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Rio de Janeiro
Novembro - 2019
RELATO DE EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COMO
PROFESSORA AUXILIAR DE PRÉ-ESCOLA DURANTE O CURSO DE
FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA
Por:
Pilar Schweller Carneiro de Mendonça
Matrícula: 12112080371
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2019
RELATO DE EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COMO
PROFESSORA AUXILIAR DE PRÉ-ESCOLA DURANTE O CURSO DE
FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA
Por:
Pilar Schweller Carneiro de Mendonça
________________________________
Professor Examinador
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2019
A todos os professores da minha vida.
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Este relato tem como objetivo descrever as experiências vividas no trabalho como professora
auxiliar de Pré-Escola em uma escola particular durante o curso de formação em Pedagogia na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2012 e 2013. Traz o olhar da
pesquisadora para os impactos do Método Montessori na Educação Infantil e o quanto sua
aplicação interferiu em sua perspectiva de educadora em formação. A partir das vivências e da
leitura de autores como Maria Montessori, Hermann Rohrs e Paula Polk Lillard, pretende-se
com este relato evidenciar o quanto o papel do educador é peculiar na prática Montessori: é
preciso ser paciente e interferir pouco, o que exige a capacidade de lidar com a falta de controle
sobre as crianças e a própria sala de aula. A prática Montessori convida o professor a repensar
sua prática profissional, enxergando-se como um facilitador do processo de aprendizagem da
criança.
1 - Introdução .................................................................................................................. 07
2 – Metodologia ............................................................................................................... 08
2.1 – A Escola Americana do Rio de Janeiro ............................................................... 08
2.1.1 – A Pré-Escola ......................................................................................................... 10
3 - Relato .......................................................................................................................... 12
3.1 – A Pré-Escola Montessoriana ................................................................................... 12
3.1.1 – Os Componentes do Ambiente Montessoriano .................................................... 14
3.1.2 – A professora Isabel ............................................................................................... 17
4 – Conclusão .................................................................................................................. 18
5 – Referências ................................................................................................................ 21
1. INTRODUÇÃO
2. METODOLOGIA:
2.1.1. A Pré-Escola:
O dia escolar começava às 8h e terminava às 16h. Nós, do corpo docente, chegávamos
às 7:30 e saíamos às 16:30. Trabalhávamos essencialmente de segunda-feira a sexta-feira, com
alguns sábados letivos em que se realizavam eventos especiais, como a festa de Halloween e o
International Day.
Havia um planejamento a cada seis semanas de atividades e temas a serem trabalhados
na Pré-Escola. Logo, uma vez a cada seis semanas a equipe toda da Pré-Escola se encontrava
para discutir o que seria feito e distribuir isso no calendário. Eram consideradas todas as cinco
áreas do conhecimento segundo Montessori a serem trabalhadas: vida prática, sensorial,
linguagem, matemática e conhecimento de mundo (abrangendo geografia e história). As
habilidades motoras finas e grossas eram também distribuídas dentro dos temas e muito na vida
prática, de acordo com as necessidades que observávamos nas crianças.
Cada sala de aula na Pré-escola contava com uma professora, uma professora assistente,
e uma funcionária de apoio que atuava especialmente na hora da escovação dos dentes, após o
almoço.
As salas eram desenhadas para ter espaços diferentes, isto é: havia uma área da sala
designada para cada atividade e demanda. Portanto, tínhamos a parte da sala com as estantes de
atividades de vida prática; as estantes com atividades das demais áreas do conhecimento
ficavam em uma mesma área, diferente da primeira. Existia um “cantinho da leitura”, que
também servia de lugar para as crianças descansarem ou lerem um livro sozinhas. Além desses
espaços, as salas contavam com banheiro (geralmente com três cabines infantis e uma adulta,
para as professoras e auxiliar), pia de cozinha, que ficava perto das mesas onde as crianças
faziam suas refeições, e uma área externa para trabalhos com arte e algumas brincadeiras que
demandassem maior espaço físico.
Além das atividades em sala de aula, as turmas da Pré-Escola também tinham aula de
natação, educação física, artes, música e uma hora por semana na biblioteca, onde ouviam
histórias, realizavam pequenos projetos relacionados aos livros e escolhiam livros para levar
para casa, para que os pais lessem com elas.
A rotina era fielmente observada pelas professoras e auxiliar e, consequentemente, pelas
crianças.
Uma característica importante a ser dita sobre a Pré-Escola nesse contexto é o
bilinguismo. Pelo fato de a escola estar situada no Rio de Janeiro, recebíamos também muitos
alunos brasileiros. Ainda assim, a língua dominante era o inglês. A interação das crianças entre
elas mesmas e entre as professoras, ainda que ainda não estivessem apropriadas da língua
inglesa, permitia o desenvolvimento de uma comunicação efetiva. Essa efetividade se
demonstrava também quando da observação do relacionamento das crianças com as auxiliares,
que em maioria não eram falantes da língua inglesa. A comunicação acontecia natural, porém
não necessariamente oralmente.
