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Introdução à Arqueologia
Anotações para complemento do curso de
Mentoria em Arqueologia Bíblica (Rodrigo P. Silva)

Os primeiros arqueólogos ou “antiquarianistas” como eles mesmos se


denominaram, tinham técnicas muito limitadas de escavação, catalogação,
armazenamento e datação dos artefatos encontrados. Seu objetivo era mais
colecionista do que científico.

Neste sentido é possível dizer que a primeira forma de arqueologia


foi vinculada aos museus. Aliás, a palavra museu, com a aplicação que lhe
damos hoje, vem do grego Μουσειον, que originalmente referia-se aos
santuários ou templos dedicados às musas, que na mitologia grega eram as
patronas das artes. Nestes locais, uma assembléia de pessoas se reunia sob
a proteção das musas, para copiar, conhecer ou declamar as estórias antigas
coletadas por estimados escritores como Alcidamas, um sofista ateniense do
IV século a.C..

Um exemplo deste tipo de construção pode ser visto no edifício que


Ptolomeu I Soter ou Ptolomeu II Philadelphus (há uma disputa quanto a
isso14) construiu na antiga cidade de Alexandria por volta do III século a.C.15

Mas o ΜΟΥΣΕῖΟΝ ΤῆΣ ἈΛΕΞΆΝΔΡΕΙΑΣ não possuía uma coleção de


obras de arte ou antiguidades como temos hoje. Além da imensa biblioteca
de Alexandria (que pertencia ao mesmo complexo), segundo a descrição
de Strabo, o local era “uma parte do palácio, possuindo um peripatos [área
aberta para andar e conversar], uma exedra [um banco em meia lua para
conversas em grupo] e um largo oikos, no qual havia uma mesa comunitária
para os philologoi que eram os membros honoríficos do Mouseion. Este
synodos tinha uma propriedade comum dirigida por um sacerdote, antes
apontado pelos reis, mas agora apontado por César.”16

No século XII, o escritor bizantino John Tezetzes preservou em seu


Prolegomena a Aristophanes alguns detalhes que ele disse ter extraído do
catálogo do poeta Callimachus (morto depois de 250 a.C.), que descreveu
a história da biblioteca da Alexandria e afirmou que a mesma possuía
500.000 manuscritos na coleção real, e mais 42.000 na biblioteca pública.
Isso, sem contar a biblioteca do Serapeum não mencionada por Callimachus
ou Tezetezes, mas citada noutra fonte como possuindo outros 50.000
manuscritos.

14 Roger S. Bagnall notas, in “Alexandria: Library of Dreams”, Proceedings of the


American Philosophical Society 146.4 (Dezembro2002):348.
15 Este edifício teve um fim misterioso no ponto de vista da história. Há vários
relatos de destruição por César em 48 a.C., por Aureliano no III século d.C., por Te-
ófilo no ano 391 d.C., e pelos islâmicos em 642 d.C..C.f. James Hannam: The Myste-
rious Fate of the Great Library of Alexandria in http://www.bede.org.uk/library.htm.
16 Strabo, Geografia 17.1.8
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Muitos disputam para saber qual foi o primeiro museu de arqueologia ou


quem teria sido o primeiro arqueólogo. Alguns dizem que foi o Museu Britânico
fundado em 1753, outros afirmam que foi o conjunto de museus capitolinos
iniciados pelo papa Sisto IV em 1471. Porém, muito antes disto, e antes mesmo da
fundação da Biblioteca de Alexandria, temos a famosa Biblioteca de Assurbanipal
em Nínive (690 a.C.- 627 a.C.) que funcionou como um verdadeiro museu, por
colecionar textos já considerados bem antigos em seu tempo.

Assurbanipal vangloriava-se de seus feitos sangrentos, mas, apesar da sua


ferocidade, é mais lembrado como o estudioso que criou a grande biblioteca de
Nínive, com uma coletânea de obras em escrita cuneiforme, hoje responsável pela
maior parte do que se sabe dos povos da Mesopotâmia. Esta biblioteca continha
milhares de textos (crônicas, cartas reais, decretos, religião, mitos, e muitos
outros escritos em tabuinhas de barro cozido).

O achado desta Biblioteca demonstrou que Assurbanipal era um homem


culto e bastante interessado nos fatos passados. Por isso, mandou seus escribas
a vários lugares a fim de colecionar documentos de antigas bibliotecas. Entre os
registros mais importantes para o estudo da Bíblia encontrados nessa biblioteca,
figuram o relato babilônico da Criação numa versão assíria datada de 650 a.C.,
a qual é considerada como cópia de uma versão muito mais antiga; o relato do
Dilúvio, escrito em 12 tabuinhas de argila e que compõe o poema da “Epopéia
de Gilgamesh”, e outros relatos como “o Mito de Etana”, o “Mito de Adapa”, cujo
conteúdo é uma versão assíria sobre a criação e queda do gênero humano.

Desenho da época mostrando as escavações em Nínive


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Quando os babilônios dominaram o mundo, Nabucodonosor também se mostrou


um homem culto interessado em documentos e objetos da antiguidade. Por isso, ele
restaurou vários edifícios antigos e conduziu escavações “arqueológicas”, com o intuito
de encontrar as pedras fundamentais de antigos templos. Não é sem razão que muitos
pensam que ele seria o “primeiro arqueólogo do mundo”.

Nabucodonosor também instalou em seu palácio uma coleção de antigos


objetos históricos datados de até 2400 a.C. É o caso, por exemplo, de algumas antigas
inscrições de UR, uma estátua do Rei de Mari (2300 a.C.), um cravo de argila de Isin
da Baixa Mesopotâmica (2100 a.C.), um taco kassita de 1650 a.C. (esse povo governou
babilônia até que os elamitas a tomaram). Também havia peças assírias menores,
datadas de 900 a 650 a.C.: inscrições, relevos, cilindros de argila e algumas poucas
peças aramaicas, como algumas bacias volitivas de pedra datadas de 700 a 600 a.C. e
estátuas de deuses, além, é claro, de cilindros contemporâneos, escritos por ordem do
próprio Nabudodonosor.14

Nabonido (555-538 a.C.) também seguiu esta arte de Nabucodonosor, escavando


templos antigos em busca de pedras fundamentais e estátuas, e buscando colecionar
antigas inscrições que eram traduzidas15. Ele restaurou uma antiga torre (Zigurate) em
Ur e uma grande escola conforme os achados de Tell al-Muqayyar têm demonstrado.

A princesa Bel-Shalti-Nannar, irmã de Belsazar, também demonstrou interesse


em colecionar antiguidades. Woolley descobriu um anexo no templo de Ur, do qual ela
era sacerdotisa, que tinha um pequeno museu com artefatos encontrados em vários
estados da Mesopotâmia. Esse anexo era o palácio de E. Gig Par., ali também estava
uma espécie de catalogação das peças feitas em cilindros de argila. Por isso, Woolley
disse que ali estava a mais antiga catalogação de museu do mundo.

14 Leonel Casson, “The World’s First Museum and the World’s First Archaeologists”, BAR
5:01, Jan/Feb 1979.
15 Allison Karmel Thomason, Luxury and Legitimation. Royal Collecting in Ancient Meso-
potamia (Union Road Farnham Surrey, Reino Unido: Aldershot, Ashgate, 2005), 208.
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Uma conservação sem muitos critérios

Dois casos ilustram a falta de critérios para o armazenamento de artefatos no


passado. Um deles aconteceu na Via Àpia de Roma em Abril de 1485, onde trabalhadores
braçais encontraram por “acidente” um sarcófago romano que chocou aqueles homens
rudes. Dentro, havia um corpo muito bem conservado de uma linda menina romana,
com talvez menos de dez anos, que há séculos havia sido enterrada na região.

Rumores supersticiosos começaram a correr pela cidade. Uns diziam que a


menina era santa, outros acrescentavam o pseudo-testemunho de que os trabalhadores
encontraram junto ao corpo uma lâmpada a óleo miraculosamente acesa depois de
todos esses anos. Não demorou muito, vinte mil pessoas vieram para ver o corpo em
apenas um dia. Então, o Papa Inocêncio VIII mandou que o corpo fosse levado à noite
para fora da Porta Pinciana e re-enterrado num local secreto. A única coisa que restou
daquele achado foram a descrição do evento num diário de Antonio de Vaseli, e em duas
cartas, uma delas datada de 15 de abril de 1485 e endereçada a Francesco Sassetti, um
humanista e amigo particular de Lorenzo de Médici, O Magnífico14.

Outro exemplo está relacionado com o famoso escultor Michelangelo e um


amigo, Giuliano da Sagallo, que era arquiteto do papa Júlio II. Ambos foram convidados
em 1567 para ver algumas estátuas que foram encontradas em 14 de janeiro de 1506,
numa vinícula perto de Santa Maria Maggiore e dadas de presente ao papa (alguns
dizem que ela foi, na verdade, comprada pelo papa por 4.140 ducados). Conhecedor dos
clássicos, o amigo de Michelangelo reconheceu logo de início que uma delas seria o
Laocoonte, mencionado pelo escritor Plínio, o Velho.

Laocoonte é uma escultura em mármore, também conhecida como Laocoonte e


seus filhos, hoje em dia exposta no Museu do Vaticano, em Roma. A estátua representa
Laocoonte e seus dois filhos, Antiphantes e Thymbraeus, sendo estrangulados por
duas serpentes marinhas, num episódio dramático da Guerra de Tróia relatado na
Ilíada de Homero e na Eneida de Virgílio. Laocoonte, um sacerdote de Apolo, foi o
único que pressentiu o perigo que o cavalo de Tróia representava para a cidade, e que
protestou contra a ideia de levá-lo para dentro das muralhas. Então, Poseidon, um deus
que favorecia os gregos, enviou duas serpentes para calar a voz da oposição. O cavalo
acabou por ser levado para Tróia, com as consequências trágicas que se conhece.

14 Schedel's papers in Cod. 716 da Munich library


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O grupo de Laocoonte é descrito por Plínio, o Velho, no volume 36 da sua


Naturalis Historia, como uma obra de arte superior a qualquer pintura ou bronze
conhecido do autor. A escultura encontrava-se entã, no palácio do Imperador
Tito. A autoria da obra é atribuída por Plínio a Agesandro, Atenodoro e Polidoro,
três escultores da ilha de Rodes. Através do cruzamento desta informação com
o período de vida dos escultores, a estátua fica datada na segunda metade do
século I a.C., mais provavelmente entre 42 e 20 a.C. A escultura foi provavelmente
encomendada por um cidadão romano rico, mas não se sabe exatamente como
foi parar às mãos imperiais. Após esta menção de Plínio, o grupo de Laocoonte
desapareceu nos 1400 anos seguintes até ser encontrada acidentalmente.

A redescoberta do grupo de Laocoonte causou sensação em Roma, e


a sua apresentação à cidade como parte da coleção dos jardins do Vaticano,
foi um acontecimento social. Felice de Fredi, o fazendeiro que a descobriu,
foi recompensado com uma pensão vitalícia de 600 ducados por ano, e quando
morreu, o seu papel na descoberta da estátua ficou mencionada no seu túmulo14.

O grupo de Laocoonte foi uma das influências principais nos trabalhos de


Michelangelo posteriores à sua descoberta. O escultor italiano ficou bastante
impressionado com a monumentalidade da escultura e a estética helenística das
personagens, em particular a figura de Laocoonte.

Houve muitas estátuas encontradas como esta, mas veja neste desenho
abaixo, feito por Giovanni Permoli por volta de 1760, como uma clássica estátua
de Lívia, esposa de Augusto e mãe de Tibério, era erguida e transportada sem
nenhum cuidado especial.

14 Apesar de ser considerada uma obra impressionante, o grupo de Laocoonte era uma
estátua incompleta, pois faltava o braço direito da figura do próprio Laocoonte. A omissão
provocou o debate da comunidade artística romana, polarizado entre duas opiniões:
Michelangelo sugeriu que o braço estivesse dobrado sobre o ombro do personagem,
enquanto a maioria defendia que estivesse, pelo contrário, distendido numa posição mais
heróica. Júlio II organizou então uma competição informal, onde os escultores pudessem
propôr a sua solução para o problema. Rafael, como júri do concurso, acabou por escolher
uma proposta que representava o braço esticado, e a estátua foi completada desta forma. Em
1957, o verdadeiro braço perdido de Laocoonte foi descoberto num antiquário italiano e,
como Michelangelo previra, estava de fato dobrado sobre o ombro.
O grupo de Laocoonte se transformou depressa numa celebridade na Europa e num motivo
de cobiça. No âmbito dos tratados assinados com a França, o papa Leão X prometeu oferecer
a estátua ao rei Francisco I de França. Mas como este papa era um amante de arte clássica,
e não pretendia separar-se da obra prima, encomendou uma cópia ao escultor Baccio
Bandinelli, que acabou por ser o modelo de muitas outras versões menores em bronze. O
tratado com os franceses acabou por não ser cumprido, e esta cópia encontra-se hoje exposta
na galeria Uffiziem Florença.
Em 1799, Napoleão Bonaparte conquistou a Itália e levou o grupo de Laocoonte para o
Museu do Louvre, em Paris, como espólio de guerra. A estátua acabou por ser devolvida ao
Vaticano por iniciativa britânica, depois da queda de Bonaparte em 1816. <wikipedia.org/
wiki/Laocoön>
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Houve um homem fascinando pela arte antiga, e que devotou


sua vida ao estudo das obras e estátuas gregas. Seu nome era Johann
Joachim Winckelmann (1717-1768). Ele foi chamado por muitos de “o pai
da arqueologia”, pois trouxe ordem à interpretação das artes antigas e
deu novo vigor ao estudo destes elementos. Contudo, algumas de suas
descrições de antigas estátuas parecem poemas de um hino estático.
Seus dois erros foram, em primeiro lugar, incentivar a cultura grega
como a mais próxima da perfeição humana (ele chamava as estátuas de
“homens semelhantes a deuses”). Em segundo lugar, alguns detalhes
de determinado período e região da história grega foram erroneamente
interpretados por ele (e propagados depois de sua morte) relacionando
toda a cultura e civilização grega, o que é um tremendo erro.
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Três achados fascinantes: Vesúvio e Tróia


Pompéia e Herculano

Pompéia e Herculano foram duas cidades romanas arrasadas pelo Vesúvio


em 24 de agosto de 79 d.C.. Roma decretou o estado de calamidade e ninguém
pôde escavar as cinzas que se formaram. Assim, as cidades mortas foram aos
poucos apagadas da memória das pessoas. As encostas do Vesúvio tornaram-
se verdes e foram novamente cultivadas, como se Herculano e Pompéia nunca
tivessem existido.

