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ANDREW JUMPER
São Paulo
2022
CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANDREW JUMPER
São Paulo
2022
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da
Mackenzie com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
V614p Viana, Warton Andre Nunes.
Profeta, Sacerdote e Rei, implicações da Cristologia nos
fundamentos práticos da plantação de igrejas : [recurso eletrônico]
/ Warton Andre Nunes Viana.
430 KB ; il.
Dedico este trabalho aos plantadores de igrejas, homens e mulheres apaixonados por
Cristo Jesus, que não poupam esforços, recursos, nem a própria vida a fim de que a missão
seja cumprida.
Agradecimentos
Agradeço a Deus por me encantar com a beleza de sua Missão. À minha amada
esposa, Dayane, por acreditar em mim mais do que eu mesmo e pela paciência em me deixar
debruçado nos estudos e na pesquisa. Aos líderes da Igreja Presbiteriana do Bairro Alto, pelo
apoio nesta maratona acadêmica. Ao meu irmão, Rodrigo, pela leitura atenta e correções
sugeridas. À minha querida mãe que custeou com orações e sacrifícios o início da minha
jornada de estudos. Ao Dr Chun, pela profundidade teológica e pela paixão missionária.
Resumo
Uma boa e adequada eclesiologia deve estar ancorada na Cristologia, uma teologia
ortodoxa considera isso salutar. Considerando que a Cristologia é tão fundamental para a
Missiologia, o presente projeto pretende indagar qual o papel dos ofícios de Cristo para a
plantação de novas igrejas? As práticas e os fundamentos bíblicos - teológicos de um projeto
de plantação podem e devem estar ancorados nos ofícios de Cristo?
The aim is to examine the offices of Christ outlined in the Reformed tradition. From this
analysis, it is intended to understand the implications of the offices of Christ for
ecclesiological practice and consequently for Church Planting.
INTRODUÇÃO 11
1. A PERSPECTIVA TRÍPLICE 15
1.1. A PERSPECTIVA TRÍPLICE COMO REFERENCIAL TEÓRICO 15
1.2. ACOLHER MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS É SINAL DE SABEDORIA 16
1.3. A TRÍPLICE PERSPECTIVA CONSIDERA A ECLESIOLOGÍA A PARTIR DO
UNGIDO 17
1.4. O SENHORIO DIVINO ESTABELECE UM PADRÃO TRÍPLICE PARA O
CONHECIMENTO DA REALIDADE 18
2. A ECLESIOLOGIA E O TRÍPLICE OFÍCIO 22
2.1. A IMPORTÂNCIA DE DEFINIR O QUE É IGREJA 22
2.2. DEFINIÇÃO DE IGREJA E SUA RELAÇÃO COM O MÚNUS TRIPLEX 24
2.3. AS MARCAS DA VERDADEIRA IGREJA E O MUNUS TRIPLEX 25
2.4 A IGREJA É PROFETA, SACERDOTE E REI 27
2.5 IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DO TRÍPLICE OFÍCIO 30
3. A MISSÃO ASSOCIADA À PERCEPÇÃO TRÍPLICE 34
3.1 UMA DISTINÇÃO DO SIGNIFICADO DA MISSÃO 34
3.2. O CARÁTER TRIPLO DAS FONTES DA MISSIOLOGIA 39
3.3. A LIDERANÇA NA PLANTAÇÃO DE IGREJAS CONSIDERADA SOB A
PERSPECTIVA TRÍPLICE 41
3.3.1. Objeções na Categorização Tríplice para Tipologias de Liderança 44
3.4. OS PARADIGMAS MISSIOLÓGICOS E O EQUILÍBRIO OFERECIDO PELA
PERSPECTIVA TRÍPLICE 49
3.5. A IGREJA CENTRADA E A PERSPECTIVA TRÍPLICE 53
CONCLUSÃO 60
REFERÊNCIAS 62
11
INTRODUÇÃO
Sendo assim, todas as áreas da vida da igreja estão, por implicação lógica, necessariamente
associadas à identidade de rei, profeta e sacerdote.
O objetivo geral desta pesquisa é apontar quais as implicações e convergências da
Cristologia na Missiologia com ênfase em Plantação de Igrejas: pretende-se encontrar
conexões entre conceitos eclesiológicos e missiológicos e a Cristologia. Objetiva-se
estabelecer os fundamentos de tais proposições na Cristologia conforme delineada pelos
Ofícios de Cristo. Para tanto, estabeleceu-se esses objetivos específicos: avaliar à perspectiva
tríplice, verificando sua ocorrência para justificar sua utilização como referencial teórico ao
analisar o plantio de igrejas; analisar a definição de Igreja segundo à tradição reformada e sua
correspondência com o múnus triplex; apresentar a plausível associação do entendimento de
missão vinculado ao tríplice ofício considerando o equilíbrio que essa tríade oferece para os
paradigmas missionários. A discussão sobre as tipologias de lideranças estabelecidas a partir
do tríplice ofício receberá atenção considerando a implicação da temática para a plantação de
igrejas. Por fim, a pesquisa irá apreciar uma perspectiva tríplice na eclesiologia missional para
contexto urbano.
Algumas igrejas de tradição protestante recorrem aos manuais de plantio de igrejas
para sua prática missionária, utilizando a pesquisa e a missiologia como referencial teórico
para sua empreitada. Todavia, a missiologia com ênfase em plantio de igrejas é acusada de
nem sempre ter um diálogo efetivo com a teologia. Lidório afirma que “o divórcio entre
teologia e missiologia é uma das mais graves barreiras na formação de pastores e
missionários”1. Essa crítica costuma ser justificada por, pelo menos, duas práticas
missionárias identificadas entre igrejas reformadas: 1) uma prática missionária e de plantação
de igrejas que se apoia apenas na tradição e nos modelos do passado para sua ação
missionária. Essa postura torna-se absoluto estratégico e referencial eclesiológico definitivo
para iniciar novos projetos de plantação. Consequentemente, desconsidera-se novos tempos e
exigências de contextualização, além de nem sempre os projetos serem marcados por frutos
esperados. É fato conhecido e registrado em livros de atas2 que, no Brasil, muitas igrejas
reformadas não nasceram com motivações missionais, mas com ênfase em manutenção e
cuidado de membros que moravam em regiões distantes. Essas igrejas eram plantadas para
viabilizar o congregar e encurtar distâncias. O anseio de alcançar os perdidos não foi nutrido e
1
LIDÓRIO, Ronaldo. Plantando igrejas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2018. P. 24.
2
AGRESTE, Ricardo. Aula de pós-graduação. Fatev. Curitiba. 2017. Material não publicado.
13
1. PERSPECTIVA TRÍPLICE
1.1 A PERSPECTIVA TRÍPLICE COMO REFERENCIAL TEÓRICO
3
FRAME, John M. O que é tri - perspectivismo. Disponível em:
frame--poythress-org.translate.goog/what-is-triperspectivalism/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_
tr_pto=sc. Acesso em: 20 mar. 2022.
4
Ibid.
5
FONTES, Felipe. Resenha de A doutrina do conhecimento de Deus de John Frame.. São Paulo: Cultura Cristã,
2010. p. 448. Fides Reformata. Nº 2 (2015): 145-151.
6
FRAME, John M. A doutrina de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
7
POYTHRESS, Vern Sheridan. Teologia sinfônica: a validade de múltiplas perspectivas em teologia.
Originalmente publicado: Grand Rapids, MI: Zondervan, 1987. Disponível em:
https://frame--poythress-org.translate.goog/ebooks/symphonic-theology-by-vern-poythress/?_x_tr_sl=en&_x_tr_
tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc. Acesso em 30 abr. 2022.
8
Ibid.
16
11
LIDÓRIO, Ronaldo. Biografias, Sr. João. 09 de setembro de 2019. Disponível em:
https://youtu.be/VzuH-iBulzI. Acesso em 14 out 2021.
17
A eclesiologia deve ser orientada pela categoria tríplice por ser ela da natureza do
Ungido. Cada cristão em todas as eras e locais confessa e experimenta “logo, já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Aquele que é profeta, sacerdote e rei vive em
cada cristão. Logo, todos assumem, ainda que de maneira subordinada, o ofício real, profético
e sacerdotal.
Em termos teológicos é explícito que a eclesiologia está ancorada na cristologia. Uma
das principais confissões de fé da história da igreja confirma essa íntima relação entre Cristo e
sua igreja.
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido
por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio
Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu
18
ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar
os vivos e os mortos.12
Isso implica no fato de que uma igreja sem Cristo não pode ser considerada igreja. O
caráter íntimo de Cristo e sua igreja, na mesma linha confessional, é corroborado por outra
parte de seu texto. Depois de considerar a doutrina de Deus, do Filho e do Espírito Santo,
afirma o Credo: “Creio”… “na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão
dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém13. Esta afirmação do primeiro
documento de fé vincula a Igreja, povo de Deus, à Trindade, e necessariamente, com Cristo e
sua obra14.
A conexão entre o Messias e sua Igreja precisa ser reforçada pois a sua
desconsideração tira o devido entendimento sobre a natureza da Igreja. A Igreja é de Cristo e
de mais ninguém. Ele a fundou e lidera, a sustenta e a ensina. O caráter orgânico e vital dessa
relação é muito bem destacado pela metáfora bíblica do corpo. “A Igreja não é uma
organização; é um organismo. É formada de partes vivas”15. Essa relação íntima e
indissociável com Cristo orienta uma eclesiologia que considere as implicações da natureza
tríplice dos ofícios do Ungido e sua consequente aplicação para a eclesiologia.
As confissões de fé insistem que o ofício tríplice de Cristo foi manifestado no estado
de humilhação de Cristo, mas também permanecem atuantes em seu estado de exaltação. O
fato de Cristo continuar atuando numa perspectiva tríplice é mais um ensejo para considerar
com ênfase essa manifestação tríplice na realidade do mundo e da igreja. Os ofícios de Cristo
e sua íntima relação com a sua Igreja ratificam a perspectiva tríplice como componente da
identidade do povo de Deus. Essa constatação deve guiar o plantio de novas igrejas, a
formulação de um projeto para plantio de igrejas deve ser guiada por esse pressuposto.
