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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


FACULDADE DE EDUCAÇÃO

RELATO DE EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COMO


PROFESSORA AUXILIAR DE PRÉ-ESCOLA DURANTE O CURSO DE
FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

PILAR SCHWELLER CARNEIRO DE MENDONÇA

Rio de Janeiro
Novembro - 2019
RELATO DE EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COMO
PROFESSORA AUXILIAR DE PRÉ-ESCOLA DURANTE O CURSO DE
FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

Por:
Pilar Schweller Carneiro de Mendonça
Matrícula: 12112080371

Monografia apresentada à FACULDADE DE


EDUCAÇÃO da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO como requisito parcial à
obtenção do GRAU DE LICENCIATURA EM
PEDAGOGIA.

RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2019
RELATO DE EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COMO
PROFESSORA AUXILIAR DE PRÉ-ESCOLA DURANTE O CURSO DE
FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA

Por:
Pilar Schweller Carneiro de Mendonça

Monografia apresentada aos professores:

________________________________
Professor Examinador

RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2019
A todos os professores da minha vida.
AGRADECIMENTOS

Aos queridos professores e professoras que me mostraram a magia da Educação.


Ao meu amigo Raphael, fonte da minha primeira oportunidade profissional em uma escola.
A professora Isabel Baltazar, minha grande inspiração nesse caminho.
Aos meus amigos e amigas, mentores e guias, muito obrigada pelo apoio também nessa jornada.
Aos professores e coordenadores da EAD UERJ, em especial a professora Solange Lucena:
obrigada por não desistirem de mim.
MENDONÇA, Pilar S. C. de. RELATO DE EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA VIVÊNCIAS
COMO PROFESSORA AUXILIAR DE PRÉ-ESCOLA DURANTE O CURSO DE
FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA, Brasil, 2019
Monografia (Graduação em Pedagogia) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano.

RESUMO

Este relato tem como objetivo descrever as experiências vividas no trabalho como professora
auxiliar de Pré-Escola em uma escola particular durante o curso de formação em Pedagogia na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2012 e 2013. Traz o olhar da
pesquisadora para os impactos do Método Montessori na Educação Infantil e o quanto sua
aplicação interferiu em sua perspectiva de educadora em formação. A partir das vivências e da
leitura de autores como Maria Montessori, Hermann Rohrs e Paula Polk Lillard, pretende-se
com este relato evidenciar o quanto o papel do educador é peculiar na prática Montessori: é
preciso ser paciente e interferir pouco, o que exige a capacidade de lidar com a falta de controle
sobre as crianças e a própria sala de aula. A prática Montessori convida o professor a repensar
sua prática profissional, enxergando-se como um facilitador do processo de aprendizagem da
criança.

Palavras-chave: Educação Infantil, Método Montessori, Maria Montessori.


SUMÁRIO

1 - Introdução .................................................................................................................. 07
2 – Metodologia ............................................................................................................... 08
2.1 – A Escola Americana do Rio de Janeiro ............................................................... 08
2.1.1 – A Pré-Escola ......................................................................................................... 10
3 - Relato .......................................................................................................................... 12
3.1 – A Pré-Escola Montessoriana ................................................................................... 12
3.1.1 – Os Componentes do Ambiente Montessoriano .................................................... 14
3.1.2 – A professora Isabel ............................................................................................... 17
4 – Conclusão .................................................................................................................. 18
5 – Referências ................................................................................................................ 21
1. INTRODUÇÃO