Até que em 1709, ao cavar um poço para os monges, um operário encontrou


acidentalmente uma fileira de cadeiras da galeria do Teatro de Herculano e
pedaços de mármore raríssimo. A Áustria, que naquela época dominava a Itália,
deu ordem para serem perfurados túneis de exploração. Seu interesse, porém,
não era arqueológico. Eles queriam explorar o mármore ali encontrado. Somente
em 1748, depois da expulsão dos austríacos, o sítio foi escavado com interesses
puramente voltados à arqueologia.

Gioseppe Fiorelli foi o primeiro a escavar Pompéia de uma maneira


científica, e o primeiro edifício a ser reconhecido foi o templo de Isis.

Em 1860, os trabalhos arqueológicos se intensificaram e tornaram-se mais


sistemáticos, mas foram interrompidos pela Segunda Guerra Mundial. Porém,
depois do conflito, grandes descobertas vieram a público. Percebeu-se que muitos
edifícios de Pompéia conservaram-se em perfeito estado. Interessante para os
historiadores são as casas particulares, várias delas típicas da classe média
provinciana do Império Romano.

Elas costumavam ser elegantes, com átrio e pátio interno, mobiliário


austero, e alegres pinturas murais que revelam muito do dia a dia e crenças daquele
povo. Também são importantes as casas situadas fora do perímetro urbano, como
a de Diomedes e a chamada "Vila dos Mistérios", onde eram celebrados os cultos
ao deus Dioniso. Os quadros ali pintados na parede, revelam cenas de festas
envolvendo flagelação, danças, bebedices e muita sensualidade, incluindo até
mesmo o uso de juvenis em práticas licenciosas.

Grafites nas paredes foram catalogados e estudados. Mais de 2800 slogans


políticos foram coletados. As frases pornográficas eram as mais audaciosas,
tanto que um anônimo escrevera numa parede: “Estou surpreso, oh parede, que
você ainda resista mesmo tendo de suportar tantos escritos estúpidos sobre si
mesma”.
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Durante as escavações, os arqueólogos começaram a reparar


que em algumas áreas das ruínas, a lava endurecida era oca. Alguém
então teve a brilhante ideia de, antes de destruir o bloco, colocar gesso
dentro, e fazer um molde pra ver o que encontrariam.

O resultado é que foram descobertas dezenas de pessoas, e


animais - famílias inteiras, adultos, crianças, - alguns escondidos
em cantos das casas como um menino originalmente encontrado
num canto da casa no que aparece em posição de prece, outros foram
achados dormindo, agonizando ou gritando de terror como num molde
que distingue o rosto da vítima.

Uma vez que os prédios não foram demolidos, os corpos não


foram esmagados. A população provavelmente fugiu como estava — os
que estavam nas termas, sem roupas; os atores no Teatro nas roupas
que usavam no ensaio. Não houve tempo para salvar nem mesmo os
objetos mais preciosos: joias, moedas, pratas, documentos legais —
tudo foi abandonado.
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Tróia (na Anatólia, atual Turquia)14

A maioria de gregos clássicos admitia que a Guerra de Tróia era um evento


histórico, embora muitos entendessem que os poemas homéricos continham
vários exageros. Por exemplo, o historiador Tucídides, conhecido por seu espírito
crítico, considerava-a um evento real, mas duvidava que os gregos houvessem
mobilizado a quantidade de navios (mais de mil) mencionada por Homero, para
atacar os troianos.

Por volta de 1870, na Europa, os estudiosos da Antiguidade eram concordes


em considerar as narrativas homéricas absolutamente lendárias. Segundo eles,
a guerra jamais ocorrera e Tróia nunca existira. Mas quando o alemão Heinrich
Schliemann (um apaixonado pelas obras de Homero) descobriu as ruínas de Tróia
e de Micenas, foi preciso reformular esses conceitos.

Ao longo do século XX, tentou-se tirar conclusões baseadas em textos


hititas e egípcios, que datam a provável época da guerra. Arquivos hititas, como as
Cartas de Tawagalawa, mencionam o reino de Ahhiyawa (Acaia ou Grécia), que se
localizava "além do mar" (Egeu) e controlava a cidade de Milliwanda, identificada
como Mileto. Igualmente, é mencionado nesses e em outros documentos, a
Confederação de Assuwa, uma liga composta por 22 cidades, uma das quais,
Wilusa (Ilios ou Ilium), pode ter sido Tróia. Em um tratado datado de 1280 a.C.,
o rei de Wilusa é chamado de Alaksandu, ou seja, Alexandre, que é o outro nome
pelo qual Páris é referido na Ilíada.

Após a famosa Batalha de Kadesh (contra o Egito de Ramsés II), essa


confederação rompeu sua aliança com os hititas, o que provocou, em1230 a.C.,
uma campanha punitiva do rei Tudhalia IV (1240 a.C. - 1210 a.C.). Mas sob o reinado
de Arnuwanda III (1210 a.C. - 1205 a.C.) os Hititas foram forçados a abandonar as
terras que controlaram na costa do Egeu, abrindo espaço para possíveis invasores
de além-mar. Nesse caso, a Guerra de Tróia teria sido o ataque de Ahhiyawa (Acaia)
contra a cidade de Wilusa (Ílios) e seus aliados da Confederação de Assuwa.

Os trabalhos dos historiadores Moses Finley e Milman Parry procuraram


associar a Guerra de Tróia com um amplo fluxo migratório de micenianos,
decorrente da invasão dos Dórios no Peloponeso. Poderia também haver uma
correlação com o ataque ao Egito pelos “povos do mar”, nos tempos do faraó
Ramsés III.

Mas os céticos quanto à veracidade da guerra glorificada por Homero,


apóiam-se na ausência de qualquer registro hitita de uma invasão da Anatólia
(onde se localizava Tróia) por povos vindos do mar.

Em resumo, embora Schliemann tenha encontrado as ruínas da cidade de


Tróia (aliás, várias cidades, uma sobre a outra) no sítio mencionado por Homero,
a questão da historicidade da guerra continua dividindo a opinião dos estudiosos.

14 Texto baseado na http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Troia


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Creta

Creta sir Arthur Evans (1851-1941) descobriu os remanescentes da


mais antiga civilização letrada da Europa que dominou o Egeu de 1900 a 1300
a.C.. Ele também pensou que havia encontrado o palácio do rei Minos (motivo de
debate acirrado entre os arqueólogos modernos, principalmente por questões de
cronologia). Mas seus métodos de escavação fizeram dele um dos fundadores da
arqueologia moderna. O nome que ele deu ao sítio (Knossos) e a civilização que ele
supôs ter construído o palácio encontrado ali (Minóica, de Minos), permanecem
até hoje.

Acreditando que as estórias da mitologia grega poderiam ter sido baseadas


em fatos reais, Evans viajou através de Creta de 1894 a 1895 procurando por sítios
e inscrições que pudessem lhe dar pistas. Junto dele estava um jovem estudante
John Myres (que mais tarde se tornaria famoso por escavar Chipre). Ele encontrou
muitos desenhos, jarros, moedas e estátuas que o ajudaram a acreditar que estava
no rumo certo.

Esta é uma página de seu livro de anotações de 1900. São objetos que ele
achou no monte Kephala.

As ruínas de Knossos foram mesmo descobertas em 1878 por Minos


Kalocairinos, um mercador cretense de antiguidades. Ele conduziu algumas
escavações na colina de Kephala, que revelou uma parte dos armazéns do palácio,
mas abandonou a escavação. Heinrich Schliemann demonstrou a princípio um
certo interesse no sítio, mas também não deu prosseguimento.

Evans também chegou à colina de Kephala do palácio e viu que ali haviam
restos de um palácio do período do Bronze. Mas tapou o buraco feito, e tratou
de comprar o terreno nas mãos do governo grego. Sendo dono da propriedade,
começou a escavá-la por conta própria. Sua escavação começou em 23 de março
1900, uma sexta-feira às 11 horas da manhã. David Hogarth, Duncan Mackenzie
(especialistas em métodos arqueológicos) e Theodore Fyfe (especialista em
arquitetura antiga) foram seus assistentes. Ele escavou o palácio durante quatro
anos, mas morou ali por 30 anos publicando seus achados em quatro volumes
desde 1921 a 1931. Em 1911 ele recebeu o título de “sir” da Inglaterra.
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O palácio florescera por volta de 1700 a.C. e foi destruído em cerca de


1400 a.C. por causa da erupção do vulcão Santorini na ilha de Tera a 110 km ao
norte de Creta. Acredita-se que um tsunami golpeou a ilha e destruiu as cidades
e populações costeiras, depois caiu a cinza vulcânica que enterrou a ilha toda.
Evans iria escavá-la 3.300 anos mais tarde. Provavelmente a ilha voltou a ser
povoada depois, quando alguns imigravam desde o continente para lá. Em 600
a.C., os dórios a conquistaram e Paulo esteve lá pelo menos uma vez conforme
lemos em Atos 27:7.

Evans é muito criticado por ter reconstruído partes do palácio conforme


interpretava a sua imaginação. Ele colocou cimento e reboco sobre antigos
alicerces, algo que hoje, é impensado no meio arqueológico. Muitos dos afrescos
locais não são originais, mas foram pintados por um certo Émile Gilliéron, sob o
comando de Evans, por isso, até os bels afrescos da sala do trono são por muitos
definidos como invenções de Gilliéron14.

Até o termo palácio é controverso, pois com mais de mil e trezentos cômodos
interligados (seria esse o verdadeiro labirinto?), alguns presumem que ali seria
uma parte central da cidade em si com locais servindo para artesãos, salas de
justiça, armazéns gerais, centros administrativos, religiosos etc.

Tecnicamente alguns autores divergem quanto a como seria o Labirinto


de Dédalos. Labirintos já foram encontrados em vários sítios, até no Brasil. Mas
nenhum que seja datado da época Minóica, foi achado em Creta. O desenho das
moedas data de 500 a.C., bem posterior ao período minóico (mil anos de diferença).

O mais antigo labirinto encontrado na Grécia é o de Pylos (ca. 1200 a.C.).


Fala-se de outro na Sicília datado de 3000 a.C., na caverna de Bonágia.

Quando Heródoto descreve Knossos falando de um piso dançante, muitos


pensam que estaria descrevendo um labirinto, mas seu texto é passivo de
discussões.

14 Cathy Gere, Knossos and the Prophets of Modernism (Chicago: The University of
Chicago Press, 2009), 111.
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A palavra labirinto deriva de labrys, o "machado duplo" sagrado de


Creta, usado no ritual sagrado de morte do touro, e significa "Casa do Machado
Duplo" e um machado duplo era o emblema do palácio (talvez aí da confusão
em relação ao mito). A origem da palavra está relacionada com o labirinto de
Creta, uma representação do mundo do Além, guardado pelo Minotauro que era
necessário dominar para atingir o final do percurso, um provável ritual de morte
e renascimento. Hoje a ideia predominante é a de que o labirinto seria o próprio
palácio de Knossos.

Mais antigo que Antenas, o chamado Labirinto/palácio de Knossos foi


construído no reinado de Sesóstris II do Reino Médio Egípcio. Heródoto nos fala do
palácio como sendo uma vasta e grande cidade governada pelo rei Minos.
Ao que tudo indica o povo de Knossos não cultuava deuses, mas apenas deusas. A
principal (para alguns a “única”) era a grande deusa mãe terra, que era adorada
em grutas e sua principal representação era a figura da deusa das serpentes.
Inclusive, há os que pensam que a famosa sala do trono não seria para o rei, mas
para uma sacerdotisa que representava a manifestação ou teofania da deusa.

Um achado importante nestas escavações mas ainda intrigante, é o selo


de Festus (Phaistos ou Phaestos ou Phaestus). Em julho de 1908, na mesma onda
dos achados de Artur Evans, o arqueólogo italiano Luigi Pernier descobriu no
palácio minoano de Festus, um bem conservado disco de argila com uma inscrição
minóica, ainda não totalmente decifrada.
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Resumo histórico da Arqueologia Moderna


Histórico - Cultural

Esta teoria arqueológica enfatiza uma definição histórica de sociedades em


grupos étnicos distintos ou agrupamentos culturais arranjados de acordo com a
sua “cultura material”. Sua principal orientação é a teoria de um evolucionismo
cultural, a princípio aplaudido por antiquaristas, mas depois criticada pela
comunidade arqueológica especialmente no século 20.

Herdeira do nacionalismo do século XIX, a Arqueologia tem no modelo


histórico-cultural sua teoria mais difundida. A partir da noção de que cada nação
seria composta de um povo (grupo étnico, definido biologicamente), um território
delimitado e um cultura (entendida como língua e tradições sociais), formou-se o
conceito de cultura arqueológica. Esta seria um conjunto de artefatos semelhantes
de determinada época, e que representaria portanto, um povo, com uma cultura
definida e que ocupava um território demarcado. Este modelo está calcado em
suas origens filológicas e históricas, e surgiu no contexto da busca das origens
pré-históricas dos povos europeus, tendo surgido na Alemanha, com o linguista
e professor de arqueologia germânica Gustav Kossinna,14 e se generalizado
graças à genialidade de Vere Gordon Childe (1892-1957), um filólogo australiano
que se especializou em arqueologia. Childe retirou os pressupostos racistas do
modelo original e desenvolveu o conceito de cultura arqueológica, acoplando-o ao
evolucionismo materialista de origem marxista.

Os hindo-europeus eram raça pura que colonizaram várias partes. Mas em


algumas eles miscigenaram com povos locais o que causou a perda de sua pureza.
Já na Alemanha eles preservaram sua pureza original.

Colin Renfrew vai questionar isso nos anos 80 dizendo que o termo hindo-
europeu se referia a uma língua, mas não necessariamente a um povo exclusivo.
Ele critica o método de paleontologia linguística que buscava encontrar a origem
das línguas europeias.

Um artefato encontrado em determinado sítio, fazia concluir que aquele


grupo esteve ali. Os alemães eram povos criativos, outros povos não. Eram
apenas beneficiários da difusão de traços. Assim, por exemplo, o aparecimento da
agricultura em vários lugares fez pensarem no difusionismo.

