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1) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A dignidade da pessoa humana pode ser considerada como o fundamento último do Estado Brasileiro. Ela é o valor-
fonte a determinar a interpretação e a aplicação da Constituição, assim como a atuação de todos os poderes públicos
que compõem a República Federativa do Brasil. Em síntese, o Estado existe para garantir e promover a dignidade de
todas as pessoas. É nesse amplo alcance que está a universalidade do princípio da dignidade humana e dos direitos
humanos.
Como valor-fonte, é da dignidade da pessoa humana que decorrem todos os demais direitos humanos. A origem da
palavra dignidade ajuda-nos a compreender essa ideia essencial. Dignus, em latim, é um adjetivo ligado ao verbo
defectivo decet (é conveniente, é apropriado) e ao substantivo decor (decência, decoro). Nesse sentido, dizer que
alguém teve um tratamento digno significa dizer que essa pessoa teve um tratamento apropriado, adequado,
decente. Se pensarmos em dignidade da vida humana ou o que é necessário para se ter uma vida digna,
começaremos a ver com mais clareza como todos os direitos humanos decorrem da dignidade da pessoa humana.
Para que uma pessoa, desde sua infância, possa viver, crescer e desenvolver suas potencialidades decentemente,
ela precisa de adequada saúde, alimentação, educação, moradia, afeto, de liberdade para fazer suas opções
profissionais, religiosas, políticas, afetivas, etc.
Portanto, a dignidade da pessoa humana implica em todas as múltiplas e mínimas necessidades e capacidades para
uma vida decente. Essa gama de necessidades e capacidades nada mais é do que o conteúdo dos direitos humanos,
reconhecidos, por essa razão, como princípios e direitos fundamentais na Constituição Brasileira.
A dignidade é um atributo essencial do ser humano, quaisquer que sejam suas qualificações. Em última instância, a
dignidade humana reside no fato da existência do ser humano ser em si mesma um valor absoluto, ou como disse o
filósofo alemão Kant: o ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e nunca como um meio ou
um instrumento para a consecução de outros fins. Por isso é que o Estado deve ser um instrumento a serviço da
dignidade humana e não o contrário. Por essas razões, o princípio da dignidade da pessoa humana exige o firme
repúdio a toda forma de tratamento degradante (indigna) do ser humano, tais como a escravidão, a tortura, a
perseguição ou mau trato por razões de gênero, etnia, religião, orientação sexual ou qualquer outra.

É em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana que a Constituição de 1988, no seu Título II, “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais”, afirma uma extensa relação de direitos individuais e coletivos (Capítulo I, Artigo
5º), e direitos sociais (Capítulo II, Artigos 6º a 11), de direitos de nacionalidade (Capítulo III, Artigos 12 e 13) e de
direitos políticos (Capítulo IV, Artigos 14 a16).
2) Prevalência dos Direitos Humanos nas Relações Internacionais.

A Constituição de 1988, em seu Artigo 4º, inciso II, é a primeira em nossa história a estabelecer a prevalência dos
direitos humanos como princípio do Estado Brasileiro em suas relações internacionais. Inicialmente, trata-se de uma
questão de coerência interna do texto constitucional. Se a dignidade da pessoa humana com todos os direitos
humanos dela decorrentes devem orientar a atuação do Estado no âmbito nacional, seria contraditório renegar esses
princípios no âmbito internacional. Afinal, não são apenas os brasileiros que devem ter sua dignidade humana
respeitada e promovida, mas todas as pessoas, todos os seres humanos, pelo fato único e exclusivo de serem
pessoas. Negar a prevalência desse princípio nas relações internacionais seria negar a humanidade dos que não são
brasileiros. Assim, ao afirmar esse princípio, o Estado Brasileiro compromete-se a respeitar e a contribuir na
promoção dos direitos humanos de todos os povos, independentemente de suas nacionalidades.

A prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais ganha maior relevância no momento histórico em
que vivemos, no qual, em virtude do desenvolvimento tecnológico, as distâncias entre as nações tendem a se
encurtar cada vez mais e todas as pessoas humanas tendem a se tornar verdadeiras cidadãs do mundo. Um Estado
regido pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana não pode desprezar as violações dos direitos
humanos praticadas por ou em outros Estados. Com a adoção desse princípio, o Brasil une-se à comunidade
internacional, assumindo com ela e perante ela a responsabilidade pela dignidade de toda pessoa humana.

A Carta de 1988 é a primeira constituição nacional a consagrar um universo de princípios que guiam o Brasil no
cenário internacional, fixando valores a orientar a agenda internacional do país. Essa orientação internacionalista se
traduz nos princípios da prevalência dos direitos humanos, da auto determinação dos povos, do repúdio ao terrorismo
e ao racismo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, nos termos do artigo 4º, incisos II, III,
VIII e IX. O artigo 4º, como um todo, simboliza a reinserção do Brasil na arena internacional.
Essa inovação em relação às Constituições anteriores consagra a prioridade do respeito aos direitos humanos como
a principal referência para a atuação do país no cenário internacional. Isso implica não apenas o engajamento do
Brasil no processo de elaboração de normas internacionais de direitos humanos mas também a busca da plena
incorporação de tais normas no direito interno. Implica ainda o compromisso de adotar uma posição política contrária
aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados.

Ao reconhecer a prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais, o Brasil também reconhece a
existência de limites e condicionamentos à soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado fica submetida a regras
jurídicas, tendo como padrão obrigatório a prevalência dos direitos humanos. Rompe-se com a concepção tradicional
de soberania estatal absoluta, relativizando-a em benefício da dignidade da pessoa humana. Esse processo condiz
com o Estado Democrático de Direito constitucionalmente pretendido.

Se para o Estado brasileiro a prevalência dos direitos humanos é princípio a reger o Brasil no cenário internacional,
está-se, consequentemente, admitindo a ideia de que os direitos humanos são tema de legítima preocupação e
interesse da comunidade internacional. Nessa concepção, os direitos humanos surgem para a Carta de 1988 como
tema global. Tudo isso tem levado o Brasil a adotar os mais relevantes tratados internacionais de direitos humanos.
Também é de extrema importância o alcance da previsão do Artigo 5º, parágrafo 2º da Carta de 1988, ao determinar
que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em
que o Brasil seja parte. Isto é, ao aderir a um tratado internacional de direitos humanos, o Brasil não apenas assume
compromissos perante a comunidade internacional, mas também amplia o catálogo de direitos humanos previstos em
nossa Constituição.
3) Direito à Vida.

A Constituição, em seu Artigo 5º, caput, garante a todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade. Cabe esclarecer que o caput (cabeça, cabeçalho) do artigo 5º estabelece
de maneira ampla e genérica esses cinco valores fundamentais, enquanto que seus setenta e sete incisos
esclarecem o conteúdo desses valores.

O direito à vida se confunde com a dignidade da pessoa humana. Sem a vida assegurada, não há como exercer a
dignidade humana e todos os direitos dela decorrentes. Assim, como não basta garantir a vida como mera existência
ou subsistência, mas sim uma vida plena de dignidade. Por isso, o núcleo essencial de onde se originam todos os
demais direitos humanos reside na vida e na dignidade humanas.

Em virtude do princípio da inviolabilidade da vida, é vedada a pena de morte (Art. 5º, inciso XLVII, alínea a); é
proibida a tortura e o tratamento desumano ou degradante (Art.5º, inciso III); é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral (Art.5º, inciso XLIX) e é assegurado às presidiárias condições para que possam
permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (Art.5º, inciso L).

Veja que a proibição da tortura e a garantia da integridade física e moral traduzem a ideia de que agredir o corpo
humano é uma forma de agredir à vida, pois esta se realiza naquele. A fim de assegurar o cumprimento desses
preceitos, a Constituição estabelece garantias penais apropriadas, como o dever de comunicar imediatamente ao juiz
competente e à família ou pessoa indicada a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre; o dever também
da autoridade policial de informar ao preso seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, assegurada a
assistência da família e de advogado. Vale observar, para que não se incorra em um erro frequente, que esses
direitos e garantias não são “direitos de presos” ou “de bandidos”, mas de todas as pessoas, inclusive dos suspeitos
de crimes e criminosos. A integridade físico-corporal é, portanto, um bem vital e revela um direito fundamental do ser
humano, cuja violação, em qualquer circunstância, é criminosa
Com relação à integridade física, surge a questão de saber se é lícito ao indivíduo alienar membros ou órgãos de seu
corpo. Se essa alienação se faz após a morte do alienante, não há qualquer problema, desde que fosse essa sua
vontade em vida ou que haja a autorização de familiares. Em tal caso não existirá qualquer ofensa à vida, que já não
existirá. Mas e se a pessoa, em vida, oferece, mediante determinada quantia em dinheiro, órgãos de seu corpo? A
doação (alienação sem contrapartida em dinheiro), sem riscos para a vida do doador, sempre foi admitida, visando a
suprir deficiência e até salvar a vida de doentes. A Constituição (Art. 199, parágrafo 4º) determina que lei ordinária
disponha sobre a condição e requisitos para remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, o processamento e a transfusão de sangue e seus derivados.
Tal regulamentação foi feita pela Lei Federal nº 10.205, de 2001, mas proíbe expressamente todo tipo de
comercialização. Novos desafios surgirão com os avanços da biogenética e da bioengenharia que têm tornado cada
vez mais concreta a possibilidade de clonagem de células e órgãos humanos. Quanto aos temas da bioética (ética da
vida), a Constituição de 1988 é silente porque, à época da Assembleia Nacional Constituinte, eles não pareciam tão
urgentes.

A Constituição também não tratou diretamente de dois outros temas controvertidos no que diz respeito ao direito à
vida: a eutanásia e o aborto. Por eutanásia entendemos a morte que alguém causa à outra pessoa já estado de
agonia com a finalidade de liberá-la do grave sofrimento provocado por doença tida como incurável ou muito
dolorosa. Por isso, a eutanásia também é chamada de homicídio piedoso. É, contudo, uma interrupção não-natural
na vida humana. A maioria dos juristas considera que nem mesmo o consentimento lúcido do doente exclui o sentido
delituoso da eutanásia em nosso direito. Para sua reflexão, ponderamos que o direito à vida implica em uma vida
digna e não vegetativa. E mais: a dignidade da pessoa humana também não implicaria em uma morte digna?
O aborto é tratado no Código Penal Brasileiro em seus artigos 124 a 128, que compreendem o aborto provocado pela
gestante ou com o seu consentimento, o aborto provocado por terceiro sem consentimento, o aborto necessário e o
aborto no caso de gravidez resultante de estupro (também chamado aborto sentimental). Os dois primeiros casos são
punidos criminalmente como ofensa ao direito à vida. Os dois últimos são chamados de aborto legal. Nesse caso,
não se pune o ato praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se o aborto é
precedido de gravidez resultado de estupro e consentido pela gestante.

Observe que em qualquer de caso de aborto com o consentimento da gestante há um conflito entre princípios
constitucionais fundamentais, ou seja, entre o direito à vida e a liberdade de escolha e a dignidade da mulher. Nos
casos do aborto necessário e do aborto sentimental já podemos observar que nem mesmo o direito à vida é absoluto.
O direito ao aborto tem sido uma das principais reivindicações dos movimentos feministas, sendo que a legislação
brasileira, ao criminalizar o aborto, sofre contínua crítica por parte desses movimentos. Sabe-se que a prática do
aborto tem sido adotada para interromper uma gravidez indesejada, sendo que no caso de a mulher possuir recursos,
tal intervenção pode ser feita de modo relativamente seguro, embora clandestino. Porém, se a mulher não tem
recursos materiais, em geral, realiza tal intervenção em precárias condições de higiene, sendo grave causa de morte
materna por todo o país. Cabe ressaltar a recomendação da Plataforma de Ação de Beijing (extraída na Quarta
Conferência Mundial sobre a Mulher), no sentido de que os países considerem a possibilidade de revisar as leis que
estabelecem medidas punitivas contra mulheres que praticam abortos ilegais, situando a questão do aborto no
âmbito da saúde pública.
Cabe também considerar que a vida humana não se limita a um conjunto de elementos materiais. Ela também tem
valores imateriais e morais. A Carta de 1988 destacou o valor e a proteção da moral individual, assegurando
indenização em caso de dano moral (Art. 5º, incisos V e X). A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom
nome, a boa fama e a reputação. A dimensão moral é uma dimensão estrutural para uma vida digna. Por isso, o
respeito à integridade moral assume também o caráter de direito fundamental.
4) Direito à Liberdade

A liberdade é um dos direitos assegurados de maneira ampla no já mencionado caput, do artigo 5º da Constituição
Federal de 1988. Trata-se, sem dúvida, de um valor complexo e aberto, passível de várias interpretações e
significações. Passaremos a identificar as liberdades específicas reconhecidas em nossa Constituição nos
respectivos incisos do Art. 5º. Antes, note-se que a liberdade de ação em geral – considera a liberdade base ou
liberdade matriz das demais liberdades específicas – é tratada logo no inciso II do Art. 5º, que consagra o princípio da
legalidade, estabelecendo: “que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei.”