Pode-se dizer que a Educação Infantil é um dos momentos mais importantes na


formação de um indivíduo. Como diria minha primeira formadora, Isabel Baltazar, “a pré-
escola é o alicerce de uma obra, sendo a obra toda a vida escolar de uma pessoa”. Por ser o
alicerce, é um período que deve ser muito bem estruturado, para que as marcas produzidas nas
crianças durante esse momento sejam positivas, além de formarem a base necessária para que
o desenvolvimento de toda a vida escolar se dê harmoniosamente. É na Educação Infantil que
a criança tem o primeiro contato com a vida em sociedade, representada em microcosmo pelo
ambiente escolar, que, em seu lugar, é a primeira representação de vida em sociedade
experimentada pela criança. Portanto, é imprescindível que a Educação Infantil esteja munida
de todos os recursos possíveis para contribuir com o desenvolvimento desse indivíduo em
construção e de seu caráter enquanto ser humano e ser em exercício de cidadania.
Meu primeiro semestre como aluna do curso de Licenciatura em Pedagogia da UERJ à
distância, pelo CEDERJ, foi marcado pelo contato com o mundo da Educação Infantil. No mês
seguinte ao meu ingresso na faculdade fui contratada como professora auxiliar da Pré-Escola
da Escola Americana do Rio de Janeiro. A escola, situada no bairro Barra da Tijuca, particular
e internacional, é conhecida por seu público de alto poder aquisitivo e difusão da cultura norte-
americana na cidade do Rio de Janeiro. A escola atende desde a Educação Infantil até o Ensino
Superior, passando assim por toda a vida escolar dos alunos que lá permanecem durante esse
período.
O que mais me impressionou na escola, além do ensino global e plural, foi o viés
Montessoriano da Pré-Escola, onde eu estava alocada como funcionária. Posso afirmar que foi
a experiência mais surpreendente que tive na minha formação como educadora, pois muitos
paradigmas em relação à Educação Infantil foram quebrados ao conviver com aquela realidade.
Em primeiro lugar, a arrumação das salas: estantes baixas e atividades diversas espalhadas bem
ao alcance das crianças. Essas, em seu lugar, serviam-se das atividades e as realizavam sem
comando prévio; guardavam as atividades da mesma forma. A professora não intervinha em
nada. Aquela imagem me impactou profundamente; havia um senso de autonomia e respeito
muito forte no ar, ainda que estivéssemos diante de crianças de 3, 4 e 5 anos.
Trabalhei nessa Pré-Escola por mais um (1) ano e foi uma experiência de inúmeros
aprendizados, especialmente considerando que a professora titular a qual já me referi, Isabel
Baltazar, tornou-se minha mentora, ensinando-me a funcionar como mediadora naquela
realidade Montessoriana. Confesso que essa primeira vivência junto ao início da minha vida
acadêmica no curso de Licenciatura em Pedagogia transformou o meu olhar em relação a escola
e a criança, motivando-me a ser a profissional que hoje estou me formando para ser. O que
pretendo neste relato é contar um recorte dessa experiência, que tanto influenciou meu caminho
até aqui.
O relato se baseará nos meus diários de prática, em conversas com a minha mentora à
época e nas contribuições da própria Maria Montessori e outros autores sobre seu método e
sobre a Educação Infantil, quais sejam Herman Röhrs e Paula Polk Lillard, procurando traçar
um perfil da prática Montessori em sala de aula e a relação dessa observação com a minha
formação enquanto educadora.
Aqui poderei descrever o ambiente escolar em que eu estava inserida, assim como todo
o meu aprendizado como professora auxiliar durante um ano, minhas dúvidas e
questionamentos, minhas descobertas pessoais enquanto estudante de Pedagogia que testava na
prática tantos conceitos sobre os quais eu começava a refletir.

2. METODOLOGIA:

Este relato descreve as experiências vivenciadas como professora auxiliar da Pré-Escola


da Escola Americana do Rio de Janeiro, no período de um ano, de 2012 a 2013, enquanto recém
graduanda do curso à distância de Licenciatura de Pedagogia na UERJ, pelo CEDERJ.
Os procedimentos metodológicos constituem-se de observação e reflexão da relação
entre a teoria que eu aprendia no curso de Pedagogia e a prática que encontrava no meu contexto
profissional. O registro das observações e reflexões foi feito em diários de campo.
As observações e reflexões foram também permeadas pelo meu relacionamento com a
professora titular, quem eu considero como uma grande incentivadora na minha formação como
educadora, uma vez que ela contribuiu muito para que a conexão entre teoria e prática
acontecesse.