Difusão de traços + miscigenação = formas de espalhar a cultura.

O modelo histórico-cultural parte do pressuposto que a cultura seja


homogênea e que as tradições passem de geração a geração. Desta forma, seria
possível tentar determinar os antepassados dos germanos ou dos guaranis. Este
modelo, ainda que tenha sofrido muitas críticas, como veremos, continuará a ser
o mais utilizado em Arqueologia, em suas múltiplas variantes e formas.

14 Este arqueólogo foi a base teórica e ideológica do nazismo. Ele quis identificar os
verdadeiros indo-europeus a partir de uma cultura arqueológica concreta: a cerâmica de
bandas, cujo núcleo se situaria entre a atual Polônia e o norte da Alemanha.
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18

Não há um receituário definido na abordagem histórico-cultural. Mesmo


Childe, apontado como estritamente histórico-culturalista foi com o tempo
assumindo outras perspectivas.

Quando traçamos uma retrospectiva das teorias, há a tendência de invalidar


certos autores ou perspectivas. Neste curso veremos como a arqueologia vai se
apropriando de técnicas e métodos de outras correntes. Já no século 19, por volta
de 1840, o arqueólogo escandinavo Worsaae dizia que a arqueologia só poderia
ser entendida em relação ao meio (paleo-ambiente) ao mesmo tempo, porém,
afirmava igualmente que a arqueologia só poderia ser entendida a partir da
interdisciplinaridade. Aliás, ele mesmo trabalhou com biólogos, geólogos, etc.
Isso em 1840!

Não se pode esquecer, no entanto, que o século 19 foi um momento de


profundas mudanças na Europa:

- Antiguidade do Homem, a arqueologia pré-histórica (os escandinavos de


Copenhagen [Dinamarca] são pioneiros) ajudou na arqueologia de países menores
da Europa, mas foi ignorada pelos antiquários da França e da Inglaterra (não
queriam ter como modelo um país periférico).

- Geologia – Charles Lyell (princípios de Geologia) argumentou a favor do


uniformitarismo. A nova forma de ver a história geológica colocou a questão da
antiguidade do homem.

- Revolução Industrial - Aceleração do desenvolvimento tecnológico, econômico


e comercial.

- Construções de obras públicas que trouxeram acidentalmente à luz antigos


artefatos.

- A polêmica entre o criacionismo e a recentemente desenvolvida teoria da


evolução humana. Esse debate esbarrava na questão da antiguidade do gênero
humano. Muitos começaram a supor que a vida era bem mais antiga do que dizia
a teologia da Igreja.

- O estudo de animais extintos e do chamado homem primitivo (segundo a


consideração evolucionista) começou a criar métodos próprios e a dialogar com
vários ramos do saber (Biologia, Geologia, Ciências naturais, astronomia etc.)

- A relação entre o estudo da natureza e o estudo do ser humano a partir e através


dos artefatos.

Houve então, uma primeira classificação (ainda utilizada hoje) sistematizada


pelo esforço de C. J. Thomsen. Antes dele, era clássica a definição de Hesíodo
encontrada no poema grego “Obras e Dias”, que definia a história como dividida
em cinco sucessivos períodos ou eras da humanidade: Ouro, Prata, Bronze, Ferro.
Mas apenas a era ou idade do Bronze e do Ferro eram baseadas no material
metálico usado pelos seres humanos.
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19

Hesíodo entendeu que a queda de valores de um metal para o outro também


significava uma degradação linear da humanidade. Lucrécio, porém, discordaria
da visão de Hesíodo apresentando que os seres humanos tinham uma tendência
natural para o progresso, para a evolução.

Thomsen, munido destes pressupostos divisórios e evolucionistas da


história, estava trabalhando como curador da seção de pré-história no museu
Nacional de Copanhagen na Dinamarca. Sua tarefa era organizar os artefatos
que estavam terrivelmente misturados. Ele então propôs classificá-los pelo tipo
e pelo material. Foi uma sugestão a princípio mais intuitiva e moldada pela linha
evolucionista. A princípio foram três grandes áreas: Idade da Pedra, Idade do
Bronze e Idade do Ferro.

Mais tarde, em 1865, Lubbock publicou o livro Prehistoric Times aonde


subdividiu a chamada pré-história em quatro sub-eras ficando assim o período:

I – Os artefatos de formato mais grosseiro seriam o período Paleolítico.

II – A pedra polida (mas sem traços de metal, a não ser ouro) seria o Neolítico.

III – A idade do Bronze marcou a inauguração da manufatura deste metal, usado


como armas e instrumentos de corte de todos os tipos.

IV – A idade do Ferro, que superou em muito a idade do Bronze.

Mais tarde, porém, vieram outras sugestões subdividindo o período lítico


em outras eras como Epipalelítico e o Complexo Mesolítico. A Idade do Bronze e
do Ferro saíram da pré-história.

Continuando, pois, a falar das transformações na Europa, a quantidade de


achados demandava outras formas mais específicas de classificação. Então veio a
estrutura artesanal ou a seriação e mais tarde a ideia de interpretar a arqueologia
a partir do ambiente. Hoje algumas abordagens arqueológicas criticam o estudo
do artefato pelo artefato, mas lembremos, a arqueologia antiga surgiu ligada ao
antiquariado e aumentou seu acervo graças às explorações políticas e construções
de estradas, etc.

Neste tempo a arqueologia se aproximou demasiadamente das ciências


humanas e da antropologia. Dizemos “demasiadamente” porque em meados do
século 19, a antropologia de então fora alavancada pela teoria de Darwin que
moldou o método num viés evolucionista.

Assim, uma Europa marcada pela diversidade de culturas e, ao mesmo


tempo doutrinada pela visão evolucionista, passou a entender que havia culturas
mais avançadas convivendo com outras culturas menos avançadas, e a hipotética
evolução humana foi a tentativa de explicar a origem destas culturas.
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A própria Europa, como era de se supor, tornou-se o padrão cultural para a


partir daí se classificar as culturas diferentes – a saber: aquelas que não atingiram
determinados graus na escala evolutiva. E por que não atingiram? Eis a questão!

Alguns autores trabalharam com a noção de tempo (culturas mais novas,


menos evoluídas) outros com a noção de centralidade e difusão (que a seguir
abordaremos).

Mas, no final do século 19 a euforia europeia começa a se deparar com


os problemas trazidos pela revolução industrial: desemprego, pobreza, iminência
de guerra. A euforia entra em ocaso. A própria perspectiva evolucionista começa
a ficar balanceada, pois a continuidade da história não parecia apontar para
constantes melhorias. Não se ia para melhor!

Começaram então a haver eventos de nacionalismo. Os territórios


conquistados por Napoleão e pela Inglaterra começaram a se rebelar buscando
sua independência. As diferenças são explicadas por heranças raciais (Kossinna).
A proposta era a de que os indo-europeus colonizaram várias partes, mas
algumas delas tiveram a problemática miscigenação entre o colonizador e o nativo
colonizado. Só os que ficaram na Alemanha preservaram sua pureza racial.

Assim a arqueologia entendeu que um artefato diagnosticado e encontrado


num determinado sítio, levaria à conclusão de que aquela raça esteve presente
ali (de passagem ou como colonizadora). Os alemães eram os mais criativos,
evidentemente, e os povos periféricos eram passivos receptores do centro. Em
outras palavras: os povos não criativos (ou menos evoluídos) eram beneficiados
pela difusão de traços. A conclusão final era a de que o aparecimento de uma
cultura em vários lugares (como por exemplo a agricultura, a roda e o fogo) não
ocorreu senão na forma de difusionismo. O difusionismo foi um método tipolótico
elaborado por Montelius a partir do refinamento do método de Thomsen.

O esquema seria: difusão de traços + migração = formas de espalhar a


cultura.

Até por volta de 1950 a arqueologia se mostrou centralizada na artefatologia


(termo criado pela arqueologia soviética):

Artefatologia

Cultura arqueológica → grupo étnico


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Ainda sobre o Difusionismo

Difusionismo – Se a insegurança da classe média da Europa Ocidental tinha


levado os darwinistas a abandonar a doutrina da unidade psíquica e ver os povos
nativos como biologicamente inferiores aos europeus, a insegurança ainda maior
da década de 1880 levou os intelectuais a alijar a doutrina do progresso e julgar os
seres humanos mais resistentes à mudança do que eles tinham sido considerados
antes da Ilustração. Ratzel rejeitou o conceito de unidade psíquica, as invenções
não puderam ter sido inventadas mais de uma vez, muito menos repetidas vezes.

A difusão criou áreas culturais. Ratzel foi seguido por Boas que introduziu
o conceito na América do Norte. Boas se opunha à doutrina do evolucionismo,
que sustentava que cada cultura era uma entidade étnica única que tinha de ser
entendida em seus próprios termos. Ele falava de relativismo cultural (que negava
a existência de um padrão universal de classificação da cultura em inferior ou
superior) e particularismo histórico (cada cultura é produto de uma sequência
única de desenvolvimento, na qual a difusão desempenha um papel fundamental).
Montelius: tipologia – descrição do objeto; seriação – série de tipos.

O método tipológico de Montelius foi um refinamento da abordagem


baseada na seriação de Thomsen. Ele subdividiu os períodos. Para ele, cultura é
um conjunto complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes
e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma
sociedade. Kossinna – para ele a cultura alemã foi superior à grega pois sobreviveu
e a grega não, a Alemanha era difusora de cultura. Para Kossinna uma cultura
inferior não consegue suportar a cultura superior (eles não têm cabeça para isso).
Dentro da Tese de Kosinna, os gregos eram arianos, houve uma interação racial
com a invasão. Kossinna fez uma abordagem histórica e não pré-histórica. Ele
chegou a dizer que o alfabeto teve origem não na Fenícia, mas na idade de Pedra
europeia.

Childe é difusionista, mas por ser marxista, admite mudanças dentro


da sociedade. Kossinna criou o conceito de cultura arqueológica e Childe o
aperfeiçoou como instrumento para qualquer arqueologia. Ele criou um modelo
único de evolução da cultura, inspirado, é claro, nas respostas marxistas. Ele fala
da revolução netolítica e revolução urbana (ele cria esses conceitos).

Em suma: o que é a arqueologia histórico-cultural? Ela descreve a cultura


a partir dos artefatos. A antropologia funcionalista dá um passo além, ela quer
entender como esses artefatos funcionam, como foram criados para atender
determinadas funções, como interagem entre si e em meio à sociedade.

É a arqueologia do registro (até mesmo Hodder – que estudaremos –


reconheceu a importância dela). Talvez o maior problema foi que a cultura
evolucionista criou na arqueologia a estratigrafia de povos – os que usam
instrumentos de pedra inferiores aos que usam instrumentos de bronze, etc...
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Mas a arqueologia histórico-cultural tem o seu valor? Claro que


sim, ela tem na sua base a preocupação com a contextualização histórica
dos achados e isso é um grande avanço. É o método de verificação
conjunta do tempo e espaço = cultura. O problema é que ela explica
teoricamente a mudança artefatual, infelizmente, apelando apenas
para o pensamento da época (migração, difusão). O entendimento
estreito dessa mudança é que foi criticado, pois eles achavam que essa
mudança só se justificava fora da cultura, pois ninguém muda sozinho.

Os britânicos, em função de sua atitude positiva no tocante às


influências externas, foram receptivos aos argumentos de Montelius
de que a Europa pré-histórica devia muito de seu desenvolvimento
cultural ao Oriente Próximo (ex Orientis Lux).

À medida que declinou o papel da Europa (e em particular da


Grã-Bretanha) novas concepções foram formuladas sobre pré-história,
negando Childe. Renfrew negou o modelo difusionista de Montelius.
As datas do radiocarbono e a metalurgia na Europa independente do
Oriente Próximo. O modo como surgiu o conceito de cultura nos EUA foi
independente.

A partir de 1914 a arqueologia Norte Americana tem um enfoque


maior na tipologia de artefatos e de culturas, e na elaboração de
cronologias culturais. Neste ínterim a vertente histórico-culturalista
amplia suas técnicas e métodos (seriação, estratigrafia, classificação)
os arqueólogos estão mais preocupados com processos históricos
do que com processos evolutivos. Contudo, o constante repúdio ao
histórico-culturalismo levou o conceito de difusão à uma não explicação.
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Arqueologia Marxista

Enquanto a Europa vivia naquela preocupação em organizar a documentação


cultural (o arranjo do mateial produzido por povos anônimos), a Revolução russa
explode contra o czarismo. Neste contexto, surge na União Soviética, vinte anos
depois da revolução uma nova teoria arqueológica. Aliás, a própria revolução russa
tornou-se um exemplo para a arqueologia marxista que passou a se preocupar
não mais com o artefato, mas com o assentamento grupal.

Por sua novidade metodológica, ela se tornou uma arqueologia de ponta,


mas ficou de certa forma desconhecida do mundo ocidental por causa da língua (o
russo) e da guerra fria. Mas note que eles já praticavam a arqueologia contextual
em torno do mar Negro. Ao invés de escavar templos e cidades, eles escavavam
grandes áreas, incluindo as de cultivo. E isso, em 1940. Eles entenderam melhor
a colonização grega que os demais pesquisadores europeus.

A preocupação da arqueologia russa era aplicar a visão materialista de


Marx a povos passados. Entender como funcionavam aquelas sociedades que
se foram. Esta era a evolução marxista proposta por Engels, mesclada pelo uso
positivo das ciências humanas.

Uma discussão atual é aonde encaixar no processo da história do método


arqueológico, a arqueologia marxista (ou de inspiração marxista)? Ela nasce
isolada e paralela às discussões histórico-culturalistas que dominavam a Europa.
Os marxistas usaram elementos que o processualismo só sistematizaria depois.

Usaram uma hipótese de evolucionismo unilinear cujo motor era


invariavelmente a luta de classes surgida numa sociedade desigual. Por
evolucionismo linear entenda o mesmo que o neo-evolucionismo apregoava
(Leslie White e J. Steward). Trata-se do estabelecimento teórico de uma antiga
relação entre materialismo histórico (marxismo) e materialismo cultural (neo-
evolucionismo). É uma relação antiga, que significa ver a história como o produto
das relações materiais necessárias para a sobrevivência dos indivíduos. O homem
tem de extrair sua sobrevivência do meio ambiente. Em virtude disso, eles
divulgavam um entendimento linear de evolução trabalhando com os conceitos de
bando, tribo, chefia e Estado.