O senhorio divino, como delineado por Frame, aparece em categoria tríplice: o Senhor
é: (a) aquele que controla todas as coisas por seu grande poder; (b) aquele que fala com
12
Credo Apostólico. Bíblia de Estudo da Fé Reformada. A Igreja. Editor chefe. Sproul, A.R. São José dos
Campos: Editora Fiel, 2021. P. 2388.
13
Ibid. loc. cit.
14
Op. cit.
15
A Igreja. Bíblia de Estudo da Fé Reformada. 2021. P. 2094.
19
autoridade absoluta, exigindo corretamente que todos obedeçam; (c) aquele que se entrega ao
seu povo na intimidade da aliança: “Eu serei o seu Deus, e você será o meu povo”. Frame
nomeia esse último conceito de presença.16
Na visão de Frame, o conhecimento possui uma categoria tríplice. A partir de um
paradigma reformado entende-se que todo conhecimento é viabilizado por Deus. Ao tomar os
atributos do senhorio divino para sobrepor realidades é possível ampliar um conhecimento
sobre determinado objeto de estudo.
As devidas perspectivas consideradas a partir dos atributos divinos serão: a normativa,
a situacional e a existencial. Os atributos divinos a que elas correspondem são a autoridade, o
controle e a presença17. Assim, um conhecimento é mais amplamente percebido quando se
considera esse olhar tríplice para a “norma” que rege o objeto ou realidade a ser conhecida,
para a “situação” em que o objeto ou realidade em análise está participando, e para a
“existência”, que vem a ser o aspecto íntimo ou intrínseco do que se conhece18.
Aproximando os termos do tríplice ofício estabelece-se que a perspectiva normativa
está para o ofício profético, assim como a perspectiva situacional está para o ofício real e a
perspectiva existencial está para o ofício sacerdotal.
É importante lembrar que esse método teológico ou teoria do conhecimento não foi
dado como normativo para os assuntos teológicos até o momento. Seria inapropriado
desconsiderar que há opositores dessa proposta tríplice no mundo teológico, receosos de
algumas de suas implicações e aplicações.
O que parte de seus críticos deve lembrar, bem como seus ávidos defensores, é que a
perspectiva tríplice é, antes de mais nada, uma postura epistemológica19. Isso significa, entre
outras coisas, que o tri-perspectivismo não deve ter caráter de doutrina, o que daria a ele um
aspecto normativo. Essa proposta pouco rígida do método é verificada na conclusão de um
dos seus principais propositores sobre qual seria a utilidade do perspectivismo, Frame afirma:
“Há alguns momentos em que acho que é uma espécie de estrutura profunda do universo e da
verdade bíblica. Outras vezes (na maioria das vezes) penso nisso de forma mais modesta,
como um dispositivo pedagógico20.
16
FRAME, J. O que é Tri-perspectivismo. op. cit.
17
FONTES, F. op. cit.
18
FRAME, John M. A doutrina do conhecimento de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010. P. 105.
19
FONTES, F. Op. cit.
20
FRAME, J. O que é tri- perspectivismo. Op. cit.
20
Se por um lado ele não é normativo, por outro, deve-se argumentar que ele não é
relativista. Na postura perspectivista o conhecimento é possível. Sendo o tri-perspectivismo
fundamentado na epistemologia reformada21, ele reconhece a limitação do conhecimento
humano, mas isso não é a mesma coisa que afirmar não haver conhecimento. Outrossim, a
soma das perspectivas não presume esgotar o conhecimento, pois o conhecimento absoluto
somente a Deus pertence.
Faz necessário reforçar que esse método perspectivista implica em tratar a maneira
como o conhecimento humano é possibilitado. O conhecimento humano, mesmo acessando
revelação especial não se iguala ao jeito que Deus vê22. O que pode ser captado pelo homem é
um modo de perceber o que foi dado a conhecer por Deus, é uma perspectiva.
Sendo assim, a missiologia aplicada à plantação de igrejas se apoia em três
perspectivas para ampliar sua compreensão sobre o que vem a ser necessário na plantação de
igrejas. Outrossim, ao considerar a perspectiva profética, real e sacerdotal, evita-se o enfoque
hiper dimensionado em uma única vertente do trabalho missionário. Na soma dessas
perspectivas há que se encontrar o equilíbrio desejado para a efetivação do trabalho.
O perspectivismo não endossa todas as opiniões de outras visões do mundo, todavia,
ele considera que áreas do conhecimento humano, científico, psicológico, podem conter
elementos de verdade e por isso colaborar com uma melhor visão do todo.
O método tríplice pode auxiliar a amenizar o fundamentalismo e as leituras e análises
unilaterais ou fundamentalistas no meio cristão que acirram e munem a oposição da sociedade
relativista contra o cristianismo. Interpretações simplistas e superficiais de teólogos e pastores
favorecem a antipatia já costumeira da sociedade contra os cristãos e isso deve ser evitado por
todo aquele que está engajado em projetos missionários de plantação de igrejas.
O tri-perspectivismo considera múltiplas perspectivas para o conhecimento sem negar
a existência de um conhecimento possível e real sobre a realidade. É ao mesmo tempo
humilde e corajoso. “Nossa finitude não implica que todo o nosso conhecimento seja errôneo
ou que a certeza seja impossível”23.
O que esta pesquisa propõe é aplicar esse referencial teórico na plantação de igrejas.
Pode-se afirmar que isso seria levar a discussão para um passo adiante. O tri-perspectivismo
21
FONTES, F. Op. cit.
22
Ibid.
23
FRAME, J. O que é Tri-perspectivismo. Op.cit.
21
pode instruir e fundamentar a visão eclesiológica para o plantio de novas igrejas. Ele fornece
“lentes” metodológicas para compreender e considerar os fundamentos práticos da plantação
de igrejas. Ele possibilitará ênfases ministeriais distintas, equilíbrio na utilização de fontes
para o pensar missiológico, e direção para o serviço missionário em harmonia com o que
estabelece a Cristologia. Não se trata de inovação, mas um desdobramento possível e útil a
discussão missiológica.
Como seria tratar a plantação de novas igrejas sob a tríplice perspectiva? Quanto a
categorização tríplice define a identidade da Igreja? Enquanto reis, sacerdotes e profetas
subordinados, quais práticas devem guiar o povo de Deus no estabelecimento de comunidades
locais que se reúnem em nome de Jesus Cristo? Quais fontes a categorização tríplice oferecerá
para a missiologia?
22
24
CAMPOS, Heber Carlos. A relevância dos credos e confissões. Fides Reformata. 2/2 1997. Disponível em:
https://cpaj.mackenzie.br/wp-content/uploads/2019/02/7_A-Relevancia_dos_Credos_e_Confissoes_Heber_Cam
pos.pdf. Acesso em: 05 set 2022.
23
Além de uma definição amparada na boa tradição, insistir nas marcas da igreja
verdadeira, de acordo com o paradigma eclesiológico confessional, é mais um componente de
defesa para combater os ventos de desconstrução advindos do contexto atual.
A luta por uma definição eclesiológica está longe de dar sinais de arrefecimento na
teologia contemporânea25. Chung considera que “a eclesiologia é o grande debate da teologia
atual”26 . O erro na definição e conceituação do que vem a ser a igreja está no bojo deste
processo de desconstrução de identidade eclesiológica, e adverte-se que seu resultado
desastroso explica parte do trágico fenômeno dos desigrejados.
Horton, acertadamente percebe que o erro dos emergentes e das igrejas livres está em
seu deslocamento da referência dos meios de graça, isso é fortalecido pela desconexão
histórica dos referidos movimentos e o seu consequente desprezo pela tradição. Horton
enuncia como eles pensam a igreja: “ uma realidade puramente espiritual trazida à existência
pela vontade e esforço de muitas pessoas, sem um relacionamento definido entre o sinal e a
realidade significada”.27 Como sinal dessa presente desconstrução, nesse movimento citado, a
pregação e os sacramentos são vistos meramente como testemunhos da graça de Deus, e não
como meios pelos quais de fato Deus comunica sua graça28. Isso tudo traz implicações sobre o
que eles entendem e ensinam sobre o que é a Igreja.
Insistir nas marcas da verdadeira Igreja a partir da boa tradição, assim como definir o
que é e o que não é “Igreja” torna-se elementar para caracterizar o que vem a ser essencial em
termos práticos para a eclesiologia. E mais ainda, uma definição que expresse a noção bíblica
de eclesiologia e que tenha o bom testemunho da história dá a chance de equiparar os
conceitos que emergem do munus triplex.
Ir ao âmago da definição do que vem a ser a igreja, bem como se valer dos distintivos
que orientam quais são as marcas de uma igreja verdadeira, conecta a sua natureza ao munus
triplex, necessariamente. A união da definição teológica do que vem a ser a Igreja de Cristo
somada aos apontamentos históricos da tradição reformada sobre as marcas da verdadeira
igreja oferecem um conjunto de elementos que tornam possíveis a identificação de correlação
entre os ofícios de Cristo e a dinâmica da igreja na sua realidade prática e histórica.
25
CHUNG, Chun. Aula: Fundamentos Bíblicos da Missão. Centro de Pós-graduação Andrew Jumper. São
Paulo: Ano 2021. Material não publicado.
26
Ibid.
27
HORTON, Michael. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2016. P. 876.
28
Ibid.
24
Bavinck ecoa muito bem a tradição reformada em sua conceituação e define a Igreja
como “a reunião dos crentes que confessam Jesus como seu Senhor”.29 Tomando essa
definição como referência é possível distinguir uma tríade e associá-la ao munus triplex, “a
reunião dos crentes” está para o ofício sacerdotal, assim como a “confessar Jesus” está para o
ofício profético, e considerar que Jesus é o Senhor é análogo ao ofício real.
Os pontos destacados podem ser elencados da seguinte maneira: a reunião dos crentes
para comunhão, o ajuntamento, o cuidado mútuo, e a caminhada fraterna entre os fiéis fazem
parte do conjunto de realidades subentendidas na definição de Bavinck, apoiados no conceito
expresso: “reunião dos crentes”. Todos esse quadro conceitual revela o papel do ofício
sacerdotal. Em outras palavras, é sabido que a reconciliação de Deus com seu povo, e a união
desse povo como família de muitos irmãos é viabilizada pela obra salvífica e expiatória de
Cristo, expediente vinculado ao ofício sacerdotal do Ungido.