2.1. A Escola Americana do Rio De Janeiro:


A Escola Americana do Rio de Janeiro, onde trabalhei de 2012 a 2013, é situada no
bairro Barra da Tijuca, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. No período em questão ela
funcionava em uma casa, pelo que era menor e possuía menos alunos do que sua matriz, a filial
do bairro Gávea. Apesar de pequena, já era uma escola muito bem equipada, dado o alto padrão
aquisitivo de seus alunos e, portanto, todas as demandas que partiam de suas famílias.
A escola não tinha muitos desafios em relação ao ambiente no qual se encontrava, uma
vizinhança calma e tranquila, de outras casas perto da praia. O bairro não é marcado por
violência nem ameaças à segurança das famílias. Como já afirmado acima, à exceção dos filhos
de professores, os alunos da escola pertenciam a famílias de alto poder aquisitivo; a grande
maioria chegava à escola de carro, dirigido quase sempre por motoristas particulares. Alguns
poucos alunos iam a pé.
Um aspecto importante sobre a escola é que a comunicação era totalmente feita na língua
inglesa; tanto entre os professores quanto entre os professores e alunos. Estes últimos, por sua
vez, falavam suas línguas maternas se encontrassem conterrâneos. Havia muitos alunos
oriundos de outros países latinos, como Chile e Uruguai, por exemplo. Havia também alunos
oriundos da Europa. Apesar de a escola ser americana, havia poucos alunos dos Estados Unidos
da América. Mas, independentemente da nacionalidade, todos conversávamos em inglês e as
crianças eram alfabetizadas nessa língua.
A escola tinha uma excelente infraestrutura para acomodar seus alunos e todas as suas
necessidades. Por funcionar ainda em uma casa, os anos letivos naquela filial abrangiam apenas
da Educação Infantil até o terceiro ano do Ensino Fundamental. A nova filial da Barra da Tijuca,
que hoje comporta todo o período escolar, ainda estava em construção. A partir do quarto ano,
os alunos eram enviados para a filial da Gávea.
A casa contava com refeitório para os professores e para os alunos, pátio externo, piscina
para aulas de natação, salas de música e artes, sala de educação física e biblioteca, além das
salas de aula, secretaria e direção. Eram três turmas de Pré-Escola à época, todas
Montessorianas.
A escola em geral era movida por um viés bastante construtivista, em que as crianças
eram incentivadas a buscarem conhecimento de maneira mais independente e autônoma. As
turmas da Pré-Escola tinham em média 20 alunos, um número grande para essa abordagem,
mas as outras turmas tinham no máximo 15 alunos.
Não havia, na época, alunos com necessidades especiais de aprendizado na escola, mas
havia na equipe uma orientadora educacional que promovia projetos de interação entre os
alunos e atendia as famílias.
A direção era muito participativa. Acredito que o tamanho da escola facilitava a
presença da diretora em todos os processos, planejamentos, reuniões e eventos. Ao mesmo
tempo em que se fazia presente, era também acessível a nós, funcionários, sempre atenta as
nossas necessidades enquanto educadores e seres sociais.
Lá também havia uma associação de pais muito forte. Os pais realizavam eventos e
reuniões dos mais variados temas. Era constituída principalmente por mães estrangeiras que
não trabalhavam formalmente no Brasil. Essa associação promovia ações de bem-estar aos
professores, como uma semana de celebração pelo dia dos professores, por exemplo, com
presentes inclusive.
A Escola Americana do Rio de Janeiro na Barra era um bom lugar para se trabalhar, as
pessoas se sentiam bem lá, e isso refletia na forma como trabalhávamos com os alunos. Essa
sensação permeava não apenas o corpo docente, mas todos os funcionários da escola.

2.1.1. A Pré-Escola:
O dia escolar começava às 8h e terminava às 16h. Nós, do corpo docente, chegávamos
às 7:30 e saíamos às 16:30. Trabalhávamos essencialmente de segunda-feira a sexta-feira, com
alguns sábados letivos em que se realizavam eventos especiais, como a festa de Halloween e o
International Day.
Havia um planejamento a cada seis semanas de atividades e temas a serem trabalhados
na Pré-Escola. Logo, uma vez a cada seis semanas a equipe toda da Pré-Escola se encontrava
para discutir o que seria feito e distribuir isso no calendário. Eram consideradas todas as cinco
áreas do conhecimento segundo Montessori a serem trabalhadas: vida prática, sensorial,
linguagem, matemática e conhecimento de mundo (abrangendo geografia e história). As
habilidades motoras finas e grossas eram também distribuídas dentro dos temas e muito na vida
prática, de acordo com as necessidades que observávamos nas crianças.
Cada sala de aula na Pré-escola contava com uma professora, uma professora assistente,
e uma funcionária de apoio que atuava especialmente na hora da escovação dos dentes, após o
almoço.
As salas eram desenhadas para ter espaços diferentes, isto é: havia uma área da sala
designada para cada atividade e demanda. Portanto, tínhamos a parte da sala com as estantes de
atividades de vida prática; as estantes com atividades das demais áreas do conhecimento
ficavam em uma mesma área, diferente da primeira. Existia um “cantinho da leitura”, que
também servia de lugar para as crianças descansarem ou lerem um livro sozinhas. Além desses
espaços, as salas contavam com banheiro (geralmente com três cabines infantis e uma adulta,
para as professoras e auxiliar), pia de cozinha, que ficava perto das mesas onde as crianças
faziam suas refeições, e uma área externa para trabalhos com arte e algumas brincadeiras que
demandassem maior espaço físico.
Além das atividades em sala de aula, as turmas da Pré-Escola também tinham aula de
natação, educação física, artes, música e uma hora por semana na biblioteca, onde ouviam
histórias, realizavam pequenos projetos relacionados aos livros e escolhiam livros para levar
para casa, para que os pais lessem com elas.
A rotina era fielmente observada pelas professoras e auxiliar e, consequentemente, pelas
crianças.
Uma característica importante a ser dita sobre a Pré-Escola nesse contexto é o
bilinguismo. Pelo fato de a escola estar situada no Rio de Janeiro, recebíamos também muitos
alunos brasileiros. Ainda assim, a língua dominante era o inglês. A interação das crianças entre
elas mesmas e entre as professoras, ainda que ainda não estivessem apropriadas da língua
inglesa, permitia o desenvolvimento de uma comunicação efetiva. Essa efetividade se
demonstrava também quando da observação do relacionamento das crianças com as auxiliares,
que em maioria não eram falantes da língua inglesa. A comunicação acontecia natural, porém
não necessariamente oralmente.
3. RELATO:

3.1. A Pré-Escola Montessoriana

Há dois componentes essenciais ao Método Montessoriano: o ambiente, incluindo os


materiais e exercícios educacionais; e os professores que preparam esse ambiente.
(LILLARD, 1972, p. 50)1

Conforme a citação acima, os componentes mais importantes para o Método Montessori


são o ambiente e os professores que o preparam. Era evidente a importância que se dava à
organização da sala da Pré-escola. O cuidado com isso era tão forte que havia uma preocupação
com centímetros e milímetros, quando dos lugares onde os materiais deveriam estar. Essa
organização peculiar era uma das razões de haver funcionários da limpeza específicos para as
salas da Pré-escola. A limpeza era realizada sempre ao fim do dia letivo, portanto eles eram
instruídos a fazê-la sem tirar absolutamente nada do lugar.
Segundo Lillard (1972), Maria Montessori descrevia esse ambiente como um local
nutridor para a criança, desenhado para atender suas necessidades de autoconstrução e revelar
sua personalidade e padrões de desenvolvimento. Portanto, era necessário para a criança ter
confiança nesse ambiente, perceber consistência e constância. Se o ambiente se transformasse
de um dia para o outro, como isso seria possível? Um adulto pode pensar que chegar em uma
sala que está sempre arrumada do mesmo jeito pode ser uma experiência monótona e entediante.
Entretanto, essa é uma das características de uma sala de aula Montessoriana de Educação
Infantil. Ao chegar nela e saber exatamente onde tudo se encontra, como deve proceder com
cada atividade, onde guardá-las após utilização, onde e como encontrar os professores para
pedir ajuda, a criança é livre e segura para se desenvolver.
Não é que o ambiente jamais fosse modificado, mudanças eram feitas, entretanto as
crianças eram envolvidas em todas elas. Como o trabalho era alicerçado em projetos, havia um
tema para cada seis semanas. Durante essas seis semanas, atividades específicas de cada área
do conhecimento deveriam ser realizadas pelos alunos, e elas eram introduzidas no ambiente
paulatinamente, isto é: na semana x, introduzir-se-ia a atividade a; durante aquela semana, todas
as crianças deveriam passar por essa atividade e ter seu desempenho observado; na semana y,
a atividade b seria apresentada à turma e por aí em diante. Essas novas atividades, com novos
materiais, eram demonstradas às crianças no que é chamado como Fundamental Lesson, ou a
Aula Fundamental (Lillard, 1972).