Exemplo: um grupo sem estratificação social, sem uma hierarquia visível,


seria um bando. Mas quando esse grupo se torna responsável pela sobrevivência
diante de outro grupo, isso gera a necessidade de uma organização (uns caçam e
coletam, outros fazem cerâmica e cozinham). A sociedade resultante deste tipo
de organização já não é mais um bando, mas passa a ser uma tribo. Na fase da
chefia nasce a luta de classes e o que administra a produção gera mudanças na
cultura e na ideologia que sustenta a transformação. Aí temos o controle estatal
da produção (fase do Estado).
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Mas atenção: devemos separar aqui dois conjuntos de problemas:

a) A prática arqueológica= aqui houve um avanço que foi a perspectiva


regional das escavações em grandes extensões territoriais. Elas libertaram a
visão arqueológica do modelo extremamente preso à história da arte. O documento
arqueológico passou a ser o documento que valorizava a relação entre indivíduos.

b) A interpretação arqueológica = aqui a situação se complica pois


os arqueólogos soviéticos já tinham uma teoria pronta. Logo, dados que já têm
uma fundamentação teórica prévia e rígida podem levar à uma interpretação
mecanicista.

O método deles foi muito bom, por exemplo, para entender a Grécia. Seu
problema foi a interpretação. Eles tinham uma teoria materialista de sociedade já
pronta nos escritos de Marx, e quiseram impor essa teoria ao passado. Forçaram
a arqueologia à justificar empiricamente aquilo que eles já criam.

Para os arqueólogos de inspiração marxista, a mudança é o resultado


de um conflito. O conflito começaria no monopólio dos produtos trocados ou
bens de prestígio (escambo). Esta apropriação desigual dos bens de prestígio
(possuídos não por todos, mas por uma elite que permanecia no poder) é que
gerou os conflitos. Como funcionava esse esquema antropológico na arqueologia
marxista? Eles tiveram seu valor, a despeito da visão reducionista de sua proposta,
pois criticaram fortemente o modelo centrista de cultura. Mas caíram num outro
extremo: no modelo centro-periferia, o controle estava no centro, já no modelo
marxista tentou-se generalizar que a mudança ocorre sempre da periferia para o
centro (por causa da revolução social).

Eles tomavam como exemplo a Mesopotâmia. Ali, viu-se que os avanços


ocorreram na periferia dos centros urbanos e não no centro. O pensamento
marxista ainda continua forte hoje em dia. Ele quer que a arqueologia reflita mais
sobre a ideologia, pois é a ideologia que mascara a realidade.

Por isso fundou-se, por exemplo, a arqueologia cognitiva, que é uma


corrente atual que busca interpretar não o que o homem pensa, mas como funciona
a mente humana. Mais a frente veremos mais detalhes sobre isso.
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Nova Arqueologia ou Processualismo

Leslie White rejeitou o particularismo histórico, o reducionismo psicológico


e a crença no livre arbítrio inerentes à antropologia Boasiana. Em seu lugar,
propôs o conceito de evolução genética “O homem tende ao progresso”. Culturas
funcionam para tornar mais segura e duradoura a vida humana, (mais tarde ele
rejeitará esse conceito alegando que as culturas surgiram para servir às suas
próprias necessidades). Cultura = energia x tecnologia (C=E x T). Julian Steward
foi mais empírico, trabalhou com cultura comparada e criou o conceito de núcleo
cultural (formado por elementos similares entre culturas que têm relação mais
próxima com as atividades de subsistência).

No histórico culturalismo a ênfase estava no homem ativo em relação ao


ambiente, aqui o homem passivo. O comportamento humano é moldado, em maior
ou menor grau, por forças não humanas.

No contexto da Arqueologia antropológica norte-americana, surgiu um


movimento, na década de 1960, que se autodenominava New Archaeology ou
Arqueologia Processual, capitaneada por Lewis Binford. Surgiu no contexto da
Guerra Fria e teve seu ápice nos anos 70.

Começou-se com o grito de guerra de que “a Arqueologia é Antropologia ou


não é nada”, em claro desafio ao caráter histórico da Arqueologia histórico-cultural.
A História estaria em busca dos eventos e das culturas singulares, enquanto a
Antropologia americana ressaltava que haveria regularidades no comportamento
humano. Buscavam-se, pois, leis transculturais de comportamento. Partia-se do
pressuposto que os homens maximizam os resultados e minimizam os custos,
em qualquer época e lugar. Assim, estudar o assentamento humano há dez mil
anos na Mesopotâmia ou na China deveria partir dos mesmos pressupostos, e
pouco importavam as características históricas específicas. A Arqueologia
processual refletia bem uma visão capitalista do passado humano, privilegiando
uma interpretação materialista pouco preocupada com as diversidades culturais.
Surgida no contexto da Guerra Fria e tendo atingido seu ápice na década de 1970,
ela continua bastante difundida, ainda que nunca tenha conseguido suplantar, em
popularidade acadêmica, o modelo histórico-cultural.

A discussão alavancada pelo histórico culturalismo girava em torno da


definição de culturas arqueológicas. Mas desbancou-se com o tempo a tendência
evolucionista de ver nos artefatos “estágios” da evolução humana (fim do século 19).
Criticou-se aquela definição de cultura arqueológica a partir do estabelecimento
de conjuntos artefatuais que recorrentemente apareceriam em diferentes lugares
e diferentes culturas.

Além do abandono dos estágios de desenvolvimento, viu-se que nem sempre


era possível rastrear a cultura pelos traços artefatuais. A difusão, apesar de ser
um conceito clássico, não se encaixava bem na explicação de todos os fenômenos
encontrados em campo.
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Para Binford (1960) a cultura material estaria inserida num sistema. O


objetivo da arqueologia seria o mesmo tradicionalmente consignado à antropologia:
explicar o amplo espectro de semelhanças e diferenças no comportamento
cultural. As culturas seriam meios humanos extrassomáticos de adaptação. As
culturas não são internamente homogêneas. Os artefatos não podem ser traços
comparáveis e equiparáveis. Até a publicação do artigo de Binford (archaeology
as antropology” ), pensava-se na arqueologia como sub-ciência da antropologia.
Ele defende que a arqueologia tem métodos próprios. O arqueólogo interpreta o
homem antigo dentro de um ambiente sistêmico. Binford dizia que os arqueólogos
deveriam ser treinados como etnólogos. Somente estudando situações vivas,
em que os comportamentos e ideias podem ser observados em conjunção com
a cultura material, seria possível estabelecer correlações úteis para inferir do
registro arqueológico, de modo confiável, comportamento social e ideologia.
Binford usava o hoje para ler o passado.

Childe havia proposto a teoria do Mosaico de Culturas para explicar a


pré e proto-história europeia. O paradigma focado na cultura material e não no
desenvolvimento hipotético dela. Foi um trabalho catalográfico minucioso com o
objetivo de propor cronologias relativas.

Trigger apontará que o fracasso dessa abordagem estaria na negligência


às mudanças internas da cultura. A visão sistêmica de que praticamente não
havia mudanças, que as alterações sempre vinham de fora. Childe percebeu isso
e em seus últimos escritos e tentou ver a cultura como um sistema de interação
homem/meio.

Os arqueólogos americanos procuraram responder a pergunta: “Como


entender um artefato que foi tão modificado?”, a proposta de Binford foi: avaliar
as culturas atuais que ainda usam esses artefatos. É a chamada teoria do alcance
médio que Binford usou para investigar os processos de formação do registo
arqueológico, visando conhecer os elementos dos sistemas do passado que
formaram os padrões que se observam arqueologicamente.

Para Lewis Binford, “a arqueologia é antropologia ou não é nada”. A História


estaria em busca dos eventos e das culturas singulares, enquanto a Antropologia
americana ressaltava que haveria regularidades no comportamento humano.
Buscavam-se, pois, leis transculturais de comportamento. Similaridades por
regularidades e não ancestralidades. Partia-se do pressuposto que os homens
maximizam os resultados e minimizam os custos, em qualquer época e lugar.

Flannery14 nos dá uma série de exemplos da diferença entre uma e outra


abordagem:

14 FLANNERY, Kent V., Culture History v. Cultural Process: A debate in American.


Archaeology.
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Histórico-cultural Processualismo
A divulgação de ideias/culturas Um povo não precisa viajar para
se dá pela migração e difusão difundir cultura, basta que sua
“ideia” viaje. As “normas” de uma
cultura podem ser transmitidas à
outra cultura, longas distâncias,
causando mudança nos artefatos,
sem necessária migração.
A divulgação é feita através de um Sua preocupação não está com o
caminho (rotas de difusão) desde índio, nem com o artefato, mas com
um centro de origem até outro o sistema por detrás do índio e do
lugar, passando por filtragens artefato.
cognitivas de aceitação ou rejeição
que podem causar mudança no
artefato. Quanto mais distante do
“centro”, menos sofisticado se
torna o artefato.
“Analogia Etnográfica” – para uns “Analogia Etnográfica” – utilizando
era a análise e descrição de uma diferentes grupos étnicos, buscam
estrutura comportamental pré- construir modelos para predizer e
histórica, buscando na literatura interpretar os restos arqueológicos
etnográfica o grupo ao qual aquele deixados por determinado grupo.
comportamento se assemelha.
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O autor termina apontando que o debate ainda estava em alta quanto as


abordagens a serem utilizadas, e até previa que os EUA montaria um outro modo
de compreender os artefatos arqueológicos. Afinal, ele conclui, os teóricos (aqui ele
se refere mais aos processualistas) não estão preocupados com verdades absolutas
e inquestionáveis, mas com a interpretação dos dados que hoje têm em mãos. Se
amanhã alguém discordar disso ou apresentar novas evidências que conduzam para
novas conclusões, não haverá problema algum, pois a história do método científico foi
sempre assim.

Pós-processualismo - A partir da década de 1980, começaram a surgir críticas


mais contundentes ao processualismo. Nas Ciências Humanas, em geral, difundia-se o
pós-modernismo e as críticas à ideia de verdade científica. A partir da noção de que as
ciências são construções discursivas, inseridas em contextos sociais, desmontou-se a
lógica do processualismo: os homens não foram sempre e em toda parte capitalistas!
Alguns, como Ian Hodder, começaram a ressaltar que havia uma dimensão simbólica
na cultura que não podia ser deixada de lado, já no início da década de 1980. Mas
foi a publicação de Re-Constructing Archaeology, por Michael Shanks e Christopher
Tilley, em 1987, que marcou o processo de reconstrução da Arqueologia. Os autores
uniram as vertentes filológicas, históricas e filosóficas da crítica social às reflexões da
Antropologia contextual, em um ataque devastador aos pressupostos histórico-culturais
e processuais, caracterizados como discursos a serviço das potências imperialistas e
da exploração. Já antes disso, Bruce G. Trigger constatava que a New Archaeology era
uma forma de Arqueologia imperialista. A Arqueologia pós-processual ou contextual
introduziu, de forma explícita, a dimensão política da disciplina, sua importância na
luta dos povos pelo seu próprio passado e por seus direitos.

Um artigo de Hodder14 nos ajuda a entender o pós-processualimo:


Hodder se sustenta em quatro pilares argumentativos do pós-processualismo:

1) A necessária inclusão do indivíduo no processo de construção do registro


arqueológico. Inclui-se, é claro, a noção de variabilidade no mesmo contexto – algo não
considerado no sistema normativo (histórico-culturalismo).

2) A concepção de que estrutura e conceitos não são elementos inequívocos.


Existem diferenças importantes entre os tipos de estrutura social conforme
demonstraram os estudos da arqueologia marxista. Contudo, apesar das diferenças
básicas, existe um princípio organizativo, mas que não está necessariamente presente
na superfície, nem nas seriações, mas nas consequências ou efeitos resultantes de
forças que agem por detrás da evidência quantificável.

3) Existe a necessidade e a possibilidade de se reconstruir significados


subjetivos que estejam no passado. O símbolo do ontem pode ser verificado e
sistematizado pelo trabalho da arqueologia. O passado leva o sujeito do presente a
um encontro consigo mesmo, desde que este reconheça e decodifique a linguagem
universal dos símbolos que, por sua vez, o ajudaram a compreender e ler os textos do
passado.

14 Shanks e Hodder, “processual, postprocessual and Interpretive Archaeologies.


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4) Deve-se vincular o sujeito e o objeto. Estes, aliás, nunca deveriam ser


teoricamente desvinculados. Em outras palavras, o arqueólogo não é um sujeito neutro, mas
um ser pensante/reflexivo envolvo por um contexto político, ideológico, sistêmico que o leva
a pensar dentro de certos parâmetros superiores a ele mesmo. O problema da arqueologia,
entende o autor, é que ela é delimitada pelos arqueólogos do stablishment que normatizam o
que é ou não arqueologia baseados, muitas vezes, em critérios questionáveis.

Na segunda parte do texto, o autor apresenta a arqueologia das minorias (arqueologia


indígena, feminina), para ele essas pesquisas muitas vezes marginalizadas pelos arqueólogos
do Stablishment, têm contribuições a oferecer e sua leitura é uma possibilidade a ser
conhecida. Pessoas que são naturais de uma cultura, terão uma visão da mesma diferente do
arqueólogo que observa a mesma cultura numa posição “extra-muros”.

Por fim, o autor termina com uma reflexão da teoria crítica, bastante pós-moderna e
relativista em seus conceitos de verdade científica e possibilidade de reconstrução unívoca do
passado. Para o autor, essa proposta pós-processual significaria a superação das dicotomias
estabelecidas entre o sujeito (arqueólogo pesquisador) e o objeto, entre o processo e a
estrutura, entre o ideal (símbolo) e o material.

A partir dos anos 1980, começam as críticas aos processualistas:

1) Eles tinham um conceito estreito que vinculava por de mais as culturas às


tecnologias adaptativas do homem.

2) O exagero de comparação antropológica das culturas deixava a história de lado.

3) A visão restrita de ciência arqueológica como sendo apenas uma ciência


positivista com argumentos construídos a partir do teste de teorias gerais com a documentação
disponível. A objetividade da documentação arqueológica.

4) A dimensão abstrata da cultura foi deixada de lado pelos processualistas.


Alguns pós-processualistas acham que a cultura é vista pelo processualismo de um modo
muito passivo. A cultura poderia ser vista de modo mais ativo. Ela pode mudar e não apenas
atender às necessidades do homem.