Vale esclarecer que todos têm a liberdade de fazer ou de não fazer o que bem entender, exceto quando a lei
determinar o contrário. Esse dispositivo, além de conter a previsão da liberdade de ação, liberdade base das demais,
confere fundamento jurídico às liberdades individuais e coletivas e correlaciona liberdade e legalidade, assim como
liberdade e igualdade, uma vez que, ao afirmar que ninguém será obrigado eqüivale dizer que a todos será permitido.
Ou seja, a liberdade de fazer ou deixar de fazer é para todos e não apenas para alguns.

Adotamos a seguir a classificação das liberdades constitucionais específicas, tal como sugerida pelo
constitucionalista José Afonso da Silva. Segundo tal classificação, as liberdades objetivas específicas previstas na
Constituição podem ser distinguidas em cinco grandes grupos:

I – Liberdade da pessoa física.


Ela se opõe ao estado de escravidão e de prisão. Se a escravidão já foi abolida legalmente, resta ainda a outra forma
de oposição à liberdade da pessoa física que é a detenção, a prisão por qualquer impedimento à locomoção da
pessoa, inclusive a doença. A liberdade de locomoção é a essência da liberdade da pessoa física, sendo que a
Constituição (Art. 5º, inciso XV) declara “livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.” Observamos que a liberdade de
circulação é a manifestação característica da assegurada liberdade de locomoção: direito de ir, vir e permanecer.
II – Liberdade de pensamento.

Inclui a liberdade de opinião, de religião, de informação, artística e de comunicação do conhecimento. A liberdade de


pensamento é o direito de expressar por qualquer forma o que se pense em ciência, arte, religião, política ou o que
for. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes. A liberdade
de opinião, de certa forma, resume a liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Por isso é
considerada liberdade primária e ponto de partida das demais.

Trata-se da liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer em pensamento íntimo, quer na
tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e de manifestar o pensamento. A Constituição a reconhece nas
duas dimensões. Primeiramente como pensamento íntimo, prevendo a liberdade de consciência e de crença, que
declara inviolável (Art. 5º, VI), assim como a liberdade de crença religiosa e de convicção filosófica ou política (Art. 5º,
VII), admitindo inclusive a escusa de consciência (o direito de recusar imposições que contrariem tais convicções ou
crenças). Isso significa que todos têm o direito de aderir a qualquer crença religiosa como a o de recusar a todas,
adotando o ateísmo, ou mesmo criando sua própria religião, assim como o direito de seguir qualquer linha de
pensamento filosófica, política ou científica ou ainda a de não seguir nenhuma.
Em segundo lugar, como aspecto externo da liberdade de opinião, temos as diversas formas de sua expressão, por
meio das liberdades de comunicação, de religião, de expressão intelectual, artística, científica e cultural e de
transmissão e recepção do conhecimento. O Art. 5º, inciso V, estabelece que é livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato. O Art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou
veiculação não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto na Constituição, sendo vedada qualquer forma de
censura de natureza política, ideológica e artística.
O pensamento liberal apresenta três fundamentos essenciais para a liberdade de pensamento e de manifestação de
opinião em suas várias formas. A primeira, de cunho político e social, aponta a importância da livre divulgação de
ideais e projetos políticos em uma democracia para que os cidadãos bem informados possam escolher melhor os
caminhos políticos que pretendem trilhar. A segunda, de cunho moral, afirma a livre circulação de idéias é necessária
para que, no exercício de confrontar as diversas e até mesmo opostas linhas de pensamento, a verdade moral seja
encontrada. O terceiro argumento vê na liberdade de pensamento e de opinião o um fim em si própria, já que ela
contribui para a autonomia de consciência de todo ser humano. No contato com a multiplicidade de formas de sentir e
compreender a realidade, o ser humano pode exercitar sua autonomia, crescendo como indivíduo.

III – Liberdade de ação profissional.


Implica no direito da livre escolha e exercício de trabalho, ofício e profissão. Conforme enuncia o Art. 5º, XIII: “é livre
o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Observe que, por razões de ordem econômica e social, a maioria das pessoas não tem condições materiais de
exercitar esse direito de escolha. Portanto, é necessário dar conteúdo a essa liberdade, estabelecendo condições
materiais e efetivas de acesso ao trabalho, ao ofício e à profissão. Esse é um tema que se relaciona diretamente com
os direitos sociais e a interdependência entre os princípios da liberdade e da igualdade, como veremos adiante.
IV – Liberdades de expressão coletiva.
Compreende o livre acesso de todos à informação. Destaca-se a dimensão coletiva do direito à informação previsto
pelo Art. 5º, inciso XIV, em que a informação é, sobretudo, veiculada por meios de comunicação de massa, cuja
função social é ressaltada pelo Art.221; a liberdade de reunião pacífica em lugares públicos, o que evidentemente
não exclui a liberdade de reuniões privadas – ( art. 5º, inciso XVI); e a plena liberdade de associação, vedada a de
caráter paramilitar. Além disso, ninguém pode ser obrigado a associar-se ou a permanecer associado e que há o
direito de representação coletiva dos associados pelas respectivas associações quando expressamente autorizadas.
(Art. 5º, incisos XVII a XXI).
Note que a liberdade de reunião e a liberdade de associação para fins pacíficos podem ser consideradas liberdades-
condição, uma vez que, sendo um direito em si mesmas, são também condição para o exercício de outras liberdades,
agregando a força de manifestação coletiva: liberdade de pensamento, de expressão de convicção filosófica,
religiosa, científica e política e de locomoção , como no caso de reunião para passeatas.
V – Liberdades de conteúdo econômico e social.
Incluem a liberdade econômica, a liberdade de comércio, a livre iniciativa, a liberdade ou autonomia contratual, a
liberdade de ensino e a liberdade de trabalho, das quais trataremos quando cuidarmos dos direitos sociais, que nos
remetem ao direito à igualdade.

Quais são a formas de exercício da liberdade objetiva?


5) Direito à Igualdade

Vivemos um período fortemente marcado pela valorização de idéias neoliberais. Nesse ideário, é geralmente dado
maior peso ao valor político da liberdade do que ao valor político da igualdade. Mas a igualdade constitui o signo
fundamental de uma democracia republicana, uma vez que ela não admite os privilégios e distinções que um regime
simplesmente liberal consagra. Numa democracia (governo do povo), a coisa pública (res publica), o Estado deve
estar a serviço do bem comum, que são os direitos humanos, cujo fundamento é justamente a igualdade de todos os
seres humanos em sua comum condição de pessoas.
A Constituição Federal, em seu Art. 1º, caput, estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em
Estado Democrático de Direito. Nenhum governo em uma democracia republicana será legítimo se não mostrar igual
respeito e cuidado quanto ao destino de todos os cidadãos. E quando a riqueza de uma nação é desigualmente
distribuída, como ocorre até hoje, mesmo nas nações mais prósperas, há que se suspeitar da igualdade dispensada
pelo Estado aos seus cidadãos. É nesse contexto que dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil destaca-se, no Art. 3º, inciso IV, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade, e quaisquer outras formas de discriminação.
As Constituições têm reconhecido a igualdade em seu sentido formal jurídico: igualdade de todos perante a lei. A
Constituição de 1988 abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei
sem distinção de qualquer natureza (Art 5º, caput). O princípio da igualdade já é reforçado no próprio caput do Art. 5º,
quando ele é assegurado ao lado da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Isto é,
fica muito clara a idéia de que todos esses direitos fundamentais devem ser assegurados igualmente a todos. A
igualdade permeia e legitima o exercício de todos os demais direitos. Assegurá-los a apenas uma parte do povo
brasileiro significa ferir mortalmente o ideal igualitário democrata-republicano da Constituição de 1988. O princípio é
reforçado em muitas outras normas sobre a igualdade.
Assim é que, o primeiro inciso do Art. 5ª declara, pela primeira vez na história do Direito brasileiro, que homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações. Se por um lado isso merece ser celebrado, por outro desvela o
lamentável tratamento desigual dispensado às mulheres historicamente em nossa sociedade.

Adiante, os incisos XLI e XLII do mesmo Art. 5º, estabelecem respectivamente que “a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e que a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível”. Depois, no artigo 7º, incisos XXX e XXXI, vêm regras para fortalecer a igualdade, em
seu sentido material, proibindo “diferença de salários, de exercício de funções, e de critérios de admissão por motivo
de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão por motivo
de sexo, idade, cor ou estado civil.”
Cabe ainda menção aos comandos constitucionais que celebram o ideal da igualdade material, enquanto igualdade
substantiva e justiça social, destacando-se as previsões que estabelecem: a redução das desigualdades sociais e
regionais (Art. 3º, III); a universalidade da seguridade social; a garantia ao direito à saúde; a educação baseada em
princípios democráticos e de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, dentre outros.

A preocupação com a justiça social como objetivo das ordens econômica e social (Arts. 170, 193, 196 e 205) traduz
diretrizes concretas para a realização da igualdade material, obrigando o poder público a estabelecer políticas
públicas capazes de progressivamente alcançarem tais metas. Tais políticas públicas devem incluir tanto medidas de
caráter repressivo-punitivo, a exemplo da criminalização do racismo, prevista no Art. 5, XLII, como medidas de
caráter afirmativo buscando assegurar igualdade material de oportunidades, que compensem o tratamento desigual
de minorias e/ou grupos sociais historicamente mais vulneráveis, como mulheres, homossexuais, afro-descendentes,
povos indígenas, pessoas portadores de deficiências, etc. Exemplos dessas medidas podem ser encontrados nos já
mencionados incisos XXX e XXXI do Art. 7º, assim como no mesmo Art. 7º, inciso XVIII, que garante licença à
gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.
O princípio da igualdade estará presente em muitos dos outros temas a serem tratados, em especial no que diz
respeito às medidas afirmativas para a proteção e promoção dos direitos de grupos sociais mais vulneráveis ou que
exijam o atendimento a necessidades especiais em virtudes de diferenças específicas. Observe-se que nos referimos
a diferenças e não a desigualdades. Isso significa reconhecer as diferenças existentes entre os seres humanos, o
que não implica em admitir desigualdades política, social ou economicamente impostas aos menos favorecidos por
quaisquer circunstâncias.
Quais os sujeitos de direito declarados como iguais – pela primeira vez na história do Direito Brasileiro – na
Constituição brasileira de 1988?
6) Direito à Segurança

A segurança – e no seu âmbito a segurança jurídica – é um dos fundamentos do Estado de Direito. De maneira
genérica, pode-se dizer que a segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros
para conservação de sua pessoa e de seus direitos. No âmbito das relações jurídicas, e ainda de maneira genérica, a
expressão segurança jurídica significa um conjunto abrangente de ideias e conteúdo que compreendem:
a) A existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade
(Art. 5º, II), ao princípio da inafastabilidade do poder judiciário, (Art. 5º, XXXV) e ao princípio do contraditório e da
ampla defesa (Art. 5º, LV). Como já vimos, o princípio da legalidade nos assegura a liberdade de fazer ou deixar de
fazer tudo o que a lei não nos obrigue em sentido contrário. Por sua vez, toda e qualquer questão sobre a legalidade
de uma conduta ou existência de (ou ameaça a) um direito poderá sempre e sem exceção ser levada ao Poder
Judiciário para a solução da controvérsia. Durante esse processo, as partes têm direito de argumentar e contra-
argumentar, utilizando todos os meios de defesa lícitos tais como o contraditório e a ampla defesa;
b) A confiança nos atos do Poder Público que deverão reger-se pela boa-fé e razoabilidade;
c) A estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em
relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova. É nessa discordância de
normas no tempo que o princípio da irretroatividade das leis tem suma importância na proteção de direitos subjetivos.
Tal como consagrado no Art. 5º, XXXVI, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”;
d) A previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados;
e) A igualdade na lei e perante a lei, com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas. O princípio da
igualdade é, em última instância, uma garantia ou uma condição da segurança jurídica.
Vale reforçar o significado fundamental do princípio da irretroatividade da lei para a segurança e a certeza das
relações jurídicas. Assim é que, além da proteção jurídica no âmbito das relações sociais, citada no mencionado Art.
5º, XXXVI, o princípio é previsto na Constituição de 1988 também para a proteção da liberdade do indivíduo contra a
aplicação retroativa (para trás no tempo) da lei penal, contida no Art. 5º, XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu”. Para a proteção do contribuinte contra a voracidade retroativa do Fisco, constante do Art., 150, III, a
“é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado.”
Além da segurança jurídica em sentido amplo, fundamentada no princípio da irretroatividade da lei, a Constituição
também garante a segurança dos indivíduos em sentido estrito por meio de regras que consagram o direito do
indivíduo ao aconchego do lar com sua família ou só, quando define a casa como o “asilo inviolável do indivíduo”
(Art.5º, XI), bem como mediante regras que protegem as comunicações pessoais, assegurando o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas (Art. 5º, XII).
Procure no noticiário de sua cidade e mostre um fato no qual a casa não foi respeitada como “asilo inviolável do
indivíduo”.
7) Direito à Propriedade