1
Tradução livre da autora.
Logo, esse ambiente, mediado por essa professora atenta e engajada, era construído,
modificado e mantido em conjunto com as crianças e, de certa forma, todos os agentes da
comunidade escolar envolvidos na Pré-escola.
Como dito no ponto anterior, a rotina era fielmente observada por todos os agentes
envolvidos na Pré-escola, tida também como um elemento importante para a manutenção da
consistência. A rotina consistia em: um círculo ao início do dia, onde as crianças e as duas
professoras se sentavam, cantavam a música da manhã, faziam a chamada e onde a agenda do
dia era apresentada para as crianças. A chamada era feita sempre pelo ajudante do dia, sorteado
após a música da manhã. Ser ajudante do dia (the helper) era uma tarefa que as crianças
ansiavam por fazer. Sentiam-se importantes e cuidadosamente observadas pelas professoras ao
desempenharem esse papel, que lhes dava um grande senso de pertencimento à turma e de
responsabilidade. Logo antes do início do dia com as crianças, a professora distribuía as name
tags, cartões com os nomes das crianças pelas atividades que deveriam realizar naquele dia, ou
naquela manhã. Isso significava que, ao fim do círculo da manhã, as crianças se dividiriam em:
realizar a tarefa a que foram designados, brincar, passar pela área de materiais de vida prática,
lanchar e arrumar a sala para o almoço. A ordem disso tudo era decidida pelas próprias crianças,
desde que em algum momento da manhã realizassem a tal tarefa.
Uma das dúvidas que mais permearam a minha mente no início do trabalho era como
toda aquela estrutura havia se estabelecido. Afinal, quando eu comecei a trabalhar lá, em
fevereiro de 2012, aquela turma já existia há 6 meses. O ano letivo da Escola Americana do Rio
de Janeiro segue o calendário do hemisfério norte: inicia em agosto, não em fevereiro, como
em escolas brasileiras ou até mesmo outras escolas chamadas internacionais. Logo, o processo
de adaptação a toda aquela estrutura já havia passado, e eu não tive a oportunidade de vivenciá-
lo enquanto professora assistente. Contudo, as aulas que tive com a professora titular
esclareceram a minha mente. Falarei delas mais à frente.
De todo modo, para que esse ambiente se mantivesse nutridor e organizado, era
necessário o respeito e valorização de todos pelo mesmo. Observava-se o mesmo senso de
pertencimento nas crianças e na professora titular. Eles tinham o mesmo nível de cuidado por
aquilo que, juntos, haviam construído. E esse parecia ser um dos segredos daquela sala de aula:
havia uma parceria não dita, porém extremamente perceptível, entre as crianças e a professora
titular. Era como se pudéssemos ver nos olhos das crianças o quanto confiavam na professora
Isabel e o quanto a admiravam também. Por conseguinte, era claro também o quanto a
professora confiava na capacidade de cada criança em viver seu processo de crescimento e de
aprendizagem, inclusive de se desenvolver enquanto ser social. Havia um profundo respeito
pelos seres que ali estavam se formando.
Era bastante possível coordenar uma observação das crianças por esses espaços,
considerando a presença de duas professoras e a organização do ambiente e do tempo. A
observação era importante para perceber onde e como interferir no aprendizado das crianças e
se isso seria necessário.
A auxiliar, apesar de estar mais envolvida com a higiene das crianças, estava
completamente imersa no ambiente Montessoriano. Era importante que todos nós que tínhamos
contato com as crianças agíssemos sob esse direcionamento Montessoriano, por acreditar
firmemente que cada momento e interação na escola impactavam o desenvolvimento dos
alunos.

3.1.1. Os Componentes Do Ambiente Montessoriano

Há seis componentes básicos ao ambiente de sala de aula Montessoriano. Eles se


relacionam com os conceitos de liberdade, estrutura e ordem, realidade e natureza,
beleza e atmosfera, os materiais Montessori e o desenvolvimento de vida em
comunidade. (LILLARD, 1972, p. 51)

Conseguia-se observar esses seis componentes básicos naquela Pré-escola: liberdade,


estrutura e ordem, realidade e natureza, beleza e atmosfera, os materiais Montessorianos e o
desenvolvimento da vida em comunidade. Pretendo comentar alguns deles relatando casos
relacionados, vivenciados por mim em sala de aula.
O primeiro componente, ligado ao conceito de liberdade, foi um dos elementos mais
impressionantes para mim, ao chegar naquela Pré-escola/. Dependendo do momento do dia,
alguém que chegasse na sala poderia se surpreender muito em ver as crianças caminhando
livremente pelo espaço, checando a quais tarefas seus nomes estavam associados, decidindo
lanchar, brincando ou fazendo arte na área externa, entre outras coisas.
No período em que trabalhei como professora assistente recebemos alguns alunos
novos, ainda que bem depois do início do ano letivo. A adaptação com eles é feita da mesma
forma que com os outros, contudo eles chegam em um ambiente já construído, portanto acaba
sendo um processo “forçado” para eles, que podem resistir um pouco mais. Um desses alunos,
que chamarei de João, teve um caminho curioso até perceber realmente como as coisas se
realizavam nesse ambiente tão diferente para ele. Arrisco dizer que ele era acostumado a
depender dos adultos para tudo, pois tudo ele perguntava e confirmava conosco.
Em sua segunda semana de aula, logo após o círculo da manhã, ele chegou perto da
professora Isabel e disse: “Estou com fome”. Ela respondeu: “Por que não vai lanchar?”. Ele
olhou em volta, olhou para mim, e voltou a ela: “Estou com fome”. Ela respondeu: “Vá lanchar,
João”. Novamente, ele olhou em volta, sem entender o que estava acontecendo. Viu as crianças
envolvidas em suas tarefas, e retornou a ela: “Estou com fome”. Antes que ela pudesse
responder, uma outra criança que passava por perto lhe dirigiu a palavra: “O que há com você?
Vá comer! Hoje temos bananas, biscoito e requeijão. Está tudo em cima da mesa.” Nós rimos
e a professora Isabel pediu que essa criança mostrasse a João o que fazer, pois ele ainda estava
se acostumando com a rotina.
O mais interessante desse episódio é que João não estava apropriado da liberdade que
ele poderia possuir diante daquele ambiente por não ter desenvolvido uma relação de
descobrimento do seu mundo interno e de suas próprias vontades. Aquele ambiente era inseguro
para ele, em um primeiro momento, pois ele não percebia como havia espaço ali para que ele
se desenvolvesse enquanto indivíduo empoderado de suas vontades, ao passo que respeitoso
em relação à liberdade dos demais. É importante ressaltar que o único limite dado às crianças
era realmente o de atos destrutivos, fossem direcionados aos colegas, aos professores e
funcionários da escola, ou ao ambiente.