3. RELATO:
1
Tradução livre da autora.
Logo, esse ambiente, mediado por essa professora atenta e engajada, era construído,
modificado e mantido em conjunto com as crianças e, de certa forma, todos os agentes da
comunidade escolar envolvidos na Pré-escola.
Como dito no ponto anterior, a rotina era fielmente observada por todos os agentes
envolvidos na Pré-escola, tida também como um elemento importante para a manutenção da
consistência. A rotina consistia em: um círculo ao início do dia, onde as crianças e as duas
professoras se sentavam, cantavam a música da manhã, faziam a chamada e onde a agenda do
dia era apresentada para as crianças. A chamada era feita sempre pelo ajudante do dia, sorteado
após a música da manhã. Ser ajudante do dia (the helper) era uma tarefa que as crianças
ansiavam por fazer. Sentiam-se importantes e cuidadosamente observadas pelas professoras ao
desempenharem esse papel, que lhes dava um grande senso de pertencimento à turma e de
responsabilidade. Logo antes do início do dia com as crianças, a professora distribuía as name
tags, cartões com os nomes das crianças pelas atividades que deveriam realizar naquele dia, ou
naquela manhã. Isso significava que, ao fim do círculo da manhã, as crianças se dividiriam em:
realizar a tarefa a que foram designados, brincar, passar pela área de materiais de vida prática,
lanchar e arrumar a sala para o almoço. A ordem disso tudo era decidida pelas próprias crianças,
desde que em algum momento da manhã realizassem a tal tarefa.
Uma das dúvidas que mais permearam a minha mente no início do trabalho era como
toda aquela estrutura havia se estabelecido. Afinal, quando eu comecei a trabalhar lá, em
fevereiro de 2012, aquela turma já existia há 6 meses. O ano letivo da Escola Americana do Rio
de Janeiro segue o calendário do hemisfério norte: inicia em agosto, não em fevereiro, como
em escolas brasileiras ou até mesmo outras escolas chamadas internacionais. Logo, o processo
de adaptação a toda aquela estrutura já havia passado, e eu não tive a oportunidade de vivenciá-
lo enquanto professora assistente. Contudo, as aulas que tive com a professora titular
esclareceram a minha mente. Falarei delas mais à frente.
De todo modo, para que esse ambiente se mantivesse nutridor e organizado, era
necessário o respeito e valorização de todos pelo mesmo. Observava-se o mesmo senso de
pertencimento nas crianças e na professora titular. Eles tinham o mesmo nível de cuidado por
aquilo que, juntos, haviam construído. E esse parecia ser um dos segredos daquela sala de aula:
havia uma parceria não dita, porém extremamente perceptível, entre as crianças e a professora
titular. Era como se pudéssemos ver nos olhos das crianças o quanto confiavam na professora
Isabel e o quanto a admiravam também. Por conseguinte, era claro também o quanto a
professora confiava na capacidade de cada criança em viver seu processo de crescimento e de
aprendizagem, inclusive de se desenvolver enquanto ser social. Havia um profundo respeito
pelos seres que ali estavam se formando.
Era bastante possível coordenar uma observação das crianças por esses espaços,
considerando a presença de duas professoras e a organização do ambiente e do tempo. A
observação era importante para perceber onde e como interferir no aprendizado das crianças e
se isso seria necessário.
A auxiliar, apesar de estar mais envolvida com a higiene das crianças, estava
completamente imersa no ambiente Montessoriano. Era importante que todos nós que tínhamos
contato com as crianças agíssemos sob esse direcionamento Montessoriano, por acreditar
firmemente que cada momento e interação na escola impactavam o desenvolvimento dos
alunos.
A criança deve receber atividades que encorajam independência, e ela não deve ser
servida por outros em atos que possa aprender a realizar por si mesma. (LILLARD,
1972, p. 52)
Lillard defende que, segundo Maria Montessori, a criança não pode ser livre, a menos
que seja independente. Entretanto, para ser independente, deve realizar tarefas que estimulem
a independência; e que os demais não devem fazer por ela, o que ela mesma pode fazer.
O segundo componente que quero destacar é o da realidade e natureza.
Uma característica também notável da Pré-escola em que trabalhei era o fato de ter
objetos tidos por muitos adultos como perigosos para crianças. Como se lê na citação, acredita-
se que a sala deve ter objetos do mundo real na forma como são, como seriam encontrados fora
dali, para que as crianças não sejam encorajadas a alimentar fantasias quanto ao mundo em que
vivem. Isso não tem a ver com cercear a imaginação da criança, é importante frisar: mas apenas
tratá-la como indivíduo capaz de aprender a usar esses objetos da maneira correta, sem precisar
usar versões falsas deles, para depois se frustrar com as consequências do uso inadequado de
verdadeiros objetos. Por exemplo, as crianças começam cedo a experimentar comer com garfo
e faca, para que vão se acostumando a tratar os alimentos independentemente. Tudo isso é muito
supervisionado, para evitar acidentes, mas a experiência que vivenciei foi a de perceber que
uma vez que as crianças aprendiam a usar os objetos e ferramentas, era desnecessário lembrá-
las dos riscos.
