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Universidade Católica Portuguesa

Escola das artes

Os Comedores de Batata, Vincent van Gogh


Disciplina de Estética
Docente: Nuno Crespo

João Pedro Fernandes Pacheco


Porto
2023
Os comedores de batata é a obra-prima do artista pós-impressionista holandês Vincent van
Gogh exposta no museu Van Gogh em Amesterdão. É uma pintura a óleo que representa uma
família de camponeses a comer uma refeição de batatas e é notável pela sua palete escura e
suave, que contrasta com as pinturas mais brilhantes e coloridas do impressionismo.

Esta obra surge de um período onde o autor realizou cerca de 250 desenhos inspirados na vida
de camponeses. Os comedores de batata resumem este período onde aborda a miséria e o
desespero das pessoas mais humildes.

Van Gogh defendia que as classes mais pobres deviam ser retratadas com realismo, através de
características rudes e sem lhes atribuir embelezamento. No caso, apresenta os cinco
elementos da família com um ar sisudo e salienta-lhes traços grossos e grutescos como as
veias nas mãos e as rugas no rosto, a fim de expressar a realidade de uma alta percentagem da
sociedade camponesa. Nesta forma de representação, Van Gogh afasta-se do seu admirado
Jean-François Millet, pintor realista que retratava a vida dos camponeses nas suas obras de
uma forma mais glamorosa, com luzes mais claras e cores coloridas e limpas. Enquanto Millet
pretendia homenagear a vida humilde e trabalhadora dos camponeses, Van Gogh procurava
expressar de forma crua e psicológica a situação dos camponeses que na época estavam cada
vez mais abandonados, pintando-os mais sujos, cansados e gastos.

Após a visualização da obra, fui atraído para a escuridão da sua atmosfera fria, que só é
quebrada pela pequena luz fraca e amarela do candelabro que ilumina a mesa. Esta luz sente-
se distribuída uniformemente por todos os elementos da obra dando a impressão de igualdade
e estabelecendo a unidade de expressões preocupadas e gastas que vemos. O artista não
individualiza a miséria e distribui-a pelo grupo. Para além de não haver ênfases na iluminação,
também é percetível que não existe alegria, apenas entreajuda e comunicação dado que todos
partilham uma função na mesa. Podemos perceber três gerações diferentes, no canto
esquerdo, o casal de meia-idade parece partilhar ou cortar a porção de batatas enquanto o
casal do lado direito bebe e distribui chá pelas xicaras. A menina voltada de costas, ainda que
sem lhe vermos o rosto parece serena, talvez até a rezar.

Ao fundo contemplamos os poucos adornos que a casa tem. Destacam -se um relógio, que
marca a hora do trabalho e descanso da família e um pequeno quadro de cariz religioso,
matéria onde depositam o seu desespero. Ao fundo vemos as janelas que nada mostram para
o exterior, dando-nos uma sensação claustrofóbica de que aquelas pessoas foram despojadas
como animais para viver de esperança de um dia saírem daquele ambiente. A cena resume o
que esta família tem, pouco ou nada e uma porção de batatas para dividir, numa época onde o
alimento era discutido como se de facto comestível ou não.

Van Gogh não retrata na sua obra qualquer tipo de embelezamento e procura de forma crua e
dura exaltar intensidade dramática através do potencial expressivo dos tons escuros que usou.
O que para mim se destacou nesta obra para além dos seus tons e expressões grotescas foi o
facto de não haver interação por parte da família para com a criança. O elemento que
caracteriza o futuro e a esperança de melhores quotidianos é o exato elemento que não tem
atenção por parte de nenhum olhar esbugalhado, inocente e puro dos membros da família,
como se o autor quisesse expressar que na realidade, não haveria esperança para este tipo de
classes.

Daniel Arasse, um historiador de arte francês, considerou a pintura como uma obra-prima
moderna, observando que é “uma obra de extraordinária sutileza psicológica”. E foi isso
mesmo que me cativou. Como todos os elementos desta pintura falam da frágil condição
humana na medida em que mostram a importância da família enquanto conforto diante da
pobreza e da luta pela sobrevivência. Para Kant, a absorção da obra-prima no seu todo só pode
ser exequível através do seu visionamento pelos próprios olhos do individuo e não por figuras
de terceiros ou artigos sobre a obra. Só desta forma a poderá realmente sentir e apreciar
como um todo. Nesta linha de pensamento de Kant vou ao encontro da afirmação de Arasse já
que ver a obra ao vivo me fez imediatamente emergir à sutileza psicológica da obra de Van
Gogh.

O autor da obra explica, “Apliquei-me conscientemente em dar a ideia de que estas pessoas
que, sob o candeeiro, comem as suas batatas com as mãos, que levam ao prato, também
lavraram a terra, e o meu quadro exalta, portanto, o trabalho manual e o alimento que eles
próprios ganharam tão honestamente”. Desta forma, é seguro para mim concluir que este
quadro é uma alegoria para a luta dos pobres e oprimidos para além de um apelo à justiça
social e dignidade humana, para além de que mantem um conteúdo atemporal já que nos dias
de hoje continua a ser uma premissa do lado rural, analfabeto e menos privilegiado da
população.

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