A criança deve receber atividades que encorajam independência, e ela não deve ser
servida por outros em atos que possa aprender a realizar por si mesma. (LILLARD,
1972, p. 52)

Lillard defende que, segundo Maria Montessori, a criança não pode ser livre, a menos
que seja independente. Entretanto, para ser independente, deve realizar tarefas que estimulem
a independência; e que os demais não devem fazer por ela, o que ela mesma pode fazer.
O segundo componente que quero destacar é o da realidade e natureza.

A criança deve ter a oportunidade de internalizar os limites de natureza e realidade


para ser livre de suas fantasias e ilusões, físicas e psicológicas. Apenas assim ela
poderá desenvolver a autodisciplina e segurança necessárias para explorar seus
mundos externo e interno, tornando-se uma observadora apreciativa e aguçada da
vida. O equipamento em sala de aula, portanto, é aparelhado para aproximar o contato
da criança com a realidade. (LILLARD, 1972, p. 57)

Uma característica também notável da Pré-escola em que trabalhei era o fato de ter
objetos tidos por muitos adultos como perigosos para crianças. Como se lê na citação, acredita-
se que a sala deve ter objetos do mundo real na forma como são, como seriam encontrados fora
dali, para que as crianças não sejam encorajadas a alimentar fantasias quanto ao mundo em que
vivem. Isso não tem a ver com cercear a imaginação da criança, é importante frisar: mas apenas
tratá-la como indivíduo capaz de aprender a usar esses objetos da maneira correta, sem precisar
usar versões falsas deles, para depois se frustrar com as consequências do uso inadequado de
verdadeiros objetos. Por exemplo, as crianças começam cedo a experimentar comer com garfo
e faca, para que vão se acostumando a tratar os alimentos independentemente. Tudo isso é muito
supervisionado, para evitar acidentes, mas a experiência que vivenciei foi a de perceber que
uma vez que as crianças aprendiam a usar os objetos e ferramentas, era desnecessário lembrá-
las dos riscos.
Certa vez, a professora Isabel inseriu na área de atividades de vida prática uma tarefa
que consistia em usar uma jarra de vidro com água pela metade para encher uma bacia. E depois,
devolver a água para a jarra. Lembro que eu fiquei assustada com crianças de 4 anos utilizando
uma jarra de vidro livremente, ainda que fosse pequena. Cheguei a ensaiar a interferência ao
ver uma menina com um pouco mais de dificuldade de segurar a jarra, porém fui contida a
tempo pela professora: “Ela é capaz. Observe.” O empoderamento do ambiente Montessoriano
mexeu com meus próprios preconceitos quanto às capacidades das crianças e ao papel dos
professores em sala de aula.
Eu precisei abrir minha cabeça para aceitar que tudo o que havia experimentado em
termos de aulas centralizadas no professor, de crianças dependentes de adultos, entre outros
conceitos, poderia ser diferente. O processo de aprendizagem em uma turma Montessoriana
requer confiança por parte do professor na criança, desde que esse mesmo professor garanta um
ambiente que provê todo o necessário para que a criança se desenvolva.
Outro ponto interessante do componente realidade e natureza é o fato de que nem todos
podem usar o mesmo objeto ao mesmo tempo. A Pré-escola não dispunha de vários
equipamentos do mesmo tipo; era uma versão só de cada atividade. Dessa forma, caso a tarefa
desejada por João estivesse sendo realizada por Maria, João deveria esperar que a colega de
classe finalizasse seu trabalho e devolvesse a tarefa a seu lugar. É um exercício de respeito pelo
trabalho e pelo tempo dos outros, para que a estrutura e a ordem do ambiente pelo qual ele tanto
preza se preserve. João pode se frustrar em um primeiro momento e fazer birra porque quer
realizar o exercício naquele exato momento, entretanto perceberá que sua tristeza não fará com
que Maria termine mais rápido, assim como quando ficamos irritados na fila do mercado, mas
a fila não diminui. Lidar com a realidade dentro da sala de aula prepara as crianças para lidar
com ela fora dali.
Esses são relatos e impressões que mais me marcaram durante o período de trabalho
naquela Pré-Escola. É claro que os outros componentes também foram importantes, mas esses
dois aqui elencados se relacionam aos demais, e foram para mim, alguém no início do contato
com a Educação em si, cheia de pré-conceitos, decisivos na forma como atuo profissionalmente
hoje.