A compreensão do senhorio de Cristo, o entendimento de sua obra e o acesso aos seus
ensinos que, por sinal, levam esse povo a confessar Jesus, são dinâmicas com conexão ao
ofício profético. Por sua vez, a obediência do povo ao governo soberano de Deus e a rendição
irrestrita ao domínio de Cristo está amparada no ofício real.
Na tradição reformada não há variações que distanciam dessa definição de Bavinck,
no entanto há ocorrências de desdobramentos e apontamentos de áreas e atividades essenciais
que compõem esse ajuntamento dos santos. Vale a verificação para perceber alguns
componentes de permanência e até desdobramentos válidos do mesmo conceito. Torna-se
oportuno, inclusive, a identificação de algumas tríades na definição de Lidório, o qual define a
igreja incluindo seu aspecto missiológico e trinitário. Ele vincula natureza e propósito em sua
definição:
O plantio de igrejas é o resultado da soberania de Deus que decidiu chamar para si
pessoas de todos os povos, línguas, tribos e nações por meio de sua graça expressa no
sacrifício do Cordeiro Jesus, juntando-as em igrejas locais centradas na Palavra,
comunhão, adoração, oração e missão, encorajadas pelo Espírito Santo, debaixo do seu
poder e para sua própria glória.30
Uma sequência tríplice de tríades podem ser verificadas nesta definição de Lidório.
Essas constatações orientam a noção de que a realidade tríplice permeia toda a realidade
29
BAVINCK, Herman. Teologia Sistemática.Santa Barbara d’Oeste: SOCEP, 2001. p. 566.
30
LIDÓRIO, Ronaldo. Plantando igrejas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2018. p. 15.
25
Vale lembrar que as marcas da verdadeira Igreja vieram a ser consideradas para fazer
frente às ameaças de deturpações. A partir do momento em que seitas e heresias começaram a
dar sinais de forte influência no seio da cristandade, foi necessário apontar o que realmente
distingue uma Igreja verdadeira, isso se repetiu com maior ou menor intensidade ao longo da
história do cristianismo31.
Esse delineamento sobre o que distingue uma igreja verdadeira de uma igreja falsa foi
sim um tipo de problema suscitado já na Igreja Primitiva32. Outros problemas teológicos que
afetariam diretamente a vida da Igreja suscitaram concílios que firmaram suas convicções e
defenderam a sã doutrina contra o erro.
Um sucinto relato histórico contribui para perceber a necessidade dos Credos e
Confissões para a saúde da Igreja. O primeiro Credo, o apostólico é datado do segundo
século. Em 325 foi formulado o Credo de Nicéia, marcado pelo combate às heresias de Ário,
depois houve o Credo de Constantinopla (381), que afirmou a plena divindade do Espírito
Santo. O Credo de Calcedônia (451) tratou especificamente das duas naturezas de Jesus
Cristo, sobre as quais a igreja pouco acrescentou posteriormente, em virtude da precisão das
suas idéias. Esses foram os principais33.
31
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo, Cultura Cristã: 2009 P. 528.
32
OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reforma. São Paulo: Editora Vida,
2000. P. 27.
33
CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia. Volume 01. São Paulo: Editora
Hagnos, 2001.
26
afirma que “na igreja da nova aliança agora existem três ofícios permanentes: ministros da
palavra (pastores e mestres), presbíteros e diáconos”.39
Os ofícios de Cristo podem ser facilmente associados ao que a boa tradição definiu
como marca distintiva da igreja. A pregação fiel e a correta administração dos sacramentos
têm uma correlação direta com o ofício profético. Na vida prática da igreja local, quando essa
área está cuidada a contento, pode-se afirmar que o ofício profético de Cristo, manifestado de
forma subordinada pelos dons específicos na igreja local está recebendo a devida atenção.
A disciplina do Rei dos reis é possibilitada na atuação subordinada do ofício real na
responsabilidade dos presbíteros regentes. Assim, com a obra de serviço e misericórdia do
Supremo Sacerdote se manifesta de forma subordinada na ação da diaconia da igreja local.
As marcas da Igreja verdadeira apontam para o fundamento em que ela está fundada, a
pessoa e obra do ungido, razão pela qual a autenticidade da igreja passa pela consideração do
munus triplex. O próximo passo é analisar como as áreas práticas da vida de uma igreja local
são tocadas por essa realidade tríplice.
39
BEEKE, Joel; JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida Nova, 2016.
28
dos papéis de profeta, sacerdote e rei tem implicações para a missão da igreja e para o papel
de cada crente40.
Pela ótica da teologia bíblica, Cristo é o cabeça da Igreja. Essa noção de “cabeça” é
uma metáfora para revelar o papel central de Cristo. Há ainda outra figura de linguagem que
corrobora esse conceito está na noção de “pedra principal” sobre a qual a Igreja está firmada.
Outra figura com viés orgânico que ilustra de forma intensa a percepção de como Cristo é a
fonte da vida da igreja é considerada no Evangelho de João41. Nesse contexto, Cristo é posto
como o organismo do qual os discípulos derivam como ramos. A vitalidade desses ramos e
sua frutificação está intimamente relacionada à permanência nesse tronco central.
Considerando ser Cristo tão fundamental para igreja, isso seria dizer em outras
palavras, tudo que permeia a igreja enquanto organismo que desfruta de vitalidade tem sua
origem em Cristo Jesus. A palavra Cristo é o título para o Messias. Essa nomenclatura tem
total relação com o fato do Senhor Jesus ser o mediador do pacto da graça. O catecismo maior
de Westminster ensina que:
“o nosso mediador recebeu o nome de Cristo porque foi ungido sobre medida pelo
Espírito Santo, e assim separado e plenamente investido de total autoridade e
capacidade para exercer os ofícios de profeta, sacerdote e rei da sua igreja, tanto no
estado da sua humilhação quanto no da sua exaltação42.
O catecismo insiste que o tríplice ofício é mantido por Cristo em seu estado de
exaltação. Portanto, ao considerar que a identidade de Cristo passa pela realidade do munus
triplex, é salutar afirmar que todas as áreas da vida da igreja estão, por implicação lógica,
necessariamente associadas à identidade de rei, profeta e sacerdote.
A divisão feita e a aplicabilidade dos ofícios para identificar dons e áreas não excluem
a noção de que cada ofício de Cristo manifestado na igreja ocorre de forma múltipla e
simultânea. A distinção serve para estudo e análise. Ofícios jamais são vivenciados de forma
exclusiva e independente. Em outras palavras, Jesus Cristo nunca é rei sem ser ao mesmo
tempo profeta e sacerdote43.
40
BELCHER, Richard P. Jr.. Profeta, sacerdote e rei: os papéis de Cristo na bíblia e nossos papéis hoje.
Publicação P & R. Edição do Kindle. 2016. P. 159.
41
Evangelho de João, capítulo 15. Bíblia Sagrada. Sociedade Bíblica do Brasil.
42
VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo de Westminster comentado. Recife: Os puritanos, 2015. P. 136.
43
HORTON, M.2016. P. 553.
29
Bavinck falando dos ofícios de Cristo em seu estado de humilhação menciona que
“Jesus em todos os lugares ocupou-se simultaneamente do exercício desses três ofícios''. Ele
proclama a palavra de Deus como um profeta, mas ao falar ele exercia a sua misericórdia
sacerdotal e seu poder real, pois através da sua palavra ele curava os enfermos, perdoava
pecados e acalmava a tempestade”44.
Teólogos são categóricos ao afirmar que o propósito inicial do homem na criação tinha
estreita relação com os ofícios de rei, profeta e sacerdote. “O propósito e o destino do homem
estão no desdobramento da imagem de Deus, no desenvolvimento harmonioso de todos os
seus dons e poderes, no exercício dos ofícios de profeta, sacerdote e rei”45. Bavinck, ao
salientar a oposição que João Calvino fez à hierarquia sacerdotal romana, afirma que no
conceituação do reformador, ao restabelecer os ofícios da liderança (presbíteros e diáconos),
“ele pensava na Igreja, acima de tudo, como uma reunião ou comunhão de crentes, que, por
sua confissão e por sua vida, provavam ser o povo de Deus e na qual todos foram
pessoalmente ungidos por Cristo para ser profetas, sacerdotes e reis”46.
Beeke conclui que a vida da igreja, a partir da declaração do Reformador João
Calvino, tem conexão direta com os ofícios de Cristo ao mesmo tempo que os vincula
diretamente à obra missionária.
“A afirmação de Calvino do sacerdócio universal de todos os crentes envolve a
participação da igreja no mistério profético, sacerdotal e real. Ele comissiona os crentes a
confessarem o nome de Cristo a outros (tarefa profética), para orar pela salvação deles
(tarefa sacerdotal), e para discipliná-los (tarefa real). Isto é a base para a poderosa
atividade evangelística por parte da igreja viva “até os confins da terra”47.
A aplicação dos ofícios de Cristo por Beeke elenca as atividades evangelísticas,
intercessórias e exortativas dos cristãos aos respectivos ofícios. Ele vai mais longe em sua
aplicação do que muitos outros estudiosos. Um cristão enquanto rei exorta e disciplina,
enquanto profeta confessa e testemunha de Cristo, enquanto sacerdote, ora. A aplicabilidade
de Beeke sobre os ofícios ainda é bem restrita e pode ser somada a outras percepções.
44
BAVINCK, Herman. 2001.P. 366.
45
Ibid. p. 367.
46
Ibid. p. 591.
47
BEEKE, Joel. João Calvino como professor de evangelismo. E-book. Editora Os puritanos. Disponível em:
https://livros.gospelmais.com.br/files/livro-ebook-joao-calvino-como-professor-de-evangelismo.pdf. Acesso em:
10 fev 2022.
30
A conexão que Horton faz dos desdobramentos dos ofícios liga-os diretamente aos
dons de liderança. Ele associa a presença do múnus triplex e sua mediação muito mais aos
oficiais da igreja do que aos cristãos. Por exemplo, ao abordar as obras de serviço efetuadas
pelos diáconos, pontua o autor que elas são feitas oficialmente em nome de toda igreja.
