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BACHAREL EM TEOLOGIA

Educação a Distância

História e Teologia do
Ministério Pastoral

2018
1ª Edição
Faculdade Refidim Ficha Técnica

[ Diretor Geral ] [ Conteúdo ]


Dr. Claiton Ivan Pommerening Equipe de Pesquisa

[ Coordenador de Educação à Distância ] [ Revisão ]


Me. Valdinei Ramos Gandra Carla Albano Lanza

[ Coordenador de Pesquisa ] [ Diagramação ]


Dr. Fernando Albano Mário C. S. Trindade

[ Coordenador de TI ]
Everton de Borba

[ Tutor Interno ]
Bel. Orlando Afonso Gunlanda

[ Coordenadora de Extensão ]
Ma. Andrea Nogueira dos Santos

[ Secretária Acadêmica ]
Ma. Andrea Nogueira dos Santos

[ Gestão Financeira ]
Stela Rubiana Maccari

[ Equipe de Pesquisa ]
Dr. Fernando Albano
Dr. Osiel Lourenço de Carvalho
Bel. Orlando Afonso Camutue Gunlanda
Bel. Paulo André Ribas Corrêa
História e Teologia do Ministério Pastoral

Sumário

UNIDADE I: FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA PASTORAL

Tópico 01 - Introdução à Teologia Pastoral, 09

Tópico 02 - Bases Para a Teologia Pastoral nas Tradições de Israel, 15

Tópico 03 - O Ministério Pastoral na História da Igreja Cristã, 25

UNIDADE II: MODELOS TEOLÓGICOS PARA O MINISTÉRIO PASTORAL

Tópico 01 - O paradigma Cristológico do Ministério Pastoral, 35

Tópico 02 - O Paradigma Pneumatológico do Ministério Pastoral 45

Tópico 03 - O Sacerdócio Universal e a Teologia Pastoral da Reforma, 55

UNIDADE III: PRÁTICAS PASTORAIS E SUA RELAÇÃO COM O CUIDADO

Tópico 01 - Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e Assessoramento, 65

Tópico 02 - Cuidado e Escuta Sensível no Ministério Pastoral, 77

Tópico 03 - O Discipulado e o Ensino no Ministério Pastoral, 85

UNIDADE IV: CARISMA E ÉTICA NO MINISTÉRIO PASTORAL

Tópico 01 - A Vivência dos Carismas no Ministério Pastoral, 97

Tópico 02 - Aspectos Éticos no Exercício Ministerial, 105


4 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral
Apresentação

Prezado (a) acadêmico(a)!


Bem-vindo (a) à disciplina Teologia do Ministério Pastoral.

Este material foi escrito tendo como objetivo principal fornecer


bases fundamentais, em termos bíblico-teológicos, que possam
balizar a prática ministerial. O estudo de temas como Fundamentos
da Teologia Pastoral, Modelos Teológicos para o Ministério Pastoral,
Prática Pastoral e Relações de Cuidado, Carisma e Ética no Ministério
Pastoral é essencial para um (a) estudante de Teologia que deseja,
com todo o seu coração, servir melhor à Comunidade de Cristo.
Portanto, a presente disciplina tratará desses temas. A disciplina
explorará as bases bíblicas da teologia clássica e algumas expressões
contemporâneas da Teologia Pastoral.
A disciplina Teologia do Ministério Pastoral é uma importante
auxiliadora na verificação crítica das doutrinas e práticas pastorais
das igrejas. Praticamente, a Bíblia é o documento de base pelo qual
a Teologia do Ministério Pastoral avalia os discursos das igrejas.
Contudo, isso não diminui a importância de nos voltarmos ao
testemunho de teólogos do passado e de uma leitura crítica através
da teologia contemporânea. Munido desse critério, a presente
disciplina justifica-se como aporte e crítico da prática pastoral
das igrejas. Assim, o objetivo desta disciplina é simples: trata-
se de auxiliar na reflexão e elaboração de um ministério pastoral
comprometido com a fé evangélica nos dias atuais.
Portanto, esperamos que essas aulas possibilitem a ampliação de
novos horizontes no campo da Teologia Cristã e resultem em bons
frutos para a sua vida. Bons estudos e sucesso!

Equipe de Pesquisa.
6 | História e Teologia do Ministério Pastoral
Unidade I

FUNDAMENTOS DA
TEOLOGIA PASTORAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A partir do estudo desta unidade você será capaz de:

• Conhecer os principais fundamentos bíblico-teológicos do


ministério pastoral.

• Ter contato com os referenciais israelitas e


neotestamentários que configuraram ao longo da tradição
cristã a compreensão do ministério pastoral.

• Apresentar o desenvolvimento da tradição pastoral dentro


da Igreja Cristã desde o início da Idade Média até o período
contemporâneo.

PLANO DE ESTUDOS

A unidade está dividida em três tópicos e, no final de cada um


deles, você terá um resumo do tópico e um conjunto de questões
que servirão de suporte para o seu aprendizado e memorização
dos conteúdos da unidade.

Tópico 1 – Introdução à Teologia Pastoral

Tópico 2 – Bases Para a Teologia Pastoral nas Tradições de


Israel

Tópico 3 – O Ministério pastoral na história da Igreja Cristã


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História e Teologia do Ministério Pastoral | 9

Tópico 01
Unidade I
Introdução à Teologia Pastoral

Introdução

Toda ocupação humana séria, complexa e envolvendo o trato


com pessoas requer uma compreensão e fundamentação coerente
de suas práticas; um conjunto de reflexões teóricas que orientem
a forma de atuação e/ou conjunto de práticas desenvolvidas. Não
é assim no caso do médico, engenheiro, advogado, professor? Por
que seria diferente no caso do obreiro(a)?

Portanto, a Teologia Pastoral contribui de modo decisivo na


compreensão do ofício pastoral, assim como na capacitação
daqueles bem envolvidos em tão nobre serviço. Pretende refletir
a prática do pastor à luz das Escrituras Sagradas em diálogo com
outros saberes, levando em consideração também nossa realidade
cultural brasileira.

TÓPICO 01 - Introdução à Teologia Pastoral


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PASTORAL 1. O QUE É TEOLOGIA PASTORAL?


[SAIBA MAIS]
No decorrer da história da Igreja, A Teologia Pastoral é o segmento da Teologia que cuida da
das inúmeras denominações
aplicação prática dos ensinamentos teológicos à ação pastoral;
evangélicas surgidas depois da
Reforma Protestante, desenvolveu-se o indica a reflexão, bem fundamentada sobre o acontecimento
conceito de que a atividade ministerial pastoral. Tal conhecimento construído pela Teologia Pastoral é
é acima de tudo um serviço pastoral. muito importante para a formação do pastor, uma vez que seu
Os obreiros ou ministros acabaram trabalho é extremamente complexo e, consequentemente, exige
sendo chamados de “pastores”.
Mas evidentemente, que ainda há
uma formação adequada. Sabemos que principalmente nos
diáconos, presbíteros, bispos, porém primórdios do pentecostalismo brasileiro não se valorizou a
o título eclesiástico que prevalece nas formação intelectual, o treinamento do pastor (POMMERENING,
igrejas, sem dúvidas é o de “pastor”. 2008. p. 70-71). Incorrendo, assim, em uma postura anti-
intelectualista. Hoje, tal postura vem mudando gradativamente,
de tal modo a vermos obreiros experimentados buscando cada
vez mais aperfeiçoamento e preparo para melhor servir ao Reino
de Deus.

A Teologia Pastoral é acima de tudo uma teologia que se ocupa


do serviço do pastor. Servir, no sentido bíblico, é uma forma de
agir, na qual a pessoa não procede em defesa da causa própria
nem segue a seus próprios planos, todavia age com vistas à causa
do Evangelho.

NOTA IMPORTANTE
O trabalho do pastor é essa ação de serviço, seja ela oração, seja
TEOLOGIA PASTORAL estudo, seja pregação, visitação, administração, entre outros. O
[IMAGEM] termo serviço nos lembra do fato de que a palavra neotestamentária
“A Teologia pastoral é acima de diakonos originalmente designava um serviçal que atende à mesa. O
tudo uma teologia que se ocupa
pastor é o serviçal da sublime Palavra de Deus. Mesmo que o trabalho
do serviço do pastor”.
Imagem disponível em:
pastoral seja um serviço específico, parecendo ter mais destaque na
<https://www.wreducacional.com.br/>. igreja, também ele não deverá tencionar ser nada mais, a não ser
Acesso em: 21 mar. 18. apenas serviço, diaconia.

Com referência a essa natureza de serviço do trabalho pastoral,


precisamos estabelecer, em primeiro lugar: ele não poderá ser
realizado em função de si mesmo. Quem se ocupa com o ministério,
sabe que essa tentação espreita de todos os lados. A figura do pastor
é caracterizada por certo fascínio, já que lida de certo modo com
a ideia de poder. Entre suas ocupações, ele se coloca de pé diante
de um grupo de pessoas (às vezes razoavelmente grande) e prega a
Bíblia; também visita e coordena; administra os recursos da igreja;
enfim, quer queiramos ou não, acaba sendo pessoa de destaque.
Por essa razão, muitos podem acabar abraçando o ofício pastoral
como meio de autoafirmação pessoal ou até mesmo para fins de
subsistência.

Deve ficar claro para todos nós: servir a Deus e aos seres humanos
é o sentido e o fim do trabalho do pastor. Deste modo, precisamos
destacar um segundo aspecto: já que o ofício pastoral é servir a Deus
e a comunidade, então o ministro não deverá ser um dominador.
A modéstia cabe ao pastor, na verdade é imprescindível, pois seu
trabalho é servir. Tal postura evidentemente não “tira” a consciência

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 11

do seu valor. O pastor não precisa pedir desculpas a ninguém pela


sua existência. Pode e deve trabalhar de cabeça erguida.

O serviço pastoral, contudo, tampouco poderá ser realizado por


quem tenha o objetivo de bancar o “sabe-tudo”, de ser o primeiro,
o mais “ungido”, seja diante da igreja, seja perante os outros
pastores. A Palavra de Deus, ao fazer uso do serviço do pastor, não
permite a ele tomar conta dela para ser o superior.

2. TEOLOGIA PASTORAL E TEOLOGIA PRÁTICA

Alguns consideram a Teologia Pastoral como um “ramo” da


Teologia Prática; renomados teólogos assim consideram. Tillich,
por exemplo, também parece entender teologia prática no mesmo
sentido que ‘teologia pastoral’ – “O fim da teologia prática é a
vida da igreja” (TILLICH, 2005. p. 48-49). Neste caso, para Tillich,
a teologia prática funciona como se fosse uma espécie de “teoria
técnica” ou um meio pelo qual se aplicam as contribuições da
‘teologia sistemática’ e ‘histórica’ na Igreja. “A organização da
teologia prática está implícita na doutrina das funções da igreja”
(TILLICH, 2005, p. 48-49).

No âmbito da tradição católica latino-americana, as atividades


pastorais juntamente com os serviços eclesiais têm sido entendidas
no mesmo sentido que teologia prática. No meio evangélico, há
uma tendência de considerar a Teologia Prática e Teologia Pastoral
como distintas, pois, embora semelhantes, tratam-se de dois
campos distintos. Teologia prática é a atuação da Igreja no Mundo,
e não somente a atuação da teologia na Igreja. Teologia prática,
assim sendo, é discurso crítico e construtivo sobre a ação cristã
no mundo. Sua finalidade é contribuir para o aperfeiçoamento da
ação cristã junto à sociedade.

A Teologia Pastoral, por sua vez, diz respeito unicamente às


atividades do pastor ou às necessidades internas da igreja. A
teologia prática vai um pouco além das “fronteiras” do mundo
interno da igreja; sua função objetiva servir ao ser humano
independente de suas convicções religiosas, políticas ou
ideológicas (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 2005, p. 70-77).

3. O MINISTÉRIO PASTORAL

A Teologia Pastoral ocupa-se do ministério cristão. Por isso, a


importância de um bom esclarecimento a respeito da sua natureza.

O ministério cristão apresenta um sentido mais geral e um sentido


mais específico. Em seu sentido mais geral, diz respeito à atividade
total da Igreja, na medida em que essa ação cumpre com o propósito
essencial dela. O propósito da Igreja, conforme a entendemos,
consiste em testemunhar Jesus Cristo como sendo o Salvador e
Senhor de todas as pessoas (HEFNER, 1995. v. 02, p. 232).

TÓPICO 01 - Introdução à Teologia Pastoral


12 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Nesse sentido mais geral, o ministério refere-se a toda a Igreja,


obreiros e leigos (membros). Assim, todos são responsáveis pela
obra de Deus, pela divulgação do Evangelho. Quando vistos a partir
desse sentido mais amplo não há diferenças, todos são iguais.

O ministério ordenado (pastores, evangelistas, presbíteros)


desempenha um papel específico dentro desse ministério
geral, pertencente a Cristo e formador da própria substância do
ministério da Igreja. Esse papel específico consiste em garantir
que a Igreja não esqueça e nem abandone sua missão e propósito.

Hefner disse:
O ministério ordenado é monitor, arauto, pregador e proclamador
da identidade da Igreja. A dignidade e a necessidade de tal
ministério são inquestionáveis, mesmo que ele não possa existir
por sua própria causa, mas sirva o propósito de capacitar todos
os fiéis a executarem o ministério de Deus no mundo (HEFNER,
1995, p. 234).

O ministério ordenado, apesar de sua inegável importância,


não faz com que os sujeitos dele participantes se tornem mais
importantes que os demais membros batizados da Igreja, embora
exerçam a função de liderança e tomada de decisões na igreja, pois
são iguais e dependentes da graça de Cristo. Devemos recordar o
conceito bíblico: “sacerdócio universal de todos os crentes” (1 Pe
2.5-9). Todos têm acesso a Deus e é incumbência comum de todos
os crentes a divulgação da mensagem do Evangelho.

No entanto, apesar de todos serem testemunhas e, de


poderem realizar esse testemunho de modo particular, é também
imprescindível seu aspecto comunitário, de unidade em torno
de Cristo. Ora, isso não acontece de modo automático, sendo,
portanto, necessário a presença da liderança, dos ministros
devidamente ordenados para este fim.

NOTA IMPORTANTE
Sobre sua função como sinais e representantes do envio de Cristo e
da unidade da igreja, nele fundamentada repousa a autoridade dos
ministros em cada congregação, e eles terão autoridade na proporção
em que exercerem essa função com credibilidade. Isso, porém, não
acontece simplesmente pela existência de pastores como “ponto de
referência” e sinal para a unidade da congregação, porém através
da proclamação do Evangelho, para a qual eles são chamados, bem
como através da prática de seu ministério pastoral (PANNENBERG, p.
525).

Simplificando: o ministério cristão geral ou de natureza mais


específica, representado pelos pastores só cumprem sua razão de
ser quando a serviço do Evangelho. É em torno dEle que a unidade é
estabelecida.

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 13

LEITURA COMPLEMENTAR

A vocação para o serviço ou o serviço dos vocacionados?


Jedeias de Almeida Duarte
Resumo
Este artigo busca fazer uma análise da doutrina da vocação
ministerial. O assunto é tratado principalmente nas perspectivas
de João Calvino e Richard Baxter. Parte-se do pressuposto de
que a vocação pastoral, em alguns aspectos, pode ser estudada
e ensinada como análoga à vocação dos profetas no Antigo
Testamento e dos apóstolos no Novo Testamento, especificamente
quanto ao manuseio da Palavra de Deus, o impulso do Espírito
Santo que foi no passado e é no presente o aplicador da Palavra
de Deus e, por fim, o trato com o povo de Deus como receptor
da Palavra de Deus ensinada e proclamada. O autor busca as
conexões do ministério pastoral com o cumprimento da Grande
Comissão, atribuindo aos ministros a responsabilidade direta de
evangelização dos não convertidos como uma evidência externa
da vocação pastoral. Por fim, aponta alguns perigos a armadilhas
do ministério pastoral nesta era contemporânea.
Artigo completo disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/
Mantenedora/CPAJ/Fides_Reformata/16/16artigo4.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2017.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu:


• A Teologia Pastoral é o segmento da Teologia que cuida
da aplicação prática dos ensinamentos teológicos à ação
pastoral; indica a reflexão, bem fundamentada sobre o
acontecimento pastoral.
• O pastor é o serviçal da sublime Palavra de Deus. Mesmo que
o trabalho pastoral seja um serviço específico, parecendo ter
mais destaque na igreja, também ele não deverá tencionar
ser nada mais, a não ser apenas serviço, diaconia.
• A Teologia Pastoral, por sua vez, diz respeito unicamente
às atividades do pastor ou às necessidades internas da
igreja. A teologia prática vai um pouco além das “fronteiras”
do mundo interno da igreja; sua função objetiva servir ao
ser humano independente de suas convicções religiosas,
políticas ou ideológicas.
• O ministério ordenado (pastores, evangelistas, presbíteros)
desempenha um papel específico dentro do ministério
geral da Igreja, pertencente a Cristo e formador da própria
substância do ministério da Igreja. Esse papel específico
consiste em garantir que a Igreja não esqueça e nem
abandone sua missão e propósito.