3.1.2 – A PROFESSORA ISABEL

O professor Montessoriano responsável por esses seis componentes do ambiente


preparado para a criança talvez não deva ser chamado um professor. (LILLARD,
1972, p. 77)

A professora Isabel não poderia ser encaixada em um conceito tradicional de professor,


o detentor de conhecimento que centraliza o saber e a ordem da sala, controlando todos os
processos ali desenvolvidos. Seu trabalho era muito mais o de facilitar o processo de
crescimento e aprendizagem daquelas crianças, empoderando-as enquanto indivíduos.
O meu contato com essa professora foi o que mais fortaleceu a minha relação com o
Método Montessori. Ela acabou se tornando uma mentora para mim, no caminho da Pedagogia,
mesmo depois que eu deixei de ser professora assistente dela. A professora Isabel era muito
generosa em compartilhar o conhecimento; ademais, ela tinha profundo interesse no
aprendizado de todas as pessoas envolvidas no desenvolvimento das crianças.
Assim como uma grande treinadora, a professora Isabel era grande encorajadora de
quem se propunha a aprender o Método Montessori. No momento em que ela percebeu o meu
interesse no método, ela se propôs a ser uma mentora, e compartilhar todos os anos de
treinamento e prática que ela teve, assim como os livros que ela consultava. Ela me ensinou a
observar as crianças, mais do que interferir em seus processos. Ela me deu a oportunidade de
observá-la em ação e de tirar dúvidas diariamente com ela.
Como eu era assistente, por vezes era meu o trabalho de preparar os exercícios e
equipamentos que seriam utilizados pelas crianças, assim como cuidar da decoração da sala.
Nessa função aprendi muito a domar as minhas urgências internas, pois por vezes aprendi que
entregaria às crianças algo que elas usariam para criar uma outra coisa, portanto o meu trabalho
não poderia ter uma forma que os influenciasse. Para exemplificar, relato um acontecido:
Estávamos nos preparando para o Natal e as crianças iam decorar uma árvore pintada
em uma parede externa da escola com enfeites personalizados por elas. A base para a realização
dos enfeites era um pedaço que era um quarto de uma folha de cartolina. Eu precisava cortar as
folhas de cartolina para ter o número necessário de pedaços de papel suficiente. Lembro-me de
estar cortando com precisão cada pedaço, deixando-os retinhos, quando a professora Isabel me
interrompeu: “Por que esse cuidado em deixar reto? Você perde muito tempo, além de
influenciar as crianças. Vai que elas resolvem fazer tudo em forma de caixa de presente?”. Ela
chamou minha atenção para o fato de que eu deveria fazer o possível para que aquilo fosse
como uma tela em branco, que a criança pudesse transformar no que quisesse, e que não havia
necessidade em esforço para perfeição. Aliás, esse conceito da perfeição era “atacado” o tempo
todo, pelo simples fato de não condizer com a realidade.
A professora Isabel agiu comigo da mesma forma que agia com as crianças: mostrou
que aquela sala também era minha, que aquele trabalho fazia parte de fazer a estrutura daquela
Pré-escola funcionar, se mostrou acessível e me deu a liberdade necessária para que eu me
descobrisse enquanto educadora em formação. Além disso, ela me tratou como colega de
trabalho, como alguém de quem ela queria ouvir sugestões e com quem ela desejava pensar
junto.
Ela também lidava assim com os alunos, e era claro o empoderamento que isso
provocava. Era muito importante para eles sentir-se ouvidos, ter sua opinião e voz valorizadas.
Isso dava a eles um parâmetro de tratamento, que eles utilizavam com seus colegas. Por isso o
respeito era tão latente no ambiente da turma.
Como assistente da professora Isabel, tive a oportunidade de ser a observadora de todos
esses aspectos e do impacto de cada um deles no crescimento dos alunos da Educação Infantil.
Muito generosa, ela me permitia entrar em ação durante os momentos de trabalho, ainda que
com um grupo ou dois de crianças. Por causa da paciência dela em me elucidar questões,
mostrar procedimentos, se permitir ser observada, hoje sou professora. Ela foi certamente
essencial para a formação da profissional que sou hoje.

