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Alvaro Aparecido Dias

a.dias@unesp.br
Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais
NOVA LÍNGUA BRASILEIRA

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões, e é através


dela que tenho escrito, criado, pensado, vivido o meu entendimento do mundo, onde língua é,
sem dúvida, dominação. Antes mesmo do Império Romano sobre a Hispânia e dos
portugueses sobre as diversas línguas dos povos originários do Brasil, nossa história, bem
como toda a diversidade biológica na Terra, é um tal de bicho comendo bicho o tempo todo,
onde se impõem com violência o leão e a língua do opressor. Além da música do Caetano
Veloso, que confunde e problematiza pátria e língua na voz de Elza Soares, a leitura sugerida
me fez lembrar, também, Lima Barreto.
Policarpo Quaresma pretendia que estudássemos tupi-guarani na escola,
diferente demais da real bell hooks, que fala que o problema não está na língua em si, mas
sim no que o colonizador fez e faz com ela. Substituir a língua tupi-guarani pelo português é
uma utopia no país da diversidade. Ao explicar as transformações que o colonizado preto
causou na língua e cultura estadunidense, o vernáculo negro do sul, bell faz a gente pensar na
nossa língua, nós, nossa língua brasileira. O latim chamado vulgar que deriva do latim
chamado clássico se fez em novos contextos sociais, políticos, espirituais, contemporâneos,
outras lutas, resistências, misturas e domínios. Quantas línguas e dialetos existem no Brasil,
gigantesco território, cujo idioma oficial é o português? As línguas dos nordestes, das
comunidades indígenas, das periferias de São Paulo, o dialeto LGBTQ+, o internetês dos
adolescentes, a língua brasileira de sinais...
Quando foi questionado na mesa de um bar por usar a palavra hermafrodita, ao
invés de transexual, retrucou que sua referência é um mito grego e não a micropolítica. Pois
se tivesse considerado as micropolíticas e as transformações que regem o agora, não citaria
mitos como quem se pauta em livros antigos para perpetuar e justificar as injustiças de hoje
em dia, pleno 2020, ano marcado pela crença de muitos de que a Terra é plana e que a cultura
tem o mesmo valor que o pum do palhaço. Escrever, criar, pensar, decolonizar o tempo todo a
nova língua brasileira de um imenso território multicultural é abrir-se às possibilidades
cartesianas ao transmitir tudo o que se quer, inclusive tradições e mitologias, mas com o
compromisso freiriano de resistir ao domínio do leão, nem que a pantera seja preciso
aprender a rugir novos dialetos bramidos, feito uma mulher do fim do mundo.

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