TÓPICO 01 - Introdução à Teologia Pastoral


14 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 15

Tópico 02
Unidade I
Bases Para a Teologia Pastoral
nas Tradições de Israel

Introdução

Qualquer tarefa desenvolvida pela Igreja de modo geral, deve


encontrar na Escritura sua fundamentação primeira e última,
caso deseja ser efetiva, relevante e embasada na perspectiva
do reino de Deus. Tal pressuposto se justifica na medida em que
se compreende que parte da revelação de Deus na história está
registrada na Escritura com o objetivo de orientar a Igreja Cristã
ao longo dos séculos. Desta maneira, é necessário retornar aos
textos bíblicos para fundamentar o conjunto de reflexões sobre
a prática pastoral com o objetivo de apresentar fundamentos
sólidos para a compreensão da atividade pastoral.

TÓPICO 02 - Bases para a teologia Pastoral no Antigo e Novo Testamento


16 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. BASES DA TEOLOGIA PASTORAL NO ANTIGO TESTAMENTO


Grandes povos se destacaram na época antecedente ao
surgimento de Israel e quando surgiram os antigos impérios. A
estratégia de uso de cavalos e carros de guerra, introduzida
pelos hicsos, foi determinante para a ascensão de povos que
se tornaram dominantes no mundo daquela época, como foi o
caso dos egípcios, e serviu como um dos aspectos característicos
das mudanças do período. Essa também foi a situação de povos
da Mesopotâmia, faixa de terra localizada entre os rios Tigre e
Eufrates e considerada berço da humanidade. Vários povos se
instalaram e se desenvolveram naquela região devido ao seu
potencial hídrico e localização geográfica, entre eles os sumérios,
babilônios, assírios, acádios, caldeus, etc. Tais povos fizeram parte
da história de Israel até o período do pós-exílio e estão presentes
na história do Antigo Testamento em vários textos.

A atividade agropastoril era uma das principais práticas de


manutenção econômica desses povos, desde aqueles localizados
próximos ao crescente fértil como àqueles que estavam mais
distantes dessa região. O cuidado de rebanhos era uma prática
comum entre esses povos e, não era diferente na história primeira
dos patriarcas israelitas tal como se faz alusão nos principais
relatos que cobrem as narrativas da obra do Pentateuco.

Durante a história dos hebreus, a criação de rebanhos de


ovelhas, por conseguinte, a profissão do pastor, era uma prática
de sobrevivência econômica e estava associada preferencialmente
aos homens das tribos israelitas. Tal função aparece pela primeira
vez em Gênesis 4.2, a fim de descrever a ocupação de Abel.
Posteriormente, os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e seus filhos
foram identificados como pastores (cf. Gn 13.7; 26.20; 30.36; 37.22).

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 17

Nesse sentido, o cuidado de ovelhas passou a ser tida, de forma


metafórica, como forma de simbolizar a relação entre o cuidado
de Deus para com o povo de Israel e, em seguida, base para a
compreensão da natureza da atividade pastoral a qual era exercida
pelas figuras políticas e/ou por sacerdotes religiosos na tradição
israelita. Essa prática era muito comum em uma sociedade
agropastoril.

Assim, os pastores eram conhecidos como profissionais que


alimentavam e protegiam os rebanhos (Jr 31:10; Ez 34:2), que
procuravam as ovelhas perdidas (Ez 34.12) e que livravam dos
animais ferozes as ovelhas que estivessem sendo atacadas (Amós
3:12).

Com base na ideia de que o pastor é um guardador e líder do


rebanho, encontramos muitas passagens, no Antigo Testamento,
que se referem aos líderes do povo de Deus como pastores atuantes
sob a supervisão de Deus. Dois pastores mencionados com notável
aprovação no Antigo Testamento são Moisés (Is 63.11), e, de modo
bastante surpreendente, um executor pagão dos propósitos de
Deus, o rei Ciro (Is 44.28). As escrituras veterotestamentárias
destacam amplamente a séria responsabilidade dos líderes
(pastores) para com aqueles que os seguem. Um dos mais solenes
capítulos do Antigo Testamento é a denúncia profética contra
os pastores infiéis (cf. Ez 34; Jr 25.32-38). Tais pastores, de modo
egoísta, alimentam a si mesmos e não às ovelhas; matam e
dispersam as ovelhas das quais estão encarregados; negligenciam
o cuidado pastoral que lhes pertence; consequentemente, Deus
reunirá novamente as ovelhas e julgará tais pastores (STEWART,
1995. p. 1212-1213).

Azevedo (2004. p. 132-33) extrai importantes lições da profecia

TÓPICO 02 - Bases para a teologia Pastoral no Antigo e Novo Testamento


18 | História e Teologia do Ministério Pastoral

de Ezequiel, capítulo 34 relacionadas ao trabalho do pastor.


Embora a profecia seja originalmente destinada aos governantes
da nação judaica, seus ensinamentos são válidos para os de nosso
tempo:

1. É preciso que os pastores não apascentem a si mesmos, mas


ao povo de Deus (V. 2,8);
2. É preciso que não se limitem a aproveitar-se do rebanho.
Seu propósito é servir e abençoá-lo. Alimento e abrigo são
resultados naturais do trabalho pastoral diligente (v. 3);
3. O trabalho pastoral consiste em fortalecer a ovelha fraca,
curar a enferma, buscar a perdida, e ser exemplo e guia para
todas. É inaceitável que o pastor se esqueça desses deveres
e julgue-se dono do rebanho de Deus (v. 4);
4. O pastor é responsável pelas ovelhas que se espalham, se
perdem e se tornam presas fáceis para as feras devoradoras
(v. 5);
5. Deus vê suas ovelhas e deplora o estado das que estão
desgarradas, abandonadas pelos pastores que delas deviam
cuidar (v. 6);
6. Deus chama os pastores à responsabilidade e promete pôr
fim a seu pastoreio (v. 9,10);
7. Deus mesmo promete buscar e resgatar suas ovelhas (v.
11ss.) e constitui o modelo do verdadeiro pastor. Jesus faz o
que o profeta anuncia.

Destacamos também que o termo pastor não se aplica, no


Antigo Testamento, apenas aos homens, mas especialmente a
Deus, o Pastor por excelência de Israel. Segundo Stewart: “Existem
duas espécies de pastor na Bíblia – aqueles que cuidam das
ovelhas, e aqueles, divinos ou mortais, que cuidam dos seres
humanos” (STEWART, 1995). Deus na qualidade de pastor cuida,
alimenta, protege e conduz em segurança seu rebanho de ovelhas,
ou seja, seu povo escolhido. O salmo 23 é um belo exemplo dessa
verdade bíblica.

2. A PERSPECTIVA PASTORAL A PARTIR DOS SALMOS

Ao longo do livro de Salmos, é possível perceber alguns temas


teológicos que cobrem os diferentes textos da obra. Temas como:
o reconhecimento do reino e da soberania de Deus; a importância
do louvor em todas as suas variações; a conduta e destino dos
justos e dos ímpios; o papel da natureza e da criação; o consolo
e defesa de Deus em tempos de crise; aparecem distribuídos em
diferentes expressões dos salmos.

No entanto, uma característica percorre a poética hebraica,


pelo menos na obra dos salmos: a forte ênfase na dimensão
subjetiva do povo israelita. A leitura dos Salmos nos coloca
SALMISTA DAVI diante das ansiedades, angústias, desejos, sonhos, tristezas,
[IMAGEM] louvores, lamentações, anseios políticos e situações históricas
vivenciadas pelos israelitas ao longo de sua história. Ao mesmo
tempo, verifica-se ao longo da obra uma espécie de doxologia

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 19

(fórmula litúrgica que glorifica a majestade divina) característica


dos salmos. Conforme Walton e Hill, “a transição de cada livro dos
salmos apresenta uma expressão doxológica e sinaliza a teologia
do louvor baseada na consciência da grandeza do divino e seu
lugar como fim último da história dos israelitas” (HILL; WALTON,
2007).

Ao longo do livro expressam-se hinos, canções de alegria,


orações imprecatórias, salmos de penitência, salmos de sabedoria
e outros temas. Neles se articulam sonhos pessoais dos salmistas,
desejos comunitários do povo, sofrimentos político e econômico
e, levantam-se clamores constantes expressando a confiança do
povo na força e poder de Deus.

Esses fatores fazem dos livros dos salmos uma das bases para
se pensar a prática pastoral. O Supremo Pastor de Israel ouve o seu
povo em meio as suas necessidades subjetivas mais profundas,
dá acolhida à oração de dor, de alegria, de revolta e até mesmo
de desejo de vingança causado pelo sofrimento e humilhação
de outros povos. Nos salmos, o povo israelita se achega a Deus a
partir de sua humanidade, de seu estado subjetivo e então emite
sons de oração, louvor, pranto e sabedoria sobre a experiência
vivida. Nesse sentido, os salmistas apresentam uma relação entre
o povo e o seu Supremo Pastor: uma relação sincera, de partilha
e de cuidado.

Uma pastoral a partir da obra dos salmos é caracterizada por


um conjunto de ações que possibilita às pessoas/ovelhas terem
a liberdade de expressarem sua dimensão subjetiva em todos os
seus sentidos. O pastor dos salmos é apresentado como aquele
que acolhe, que orienta o e no caminho, que protege, que ouve
até as mais absurdas orações. Ser pastor a partir desse exemplo
é também, ao final de toda ação pastoral, conduzir o rebanho ao
louvor (doxologia) a Deus, ao reconhecimento de sua grandeza e
sua mais sublime sabedoria.

O livro dos Salmos nos dá boas indicações para uma prática


pastoral apresentada de maneira cuidadosa, sensível e orientadora
para um caminho vivo, belo e sublime da fé cristã e experiência
espiritual. O pastor orientado pela leitura dos salmos dirige sua
prática principalmente a partir da escuta sincera das necessidades
de seu rebanho.

3. BASES DA TEOLOGIA PASTORAL NO NOVO TESTAMENTO

Poimen é o vocábulo grego para pastor. Por isso o termo técnico


“poimenia” ser utilizado na Teologia para se referir ao trabalho
pastoral (CALDAS, 2007, p. 51). Montoya disse: “O ministério pastoral
é um chamado divino e inigualável, concedido a homens eleitos
por Deus para serem ministros de sua Palavra e servos de sua
Igreja” (MONTOYA, 1998. p. 85).

TÓPICO 02 - Bases para a teologia Pastoral no Antigo e Novo Testamento


20 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Na perspectiva dos primeiros cristãos, a Igreja é considerada


como um “pequeno rebanho” (Lc 12.32), o remanescente que
aceitou a Jesus Cristo e à Sua mensagem. Pedro, um dos apóstolos
mais íntimos do Senhor, foi chamado a pastorear as ovelhas (cf.
Jo 21.16). No Novo Testamento, os que ocupam cargos ou funções
de direção são denominados de presbíteros (1 Pd 5.1; At 20.17) ou
também de bispos (At 20.28). Só na epístola de Paulo aos Efésios se
fala que na Igreja existem “pastores e mestres” (Ef 4.11). A função
de pastor é descrita como um dos dons do Cristo ressuscitado a
Sua Igreja.

Antes de tudo, o pastor conduz as ovelhas e o rebanho. Como


diz o apóstolo João: “Ele vai na frente e elas o seguem porque lhes
conhecem a voz” (Jo 10.4). Ele conhece os caminhos, bem como as
dificuldades do percurso. Sabe onde ficam os pastos verdejantes
e as fontes de água pura.

Em seguida, o pastor cuida das ovelhas. Fica próximo delas


para proporcionar segurança. Conhece a cada uma pelo nome (cf.
Jo 10.3) e conhece seus problemas. No deserto, a vida ou a morte
do rebanho depende do cuidado do pastor. Especialmente à noite,
o trabalho do pastor é ainda mais exigido, pois deve cuidar do
rebanho das feras do deserto. Logo, o pastor deve estar vigilante,
escutar cada pequeno ruído e manter-se em posição de defesa ou
ataque.

3.1 O ministério cristão conforme Paulo

Não é possível falar de ministério cristão sem considerar o


que um dos maiores ministros do Evangelho de todos os tempos
disse a respeito. Paulo, em seus escritos e práticas, demonstra em
palavra e poder o que constitui a natureza do ministério.

O ministério, de acordo com Paulo, é constituído por pessoas


que receberam autoridade de Cristo, e não dos homens, para
servir às igrejas nas questões pertinentes ao Reino de Deus; devem
construir ou estruturar o corpo que é a Igreja (cf. Ef 4.11). Em outras
palavras: eles não o recebem das mãos de nenhum poder civil, o
qual não tem nenhuma autoridade nas questões eclesiásticas e,
portanto, não pode conceder nenhum poder; todavia, por outro
lado, quer dizer que eles não o obtém do povo em geral (da
igreja), apesar de serem eles representantes do povo (BERKHOF,
2007. p. 549.). Esse caráter místico e espiritual é essencial à correta
compreensão do ministério cristão conforme a compreensão do
apóstolo Paulo (Rm 1.1; 2 Co 3.4-6).

Em 1Timóteo 3.1-13, Paulo nos apresenta duas categorias


possuintes da autoridade e exercem a liderança na igreja. Os
vocábulos gregos passaram ao português eclesiástico: bispo
e diácono. Schökel afirma: “Originalmente o primeiro significa
vigilante, o segundo, servente: um encarregado responsável
a alguns assistentes”. Para Paulo, a igreja é uma comunidade

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 21

pneumática, ou seja, regida pelo Espírito Santo. Esse concedeu


seus dons à Igreja, o que também inclui pessoas capazes de bem
conduzi-la.

3.2 Presbíteros, bispos e diáconos como funções pastorais

No Antigo Testamento, vemos que desde que o povo de Israel


deixou o Egito, ele foi dirigido por presbíteros, considerados líderes
mais velhos. Após o exílio na Babilônia, quando não havia mais
líderes de destaque, os presbíteros formavam com os sacerdotes
a liderança do povo de Israel. Essa estrutura de liderança foi
assumida pelo novo povo de Deus, a igreja de Jesus Cristo.

NOTA IMPORTANTE
A igreja primitiva em Jerusalém era dirigida pelos apóstolos e
presbíteros (presbyteroi). Nas novas igrejas constituídas na Palestina
e na Síria, instituíam-se presbíteros como líderes das igrejas. A 1ª
carta do apóstolo Paulo a Timóteo faz referência aos presbíteros
como responsáveis pelo desenvolvimento das igrejas (HÖRSTER,
2009. p. 255-56).

Assim, em contexto judaico, o apóstolo Paulo utiliza o termo


“presbítero” para se referir aos ministros da Igreja em sua
tarefa de supervisão. Como Paulo provinha do seio do judaísmo,
simplesmente se utilizou de um termo já amplamente conhecido
pelos judeus; apenas o aplicou ao novo contexto cristão.