O reconhecimento constitucional da propriedade como direito fundamental na Constituição de 1988 relaciona-se


essencialmente à sua função de proteção pessoal (garantia de condições mínimas de manutenção de uma vida
digna) e alcança tanto os que já são proprietários quanto os que carecem desse direito para a sua subsistência
própria. A Constituição brasileira reconhece explicitamente um direito de acesso à propriedade ao admitir um
usucapião extraordinário, tanto de imóveis rurais (Art. 191), quanto de terrenos urbanos (Art. 183). Daí decorre que
nem toda propriedade privada constitui um direito fundamental da pessoa humana a merecer, por isso, uma proteção
constitucional.

Seria evidente contrassenso que essa qualificação fosse estendida ao domínio sobre um latifúndio improdutivo ou
sobre uma gleba urbana não utilizada ou subutilizada em cidades com graves problemas de moradia popular.

É nesses termos que o regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de
propriedade, desde que atenda sua função social: “é garantido o direito de propriedade (Art. 5º, XXII); a propriedade
atenderá sua função social”. Só se garante o direito de propriedade que atenda a sua função social. A Constituição
autoriza a desapropriação, com pagamento mediante título da dívida pública ou mediante títulos da dívida agrária,
respectivamente nos casos de imóveis urbanos (Art. 182, Parágrafos 2º e 4º) e nos casos de imóveis rurais (Art.
184), que não estejam cumprindo a sua função social. Observe-se que a regra geral para desapropriação por
necessidade, utilidade pública ou por interesse social estabelece prévia e justa indenização em dinheiro (Art. 5º,
XXIV). Há, portanto, um tratamento não apenas mais rigoroso, mas, sobretudo, punitivo, aos proprietários de imóveis
que não desempenhem sua função social, por meio do instituto da “desapropriação sanção”.
Diante do descumprimento, pelo proprietário, do dever fundamental de dar aos bens uma destinação social, incumbe
ao Estado, entre outras medidas, redistribuir, tendo em vista o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e de
redução das desigualdades sociais, previsto no Art. 3º da Constituição. Isso ocorre principalmente por meio da
desapropriação. É evidente que, ao desapropriar aquele que desatende a função social da propriedade, o Estado não
está simplesmente sacrificando um direito humano individual às exigências superiores da necessidade ou utilidade
pública. Ele está, na verdade, punindo um abuso do direito de propriedade.

Em consequência, a indenização a ser paga não pode ser equivalente ao valor de venda do bem, como ocorre com a
expropriação normal. A Constituição impõe o pagamento de uma justa indenização e não de uma indenização pelo
valor de mercado. A justiça indenizatória é uma regra de proporcionalidade, tendo em vista a situação concreta de
cada caso. Mas no caso do expropriado que descumpriu sua função social da propriedade, se fosse indenizado pelo
valor venal da coisa, não haveria uma punição, mas um prêmio àquele que desrespeitou o direito humano alheio.

Com relação aos imóveis urbanos, a Constituição, em seu Art. 182, parágrafo 2º estabelece que “a propriedade
urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor. O plano, cuja aprovação pela Câmara Municipal é obrigatória para toda cidade com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (Art. 182, Parágrafo 1º).

Quanto à propriedade rural, a função social será cumprida quando forem atendidos, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado;
utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições
que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores
(Art. 186).

A Constituição também reconhece o direito à propriedade sobre bens imateriais, como no caso do direito autoral, que
compreende o direito à exclusiva “utilização, publicação ou reprodução de obras, transmissível aos herdeiros pelo
tempo que a lei fixar” (Art. 5º, XXVII). Também consagra o direito à propriedade de inventos, de marcas de indústrias
e de nome de empresas. Especialmente no caso dos inventos, o privilégio da utilização exclusiva do autor é
temporário, passando depois do tempo previsto em lei para o domínio público, como no caso do direito autoral, o que
uma vez mais ressalta a função social da propriedade (Art. 5º, XXIX). No mesmo sentido, a propriedade sobre
marcas de indústrias, nome de empresas e outros signos distintivos está condicionada pelo interesse social e pelo
desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

Todas as limitações ao direito de propriedade associadas à sua função social apontam para a verdadeira natureza
constitucional da propriedade, que é um direito-meio e não um direito-fim. A Constituição não garante a propriedade
em si mesma, mas como instrumento de proteção de valores fundamentais da pessoa humana.
Qual o objetivo constitucional ao garantir o direito de propriedade?
8) Direitos Sociais

Os direitos sociais e econômicos passaram a ser reconhecidos pelas Constituições nacionais sob a influência e a
pressão dos movimentos sociais e políticos do final do século XIX e início do século XX, principalmente os
movimentos da classe operária, de inspiração anarquista, socialista e comunista, assim como o fortalecimento da
social-democracia européia. As primeiras Constituições a adotá-los foram a do México, de 1917, e a da Alemanha, de
1919. No Brasil, a primeira Constituição a reconhecê-los foi a de 1934. Esses direitos correspondem historicamente a
uma “segunda geração de direitos humanos”, porque reconhecida depois da “primeira geração”, surgida com o
movimento constitucionalista ligado à “Era das Revoluções Burguesas”, ao final do século XVIII.

Se a primeira geração visava afirmar direitos políticos e civis individuais (as chamadas liberdades públicas) contra
abusos do Estado, a segunda geração, inspirada no valor da igualdade (contraposta ao que se considerava
liberdades meramente formais dos direitos civis e políticos), buscava a conquista de direitos substanciais capazes de
garantir o exercício efetivo das liberdades públicas pelas classes sociais menos favorecidas. Assim, dentre os direitos
humanos de cunho social e econômico, podemos relacionar os direitos à educação, à saúde, ao lazer, à
maternidade, à infância, à moradia, ao trabalho, à previdência social, à assistência aos desamparados etc. A idéia
aqui é sintetizada pelo exemplo de que de nada serve ao indivíduo o direito de votar e ser votado (direito político) e a
liberdade de expressão intelectual (direito civil) se ele não tem necessidades vitais mínimas asseguradas, como sua
saúde, moradia e educação - direitos sociais que o tornam apto a exercer seus direitos civis e políticos.
Note que a idéia de “gerações de direitos humanos” apena é utilizada para indicar o reconhecimento das espécies de
direitos humanos ao longo da História. Mas isso não significa que os direitos de “segunda geração” somente devam
ser reconhecidos ou promovidos após a total implementação dos direitos de “primeira geração”. Não há aqui uma
hierarquia ou uma sucessão geracional de direitos. Esses direitos são, na verdade, inter-relacionados e
interdependentes, devendo ser igualmente respeitados, promovidos e protegidos. Por isso, a Constituição de 1988 foi
a primeira a incluir os direitos sociais, juntamente com os direitos individuais, no universo dos Direitos e Garantias
Fundamentais (Título II).

Assim, a Constituição, em seu Art. 6º (que inaugura o Capítulo II – “Dos Direitos Sociais” - do Título II ), estabelece
que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”. A este
capítulo conjuga-se o Titulo VIII da Constituição dedicado à “Ordem Social”, o qual tem “como base o primado do
trabalho e como objetivo o bem estar e a justiça social (Art. 193). Ao longo da ordem social estão traçadas as
diretrizes constitucionais que devem nortear as políticas públicas para a promoção da seguridade social (Arts. 194 a
204), que incluem as seções da saúde, previdência e assistência social), para a promoção da educação, da cultura e
do desporto (Arts. 205 a 217, observando-se que cultura e desporto abrangem tanto o direito à educação, como o
direito ao lazer) e para a proteção da família, da criança, do adolescente e do idoso (Arts. 226 a 230).

Portanto, os direitos sociais requerem prestações positivas do Estado mediante a elaboração de políticas públicas
aptas a promovê-los e garanti-los. O estudo dos direitos sociais tal como dispostos no Art. 6º deve sempre estar
correlacionado com os dispositivos da ordem social.

Cabe destacar que a seguridade social deverá atender, dentre outros, aos objetivos democráticos da universalidade
de cobertura e atendimento, da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais, da irredutibilidade do valor dos benefícios e do caráter democrático e descentralizado da administração (Art.
194). Com referência à intrínseca correlação entre direitos sociais e a exigência de políticas públicas adequadas a
promovê-los, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem a redução da doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação (Art. 196, caput).
A educação também é direito de todos e dever do Estado (Art. 205), tendo por princípios: a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino; a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; a valorização dos profissionais do ensino; a
gestão democrática do ensino público e a garantia do padrão de qualidade (Art. 206). O acesso ao ensino
fundamental e gratuito é direito subjetivo público (Art. 208, Parágrafo 1º), implicando que todos podem exigir, em
última instância, perante o Poder Judiciário, que o Estado cumpra esse dever.

Visando a assegurar os meios financeiros para a consecução de tais objetivos, a Constituição determina que a União
aplique, “anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por
cento, no mínimo, da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (Art. 212, caput).
Ainda no capítulo dos direitos sociais, a Constituição dedica os Artigos 7º ao 11º aos direitos dos trabalhadores. O
Art. 7º é dedicado aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais em suas relações individuais de trabalho. Os
Artigos 8º a 11º são dedicados aos direitos coletivos dos trabalhadores. Temos assim que no Art. 7º estão
relacionados os direitos fundamentais de cada trabalhador em sua relação individual de emprego, entre os quais: o
salário mínimo (inciso IV), a irredutibilidade de salário (inciso VI), o décimo terceiro salário (inciso VIII), o repouso
semanal remunerado (inciso XV), férias anuais remuneradas (inciso XVII), licença gestante (inciso XVIII), licença-
paternidade (inciso XIX), aviso prévio (XXI) e aposentadoria e integração à previdência social (inciso XXIV).
Dentre os direitos coletivos dos trabalhadores, cabe destacar a livre associação sindical ou profissional (Art. 8º) e o
direito de greve, “competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que
devam por meio dele defender” (Art. 9º, caput). Além disso, sendo o trabalho um direito social, tal como definido no
Art. 6º, extrai-se do conjunto de normas da Constituição o direito ao trabalho de cada cidadão, o qual exige a firme
atuação dos poderes públicos, por meio de políticas públicas, aptas a gerarem o pleno emprego.
9) Direitos Políticos

O titular da soberania no Estado Democrático de Direito, que constitui a República Federativa do Brasil, é o povo
brasileiro. Os direitos políticos são o meio de exercício dessa soberania popular. Eles caracterizam o direito de cada
cidadão contribuir para os desígnios da atuação do Estado, compondo as decisões fundamentais a orientar o Estado.
De maneira geral, podemos dizer que os direitos políticos traduzem-se na capacidade de votar e de ser votado. Note
que a ideia de votar e ser votado é hoje intimamente ligada à democracia representativa, na qual o povo escolhe
seus representantes políticos que ocuparão os cargos, sobretudo nos Poderes Executivo e Legislativo, com funções
de administrar e legislar sobre o interesse comum. A democracia representativa é característica das sociedades de
massa que inviabilizam a participação de todo e cada cidadão em todas as decisões públicas. Em suas origens, a
democracia era direta, quando todo e cada cidadão exercia o seu voto com igual peso nas decisões comuns.