Na abordagem processualista, a cultura é vista como processos adaptativos de longa


duração, isto é questionado pela nova abordagem. A cultura é mais do que um grupo humano
sobrevivendo num determinado meio natural.

Os pós-processualistas lembravam que o simbolismo permeia a ação humana, exemplo:


o descarte de um material. A noção de lixo varia de uma cultura para outra. Um conceito tem
um significado específico em cada cultura, o sujo para um é limpo para o outro. Logo há um
significado variante por detrás de cada artefato. Hodder se destaca como teórico desta nova
abordagem.
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O abandono da história pelos processualistas foi algo considerado


desastroso. O significado do símbolo só pode ser aprendido no contexto histórico
específico em que ele foi gerado, um instrumento lítico numa cultura significa
uma coisa, noutra outra. Exemplo: na arqueologia do Mediterrâneo, o machado
duplo apareceu em vários lugares e momentos diferentes sempre representado
do mesmo jeito. Mas é difícil generalizar o seu significado. O significado só pode
ser entendido dentro de cada grupo específico. Exemplo é a cruz para os romanos,
para os cristãos, para os índios. Para o pós-processualista é importante entender
que a cultura só pode ser simbolicamente construída dentro de um contexto
histórico.

Um estudo de caso, para ilustrar o surgimento das arqueologias feminista,


indígena, negra, dos anos 90, é o achado de um cemitério de escravos do século
XVIII nos EUA. Ali havia 400 corpos enterrados fora da área urbana evidenciando
que no Norte também havia escravidão e racismo. Posteriormente, o cemitério
foi anulado pela ampliação da cidade, um completo descaso para com àqueles
mortos. Os negros que pesquisaram o local tiveram leituras diferentes dos
brancos.

Arqueologia Pública ou Public Archaeology - Foi neste contexto que


surgiu o World Archaeological Congress (Congresso Mundial de Arqueologia),
em 1986, congregando arqueólogos e outros estudiosos, assim como indígenas,
preocupados com as dimensões sociais da Arqueologia. Shanks e Tilley
constataram que o próprio nome da disciplina pode ser interpretado como o
“conhecimento do poder”, retomando um dos sentidos da palavra arque, em grego.
A partir da década de 1990, esse engajamento levou a um crescente dinamismo
da chamada Arqueologia Pública (Public Archaeology), entendida como toda a
pletora de implicações públicas da disciplina, do cuidado pelo patrimônio aos
direitos humanos.

A Arqueologia Pública propõe ações que visam divulgar e compartilhar


o conhecimento arqueológico com crianças, adultos, professores e diversos
públicos específicos. A partir dessas ações, podemos notar que os próprios
procedimentos da Arqueologia se encontram revisitados por essa interação com
indígenas, quilombolas, mulheres, crianças e demais interessados.

A Arqueologia Pública envolve campos como a Arqueologia Colaborativa,


comunitária, os estudos da cultura material e suas apropriações contemporâneas,
entre outros.
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31

Arqueologia Cognitiva14

A Arqueologia Cognitiva se baseia em fundamentos do estruturalismo com


uma orientação psicobiológica, pois busca definir os princípios psicobiológicos que
marcaram o desenvolvimento cognitivo da espécie humana (noção evolucionista).
Esse elemento deixa rastros na formação do registro arqueológico que
materializam a orientação simbólica da mente humana. Através deles é possível
descobrir regularidades que permitem uma comparação e/ou identificação de um
mesmo elemento em culturas diferentes.

Neste texto, vários pontos de vista sobre a arqueologia são oferecidos por
distintos autores. Um ponto de acordo em todos eles, é a dificuldade de se definir
de modo unânime o que é Arqueologia Cognitiva e quais as suas implicações ou
esferas de pesquisa.

Renfrew a define de modo simples como sendo a arqueologia da mente. Ele


também explica que essa “mente” envolve um estudo holístico do homem passado
e não apenas de parte de sua existência. As formas de desenvolvimento dependem
muito das características do meio ambiente (culturais, sociais, demográficas,
linguísticas etc.), o que explica o enorme leque de condutas humanas que vemos
na história.

Renfrew reconhece os que são céticos em relação à possibilidade de se


pesquisar arqueologicamente os “significados” em um dado contexto ou os
símbolos individuais. O escopo da arqueologia cognitiva, a seu ver, é vasto e pode
ser melhor compreendido se dividirmos o estudo humano em pré-sapiente e
sapiente. Otimista, ele acena para uma metodologia arqueológica que dê conta do
simbólico.

Christopher S. Peebles citando uma frase de Cristo (ele não menciona


Cristo, mas o ditado que leu em La Harpe), lembra que “se pelos frutos os
conhecereis”, logo, os frutos deixados pelos homens permitem conhecer os
homens, e esses frutos são a cultura material remanescente. Para ele, ao olhar
para artefatos passados (dentro, é claro, de um contexto), pode-se legitimamente
perguntar: o que seus frutos nos dizem de suas capacidades cognitivas, e que
conhecimento eles produziram para lidar com o ambiente cultural e natural ao
que foram expostos?

Ele então lembra os três mundos da realidade mencionados na posição


metafísica de K. Popper: 1) a coleção de seres que compõem a matéria viva e não
viva; 2) o mundo do sentidos; 3) o mundo do conhecimento objetivo (que contém a
linguagem e as representações humanas – a cultura humana, se preferirem).

Peebles então, desenvolve esses elementos e sugere que uma arqueologia


cognitiva só será completa se abarcar esses três mundos com seus respectivos
significados, e não apenas a parte de um deles (a saber o número 3).

14 Baseado em V.V.A.A., What is Cognitive Archaeology?


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Hodder apresenta sua contribuição de um modo mais historiográfico,


ou seja, ele apresenta um breve histórico da arqueologia cognitiva desde seus
primeiros conceitos (evidenciando, é claro, a falta de consenso reinante) até
argumentar sua proposta. Para ele existem três tipos ou áreas de cognição em
arqueologia que precisam ter, em cada uma, um inseparável significado social.
São eles: as similaridades linguísticas, as ocupações pragmáticas e o modo como
os arqueólogos pensam o passado.

Flannery e Marcus também apresentam um histórico do problema


procurando sugerir a definição de arqueologia cognitiva como sendo “o estudo
de todos os aspectos da antiga cultura que sejam produto da mente humana:
a percepção, descrição e classificação do universo (cosmologia); a natureza do
sobrenatural (religião); os princípios, filosofias, éticas e valores pelos quais
a sociedade humana é governada (ideologia); os modos nos quais os aspectos
do mundo, do sobrenatural e dos valores humanos são convertidos em arte
(iconografia) e, finalmente, outras formas de comportamento intelectual e
simbólico humano que sobrevivem no registro arqueológico.”

Hoje - A partir do final da década de 1990, há um crescente pluralismo


interpretativo na Arqueologia. Os modelos fundados no histórico-culturalismo
continuam muito difundidos, tanto por serem os que mais cedo surgiram e terem
continuado a desenvolver-se, como por responderem à inquietações históricas
concretas, como é o caso da busca das origens pré-históricas de povos como os
tupis ou os guaranis. A partir da década de 1960, uma vertente histórico-cultural
importante em certos países latino-americanos foi a Arqueologia Social Latino-
Americana, teoria fundada em Childe e que se aplicou bem à reconstrução das
grandes civilizações pré-colombianas, como a maia, inca e asteca, que estariam
na base das modernas nacionalidades de países com forte presença indígena,
como o México e o Peru.

O processualismo, por sua parte, continua importante, em particular por


fornecer esquemas interpretativos aplicáveis a qualquer contexto histórico.
Assim, o estudo da captação de recursos e dos padrões de assentamento têm
se beneficiado das ferramentas interpretativas da New Archaeology, sendo seus
métodos mais usados em certos países, como na Europa Oriental ou na Argentina,
ou em determinadas instituições de pesquisa. A Arqueologia contextual (ou pós-
processual), em suas mais variadas manifestações, tornou-se conhecida em
toda parte e assumiu a vanguarda em países como a Inglaterra, e em diversas
instituições pelo mundo afora, em primeiro lugar no mundo anglo-saxão, mas
também alhures. A convivência de diferentes e, às vezes, contraditórias teorias
em Arqueologia, constitui uma salutar característica da disciplina na atualidade.
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Estudo de caso
Os sambaquis

Fichamento do livro Madu Gaspar – Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro.

Atualmente, o campo de estudo da Arqueologia não está mais demarcado pelo


surgimento da escrita, tendo se voltado também para a análise de sociedades históricas.

No Brasil, inclui em seus temas de interesse, aspectos do modo de vida da corte


portuguesa no Rio de Janeiro, a vida nos quilombos e nas aldeias indígenas. Incorpora
desde fontes escritas e de tradição oral, até dados provenientes da cultura material.

Mas o investimento maior no Brasil é com a pré-história. Na época do império


Peter Wilherlm Lund (1801-1880) em Lagoa Santa – a co-existência de ocupação
humana com fauna extinta. Inaugurou a arqueologia no Brasil. Desde quando? Aí vem o
debate para alguns: há gente aqui desde 40 mil anos, para outros, apenas 12 mil anos.

Os pescadores e coletores se instalaram na faixa litorânea por volta de 6;500 BP


o sambaqui é o principal vestígio deles.

Tampa = concha Ki = amontoados. Veja a capacidade de observação e síntese dos


falantes do Tupi. Mais de 30 metros de altura.

Sambaquis são basicamente amontoados de restos faunísticos como conchas,


ossos de peixe e mamíferos. Ocorrem também frutos e sementes. Determinadas áreas
são dedicadas a ritual funerário (sepultamentos de homens, mulheres e crianças). Tem
ainda artefatos de pedra e de ossos, marcas de escava, manchas de fogueira – uma
intrincada estratigrafia.

Ideias anteriores:
a) Formação natural como os concheiros.
b) Local de descarte de restos de cozinha – bando de coletores.
c) Resultado de um trabalho ordenado e social que tinha, dentre outras
coisas, o objetivo de construir um imponente marco paisagístico.
d) Corrente mista.

1870 -1930 – efervescência – descoberta dos achados de Lagoa Santa, os


sambaquis do sul do país e as culturas do baixo amazonas. A questão era: os sambaquis
são naturais ou artificiais?

Naturais – Recuo do mar e restos de naufrágios.

A indolência atribuída aos índios levou a crer que os sambaquis não poderiam
ser naturais. Era a preguiça dos nativos que os fazia acumular restos de comida. O
imperador D. Pedro II acompanhou escavações em São Vicente.
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Ladislau Neto enviou grupos ao sul que reforçaram a tese do artificialismo.


Antes pensou-se no dilúvio para explicar as conchas longe do mar (os sambaquis
seria o ralo do mundo).

Artificialistas se dividem: sambaquis como cemitério ou como moradia


(restos de comida).

Histórico culturalismo – desde o Império até à I Guerra, o estudo do


sambaqui era dominado pela noção de raça – posteriormente descartada como
categoria científica, mas que naquele tempo foi plenamente incorporada pela
arqueologia e antropologia brasileira.

Aí falou-se da categoria: “homem de Lagoa Santa”, “homem do sambaqui”


e Botocudos (índios levados para exposição da Europa no final do século 19).

Resultado= uma produção extremamente descritiva, voltada para a


caracterização de tipos humanos). Hoje troca-se esse tema pelo enfoque no
“modo de vida” de grupos pré-históricos e genética de populações antigas.

Até 1950 a pesquisa dos sambaquis era feita de trabalhos pontuais que não
permitiam o entendimento da ocupação litorânea.

1956 – Pronapa – Clifford Evans e Batty Meggers.

1973 – Missão Franco Brasileira de Anette Lamming Emperaire.

Até 1980 a preocupação da arqueologia brasileira foi estabelecer mudanças


culturais através do tempo, criando fases e tradições (seriação). As mudanças
observadas nos artefatos e na composição faunística das camadas foram
interpretadas como evidência da diversidade cultural associada às ocupações.

Por outro lado, outras pesquisas isoladas começaram a enfocar a ordenação


espacial de estruturas internas do sítio, disposição das fogueiras, marcas de
cabanas e de sepultamentos aplicando-se ensinamentos da escola francesa.

Congresso de 1995 na USP – teorias e métodos – pela primeira vez,


arqueólogos estrangeiros vieram para aprender e compartilhar.

Atualmente, alguns trabalhadores enfocam conjuntos de sítios, buscando


conhecer a articulação das unidades e sua devida caracterização, dado que sítios
próximos estiveram ativos concomitantemente. Trata-se da complementaridade
entre eles. A ideia é que os sítios isolados não têm significado sociológico e o
conjunto de sambaquis é a unidade mínima de ocupação no litoral. É um salto
qualitativo na pesquisa, pois embora se soubesse que trocas eram recorrentes na
pré-história, e até mesmo estruturas de vida cotidiana, insistia-se em tratar os
sambaquis como se estivessem flutuando no tempo e no espaço. Neste sentido,
embora muita atenção tenha sido dada ao estudo da dieta, pouco foi escrito sobre
as relações econômicas, unidades de produção e relações de trocas.
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As pesquisas sobre sistema de assentamento inauguram uma vertente


pouco explorada, mas que deverá fornecer explicações inteligíveis para a
variedade de sítios encontrados no litoral brasileiro. Discutem-se, ganha força a
vertente artificialista, a migração e ocupação do litoral brasileiro. Retomada da
corrente mista = após o abandono, o local passou por inúmeros processos naturais
e culturais que modelaram a feição natural. Após a saída dos sambaquieiros
vieram os horticultores, colonizadores, etc.

Com o tempo, os sambaquis foram minerados para o fabrico de cal e


pavimentação de estradas.

Página 34 – inspirada no estudo de Marcel Mauss (1974) sobre as sociedades


dos esquimós, a autora deduziu que o caminho para entender a sociedade dos
sambaquis era a “individualidade coletiva”. Os sambaquieiros eram unidos (não
há vestígios contemporâneos de outras civilizações pré-históricas). Como o
espaço é um espectro estruturador da vida em sociedade, que existe uma estreita
relação entre uma coisa e o lugar onde está situada, o lugar é, em si mesmo,
parte de seu objeto.