No contexto cultural de língua grega, surge um novo conceito


para se referir aos líderes das igrejas: bispos (episkopoi). O
apóstolo Paulo traduziu o conceito de “ancião” (presbítero) para
o ambiente helênico, escolhendo para isso uma palavra familiar
ao ambiente associativo grego: episkopos= supervisor, líder.
Destarte, presbítero e bispo são praticamente termos sinônimos
na perspectiva paulina. O paralelismo das duas designações
também se mantém nas epístolas pastorais. Hörster observa
que, enquanto 1Tm 3.1-7 enumera os critérios para a eleição de
bispos, 1Tm 5.17-21 recomenda aos presbíteros os cuidados da
igreja, alguns dos quais estavam evidentemente encarregados da
pregação da Palavra de Deus e da doutrina (HÖRSTER, 2009, p.
256).

Na epístola aos Romanos, Paulo usa mais uma designação


do ambiente cultural greco-romano: os obreiros da igreja são
denominados de “os que presidem” (proistamenoi). O termo
indica alguém que lidera um grupo. O conceito inclui também o
sentido de “responder por alguém, cuidar de alguém”. Por essa
ótica, conforme Paulo, os ministros da igreja além de ensinar e [IMAGEM]
“O Evangelho possui dois sentidos
pregar a fé cristã tinham também responsabilidades diretivas, básicos: a proclamação da mensagem
respondendo pela liderança e administração da igreja. e o conteúdo proclamado”.

Para Paulo, o Evangelho dá base a tudo o que o ministério Disponível em:


<http://1.bp.blogspot.com>.
cristão significa. O Evangelho possui dois sentidos básicos: a
Acesso em: 21 mar. 18.

TÓPICO 02 - Bases para a teologia Pastoral no Antigo e Novo Testamento


22 | História e Teologia do Ministério Pastoral

proclamação da mensagem e o conteúdo proclamado. Os dois


sentidos ocorrem em 1Coríntios 9.14: “Os que pregam o Evangelho
[o conteúdo] que vivam do Evangelho [o ato de proclamá-lo]”. Mas
qual é o conteúdo do evangelho? Embora Paulo não responda a
essa questão de modo claro ou detalhado, podemos observar
algumas passagens indicando seu conteúdo. Em Romanos 1. 3-4,
ele fala do “[evangelho] com respeito a seu Filho, o qual, segundo a
carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de Deus
com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos
mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor”. Em 1Coríntios 15, o
apóstolo lembra os crentes sobre os termos em que lhes havia
pregado o evangelho (v.1): “Antes de tudo, vos entreguei o que
também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo
as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia,
segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas [...] aos doze [...] para
mais de quinhentos irmãos de uma só vez [...] foi visto por Tiago
[...] e [...] também por mim” (v. 3-8).

Por conseguinte, Paulo entendia que o ministério centrava-se


no evangelho, e este por sua vez ocupa-se da bendita pessoa de
Jesus Cristo. Os pontos essenciais do evangelho são a posição de
Jesus Cristo como Filho de Deus, sua humanidade, sua morte pelos
nossos pecados, seu sepultamento, ressurreição, aparecimentos e
vinda futura para julgamento.

Paulo considera o evangelho como sendo da maior importância.


Constitui-se no âmago do ministério pastoral, pois segundo ele, o
evangelho é “o poder de Deus para salvação de todo aquele que
crê, primeiro do judeu e também do grego” (Rm 1.16). O próprio
Jesus disse ter sido ungido para pregar o evangelho; mais tarde,
ele encarregou os apóstolos de continuarem divulgando esse
evangelho. Por esse viés, sem dúvida, o evangelho é a base de
tudo o que a igreja faz. Desse modo, a ocupação central do ofício
pastoral deve ser a divulgação do Evangelho.

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 23

LEITURA COMPLEMENTAR

Escutar com o Coração: O Significado da


Presença no Aconselhamento Pastoral

Edwina Ward
RESUMO:

Cuidadores e pastores podem enfrentar situações em hospitais


nas quais ficam sem palavras quando acompanham uma pessoa
doente. Às vezes, somente há silêncio entre o paciente e o
visitante. Esse silêncio pode ser interpretado como perplexidade,
como “não saber o que dizer”, mas pode também ser visto como
“escutar com o coração”. A ideia aqui apresentada é que, muitas
vezes, é suficiente apenas estar presente, e que palavras poderiam
ser obstáculos para o relacionamento cuidador profundo entre o
falante, o ouvinte e a presença de Deus.

Disponível em: Estudos Teológicos São Leopoldo v. 51 n. 2 p. 334-344 jul./dez. 2011.


Acesso em: 14 mar. 2018.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• A atividade agropastoril era uma das principais práticas


de manutenção econômica desses povos, desde aqueles
localizados próximos ao crescente fértil como àqueles que
estavam mais distantes dessa região. O cuidado de rebanhos
era uma prática comum entre esses povos;

• Desde o Antigo Testamento, os pastores eram conhecidos


como profissionais que alimentavam e protegiam os
rebanhos (Jer. 31:10; Eze. 34:2), que procuravam as ovelhas
perdidas (Eze. 34.12) e que livravam dos animais ferozes as
ovelhas que estivessem sendo atacadas (Amós 3:12);

• O pastor dos salmos é apresentado como aquele que


acolhe, que orienta o e no caminho, que protege, que ouve
até as mais absurdas orações. Ser pastor a partir desse
exemplo é também, ao final de toda ação pastoral, conduzir
o rebanho ao louvor (doxologia) a Deus, ao reconhecimento
de sua grandeza e sua mais sublime sabedoria;

• O ministério segundo Paulo é constituído por pessoas que


receberam autoridade de Cristo, e não dos homens, para
servir às igrejas, nas questões pertinentes ao Reino de Deus;
devem construir ou estruturar o corpo que é a Igreja.

TÓPICO 02 - Bases para a Teologia Pastoral nas tradições de Israel


24 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 25

Tópico 03
Unidade I
O ministério pastoral na
história da igreja cristã

Introdução

Neste tópico, faremos uma breve exposição das principais


práticas pastorais desenvolvidas ao longo da tradição cristã
ocidental e, de maneira geral, sinalizar as principais compreensões
e significados atribuídos ao ofício pastoral durante a Idade Média,
Modernidade e na atualidade.

Certamente, não podemos ter uma compreensão exaustiva da


natureza do ministério pastoral e suas diferentes interpretações
ao longo da história cristã ocidental. No entanto, a partir das
formas de organizar o governo da Igreja nos diferentes períodos
da história da Igreja, podemos vislumbrar alguns pontos comuns
e, a partir deles, tecer considerações, ou ainda, de forma mais
estética, fazer possíveis desenhos das principais atividades do
ministério pastoral vigentes nos diferentes períodos da história
ocidental.

TÓPICO 03 - O ministério pastoral na história da igreja cristã


26 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. O MINISTÉRIO PASTORAL NO PERÍODO DA PATRÍSTICA


Para fins didáticos, antes da Idade Média propriamente dita,
alguns historiadores da tradição cristã colocam o período de
transição das comunidades primitivas à institucionalização da
igreja cristã, principalmente diante do Império Romano, como
sendo um período dominado pelos pensamentos dos pais da
Igreja, aqueles considerados como sendo os sucessores dos
apóstolos, os mais diretos herdeiros da mensagem apostólica e,
portanto, comissionados para a continuidade da pregação cristã,
agora no cenário cultural greco-romano.

Com o crescimento da Igreja e sua consequente organização


clerical, a distribuição de funções como a de bispos, presbíteros,
mestres, e outras, passaram a assumir destaque entre as figuras
eclesiásticas. Cabia aos líderes das comunidades, muitos deles
NA PATRÍSTICA, CABIA AOS considerados bispos, o cuidado pastoral dos membros. O cuidado
LÍDERES DAS COMUNIDADES, evidencia-se muito mais na orientação doutrinal mediante a
MUITOS DELES CONSIDERADOS pregação e ensino da correta doutrina acerca dos principais temas
BISPOS, O CUIDADO PASTORAL da fé cristã.
DOS MEMBROS.
Os pais da Igreja (do século II ao V d.C. aproximadamente)
estavam muito interessados com as questões apologéticas da
fé cristã. Esclarecer os pontos da doutrina cristã aos novos
convertidos, fortalecer os fundamentos doutrinários dos irmãos
que já estavam na caminhada da fé bem como justificar a fé cristã
diante da elite imperial romana, com o intuito de tornar inteligível
a fé cristã aos principais críticos das expressões religiosas das
comunidades cristãs, eram os principais ofícios pastorais dos
bispos e líderes da Igreja.

Na transição para o período antigo da Igreja, já no segundo


século, Stott declara que era tanto o destaque para a pregação e
para o ensino no ministério de Jesus, que pouco nos surpreende
descobrir entre os primeiros pais da Igreja a mesma ênfase. O
“Didaquê ou O ensino do Senhor por meio dos doze apóstolos”,
um livro que data no início do segundo século d.C., dedicou
algumas páginas para referir-se aos vários ministérios do ensino,
aos bispos e diáconos por um lado e aos mestres, apóstolos e
profetas por outro.

Nos meados do século II d.C., Justino – o Mártir, um dos influentes


pais da igreja, publicou a primeira apologia de Justino Mártir onde
narrou para o imperador acerca do culto semanal e fez apologia
da fé cristã, demonstrando o lugar privilegiado da pregação:

E no dia chamado domingo, todos quantos moram nas cidades


ou no interior reúnem-se juntos num só lugar, e são lidas as
memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas, por tanto
tempo quanto possível; depois, tendo terminado o leitor, o
presidente instrui verbalmente, e exorta à imitação dessas
coisas virtuosas (STOTT, 2003, p. 18).

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 27

Ainda no mesmo século, Tertuliano escrevendo sua apologia


narra também as reuniões cristãs e um pouco de sua liturgia:
“Nós nos reunimos para ler as nossas escrituras sagradas (...)
com as palavras sagradas nutrimos a nossa fé, animamos a nossa
esperança, tornamos mais firme a nossa confiança, e não menos
pela inculcação dos preceitos de Deus, confirmamos bons hábitos.
No mesmo lugar também são feitas exortações, repreensões e
censuras sagradas” (STOTT, 2003).

Além dessas afirmações, percebe-se nas principais obras


escritas pelos bispos dos principais patriarcados desse período,
Alexandria, Antioquia, Éfeso e Constantinopla, uma defesa
doutrinária diante da sociedade secular e uma preocupação
com o ensino das doutrinas essenciais da fé cristã. Além disso,
esses homens se dedicavam às orações, às pregações frequentes
nos locais de reunião ou em espaços públicos onde fossem
chamados. Diríamos em grande parte que, a pastoral da patrística
era fortemente relegada ao ensino, ao cuidado doutrinal e à
apologética da fé cristã. Os líderes/pastores das comunidades
eram pastores mestres, dedicados à busca zelosa da correta
compreensão da fé cristã e seu consequente anúncio.

2. A PRÁTICA PASTORAL DURANTE A IDADE MÉDIA

Com a oficialização do cristianismo como religião principal do


Estado, parte da função dos bispos/pastores ainda continuou
sendo a ocupação principal com os aspectos doutrinários, sendo,
o ensino. Em um período em que a perspectiva religiosa passou a
ser a principal via de leitura da realidade quer política, social ou
econômica, a preparação teológica assumia uma das principais
condições para o exercício pastoral. Ser pastor era ter bom domínio
das línguas e ter acesso aos principais documentos doutrinais da IDADE MÉDIA
tradição de fé, por isso, exigia-se uma boa preparação teológica. [LEITURA COMPLEMENTAR]
Para saber mais sobre esse período
da Idade Média, no que diz respeito
Sem dúvida, a instituição Igreja, na forma como evoluiu após à formação teológica dos pastores,
a conversão de Constantino, não deu muita atenção à mensagem sugerimos que possa acessar a obra
do Novo Testamento, e sim introduziu estruturas do Antigo do historiador cristão Justo González,
Testamento, tais como: sacerdócio, templo, altar e sacrifício. A intitulada “Ministério, Vocação ou
Profissão: o preparo ministerial ontem,
influência de estruturas de organização da sociedade romana, hoje e amanhã”.
bem como a adoção do sistema episcopal, também foram
determinantes para a forma como a Igreja deu seus passos para
evoluir em seu modelo de atuação (NASCIMENTO Jr., 2016).

A instituição Igreja encontrada na Idade Média tem como


seu principal ponto de partida o evento chamado por alguns de
Revolução Gregoriana, ocorrida entre 1.054 e 1.086, derivada do
nome de Gregório VII, seu principal artífice. O grande propósito
foi a libertação do Papa da dependência imperial e, ao mesmo
tempo, a independência do clero, bispos e presbíteros em relação
ao poder do imperador e dos príncipes. O clero formou-se
justamente como classe social e como poder na sociedade cristã

TÓPICO 03 - O ministério pastoral na história da igreja cristã


28 | História e Teologia do Ministério Pastoral

a partir dessa revolução.

A preparação pastoral passou a ser realizada nas ordens


monásticas e nas escolas catedrais. Nelas, os futuros sacerdotes
eram preparados para os ofícios litúrgicos e sacramentais bem
como no entendimento da teologia fundamental. Neste período, o
diálogo com a Filosofia e com a argumentação lógica era frequente,
o que demandava dos sacerdotes grandes exercícios intelectuais.
Do século VII ao XI, destacaram-se as escolas monásticas
irlandesas. Nesses ambientes, os principais cargos de liderança
eram atribuídos aos abades tendo as responsabilidades de bispos
e de supervisores de toda a vida eclesiástica (GONZÁLEZ, 2012).

Com o fortalecimento do catolicismo romano, o clero católico-


romano passou a ser o modelo vigente de exercício pastoral.
Cabia aos bispos e padres a realização de ofícios pastorais como
a administração dos sacramentos, a orientação das práticas
PENITENCIAIS de espiritualidade e ministração dos penitenciais, a instrução
[SAIBA MAIS] nas escolas teológicas e os encargos litúrgicos. Essas eram as
Diz respeito à atos como: jejuns, principais funções do ministério pastoral ao longo da Idade Média
orações, esmolas, vigílias,
peregrinações que os fiéis — ou a
de modo geral.
alguns tipos de religião — oferecem
a Deus como provas de que estão
arrependidos dos seus pecados. 3. A PRÁTICA PASTORAL DURANTE A REFORMA E MODERNIDADE

O movimento religioso da Reforma Protestante, ocorrido na


Europa no séc. XVI, foi de caráter teológico e, principalmente,
eclesiológico, sendo de entendimento da natureza da Igreja
e do seu papel no mundo. A 37ª tese de Lutero defende: “Todo
e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de
todos os bens de Cristo e da Igreja, dádiva de Deus, mesmo sem
breve de indulgência”. Significa que o acesso ao divino se dá pela
própria condição de ser cristão, e não necessita da mediação do
clero. Ao mesmo tempo, afirma que a Igreja é presente de Deus
a nós. Se estivermos em Cristo, estamos na Igreja; se formos de
Cristo, somos da Igreja.

A reforma mudou completamente a forma, a prática e o conteúdo


ministeriais da Igreja, alterando profundamente o ministério
pastoral, especialmente nas áreas da docência, da regência e da
proclamação. Alguns acontecimentos tais como a versão grega do
Novo Testamento (textus receptus), feita por Erasmo, em tempos
de redescoberta da língua dos filósofos gregos; sua divulgação foi
rápida; a volta aos clássicos da filosofia helênica e à patrística; a
disseminação dos estudos do grego e do hebraico, principalmente
por Erasmo e Reuclin; a retomada das línguas nacionais como o
italiano, o francês, o inglês, o alemão e o espanhol, para divulgação
das obras dos reformados, modificaram a maneira pela qual a
Igreja passou a encarar os desafios ministeriais e o modo segundo
o qual passou-se a desenvolver as leituras pastorais.

Ao mesmo tempo, a compreensão do sacerdócio universal de

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 29

todos os crentes, defendido por Lutero, que rompia com a divisão


na Igreja entre clero e leigos fez com que se colocasse em revisão
as mediações do clero na vida espiritual da comunidade. Por
causa do batismo em Jesus Cristo, todos eram iguais diante de
Deus e responsáveis pelos ofícios sacerdotais. De acordo com
Timothy George, esses ofícios envolviam: “pregar a palavra de
Deus, batizar, celebrar a Santa Comunhão, carregar ‘as chaves’, orar
pelos outros, fazer sacrifícios, julgar a doutrina” (GEORGE, 1994, p.
96). Isso deveria ser visto pelos cristãos como responsabilidade e,
ao mesmo tempo, privilégio dado por Deus ao seu povo.