Não dá para dizer que Horton cala-se de todo quanto a aplicabilidade e ocorrência dos
ofícios na vida da igreja. Ainda que ele afirme a responsabilidade dos ministros e presbíteros
que preparam os santos como testemunhas no ofício geral como profetas, sacerdotes e reis,
assim, o autor oferece uma pista da associação de dons específicos com determinado ofício:
“as obras de serviço, são feitas oficialmente em nome de toda a igreja pelos diáconos,
conquanto todos os cristãos sejam dotados com dons de hospitalidade, generosidade e serviço
mútuo no corpo.”48.
É perceptível neste caso que os dons de hospitalidade, generosidade e serviço mútuo
estão para Horton inseridos dentro do corpo de ação do ofício sacerdotal, o que por sua vez é,
na compreensão do autor, mediado pelo Espírito na ação do diaconato.
Propõe-se que três áreas específicas que estão presentes na vida das igrejas locais,
sejam categorizadas com binômio específico. Essa nomeação visa dar clareza ao leque de
abrangência de atividades e áreas afins que podem compor os ministérios de uma comunidade
local.
A primeira grande área sugerida é atribuída ao escopo de ação do ofício‘profético”,
nomeia-se a mesma, para fins didáticos, com o binômio “palavra e missão”. Pode-se incluir
todos serviços que vinculam-se com evangelização, discipulado, ensino bíblico, ensino
teológico, tradução e pregação.
As escrituras ensinam que todas as coisas foram criadas pelo poder da Palavra. O
gesto discursivo de Deus na obra da criação sinaliza o valor das Palavras de Deus. O profeta
bíblico é o emissário autorizado por Deus para enviar a mensagem de Deus, esse mensageiro
anuncia as Palavras do próprio Deus. Esse destaque para o emissário das palavras divinas é
validado por toda a narrativa bíblica, o que evidencia seu valor essencial.
O ofício profético é determinante na revelação do conhecimento de Deus, esse é o
testemunho de toda a teologia bíblica. Cristo Jesus é o verdadeiro profeta, que não apenas
48
HORTON, M. 2016. P. 901.
31
anuncia e ensina a Palavra de Deus, mas que é a própria Palavra encarnada. A sua Igreja
recebe dele a profecia e é alçada a testemunha fiel para proclamar suas verdades a todos os
povos. Diante disso, cabe considerar que Cristo permanece em seu estado de exaltação como
o verdadeiro profeta, todos os seus discípulos dão continuidade ao ofício profético de maneira
subordinada à medida que se relacionam com a proclamação da verdade bíblica. Sendo assim,
‘palavra-missão’ está conectada ao grande eixo do ofício profético de Cristo, que aparece na
igreja através de dons e práticas específicas. Todos esses serviços proféticos são
extremamente relevantes à eclesiologia, portanto, indispensáveis na prática da plantação de
novas igrejas.
A segunda grande área a ser considerada tem relação com o ofício real. Nomeado com
o binômio “liderança e disciplina”. Em sua abrangência pode ser incluído práticas tais como:
correção, exortação, excomunhão, organização, administração, a autoridade dada para
enfrentar o poder de Satanás, bem como o chamado dos eleitos e a entrega de leis para que
obedeçam ao Rei, comissionamento de vocações e delegação de responsabilidade, bem como
estabelecimento de visão, criação de planejamento e utilização de estratégia para o trabalho
ministerial.
É vital reconhecer que todos os serviços e realidades acima citados são
desempenhados pelo ofício real de Cristo manifestado em sua Igreja. Em outras palavras, são
aspectos decorrentes do ofício de Rei aplicados no exercício prático da vivência da igreja.
Belcher assevera que o ofício real no AT já era desempenhado muito antes da monarquia, a
história de Abraão evidencia isso. Sua postura diante dos desafios impostos em seu contexto
exigiu dele liderança, estratégia e coragem. “Derrotar a coalizão de reis envolve estratégia
militar, e Abraão negocia com o rei de Sodoma quando ele retorna com os despojos. Abraão
age como um rei defendendo a terra derrotando um poderoso grupo de reis e resgatando um
membro de sua casa49.
O Rei, Jesus Cristo, que um dia chamou para si súditos, libertou seus filhos da
escravidão, deu-lhes o reino, mantém sua operação de realeza de maneira subordinada através
da igreja. A liderança da igreja, de forma geral, ao conduzir o povo de Deus, integra o eixo do
ofício real. Nessa categoria de ação da realeza, pode ser acrescentado o mandato cultural,
onde cada discípulo de Jesus vive subordinado às leis do Rei para promover o reino em todas
as áreas da vida.
49
BELCHER, R. 2016. P.5.
32
Por último, a grande área que envolve o ministério sacerdotal, nomeada nesta
pesquisa com o binômio: “comunhão e serviço de misericórdia”. Nela estão contidas todas as
ações, serviços e ministérios que envolvem: oração, culto, adoração, cuidado dos pobres e
necessitados, conexão e cuidado mútuo entre membros da comunidade, etc.
Julga-se a obra sacerdotal do Messias um dos pontos mais essenciais da redenção: a
saber, a expiação e morte substitutiva e vicária de Cristo na cruz do Calvário50. Com seu
sangue derramado, o Filho de Deus recebe a justa ira divina que recairia sobre todos aqueles
que hão de receber a salvação. De acordo com o Evangelho de João, Cristo é o Cordeiro de
Deus que tira o pecado do mundo. Na perspectiva do escritor de Hebreus, ele é o Sumo
Sacerdote que se compadece das fraquezas dos filhos de Deus, e que propicia a aproximação
de todos os que creem ao trono da graça de Deus.
A obra sacerdotal de Cristo tem total relação ao sacrifício no calvário pelo qual fez a
expiação dos pecados de todos os filhos de Deus, mas, soma-se a essa obra sacerdotal uma
vida de retidão em gratidão e glória ao Pai. O viver santo do Filho de Deus tem conexão direta
com seu papel sacerdotal.
“Deus preparou um corpo para o Filho eterno para ser dado não apenas para expiação,
mas para aquela obediência viva para a qual a humanidade foi criada… Em resumo,
Cristo é o nosso salvador sacerdotal tanto ao oferecer seu sacrifício vivo de uma vida
inteira de louvor e gratidão como por oferecer a si mesmo como o sacrifício pela culpa
pelos nossos pecados”51.
A compaixão de Cristo também tem conexão com seu papel sacerdotal. O escritor de
Hebreus conceitua a compaixão de Cristo pelos pecadores como algo associado ao seu ofício
sacerdotal. Bavinck ecoa esse entendimento ao afirmar que “as obras realizadas por Jesus
pertenciam ao seu ofício sacerdotal, e por isso elas eram manifestações da sua compaixão,
todos os milagres de Jesus são milagres de redenção e cura, e como tais eles pertencem ao seu
ofício sacerdotal”52.
Sendo Cristo sacerdote eterno, seu povo é subordinadamente alçado à condição de
sacerdotes53. Levando em consideração a obra de expiação e intercessão de Cristo, esta
pesquisa reconhece que a obra de intercessão, oração, adoração, e os sacrifícios verificados na
boas obras por parte de todo cristão, ou seja, ações de misericórdia e compaixão, devem ser
50
VOSS, G. J.. 2015. P. 141.
51
HORTON, M.. 2016. P. 519.
52
BAVINCK, 2015. P. 377, 378.
53
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Vida Nova. 2007. P. 528
33
adequadamente relacionadas ao ofício sacerdotal. Todas essas ações podem ser relacionadas
aos sacrifícios apontados no NT, e como afirma Belcher, “parte do papel dos sacerdotes será
oferecer sacrifícios em nome dos israelitas para levá-los a um estado de santidade, garantindo
que a presença de Deus permaneça no meio deles”54.
Sendo assim, todos os discípulos envolvidos em tais serviços estão exercitando o
ofício sacerdotal. ‘Comunhão e serviço misericórdia’ são essenciais à conjuntura da vivência
prática eclesiológica, portanto, área salutar a ser considerada na plantação de novas igrejas.
A subdivisão de áreas pode ser ampliada. As que foram mencionadas servem apenas
de ilustração para apontar a presença de uma categorização dos serviços que podem ser
associados a responsabilidade específica de cada ofício.
A classificação proposta deu-se mais por dedução do que por conexão com textos
provas. Sua proposta é tanto mais apontamento de um caminho possível para compreensão e
percepção da presença do tríplice ofício em áreas práticas da vida da igreja. A proposta tem
pretensão didática e não normativa.
Ao considerar essas áreas, não deve-se pensar em estrutura linear, como se ocorresse
uma após a outra separadamente, Trata-se de ocorrências simultâneas, separadas na
explicação apenas para fins didáticos. O plantio de igrejas, assim como a própria vivência da
igreja se dá em processos que se perpassam. O próprio plantio de igrejas acontece de forma
processual. Lidório, ao considerar estratégias essenciais para o plantio de igrejas, lembra que
o plantio de igrejas é um processo55.
É salutar destacar que manifestação do tríplice ofício no contexto da igreja local não é
privilégio apenas do pastor ou missionário. Ela é estendida a todos os convertidos. Pelo poder
e aplicação da obra de Cristo pelo Espírito Santo, os discípulos de Jesus manifestam os ofícios
de Cristo. Como afirma Grudem: “por toda a eternidade, agiremos para sempre como
profetas, sacerdote e reis subordinados, sempre sujeitos ao Senhor Jesus, o supremo profeta,
sacerdote e rei56. Seguindo o princípio do sacerdócio universal, todos os cristãos são além de
sacerdotes, em determinada medida, reis e profetas também. Eis um excelente princípio de
prática eclesiológica a ser considerado no plantio de igrejas.
O equilíbrio nas frentes ministeriais não ocorre de acordo com as necessidades, eles
são diretamente derivados dos ofícios. Sendo assim, a consideração dos ofícios é que deve
54
BELCHER, R. 2016. P. 4.
55
LIDÓRIO, R. 2018. P. 126.
56
GRUDEM, W. 2007. P. 529.
34
orientar uma igreja na sua dinâmica e cuidado. Por conta de ser a igreja: profeta, sacerdote e
rei, áreas e ministérios que derivam diretamente desse tríplice ofício devem permear o dia a
dia e a vida da igreja. Pois, como diz Belcher, falando da continuidade e permanência do
ofícios de Cristo na vida do seu povo depois de ter ido aos Céus, “ele os cumpre em sua obra
de salvação e continua nestes papéis em nome de seu povo em sua ascensão”57.