A rotina que criou os primeiros montículos não foi rígida, como supõe
a prática idealizada pela sociedade moderna. Veja, por que eles levariam os
mariscos com casca ao invés de levar apenas a carne? Catadoras de berbigão da
Praia do Sonho e da Passagem da Barra em SC, usam conchas de berbigão para
elevar o piso de seus terrenos, pavimentar buracos na rua – as cascas recebem
o destino ditado pelos costumes sociais da população atual. Se os sambaquieiros
tinham esse costume, nada justificaria que continuassem a aterrá-los para até 30
metros.

Não cabe aqui discutir os eventos que ocorrem em outros países. Também
não há dados suficientes para estabelecer correlações entre os sítios do sul e do
norte do Brasil. No entanto, é necessário assinalar que, em termos estruturais, um
mesmo conjunto de regras estava operando nos diversos sambaquis brasileiros.
Esse conjunto de normas ditava que os restos faunísticos deviam ser acumulados,
que ali era o espaço dos mortos e, na maioria dos casos, também o espaço da
moradia.

Pós processualismo – A cultura deve ser pensada como entidade dinâmica


e sempre em mudança. Grupos sociais devem sempre ter entrado em contato
com outros tipos de relação, sem necessariamente mudar seus costumes sociais
de uma maneira significativa.

Com essa proposta, estou sugerindo uma certa ruptura com o esquema
de análises adotado desde os primeiros estudos de sambaquis, na pré-história
brasileira. Considero que traços culturais podem variar no tempo e no espaço,
como de fato variam, sem que isso afete a identidade social do grupo. Essa
perspectiva percebe a cultura como algo essencialmente dinâmico e perfeitamente
reelaborado.

Organização social: bando, tribo, chefia?


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A organização social trata da relação entre as pessoas, do acesso


diferenciado a bens e informações, do tamanho e dos limites dos grupos humanos.
Há uma forte tradição nas ciências sociais em investigar semelhanças, comparar
sociedade e estudar as transformações das organizações sociais.

Iniciada no final do século 19 por Tylor e Morgan e retomada no final da


década de 50 e início dos 60 por Leslie White, Julian Steward, etc., essa tradição
foi incorporada definitivamente pela arqueologia.

O neoevolucionismo delineou o estudo da mudança social na arqueologia,


e pode-se dizer que foi a adesão a esta corrente de pensamento que levou a
disciplina a realizar inferências sociais. A ampla aceitação dos esquemas neo-
evolucionistas se deveu, em parte, ao tato de que estes se apoiavam em estágios
tipologizados, os quais mantinham certa afinidade com a base de ordenação dos
dados arqueológicos desde a criação das três idades sucessivas (pedra, bronze e
ferro) proposto por Thomsem no começo do século 19.

O sistema de classificação das sociedades proposto por Service, as ordenou


em bando, tribo, Chefia e Estado (evoluindo de um estado a outro).

São inúmeras as críticas ao esquema evolucionista, os arqueólogos e


antropólogos sempre acham organizações sociais que não se adequam aos
esquemas propostos. Os problemas encontrados pelas pesquisas etnográficas
para encaixar a diversidade de sociedades em pequeno número de tipos, foi um
dos pontos de partida para as críticas ao pensamento tipológico. Questiona-
se também a ideia de evolução fortemente apoiada na noção de progresso. Ao
contrário do que propõe o pensamento tipológico, é possível que um tipo de
sociedade nunca chegue ao subsequente, não podendo, portanto, ser considerada
um “estágio” na trajetória de sociedades que realmente evoluíram em direção ao
Estado.

São abundantes os casos-limite, são tantas as exceções, que cabe perguntar


por que o sistema de classificação proposto pelos neo-evolucionistas é ainda um
modelo que estrutura o pensamento arqueológico.

Na verdade, os tipos ideais propostos por Elman R. Service, fornecem um


código que permite discutir diversidade cultural e estabelecer comparações entre
sociedades distintas.

Conclusões:

O ritual diferenciado com grande variabilidade de sepultamento, pode


indicar a presença de hierarquia e herança (há jovens e crianças sepultados com
requinte).

Pelas esculturas em pedra e osso indica-se a presença local de artesãos


especializados nesta função.

O sistema rígido de confecção de esculturas indica algum tipo de organização


supra-comunal.
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É difícil saber se havia controle da força de trabalho por uma elite. Os


sambaquis foram construídos ao longo de muitas gerações.

Definitivamente foi-se aquela imagem da arqueologia antiga que


interpretava os sambaquieiros como um bando simples de coletores em busca de
moluscos, tentando escapar da fome. Eles eram uma sociedade complexa.

Datação de artefatos e técnicas de escavação

As técnicas de escavação transformaram-se com o decorrer do tempo


tendo em vista os diferentes objetivos a que se opunham os arqueólogos. Podem
delimitar-se três grandes fases caracterizadas por preocupações e ênfases
científicas diversas: (1) predomínio da preocupação com a superposição de
níveis de ocupação e com a datação relativa dos artefatos (2) estudo e registro
dos estratos (3) escavação de amplas superfícies, preocupada com o estudo do
funcionamento da sociedade que ali viveu.

Desenterramento: livrar da terra grandes estruturas fixas, como muros,


colunas, pavimentos e assim por diante. E recuperar, na medida do possível,
integralmente objetos preciosos. Diretor e trabalhadores contratados para
escavar. A arqueologia do desenterramento apresenta-se como uma prática de
campo, direta e imediatamente ligada à satisfação das necessidades econômicas
e ideológicas de determinados grupos sociais. Turismo arqueológico, emprego de
mão de obra barata, etc.
Escavação estratigráfica: disposição horizontal e vertical.

Três leis: (1) o de baixo é mais antigo (2) estratos formados sob pressão da
água possuem superfície horizontal (3) todo o depósito forma uma continuidade
imaginária, uma unidade integral sem sem margens expostas e que estas são o
resultado de erosão ou do deslocamento do depósito.

Escavação de unidades sociológicas: em vez de profundidade, amplas


superfícies escavadas.

Existem diferentes técnicas de escavação, e a escolha irá depender tanto


das características do sítio, como dos objetivos da pesquisa. De modo geral,
podem ser divididas em:

Escavações que buscam analisar as mudanças que ocorreram entre as


ocupações humanas, ao longo do tempo (também chamada de estratégia vertical).
A atenção está voltada, aqui, ao estudo da estratigrafia, e não é necessário abrir
grandes áreas de escavação. São as pequenas fatias do bolo exibindo desde a
cobertura até o recheio mais profundo.

Escavações que objetivam entender formas de ocupação do espaço,


recuperando as atividades realizadas no sítio por um determinado grupo (ou
estratégia horizontal). Neste caso, é aberta uma extensa área de escavação, onde
é possível reconhecer a estrutura e o uso que aquele espaço teve, no passado:
a área de cozinha, a área de lascamento, a área de enterramento de mortos, e
assim por diante.
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A partir daí, é possível reconhecer atividades e comportamentos


relacionados ao cotidiano daquele grupo de pessoas. De volta ao bolo, seria como
retirar a cobertura até deixar a camada de massa toda exposta, pronta para ser
analisada.

Muitas vezes os arqueólogos combinam estas duas estratégias,


promovendo escavações que forneçam informações tanto no plano vertical quanto
no horizontal.

É de praxe, ainda, que o arqueólogo deixe no sítio uma porção intacta, sem
ser escavada. É chamada de área-testemunho. Estará, assim, permitindo uma
retomada das pesquisas no futuro, a partir de novas abordagens e talvez dispondo
de tecnologias mais avançadas. Isto porque, muito antes de ser pesquisador, o
arqueólogo é um cientista voltado à preservação da herança cultural humana.
Deve partilhar o bolo com todos!

As técnicas de escavação transformaram-se com o decorrer do tempo


tendo em vista os diferentes objetivos a que se punham os arqueólogos. Podem
delimitar-se três grandes fases caracterizadas por preocupações e ênfases
científicas diversas: (1) predomínio da preocupação com a superposição de
níveis de ocupação e com a datação relativa dos artefatos (2) estudo e registro
dos estratos (3) escavação de amplas superfícies preocupada com o estudo do
funcionamento da sociedade que ali viveu.

Desenterramento: livrar da terra grandes estruturas fixas, como muros, colunas,


pavimentos e assim por diante e recuperar, na medida do possível, integralmente
objetos preciosos. Diretor e trabalhadores contratados para escavar.

A arqueologia do desenterramento apresenta-se como uma prática de campo,


direta e imediatamente ligada à satisfação das necessidades econômicas e
ideológicas de determinados grupos sociais. Turismo arqueológico, emprego de
mão de obra barata, etc.

Escavação estratigráfica: disposição horizontal e vertical. Três leis: (1) o de baixo


é mais antigo (2) estratos formados sob pressão da água possuem superfície
horizontal (3) todo o depósito forma uma continuidade imaginária, uma unidade
integral sem margens expostas e que estas são o resultado de erosão ou do
deslocamento do depósito.

Escavação de unidades sociológicas: em vez de profundidade, amplas superfícies


escavadas.
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Desenterramento Escavação

Estruturas objetos Superposição Estratigrafia Unidades


preciosos de ocupações vertical sociológicas

Solos de Estratos fatos Estratos verticais


ocupação e arqueológicos e horizontais
cronologia História Ações humanas
relativa dos (sequência Cotidianidade
artefatos dos fatos) (sistema
sociocultural)
Trincheiras Quadrantes Quadrículas Seção cumulativa
Sondagem decapagem
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Resumo em forma de esquema

Histórico-cultural Processualismo ou Nova Pós processualismo –


Herdeira do nacionalismo arqueologia A partir de 1980
Expoentes: Gustav Expoente: Lewis Binford –com as críticas ao
Kossina (Alemanha) Máxima – “a arqueologia processualismo. Expoente
popularizado por Vere é antropologia ou não é - a publicação de Re-
Gordon Childe – que nada” - A História estaria
Constructing Archaeology,
retirou os pressupostos em busca dos eventos e por Michael Shanks e
racistas do modelo e das culturas singulares, Christopher Tilley, em
acoplou o marxismo enquanto a Antropologia 1987, que marcou o
evolucionista. americana ressaltava que processo de reconstrução
Cultura homogênea haveria regularidades no da Arqueologia. Os
passada de geração em comportamento humano. autores uniram as
geração. Permite saber Buscavam-se, pois, vertentes filológicas,
quem foram os ancestrais leis transculturais de históricas e filosóficas
dos alemães. comportamento. Surgiu da crítica social às
no contexto da guerra fria
reflexões da Antropologia
e teve seu ápice nos anosContextual, em um
70. ataque devastador aos
Similaridades por pressupostos histórico-
regularidades e não culturais e processuais,
ancestralidades. Partia- caracterizados como
se do pressuposto que os discursos a serviço das
homens maximizam os potências imperialistas
resultados e minimizam (estudo do arché - estudo
os custos, em qualquer do poder) e da exploração.
época e lugar. Já antes disso, Bruce
G. Trigger constatava
ATENÇÃO: Leslie White que a New Archaeology
e Julian Steward são era uma forma de
precursores (pois Arqueologia imperialista.
advogavam o neo- A Arqueologia pós-
evolucionismo – White processual ou contextual
trouxe a lei básica da introduziu, de forma
evolução, o determinismo explícita, a dimensão
tecnológico: política da disciplina, sua
importância na luta dos
povos pelo seu próprio
passado e por seus
direitos.
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Cultura = energia x Cultura – O meio ambiente


tecnologia (C=ExT) – é externo ao homem, logo
dizem que tem origem a cultura é uma questão
no marxismo, mas não de meios extrassomáticos,
tem nada a ver com isto é, cultura é tudo o
ele, exceto a orientação que é criado pelo homem
materialista genérica. inserido no meio ou na
Steward tinha um enfoque interação com o próprio
multilinear, ecológico e meio. Antropologia social
mais empírico, procurava – cultura como sistema
GERMÂNICOS as regularidades na adaptativo. Enfoque
comparação cultural. conjuntivo – sítios como
Cultura – Conjunto As similaridades unidades básicas de
complexo de crenças, formariam o “núcleo análise.
conhecimento, arte, cultural”. No histórico- Hodder Voltamos para um
moral, costumes, e outras culturalismo, a ênfase tipo específico de história”
capacidades e hábitos era no homem ativo em – processo, longa duração.
adquiridos pelo homem relação ao ambiente,
como membros de uma aqui é o homem passivo Cultura – é um sistema
sociedade. em relação ao ambiente. simbólico/código ou teia
O que diferencia os de significados. Não é um
Arqueologia – elemento enfoques materialistas elemento reflexivo passivo,
de legitimação (realmente da antropologia norte- existe a subjetividade.
somos indo-europeus) americana dos esquemas O signo é de significado
evolucionistas do século subjetivo compartilhado
Método – criação de corpus XIX é a concepção e interpretado dentro
documentais – produção de causalidade – o de um grupo. Contexto
de catálogos com pouca comportamento do arqueológico – realidade
interpretação e muita homem é moldado, em simbolicamente
compilação. Procuram grau maior ou menor, por construída não pode ser
fugir do evolucionismo, forças não humanas. generalizada. O contexto
mas acabam caindo nele arqueológico é sempre
ao fazer os catálogos. Aí entre o principal que particular. Mas a cultura
Difusionismo (migração era arqueólogo – Binford é relacional. Processo de
e difusão) caem na – citou a valorização da mudança é um processo
generalização. Um ecologia e dos padrões dialético das agências
centro particular e de assentamento como que cria outra coisa.
único que expande seus evidências de um novo O espaço é a divisão
traços culturais, que se interesse pelo processo de espaços. O padrão
degeneram. No artefato cultural. A cultura espacial dá significado
procuram a cultura. Um material está inserida aos espaços que são
exemplo disso no Brasil num sistema. Até o artigo somente funcionalistas.
– cultura de artefatos da de Binford (Archaeology Apropriação simbólica
tradição tupi-guarani. Era as Anthropology) a dos locais e construção de
bastante colecionista. O arqueologia era vista paisagem.
difusionismo é do centro como sub-ciência da
Contexto arqueológico –
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para a periferia – antropologia, ele definiu – para Binford é a


noção evolucionista. que a arqueologia tem área de atividade
Os hiperdifusionistas: métodos próprios. (etnoarqueologia), noção
Ellioth Smith e W. J. de comportamento –
Perry – “seres humanos Modelo de interpretação atenção para pontos como
são primitivos, voltam sistêmico – ideotécnico, “aqui era a sala”, “aqui
sempre à selvageria – sociotécnico – o homem era a cozinha” aonde
os progressos foram antigo dentro de um ocorriam as reuniões,
acidentes contrários ambiente sistêmico. ela complementa a
à natureza humana – Binford sugeriu que anterior. Palavra chave –
religião fator primordial a fim de estabelecer recorrência.
no desenvolvimento e na correlações, os
difusão. arqueólogos devem Método – coloca o
ser treinados como homem no ambiente
etnólogos. Somente e procura entender as
estudando culturas vivas, relações que o homem
em que comportamentos tem neste seu sub-
e ideias podem ser sistema – é a corrente
observados em conjunção estrutural funcionalista
com a cultura material, da antropologia (estrutura
seria possível estabelecer e função), se entender
correlações úteis para a parte, entendo o todo
inferir do registro – conheço a província,
arqueológico. conheço o mundo. Assim
estabelecem-se as regras,
inferências, padrões de
comportamento e de
assentamento.
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43