Não que se dispensasse a figura do sacerdote (pastor) para “[...] A COMPREENSÃO DO


condução e organização da liturgia, por exemplo, porém ele já não SACERDÓCIO UNIVERSAL DE
possuía exclusividade sobre isso e nem mesmo o poder de perdão TODOS OS CRENTES, DEFENDIDO
dos pecados ou de atribuição de penas aos confessantes. POR LUTERO, QUE ROMPIA COM
A DIVISÃO NA IGREJA ENTRE
CLERO E LEIGOS FEZ COM QUE
Da mesma forma, o líder eclesiástico também não possuía
SE COLOCASSEM EM REVISÃO AS
exclusividade na leitura e interpretação das Escrituras, entretanto MEDIAÇÕES DO CLERO NA VIDA
era algo que poderia ser realizado por todos os crentes, sujeitos ESPIRITUAL DA COMUNIDADE”.
à mesma iluminação do Espírito Santo. O altar aparamentado
com diversos recursos simbólicos e também de mediação
para a espiritualidade foi substituído pelo púlpito em templos
desvestidos de objetos simbólicos. Isso se devia à crença na
autoridade e centralidade das Escrituras no culto. O culto se
tornou um evento comunitário para fins de comunhão, leitura
e exposição exegética da Palavra, orações de petição e ação de
graças e compartilhamento.

De modo geral, a pastoral no período inicial da reforma estava


associada ao ensino da Escritura de forma acessível para todos. A
pregação assumiu lugar de destaque na forma como se encarava
o ofício pastoral. Ser pastor era estar comprometido com os
principais valores da reforma protestante e acompanhar (cuidar)
os cristãos diante dos embates políticos e teológicos trazidos pelo
período da reforma. A atividade pastoral assumia cada vez mais
uma dimensão de participação comunitária, inclusive nas lutas
doutrinárias e teológicas. A realização dos aspectos voltados à
ministração das celebrações litúrgicas era muito mais centrada
na exposição da Escritura como principal fonte de orientação
espiritual dos membros da igreja.

A partir desse período as igrejas protestantes, além de


apresentarem suas confissões de fé, passaram a construir
seus centros de formação pastoral, os conhecidos seminários
teológicos, com forte ênfase na preparação exegética e homilética
do pastor, pois a exposição da Palavra era uma das maiores MODERNIDADE
atribuições de um pastor. Tal modelo se estendeu praticamente [SAIBA MAIS]
durante o período moderno onde a afirmação de uma fé mediada Na modernidade, a ênfase do
pela racionalidade passou a ser o desafio dos pastores. Bem Racionalismo e Empirismo abalou
a Teologia de tal modo ao ponto
como, apresentaram uma pregação e experiência de fé que seja de a Teologia ter que, por muitos
inteligível diante das perspectivas modernas. momentos, justificar sua relevância.

TÓPICO 03 - O ministério pastoral na história da igreja cristã


30 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Na modernidade, período que cobre os séculos XVII ao início do


século XXI aproximadamente, os diferentes segmentos cristãos tais
como: luteranos, reformados presbiterianos, batistas, anglicanos,
e demais segmentos que são diretamente herdeiros da tradição
reformada e, posteriormente, movimentos como dos metodistas
e pentecostais nascidos nos EUA, terão na ação evangelizadora
uma grande expressão da atividade pastoral. A abertura para a
ideia de missões articulava uma missiologia pastoral ou então
uma pastoral missionária.

UNIDADE I - Fundamentos da Teologia Pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 31

LEITURA COMPLEMENTAR

O Servo da Palavra de Deus: O Ofício Pastoral de Richard Baxter

Franklin Ferreira
RESUMO:

Este artigo tem como alvo oferecer um resumo e atualização


do pensamento pastoral de Richard Baxter. O autor apresenta
um resumo da vida de Baxter, situando-o no contexto daquele
movimento de renovação eclesiástica conhecida como Puritanismo
– sendo Baxter um dos mais importantes ministros daquela época.
São enfocados seu ministério de longo alcance e impacto em
Kidderminster, seu entendimento do ministério pastoral e suas
prioridades (pregar o evangelho, ensinar as Escrituras e pastorear
as almas) e sua ênfase sobre o “cristianismo puro e simples”, que
permeou o seu trabalho.
Artigo completo disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/
Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_IX__2004__1/franklin.pdf >. Acesso em:
23 maio. 2018.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:


• A pastoral da patrística era fortemente relegada ao
ensino, ao cuidado doutrinal e à apologética da fé cristã. Os
líderes/pastores das comunidades eram pastores mestres,
dedicados à busca zelosa da correta compreensão da fé
cristã e seu consequente anúncio.

• Na Idade Média, cabia aos bispos e padres a realização de


ofícios pastorais como a administração dos sacramentos,
orientação das práticas de espiritualidade e ministração
dos penitenciais, a instrução nas escolas teológicas e os
encargos litúrgicos. Essas eras as principais funções do
ministério pastoral.

• De modo geral, a pastoral no período inicial da reforma


estava associada ao ensino da Escritura de forma acessível
para todos. A pregação assumiu lugar de destaque no
modo em que se encarava o ofício pastoral. Ser pastor era
estar comprometido com os principais valores da reforma
protestante e acompanhar (cuidar) os cristãos diante dos
embates políticos e teológicos trazidos pelo período da
reforma.

TÓPICO 03 - O ministério pastoral na história da igreja cristã


32 | História e Teologia do Ministério Pastoral
Unidade II

MODELOS TEOLÓGICOS PARA O


MINISTÉRIO PASTORAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade você será capaz de:

• Compreender as relações entre o ministério de Jesus e o


ministério pastoral na tradição cristã.

• Conhecer as possibilidades de uma ação pastoral mediada


pelo paradigma pneumatológico.

• Desenvolver competências para uma reflexão crítica sobre


a teologia pastoral a partir do nosso contexto.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos e, no final de
cada um deles, você terá um resumo do tópico e um conjunto
de questões que servirão de suporte para o seu aprendizado e
memorização dos conteúdos da unidade.

Tópico 1
O Paradigma Cristológico do ministério pastoral

Tópico 2
O Paradigma Pneumatológico do ministério pastoral

Tópico 3
O Sacerdócio Universal e a Teologia Pastoral da Reforma
34 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 35

Tópico 01
Unidade II
O Paradigma Cristológico do
Ministério Pastoral

Introdução

O ministério pastoral, ao longo da tradição cristã, sempre foi e


será um desdobramento das ações pastorais desenvolvidas por
Jesus no Novo Testamento como continuidade da relação pastoral
de Deus com Israel e para com a humanidade. Neste tópico, você
estudará alguns aspectos centrais do ministério pastoral de Jesus
Cristo durante a sua trajetória nas terras da Palestina Antiga.
As discussões desse tópico terão como foco central a ideia de que
toda ação pastoral, na perspectiva cristã, deve ser lida/pensada a
partir do modo como Jesus Cristo desenvolveu seu ministério de
cuidado para com as pessoas, pois Ele realizou a pastoral mais
sublime conhecida por nós até agora. É por este espectro que
o presente tópico tentará percorrer e propor alguns “ insights”,
possibilitando reflexões potentes para o desenvolvimento do
ministério pastoral na contemporaneidade.

Bons estudos.
36 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. O QUE É UM PARADIGMA?
A ideia de “paradigma” como conceito que possibilita organizar
certo campo do saber/fazer, ganhou espaço nas discussões
acadêmicas a partir dos estudos do físico e historiador da ciência
Thomas Kuhn (1922-1996), que ao desenvolver uma espécie de
historiografia da ciência moderna, verificou a movimentação
dos aspectos históricos do desenvolvimento do conhecimento
científico através de paradigmas, possibilitando a produção de
conhecimento e de pesquisas laboratoriais.
Kuhn (1998) compreendeu que alguns exemplos aceitos na
prática científica real – exemplos que incluem ao mesmo tempo
lei, aplicação, instrumentalização – proporcionam modelos dos
quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa
científica. São nessas tradições que o pesquisador se baseia para
fazer suas pesquisas e são adotadas por novos estudantes.
Na perspectiva de Kuhn (1998), para que se produza um
determinado saber é necessário que as gerações novas de
pesquisadores possam reunir-se aos pesquisadores mais
antigos, conheçam os procedimentos por eles desenvolvidos e,
por conseguinte, construam novos conhecimentos a partir dos
paradigmas produzidos pelos pesquisadores anteriores. Assim,
existe um conjunto próprio de regras e instrumentos padronizados,
produzidos por cada paradigma para fazer os experimentos
laboratoriais, a fim de se construir conceitos e aplicações conforme
o objetivo de uma determinada pesquisa.
Desse modo, Kuhn (1998, p. 30) entende que, para “conhecermos
a evolução histórica da ciência, não podemos partir de uma
perspectiva cumulativa, mas sim entender os paradigmas de cada
momento científico específico”. A investigação histórica cuidadosa
de uma determinada especialidade, em um determinado
momento, revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase
padronizadas nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na
observação. Esses são os paradigmas da comunidade revelados
nos seus manuais, conferências e exercícios de laboratórios.
Em outras palavras, diríamos que os paradigmas são formas
pelas quais um determinado campo do saber/fazer desenvolve
e articula teoria e prática com o intuito de produzir um conjunto
possível de conhecimentos específicos. Nesse sentido, os
paradigmas são os princípios que organizam a forma de produzir
saberes/práticas aceitas por um determinado grupo, produzindo
uma espécie de modelo a ser seguido.
Apesar de Kuhn realizar sua análise a partir da história da
ciência, seu método é válido para outras análises, na medida em
que possibilita perceber o mover da história, a partir de algumas
categorias que condicionam o modo de viver e agir do ser humano
no mundo. Ao mesmo tempo, os paradigmas nos ajudam a
perceber o modo como algumas práticas são realizadas, quais os
princípios que as acompanham e como se estruturam os saberes
de uma tradição, grupo ou comunidade.

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 37

Outro aspecto interessante na discussão dos paradigmas é a


resposta a determinadas necessidades, ou seja, o conjunto de
necessidades que as pessoas de um grupo têm será a condição
principal a mobilizar o desenvolvimento de um conjunto de
ações, projetos, reflexões, podendo dar conta das necessidades
apresentadas. É por conta disso que os paradigmas tendem a
se alterar; as demandas e necessidades do momento histórico
produzem mudanças de paradigmas, alterando muitas vezes os
paradigmas antigos produzindo novos paradigmas para responder
os questionamentos feitos no tempo presente.
No que diz respeito ao cristianismo, David Bosch (2002), ao
dialogar a ideia de paradigma com a forma de entender a história
da tradição cristã, observa a existência de fatores importantes que
afetam o modo como as pessoas interpretam e experimentam a fé.
Segundo ele, o quadro de referência geral em que as pessoas se
criaram, sua experiência e compreensão global da realidade e de
seu lugar no universo, a época histórica em que lhes coube viver
é que, em grande parte, moldou sua fé, experiências e processos
de raciocínio. Logo, as diferenças dos paradigmas históricos
do cristianismo têm, principalmente, a ver com o “quadro de
referência” apresentado por cada momento histórico.
Outro teórico que se baseou na teoria de Thomas Kuhn para
fazer sua análise da história do cristianismo foi Hans Küng
(1984), ao propor seis subdivisões da história do cristianismo
caracterizadas por paradigmas diferentes:

1. O paradigma apocalíptico do cristianismo primitivo;


2. O paradigma helenístico do período patrístico;
3. O paradigma católico romano medieval;
4. O paradigma protestante da reforma;
5. O paradigma moderno iluminista;
6. O paradigma das igrejas emergentes.

Depois dessa breve introdução ao conceito de paradigmas,


cabe, agora, traduzirmos essa compreensão para a discussão da
nossa disciplina: o que pode ser compreendido como “paradigma
cristológico do ministério pastoral”?
Em resposta, compreendemos que, quando nos referimos ao
“paradigma cristológico do ministério pastoral”, afirmamos um
conjunto de princípios teóricos e práticos, os quais orientam a prática
do ministério pastoral a partir daquilo que Jesus fez e falou durante
sua jornada ministerial. Além disso, parte-se da compreensão de
que Jesus, enquanto Deus encarnado, tornou-se a didática de Deus;
seu modo de agir, cuidar e pastorear a humanidade constituiu-se no
“quadro de referências” para orientar qualquer forma de agir, cuidar
e pastorear que se apresentam em nome de Jesus e seu Evangelho.

TÓPICO 01 - O Paradigma Cristológico do Ministério Pastoral


38 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Depois dessas considerações, podemos pensar/problematizar


a prática do ministério pastoral à luz da figura histórica de Jesus
Cristo e, a partir dele, apontar caminhos de uma prática pastoral
organizada pelo paradigma cristológico. Passaremos, então, a
discutir alguns princípios da prática pastoral de Jesus e como
podemos desenvolver o ministério pastoral a partir desse quadro
de referências.

2. O PARADIGMA PASTORAL DE JESUS CRISTO


Ao estudarmos a literatura neotestamentária, especialmente,
os Evangelhos produzidos pela primeira geração de seguidores de
Jesus Cristo, dentre os quais destacamos os textos canonizados
pela Igreja, a saber: Mateus, Marcos, Lucas e João, deparamo-
nos com alguns princípios constituintes da forma pela qual Jesus
realizou suas ações, configurando uma espécie de paradigma
pastoral cristológico. Dessa maneira, podemos destacar alguns:
a promoção da vida, o cuidado dos que sofrem, a pregação da
misericórdia e a esperança aos corações humanos.

2.1 A promoção da vida


Apesar de ser possível pensar o princípio da promoção da vida
em todos os Evangelhos, recortaremos uma “cena” da teologia
joanina registrada no livro de João a partir do capítulo 10, para servir
de interlocução de um dos princípios do paradigma cristológico
do ministério pastoral, pois nela encontramos reflexões que nos
possibilitam vislumbrar a preocupação de Jesus em relação à
forma como a vida humana deveria ser levada a sério e promovida,
independentemente, das circunstâncias que se apresentam.
O evangelho de João apresenta duas principais seções: a
primeira se inicia no capítulo 1.19 e se estende até o capítulo 12.50;
nela são apresentadas as principais cenas que, na perspectiva de
João levavam diversas pessoas a crerem em Jesus e outras tantas
a desenvolverem hostilidade à sua mensagem, principalmente
entre os judeus. Existe, nessa primeira parte do livro, a enunciação
de uma cristologia elevada, uma apresentação de Jesus como o
Verbo, o Filho do Homem já descido do céu e, por este motivo,
ultrapassa a lógica da tradição judaica e é superior a qualquer
patriarca israelita ou a qualquer forma de expressão religiosa
(BROWN, 2004).
Na segunda parte da obra (13-20.31), João apresenta a
proclamação de Jesus e a consciência de sua morte como
manifestação de seu amor pela humanidade. Nessa parte da
obra, João apresenta o fundamento da reconciliação entre Deus
e a humanidade: aqueles que o receberam, tornaram-se filhos
de Deus, aqueles que se tornaram ligados à videira, nasceram do
Espírito, constituíram-se discípulos e caminham como adoradores
espirituais, fundamentados na verdade e na vida Eterna (BROWN,
2004).