Vale salientar que os direitos políticos em nosso país nem sempre foram respeitados, principalmente, durante o
período da ditadura militar em que muitos homens e mulheres “desapareceram” em virtude de professar e atuar em
prol de determinadas atividades político-partidárias. Cabe, então, mencionar a Lei 9.140, de 4/12/1995 que
reconheceu como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em
atividades políticas no período de 2/09/1961 a 15/08/1979. Esta lei foi alterada pela Lei 10.536, de 14/08/2002 que,
dentre outras alterações, ampliou o período de reconhecimento de pessoas desaparecidas para 2/09/1961 a
5/10/1988.

A Constituição de 1988 assegura que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Art.1o, parágrafo único). Adota, assim, a democracia representativa
mesclada com mecanismos importantes da democracia direta na qual os cidadãos participam ativamente da tomada
de decisões de relevância pública. Por isso, nosso regime caracteriza-se como uma democracia participativa ou
semidireta. O Art. 14 da Constituição determina que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito , II – referendo; III –
iniciativa popular”.

O sufrágio universal implica que cada cidadão tem direito de voto, o qual será secreto e exercido diretamente por ele,
tendo cada voto o mesmo valor (da célebre formulação em língua inglesa, one man, one vote – “um homem um voto”,
por evidente que a fórmula inclui todas as mulheres com igual direito).
Os três incisos do artigo 14 indicam os mecanismos de democracia direta ou democracia participativa adotados pela
nossa Constituição como meios de exercício da cidadania ativa. Por meio do plebiscito, os cidadãos decidem
diretamente determinada questão de relevância pública. Os representantes políticos deverão, obrigatoriamente,
proceder e legislar conforme os desígnios da maioria cidadã.

A título de exemplo, citamos o plebiscito em 1993 para que se escolhesse a forma (república ou monarquia
constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) a vigorar no país, tendo os cidadãos
escolhido diretamente a república presidencialista. Já no referendo, os cidadãos têm o poder de aprovar (referendar)
determinada medida já acolhida pelo poder Legislativo para que a cidadania confirme ou rejeite a norma em questão.
A Constituição de 1988 atribuiu competência exclusiva ao Congresso Nacional para autorizar referendo e convocar
plebiscito (Art. 49, XV).

Por sua vez, a iniciativa popular consiste mais precisamente na iniciativa popular legislativa. Trata-se do direito
assegurado ao conjunto de cidadãos de iniciar o processo legislativo, apresentando projeto de lei à Câmara dos
Deputados, com observância aos requisitos constitucionais do Art.61, parágrafo 2o. É de se lamentar que os
mecanismos da democracia participativa tenham sido até hoje pouco utilizados entre nós. Dentre os fatores que
contribuem para tanto, apontamos para a concentração no Congresso Nacional da prerrogativa de provocar os
mecanismos do plebiscito e do referendo, condicionando, assim, a participação ativa dos cidadãos em decisões
públicas relevantes à vontade de seus representantes eleitos – o que contraria toda a lógica da democracia
participativa, complexo sistema de coleta de assinaturas para apresentação de projetos legislativos de iniciativa
popular. A incipiente educação cívica e política do povo brasileiro, que prejudica a participação e a cidadania ativa, é
outro fator.

Seria, pois, de imensurável importância para o fortalecimento da democracia participativa que os seus mecanismos
fossem simplificados para incentivar a ativa participação. Ressaltamos também que os debates que antecedem a
votação de um plebiscito ou referendo sobre a participação do Brasil na ALCA ou da tomada de empréstimos junto ao
FMI, sob condições que exigem duros sacrifícios sociais, têm em si mesmos um caráter educativo e pedagógico para
a participação política e a cidadania ativa.

Quanto ao alistamento eleitoral, o exercício do voto é obrigatório para os maiores de dezoito anos (Art. 14, Parágrafo
1º, I) e facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos (Art. 14, Parágrafo 1º, alíneas a), b) e c)). Os estrangeiros e os que estão prestando serviço militar obrigatório
não podem alistar-se como eleitores (Art. 14, Parágrafo 2º). Nos termos do Art. 14, Parágrafo 3º, as condições para a
elegibilidade para cargos públicos são: a nacionalidade brasileira; o pleno exercício dos direitos políticos; o
alistamento eleitoral; o domicílio eleitoral na circunscrição (ou seja, no Município ou Estado para o qual será eleito o
representante, e evidentemente, no Brasil, para o caso de eleição presidencial); a filiação a partido político; e a idade
mínima de trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador, de vinte e um anos para
Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de Paz, e de dezoito ano para
Vereador. Não poderão ser eleitos os analfabetos e os inalistáveis (Art. 14, Parágrafo 4º).
10) Direito à Nacionalidade

A nacionalidade é o vínculo jurídico-político da pessoa a determinado Estado Nacional. É por meio da nacionalidade
que identificamos sob que regime e sistema político a pessoa vive e quais os seus direitos e deveres, segundo as leis
do Estado do qual ela é nacional. Para considerar a importância do direito à nacionalidade, pense na situação da
pessoa que não é nacional de nenhum país – o apátrida (sem pátria, sem nação). Que direitos ele tem? Quais são os
seus bem jurídicos? Quais são as normas que fundamentam seus direitos? No caso do apátrida, todas essas
perguntas ficam sem respostas. Ainda que exista um relevante sistema de proteção internacional dos direitos
humanos, pode-se afirmar que o direito à nacionalidade compõe o direito a ter direitos.

Nessa situação pode encontrar-se o “refugiado” que, segundo o Estatuto do Refugiado (artigo primeiro, incisos I, II e
III) caracteriza-se como sendo todo indivíduo que “devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa
ou não queira acolher-se à proteção de tal país” ou, ainda, aquele(a) que, “não tendo nacionalidade e estando fora do
país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias
descritas no inciso anterior”; ou que “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar
seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.

Ainda segundo o Estatuto do Refugiado, o Alto comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, atuando sob a
autoridade da Assembleia Geral, assume a tarefa de proporcionar proteção internacional, sob os auspícios das
Nações Unidas, aos refugiados que reúnam as condições previstas Estatuto, e de encontrar soluções permanentes
ao problema dos refugiados, ajudando aos governos e, com sujeição à aprovação dos governos interessados, às
organizações privadas, a facilitar a repatriação voluntária de tais refugiados ou a sua assimilação em novas
comunidades nacionais.

A Constituição de 1988 determina que a nacionalidade pode resultar de fato natural – o nascimento – ou de fato de
fato voluntário, ocorrido depois do nascimento. No primeiro caso, a Constituição prevê, no seu Art. 12, I, que são
brasileiros natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes
não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que
qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; e c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro
ou mãe brasileira, desde que venham a residir no na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo,
pela nacionalidade brasileira.

Percebe-se que há dois critérios de adoção de nacionalidade pelo nascimento: o critério do solo (ius solis), segundo o
qual será brasileiro nato aquele que nascer em solo brasileiro; e o critério do sangue (ius sanguinis), segundo o qual
será brasileiro aquele que for filho de brasileiro, desde que atendidas as condições das referidas alíneas b) e c) do
Art. 12, I. Portanto, o critério que predomina é o critério do solo com concessões para o critério do sangue.

No caso da nacionalidade por fato voluntário, a Constituição, no Art. 12, II, estabelece que serão brasileiros
naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de
língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer
nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação
penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. A Constituição veda à lei estabelecer qualquer distinção entre
brasileiros natos e naturalizados, salvo nos caso previstos na própria Constituição (Art. 12, Parágrafo 2º).

No Parágrafo 3º do mesmo Art. 12, são previstos os cargos públicos privativos de brasileiros natos: Presidente e
Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal, Ministro do
Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática, de oficial das forças armadas e de Ministro de Estado da Defesa.

No plano infraconstitucional, cabe citar, no que diz respeito à nacionalidade, a Lei nº 9.584, de 10 de dezembro de
1997 que, dentre outras alterações, dá nova redação ao artigo 30 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 que
dispões sobre os registros públicos e acrescenta inciso ao artigo 1º da Lei 9.265 , de 12 de fevereiro de 1996 que
trata da gratuidade nos atos necessários à cidadania, dentre estes aqueles que capacitam o cidadão ao exercício da
soberania popular, o alistamento militar, pedidos de informação ao poder público, quaisquer requerimentos ou
petições que visem as garantias individuais e a defesa do interesse público.

Outro importante passo dado em direção à promoção dos direitos humanos, foi a Mobilização Nacional pelo Registro
de Nascimento em 25 de outubro de 2003 para garantir os direitos a um nome e um sobrenome a milhares de
brasileiros e brasileiras. Com o registro de nascimento a pessoa passa a existir enquanto indivíduo sujeito de direitos
e pode pleitear a satisfação desses direitos. Destaca-se que com essa mobilização e outros estudos está sendo
criado o Plano Nacional Para Registro Civil de Nascimento que tem a missão de estabelecer ações articuladas que
garantam a certidão de nascimento a todos os brasileiros. Outras metas previstas no plano são erradicar o
subregistro de nascimento até outubro de 2006 e fortalecer o sistema brasileiro de registro civil.
11) Direito ao Meio Ambiente

A Constituição Federal de 1988 inovou ao dedicar um capítulo próprio ao direito ao meio ambiente. Trata-se do
Capítulo VI do Título VIII – Da Ordem Social. No início do capítulo, é determinado que: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações” (Art. 225, caput).

O avanço tecnológico acelerado, ocorrido a partir da Revolução Industrial no final do século XVIII e acentuado ainda
mais a partir de meados do século XX, além de trazer comodidades e novos confortos para parte da população
mundial também implicou a drástica devastação do meio ambiente, gerando graves ameaças para a saúde do
equilíbrio ecológico e da vida no planeta. A tomada de consciência desse perigo, sobretudo a partir da década de
1970, e o imenso patrimônio ecológico e de biodiversidade do Brasil aparecem finalmente refletidos no Capítulo da
Constituição dedicado ao direito ambiente quando se reconhece o direito ao meio ambiente equilibrado como “um
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Note que o reconhecimento desse direito não se
limita ao presente, mas implica em verdadeiro pacto entre as gerações presentes e futuras. Isto é, todos nós, além de
titulares do direito ao meio ambiente, temos o dever de preservá-lo para os nossos descendentes. Trata-se da
expressão do valor de fraternidade entre todos os povos e entre gerações.

Por outro lado, a Constituição também impõe ao Poder Público a obrigação de estabelecer políticas públicas para
assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, cujas diretrizes aparecem no parágrafo 1º do Art 225: a)
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
b) preservar a diversidade e a integridade e do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material genético; c) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio
de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; d) exigir,
na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; e) controlar a produção, a comercialização
e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida e o meio ambiente; f) promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
g) proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Como se observa, as normas constitucionais refletem a consciência de que o direito à vida digna como matriz de
todos os demais direitos humanos é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio
ambiente. Compreendeu-se que ele é um valor preponderante sobre quaisquer considerações, tais como as
relacionadas ao desenvolvimento econômico, ao direito de propriedade e à iniciativa privada.

Assim, se a exploração madeireira ou mineradora gera empregos e superávit no balanço entre exportações e
importações, ainda assim ela deverá respeitar os limites de manejo e/ou manutenção da qualidade ambiental. A
propriedade e a livre iniciativa privada são direitos assegurados no texto constitucional, mas não podem estar acima
do direito fundamental à uma vida digna, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio
ambiente, que é instrumental no sentido de que, por meio dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a
qualidade da vida humana.
Qual a matriz constitucional que orienta a proteção jurídica do meio ambiente?
12) Direito dos Povos Indígenas

O princípio da igualdade exige que as especificidades e as diferenças entre todas as pessoas sejam observadas,
reconhecidas e respeitadas. Somente mediante essa perspectiva é possível transitar-se da igualdade formal para a
igualdade material ou substantiva. Tal perspectiva concretizou-se com o processo de multiplicação dos direitos
humanos. Esse processo de “proliferação de direitos” envolveu não apenas o aumento dos bens merecedores de
tutela, mediante a previsão dos direitos à prestação (como os direitos econômicos, sociais e culturais), como também
envolveu a extensão da titularidade de direitos.
A partir da extensão da titularidade de direitos, há o alargamento do próprio conceito de sujeito de direito, que passou
a abranger, além do indivíduo, as entidades de classe, as organizações sindicais, os grupos vulneráveis e a própria
humanidade, como no caso do direito ao meio ambiente.