História do pensamento arqueológico: Linha do tempo (Trigger)

Mundo Antigo e Idade Média Mudanças e oportunidades


Motivações arqueológicas: curiosidade 1 – A Renascença (século XIV) mostrou
(especialmente quanto aos primórdios que a antiguidade clássica era muito
da criação do mundo), o mito escrito era diferente da vida social contemporânea.
interpretado como um enquadramento Refletindo o interesse dos nobres,
cronológico e uma informação sobre o queriam usar a história para justificar
passado que se tornou independente da inovações.
memória humana. Os iroqueses (índios
americanos) guardavam cachimbos de 2 – Segundo Trigger, Ciríaco de
pedra e ferramentas de cobre de antigos, Ancona Iciriaco de Pizzicolli, 1391-
e camponeses da Europa Medieval 1452 d.C.) foi considerado o primeiro
guardavam machados líticos (pedras de arqueólogo. Mercador italiano que
raio) e dardos de elfo que eram vendidos visitava a Grécia colecionando dados
a ourives para polir – cria-se que objetos acerca de monumentos antigos.
assim tinham origem sobrenatural. Copiou inscrições, fez desenhos
de monumentos, colecionou livros,
Segundo Trigger, não era bem uma moedas e obras de arte, e escreveu seis
arqueologia, mesmo que seja chamada de volumes descritivos com comentários.
“arqueologia indígena”, pois seria diluir
o significado da palavra para além dos 3 – Em 1587 em Marzhana, na Saxônia,
limites de sua utilidade. a primeira escavação europeia, que ao
Bel-Shati Nannar, filha de Nabonido, invés de buscar tesouros ou enriquecer
colecionou inscrições babilônicas antigas. coleções queria responder a uma
NÃO É POSSÍVEL DIZER QUE EXISTIU questão específica: se os vasos achados
ALGO SEMELHANTE A UMA DISCIPLINA nestas estruturas eram naturalmente
ARQUEOLÓGICA EM QUALQUER formados ou manufaturados.
DESSAS CIVILIZAÇÕES – não houve
desenvolvimento de técnicas específicas
para o resgate e estudo destes artefatos.

Paradigmas medievais:
1 – O mundo tinha origem sobrenatural
com poucos milhares de anos (Usher 4004
a.C.) agora estava no fim.

2 – O mundo físico e a humanidade estavam


em avançado estado de degenração
(decadência da criação original).
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3 – Literalidade da criação de Adão e


de Babel. Genealogias baseadas em
etimologias populares – Godos de
Gog (um dos netos de Noé), Brutus,
príncipe troiano, o primeiro rei da
britânia, José de Arimatéia leva o
Graal para a Britânia.

4 - Carlos Magno e Grederico


Barba Roxa colecionavam gemas
e moedas antigas, e imitavam a
escultura romana, mas não tinham
consciência de usar a cultura
material para estudar a história.
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Jerusalém ressurge do passado

Há duas verdades em relação à arqueologia que pouca gente


divulga, mas que são marca registrada desta ciência: a primeira é que
a arqueologia vive de fragmentos de história. Guerras, terremotos, ação
humana e ação do tempo fazem com que a maior parte do tesouro chamado
“antiguidade” desapareça sem deixar muitos traços de sua existência. Isso
pode decepcionar alguns, mas não deixa de ser uma tarefa empolgante o
achado de cada mínimo objeto que nos ajuda a recontar a história antiga.

A segunda verdade com respeito à essa ciência reside na ironia de que


muitos dos principais achados da terra santa resultaram de descobertas
acidentais feitas por leigos sem nenhuma pretensão arqueológica. Assim
foi com os manuscritos do Mar Morto, a inscrição de Siloé e, há poucos
dias, a menção hebraica do nome Jerusalém, escrito em hebraico há mais
de dois mil anos.

A inscrição foi encontrada numa coluna removida por trabalhadores


que escavavam um caminho perto de Binyanel Há’Uma a fim de construir
uma nova rodovia. A coluna era dos tempos do império romano e quando
perceberam que se tratava de algo bem antigo, chamaram os profissionais
do Departamento de Antiguidades de Israel para analisar o objeto.
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A princípio seria apenas mais uma coluna romana dentre várias encontradas
no país. Ela havia pertencido a algum edifício situado numa vila de oleiros judeus,
isto é, profissionais especializados em fazer vasos, ânforas, panelas, copos, etc.,
tanto de barro quanto de pedra por causa do costume de purificação dos judeus
bastante em voga nos dias de Herodes. Você certamente se lembra do episódio
nas bodas de Caná da Galileia, onde Jesus mandou que enchessem de água seis
talhas de pedra “que os judeus usavam para as purificações” (Jo 2:6). O ofício
desses vilarejos era justamente fabricar esse tipo de utensílio doméstico e eles
viveram exatamente nos dias de Jesus!

Havia, porém, algo inédito naquela coluna dos tempos romanos. Nela
havia uma inscrição hebraica de 2.000 anos que dizia: “Ananias, filho de Dodalos
de Jerusalém”. Esta é a mais antiga inscrição com o nome completo da cidade
(Yerushalayim) grafada exatamente como se escreve em hebraico até hoje. Antes
disso só conhecíamos inscrições do nome em aramaico (como as que aparecem
em algumas moedas antigas) ou na forma abreviada Shalem que seria a mesma
cidade do Rei Melquisedeque.

Sobre o autor da frase, Ananias, este era um nome judeu muito comum
nos tempos bíblicos. Vários homens são assim chamados na Bíblia Sagrada. Os
mais famosos seriam o marido de Safira mencionado no livro de Atos, um dos
companheiros de Daniel que sobreviveu à fornalha ardente de Nabucodonosor
e aquele senhor de Damasco que curou a cegueira de Paulo, batizando-o, muito
provavelmente logo em seguida (Atos 9:10).

Ananias resulta da junção de duas palavras hebraicas, hannah que quer


dizer “graça” e Yah que é a forma abreviada do nome sagrado de Deus YHWH. O
sentido, pois, seria algo como “Javé é misericordioso”.

Já o nome Dodalos, de quem esse Ananias aparece como filho, seria um


nome grego que alguns acreditam ser apenas forma de honrar Dédalos, o antigo
arquiteto grego que construiu, segundo a mitologia, o labirinto do Minotauro.
Eu particularmente não considero essa hipótese a mais provável. É fato que os
judeus estavam muito influenciados pela cultura grega, mas não a ponto de trocar
o nome de seu pai biológico numa inscrição pública por um nome fictício. A meu
ver trata-se realmente de um judeu chamado Ananias, provavelmente fabricante
de vasos de pedra ou de barro, e que era filho de um grego ou judeu helenista
chamado Dodalos. Só para lembrar, essa composição não era tão incomum se
lembrarmos que jovens como Tiago e o próprio João Marcos eram filhos de mãe
judia e pai grego ou romano.

Agora o ponto mais importante da inscrição, sem dúvida, é o nome


Jerusalém, grafado com as letras que todos reconheciam há dois mil anos e
que não mudou sua fonética hebraica até hoje. Num contexto de efervescência
mundial em torno de Israel, especialmente depois do anúncio de Trump sobre
transferir a embaixada americana para Jerusalém, esse achado pode ter grande
significado político.
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Contudo, para mim esse não é o sentido mais importante. E espero que o
primeiro não ofusque o brilho do segundo, que é o sentido espiritual. Nos tempos
greco-romanos era comum doadores e mecenas terem o direito de escrever em
colunas de um edifício (especialmente religioso) o seu nome, de sua família e do
Deus de sua devoção. Esse era um indicativo de que aquele cujo nome todos pode
ler na coluna, ajudou a edificar aquele santuário. Eu já vi várias dessas inscrições
em templos gregos e sinagogas dos tempos de Jesus.

Não sei precisamente se essa coluna fez parte de um santuário, de uma


sinagoga ou se seria levada como elemento votivo para o templo em Jerusalém.
Contudo, ela me traz à memória uma promessa apocalíptica que tenho como fra-
se de cabeceira em minha mente: “Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do
meu Deus, donde jamais sairá; escreverei sobre ele o nome do meu Deus e o
nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu da parte do
meu Deus, e também o meu novo nome. “ (Apoc. 2:12).

Não conheço nada mais acerca desse misterioso Ananias que deixou sua
inscrição nesta coluna. Mas sei o bastante acerca do seu gesto e o significado
simbólico que o Apocalipse imprime sobre este costume. Ao ver as imagens des-
sa coluna, peço a Deus que me dê o privilégio de ajudar a construir o reino de
Deus na terra, para que meu nome, junto ao nome de Cristo e da Nova Jerusalém,
estejam impressos nas colunas do Santuário Celestial. Que esta seja sua oração
também.

Novidades de Laquis

Laquis foi uma importante cidade dos tempos antigos, situada ao sul de Je-
rusalém e mencionada diversas vezes na Bíblia Sagrada. Do ponto de vista arque-
ológico, Laquis revela-se um sítio arqueológico bem escavado e um dos assen-
tamentos com maior numero de registros fora da Bíblia Sagrada. A combinação
dessas evidências bíblicas e não bíblicas tem oferecido um excelente diagnóstico
de seu contexto histórico, além de abrir interessantes hipóteses de como se de-
ram alguns eventos ocorridos nos tempos antigos e citados na Bíblia Sagrada.

As escavações ali foram retomadas há alguns anos pela universidade he-


braica de Jerusalém, sob o comando do prof. Yosef Garfinkel em cooperação com
a Universidade Adventista do Sul, que fica no Tenessee, estando à frente está o
professor e arqueólogo Michael Hasel.

Desde seu início até hoje, as escavações locais têm revelado que a cidade
tinha uma forte influência tanto da cultura cananeia quanto egípcia. Era, de fato,
um entreposto comercial entre Canaã e o Egito, e mais do que isso, um reino alia-
do aos egípcios que durante a 18ª dinastia ajudava a controlar o território a fim de
atender aos interesses de faraó.

Não é por menos, que Laquis aparece citada nas cartas de Amarna que
faziam parte do arquivo de correspondência do Egito com os seus reis vassalos e
governadores em Canaã no século 14 a.C. As cartas indicam que Laquis era uma
cidade grande e poderosa em Sefelá.
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Dentre os mais recentes artefatos escavados no assentamento, foram


encontrados fragmentos de um pingente com a imagem da deusa Hathor,
importante divindade egípcia; escaravelhos de pedra, uma inscrição fragmentada
do nome Ramsés II e pedaços de fragmentos de bronze com inscrições hieroglíficas.
Tudo isso coopera para o quadro até agora teorizado sobre as relações entre
Laquis e o Egito.

Nos tempos monárquicos, a cidade passou a pertencer a Judá e o rei Roboão


fortaleceu as suas muralhas (2Cr 11:9). Esse dado era desacreditado pelos críticos
da Bíblia, pelo fato de não ter sido encontrada nenhuma prova consubstancial de
que a cidade fosse amuralhada nos dias de Roboão. Porém, as escavações do
Prof. Garfinkel – com quem tive o privilégio de escavar em 1998 – revelaram a
existência de um grande muro datado por volta de 920 a.C. que é exatamente do
tempo de Roboão, conforme o relato bíblico.

O achado recente de um templo com imagens de Baal também tem uma


característica inédita que é sua arquitetura e sua semelhança com o que seria o
futuro templo de Jerusalém. A presença de imagens de Baal no recinto, mostram
quão antiga e espalhada era a adoração desse deus em Canaã e como teria sido
difícil para os filhos de Israel escaparem de sua idolatria.

Por fim, destaco ainda a presença fragmentada de uma inscrição proto-


canaanita entre os achados. São apenas algumas letras, mas que ajudam a
montar aos poucos o difícil quebra-cabeças que é sistematizar as origens da
escrita alfabética e sua presença no território siro-palestino compatível com os
tempos em que cremos, foram registrados os primeiros livros da Bíblia Sagrada.
Os insights são muitos e o debate está só começando.

Elihana bat Gael – de uma mulher de força num mundo patriarcal.

Sei que o título de meu artigo hoje deve ter levado muitos leitores a pensar
que contarei a história de alguma Elihana que superou o machismo de uma
sociedade para se firmar como mulher. Talvez alguns até pensem que se trata de
uma história moderna (do século 19 para cá) e até busquem na Internet alguma
informação sobre esta feminista, para pesquisarem tudo que for possível acerca
dela. Também estou consciente de que o tema do feminismo é bastante espinhoso
e atrai muitas críticas de todos os lados, principalmente se o autor for um homem
cuja teologia se pauta mais pelas linhas conservadoras do que as liberais.

Em primeiro lugar deixe-me dizer que não adianta buscar imagens de


Elihana. Esta mulher, descendente de Abraão, deve ter vivido há pelo menos 2.600
anos! Há quem diga que seria mais velha que isso. É a primeira vez em mais de
300 anos de escavações no Oriente Médio que seu nome “reapareceu” ou “foi
revelado” num pequeno objeto, sem o qual, nunca saberíamos de sua existência:
trata-se de um selo composto de pedras semi-preciosas e datado do período do
I Templo. Alguns pensam que seria dos dias de Jeoaquim, rei de Judá – na época
em que Nabucodonosor cercou Jerusalém. Outros são de opinião que poderia ser
de cem ou duzentos anos antes.
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O local do achado foi o Givati Parking Lot, um antigo estacionamento público


perto da Porta do Lixo em Jerusalém, que há quase uma década foi transformado
num sítio arqueológico com promessas de revelar muitas coisas interessantes da
história antiga de Israel. De fato, os trabalhos locais não decepcionaram. Estive lá
explicando o sítio para um grupo de brasileiros.