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 39

Na primeira parte do livro, encontramos a cena pastoral do


capítulo 10. As figuras utilizadas na cena são: o ladrão, o assaltante,
a ovelha e o bom pastor. O ladrão e assaltante encontram as
ovelhas e entram pelas portas dos fundos; entram pelos lugares
onde elas podem ser pegas de surpresa; acessam o caminho do
assombro, da não transparência e do perigo.
As figuras do ladrão e do assaltante representam os modos
de produção da vida marcados pelo medo, pela insegurança,
pela destruição da qualidade de vida, das relações, das famílias,
do bem-estar biopsicossocial do ser humano. Essas figuras
representam formas de lidar com o outro e produzir relações que
se constituem a partir da lógica mercenária, desimplicada com o
outro e com suas questões de vida, produzindo lógicas de morte
e sucateamento da vida.
Na perspectiva da teologia joanina, existem formas de se
relacionar com o outro que produzem morte, apequenam a vida,
produzem desgaste emocional, reduzem a força mental, produzem
estresse, ansiedade, sentimento de clausura e outras formas que
engendram processos lentos ou rápidos de mortificação, pois
colocam o humano em uma condição de sucateamento existencial.
Em oposição a essas figuras, João apresenta Jesus como o bom
pastor, aquele que entra pela porta, que possibilitando acessos
saudáveis às suas ovelhas; aquele que propõe processos de vida
que salvam suas ovelhas dos projetos de morte; aquele que dá
“pastagem”, propiciando condições espirituais, emocionais e
biopsicossociais para que o ser humano se alimente, se fortaleça
e produza condições de vida saudável.
O bom pastor se propõe a dar a sua vida pelas suas ovelhas,
desafiando as perspectivas dos ladrões que ganham suas
vidas retirando a das ovelhas. Os ladrões e assaltantes vivem
precisamente porque existem ovelhas para serem roubadas e
mortas, porém o bom pastor vive exatamente para dar sua vida
em favor da vida das ovelhas, para gerar vida, potencializá-la e
tornar-se agente de Deus no projeto de manutenção da vida.
Nessa perspectiva, Jesus propõe um princípio vital para o
ministério pastoral: pastorear é comprometer-se em potencializar/
promover a vida em todas as suas dimensões. Por isso, o desafio
do ministério pastoral é complexo e, ao mesmo tempo, nobre.
Complexo porque se apresenta como caminho oposto a qualquer
forma de destruição da vida em todos os seus sentidos; opõe-
se a qualquer projeto que se apresente investido de matança,
de opressão emocional, física, espiritual e cultural. Ser pastor
é assumir um caminho contrário ao dos ladrões e assaltantes;
é colocar-se como mediador de processos que (re) constroem
e lutam para a permanência de uma vida potente, graciosa,
agradável e boa de ser vivida.
Por outro lado, é um desafio nobre, pois se conjuga ao projeto
de Deus manifesto e conhecido mediante a vida de Jesus Cristo:
dar a vida em abundância a todo ser humano. Ao se comprometer

TÓPICO 01 - O Paradigma Cristológico do Ministério Pastoral


40 | História e Teologia do Ministério Pastoral

com isso, o ministério pastoral se torna o meio pelo qual Deus


realiza entre os humanos suas ações de cura, restauração, cuidado
e preservação da vida.
Portanto, desenvolver o ministério pastoral a partir do
paradigma cristológico é comprometer-se com a promoção da vida,
rica de sentidos e abençoada, sob o ponto de vista biopsicossocial
e espiritual. Isso significa que, uma agenda pastoral movida
pelo paradigma cristológico produz um roteiro pastoral, desde
as formas de realização de culto, as atividades ministeriais, os
projetos eclesiásticos e as formas de gestão e liderança, que está
comprometido em promover a vida na sua máxima qualidade.

2.2. O cuidado dos que sofrem


Antes da cena do décimo capítulo do livro, João registra o
encontro entre os Escribas, Fariseus, uma mulher adúltera e Jesus.
A cena narra o flagra de uma mulher pega em ato de adultério,
expondo-a diante de todos; apresentaram-na para Jesus com
a intenção de problematizar suas perspectivas de pecado e
obediência à Lei, objetivando culpá-lo de algum equívoco na sua
interpretação da tradição mosaica. Além do pecado cometido
pela mulher, ela ser exposta publicamente sinalizava outro tipo
de sofrimento psíquico: o sentimento de humilhação, vergonha
social e extrema culpabilização.
Além do sentimento de culpa, estava em jogo a humilhação
diante das pessoas e o fardo pesado da culpa, da dor, do
arrependimento e do senso de fracasso. Tais afetos podem
causar intenso sofrimento psíquico no ser humano. O que estava
em questão, na perspectiva pastoral de Jesus, não era apenas
a reafirmação de uma condição pecaminosa da mulher ou a
provocação dos fariseus acerca de sua interpretação da Lei. O
que estava em questão era minimizar o sofrimento que a mulher
estava enfrentando, aquele que se experimenta de forma delicada
e profunda: o sofrimento que afeta a nossa autoimagem, nossa
dignidade, nossa saúde psicológica e, consequentemente, nossa
condição física.
Além desse registro, João narra também a cena da morte
e ressurreição de Lázaro (João 11.1-43). A narrativa afirma que
Lázaro estava em um estado adoecido; suas irmãs procuraram
Jesus para que viesse atendê-lo, pois estava entre a vida e a
morte. A doença produzia sofrimento não somente na vida de
Lázaro, mas na vida daqueles que constituíam a rede afetiva dele.
O processo de adoecimento de uma pessoa afeta as demais ao
seu redor, na medida em que o sofrimento de alguém, pelo qual
nutrimos afetos, provoca em nós a necessidade de ter que lidar
com a possibilidade da perda. Essa possibilidade produz angústia
e intenso sofrimento tanto para quem está doente quanto para
quem está acompanhando o percurso do adoecimento.
Diante desse cenário, Jesus, ao chegar a Betânia, foi ao encontro
do lugar onde o corpo de Lázaro estava e o ressucitou, gerando

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 41

conforto ao coração de suas irmãs, Marta e Maria, trazendo alívio


e restauração ao corpo outrora adoecido de Lázaro. Além desse
episódio, registram-se outras narrativas nos evangelhos sinóticos,
tais como: a cura da mulher com o fluxo de sangue (Mateus 9.20-
22); a ressurreição da filha de um chefe (Mateus 9.18-19;23-26); a
cura de um homem com mão atrofiada (Mateus 12.9-14), entre
outras.
O sofrimento é caracterizado pela sensação de dor, mal-estar
e infelicidade em uma pessoa. Geralmente, ele está associado a
coisas negativas, contudo diversas condições da/na vida podem
causar variados tipos de sofrimentos, causando a redução do
bem-estar da pessoa e de todas as suas faculdades mentais e
capacidades físicas (SAWAIA, 2002). O sofrimento está diretamente
ligado às condições físicas, afetivas e sociais que constituem o ser
humano.
Jesus, ao lidar com as diferentes formas de sofrimento (físico,
psicológico, social, etc.), propôs sempre algum tipo de intervenção.
Sua prática pastoral não se eximia diante de qualquer tipo de
sofrimento, nem se aquietava diante da dor humana. O paradigma
pastoral de Jesus se preocupa em acolher, cuidar e suportar as
experiências de sofrimento enfrentadas pelas pessoas. Seus
milagres e curas estavam sempre movidos pela compaixão,
pela capacidade afetiva de se solidarizar com o sofrimento das
pessoas e lutar para enfrentar toda e qualquer situação/condição
produtora de sofrimentos.
Também, a pastoral de Jesus se ocupava em problematizar e
criticar as estruturas políticas, sociais, econômicas e religiosas
que potencializam o sofrimento humano. Sob esse prisma, Jesus
cuidava do sofrimento das pessoas e, ao mesmo tempo, lutava
contra as estruturas de vida que produziam sofrimentos nas
pessoas e suas famílias.
Destarte, o ministério pastoral, na perspectiva do paradigma
cristológico, constitui-se para lidar com os sofrimentos humanos,
com as crises que acontecem na caminhada de fé, com os
processos de perda, com os momentos difíceis de adoecimento,
com as lutas e problemas familiares, com os estresses da vida e
muitas outras questões que marcam as travessias e travessuras
da condição humana.
Tornar-se pastor(a) é assumir o desafio de lidar com as múltiplas
experiências de sofrimentos das pessoas às quais Deus colocará
na trajetória ministerial. Uma pastoral bíblica e profundamente
espiritual sempre estará disponível e sensível para lidar com
qualquer tipo de sofrimento humano. Estará comprometida com o
cuidado das mulheres que choram diante das violências sofridas;
das crianças que experimentam o abandono, o descaso e a violência
dos pais; dos jovens que lidam com a difícil inserção no mercado
de trabalho e as intensas crises para a realização de sonhos;
dos homens e mulheres que atravessam os vales profundos do
câncer e outras doenças; dos ministros do evangelho, cansados

TÓPICO 01 - O Paradigma Cristológico do Ministério Pastoral


42 | História e Teologia do Ministério Pastoral

e abatidos pelas lutas da vida; enfim, pastorear na perspectiva


cristológica é lidar diariamente com o sofrimento das pessoas,
trazendo a vida, o renovo, o bálsamo que vem de Deus e está
disponível à humanidade.

2.3. O anúncio da misericórdia e esperança


Voltamos à cena da mulher adúltera, narrada no capítulo 8 do
livro de João. Diante de uma cena explícita de adultério, nota-se
a fúria expressa pelos Fariseus e Escribas, e mesmo assim, Jesus
não isenta a mulher de suas responsabilidades morais e éticas,
todavia não a sentencia nas garras da culpa e da autocondenação.
Sua fala foi libertadora: “nem eu te condeno, vai e não peques”
(João 8.11). Jesus libertava a mulher de sua culpa, de não se tornar
refém das memórias de seus pecados; liberava-a de um fardo
psíquico/físico, produzido pelas lembranças de nossas constantes
falhas.
Ao perdoar o pecado da mulher e convidá-la a seguir seu
caminho, Jesus estava sinalizando a trilha de uma intervenção
pastoral: mediar o perdão de Deus na vida das pessoas e ajudá-
las a seguirem suas jornadas sem autoflagelos e condenações
que produzem assombro, medo, insegurança e depreciações de si.
Jesus dá àquela mulher o que de mais precioso podemos receber
de Deus: o sentimento de uma nova oportunidade de refazer
a vida, o acolhimento e o perdão das nossas mais profundas
monstruosidades.
A misericórdia lida com a afetação, age na com-paixão, deixa-
se afetar pela escolha da esperança. Boff (2009, p. 13) sinaliza
COMPAIXÃO que: “a compaixão é mais do que um ato ou um conjunto de
[SAIBA MAIS] atos de profunda humanidade em direção ao outro. É uma
Compaixão, como sugere a filologia
atitude fundamental, e como tal geradora de atos compassivos”.
da palavra – é a capacidade de
compartilhar a própria paixão com a A misericórdia e compaixão produzem ministérios construtores
paixão do outro. Trata-se de sair de de novas realidades, produzem novas relações familiares,
si mesmo e de seu próprio círculo e eclesiásticas e sociais. Pelo princípio da misericórdia, torna-
entrar no universo do outro enquanto se possível construir um mundo onde o perdão, a aceitação e a
outro, para sofrer com ele, para
cuidar dele, para alegrar-se com ele e partilha se tornam regra e não exceção.
caminhar junto a ele, e para construir A misericórdia e a compaixão produzem laços afetivos entre
uma vida em sinergia e solidariedade
os seres humanos. Esses laços fazem com que as pessoas sejam
(BOFF, 2009, p. 20).
portadoras de valores, tais como: responsabilidade, respeito,
honestidade, transparência, cuidado de si e dos outros, entre
outros valores.
Na narrativa de Mateus 18.21-22, Jesus propõe um caminho
mais difícil, um pouco mais complexo, no entanto reafirma o
ponto central da sua ação pastoral para com a humanidade: Ele
é o pastor que perdoa constantemente. Ao colocar esse desafio
aos seus discípulos, Jesus estava reafirmando um princípio que
atravessa a fé cristã e todas as suas ações, isto é, a fé evangelical;
ela é, por natureza, misericordiosa e disposta a dar ao outro,
sempre, uma segunda chance, um voto de confiança, um espaço
de reinvenção e uma possibilidade de viver sem o peso da culpa.

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 43

A atividade pastoral da igreja é desafiada a incluir em sua agenda


a preocupação primeira pela compaixão com o outro, pelo anúncio
do perdão divino que cura as relações humanas, neutraliza o ódio,
restaura os afetos destrutivos e produz esperança nos corações
humanos. Embora esse princípio se oponha aos sistemas humanos
de retribuição, justiça própria e tantas outras perspectivas, a
prática pastoral, de acordo com o olhar de Jesus, é muito mais
comprometida com o exercício da misericórdia e compaixão.
De modo geral, o paradigma cristológico do ministério pastoral é
mobilizado pela misericórdia e compaixão. À vista disso, pastorear
é tornar-se agente da misericórdia e da compaixão divina,
produzindo no coração humano esperança e vida transformada.

LEITURA COMPLEMENTAR

Práticas Pastorais na Bíblia:


Paradigmas para a prática pastoral da Igreja hoje.

Geoval Jacinto da Silva

A Bíblia é a linha mestra para a renovação da prática pastoral. É através


dela que se pode encontrar orientações para corrigir os equívocos
das práticas pastorais e, ao mesmo tempo, responder aos desafios e
oportunidades para a realização de novas práticas pastorais, diante
dos modelos de práticas pastorais que têm surgido dentro do mosaico
religioso que a Igreja do Senhor vivencia hoje, conhecer o rebanho e ser
conhecido pelo mesmo a partir da voz e pastorear, continuam sendo os
desafios para as atuais práticas pastorais.
Guiar, prover, vigiar fortalecendo o rebanho, buscando sua
unidade é a tarefa da prática pastoral que continua presente até
que se cumpra a promessa: “Quando aparecer o supremo pastor,
recebereis a coroa imarcescível da glória” (I Pe 5.4). Sem abraçar
uma postura triunfalista, mas procurando entender a tarefa do
pastoreio numa perspectiva bíblica e teológica deve fazer parte
das agendas dos líderes religiosos: “A relação entre pastor e o
seu rebanho dever ser caracterizada por um comportamento
semelhante, isto é, por uma comunhão vital de caridade, de
dedicação e de doação totais até o sacrifício da alma”.
Quem quiser exercer funções pastorais ou de guia, deve inspirar-
se no comportamento de Jesus, o bom pastor. A autoridade que não
se interessar concretamente e com amor pelas pessoas confiadas
aos seus cuidados, não será bom pastor; “o guia da comunidade
que não caminhar à frente de suas ovelhas, oferecendo o exemplo
da vida e sendo o primeiro a percorrer o caminho do Evangelho e
do amor, não se comportará como verdadeiro pastor.” (Panimolle,
1986: 68).

Para acessar o artigo completo: Disponível em: <https://www.metodista.br/


revistas/revistas-ims/index.php/Caminhando/article/viewFile/1470/1497>.
Acesso em: 15 junho 18.

TÓPICO 01 - O Paradigma Cristológico do Ministério Pastoral


44 | História e Teologia do Ministério Pastoral

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• Paradigmas são formas pelas quais um determinando


campo do saber/fazer desenvolve e articula teoria
e prática para produzir um conjunto possível de
conhecimentos específicos. Desse modo, os paradigmas
são os princípios que organizam a forma de produzir um
determinado saber ou uma determinada prática em uma
comunidade científica ou não;
• Segundo Hans Küng, o cristianismo é caracterizado pelos
seguintes paradigmas: o paradigma apocalíptico do
cristianismo primitivo; o paradigma helenístico do período
patrístico; o paradigma católico romano medieval; o
paradigma protestante da reforma; o paradigma moderno
iluminista; o paradigma das igrejas emergentes;
• Ao estudarmos a literatura neotestamentária,
especialmente os Evangelhos produzidos pela primeira
geração de seguidores de Jesus, dentre os quais
destacamos os textos canonizados pela Igreja, a saber:
Mateus, Marcos, Lucas e João, deparamo-nos com alguns
princípios que, de modo geral, constituíam a forma pela
qual Jesus propunha suas ações nos encontros com os
seus contemporâneos, configurando uma espécie de
paradigma pastoral cristológico. Nesse sentido, podemos
destacar alguns: a promoção da vida, o cuidado dos que
sofrem, a pregação da misericórdia e da esperança aos
corações humanos.
História e Teologia do Ministério Pastoral | 45

Tópico 02
Unidade II
O Paradigma Pneumatológico
Do Ministério Pastoral

Introdução

Nesta aula você poderá estudar um pouco sobre os princípios


que orientam a prática do ministério pastoral. No tópico anterior,
discutimos os princípios que constituem o paradigma cristológico,
quais ações de Jesus se tornam modelos para o ministério pastoral
na perspectiva cristã.