Esse processo implicou ainda a especificação do sujeito de direito, tendo em vista que, ao lado do sujeito genérico e
abstrato, delineia-se o sujeito de direito concreto, visto em sua especificidade e na concretude de suas diversas
relações. Isto é, do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, idade, classe social, etnia, dentre outros critérios,
emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se
não mais ao indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo “especificado”, considerando-se
categorizações relativas ao gênero, idade, etnia, raça, orientação sexual, etc.

Consolida-se, gradativamente, um aparato normativo especial de proteção endereçado à proteção de pessoas ou


grupos de pessoas particularmente vulneráveis que merecem proteção especial. Os sistemas normativos
internacional e nacional passam a reconhecer direitos endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às pessoas
vítimas de tortura, às pessoas vítimas de discriminação racial, dentre outros. No âmbito internacional, são elaboradas
a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Internacional
contra a Tortura, a Convenção sobre os Direitos da Criança, dentre outros importantes instrumentos internacionais.

Esse sistema internacional de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito no qual o sujeito de
direito é visto em sua especificidade e concretude. As Convenções que integram esse sistema são endereçadas a
determinado sujeito de direito, ou seja, buscam responder a determinada violação de direito.

No caso brasileiro, o processo de especificação do sujeito de direito ocorreu fundamentalmente com a Constituição
Brasileira de 1988 que, por exemplo, traz capítulos específicos dedicados à criança, ao adolescente, ao idoso, aos
índios, bem como dispositivos constitucionais específicos voltados às mulheres, à população afrodescendente, às
pessoas portadoras de deficiência, etc.

Os povos indígenas foram os habitantes originários do território brasileiro. Sabemos que, ao longo do período
Colonial, esses povos foram escravizados, explorados e dizimados pelos colonizadores. Mesmo depois da
Independência e da Proclamação da República, o avanço na ocupação de terras tradicionalmente ocupadas pelos
povos indígenas feriu mortalmente as tradições e mesmo a sobrevivência de vários grupos indígenas. A Constituição
de 1988 traduz o reconhecimento dessa dívida histórica e da vulnerabilidade social dos povos indígenas e objetiva
proteger suas tradições, além de sinalizar, com medidas afirmativas, o respeito à dignidade dos povos indígenas.
Esse é o espírito com que deve ser lido e interpretado o caput do Art. 231, que abre o capítulo dedicado aos povos
indígenas: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens”.

Além de tornar dever dos poderes públicos a proteção e respeito ao patrimônio material, social e cultural dos povos
indígenas, a Constituição também atribui aos próprios índios, suas comunidades e organizações a legitimidade para
defender seus direitos e interesses ativamente perante o Poder Judiciário. Se anteriormente à Constituição de 1988
os índios (silvícolas) eram considerados sujeitos de direito relativamente capazes, com a sua publicação, eles
adquirem capacidade jurídica plena.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do governo brasileiro que estabelece e executa a Política
Indigenista no Brasil, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988.

Na prática, significa que compete à FUNAI promover a educação básica aos índios, demarcar, assegurar e proteger
as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os
grupos indígenas. A Fundação tem, ainda, a responsabilidade de defender as Comunidades Indígenas, de despertar
o interesse da sociedade nacional pelos índios e suas causas, gerir o seu patrimônio e fiscalizar as suas terras,
impedindo as ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de
seus limites e que representem um risco à vida e à preservação desses povos.
No âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, cabe ao Conselho Nacional de Combate à
Discriminação - CNCD, criado em outubro de 2001, a função de propor e acompanhar políticas públicas para a
defesa dos direitos de indivíduos e grupos sociais vítimas de discriminação racial e étnica ou outra forma de
intolerância, dentre estes, os povos indígenas.
13) Direitos das Mulheres

A reflexão a respeito da mulher e o debate sobre direitos humanos no Brasil levanta duas questões centrais: a) Como
compreender a gramática contemporânea dos direitos humanos das mulheres?; b) Quais os principais desafios e
perspectivas para a proteção destes direitos no cenário brasileiro?
Em face do processo de internacionalização dos direitos humanos, foi a Declaração e Programa de Ação (Viena-
1993) que, de forma explícita, afirmou, em seu parágrafo 18, que os direitos humanos das mulheres e das meninas
são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Esta concepção foi reiterada pela
Plataforma de Ação de Pequim, de 1995. O legado de Viena é duplo: endossa a universalidade e a indivisibilidade
dos direitos humanos invocada pela Declaração Universal de 1948 e também confere visibilidade aos direitos
humanos das mulheres e das meninas, em expressa alusão ao processo de especificação do sujeito de direito e à
justiça enquanto reconhecimento de identidades.
Importa ressaltar que a primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela ótica da proteção geral, que
expressava o temor da diferença que, no nazismo, havia sido orientada para o extermínio com base na igualdade
formal. Basta avaliar quem é o destinatário da Declaração Universal de 1948, bem como atentar para a Convenção
para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, também de 1948, que pune a lógica da intolerância pautada
na destruição do “outro” em razão de sua nacionalidade, etnia, raça ou religião.

Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. É necessária a especificação do
sujeito de direito, que passa a ser visto em suas peculiaridades e particularidades. Neste sentido, determinados
sujeitos de direitos, ou determinadas violações de direitos, exigem uma resposta específica e diferenciada. Transita-
se do paradigma do homem, ocidental, adulto, heterossexual e dono de um patrimônio para a visibilidade de novos
sujeitos de direitos.
Neste cenário, as mulheres devem ser vistas nas especificidades e peculiaridades de sua condição social. Ao lado do
direito à igualdade, surge, como direito fundamental, o direito à diferença. O direito à diferença implica o direito ao
reconhecimento de identidades próprias, o que propicia a incorporação da perspectiva de gênero, isto é, reinterpretar
os direitos humanos a partir da relação entre os gêneros, como um tema transversal.

O balanço das últimas três décadas permite arriscar que o movimento internacional de proteção dos direitos
humanos das mulheres centrou seu foco em três questões centrais: a) a discriminação contra a mulher; b) a violência
contra a mulher e c) os direitos sexuais e reprodutivos.

Na experiência brasileira, a Constituição Federal de 1988, enquanto marco jurídico da transição democrática e da
institucionalização dos direitos humanos no país, incorporou a maioria significativa das reivindicações formuladas
pelas mulheres.

O êxito do movimento de mulheres em relação aos avanços constitucionais é evidenciado pelos dispositivos
constitucionais que, dentre outros, asseguram: a) a igualdade entre homens e mulheres em geral (artigo 5o, I) e
especificamente no âmbito da família (artigo 226, parágrafo 5o); b) a proibição da discriminação no mercado de
trabalho, por motivo de sexo ou estado civil (artigo 7o, XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995,
que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos
admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho); c) a proteção especial da mulher do mercado de
trabalho, mediante incentivos específicos (artigo 7o, XX, regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que
insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho); d) o
planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito (artigo 226, parágrafo 7o, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de
1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde); e) o dever do Estado
de coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, parágrafo 8o).

Além desses avanços, merece ainda destaque a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para
as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de
setenta por cento para candidaturas de cada sexo. Adicione-se, também, a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que
dispõe sobre o crime de assédio sexual.

Há que se observar que os avanços obtidos no plano internacional têm sido capazes de impulsionar transformações
internas. Nesse sentido, cabe destaque ao impacto de documentos como a Convenção sobre a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher, de 1979, a Declaração e Programa de Ação de Viena-1993, a Conferência sobre
População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, de 1994 e a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, de 1995, na construção dos
direitos humanos das mulheres no contexto brasileiro. Tais instrumentos internacionais têm possibilitado ao
movimento de mulheres exigir, no plano local, a implementação de avanços obtidos na esfera internacional.

No que se refere à discriminação contra a mulher, a experiência brasileira está em absoluta consonância com os
parâmetros protetivos internacionais, refletindo tanto a vertente repressiva-punitiva (pautada pela proibição da
discriminação contra a mulher), como a vertente promocional (pautada pela promoção da igualdade, mediante
políticas compensatórias).
Quanto à violência contra a mulher, embora a Constituição de 1988 seja a primeira a explicitar a temática, merecendo
destaque também a lei que tipifica a violência do assédio sexual, não há ainda legislação específica a tratar, por
exemplo, da violência doméstica. É emergencial a adoção de políticas públicas voltadas à prevenção, punição e
erradicação da violência contra a mulher em todas as suas manifestações, eis que este padrão de violência constitui
grave violação aos direitos humanos das mulheres.

Quanto aos direitos reprodutivos, a Carta de 1988 simboliza novamente um avanço ao reconhecer o planejamento
familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer coerção. Resta, todavia, a necessidade de assegurar amplos programas de
saúde reprodutiva, reavaliando a legislação punitiva referente ao aborto, de modo a convertê-lo efetivamente em
problema de saúde pública.

No âmbito da estrutura governamental, compete à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SEPM –
criada pela Lei 10.683, de 28/05/2003 - que integra a Presidência da República, assessorar direta e imediatamente o
Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas para as mulheres, bem como elaborar
e implementar campanhas educativas e antidiscriminatórias , de caráter nacional; elaborar o planejamento de gênero
que contribua na ação do governo federal e demais esferas governamentais com vistas à promoção da igualdade
entre homens e mulheres através da cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados
voltados para a implementação de políticas para as mulheres. Para a implementação de políticas, a SEPM conta, em
sua estrutura básica, com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM, órgão colegiado de caráter
consultivo, criado pela Lei 7353, de 29/08/1985, complementado pelo Decreto 4.773, de 07/07/2003 que tem por
finalidade promover, no âmbito nacional, políticas para as mulheres com a perspectiva de gênero, que visem eliminar
o preconceito e a discriminação, inclusive as de aspectos econômicos e financeiros, ampliando o processo de
controle social sobre as referidas políticas.

Apesar dos significativos avanços obtidos na esfera constitucional e internacional, reforçados pela legislação
infraconstitucional esparsa, que refletem, cada qual ao seu modo, as reivindicações e anseios contemporâneos das
mulheres ainda persiste na cultura brasileira uma ótica sexista e discriminatória com relação às mulheres que as
impedem de exercer, com plena autonomia e dignidade, seus direitos mais fundamentais.

Os avanços constitucionais e internacionais, que consagram a ótica da igualdade entre os gêneros, têm, por vezes, a
sua força normativa gradativamente pulverizada e reduzida mediante uma cultura que praticamente despreza o
alcance dessas inovações, sob uma perspectiva discriminatória, fundada em uma dupla moral que ainda atribui
pesos diversos e avaliações morais distintas a atitudes praticadas por homens e mulheres.

Daí a urgência em se estimular uma cultura fundada na observância dos parâmetros internacionais e constitucionais
de proteção aos direitos humanos das mulheres, visando a implementação dos avanços constitucionais e
internacionais já alcançados. Esses avanços consagram uma ótica democrática e igualitária em relação aos gêneros.
É preciso criar uma doutrina jurídica, sob a perspectiva de gênero, que seja capaz de visualizar a mulher e fazer
visíveis as relações de poder entre os gêneros. Essa doutrina há de ter como base o padrão de discriminação e as
experiências de exclusão e violência sofridas por mulheres. Deve ainda ter como objetivo central a tarefa de
transformar essa realidade. Como meio, essa doutrina deve se valer dos instrumentos internacionais de proteção dos
direitos da mulher e da Constituição de 1988.

É importante compreender que não há direitos humanos sem a plena observância dos direitos das mulheres, ou seja:
não há direitos humanos sem que metade da população mundial exerça, em igualdade de condições, os direitos mais
fundamentais.
Como o direito à diferença pode complementar o direito à igualdade?
14) Direitos dos Afrodescendentes

Ao tratar do tema da igualdade, a Constituição Brasileira acolhe duas vertentes distintas e complementares: o
combate à discriminação e a promoção da igualdade. Isto é, o combate à discriminação torna-se insuficiente se não
se verificam medidas voltadas à promoção da igualdade. Por sua vez, a promoção da igualdade, por si só, mostra-se
insuficiente se não se verificam políticas de combate à discriminação.

A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII, estabelece que a "lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", acrescentando que “a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei."