Até aqui considerou-se a presença de categorias tríplices na definição do que é igreja,
bem como as implicações dessa categorização para o ministério da igreja. Tais implicações
devem ser conduzidas em algo tão necessário para a igreja e para a plantação de novas igrejas.
Em outras palavras, é necessário indagar sobre como a missão é tocada e influenciada pelo
tríplice ofício.
Seria a estrutura profunda do universo marcada por uma realidade tríplice? Uma das
impressões dadas por Frame pensando em seu próprio método teológico orienta esse capítulo.
Ao considerar a utilidade do tri-perspectivismo, o referido autor afirma: “há alguns momentos
em que acho que é uma espécie de estrutura profunda do universo e da verdade bíblica”58. A
presente pesquisa apontou a ocorrência de padrões tríplices. A aproximação dessas tríades
com o tríplice ofício confirmou sua correlação. O que por sinal, mantém a questão acima
como digna de profunda e contínua verificação. É necessário maior aprofundamento
teológico, filosófico e científico para confirmar se há uma “tríplice estrutura profunda da
realidade”. O que esta pesquisa destaca é: uma estrutura tríplice perpassa a conceituação
missiológica e isso tem implicações para o plantio de igrejas.
É possível descrever a “missão” em uma perspectiva tríplice. Ela está pautada no
envio de discípulos, para proclamar o evangelho e fazer novos discípulos de Cristo, que
passam a desfrutar da vida de Deus em adoração e amor a Ele. De maneira resumida, ela pode
ser explicada assim: Cristo envia enquanto Rei, isso resulta no chamado de todos os eleitos
para salvação e no envio de toda a igreja para missão59. Disso implica que todas as atividades
e ações relacionadas ao chamado e envio pela igreja são manifestações subordinadas do ofício
57
BELCHER. R. 2016. P. 15.
58
FRAME, John. O que é tri-perspectivismo. Op. Cit.
59
LIDÓRIO, Ronaldo. Teologia, Piedade e Missão. Editora Hebrom. Edição do Kindle. 2021.
35
60
FERDINANDO, Keith. Missão: um problema de definição. Themelios, Volume. 33, Ed. 01. Em:
https://www.thegospelcoalition.org/themelios/article/mission-a-problem-of-definition/. Acesso em: 21 jul. 2022.
36
cuidado com o meio ambiente, todos refletem a vontade de Deus para sua criação e, portanto,
todos fazem parte de sua missão sejam quais forem os agentes”61.
Nessa concepção de missão classificada como Missio Dei, pode -se concluir uma
ênfase demasiada no ofício da realeza em detrimento dos papéis do ofício profético e do
ofício sacerdotal. É visível na conceituação que tanto a importância da mensagem de
salvação, bem como a necessária e urgente transformação do idólatra em adorador do
verdadeiro Deus são realidades negligenciadas e esquecidas. Esse desequilíbrio tira o foco da
missão de acordo com o que as Escrituras ensinam. O ofício profético e sacerdotal são
imprescindíveis na orientação do que vem a ser missão. A definição denominada de Missio
Dei não emerge de profundidade exegética em textos relacionados a grande comissão para
então ser aplicada à realidade histórica. Desconsidera-se inclusive toda teologia bíblica
centrada na obra expiatória e redentora de Cristo, a qual deve ser anunciada pela mensagem
do Evangelho como fundamento para a salvação da humanidade. O que essas ausências
sinalizam é a fonte principal da missiologia dessa conceituação de Missio Dei é
fundamentalmente construída sobre uma perspectiva histórica e existencial.
61
Ibid.
62
Ibid.
37
diferentemente do que propõe a definição, como critica Fernando, essa é uma inflação do
conceito de missão que representa perda de foco do que realmente é prioritário63.
Nesse conceito de missão acima citado, pode-se constatar o papel de dois ofícios
presentes em sua ênfase. Em algum aspecto há associação com o ofício real, pelo
estabelecimento das leis do reino para o viver diário, e em outro aspecto, é possível destacar o
papel sacerdotal, que orienta a necessária adoração em todas áreas da vida. A validade dessa
proposta seria irretocável se não fosse por uma razão, ela ser nomeada de missão da igreja. O
correto seria defini-la como “resultado do evangelho”.
“Ação Social” é uma outra definição de missão, “ela se refere ao alívio do sofrimento
humano e à eliminação da injustiça, exploração e privação”64. Nesse caso a diferenciação
quanto a definição é que ela não se direciona a tudo o que os cristãos devem fazer. Nesse
caso, a missão se concentra no labor e atenção da igreja com a miséria e o sofrimento
humanos. O papel da ação sacerdotal, marcada por misericórdia e compaixão, é hiper
potencializado nesse conceito. Permanecem desconsiderados nessa definição, o papel da
realeza, e, principalmente, o papel do ofício profético na missão.
63
Ibid.
64
Ibid.
65
NEWBIGIN, Lesslie. O Evangelho em uma sociedade pluralista. Viçosa, MG: Ultimato, 2016. P. 13.
38
Essa última definição se apresenta como a que mais encontra eco nas Escrituras e na
tradição protestante quanto ao que é prioritário para a missão da igreja. Sobre o referencial
bíblico desta última definição, o próprio autor referido apresenta uma percepção bíblica sobre
como a igreja no Novo Testamento entendeu sua prioridade missionária: Há uma missão
apostólica distinta ocorrendo em Atos, que é uma expressão de obediência explícita à grande
comissão. Seu foco é ganhar pessoas para a fé e para o modo de vida que essa fé produz, e seu
método é a proclamação da palavra de Cristo.68
Na conceituação oferecida por Fernando sobre missão como “discipulado das nações”,
definição que faz juz à tradição reformada, estão presentes os papéis correspondentes a cada
ofício de Cristo. A aproximação da definição com a perspectiva tríplice resultam em
correlações que atestam o equilíbrio determinante dos ofícios de Cristo para a missiologia.
Quando se considera o que as Escrituras ensinam sobre o que gera fé, fica mais do que
evidente o papel do ofício profético no fazer missionário, pois “a fé vem pelo ouvir da palavra
de Cristo”69. A pregação da mensagem salvífica deve estar na lista de prioridades essenciais
da ação missionária no contexto do plantio de igrejas. Na definição em análise, importa
66
FERDINANDO, Keith. Missão: um problema de definição. Op. cit.
67
Ibid.
68
Ibid.
69
Bíblia Sagrada. Romanos capítulo 10, versículo 17. NAA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil. 2020.
39
70
DEYOUNG, Kevin; GILBERT, Greg. Qual a Missão da Igreja?: Entendendo a Justiça Social e a Grande
Comissão. São José dos Campos - SP: Editora Fiel, edição do Kindle. 2010.
40
Tome-se três conceitos que não são necessariamente temas de doutrina bíblica:
“contextualização da mensagem, estratégias de trabalho missionário e perfil de obreiro”. O
tema da “contextualização” não é bíblico, mas derivado dele e incontestável no que diz
respeito a sua importância. Hesselgrave aponta que “contextualizar é tentar comunicar a
mensagem, trabalho, Palavra e desejo de Deus de forma fiel à sua revelação e de maneira
significante e aplicável nos distintos contextos, sejam culturais ou existenciais”72.
71
MACLENDON, Justin. Cristo, o mediador: o diálogo atual para teologia e ministério: uma aplicação prática
do capítulo 8 da cfb1689. The founders Journal. nº 108.
72
HESSELGRAVE, David J. Plantar igrejas: um guia para missões nacionais e transculturais. São Paulo: Vida
Nova, 1995.
73
NICHOLSS, Bruce J. Contextualização: uma teologia do Evangelho e cultura. Vida Nova. 2013. Edição
Kindle.
41
Assim, mesmo entendendo que contextualização não seja diretamente uma temática das
Escrituras, o é indiretamente.
Com demasiada frequência, as unidades do exército cristão estão fora de contato umas
com as outras. Há generais, mas não poucos deles dão a impressão de terem sido auto -
nomeados. Aqueles que não são, frequentemente parecem tão preocupados com a
logística que têm pouquíssimo tempo ou inclinação para mapear uma estratégia global ou
para dirigir uma investida contra o inimigo. Finalmente, há o fato desconcertante de que
muitos membros do exército alegam que estão recebendo diretrizes contraditórias e que
se cancelam mutuamente. Ficamos em dúvida. Estão se submetendo à obediência, ou
fazem o que bem entendem com a esperança de que, de alguma maneira, a causa global
será ajudada74.
Por último, a análise do perfil do missionário ou plantador é parte do estudo que se
pretende emitir um diagnóstico das potencialidades e fraquezas do obreiro para o campo.
O sucesso do início de uma nova igreja é amplamente determinado pela decisão de quem
será o plantador da igreja. Estabelecer uma nova igreja exige do plantador de igrejas dons
distintos, habilidades e experiências no ministério, que frequentemente não são
encontrados em um pastor normal75.
Diante desse quadro, é possível afirmar que ainda que, “contextualização, estratégia e
perfil” não se relacionem diretamente com matérias de assunto teológico ou de doutrinas que
emergem das Escrituras, são, no entanto, bem vindas e essenciais para o trabalho missionário.
Constatação que valida e demonstra a importância da tríade normativa, situacional e
existencial para consideração dos conceitos válidos quanto ao plantio de igrejas.
74
Ibid.
75
KELLER, Timothy; THOMPSON, J. Allen. Manual para Plantação de Igrejas. Centro de Plantação de
Igrejas do Redentor, 2002. Em:
https://www.faberj.edu.br/cfb-2015/downloads/biblioteca/plantacao_de_igrejas/MANUAL%20DO%20IMPLAN
TADOR%20DE%20IGREJAS.pdf. Acesso: set. 2021.
42
76
SCHALLER, Lyle citado por KELLER, Timothy. 2012. P. 84.
77
LIDÓRIO, R. 2018. P. 133.
78
LIDÓRIO, R. 2018. P 134.
79
Ibid. P. 134.
80
Ibid. P. 134
43
Deus está para o ofício profético, a integridade para com a missão vincula-se ao ofício real e
integridade com o povo está para o ofício sacerdotal.