Continuando com essa discussão, este tópico terá como


proposta, apresentar alguns princípios da ação do Espírito Santo
que nos permitem construir o ministério pastoral sob um paradigma
pneumatológico. Neste sentido, não se pretende apresentar
uma separação cartesiana entre o paradigma cristológico e o
pneumatológico, antes, queremos, de forma didática, trabalhar
os princípios dos saberes cristológicos e pneumatológico para
potencializar o exercício do ministério pastoral.

Desejamos ótimas leituras e intensas problematizações!


46 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. A TEOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO


A tradição teológica pentecostal e a cristã de modo geral,
compreendem que o Espírito Santo é o agente ativo da Deidade
na criação. Sem a atividade contínua de Deus, mediante o Espírito
Santo, seria impossível o conhecimento sobre Deus. É pelo Espírito
Santo que a linguagem divina se torna inteligível ao ser humano,
possibilitando o relacionamento entre o humano (finito, pecador,
limitado) e Deus (MCLEAN, 2011).
Ao refletirmos sobre a Teologia do Espírito Santo, iniciamos pela
compreensão de sua natureza, ou seja, como a Teologia Bíblica e
Sistemática compreende a existência do Espírito Santo na sua relação
com a Trindade. Sendo assim, em primeiro lugar, a figura do Espírito
Santo é descrita nos textos sagrados a partir de algumas figuras (espécie
de teofanias): o vento, a água, o fogo, o óleo, a pomba, entre outros.
Cada um destes símbolos apontam para o modo de agir do
Espírito Santo na história da humanidade desde a sua criação.
O Espírito Santo, por exemplo, é compreendido como o ruach/
pneuma, apontando para a sua natureza invisível, como fôlego
que sustenta a criação, animando-a, arejando-a e trazendo a
vitalidade necessária para que a vida seja vivida. Ao mesmo tempo,
o Espírito Santo é compreendido como condição necessária para
a purificação do coração humano a fim de que este experimente
a vida em comunhão com Deus, produzindo purificação e uma
condição santa diante do Divino. Por outro lado, Ele é o poder que
enche de coragem o ser humano, habilitando-o a viver a vida e
encarar os desafios nela apresentados.
O Espírito Santo é simbolizado, também, como aquele que traz
cura, fazendo brotar “rios de águas vivas” no mais íntimo do ser
humano, curando-o de todas as suas dores, angústias e tristezas.
A metáfora do Espírito como óleo expressa a consciência de que o
Espírito Santo é propiciador da cura humana, aquela que é física
e existencial: a cura da dor causada pelo pecado (HORTON, 2011).
Na Teologia Bíblica do Novo Testamente, a descida do Espírito
sobre toda a carne sinalizou o caminho da reconciliação entre Deus
A UNIVERSALIDADE e o homem, demonstrado mediante a manifestação da linguagem
E ABRANGÊNCIA DA divina, antes marcada pela semântica judaica, agora significada e
MANIFESTAÇÃO DO ESPÍRITO compreendida na diversidade de idiomas. Pela ação do Espírito
[SAIBA MAIS] Santo foi dada a possibilidade de todos os povos compreenderem
Para aprofundar um pouco mais a o plano de Deus em suas próprias línguas, conforme aconteceu
discussão acerca da universalidade
e abrangência do Espírito Santo na
com aqueles que ouviam os discípulos.
perspectiva da Teologia Pentecostal A cena de pentecostes se contrapõe à dramática da maldição de
brasileira, sugerimos que você Babel. Em Babel, as línguas humanas foram confundidas e as nações
possa acessar a discussão de espalhadas; em Jerusalém, a barreira linguística foi vencida de forma
Claiton Ivan Pommerening no
sobrenatural, como sinal de que as nações agora seriam reunidas em
texto intitulado “Desafios de uma
proposta pneumatológica para o uma efusiva comunhão com Deus mediada pelo Espírito.
pentecostalismo”. Além deste texto, Na ótica da Teologia Pentecostal, por exemplo, a experiência
indicamos a revista completa para que com Deus mediada pelo Espírito Santo possibilita a releitura da
você possa acessar outras discussões. ação de Deus na vida, produzindo uma perspectiva teontológica
Disponível em: <http://www.academia.
mais abrangente, ressignificando as ambiguidades, complexidades
edu/27660997/Revista_Enfoque_ e contrapontos da condição humana. Pommerening afirma que,
Teologico_Volume_3_n._1>. A universalidade e abrangência da manifestação do Espírito
extrapola a lógica humana, pois ele pode pairar sobre as

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 47

águas como uma grande madre cuidadora e criadora, mas


também pode promover a explosão das grandes estrelas;
está presente no vazio, mas também na abundância; se
manifesta na igreja, um suposto lugar de santos, mas
também no mundo, o lugar dos profanos; está no céu, mas
também no lugar dos mortos ao ressuscitar Jesus; promove
a vida, mas também está presente ao consolar na morte;
promove uma espiritualidade centrada e descentrada de
si (em busca do outro); seu paradoxismo está presente nos
dons carismáticos e também na cotidianidade do labor
cansativo (POMMERENING, 2016, p. 77.)
Nota-se então que, a experiência pentecostal vai além de uma
prática de espiritualidade e torna-se um paradigma teológico
na medida em que, a partir da descida do Espírito a toda carne,
instaura-se a possibilidade de todos os humanos experimentarem
a vida sob o paradigma divino; um paradigma que impõe uma
forma esperançosa de desenhar o futuro (escatologia), vivenciar o
presente (pastoral), colocar-se na vida e interferir nos processos
onde nela se realizam (missão), movidos pela coragem, disposição
e fôlego quem vem de Deus (espiritualidade).
Pommerening (2016) certifica haver a necessidade da
compreensão de que a experiência com o Espírito Santo “não se dá
somente na conversão, no batismo ou na manifestação dos dons.
Isso seria um reducionismo. O pentecostalismo não pode reduzir
a ação do Espírito Santo sob pena de trair o próprio movimento”
(p. 84). De igual forma, uma compreensão pneumatológica de
tradição pentecostal não se resume apenas aos dons espirituais,
mas à forma de viver a fé cristã sob o paradigma do Espírito, sob a
direção graciosa e transbordante do Espírito Santo.
A partir de uma perspectiva bíblica, podemos compreender que
a ação pneumatológica ocupa a centralidade do livro de Atos dos
Apóstolos, tornando-se um paradigma de referência para a Igreja atual.
Os seguintes textos: Jo 7.37-39; Lc 24.49, 52; At 1.12-14; 2.1-4, são analisados
pela Teologia Pentecostal como bases para uma leitura pneumatológica
da revelação de Deus em Jesus Cristo ao homem. Por isso, a crença
central é que o derramamento do Espírito Santo narrado no livro de
Atos dos Apóstolos é o marco de uma nova era histórica marcada pela
ação do Espírito Santo sobre a Igreja apostólica e sobre a humanidade.
Antônio Gilberto (2009) declara que dois eventos se encontram
para formar a leitura pentecostal: a promessa no Antigo Testamento
referente ao derramamento do seu Espírito sobre o povo israelita
proferida pelo profeta Joel, cerca de 800 anos do advento de Cristo;
e, a confirmação que Deus faz a partir da vida de João Batista
no Novo Testamento, sendo perpassada nos quatro evangelhos e
amplamente sinalizada no evento de pentecostes.
Logo, pensar em um paradigma pneumatológico para o
ministério pastoral significa, antes de tudo, afirmar que a ação
da Igreja Cristã só é possível mediante a ação do próprio Espírito
Santo. A ação do Espírito torna-se, desse modo, norte para a
ação pastoral da Igreja e, ao mesmo tempo, só é possível pensar
qualquer ação pastoral potente mediante a força, o poder e a graça
do Espírito de Deus. Em vista disso, o paradigma pneumatológico
implica em três princípios: o princípio da mediação afetiva; o
princípio do consolo/cura; o princípio do fortalecimento.

TÓPICO 02 - O Paradigma Pneumatológico Do Ministério Pastoral


48 | História e Teologia do Ministério Pastoral

2.1. O princípio da mediação afetiva


Uma das descrições da ação do Espírito Santo feitas pelo
apóstolo Paulo está no livro de Romanos 8.26-27. Paulo apresenta
o Espírito Santo como aquele que assiste a Igreja em meio as suas
fraquezas, dando-lhe consistência na oração, fazendo o papel de
intercessor da igreja diante de Deus com “gemidos inexprimíveis”.
Além disso, Paulo entende que o Espírito “sonda” os corações
humanos, conhece o ser humano em sua profundidade, na sua
complexidade e totalidade. Conhece os seus sentimentos, sua
racionalidade e suas linguagens, inclusive aquelas que nem o
próprio humano consegue decifrar com exatidão.
O conhecimento do Espírito Santo acerca do ser humano
é que lhe dá condições de mediar a sua relação com o Pai.
Entretanto, essa mediação é apresentada por Paulo através de
uma linguagem simbólica: “ intercede com gemidos inexprimíveis,
pois não sabemos orar como convém” (Rm 8.26). Essa metáfora
utilizada pelo apóstolo Paulo expressa um dos princípios da ação
pneumatológica: a mediação afetiva entre os seres humanos e
Deus.
É pelo Espírito que a voz de Deus se torna inteligível aos
humanos; é por Ele que os corações humanos são constrangidos
a se voltarem a Deus, produzindo o que a tradição teológica
cristã chama de arrependimento; é pelo Espírito que nossas mais
profundas ambiguidades são compreendidas e transformadas
diante de Deus. Ele é a manifestação concreta da afetividade de
Deus, trazendo-nos a sua paz, alegria, compaixão e muitos outros
afetos.
Por conseguinte, seguir o ministério pastoral pelo paradigma
do Espírito Santo é estar disposto a afetar-se pela vida do outro,
tornar-se disponível para que a presença do outro não seja apenas
uma presença distante, mas próxima. Seguir esse paradigma
possibilita desenvolver relações pastorais que sejam próximas,
que sejam marcadas pelo contato, pela partilha de afetos e
pela proximidade que permite ao pastor(a) uma capacidade
de conhecer e compreender, ainda que de modo impreciso, as
pessoas nas suas singularidades, percebendo suas linguagens
afetivas, seus sofrimentos e seus desafios.
O ministério pastoral sob o paradigma pneumatológico é
caracterizado pela proximidade entre pessoas, entre ovelha e
pastor, líder e liderado, igreja e clero. É mediante a proximidade
que as pessoas compartilham suas dores, suas angústias, suas
potências e impotências, suas histórias e suas trajetórias. Só quem
se torna próximo pode mediar a vida do outro de tal maneira
intercedendo com gemidos inexprimíveis. Tornar-se próximo é a
condição que possibilita um ministério pastoral mais afetivo e
mediador entre Deus e as pessoas de quem se cuida.
Sob o paradigma do Espírito Santo, o ministério pastoral deve
ser desenvolvido como mediação entre os homens e Deus. Não
uma mediação salvífica, e sim uma mediação de caminhada, de

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 49

suporte, de compaixão, de partilha e de direcionamento. Não


obstante, essa mediação só é possível na medida em que o
coração de quem pastoreia se deixa afetar, deixando-se sensível
ao outro, acolhendo-o em suas mais profundas ambiguidades,
lutas, ansiedades, angústias e perplexidades.
A mediação afetiva possibilita a construção de uma nova
linguagem: a linguagem do coração. Essa linguagem que nem
sempre é traduzível pela lógica da razão e suas faculdades, mas
é possível de ser compreendida. É uma linguagem que às vezes
é inexprimível e não entendida pela linguagem lógica e racional,
porém é compreensível a quem ouve também com o coração e
desenvolve a sensibilidade necessária para escutar sentimentos,
possibilitando ações mais delicadas de cuidado, escuta mais
atenta e intervenções muito mais potentes (BOFF, 2015).
Pastorear sob o princípio da mediação afetiva não significa
abdicar da razão, mas sim recusar o estreitamento de sua
capacidade de compreender, pois é preciso considerar o sensível
e os afetos como elementos centrais no ato de viver e construir
as lógicas da vida. É mediante a sensibilidade afetiva que o
ministério pastoral foge da dureza, da imposição, do domínio e
da arrogância, pois os afetos nos tornam humanos e sensíveis,
criando um modo de ser e viver mais cordial, meigo e cuidadoso
(BOFF, 2015; ROCHA, 2012).
O resgate da mediação afetiva no ministério pastoral não se
constitui apenas uma tarefa teórico-metodológica, antes se torna
caminho necessário para a realização de um ministério pastoral,
espiritual e, profundamente, bíblico. Um ministério pastoral
desenvolvido na lógica dos afetos, como o Espírito Santo, produz AFETO
uma consciência cuidadosa e sensível a tudo que existe e vive, é [SAIBA MAIS]
uma precondição para a realização da vontade de Deus no cuidado Para se aprofundar um pouco mais nas
discussões acerca da importância dos
para com a sua Igreja.
afetos, no modo como se constituem
as ações humanas, sugerimos que
possa acessar a obra do teólogo
2.2. O princípio do consolo brasileiro Leonardo Boff, intitulada
“Direitos do Coração”, publicada pela
A obra do Espírito Santo como consolador inclui seu papel como Paulus, no ano de 2015.
Espírito da Verdade que habita na Igreja (Jo 14.16; 15.26), como
Ensinador de todas as coisas, como aquEle que nos faz lembrar de
tudo o que Cristo tem dito, como aquEle que dará testemunho de
Cristo e convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo
14.16; 15.26) (HORTON, 2011).
Além das funções tradicionais atribuídas ao Espírito Santo,
tais como regeneração, santificação, convencimento do pecado,
distribuição dos dons espirituais, o Espírito Santo é exímio
consolador, aquEle que desceu para que os discípulos de Jesus
não experimentassem o sentimento de orfandade, abandono e
solidão profunda. Ele foi prometido como companheiro, como
suporte, amparo e vitalidade em meio à condição infernal da
existência humana (ERICKSON, 2012).
A consolação do Espírito diz respeito ao modo como, mediante a

TÓPICO 02 - O Paradigma Pneumatológico Do Ministério Pastoral


50 | História e Teologia do Ministério Pastoral

sua palavra, Ele cura o ser humano de seu sentimento de culpa, de


sua angústia infernal e de sua consciência de fracasso. É neste sentido
que o consolo do Espírito Santo, além das questões de sofrimento
durante a vida, diz respeito à realização de sua obra de transformação
iniciada no momento em que o humano experimenta a salvação.
Ele veio para retirar os constantes infernos que acompanham a
experiência humana, infernos que estão no interior dos corações
humanos, trazendo angústias profundas e crises existenciais.
A ideia de consolo remete, necessariamente, à compreensão de que a
condição humana é atravessada por sofrimentos, experiências sofridas,
perdas, frustrações e várias outras formas de experimentar a dor, o
desamparo, a incerteza, a dor e a proximidade da morte. Diante dessa
condição, o consolo se torna a possibilidade que garante a vida e cria
resistência para enfrentar as condições infernais que são apresentadas a
nós. Diante desse quadro, Jesus prometeu aos seus discípulos: “convém-vos
que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se,
porém, eu for, eu enviarei o Consolador” (Jo 16.7).
O consolo do Espírito estaria disponível aos discípulos em
meio às rejeições que sofreriam, aos maus tratos que receberiam,
às frustrações que teriam, aos desamparos que experimentariam,
às lutas e às dores pelas quais teriam que passar. Em meio a tudo
isso, eles podiam confiar em uma certeza: o Consolador estaria
com eles. Assim, consolar é uma das ações mais sublimes do
Espírito Santo. Ele consola porque ama, porque não é de sua
natureza produzir dor, sofrimento e morte. Enquanto ele aguarda
o tempo de redimir a humanidade de modo completo, ocupa-se
em consolar seus filhos, sua igreja e a humanidade de modo geral.
O ministério pastoral desenvolvido sob o paradigma do Espírito
Santo é, também, uma manifestação do consolo do Espírito Santo
aos corações humanos. O ministério pastoral, nessa perspectiva, é a
mediação do cuidado e consolo do Espírito aos homens e mulheres
doentes, às crianças que experimentam a dor do desamparo, aos
adolescentes e jovens que lidam com as angústias do desenvolvimento
e temor do futuro. Pastorear é produzir encontros de consolo, espaços
de descanso e reflexões que produzam quietude em meio às muitas
turbulências que invadem as mentes humanas.
Consolar pessoas, quer seja no sentido de exposição da Santa Palavra
a qual produz cura da condenação e da culpa, ou por ações de consolo
em meio à dor da perda, das frustrações, do desânimo e das incertezas.
Consolar é emprestar o corpo para abraçar e chorar; consolar é escutar
atentamente, escutar com delicadeza ao ponto de que o outro perceba
a existência de alguém que presta atenção aos detalhes mais sórdidos
de sua vida; consolar é silenciar a voz do julgamento e fazer ressoar a
voz do perdão e da misericórdia; consolar é fazer-se presente durante
as muitas ausências das pessoas na vida de outras.
Pastorear sob o paradigma pneumatológico é comprometer-se
em realizar ministérios que consolem e sirvam de manifestação
da ação consoladora do Espírito Santo em meio à jornada da vida
humana.