Certa vez, a professora Isabel inseriu na área de atividades de vida prática uma tarefa
que consistia em usar uma jarra de vidro com água pela metade para encher uma bacia. E depois,
devolver a água para a jarra. Lembro que eu fiquei assustada com crianças de 4 anos utilizando
uma jarra de vidro livremente, ainda que fosse pequena. Cheguei a ensaiar a interferência ao
ver uma menina com um pouco mais de dificuldade de segurar a jarra, porém fui contida a
tempo pela professora: “Ela é capaz. Observe.” O empoderamento do ambiente Montessoriano
mexeu com meus próprios preconceitos quanto às capacidades das crianças e ao papel dos
professores em sala de aula.
Eu precisei abrir minha cabeça para aceitar que tudo o que havia experimentado em
termos de aulas centralizadas no professor, de crianças dependentes de adultos, entre outros
conceitos, poderia ser diferente. O processo de aprendizagem em uma turma Montessoriana
requer confiança por parte do professor na criança, desde que esse mesmo professor garanta um
ambiente que provê todo o necessário para que a criança se desenvolva.
Outro ponto interessante do componente realidade e natureza é o fato de que nem todos
podem usar o mesmo objeto ao mesmo tempo. A Pré-escola não dispunha de vários
equipamentos do mesmo tipo; era uma versão só de cada atividade. Dessa forma, caso a tarefa
desejada por João estivesse sendo realizada por Maria, João deveria esperar que a colega de
classe finalizasse seu trabalho e devolvesse a tarefa a seu lugar. É um exercício de respeito pelo
trabalho e pelo tempo dos outros, para que a estrutura e a ordem do ambiente pelo qual ele tanto
preza se preserve. João pode se frustrar em um primeiro momento e fazer birra porque quer
realizar o exercício naquele exato momento, entretanto perceberá que sua tristeza não fará com
que Maria termine mais rápido, assim como quando ficamos irritados na fila do mercado, mas
a fila não diminui. Lidar com a realidade dentro da sala de aula prepara as crianças para lidar
com ela fora dali.
Esses são relatos e impressões que mais me marcaram durante o período de trabalho
naquela Pré-Escola. É claro que os outros componentes também foram importantes, mas esses
dois aqui elencados se relacionam aos demais, e foram para mim, alguém no início do contato
com a Educação em si, cheia de pré-conceitos, decisivos na forma como atuo profissionalmente
hoje.
4. CONCLUSÃO
Reconheço que o fato de ter iniciado meu caminho em uma escola particular muito bem
equipada, com um público de alto poder aquisitivo, influenciou e muito a minha experiência,
pois dificilmente eu teria as mesmas impressões em uma Pré-escola de escola pública, pelo
simples fato de que a sala de aula Montessoriana demanda recursos. Entretanto, esses recursos
não precisam ser os mais caros nem os mais bonitos do mercado; é possível construir e equipar
uma sala de aula Montessoriana, ou até mesmo criar o ambiente Montessoriano sem os mesmos
materiais que encontrei na Escola Americana.
O ambiente, apesar de ser um dos elementos chave para Maria Montessori, não é o mais
essencial. Sem um professor que o estimule, incentive, que seja referência para seus alunos no
tratamento, no respeito e no aprendizado, o ambiente não se consolida. Um não se sustenta sem
o outro.
Os maiores ganhos por mim adquiridos como resultado dessa experiência profissional
foram: uma mente aberta para a criança em processo de aprendizagem; uma mente aberta para
o meu trabalho enquanto educadora; a percepção de que é importante oferecer à criança aquilo
que ela precisa, e que nem sempre é o que eu precisaria.
É claro que o trabalho da criança é muito diferente do trabalho adulto. Crianças usam
o ambiente para melhorar a si mesmas; adultos usam a si mesmos para melhorar o
ambiente. Crianças trabalham pelo processo em si; adultos trabalham para alcançar
fim e resultado. (LILLARD, 1972, p.38)
LILLARD, Paula Polk. Montessori: A Modern Approach. Paperback edition. New York;
Schocken Books Inc., 1972.
MONTESSORI, Maria. GUTEK, Gerald Lee (ed.). The Montessori Method: The Origins of an
Educational Innovation - Including an Abridged and Annotated Edition of Maria Montessori's
The Montessori Method. Lanham, Rowman& Littlefield Publishers, Inc. 2004.
RÖHRS, Hermann. Maria Montessori. Crad. Danilo Di Manno de Almeida, Maria Leila Alves.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.