Tomando os paradigmas de estudo que vinculam a obra tríplice de Cristo
indistintamente a todos os cristãos, há autores que estão distinguindo a proeminência da
presença de determinados ofícios nas lideranças. Ou seja, para alguns autores, nem todos os
ofícios estão presentes em todas as pessoas. Nesse caso os ofícios estão associados
diretamente a dons.
Patrick, adepto dessa visão, aponta que habilidades necessárias são imprescindíveis
para plantar uma igreja, as quais destaca: liderar, ensinar e pastorear. Para liderar, ele diz ser
necessário o dom da realeza, para o ensinar, o dom profético e para o pastoreio, o dom
sacerdotal81. O autor insiste que um plantador deve ter no mínimo dois desses dons.
A equiparação dos dons de um plantador aos ofícios de Cristo não é unanimidade. No
entanto, pesa a favor de tal abordagem a consideração das tendências de personalidade. Ao
avaliar perfis e dons, percebe-se em determinadas pessoas, habilidades e capacidades que
favorecem uma equiparação a um determinado ofício em detrimento de outro. Talvez o
caminho mais equilibrado seja apontar que todos os ofícios estão presentes, com destaque
para um ou outro de acordo com dons e habilidades individuais.
Gomes aponta na direção de que todos os homens e mulheres foram feitos para serem
profetas, sacerdotes e reis, mas a queda comprometeu essa estrutura. O resultado é que até nas
falhas e rupturas verificadas nas fraquezas humanas o perfil tríplice se manifesta.
“Observe que ninguém foi criado por Deus para ser uma coisa ou outra, mas
para espelhar a sua glória em verdade, amor e frutos , nas funções de profeta,
sacerdote e rei. O pecado é que, além de iludir-nos com o avesso do brilho, tornando
-nos controladores, agradadores e dominadores, ainda nos faz exagerar a importância
de uma ou outra função como se fosse ídolo”82.
81
PATRICK, Darrin. O Plantador da Igreja. São Paulo, Vida Nova: 2013. P. 87.
82
GOMES, Wadislau Martins. Coração e Sexualidade: Entendendo a Deus, a si mesmo e ao outro. Brasília:
Editora Monergismo. 2019. P. 112
83
GOODMANSON, Drew. Aprofundando a conversa sobre tri-perspectivismo. Disponível em:
https://www.goodmanson.com/church/furthering-the-triperspectivalism-conversation/. Acesso em: jan 2022.
44
você possa interagir de maneira relacional com as pessoas à sua volta, o que frequentemente
funciona em igrejas menores”84.
A mesma correlação é feita com o ofício profético, nesta categorização confere-se ao
pastor ou líder que dedica-se ao ensino e a pregação o dom de profeta. Patrick afirma que:
“Os profetas muitas vezes são encarregados do ministério do ensino da igreja, protegendo
o púlpito das doutrinas errôneas. Eles podem se sair excelentes mestres porque têm uma
grande estima pelas Escrituras, gostam de estudar a palavra de Deus e compartilhar as
percepções que encontram nela, ajudando a esclarecer questões teológicas difíceis"85.
Essa categorização do tríplice ofício como referencial para apontar tipos de liderança é
um estudo ainda em andamento, que possui lacunas a serem preenchidas e faz-se necessário
ouvir as objeções a tal tendência para que a hipótese ganhe robustez em termos acadêmicos e
teológicos dando conta das críticas e aperfeiçoando seus fundamentos e implicações.
Há quem possua severas reservas quanto a essa tipologia tríplice para a liderança.
Miller crítica a análise de que o chamado de profeta, sacerdote e rei é apenas para os líderes,
esse chamado é para todo cristão segundo a autora86. Wilson, mesmo confessando que pode
estar sendo excessivamente “rabugento”87, faz uma ácida crítica às ponderações de quem
legitima a tipologia de liderança baseado no múnus triplex.
a palavra “profeta” é usada em um sentido não carismático, o que cria confusão na igreja
local sobre o que exatamente significa; a palavra “sacerdote” causa mais confusão, dada a
forma como a palavra tem sido usada na história da igreja; a palavra “rei ” corre o risco
de confundir o governo de Cristo com estratégia, administração e sistemas88.
Jones, em artigo baseado no seu livro sobre o assunto, considera que a tipologia de
liderança apoiada no tríplice ofício é completamente falha em seu fundamento. Analisa-se sua
primeira crítica e considera-se algumas limitações de sua argumentação.
84
PATRICK. D. 2013. P. 87.
85
PATRICK, D. 2013. P. 89.
86
MILLER, Rachel Green. Profeta, sacerdote e rei: nossa identidade em Cristo. Modern Reformation. 14 jul.
2021. Disponível em:
https://modernreformation.org/resource-library/web-exclusive-articles/prophet-priest-and-king-our-identity-in-ch
rist/. Acesso em: 12 mar 2022.
87
WILSON, André. Profetas, sacerdotes e reis, Frame, Keller e Driscoll. 11 jul. 2012. Disponível em:
https://thinktheology.co.uk/blog/article/prophets-priests-kings-frame-keller-and-driscoll. Acesso em: 10 mar
2022.
88
Ibid.
45
O referido autor afirma em primeiro lugar que, “a realeza no Antigo Testamento tinha
a ver com fidelidade à aliança, não liderança organizacional”. Certamente tudo que diz
respeito à aliança no AT, o papel do rei é preponderante .E de fato, é indefensável presumir
diretamente liderança organizacional nos moldes do mundo empresarial do contexto
contemporâneo no exercício da realeza no mundo antigo. Contudo, esperar algum tipo de
nomenclatura como “liderança organizacional” no texto bíblico para validar a concepção de
liderança e visão associada às atribuições da realeza seria anacronismo.
O autor pede por uma evidência impossível. Repare a redação de seu argumento “não
há indícios de que estratégias organizacionais visionárias fizessem parte da descrição do
trabalho dos reis de Israel”. Na construção do seu próprio argumento o autor oferece os
princípios que guiam a noção da tipologia para liderança associada ao munus triplex. É
evidente que ele valoriza com zelo acentuado a norma bíblica, ao não encontrar “termos e
nomes” utilizados pelos defensores da tipologia tríplice na linguagem veterotestamentária, ele
encontra razão para o princípio que presume-se por implicação. Pode-se afirmar que o autor
seria mais equilibrado se considerasse a perspectiva tríplice para admissão do conhecimento.
Se, além de olhar para a perspectiva normativa, ele verificasse as perspectivas situacionais e
existenciais, ou na linguagem de Hesselgrave, as ciências sociais e o bom senso unido ao bem
pensar89, evidentemente, ele poderia encontrar paralelos e princípios orientadores para
verificar que em algum aspecto há analogia da prática e demanda de um rei no mundo antigo
com as demandas organizacionais do mundo moderno.
Jones, ao construir seu argumento afirma não haver “indícios de estratégias
organizacionais”90, entretanto, é evidente que no corpo de inúmeras batalhas e estruturação da
monarquia em Israel, defesa e avanço contra as tropas inimigas e promoção da guerra santa,
organização dos soldados, dos recursos, das finanças, das tropas, em todas essas frentes, os
reis de Israel se valeram de estratégias. Aliás, o próprio conceito de estratégia não está
subscrito à categoria dos reis enquanto estabelecida a monarquia em Israel. No período
patriarcal, inúmeras estratégias foram utilizadas. Extrair esse princípio e relacioná-lo ao ofício
real de Cristo, afirmando ser Jesus Cristo o promotor mor de boas estratégias ao longo das
histórias bíblicas é o passo a mais dado por quem defende a noção de tipologia tríplice para
liderança.
89
HESSELGRAVE. 1995. P. 33.
90
JONES. 2018. Op. cit.
46
Um segundo termo que pode ser analisado a partir da redação de Jones é o emprego da
palavra “visionária”, vinculado a “estratégias organizacionais”. Ele afirma que isto não está
conectado ao trabalho dos reis de Israel, ou seja, nenhum rei em Israel foi descrito como
possuindo “estratégias organizacionais visionárias”. É necessário concordar com o autor
nesses termos. Todavia, os defensores da tipologia tríplice para liderança aplicam o princípio
de que “um rei tem visão”. Novamente, para se considerar a questão na perspectiva adequada,
não deve-se questionar se um rei tem visão organizacional, mas se os reis em Israel tiveram
visão.
Inicialmente vale questionar o que significa a palavra “visão”? Para Paes, visão é o
que Deus dá e põe em nossa mente e em nosso coração. É uma expectativa apaixonante do
futuro pela qual estaremos até disposto a morrer”91. George Barna afirma que visão é o
vislumbre do tipo de mundo que Deus deseja que vivamos, um mundo que ele pode criar por
meio de nós, se todos aqueles a quem ele chama como líderes cumprirem o seu chamado de
acordo com a direção dada por seu Espírito92” Patrick, citando Wagner, deixa explícito o que
significa visão ao explicar o dom de liderança.
“o dom da liderança é a habilidade especial que Deus dá a certas pessoas do corpo de
Cristo de estabelecer objetivos de acordo com os propósitos divinos para o futuro e de
transmitir esses objetivos aos outros de tal modo que eles trabalhem juntos, de maneira
voluntária e harmoniosa, na realização deles para a glória de Deus”93
Lidório declara que “é necessário ter uma visão definida [...], ela está diretamente
ligada ao chamado e direção de Deus”94. Ela é tão prática e vital que o referido autor afirma,
“iniciar um projeto ministerial sem uma visão definida é ser irresponsável com seu tempo,
energia e equipe”95.
Pode-se afirmar, a partir das definições acima, que visão trata-se de tomar consciência
de um objetivo de Deus para o futuro, culminando no envolvimento de um líder e de seus
liderados para promover através de meios, recursos e pessoas o propósito estabelecido. Esse
detalhamento é esclarecedor. Os reis de Israel, em momento de fidelidade e respeito à Aliança
de Deus mantiveram-se firmes em propósitos estabelecidos por Deus, os quais evidenciaram a
presença de “visão” nos termos apontados. A construção do Templo e a expansão do domínio
91
PAES, Carlito. Igrejas que prevalecem. São Paulo: Editora Vida, 2009. P. 53.
92
PATRICK, Darrin. 2013. P. 96.
93
Ibid.