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 51

2.3. O princípio do fortalecimento


Outra característica do Espírito Santo é a de fortalecer o Corpo
de Cristo. É mediante a presença do Espírito que a Igreja toma
consciência de sua força em Jesus e realiza sua trajetória na
história. É o poder do Espírito que mobiliza a Igreja em meio aos
desafios que esta enfrenta no sentido político, econômico, social
e cultural.
A promessa de Jesus é que seu Espírito os revestiria com poder,
dando-lhe autoridade para seguir anunciando as boas novas do
seu reino. O poder tinha manifestações concretas. É um poder que
vem acompanhado de boas novas para os ouvintes e que também
respalda a ação do pregador.
Na dimensão de trazer boas novas, são apontadas as práticas
curativas, a possibilidade de alimentação, comida, para os
famintos, roupa para os nus, e também se explicita uma prática
taumatúrgica em benefício dos doentes. McLean (2011) diz que o
Espírito Santo não havia sido deixado por Cristo para uma simples
identificação de quem era ou não cristão, era muito mais que isso.
O poder do Espírito havia sido concedido para fortalecer a Igreja
na ação do serviço em favor daqueles que estão famintos da
palavra da vida, a fim de curar os enfermos, expulsar demônios,
falar línguas estranhas para a edificação espiritual e manifestar o
Reino de Deus por meio de sinais externos e visíveis.
Também, o Espírito Santo tem a função de fortalecer
individualmente cada um dos membros do Corpo de Cristo,
produzindo dinamismo para a vida espiritual, gerando ousadia,
segurança, alegria, paz e quietude de espírito, condições que
fortalecem o espírito humano para lidar com os desafios que se
lhe apresentam.
Ao receberem o revestimento do Espírito Santo, segundo a
narrativa do livro de Atos dos Apóstolos, os discípulos saíram
do cenáculo, lugar onde se reuniam para orar nos momentos em
que o medo, a insegurança, a incerteza e o senso de fragilidade
tomavam conta de suas vidas. A descida do Espírito gerou uma
nova forma de se posicionar diante do mundo, uma postura
segura e fortalecida, produzindo ousadia para falar acerca de
suas convicções de fé diante dos irmãos israelitas e toda a corte
religiosa daquele tempo (HORTON, 2011).
O ministério pastoral organizado sob o paradigma
pneumatológico se ocupa em desenvolver ações e reflexões que
viabilizem o fortalecimento emocional, psicológico e espiritual das
pessoas. Tal perspectiva ministerial produz um agenda pastoral
caracterizada pela edificação espiritual, pela orientação coerente
dos caminhos da fé e pela promoção de ações que possibilitam
o crescimento/fortalecimento espiritual das pessoas que fazem
parte do corpo de Cristo.
Além do fortalecimento espiritual, o ministério pastoral
é desafiado a constituir ações/práticas que permitem o
fortalecimento emocional e psicológico das pessoas em meio
TÓPICO 02 - O Paradigma Pneumatológico Do Ministério Pastoral
52 | História e Teologia do Ministério Pastoral

as suas inseguranças pessoais, medos e ansiedades. Por essa


razão, o ministério pastoral deve ser desenvolvido em parceria
com outras práticas que promovem o cuidado das pessoas e o
fortalecimento psicológico, bem como os serviços da Psicologia,
Terapia Ocupacional e outras formas poimênicas (NOÉ, 2005).
O paradigma pneumatológico produz relações pastorais
marcadas pela lógica do fortalecimento, edificação e organização
da vida pessoal, familiar e social das pessoas. A exemplo da
parábola do filho pródigo (Lucas 15.11-32), o ministério pastoral
deve estar comprometido com o olhar que produz acolhimento,
ressignificação das memórias e abertura para novos recomeços
diante do sentimento excessivo de culpa, autocondenação e
fragilização da própria imagem que a pessoa tem de si.
O ministério pastoral sob o paradigma pneumatológico deve
estar comprometido, também, em produzir formas de cuidado
que reforcem a potencialidade das pessoas, suas qualidades e
suas ações positivas diante da vida com o intuito de que elas não
se fixem excessivamente nas suas faltas e deixem-se constituir
apenas pelo senso de incompletude e insignificância (JAMES, 2013).
O fortalecimento torna-se necessário, principalmente, diante de
duas principais ocasiões: em situação de desânimo e em situação
de perda ou degeneração irreparável. O luto e o rompimento de
relações são exemplos dessas duas realidades. Nesses dois casos,
podemos afirmar que fortalecer significa produzir ações/reflexões
a possibilitar às pessoas buscarem em si mesmas a energia
necessária para enfrentar seus dramas, ressignificar situações e
vislumbrar novas formas de organizar a vida (STHLER-ROSA, 2013).
Consolar não é apresentar uma cartilha do que o outro deve
fazer, antes, demanda certa calma e paciência, na medida em
que a pessoa, imersa em crise aguda, tem o entendimento de sua
situação, comprometida pelos sentimentos que a atravessam no
momento. Nesse sentido, qualquer antecipação tentando forçar
a pessoa a ir além do que a atual condição permite, pode criar
barreiras para progressos futuros. Destarte, o fortalecimento deve
ser compreendido, também, como um processo a demandar da
figura pastoral paciência, sensibilidade e dedicação (STHLER-
ROSA, 2013).
Pode-se concluir, genericamente, que o ministério pastoral,
sob a perspectiva pneumatológica, está comprometido com o
fortalecimento espiritual e psicológico das pessoas, as quais
podem realizar suas jornadas de vida conforme a vontade de Deus
para o ser humano.

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 53

LEITURA COMPLEMENTAR

Pneumatologia de Michael Welker:


Contribuições para a pastoral da Assembleia de Deus
Adriano Lima

Resumo

O presente artigo apresenta a Pneumatologia realista de Michael


Welker como contribuição para a pastoral da Assembleia de Deus
no Brasil. O artigo parte da análise da obra “Teologia do Espírito
Santo”, de autoria do teólogo alemão supramencionado. Este
texto também apresenta o contexto do nascimento da Assembleia
de Deus no Brasil e indica traços característicos da pastoral
da Assembleia de Deus. O autor, um presbítero assembleiano,
destaca elementos da Pneumatologia do professor de Heidelberg
que podem ampliar e aprofundar a perspectiva da pastoral da
Assembleia de Deus no Brasil.

Disponível em: <https://faculdadecristadecuritiba.com.br/storage/2018/11/


Numero-5-Abril-2015-02.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2018.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• O Espírito Santo é compreendido como condição necessária


para a purificação do coração humano a fim de que este
experimente a vida em comunhão com Deus, produzindo
purificação e uma condição santa diante do Divino. Por
outro lado, Ele é o poder que enche de coragem o ser
humano, habilitando-o a viver a vida e encarar os desafios
nela apresentados;

• Pensar em um paradigma pneumatológico para o ministério


pastoral significa, antes de tudo, afirmar que a ação da Igreja
Cristã só é possível mediante a ação do próprio Espírito
Santo. A ação do Espírito torna-se, desse modo, norte para
a ação pastoral da Igreja e, ao mesmo tempo, só é possível
pensar qualquer ação pastoral potente mediante a força, o
poder e a graça do Espírito de Deus. Deste modo, o paradigma
pneumatológico implica em três princípios: o princípio da
mediação afetiva; o princípio do consolo/cura; o princípio
do fortalecimento.

TÓPICO 02 - O Paradigma Pneumatológico Do Ministério Pastoral


54 | História e Teologia do Ministério Pastoral

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 55

Tópico 03
Unidade II
O Sacerdócio Universal e a
Teologia pastoral da Reforma
Introdução

Caríssimo(a) acadêmico(a), o movimento da Reforma


desempenhou um papel importantíssimo no desenvolvimento
da teologia e da igreja cristã. Desse modo, faz-se necessário
refletirmos, mesmo que resumidamente, sobre os impactos da
Reforma em relação à prática pastoral. Por isso, reservamos este
tópico para isso!
56 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. O SACERCÓDIO UNIVERSAL DE TODOS OS CRENTES


Dentre os princípios fundamentais defendidos pelos reformadores
do século XVI, está o sacerdócio universal de todos os crentes.
Talvez, de todos os princípios defendidos, nenhum tenha tido
consequências tão amplas para a vida e missão da comunidade de
fé, como também para a sociedade da época – considera-se esse
princípio como influenciador do conceito moderno de humanidade
–, como este. Os reformadores insistiram no princípio do sacerdócio
universal de todos os crentes em oposição ao clericalismo o qual
fundamentava a eclesiologia até então. Afirmavam que todo crente
é ministro de Deus, cada pessoa é um sacerdote (uma sacerdotisa).
Para Antônio José do Nascimento Filho, “O significado mais pleno da
expressão é que todos os cristãos são sacerdotes uns dos outros,
pois o sacerdócio refere-se ao ministério mútuo de todos os crentes”
(FILHO, 1999, s.p.).
A realidade subjacente ao conceito de ministério de todos os
crentes era a de que toda a igreja, indistintamente, é ministerial;
é ministério. Todos os crentes, participantes da comunidade dos
perdoados e perdoadores; todos os crentes, ordenados ou não, “[...]
derivam o seu sacerdócio daquele único, santo e eterno sacerdócio
de Cristo” (FILHO, 1999, s.p.). O tripé teológico da Igreja antes da
reforma era: a Bíblia, a Tradição e o Magistério Sacerdotal. Contudo,
poderíamos dizer que esse tripé era manco, pois a Tradição e o
Magistério Sacerdotal detinham o poder sobre a correta interpretação
bíblica. Além do mais, era o clero quem falava em nome de Deus
e mediava a relação dos fiéis com Deus. Os bens da salvação eram
transmitidos, exclusivamente, pelos sacerdotes ordenados.
Nesse sentido, somente quem recebia o sacramento da
ordenação era agraciado com o Espírito Santo e com o poder
das chaves de Cristo, ficando autorizado para perdoar pecados e
amaldiçoar os hereges. Em consequência, o povo ficava submisso
ao clero. Lutero, em seu livro “Apelo à Consciência Cristã da Nação
Germânica”, de 1520, atacou duramente os muros erigidos pelo
magistério da igreja, os quais impediam uma reforma eclesiástica.
O primeiro ataque de Lutero dirigiu-se justamente à distinção entre
o estado espiritual e o estado temporal. Uma das consequências
dessa distinção era a concessão de benefícios ao clero instituído.
Em conformidade com Lutero:
É pura invenção que o papa, bispos, sacerdotes e
monges sejam chamados estado espiritual, enquanto
príncipes, senhores, artesãos e fazendeiros sejam
chamados estado temporal. Esta é, realmente, uma
peça de falsidade e hipocrisia. Entretanto, ninguém
precisa ficar intimidado por isso, e por esta razão:
Todos os cristãos são verdadeiramente do estado
espiritual e não há nenhuma diferença entre eles,
exceto a de ofício... Isto é assim porque todos temos
um batismo, um evangelho, uma fé, e todos somos
igualmente cristãos; pois o batismo, evangelho e
fé, por si mesmos fazem-nos espirituais e um povo
cristão... somos todos consagrados sacerdotes por
meio do batismo, como Pedro diz: ‘Vós...sois raça
eleita, sacerdócio real, nação santa’ (1 Pedro 2.9)
(LUTERO, 1955, p. 127 apud FILHO, 1999, s.p.).

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 57

Parafraseando Antônio (1999), esse foi apenas um dos aspectos


defendidos por Lutero sobre o sacerdócio universal de todos os
crentes. A doutrina do sacerdócio universal em Lutero estava
intimamente relacionada com outros dois princípios: 1) somente
a Bíblia possui autoridade infalível; e 2) o cristão tem o direito
de provar todas as coisas através da Escritura. Antônio corrobora,
“Esse princípio envolvia não somente a relação imediata do crente
com Deus, mas também a questão da igreja institucional” (FILHO,
1999, s.p.). O que Lutero estava querendo dizer é que os papas, os
bispos, os padres e os concílios podem errar, e que todo cristão,
que possui as palavras claras da Escritura, tem o poder para julgar
quanto à verdade afirmada pelos papas e concílios (FILHO, 1999).

2. FUNDAMENTOS BÍBLICO-TEOLÓGICOS DO SACERDÓCIO


UNIVERSAL
Um primeiro fundamento bíblico-teológico que podemos
citar é a igreja como povo (laos) de Deus. Já na Bíblia Hebraica
(Antigo Testamento), encontramos referências a uma teologia do
povo de Deus. Em narrativas como Êxodo 19.4-7, Deuteronômio 4
e Deuteronômio 7.6-12, menciona-se o povo de Israel como sendo
o povo escolhido por Deus. O termo hebraico utilizado para povo
é ‘am, e em muitos casos é traduzido pela Septuaginta (tradução
grega da Bíblia Hebraica) pela palavra grega laos. O uso desse
termo destacava a relação especial tida com Deus por Israel
(FILHO, 1999).
Antônio (1999) ainda destaca outro termo relevante: a palavra
grega laikós, que significa pertencente ao povo ou derivado do
povo. O uso dessa palavra no Novo Testamento, caracteriza a
comunidade cristã como povo escolhido por Deus em um sentido
oriundo do termo laos.
Nas narrativas neotestamentárias, o uso desses termos
descreve a comunidade de fé em sua totalidade como povo de
Deus e não uma elite específica. Brakemeier (1977) destaca que a
ideia do sacerdócio universal de todos os crentes não daria espaço
na comunidade de fé para monopolização dos ministérios. Todos,
indistintamente, são membros do Corpo de Cristo (1Co 12.12ss).
“[...] todos são chamados, todos foram batizados, receberam o
Espírito Santo e têm a missão de serem sal e luz do mundo (Mt
5.13s)” (BRAKEMEIER, 1977, p. 65).
Outro fundamento bíblico-teológico é o serviço. A palavra
ministério tem o termo “serviço” como seu correspondente no Novo
Testamento. Esse termo é mais adequado para descrever os obreiros
e seus ofícios dentro da comunidade de fé. De acordo com Antônio
(1999), quando o ministério é descrito por Paulo em termos de serviço,
ele passa a receber um sentido especial. É o que podemos encontrar
em Efésios 4.16: “Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo
auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte,
faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor”. Dessa forma,
os(as) ministros(as), pastores(as) etc., não ocupam um lugar acima,
porém’ ao lado dos outros membros do corpo de Cristo.