4. CONCLUSÃO

A minha vivência enquanto professora assistente de uma Pré-escola Montessoriana


em meu primeiro ano de faculdade me permitiu desconstruir tudo o que eu pensava sobre
Educação e o papel do professor até aquele momento. Pude compreender que é necessário,
muito mais do que aprender técnicas e formatos de atividades, ter o autoconhecimento
suficiente para perceber quando projetamos nossas próprias expectativas em nossos alunos, e
algo que deve ser evitado. É um trabalho de caráter, como afirma Paula Polk Lillard:
A real preparação para educação é o estudo de si mesmo. O treinamento do professor
que vai ajudar a vida é muito mais do que o aprendizado de ideias. Ele inclui o
treinamento do caráter; é uma preparação do espírito. (LILLARD, 1972, p. 78)

Reconheço que o fato de ter iniciado meu caminho em uma escola particular muito bem
equipada, com um público de alto poder aquisitivo, influenciou e muito a minha experiência,
pois dificilmente eu teria as mesmas impressões em uma Pré-escola de escola pública, pelo
simples fato de que a sala de aula Montessoriana demanda recursos. Entretanto, esses recursos
não precisam ser os mais caros nem os mais bonitos do mercado; é possível construir e equipar
uma sala de aula Montessoriana, ou até mesmo criar o ambiente Montessoriano sem os mesmos
materiais que encontrei na Escola Americana.
O ambiente, apesar de ser um dos elementos chave para Maria Montessori, não é o mais
essencial. Sem um professor que o estimule, incentive, que seja referência para seus alunos no
tratamento, no respeito e no aprendizado, o ambiente não se consolida. Um não se sustenta sem
o outro.
Os maiores ganhos por mim adquiridos como resultado dessa experiência profissional
foram: uma mente aberta para a criança em processo de aprendizagem; uma mente aberta para
o meu trabalho enquanto educadora; a percepção de que é importante oferecer à criança aquilo
que ela precisa, e que nem sempre é o que eu precisaria.

É claro que o trabalho da criança é muito diferente do trabalho adulto. Crianças usam
o ambiente para melhorar a si mesmas; adultos usam a si mesmos para melhorar o
ambiente. Crianças trabalham pelo processo em si; adultos trabalham para alcançar
fim e resultado. (LILLARD, 1972, p.38)

As crianças usam o ambiente para melhorarem a si mesmas. Elas aprendem na interação


com o ambiente e com tudo que o compreende. E não só academicamente, mas emocional e
socialmente também. E é por isso que é tão importante que os adultos entendam a importância
de fomentar um ambiente previamente preparado para atender a essas necessidades das crianças
que a eles se apresentam. Não estamos educando a nós mesmos, é importante entender que cada
criança é um indivíduo em si. E como podemos fazer para atender a todos, sem assumir que são
todos iguais?
A conclusão a que chego é que o trabalho Montessoriano baseado em projetos, como
experimentei na escola em questão, ajuda muito o professor a estimular a independência
considerando a individualidade de seus alunos, uma vez que é possível oferecer atividades de
níveis de complexidade diferentes e com recursos diversos. Tudo isso em um ambiente
fundamentado na realidade, trazendo a criança para vivenciar as atividades em um mundo real
e vivo, que está em constante transformação, porém é para ela seguro.
REFERÊNCIAS

LILLARD, Paula Polk. Montessori: A Modern Approach. Paperback edition. New York;
Schocken Books Inc., 1972.

MONTESSORI, Maria. GUTEK, Gerald Lee (ed.). The Montessori Method: The Origins of an
Educational Innovation - Including an Abridged and Annotated Edition of Maria Montessori's
The Montessori Method. Lanham, Rowman& Littlefield Publishers, Inc. 2004.

RÖHRS, Hermann. Maria Montessori. Crad. Danilo Di Manno de Almeida, Maria Leila Alves.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

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