94
LIDÓRIO, R. 2013. P. 101.
95
Ibid.
47
através das guerras contra os vizinhos pagãos estão situados dentro desse exato contexto de
promover os objetivos de Deus para o futuro, ou seja, reis e líderes possuem visão.
A consideração dos ofícios de Cristo não estão fundadas apenas na noção dos reis do
AT. O tríplice ofício está presente desde os primeiros capítulos de Gênesis96. Reis, sacerdotes
e profetas estão presentes em toda a Escritura para além dos tempos da monarquia. A postura
visionária real de José, Josué e Neemias é notável, mesmo que as personagens citadas não
tenham recebido a nomenclatura correspondente.
Deve-se, ainda, responder a indagação se uma liderança visionária deve ser
correlacionada ao ofício real de Cristo. O pressuposto básico da teologia bíblica é que os
líderes do A.T. podem ser considerados como tipos de Cristo.97 Sendo assim, o que há de
melhor em Abraão, José, Josué e Davi apontam para a pessoa e obra do redentor, se esses
servos, em suas qualidades e virtudes possuíam dons e habilidades concernentes ao serviço e
chamado designado, essas virtudes devem ser associadas a Cristo Jesus. Portanto, uma
liderança visionária está estreitamente relacionada à Cristo e consequentemente, ao ofício da
realeza.
Na argumentação de Jones, há que se dar atenção a uma importante objeção feita à
tipologia tríplice para a liderança. Um tipo de problema aparentemente suscitado pela ênfase
da tipologia tríplice. Segue o trecho capaz de gerar a inquietação:
O líder profético é “um visionário que tem um desejo ardente de pregar a Palavra de
Deus”, enquanto os líderes reais “sabem como ter uma visão, organizá-la e
implementá-la”, e o líder sacerdotal cuida das “necessidades das pessoas” e resolve
“problemas interpessoais”[...] Em particular, preocupava-me o fato de cuidar – o suposto
“papel sacerdotal” – quase sempre ser delegado a outra pessoa. Em alguns casos, os
pastores em treinamento deixaram claro que aconselhar e cuidar das almas das pessoas
não eram papéis que eles planejavam exercer98.
O ponto alto da crítica de Jones se relaciona com o perigo da exclusividade dada por
líderes em suas práticas após a identificação de qual seria seu dom de destaque. Sendo assim,
o foco ministerial passaria a ser dado pelo dom reconhecido.
Acentuar as tipologias como caracterização do que um líder deve considerar em
exclusividade para sua atuação e negar outras tantas particularidades vinculadas ao ministério
é um tipo de problema que deve ser evitado.
96
GRUDEM, Wayne. Ano 2007. Op. cit. P. 529.
97
MUSSELMAN, Vinicius. Pregando Cristo no Antigo Testamento. 28 jun 2012. Disponível em:
https://voltemosaoevangelho.com/blog/2012/06/pregando-cristo-no-antigo-testamento-9/. Acesso em: jan 2022.
98
JONES, Timothy Paul. Prophet, priest and king. Leadership for church today. Acesso em 25 de agosto de
2022. Disponível em:
https://www.timothypauljones.com/leadership-the-kingship-of-christ-and-church-leadership-today/
48
99
GRUDEM, Wayne. 2007.
100
BERKHOF, L. 2009. P.328.
101
BAVINCK, H. 2001 P. 366.
49
Se for acolhido a premissa de que há líderes com dons que manifestam, por exemplo,
com proeminência o ofício profético, faz se necessário expressar que a atuação desse líder,
bem como seus ensinos e palavras, devem ser moldadas pela misericórdia e compaixão de
um sacerdote e também devem estar relacionadas a missão e poder de um rei. Portanto, assim
como em Cristo o tríplice ofício sempre está conjugado e atuando de forma conjunta, ainda
que um ou outro possa estar em maior evidência em razão da natureza da ocasião e
necessidade, igualmente para os líderes cristãos a manifestação ocorre na simultaneidade. “A
semelhança de Cristo, um pastor precisa demonstrar compaixão e amor pelo rebanho, manter
constante vigilância sobre todo rebanho, ser zeloso para a glória de Deus e ter uma vida santa
e inculpável"102.
Assim, a tipologia para liderança ainda que válida deve ser cautelosa nessa
demarcação restrita sobre competência e responsabilidades. Outrossim, os desvios não devem
minar importantes contribuições desse campo de estudo. A noção tríplice deve servir
sobretudo para equilibrar as ênfases e não supervalorizar uma em detrimento da outra.
102
BEEKE, J. 2016. P.912.
103
SAMUEL, Paul Bendor. A missão invertida. Viçosa: editora Ultimato. 2018.
50
ao Reino. É possível perceber que as ênfases dos paradigmas missiológicos acima tem
correspondência com o desequilíbrio entre ênfases do tríplice ofício.
Samuel, ao considerar o paradigma do evangelismo e estabelecimento de igrejas,
informa que esse paradigma conta preponderantemente como planos estratégicos, estatísticas
e tabelas, a ponto de ser chamado de “missão por gerenciamento”104. A marca intensa do
resultado como um valor é evidenciada na fala de seus defensores, “em sua defesa, os
proponentes apontam para o grande número de convertidos e de igrejas e partes da África, da
América Latina e da Ásia”105.
No primeiro paradigma, o ofício profético e o ofício real ganham profunda atenção,
visto que a preocupação maior desse primeiro paradigma se dá no anúncio do Evangelho
(ação profética) e na consequente estruturação e organização de igrejas locais (ação real).
Segundo a crítica de Samuel, , nessa ênfase há um claro descuido para com a situação
existencial e com o sofrimento dos alcançados106. O que pode ser explicado pela ausência do
ofício sacerdotal.
O segundo paradigma destacado pelo autor é predominante marcado por compaixão e
ações de misericórdia, a conhecida diaconia. Esse paradigma pode ser vinculado ao ofício
sacerdotal, marcado por dons de misericórdia, generosidade e serviço. Mas a ausência, nesse
paradigma, dos ofícios real e profético, faz com que esse segundo paradigma incorrer no
equívoco de não se preocupar com a conversão, como diz o autor “se esforçam pouco para
levar aqueles para o Reino”107. Nesse paradigma não está presente o interesse em plantio de
igrejas e evangelização, tampouco a ênfase em discipulado, ainda que demonstre o amor pelas
boas obras.
Os desequilíbrios em paradigmas de missão podem ser explicados pela distorção de
ênfases no papel de alguns ofícios em detrimento de outros. Esse desequilíbrio também
desencadeia equívocos e descompassos nas lideranças das comunidades locais. A falta de
percepção de que é necessário equilíbrio na atuação dos ofícios cria problemas na igreja local
e na liderança. Isso é abordado por Frame da seguinte maneira:
Por sua vez, esses ofícios têm sido vistos como modelos para os oficiais da igreja: o
presbítero ensinante representa especialmente a autoridade de Deus; o presbítero
governante o controle de Deus, e o diácono o ministério sacerdotal de misericórdia. Como
104
Ibid.
105
Ibid.
106
Ibid.
107
SAMUEL, P. B. 2018.
51
perspectivas, nenhum desses dons pode funcionar adequadamente sem os outros. Mas às
vezes um ou outro é mais proeminente. De fato, às vezes há desequilíbrios em igrejas que
enfatizam demais o ensino, a disciplina ou a misericórdia em detrimento dos outros108.
O equilíbrio oferecido pelo tríplice ofício ao abordar a missão pode ser observado nas
considerações de Chung109. Em seu livro “Missão Priomordial”, trabalho exegético que trata
da missão a partir dos primeiros onze capítulos de Gênesis, é possível encontrar a
categorização tríplice a partir das proposições que emergem do conceito de missão de sua
análise.
Destaque-se o aspecto kerigmático como base primordial da missão. A narrativa
bíblica exibe um mundo criado pela Palavra de Deus que fez tudo vir à existência ex nihilo.
Posto esse fundamento, o autor destaca que a pregação é fundamento importante da missão, o
que dá ensejo a conexão dessa realidade da missão ao ofício profético de Cristo, já verificado
em Gênesis e aplicado ao homem.
Quanto à presença do conceito do ofício real nos escritos do autor, é possível fazer a
aproximação das considerações em que ele trata do mandato cultural. Consciente dos
descaminhos em ênfases teológicas que distorcem o que vem a ser missão, as definições do
autor evidenciam sua preocupação quanto aos descaminhos da missiologia, bem como
corroboram a ênfase do pensamento do autor quanto ao aspecto da adoração. Mesmo
mantendo essas diretrizes é evidente a correlação com o ofício real já verificado na criação.
Sede fecundos, multiplicai, enchei a terra, sujeitai a dominai (Gn 1.28). Esse texto é
comumente conhecido como o mandato cultural. Alguns relegam essa ordem apenas ao
cuidado com a criação e outros ao nosso chamado na família e no trabalho. Não devemos
confundir o cuidado com a criação com a missão110.
Para o referido autor, o ofício sacerdotal perpassa e orienta o ofício real e o ofício
profético. Há um nítido eco à tradição reformada, fundada na primeira pergunta do Breve
Catecismo de Westminster. O autor salienta que “o mandato cultural não deveria ser isolado
de seu contexto cúltico”111. A proeminência do aspecto sacerdotal é visível quando Chun
lembra que a missão é doxológica. Ele descreve que a essência da missão é levar a adoração a
todo planeta: “Através da mediação e autoridade do homem criado à imagem de Deus a
108
FRAME, J. O que é tri-perspectivismo. Op, cit.
109
CHUNG, K. C. 2019.
110
Ibid. p. 36.
111
Ibid. p. 37.
52
missão consiste em levar a glória de Deus a todos os cantos da criação fazendo com que todo
o ser que respire louve ao Senhor”112.
Pode-se então, reconhecer que Chung conecta a natureza dos três ofícios
subentendidos em sua abordagem, o mandato cultural (real), a importância da Palavra
(profético) e o destaque ao componente doxológico da missão (sacerdotal). A abordagem de
Chun denota um equilíbrio garantido pela teologia bíblica, e que necessariamente ecoa o
munus triplex.