A fim de conferir cumprimento ao dispositivo constitucional, surgiu a Lei n. 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que definiu
os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. A Lei 7716/89, denominada Lei Caó, veio a ser alterada
posteriormente em 1997 (Lei 9.459/97), para também contemplar a injúria baseada em discriminação racial (ex: as
humilhações, os xingamentos,…). A Lei 9.459/97 ainda ampliou o foco para a punição de atos resultantes de
preconceito de etnia, religião ou procedência nacional, já que a Lei 7716/89 teve seu objeto originariamente restrito
ao combate dos atos resultantes de preconceito de raça ou cor.
Na experiência brasileira constata-se que a Lei Afonso Arinos de 1951 (Lei 1390/51) foi a primeira a tipificar o
racismo como contravenção penal (crime de menor potencial ofensivo). Portanto, somente com a Constituição de
1988, 100 anos após a abolição da escravatura, o racismo foi elevado a crime, inafiançável, imprescritível e sujeito à
pena de reclusão, nos termos do art.5o, XLII.

Contudo, em relação a discriminação racial, o aparato repressivo-punitivo, embora relevante e necessário, tem se
mostrado insuficiente para enfrentar tal forma de discriminação. Até 2000, passados mais de dez anos de vigência da
Lei, as condenações criminais por racismo não chegavam a uma dezena no país. As indenizações por danos morais,
na esfera cível, têm se mostrado uma via mais exitosa. Dois parecem ser os motivos: a) a reduzida sensibilidade dos
operadores do Direito para responder aos casos e b) a insuficiência de limitar o enfrentamento da discriminação
apenas à vertente repressiva.

De um lado, faz-se necessário fomentar a capacitação jurídica para que, os diversos atores: delegados/as,
promotores, advogados/as, magistrados/as, possam, com maior eficácia, inclusive mediante a criação de serviços
jurídicos especializados, responder à gravidade do racismo. No mesmo sentido, cabe aprimorar e fortalecer o aparato
repressivo, como sugere o documento brasileiro à Conferência de Durban, tornando o racismo, a xenofobia e outras
formas de intolerância, agravantes de crimes. Ressalte-se que as ações individuais indenizatórias por danos morais
não devem resumir-se no único caminho no enfrentamento do racismo. A propositura de ações coletivas e da ação
civil pública, em particular, com fundamento no princípio da igualdade, pode e deve ser mais uma alternativa na luta
contra o racismo e sua forma contemporânea de manifestação.
Por outro lado, não basta o mero reforço da vertente repressiva, como comprova a própria experiência brasileira. É
necessário transcender a perspectiva punitiva, a fim de que seja aliada à perspectiva promocional.

No Direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 estabelece importantes dispositivos que demarcam a busca da
igualdade material, que transcende a igualdade formal. A título de registro, destaca-se o artigo 7º, inciso XX, que trata
da proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, bem como o artigo 37, VII, que
determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência.
Adicione-se também o Programa Nacional de Direitos Humanos, que faz expressa alusão às políticas
compensatórias, prevendo como meta o desenvolvimento de ações afirmativas em favor de grupos socialmente
vulneráveis; o Programa de Ações Afirmativas na Administração Pública Federal; e a adoção de políticas de cotas em
Universidades (ex: UERJ, UNEB, UnB,...).

Em um país em que os afrodescendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA), em que o
índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000) figura o país em 74o lugar, mas que, sob o recorte étnico-racial,
o IDH relativo à população afrodescendente indica a 108a posição (enquanto o IDH relativo à população branca
indica a 43a posição), faz-se necessária a adoção de ações afirmativas em benefício da população negra, em
especial nas áreas da educação e do trabalho.
Para cumprir os compromissos assumidos pelo Brasil, em nível internacional, de combate à discriminação em todas
as suas formas, foi criada, no âmbito da Presidência da República, através da Lei 10.678, de 23/05/2003, a
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, à qual compete dentre outras
atribuições, assessorar o Presidente da República direta e imediatamente na formulação, coordenação e articulação
de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial; na formulação, coordenação e avaliação das políticas
públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos,
com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância; na formulação,
coordenação e acompanhamento das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial, no
planejamento, coordenação da execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas e na promoção do
acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem o
cumprimento dos acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assinados pelo Brasi nos aspectos
relativos à promoção da igualdade e de combate à discriminação racial ou étnica.
15) Direito à Livre Orientação Sexual

Como já observamos, o paradigma que, em geral, ainda orienta o pensamento político, jurídico e social no Brasil e
em boa parte do mundo Ocidental é o do homem, adulto, ocidental, heterossexual e dono de um patrimônio. Dentre
as muitas exclusões sociais geradas por tal paradigma, uma das mais cruéis é a sofrida pelas pessoas com
orientação sexual distinta da heterossexual. A crueldade aqui atinge a esfera da liberdade e identidade pessoal, da
autonomia de escolha e de consciência, da vida íntima e da capacidade de amar e escolher e conviver dignamente
com o ser amado.
Para se ter uma medida de quanto o preconceito é disseminado em nossa sociedade vale referir a uma pesquisa da
UNESCO (Órgão da ONU para Educação, Ciência e Cultura) divulgada nas primeiras semanas de março de 2004,
que ouviu 16.422 estudantes do ensino fundamental e médio de 14 cidades brasileiras. Segundo o estudo,
aproximadamente 25% dos estudantes afirmaram que não gostariam de ter um colega de classe homossexual –
entre os meninos, são quase 40%. Portanto, já temos uma jovem geração marcada pelo preconceito e pela ideia de
exclusão do homossexual e sem a cultura ética da liberdade de orientação sexual.

Em uma pesquisa sobre crimes homofóbicos documentados em 25 países de todos os quadrantes, o Brasil situa-se
no topo da lista, com uma média de 128 mortes anuais, seguido do México com 35 assassinatos e, em terceiro lugar,
dos Estados Unidos, com 25 crimes de ódio homofóbico por ano.

A Constituição de 1988 deu, já sabemos, largos passos, na superação do tratamento discriminatório fundado no
sexo, ao equiparar os direitos e obrigações de homens e mulheres. Contudo, uma das questões mais debatidas na
Assembleia Nacional Constituinte, com relação à sexualidade e igualdade, referiu-se às então chamadas
“discriminações dos homossexuais”. Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse claramente, mas,
lamentavelmente, isso não ocorreu sob o argumento de que “não se encontrou uma expressão nítida e devidamente
definida que não gerasse extrapolações inconvenientes”. Uma delas foi justamente a de reconhecer a igualdade, sem
discriminação de orientação sexual no Art. 3º, IV, reconhecendo, assim, não apenas a igualdade, mas também a
liberdade das pessoas de ambos os gêneros adotarem a orientação sexual que lhes conviesse. Porém, houve o
receio de que a expressão orientação sexual abrigasse “deformações prejudiciais a terceiros”. Daí a opção por vedar
distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, consideradas suficientemente abrangentes para
incluir também aqueles fatores que têm servido de base para desequiparações e preconceitos.

Infelizmente, a timidez da Constituinte demonstra o quanto a questão ainda é tabu em nossa sociedade, o que é
reiterado pelo atravancamento no Congresso Nacional do Projeto de Lei que reconhece a união civil entre pessoas
do mesmo sexo e pela inexistência de legislação federal que criminalize (tal como no caso do racismo) a
discriminação com base na orientação sexual.

Apear de tudo isso, a Constituição de 1988 elenca direitos e garantias fundamentais, tais como o direito à liberdade e
à igualdade em geral, à liberdade de consciência, à intimidade, à vida privada e, na essência de todos, à dignidade
da pessoa humana, cuja interpretação adequada só reafirma o direito à livre orientação sexual. Com base nesses
preceitos, é possível afirmar uma cultura jurídica que inspire uma consciência ética em nossa sociedade de respeito à
diferença e à livre orientação sexual. Um importante exemplo, nesse sentido, foi a recente decisão do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul de determinar que os cartórios de registro civil aceitassem e registrassem a união civil
de pessoas do mesmo sexo. Além de evitar preconceitos, esse tipo de medida garante aos homossexuais o direito de
herdarem os bens de seus companheiros(as), dividir planos de saúde, e outros direitos civis de qualquer cidadão
brasileiro.

O enfrentamento da homofobia no país requer a educação sexual em todos os graus escolares, ensinando a todas as
crianças, jovens e adultos que o homossexual é ser humano digno de respeito e que a livre orientação sexual é um
direito inalienável de cidadania. Faz-se também necessária a adoção de leis que punam exemplarmente os que
discriminam, violentam e assassinam gays, travestis e lésbicas, capacitando a polícia e a justiça a investigar, julgar e
punir com exemplar severidade os autores de crimes homofóbicos. Some-se ainda a necessidade de campanhas de
esclarecimento junto à população em geral, substituindo a homofobia por sentimentos e ações de tolerância e
respeito à diversidade sexual.

Iniciativas governamentais como o “Programa Brasil Sem Homofobia – Programa Brasileiro de Combate à Violência e
à Discriminação contra Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais, e de Promoção da Cidadania Homossexual”,
lançado em 25/05/2003, propõe a transversalidade do tema nas ações das esferas e níveis governamentais, sendo
uma conquista histórica para o movimento homossexual. O referido Programa tem como princípios: “ a inclusão da
perspectiva da não discriminação por orientação sexual e de promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas,
transgêneros e bissexuais, nas políticas públicas e estratégias do Governo Federal, a serem implantadas (parcial ou
integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias; a produção de conhecimento para subsidiar a
elaboração, implantação e avaliação das políticas públicas voltadas para o combate à violência e à discriminação por
orientação sexual, garantindo que o Governo Brasileiro inclua o recorte de orientação sexual e o segmento GLTB em
pesquisas nacionais a serem realizadas por instâncias governamentais da administração pública direta e indireta; a
reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem o combate a todas as formas de
discriminação e de violência e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de
homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira”.

O Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNDC terá papel de suma importância nesse processo, uma vez
que representa o coletivo da sociedade brasileira, e é o responsável pelo controle das ações que visem a promoção
da igualdade e o fim da discriminação em todas as suas vertentes, onde se inclui o combate à discriminação com
base na orientação sexual.
Estão previstas avaliações anuais do Programa Brasil Sem Homofobia, sendo que, ao final do segundo ano, terá
lugar processo de avaliação que envolverá organizações de defesa dos direitos de homossexuais e de defesa dos
direitos humanos que, juntamente com o Governo Federal, definirá as bases para a sua continuidade.
16) Direitos das Crianças e dos Adolescentes.

Ainda persiste em nosso país a cultura adultocêntrica, que percebe o mundo e a vida a partir da lente dos adultos.
Dissemina-se a cultura da “menorização”, em que crianças e adolescentes são vistos como seres inferiores,
menores, em direitos e dignidade. A própria etimologia de infância aponta ao “infant”, que é o sem voz e sem fala.
Frise-se que, ao longo de décadas, as crianças não detinham qualquer autonomia. Eram integradas ao mundo dos
adultos e conduzidas por rígida disciplina.

No Brasil, vigorava, até a última década, a doutrina do “menor em situação irregular” (inspiradora do Código de
Menores), o que traz a marca da herança cultural correcional, que só vê a criança em situação de irregularidade e
não como uma pessoa dotada de dignidade. Foi somente com a Constituição Brasileira de 1988, com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n.8069/90) e com a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (ratificada pelo
Brasil em 24.09.90), que se introduziu, na cultura jurídica brasileira, um novo paradigma inspirado pela concepção da
criança e do adolescente como verdadeiros sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento.

O novo paradigma introduzido pela CF 1988 e pela Convenção fomenta a doutrina da proteção integral à criança e ao
adolescente. Consagra, deste modo, uma lógica e uma própria voltadas a assegurar a prevalência e a primazia do
interesse superior da criança e do adolescente. Como afirma o texto constitucional criança é prioridade absoluta. Na
qualidade de sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento, à criança e ao adolescente é garantido o
direito à proteção especial.
Sob a perspectiva dos direitos humanos, tanto a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), como a
Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), traduzem uma visão integral dos direitos
humanos das crianças e dos adolescentes, contemplando a indivisibilidade destes direitos, sua implementação
recíproca e a igual importância de todos os direitos, sejam civis, políticos, sociais, econômicos ou culturais,
consagrando a criança e o adolescente como indivíduos, portanto, cidadãos.