Para benefício de quem não conhece o procedimento de uma escavação,


devo dizer que as ruínas da antiguidade no Oriente Médio se acumulam uma
sobre a outra, como se fossem camadas de um bolo de aniversário. Guerras,
terremotos, abandono por diferentes causas, e a própria ação do tempo faz com
que um antigo assentamento (que vai desde uma vila até uma grande cidade)
se torne um monte de ruínas. Povos que chegam depois disso, reconstroem o
lugar, mas sem aquelas técnicas modernas de retirada de entulho ou eventuais
detritos que estejam ali depositados. Lembre-se que eles não tinham tratores,
retroescavadeiras ou caminhões. Portanto, embora métodos de terraplenagem
já fossem utilizados desde os tempos babilônicos e egípcios, o nivelamento de
um terreno era bem menos sofisticado que os vistos hoje em dia, e isso fazia com
que o nível do solo subisse a cada nova reocupação de um assentamento. Um
morador de Jerusalém dos tempos de Jesus não ficava preocupado em saber
quantos restos de construção anterior haveria debaixo do piso de sua casa.

Sendo assim, há lugares em que o nível atual do chão em que pisamos está
metros acima daquele que foi utilizado nos tempos de Cristo, por exemplo. Nisto
você pode ver quão ilusória é essa história da “via dolorosa” dentro da cidade
velha de Jerusalém. Jesus nunca pisou naquelas ruelas turísticas. A Jerusalém
de Jesus está muito abaixo disso.

Agora que você já sabe como funciona o processo, já está pronto para
entender que o primeiro dilema do arqueólogo é destruir antiguidade para achar
antiguidade, pois como os restos civilizatórios estão depositados em camadas,
o que está em cima é mais recente e o que está em baixo é mais antigo. Por
isso demora-se tanto no processo e só este ano o time de escavadores do Givati
Parking Lot chegaram ao nível do primeiro templo, isto é, da camada que contém
o contexto arqueológico da época em que o Templo de Salomão ainda funcionava
em Jerusalém. Foi neste contexto que o selo de Elihana foi encontrado.

Quando um objeto assim é encontrado numa escavação arqueológica, duas


tentações passam pela mente do que analisa o artefato e ambas são perigosas.
A primeira é descartar qualquer análise mais demorada sobre o objeto achando
que ele seria muito pouco para nos dizer algo real acerca do passado. A segunda
é construir detalhes demais de como seria o seu contexto, indo além daquilo que
o achado permite teorizar.

Evitando, portanto, ambos os extremos, posso dizer algumas coisas sobre


esse objeto tão singular que mede aproximadamente o tamanho do meu polegar.
A primeira delas é que ele ilustra a importância de um selo nos tempos antigos.
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Biblicamente falando, um selo tem o valor de ilustrar uma questão espiritual – a


propriedade de Deus. Por isso, o povo de Deus é selado em sua fronte (Ezequiel
9, Apocalipse 7). No Apocalipse, os 7 selos têm uma simbologia muito especial no
cronograma profético da história cristã.

Os selos na antiguidade eram uma espécie de carimbo com o qual


imprimia-se em alto relevo sobre um pedaço de cerâmica que servia de lacre
para fechar cartas e documentos importantes. Havia também o caso de um rei ou
um governador selar, isto é, fixar seu emblema em potes de comida armazenada
que seria distribuída ao povo em caso de necessidade extrema.

O local do achado deste selo de Elihana era um edifício administrativo em


uso na época dos Macabeus e talvez até antes disso (as próximas escavações
revelarão novos dados). Outros selos também foram descobertos ali, o que
reforça o fato de que os proprietários destes objetos eram cidadãos da elite de
Jerusalém.

Um selo geralmente traz o nome do proprietário, sua filiação e, menos


frequentemente, seu ofício no reino. Já encontraram por exemplo um selo que
dizia “Yehukal ben Selemyahu”, isto é, Jucal filho de Selemias, e outro que dizia
“Gedalyahu ben Pasur”, Gedalias filho de Pasur. Em ambos os casos a expressão
“filho de...” equivalia ao sobrenome do indivíduo e estes dois mencionados
figuram na Bíblia entre os opositores do profeta Jeremias que tramaram sua
prisão (Jeremias 38:1). Um outro selo, curiosamente anônimo, foi encontrado
pela Dra. Shlomit Weksler-Bdolah e trazia apenas a função do sujeito que era
a de “governador da cidade [de Jerusalém]”. Essa expressão aparece em 2 Reis
23:8 – quando Josué governava a capital nos dias do rei Ezequias – e 2 Crônicas
34:8, onde Maaséias era governador da cidade nos dias do rei Josias.
E quanto a Elihana? Sua função não é revelada, mas certamente ela tinha certo
prestígio oficial, senão seu selo não estaria “armazenado” num edifício público da
antiga cidade de Jerusalém. Selos geralmente ficavam o tempo todo com o dono e
após sua morte eram “arquivados” nestes setores públicos para que não caíssem
em mãos erradas, pois uma impressão indevida feita a partir de um selo pessoal
poderia resultar numa falsificação de assinatura num documento importante.

Note que, diferente dos homens da época, cujo sobrenome se dava mais
comumente pela ancestralidade (Jesus filho de Davi, Simão Bar Jonas), o
sobrenome de uma mulher se dava mais pela referência ao seu marido (Maria,
mulher de Clopas; Joana, mulher de Cuza). Havia outros casos, é claro, como
Maria Madalena que era conhecida pela cidade de sua procedência ou Lídia que
era conhecida pela sua profissão como vendedora de Púrpura. Estes, porém, não
eram a forma mais comum.

Neste caso específico o selo encontrado traz curiosamente o título “Elihana


bat Gael”, Eliana filha de Gael. Ou seja, aponta para sua filiação e não para o nome
de seu marido. Caso se trate de uma mulher casada – e este certamente era o
status de uma mulher bem sucedida na época – chama-me a atenção a forma
peculiar de seu sobrenome dado a partir de sua ancestralidade – assim como
Jesus que era solenemente chamado “filho [i.e. descendente] de Davi”.
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Reconheço que selos pertencentes a mulheres eram extremamente raros


nos tempos bíblicos. A fração do que encontramos é muito pequena em relação
aos selos de propriedade masculina. Portanto, seria um anacronismo de minha
parte fazer uma equiparação entre o papel da mulher na sociedade moderna e nos
tempos bíblicos. É claro que naqueles tempos as mulheres geralmente estariam
num status econômico inferior aos homens. Não quero, de modo algum, dizer
que isso é o ideal, muito menos que a Bíblia sanciona algo que está na verdade
“descrevendo” apenas.

Por outro lado, posso também dizer que é caricatural aquela ideia que
muitos fazem da sociedade judaica, dita “patriarcal”, como sendo extremamente
chauvinista em relação aos homens ou simplesmente “machista”, sem dar às
mulheres qualquer oportunidade de exercer sua cidadania. Exemplos como o do
selo de Elihana desconstroem esse cenário imaginário e preconceituoso.

Mesmo casada, ela certamente administrava os bens de família, fazia


negócios e dispunha de autoridade política mesmo que não ocupasse cargos
públicos. E não precisamos ir longe para encontrar paralelos bíblicos que ilustrem
esse comportamento, veja o caso de Débora, reconhecida entre os Juízes de Israel;
Ester, heroína nacional do judaísmo; Sara, Rebeca, Raquel e Lia reverenciadas
desde as mais antigas tradições como as grandes matriarcas do povo hebreu.

O livro de Provérbios 31:10-31 fala das características da mulher virtuosa,


ou esposa ideal, e entre suas tarefas está a administração das servas do lar; o
exame, decisão e negociação de um campo; a compra de mercadorias; o auxílio
aos necessitados. Esse quadro não apenas está de acordo com o selo encontrado
– demonstrando que o cenário de Provérbios 31 é histórico e não simplesmente
poético - como também esclarece que há muitas distorções preconceituosas em
relação ao papel da mulher na sociedade dos tempos bíblicos.

Um documento encontrado no deserto da Judeia e datado dos tempos do


Novo Testamento, indica, entre outras coisas, uma importante transação comercial
liderada por uma mulher chamada Babatha bat Shimon que era proprietária legal
de muitas terras e comerciante por excelência. Mesmo sendo poucos os exemplos
de participação feminina que eu poderia oferecer, ainda assim é notório que está
longe da realidade dizer que naquele tempo “mulher não tinha vez”.

O nome Elihana não aparece diretamente na Bíblia Sagrada, mas pode


ter alguma relação com ela no sentido de contextualizar suas histórias. Alguns
pensam que esse nome deriva do acadiano via o hebraico que seria a junção de
dois vocábulos e um pronome possessivo: EL (Deus) + I (meu) + ANAH (respondeu)
= Meu Deus Respondeu-me. Em Gênesis 33:20, Jacó compra um terreno e ergue
um altar sobre o qual pôs o nome “El ELOHE ISRAEL” – Deus, o Deus de Israel.
Antes disso, em Gênesis 23:14 Abraão comprara um terreno após ter a provação
de Efron que lhe respondeu conforme seu pedido, isto é, lhe atendeu - “anah” em
hebraico.
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O nome Elihana, portanto, faz-me lembrar as respostas positivas que


recebemos em nossas solicitações, acentuando que as melhores delas são as que
vêm de Deus, que atente a todos quantos sinceramente buscam o seu auxílio,
quer sejam homens ou mulheres, pois o que importa – mais do que o sexo - é um
coração sincero e desejo de cumprir a vontade de Deus.

Quando nasceu Jesus?


Rodrigo Silva

O evangelho confirma que o nascimento de Jesus teria ocorrido durante


o governo de Herodes, o Grande. Ora, levando-se em conta que esse terrível rei
morreu no ano 4 ou 3 a.C., conclui-se que Jesus não poderia ter nascido depois
desse tempo. Logo, deve-se apontar o nascimento de Cristo em algum período
antes de 3 ou 4 a.C. e não no ano 1 como convencionalmente alguns o fazem.
Considerando ainda que existe um possível ciclo de 14 em 14 anos, verificado nos
censos romanos remanescentes, e que o segundo censo de Quirino teria ocorrido
no ano 6 d.C., o primeiro censo pode ter sido por volta do ano 8 a.C. Assim, Jesus
teria nascido em qualquer período entre 8 e 3-4 a.C. É muito improvável que seu
nascimento tenha se dado fora desse intervalo.

A data do 25 de dezembro como dia do nascimento de Jesus foi fixada


pela Igreja Católica em 525 d.C. para coincidir com as festas pagãs do Oriente
e de Roma. Segundo alguns historiadores, foi o Papa João I quem oficializou a
comemoração, embora alguns digam que ela já existia desde os tempos do
Imperador Constantino. Seja como for, os cristãos do Oriente jamais aceitaram
essa data e até hoje os armênios comemoram o Natal em 6 de janeiro.

É quase nula a chance de Jesus ter nascido no Natal, comemorado pelos


cristãos ocidentais no dia 25 de dezembro. No Hemisfério Norte, o inverno ocorre
nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro de cada ano. Portanto, se Jesus
tivesse nascido em algum desses meses, seria uma época de muito frio e não
faria nenhum sentido o fato de existirem pastores e rebanhos acampados à noite
sobre as colinas da Judeia (veja Luc. 2:8). Essa é uma cena típica de estações
quentes. Embora não haja nada que impeça a comemoração simbólica no dia 25
de dezembro, essa definitivamente não é a data historicamente apropriada de seu
nascimento.

A Bíblia diz que quando Jesus nasceu, havia pastores com seus rebanhos
ao ar livre no alto das colinas (Luc. 2:8-20). Manter os animais no campo mesmo à
noite era uma prática comum daqueles dias, mas ela era propícia para os meses da
primavera ao outono. Dezembro, que corresponde ao mês de Quislev, é o período
de inverno e fortes chuvas (cf. Jer. 36:22; Esd. 10:9; Zac. 7:1). Ninguém deixaria
o rebanho ao relento nessa época do ano. Igualmente a viagem de Maria e José
não seria apropriada numa época de inverno. Pelas limitações da época, qualquer
trajeto de mais de 100 km exigia grande esforço. Assim, os tempos próprios para
viagens longas seriam: Páscoa, ou Pessá (abril), no começo do plantio; Pentecostes
ou Shavuot (junho), sete semanas depois, quando os primeiros frutos estavam
maduros, e Tabernáculos ou Sukkot (outubro), quando os últimos frutos eram
colhidos.
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Qual seria, portanto, a data certa para o nascimento de Cristo? O dia é


difícil dizer, mas existe uma possibilidade quanto ao mês. Para descobrir
qual seria, basta fazer uma análise de três fontes: o Evangelho de
Lucas, o calendário judeu e o livro de I Crônicas 24:10. Começando por
Lucas, esse evangelista dá a informação de que antes do nascimento
de Jesus houve o nascimento de João Batista. Lucas 1:5, 23-28 diz que
Isabel ficou grávida de João quando seu marido, Zacarias, ministrava
no Templo como sacerdote. Ora, Zacarias trabalhava no chamado turno
de Abias. O que seria isso?

I Crônicas 24 conta como Davi dividiu os sacerdotes em 24 turnos


de 15 dias cada um. Assim, os turnos cobririam o ano inteiro. O verso
10 diz que Abias ficou com o oitavo turno. Contando que eram dois
turnos por mês e que o calendário judeu começava no mês de nisã,
que equivale a março/abril, entende-se que a segunda quinzena de
tamuz (julho) seria o tempo do anúncio do nascimento de João Batista
e o início da gestação de Isabel. Com nove meses de gestação, Isabel
deve ter dado à luz no mês de nisã, que seria março/abril. E quanto a
Jesus? Lucas 1:26-36 diz que Maria ficou grávida quando Isabel, sua
parente, estava no sexto mês de gestação, que seria o mês de tibete
(dezembro/janeiro). Logo, Jesus nasceria 9 meses depois disso, no
mês de etanim que seria setembro/outubro. Essa, portanto, seria uma
hipótese bastante razoável para a época do nascimento de Jesus.
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Ajude o futuro Museu


de Arqueologia Bíblica
unasp.br/lp/mab

Texto
Pr. Rodrigo Silva

Diagramação
Beatriz Góes

Revisão
Maria Luisa Oliveira

Realização
Agência Integrada de Comunicação
e Marketing do UNASP EC (AICOM)

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