil. Ainda no período da
colonização, os portugueses praticavam torturas como mecanismo de dominação sobre a
população, em geral, índios e negros. A tortura era uma forma de punição por
desobediência aos senhores e também para obter provas por meio de confissões.

A prática da tortura passou a ser proibida no Brasil a partir da promulgação da Constituição


de 1824. A partir de então, esse conteúdo se manteve em nossas constituições, apesar de
a tortura ter sido utilizada pelo Estado em alguns momentos da história, especialmente
durante Ditadura Militar no Brasil. Alguns anos depois do final da Ditadura, proclamou-se a
Constituição de 1988, que, além de manter a proibição à tortura, atendeu ao previsto pelas
normas internacionais nesse quesito.

Segundo a nova Constituição, ninguém poderá ser vítima de tortura no Brasil, sob nenhuma
condição, como descreve o inciso III do artigo 5º. E para que essa norma fosse cumprida,
era necessário uma lei que descrevesse o que é considerado tortura e quais são as penas
para quem comete esse tipo de crime. A Lei nº 9.455/1997 foi promulgada no Brasil em
1997 e descreve a tortura de duas formas:

– constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe


sofrimento físico ou mental:

com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

em razão de discriminação racial ou religiosa;

– submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou
grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal
ou medida de caráter preventivo.

A proibição à tortura também está prevista no Código Penal Brasileiro (Decreto Lei nº 2.848
de 7 de dezembro de 1940) e no Código de Processo Penal Brasileiro (Decreto Lei nº 3.689
de 3 de outubro de 1941 ). Segundo essas normas, a tortura é crime inafiançável, ou seja,
quem cometer o crime não poderá recorrer ao pagamento de uma fiança para ter a
liberdade. E, além disso, é um crime que dificulta o livramento condicional, situação em que
o indivíduo pode ter sua liberdade antecipada se cumprir alguns requisitos.

Nos últimos anos, diversas iniciativas para prevenir a prática da tortura foram
implementadas no Brasil, como por exemplo, a criação do Sistema Nacional de Combate à
Tortura pela Lei 12.847/2013. Essa legislação, dentre inúmeras iniciativas, prevê o
monitoramento de locais de detenção, hospitais psiquiátricos e estabelecimentos prisionais,
por exemplo, com o objetivo de prevenir a tortura nesses ambientes.

Além disso, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos possui um canal de


denúncia de violação aos direitos humanos, o “Disque 100”. As ligações podem ser feitas
qualquer dia e horário, inclusive sábados, domingos e feriados.

Quer entender mais sobre a história da tortura no Brasil? O Politize! te explica.

O tratamento desumano e a tortura hoje no Brasil


O fim da ditadura poderia ter sido o fim institucionalizado de práticas desumanas e cruéis no
Brasil, porém esse fantasma insiste em nos assombrar. O tratamento desumano e
degradante e até mesmo a tortura continuam existindo no país e sua invisibilidade se dá
mais por estar na clandestinidade do que por serem eventos isolados.

Segundo a organização internacional Human Rights Watch, entre janeiro de 2012 e junho
de 2014, a organização recebeu 5.431 denúncias de tortura, crueldade, desrespeito ou
tratamento degradantes. Essas violações acontecem principalmente dentro das delegacias,
prisões e viaturas. Para Maria Laura Carineu, diretora da organização no Brasil, o fator que
permite a perpetuação dessas atrocidades é a impunidade, pois raramente esses casos são
levados à justiça.

Com o intuito de prevenir as práticas de tortura em sistemas prisionais no Brasil, o Conselho


Nacional de Justiça (CNJ), tem empreendido alguns esforços, por meio de acordos de
cooperação com entidades nacionais e internacionais e monitoramento das práticas
judiciais. Além disso, desde 2015, por iniciativa do CNJ, são realizadas audiências de
custódia com presos em flagrante. Essa audiência é realizada com uma autoridade judicial
até 24 horas após a prisão em flagrante para verificar a legalidade e a necessidade da
manutenção da pessoa na prisão.

Essa medida atende a exigência da Convenção Americana de Direitos Humanos, que


determina em seu artigo 7º que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem
demora, à presença de um juiz”. Além de prevenir que a pessoa fique presa por um longo
período sem ter conhecimento sobre o seu processo, ao ser encaminhada a um magistrado
após a prisão em flagrante, a pessoa tem a oportunidade de relatar se houve algum abuso,
tortura ou maus-tratos durante a prisão.

PROIBIÇÃO À TORTURA: O QUE APRENDEMOS NESSE TEXTO?


Nesse texto falamos sobre o inciso III do artigo 5º da Constituição, que trata da proibição à
tortura. Além de ser objeto de diversos tratados e convenções internacionais, a proibição à
tortura é uma cláusula pétrea da nossa Constituição, ou seja, não pode ser alterada. Por ser
reconhecido como um direito fundamental e considerado, portanto, um crime gravíssimo, a
tortura passou a ser inafiançável no Brasil. Isso significa que aquele que pratica a tortura
não pode recorrer ao pagamento da fiança para ter sua liberdade.Apesar dos inúmeros
avanços e de esforços, tanto do Estado brasileiro, quanto da sociedade civil no combate à
tortura, ainda existem muitos relatos de práticas de tortura, maus tratos e violações aos
direitos humanos, especialmente nos estabelecimentos prisionais. As principais dificuldades
em maiores avanços nesse tema se devem à falta de estrutura dos mecanismos de
monitoramento e denúncia e da impunidade.

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