No entanto, apesar da clareza dos comandos normativos nacionais e internacionais em atribuir direitos às crianças e
aos adolescentes, testemunhamos um padrão de desrespeito aos mais elementares direitos humanos, de que são
titulares as crianças e os adolescentes. Destacam-se, no quadro das graves violações aos direitos humanos das
crianças e adolescentes: a) a violência, o abuso e a exploração sexual; b) o trabalho infantil; e c) o tratamento do
adolescente em conflito com a lei. No que se refere, especificamente, ao adolescente em conflito com a lei, a
situação é ainda mais caótica. A atribuição da autoria de prática de delitos gera frequentemente a desqualificação
dos adolescentes, como se estes deixassem de ser sujeitos de direitos e perdessem o estatuto de cidadania. Os
adolescentes em conflito com a lei, os quais integram a categoria chamada de delinquência juvenil, geram reações e
sentimentos hostis de grupos sociais que não analisam o contexto socioeconômico, político e cultural em que vivem.
Normalmente, tais reações são imediatistas e expressam um desejo de simplesmente excluir, ainda mais, esta
camada da população, sem que exista alguma mobilização para a transformação desta realidade. Nota-se, também,
um processo de culpabilização direcionado ao adolescente, à família deste e, até mesmo, ao Estatuto da Criança e
do Adolescente.

As instituições que acolhem esses menores considerados infratores se propõem a isolar, a punir ou educar? Em
algum momento, essas menores vão sair. Será que a maioridade é o suficiente? Como será enfrentada a vida social
após, por exemplo, dez anos de isolamento? Outra questão que recobre o fenômeno é a faixa etária. Nesse aspecto,
a idade de 18 anos é uma marca, uma vez que, a partir daí, quem infringe a lei vai para os presídios. Além disso,
surge a questão social. Dificilmente, entre aqueles menores, existe algum que pertença à classe média ou média alta.
Portanto estes menores são, na maioria, provenientes de lares carentes. Mas isso não quer dizer que ser violento é
sinônimo de carente. Se isso fosse verdade, estaríamos transformando a periferia da cidade em viveiros de menores
violentos que teriam que ser isolados para poder deixar a sociedade livre de suas atitudes e comportamentos
violentos. Atente-se ainda que a discriminação implica em pobreza e que a pobreza implica em discriminação. No
Brasil, as crianças e os adolescentes representam 61 milhões (35,9% da população local). Deste universo, 45% do
total de crianças e adolescentes são pobres, sendo que 71% das crianças indígenas o são e 58% das crianças
negras também. Adicione-se que 74% das crianças e adolescentes da área rural são pobres – o dobro da
percentagem encontrada nas áreas urbanas.

Daí a importância de identificar as mais graves violações e de se “desnaturalizar” as desigualdades, bem como o
padrão de violência estrutural, sistemática e persistente, que afeta diversamente crianças e adolescentes,
dependendo de sua raça, etnia, gênero, região, dentre outros critérios. A pertença a estas diversas raças, etnias,
gênero não pode dificultar o pleno e livre exercício dos direitos humanos, mitigando a dignidade e restringindo as
potencialidades destes sujeitos de direitos.
Neste contexto, é essencial a apropriação de novos valores e a implementação dos parâmetros constitucionais e
internacionais, que afirmam as crianças e adolescentes como verdadeiros e efetivos sujeitos de direito, em condição
peculiar de desenvolvimento, a merecer especial proteção.

Como exemplo de um amplo esforço de articulação e integração entre governo e sociedade civil organizada capaz de
promover a necessária sinergia entre as várias ações que afetam a qualidade de vida das crianças e dos
adolescentes, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso de garantir, na sua gestão, prioridade
às políticas voltadas para promover os direitos de cidadania às crianças e aos adolescentes brasileiros.

Em resposta a este compromisso a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança apresentou o Plano Presidente Amigo
da Criança e do Adolescente, que prima pelo respeito à legislação brasileira expressa na Constituição Federal de
1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual foi lançado na última Conferência Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, em dezembro de 2003. O Plano observa os acordos internacionais relativos à
criança e ao adolescente ratificados pelo Brasil na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989 e,
particularmente, na Seção Especial pela Criança realizada pela ONU em 2002, que estabeleceu no documento “Um
Mundo para as Crianças” os compromissos de: promover vidas saudáveis; prover educação de qualidade, proteger
contra abuso, proteção e violência e combater HIV/AIDS.
A responsabilidade pela implementação do Plano será de uma Comissão Interministerial, coordenada pela Secretaria
Especial de Direitos Humanos e composta por representantes dos seguintes órgãos: Ministério da Assistência Social;
Ministério das Cidades; Ministério da Educação; Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à
Fome; Ministério da Integração Nacional; Ministério da Justiça; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
Ministério da Saúde; Ministério do Trabalho Emprego; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada, e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A Rede de Monitoramento Amiga da Criança acompanhará a implementação dos compromissos de gestão do Plano
Presidente Amigo da Criança, analisando os avanços das metas nas áreas de educação, saúde e proteção, e
propondo recomendações
Um outro exemplo é o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, a ser lançado em junho de
2004, elaborado pela Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil – Conaeti – no âmbito do Ministério do
Trabalho e Emprego, a partir das diretrizes propostas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil – FNPETI (articulação quadripartite, responsável pela articulação de políticas de enfrentamento ao trabalho
infantil no Brasil)
É emergencial romper, em definitivo, com as reminiscências de uma cultura e prática autoritárias, que inibem a
construção emancipatória dos direitos humanos das crianças e adolescentes, violando, sobretudo, seu direito
fundamental ao respeito e à dignidade.
17) Direito dos Idosos

A Política Nacional do Idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover
sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade e foi instituída pela Lei 8.842, de 4/01/1994. A Política
apontou para as seguintes diretrizes: viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do
idoso, que proporcionem sua integração à demais gerações; participação do idoso, através de suas organizações
representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem
desenvolvidos; priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento
asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência.
A Constituição de 1988 também reconhece a especificidade dos idosos como sujeitos de direito. Assim é que o Art.
230 estatui que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Tal perspectiva foi explicitada e regulamentada, em boa hora, com a recente promulgação do “Estatuto do Idoso” (Lei
Federal nº 10.741 de 03 de outubro de 2003). O novo Estatuto é um marco jurídico para a proteção especial ao
idoso, considerando sua peculiar vulnerabilidade, suas demandas e seus direitos especiais.

Considere, nesse ponto, o aumento considerável da população idosa no Brasil e no mundo, em face da elevação da
expectativa de vida e da redução da taxa de fecundidade. O fenômeno do aumento da expectativa de vida, por si só,
demandará a revisão dos conceitos de infância, juventude e velhice. A título de exemplo, cabe citar o caso norte-
americano: em 1900 a expectativa de vida girava em torno de 46 anos, enquanto que em 2000 gira em torno de 80
anos. Vale dizer, em 100 anos houve o prolongamento da vida em 34 anos. Seguramente, em virtude dos avanços
da biotecnologia, se imaginarmos o ano 2100, a população norte-americana viverá no mínimo 115 anos. Quem será
o(a) idoso(a) neste contexto, se aos sessenta anos estar-se-ia a alcançar a metade da vida?

De todo modo, pode-se afirmar que o Estatuto significa um divisor de águas: há a proteção aos idosos pré e pós o
Estatuto do Idoso. A proposta não é apenas garantir a vida no âmbito quantitativo (quanto se vive), mas, sobretudo,
no âmbito qualitativo (como se vive). O Estatuto tem o grande mérito de dar visibilidade ao idoso enquanto pleno
sujeito de direito, a demandar especial proteção. É, assim, previsto um universo de direitos às pessoas com idade
igual ou superior a 60 (sessenta) anos, que vem a regulamentar o comando constitucional do artigo 230.

Neste âmbito, dois princípios merecem destaque: a) o princípio da proteção integral; e b) o princípio da absoluta
prioridade ao idoso. Quanto ao princípio da proteção integral, o Estatuto reflete a indivisibilidade, interdependência e
inter-relação dos direitos humanos. Consagra aos idosos tanto os direitos civis e políticos, como os direitos sociais,
econômicos e culturais, no marco da proteção integral dos direitos, a fim de que todo idoso possa viver em condições
de liberdade e dignidade. Deste modo, é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária. Quanto ao princípio da prioridade, o Estatuto afirma que a garantia de prioridade compreende, por
exemplo, o atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de
serviços à população; a preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; a
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; dentre outras medidas.

O Estatuto ainda estabelece que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência,
crueldade ou opressão, prescrevendo crimes e prevendo penas aos atos que violem os direitos dos idosos.

Para combater a violência e garantir os direitos dos idosos, o Governo federal, em consonância com o Estatuto do
Idoso, está avaliando a implantação e implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra o
Idoso. O documento traz ações conjuntas da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e Ministério da Saúde, Justiça, Cidades, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
e do Esporte e Lazer.
As ações propostas variam desde a implantação de infraestrutura e obras para facilitar a locomoção de idosos e
deficientes físicos, medidas para melhorar a vida do idoso que está preso até a realização de campanhas de
sensibilização junto à sociedade. O plano também propõe monitorar e avaliar o funcionamento das instituições de
longa permanência para os idosos. A proposta do Ministério da Saúde é inspecionar a cada ano 50% das instituições
asilares brasileiras e, num prazo de dois anos, traçar um diagnóstico.

Em suma, o Estatuto, de forma inédita, vem a consagrar a todos o direito a um envelhecimento digno, endossando à
pessoa idosa a condição de pleno sujeito de direito. A implementação do Estatuto do Idoso exigirá que a cultura
jurídica seja capaz de introjetar novos valores, novas referências e um novo paradigma quanto aos direitos dos
idosos. A legislação parece mais avançada que a própria realidade. Deve, assim, ser instrumento para uma ação
ousada, transformadora e emancipatória, que permita aos idosos viver com respeito e com dignidade, na qualidade
de verdadeiros e plenos sujeitos de direitos.
No campo dos direitos humanos, além das inovações legais, faz-se fundamental a mudança cultural. É apenas por
meio da mudança de mentalidade e de visão do mundo que as legislações protetivas aos direitos humanos
(compreendendo, por exemplo, a lei que pune a tortura; a lei que pune o racismo; o Estatuto da Criança e do
Adolescente, dentre tantas outras) terão vitalidade e eficácia.
18) Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência.

Não se sabe ao certo qual é o número de pessoas portadoras de deficiência no Brasil. Todavia, podemos afirmar que
se trata de expressivo número de brasileiros(as), que vêm sendo apartados(as) da vida social e que, apenas
recentemente, receberam proteção constitucional.

A história constitucional brasileira revela que, dispositivos específicos acerca dos direitos das pessoas portadoras de
deficiências, somente puderam ser observados a partir de 1978, com a edição da Emenda Constitucional 12/78, que
representou um marco na defesa deste grupo. Seu conteúdo pode ser considerado abrangente, uma vez que
compreendia os principais direitos das pessoas portadoras de deficiência (educação, assistência e reabilitação,
proibição de discriminação e acessibilidade). A Carta de 1988 manteve os direitos que já eram previstos na Emenda
Constitucional 12/78, conferindo-lhes maior detalhamento e especificidade, bem como fixando as atribuições
executivo-legislativas de cada estado.
Vale destacar que o momento histórico de 1988 favoreceu a participação democrática das associações “de/para”
deficientes no processo de elaboração da Carta Magna, o que permitiu a ampla incorporação dos direitos então
reivindicados por este grupo. Ressalte-se, ainda, que a Constituição sofreu a influência e o impacto de um movimento
crescente de tutela da pessoa portadora de deficiência no âmbito internacional.

A Carta Brasileira de 1988, ao revelar um perfil eminentemente social, impõe ao poder público o dever de executar
políticas que minimizem as desigualdades sociais e é neste contexto que se inserem os sete artigos constitucionais
(Art. 7º, XXXI; Art. 23, II; Art. 24, XIV; Art. 37, VIII; Art. 203, IV e V; Art. 227, Parágrafo 1º, II e Parágrafo 2º e Art. 224)
atinentes às pessoas portadoras de deficiência. Estes dispositivos devem ser aplicados de modo a consagrar os
princípios da dignidade humana, da igualdade, da cidadania e da democracia. Vale dizer, a elaboração legislativa, a
interpretação jurídica e o desenvolvimento das atividades administrativas devem se pautar por estes princípios, a fim
de alcançar o ideal de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

Com a Constituição Federal de 1988 verificam-se, portanto, relevantes avanços no plano do direito, reconhecidos,
inclusive, pelos próprios interessados. Todavia, passados mais de quinze anos de vigência desta Carta, mesmo com
a previsão especificada dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, bem como dos instrumentos garantidores
destes direitos, a violação subsiste e a concretização dos dispositivos constitucionais ainda constitui meta a ser
alcançada.
O problema reside na falta de efetividade das referidas normas, pois nem o Poder Público, nem a sociedade, em
geral, possuem sensibilidade suficiente para lidar com a questão dos portadores de deficiência.. Para tanto, é
fundamental a efetiva implementação de sua força normativa, pelos diversos atores sociais, o que compreende uma
cultura vigilante e praticante da Constituição, por meio de uma cidadania popular ativa e combativa, bem como da
atuação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, um dos principais responsáveis pelo cumprimento da Lei
Maior.