Goheen, ao trabalhar a identidade missional do povo de Deus, propõe que a
eclesiologia deve ser elaborada a partir da construção do povo de Israel. A missão do povo de
Deus, verificada no AT, não estava marcada prioritariamente pelo ir e nem pelo fazer, mas sim
pelo ser. Sendo assim, fazendo eco a noção doxológica de Chun sobre a essência da missão,
Goheen insiste que a maneira de tornar Israel uma nação atraente aos povos para promover a
glória de Deus exigiu um movimento em três direções:
Olhar para trás, para a criação, encarnando o plano e intenção originais de Deus para a
vida humana; olhar para a frente, para a consumação, carregando em sua vida a promessa
divina do propósito da história universal, uma humanidade restaurada em uma nova terra;
e olhar para fora, para as nações, confrontando a idolatria das nações em favor das quais
havia sido escolhido113.
A tríade de direções apontadas por Goheen pode ser associada ao tríplice ofício da
seguinte forma: olhar para a criação, o que Deus sempre quis de seu povo foi a adoração, a
forma original é marcada pela centralidade do sacerdócio. Olhar para frente, prestando
atenção na restauração implementada pelo Reino de Deus pode ser associada ao ofício real.
Por fim, o confronto a idolatria das nações, algo que deveria fazer parte da vida de Israel,
conecta a missão de Israel ao ofício profético. Portanto, a missão do povo de Deus passa pelo
ofício real, sacerdotal e profético.
Assim como o equilíbrio eclesiológico e missiológico a partir da atenção devida ao
munus triplex pode ser alcançado, o contrário também é real. Uma tríade de desequilíbrio
pode ser encontrada nos perigos no plantio de igrejas: o erro pode ter característica
pragmática, sociológica e eclesiológica. Quando há descompasso entre a devida aplicação dos
ofícios de Cristo, um desequilíbrio aparece.
Lidório utiliza a seguinte tríade para descrever esse descompasso: perigo pragmático,
perigo sociológico e perigo eclesiológico. Por perigo pragmático ele destaca a tentação de se
112
CHUNG, K. C. 2019. P. 36.
113
GOHEEN. M. 2014. P. 44.
53
114
LIDÓRIO, R. 2018. P. 10.
115
Ibid.
116
Ibid.
54
York no plantio da Redeemer Presbyterian Church117; ele fundou e preside a “City to City”118,
que tem como objetivo promover um movimento evangélico em cidades do mundo a partir da
plantação de igrejas; sua notável habilidade de escrita e sua profícua produção teológica; e por
fim, destaque para o reconhecimento da comunidade acadêmica e teológica sobre a relevância
e pertinência de suas obras e ministério.
Para Keller, a igreja centrada deve assumir três eixos119 ou compromissos básicos: com
evangelho, com a cidade e com o movimento. Quanto ao evangelho, se trata das boas novas a
serem proclamadas; quanto a cidade, reconhece o ambiente de desenvolvimento do ministério
e um olhar para as pessoas e cultura; quanto ao movimento, o autor atenta-se para a promoção
e desenvolvimento da missão para além da igreja local, abarcando toda a cidade. Essa
distinção tríplice, quando aproximada do significado e implicações do munus triplex, oferece
inúmeros paralelos. Assim como no decorrer da pesquisa, a aproximação de conceitos seguirá
o padrão de verificação de correspondências entre os apontamentos oferecidos pelo autor e o
tríplice ofício. A análise a seguir proporcionará a aproximação devida para validar o tópico.
Considerar a natureza da mensagem que deve ser proclamada, a essencialidade do ato
de proclamar, bem como o conteúdo dessa proclamação, são temáticas análogas a atenção
profética e são exatamente esses tópicos que o autor elenca como pertinentes ao primeiro eixo
que fundamenta uma igreja centrada, ele denomina o eixo de evangelho.120 Esse lugar de
destaque ao evangelho oferece correlação direta com o ofício profético por conta de três
elementos. Primeiro, o evangelho é uma mensagem acerca do que Deus realizou, realiza e
realizará. É falar da parte de Deus, o conteúdo de Deus. Isso está diretamente conectado ao
trabalho profético. O segundo elemento é sobre o ato de anunciar. Destaque não apenas para o
conteúdo mas para o ato de anúncio propriamente dito. O significado do ato discursivo
proclamador ao apontar que a mensagem não é um “bom conselho, nem um conjunto de ética,
mas uma boa notícia”121. Por último, essa mensagem, o evangelho, é tão importante e vital
que ela não apenas informa, mas assim como a mensagem profética, ela transforma. O autor
usa o seguinte termo, "o evangelho molda toda a vida e ministério de uma igreja"122.
117
https://www.redeemer.com/. Acesso em: ago 2014.
118
https://redeemercitytocity.com/. Acesso em: ago 2014.
119
KELLER, Timothy. Igreja Centrada. São Paulo: Editora Vida Nova, 2014. P. 27.
120
Ibid. P. 34.
121
Ibid. P. 35.
122
Ibid. P. 35.
55
De outro modo, pode-se dizer que esse eixo do evangelho abarca outra tríade que
explica sua implicação: em primeiro lugar, um entendimento adequado do que vem a ser o
evangelho, em segundo lugar, a pregação fiel das boas notícias de salvação, e por fim, e muito
menos óbvio, um todo ministerial moldado pelo evangelho. Essa terceira parte revela o ponto
cego em muitas percepções eclesiológicas, pois como afirma Keller, “é muito fácil pressupor
que, se entendermos o evangelho corretamente e se o pregarmos de modo fiel, nosso
ministério será necessariamente moldado por ele - mas isso não é verdade”123.
123
Ibid. P. 34.
124
Ibid. P. 35.
125
Ibid. P. 34.
126
Ibid. P. 35.
127
Ibid. P. 34.
56
Se os cristãos querem alcançar os não alcançados, tem de ir para as cidades. Para alcançar
as gerações seguintes, temos de ir para as cidades. Para causar algum impacto para Cristo
no desenvolvimento da cultura, temos de ir para as cidades. Para servir aos pobres, temos
de ir para as cidades132.
Enquanto o ofício profético tem correspondência com o eixo do evangelho, e o ofício
sacerdotal pode ser identificado no eixo cidade, o terceiro eixo tem correspondência com o
ofício da realeza. O terceiro eixo elencado por Keller é denominado de Movimento. É
possível associá-la diretamente ao ofício real por vários motivos: nele se encontra a maneira
de promover a vida missional; a integração de ministérios que permitem conexão das pessoas
com Deus, com as próprias pessoas e com as necessidades das pessoas; e a convergência do
trabalho de inúmeras igrejas para o alcance da cidade. É nessa última parte que se estabelece
o "como" da implementação dos princípios ensinados pelo autor para uma visão de igreja para
a cidade. Essa habilidade de distinguir, definir e implementar a visão e os princípios do
evangelho para o contexto gerando movimento pode ser relacionada diretamente à ação do
real.
Uma boa liderança conjuga avanço com equilíbrio. O autor trata da dinâmica
imprescindível de conjugar no ministério o lugar do organismo e o lugar da instituição. Ele
enfatiza o devido respeito com as tradições herdadas sem desconsiderar a essencial ajuda
entre o corpo de Cristo para alcançar a cidade pelo evangelho para Cristo133. Nesse ponto da
obra de Keller, o olhar é caracterizado pela estratégia necessária para o avanço e a promoção
do evangelho na cidade, o que é viabilizado pela Comunidade Missional, pelo Ministério
Integrativo e pela Dinâmica do Movimento.
O conceito de igreja missional definido por Keller é mais do que “ser uma igreja
evangelística”, ou seja, que anuncia a salvação de Cristo. Mas não é menos que isso também.
Essa igreja missional que vive para que o evangelho seja conhecido e anunciado possui
particularidades importantes. A estratégia dessa igreja fica evidente na sua maneira de
considerar áreas importantes:
É necessário ir além daquilo que normalmente chamamos de igreja evangelística;
precisamos de uma igreja missional. O culto numa igreja é assim porque faz sentido aos
não crentes daquela cultura, ao mesmo tempo que desafia e molda os cristãos com o
evangelho. Os membros da igreja são missionais porque vivem tão concentrados no que
está do lado de fora, tão envolvidos em suprir necessidades da comunidade local, que a
igreja é famosa por sua compaixão. Os membros da igreja missional também sabem
132
Ibid. P. 194.
133
Ibid.
58
134
Ibid. P. 313.
135
KELLER, T. 2014.
136
Ibid. P 400.
137
Ibid. P. 400.
138
Ibid. P. 402.
59
139
Ibid. P. 404.
60
CONCLUSÃO
QUEIROZ, Sérgio. Palestra centro de treinamento e plantação de igrejas. Campinas. 2018. Material não
140
publicado.
61
e para uma necessária consolidação e multiplicação, exige-se que essas realidades estejam
presentes.
A eclesiologia sadia fora defendida ao longo dos séculos através daquilo que se
classificou como as marcas da verdadeira igreja. Essas marcas são distintivos de saúde do que
vem a ser uma igreja. A ausência dessas marcas evidenciam problemas dignos de correção,
sendo que sua permanência implica em desconfigurar a natureza desse ajuntamento de
pessoas. A correlação de termos e realidades tríplices entre as marcas da igreja e o munus
triplex, somam a mais uma razão para considerar os ofícios de Cristo ao buscar nutrir e formar
uma igreja verdadeira.
As tipologias de liderança oferecem excelentes insights para a consideração dos perfis
de líderes, no entanto, mostra-se frágil o desdobramento de suas implicações quando
associa-se a um líder específico a correspondência exclusiva de um dos ofícios. Na ótica
bíblica e teológica todos os cristãos são profetas, sacerdotes e reis. Isso é válido para a
liderança também.
Os desvios na conceituação da missão estão diretamente relacionados ao desequilíbrio
na consideração do que vem a ser a obra de Cristo. Uma atenta consideração sobre sua pessoa,
obra e ofícios é suficiente e necessária para a construção de uma missiologia que faça juz ao
que ensina as Escrituras.
Os ofícios de Cristo e as implicações podem ser subentendidos e verificados nos
textos sobre missiologia e plantação de igreja. Essa pesquisa oferece um passo na direção de
validar o munus triplex como referencial metodológico para o plantio de igrejas. É necessário
que muito mais pesquisas considerem o assunto no ambiente acadêmico e os plantadores
atestem e confirmem tal paradigma na prática.
62
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