No âmbito infraconstitucional, a legislação federal é satisfatória, na medida em que abarca praticamente todos os
direitos da pessoa portadora de deficiência e prevê a criação de instituições para elaborar e implementar políticas,
programas, planos e projetos referentes aos seus principais direitos.

O assunto que maior atenção mereceu por parte dos legisladores brasileiros foi a inserção no trabalho da pessoa
portadora de deficiência, em conformidade com os comandos constitucionais dos valores do trabalho e da dignidade
humana.
Existem, todavia, algumas lacunas a serem preenchidas, tais como, normas sobre combate à exploração, assistência
à família e acessibilidade para portadores de deficiência sensorial (já que grande parte das leis existentes refere-se à
deficiência motora).
Além destas omissões, constata-se que a legislação federal é abundante e dispersa; tem sido elaborada sem a
participação da sociedade civil e a falta de fiscalização tem limitado sua eficácia.

Em relação à atuação governamental, nota-se que as esferas federal, estadual e municipal contemplam programas
nas áreas de educação, saúde, trabalho e previdência, lazer e acessibilidade, o que indica a existência de uma
mudança em curso. Com efeito, há alguns anos as questões relativas a este grupo sequer eram mencionadas. A
previsão de programas mostra uma gradual incorporação da causa das pessoas portadoras de deficiência na agenda
governamental, reflexo dos avanços constitucionais.

Na esfera do governo federal, inicialmente no âmbito do Ministério da Justiça, foi criado através da Medida Provisória
1799-6/1999 o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – órgão superior de deliberação
colegiada. Em maio de 2003, o CONADE passou a ser vinculado à Presidência da República, por meio da Secretaria
Especial de Direitos Humanos, através da Lei 10683/2003. O CONADE tem como principal competência,
acompanhar e avaliar o desenvolvimento da Política Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência e
das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e
política urbana dirigidas a este grupo social. A função de implementar a Política Nacional e orientar sua atuação tanto
do ponto de vista normativo e regulador das ações nesta área no âmbito federal , quanto para a articulação de
políticas públicas existentes em todas as esferas governamentais foi instituída, por meio da Lei 7.853/89 e do Decreto
3.298/99, a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – órgão de Assessoria da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República,
Entretanto, títulos de programas não são indicativos de respeito aos direitos das pessoas portadoras de deficiência. A
exemplo do que ocorre com a legislação, os inúmeros programas e políticas públicas existentes são elaborados sem
a consulta e participação da sociedade civil (ou com participação fictícia) e não são implementados. Na opinião de
entidades representativas dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, a falta de implementação deve-se ao
abismo entre as propostas de governo e sua execução, quer seja por motivos políticos, quer seja pela ausência de
capacitação e sensibilidade dos agentes estatais incumbidos de executá-las.

Porém, a maior dificuldade está na ausência de conscientização da sociedade, bem como no desenvolvimento de
uma cultura inclusiva, os mais eficazes meios de garantir o respeito às pessoas portadoras de deficiência.
19) Garantias Constitucionais: Habeas Corpus, Mandado de Segurança e Ação Popular.

As garantias ou remédios constitucionais são ações judiciais que permitem ao cidadão invocar a proteção do Poder
Judiciário em caso de ameaça ou de violação de direitos humanos por um agente público. Daí a ideia de “remédio
constitucional”. São ações constitucionalmente previstas para fazer cessar uma ameaça ou violação de direitos
fundamentais do cidadão.
O Habeas Corpus é a ação que pode ser utilizada quando houver ameaça ou violação do direito da liberdade de ir e
vir. Nos termos do Art. 5º, inciso LXVIII, conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Esse
remédio geralmente é utilizado contra o abuso de autoridade policiais do poder de prisão, infelizmente, muitas vezes
praticadas ilegalmente. Trata-se de uma cultura herdada de nossa história político-social autoritária e arbitrária que
só o fortalecimento das instituições e práticas democráticas pode mudar. O habeas corpus tem sido um útil
instrumento para tal mudança. Trata-se, portanto, de remédio destinado a garantir o direito de liberdade de
locomoção, liberdade de ir, vir e permanecer. Tem natureza de ação constitucional penal.

O Mandado de Segurança é a ação constitucional destinada a proteger as ameaças ou violações, por autoridades ou
agentes delegados, de todos os direitos que não sejam tutelados por habeas corpus ou habeas data. A Constituição
prevê duas espécies de mandado de segurança: o mandado de segurança individual e o mandado de segurança
coletivo. Passamos a considerar o primeiro, deixando o segundo para o próximo item.

Dispõe a Constituição em seu Art. 5, inciso LXIX, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido
e certo, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

Esse remédio, como se nota, ampara o direito pessoal líquido e certo, ou seja, o direito expresso em norma
constitucional ou legal e que traz em si todos os requisitos para ser exercido pela pessoa que sofre a ilegalidade ou
abuso de poder por qualquer agente público ou agente de pessoas jurídicas privadas que executem, a qualquer
título, atividades, serviços e obras públicas.
O mandado de segurança é um remédio constitucional, com natureza de ação civil, que constitui um poderoso
instrumento em favor do cidadão contra eventuais e frequentes desmandos e ilegalidades praticadas pelos que
ocupam cargos ou exercem funções públicas.

A Ação Popular é também um poderoso instrumento em favor da cidadania ativa, de vez que qualquer cidadão é
parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (Art. 5º, inciso LXXIII).

Essa é uma ação que visa a permitir a qualquer cidadão que fiscalize ou denuncie o mau uso da coisa pública. Nesse
caso, o cidadão atua não apenas em seu interesse pessoal, mas no interesse da coletividade. O autor popular faz
valer um interesse que lhe cabe como membro da comunidade. A ação deve visar a defesa de direito ou de interesse
público. Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o
exercício de um poder de natureza essencialmente política, e constitui manifestação direta da soberania popular,
consubstanciada no Art. 1º, parágrafo único da Constituição: todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
seus representantes eleitos ou diretamente. Sob esse aspecto, é uma garantia constitucional política. É uma forma
de participação do cidadão na vida pública, no exercício que lhe pertence primariamente.

A atuação do cidadão é facilitada pela inexistência de custas judiciais ou de encargos de sucumbência, ou seja, o
cidadão não precisa pagar nada para mover a ação, nem se perder, salvo se a tiver movido por má-fé, visando, por
exemplo, prejudicar um inimigo político (o que caracterizaria um desvio da finalidade pública e impessoal da ação
popular.

Vale ressaltar que assim como o habeas corpus e o mandado de segurança, a ação popular já era admitida em
Constituições anteriores, mas a Constituição de 1988 inovou ao alargar o objeto da ação popular para incluir a defesa
e a fiscalização cidadã da moralidade administrativa (muitas vezes um ato administrativo legal pode ser manipulado
de forma imoral e prejudicial ao interesse público), do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.

Vale insistir que a ação popular deriva da soberania popular e do princípio republicano. A res (coisa) é pública. Daí a
república. Se a coisa é do povo, a este cabe o direito de fiscalizar aquilo que é seu.
20) Novas Garantias Constitucionais: Mandado de Segurança Coletivo, Habeas Data e Mandado de Injunção.

O Mandado de Segurança Coletivo é um remédio constitucional com as mesmas finalidades já vistas do Mandado de
Segurança Individual. A diferença reside na legitimidade ativa (quem pode propor a ação) e no objeto (circunstâncias
e defesa de que espécies de direito). Nos termos do Art. 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, o mandado de
segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b)
organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos
um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Portanto, o mandado de segurança coletivo assenta-se em dois elementos: um, institucional, caracterizado pela
atribuição de legitimação processual a instituições associativas para defesa de interesses de seus membros ou
associados; outro, objetivo, caracterizado pelo uso do remédio para a defesa de interesses coletivos.

O Habeas Data é um remédio constitucional que tem por objeto proteger a esfera íntima dos indivíduos contra: a)
usos abusivos de registros de dados pessoais coletados por meios fraudulentos, desleais ou ilícitos; b) introdução
nesses registros de dados sensíveis (assim chamados os de origem racial, opinião política, filosófica ou religiosa,
filiação partidária e sindical, orientação sexual, etc.); c) conservação de dados falsos ou com fins diversos dos
autorizados em lei.

O habeas data contempla o direito de conhecer dados pessoais e de retificá-los, tal como previsto no Art. 5º, LXXII da
Constituição: conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para
a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

Note que o direito de reconhecer e retificar os dados, assim como o de impetrar o habeas data para fazer valer esse
direito quando não espontaneamente prestado, é personalíssimo (exclusivo) do titular dos dados. Ninguém poderá
fazê-lo por ele. Pode-se dizer que o reconhecimento do cidadão de dispor dos dados pessoais equivale ao seu direito
de dispor do livremente do próprio corpo. Assim, todos temos o direito de saber que tipo de informações o poder
público tem a nosso respeito e, se houver equívocos ou dados não verdadeiros, temos o direito garantido por habeas
data de retificá-los.

O Mandado de Injunção é uma nova garantia instituída no Art. 5ª, inciso LXXI da Constituição de 1988, com o
seguinte enunciado: conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de normas regulamentadoras torne
inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania.

Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de um direito, liberdade
ou prerrogativa previsto na Constituição, mas cujo exercício depende de norma regulamentadora exigida pela própria
Constituição, mas ainda não elaborada pelo órgão do Poder Legislativo ou Executivo competente. Sua principal
finalidade consiste assim em conferir imediata aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e
prerrogativas, inerte em virtude de falta de regulamentação. Isto deve ocorrer através da edição de norma
regulamentadora para o caso concreto pelo próprio Poder Judiciário. Revela-se, neste sentido, como um instrumento
de realização prática da disposição do Art. 5º, parágrafo 1º, que estatui: as normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais têm aplicabilidade imediata.

Portanto, podemos dizer que o mandado de injunção foi criado pela Constituinte em atendimento ao reclamo
generalizado pela busca de uma maior efetividade do exercício de direitos constitucionais. Contudo, é de se
lamentar, que, passados mais de quinze anos de vigência da Constituição, inegavelmente o mandado de injunção
não atendeu, de modo significativo, às expectativas criadas com a sua introdução. A principal causa de tal frustração
de propósitos reside na posição jurisprudencial adotada pela maioria do Supremo Tribunal Federal (órgão máximo do
Poder Judiciário), que esvazia de funcionalidade o novo instituto. Isto é, para o STF o mandado de injunção não tem
por finalidade tornar viável o exercício de um direito constitucional, que se encontrava obstado por faltar norma
regulamentadora. Na linha da decisão lavrada no julgamento do Mandado de Injunção nº 107-3-DF, afirma-se que:
“É ele (o mandado de injunção)... ação que se propõe contra o Poder, órgão, entidade ou autoridade omissos quanto
a norma regulamentadora necessária à viabilização do exercício dos direitos, garantias e prerrogativas a que alude o
art. 5º, LXXI da Constituição, e que se destina a obter sentença que declare a ocorrência da omissão constitucional,
com a finalidade de que se dê ciência ao omisso dessa declaração, para que adote as providências necessárias,...”

Vê-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que o mandado de injunção tem natureza
mandamental (ou seja, através dele o judiciário “manda” que o poder omisso supra a omissão), o sujeito passivo,
contra quem se move o mandado, é o poder órgão ou entidade omissos, e a finalidade da ação é a declaração da
omissão, com mera ciência ao omisso para que adote as providências necessárias. Ocorre que, geralmente, o poder
omisso é o Legislativo Federal, corporificado no Congresso Nacional, ou o poder Executivo, os quais tomam ciência
da declaração de sua omissão, mas não tomam qualquer providência para supri-la. Ou seja, a interpretação dada ao
mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal (STF) torna o remédio constitucional inócuo. Ao isentar-se de
prover a norma regulamentadora para o caso concreto, o poder Judiciário acaba também por se tornar omisso diante
de um remédio constitucional criado justamente para suprir omissões que inviabilizem o exercício de direitos.

Diante da crítica generalizada e com a recente nomeação de três novos Ministros para o STF, renasce a esperança
de que o remédio constitucional venha a cumprir sua finalidade.

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