TÓPICO 03 - O Sacerdócio Universal e a Teologia pastoral da Reforma


58 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Um último fundamento bíblico-teológico que podemos citar é


a comunicação leiga da fé cristã. Lutero fundamentou o conceito
teológico do sacerdócio de todos os crentes no princípio de que
todos os crentes devem anunciar a mensagem do evangelho. Em
conformidade com Antônio (1999), no contexto dos reformadores
era comum o uso da palavra descrente como referência àquelas
pessoas que não viviam ou confessavam a fé no evangelho. Logo,
a proclamação da mensagem do evangelho era reponsabilidade
dos membros da comunidade de fé, não de um grupo específico.
Calvino também insistiu na comunicação leiga da fé cristã,
advertindo que os membros da comunidade de fé demonstrassem
interesse pelo próximo descrente (FILHO, 1999).

3. A TEOLOGIA PASTORAL DA REFORMA


A Reforma causou uma mudança radical nas estruturas sociais,
políticas e religiosas do século XVI. E não seria exagero dizer que
tal mudança ajudou a delinear os contornos culturais, sociais,
políticos e religiosos dos séculos subsequentes, no período
comumente denominado de modernidade. No que diz respeito ao
ministério pastoral, mudanças significativas também puderam ser
sentidas. Entre elas, podemos destacar:

1) a igreja foi profundamente impactada na formação


de lideranças através de Lutero, Melâncton, Calvino e
Zuínglio;
2) poderíamos dizer que o meio universitário proporcionou
a Reforma, bem como seus principais líderes;
3)
Melâncton produziu muitas obras e implementou
programas promotores da educação tanto secular quanto
teológica.

A partir dos seus esforços, várias universidades começaram


a reformar seus currículos e a se preocupar com a formação de
líderes para a igreja. Nesse contexto, foram criadas e reformadas
várias universidades e centros educacionais, como por exemplo:
a Universidade de Wittenberg e Academia de Genebra. Na prática
pastoral, dentro das comunidades de fé, o ministério pastoral
passou a ter as seguintes características:

1) A compreensão da salvação passou da salvação


sacramental para a salvação pela graça em Cristo. Passou
da tradição e das obras para a fé e a graça;
2) A ênfase agora não estava mais no clero, mas sim, na comunidade de
fé;
ÊNFASE
[PARA REFLETIR] 3) Exclui-se a mediação clerical e enfatiza-se a relação
“A ênfase agora não estava mais no direta entre comunidade de fé e Deus;
clero, mas sim, na comunidade de fé”.

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 59

4) Passou do auxílio clerical para o auxílio mútuo entre os


membros da comunidade. Nota *Ênfase.

4. O SACERDÓCIO UNIVERSAL E SUA EFETIVAÇÃO NA VIDA DA


IGREJA

Cabe, de nossa parte, uma reflexão crítica sobre o conceito


teológico do sacerdócio universal. Parece ser verdadeira a
acusação de que essa doutrina nunca saiu do papel. Por mais
inovadora que a doutrina do sacerdócio universal possa parecer,
a igreja sempre manteve ao longo de sua história ênfase no clero
em detrimento da comunidade de fé. Barros (2006) salienta não
ser à toa que a definição dos reformadores de pastoral é restrita à
pessoa do pastor e não se relaciona com a missão da igreja. Ainda
segundo o autor, um dos grandes problemas da Reforma foi a sua
eclesiologia.
Destarte, “Se a eclesiologia é fraca e distorcida,
consequentemente também o será a pastoral” (BARROS, 2006, p.
36). Por conta disso, é comum, no imaginário teológico das igrejas
surgidas a partir da Reforma do século XVI, que ao falar de pastoral
esteja se referindo, exclusivamente, à atividade do pastor.
Em suma, aquilo que outrora era a pedra angular da reforma
propagada pelos reformadores, acaba se tornando pedra de
tropeço. Não obstante, o ministério pastoral não pode ser
entendido exclusivamente como atividade do(a) pastor(a), porém
deve ser compreendido, essencialmente, como “[...] uma questão
eclesiológica, com consequências missiológicas e praxiológicas”
(BARROS, 2006, p.37).
Obviamente, há sim espaço para ministérios específicos dentro
da comunidade de fé. Todavia, os ministérios não são constitutivos
da comunidade, mas criados em função de necessidades práticas.
Em outros termos, a comunidade de fé não existe por causa do
ministério. O movimento é inverso. É o ministério que existe
por causa da comunidade de fé. A necessidade da criação de
ministérios repousa na afirmação paulina da necessidade de
ordem (1Co 14.33). Consoante Brakemeier, “Deve haver distribuição
de serviços para que a comunidade não desande e se transforme
numa massa de indivíduos rivalizantes” (BRAKEMEIER, 1977, p. 66).
Assim sendo, se realmente a ideia teológica do sacerdócio
universal é crucial para nossa prática comunitária – e parece que
é – deveríamos entender que a comunidade de fé é o espaço onde
todos podem se realizar enquanto sujeitos chamados por Deus
para realizar a ação do Reino no mundo. Comunidade de fé é o
Corpo (segundo a metáfora paulina em 1Co 12.12ss), onde todos
são membros indistintos. Onde todos os membros possuem um
ofício a desempenhar para o bom funcionamento do Corpo.

TÓPICO 03 - O Sacerdócio Universal e a Teologia pastoral da Reforma


60 | História e Teologia do Ministério Pastoral

LEITURA COMPLEMENTAR

O pastor e o discipulado: um apelo aos pastores para


resgatarem a mentoria espiritual

Gildásio J. B. dos Reis

Resumo

O presente artigo aborda o tema do discipulado sob a perspectiva


bíblica e reformada. Seu pressuposto básico é que a dinâmica do
discipulado, tão negligenciada em nossos dias, não deve ser vista
como uma opção na prática do ministério pastoral, mas como uma
exigência para um ministério fiel e bem-sucedido. Mas o que é
ser discípulo? O que é discipulado? E qual é a responsabilidade
do pastor nesse aspecto da vida cristã? O artigo, de maneira
bem objetiva, procura responder essas questões. Inicialmente
oferece uma definição do termo discípulo à luz de algumas
passagens bíblicas. A seguir, esclarece o conceito da prática do
discipulado, mostrando também algumas doutrinas bíblicas que
estão intimamente relacionadas ao tema. Assim, o artigo visa dar
uma pequena contribuição para orientar os pastores a resgatar
uma prática que muito os ajudará no ministério pastoral e na
edificação do rebanho.

Disponível em: <https://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_34/


artigos/243.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2018.

UNIDADE II - Modelos teológicos para o ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 61

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• Um dos princípios fundamentais defendidos pelos


reformadores do século XVI está no sacerdócio universal
de todos os crentes;
• O conceito teológico do sacerdócio universal está baseado
em alguns fundamentos bíblico-teológicos, entre eles: a
igreja como povo de Deus; o ministério como serviço; e, a
comunicação leiga da fé;
• A Reforma impactou profundamente a prática pastoral
dentro das comunidades de fé. Entre as consequências
desse impacto, podemos citar: a ênfase agora não estava
mais no clero, mas sim, na comunidade de fé.

TÓPICO 03 - O Sacerdócio Universal e a Teologia pastoral da Reforma


62 | História e Teologia do Ministério Pastoral
Unidade III

PRÁTICAS PASTORAIS
E SUA RELAÇÃO COM
O CUIDADO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade você será capaz de:

• Compreender as relações entre o ministério pastoral e as


práticas de cuidado.

• Conhecer as possibilidades de uma ação pastoral


mediada pela perspectiva do cuidado na interface com outras
abordagens.

• Desenvolver competências para uma reflexão pastoral


sobre a prática do discipulado e ensino.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos e, no final de cada um
deles, você terá um resumo do tópico e um conjunto de questões
que servirão de suporte para o seu aprendizado e memorização
dos conteúdos da unidade.

Tópico 1
Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e
Assessoramento.

Tópico 2
Cuidado e Escuta Sensível no Ministério Pastoral.

Tópico 3
Discipulado e Ensino no Ministério Pastoral.
64 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 65

Tópico 01
Unidade III
Aconselhamento Pastoral,
Acompanhamento e
Assessoramento

Introdução

Neste tópico, estudaremos o Aconselhamento Pastoral, o


Acompanhamento e o Assessoramento. A realização e permanência
destas práticas têm sido desafiadas diante dos reveses atuais
da sociedade e da própria Igreja. Neste quadro de alterações
e ressignificações, vamos pensar/problematizar a prática do
aconselhamento e do Assessoramento apontando as contribuições
e possibilidades dessas práticas no ministério pastoral.
66 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. ACONSELHAMENTO PASTORAL
A cultura do aconselhamento é uma prática muito mais difundida
em nossa sociedade do que imaginamos. O aconselhamento é um
saber e, ao mesmo tempo, uma prática que ultrapassa as fronteiras
do campo religioso. Do ponto de vista histórico, encontramos desde
as civilizações mais antigas às novas configurações sociais de nosso
tempo, diferentes práticas de aconselhamento objetivando dar conta
das dificuldades enfrentadas pelas pessoas em suas vidas cotidianas.
Quer seja pela perspectiva religiosa ou secular, a função de orientar as
problemáticas próprias de suas épocas é uma prática comum nos círculos
familiares, nos grupos sociais e nas elites governantes, como o caso das
cortes reais constituídas por vários conselheiros e sábios que orientam
o oficio real. Cabia a estes opinar nas decisões políticas, econômicas ou
religiosas a serem tomadas pela casa real (CLINEBELL, 1987).
Além dos sábios e as pessoas que desempenhavam o papel
de conselheiros oficiais, as comunidades antigas desenvolveram
aquilo que hoje chamamos de sabedoria popular, ditos e
provérbios com a função de apresentar orientações práticas
para questões cotidianas da vida. Uma sabedoria resultante
dos encontros diários e dos acontecimentos humanos que
perpassavam a história. Dessa maneira, além de ser uma prática
oficial e desenvolvida, por exemplo, na corte real, ela sempre foi
uma prática comum da vida social (BESSA, 2013).
Na tradição judaica, por exemplo, encontramos a figura dos
anciãos, pais e pessoas com considerável experiência de vida
sendo considerados responsáveis em aconselhar e direcionar a
vida dos mais jovens. Estas características perpassam os sumérios,
egípcios, assírios, babilônios, medo-persas, gregos, romanos,
civilizações ocidentais e orientais.
Ao longo da história do cristianismo, o aconselhamento
tornou-se uma prática eclesiástico-pastoral, associado à ideia
de ensino, exortação, direção e orientação pessoal no estilo
catequético e, posteriormente, médico-clínico, isto é, realizado
em gabinetes privados na lógica do sigilo e da orientação pessoal.
Nas comunidades cristãs, em geral, o aconselhamento passou a
ser uma tarefa pastoral-sacerdotal específica daqueles que eram
convocados ao santo ministério (GONZALEZ, 2005).
A apropriação e aprimoramento da prática do aconselhamento
dentro da tradição cristã possibilitou o surgimento daquilo que
podemos chamar de Aconselhamento Pastoral ou Cristão. No entanto, o
aconselhamento não se resume à experiência cristã, pois outros espaços
POIMINÊNCIA tanto religiosos como não religiosos desenvolvem práticas que visam o
[SAIBA MAIS]
Poimênica é um termo grego que traz
aconselhamento, orientação e suporte para pessoas.
a ideia de cuidado, serviço ao outro, Na tradição cristã, o aconselhamento se tornou a manifestação
dedicação ao outro ou até em outras
palavras pastoral humana.
da poimênica eclesiástica. A poimênica é compreendida como o
CLINEBELL, Howard J. Aconselhamento ministério amplo e inclusivo de cura e crescimento mútuo dentro
pastoral: modelo centrado em de uma comunidade durante todo o ciclo de vida (CLINEBELL, 1987).
libertação e crescimento. São Por esse viés, o aconselhamento é uma dimensão da poimênica
Leopoldo: Sinodal, 1987, p. 25. cristã ao constituir-se como suporte durante as situações de

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 67

crises, problemas, dúvidas e angústias bem como na falta de uma


direção espiritual. Assim, ao longo da história do cristianismo,
a prática do aconselhamento tornou-se atividade essencial do
ministério pastoral.
Na modernidade, com a erupção das duas guerras mundiais, as
grandes decepções geradas pelo fracasso do otimismo científico,
catástrofes naturais e outras problemáticas que abalaram a
história humana, configurou-se um cenário de desencanto com o
projeto da modernidade, pois as dores da primeira e da segunda
guerra mundial tornaram agudas as consequências sociais,
econômicas, políticas e existenciais.
Neste contexto, surgiu nos E.U.A. a necessidade de retomar a
prática de aconselhamento para ex-soldados, familiares e sujeitos
que experienciaram as intemperes das duas guerras. Delineava-se
um novo momento histórico: o cuidado ao humano se tornava a
pauta das discussões políticas no mundo todo. É por esta via que
se fortalece o diálogo entre as diferentes formas de desenvolver a
prática do aconselhamento. De um lado a perspectiva da Psicologia
e de outro lado a perspectiva da Pastoral Cristã.
O aconselhamento neste sentido deixou de ser exclusividade
da religião cristã, contudo passou a ser assumido como prática
nos espaços públicos enquanto atividade social pautada em
fundamentos metodológicos diferentes, porém, com a mesma
finalidade: prestar suporte à vida humana.

2. (A)CONSELHAMENTO PASTORAL: ESPAÇO DA NEGAÇÃO DO


CONSELHO PRONTO
Uma das ideias necessárias para a compreensão clara do
conceito de aconselhamento é a definição etimológica da própria
palavra. Em primeira instância, o artigo a, em grego, implica ACONSELHAMENTO PASTORAL
negação e, quando ligado à palavra, ela pode ganhar o seu sentido [PARA REFLETIR]
O desafio dessa discussão é pensar
negativo. Por isso, a é a negação de conselho, o que significa o aconselhamento como uma prática
que paradoxalmente aconselhamento é em primeiro lugar uma que não é exclusiva ao cristianismo,
negação ao conselho (BESSA, 2013). pelo contrário, ela é uma prática da
vida, pois os seres humanos vivem
A proposta, todavia, é retirar do aconselhamento pastoral um em uma teia de relações, onde os
modelo clínico e biológico, receituário e patalogizador. “Negar suportes, através de conselhos,
o conselho” é o desafio do conselheiro em não dar conselho de mantêm nossa estrutura emocional,
forma pronta, em estilo de receita médica. Negar o conselho é psicológica, espiritual e biológica.
assumir a condição ética do convívio e da escuta acolhedora para Neste sentido, o aconselhamento
traçar uma peregrinação de acolhimento, propiciando espaço e cristão faz-se necessário que se
lugar para o aconselhamento. Uma peregrinação que não é pronta destitua da visão atual de receita
e acabada, mas que se constrói na medida em que se revela o pronta e do conselheiro enquanto
sabedor do melhor para os outros.
caminho.
Deste modo, o aconselhamento em primeiro lugar é o espaço da A fé cristã é uma caminhada
progressiva onde o Espírito se revela
negação de todo modelo pronto e acabado baseado na proposta
à medida que prosseguimos, assim é
de que o conselheiro sabe o que dizer da vida de outro. Propõe-se o paradigma do aconselhamento, não
um caminho diferente para a prática do aconselhamento cristão: existe fórmula ou padrão, ele é sempre
“o caminho da escuta acolhedora, da peregrinação nas incertezas um acontecimento peculiar com sua
e na negação de fórmulas prontas para os sujeitos que nunca são própria experiência.

TÓPICO 01 - Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e Assessoramento


68 | História e Teologia do Ministério Pastoral

prontos, mas que estão sempre se refazendo na experiência da


vida” (BRAGA et al, 2012, p. 95).
Entretanto, não se pretende afirmar que não deva existir o
aconselhamento pastoral, muito pelo contrário, o que se expõe
aqui é a reflexão de que o aconselhamento é uma prática não
exclusiva do ministério pastoral, embora seja uma das suas
características essenciais, mas uma prática da vida humana.
Por outro lado, pretende-se pensar em novas possibilidades
de entender que o aconselhamento não se expressa mediante
conteúdos prontos, receitas de vida ou fórmulas de autoajuda,
pelo contrário, a prática do aconselhamento pastoral se dá na
experiência do acontecimento, do percurso e da peregrinação,
portanto ela é sempre uma novidade[OAC1] e nunca uma receita
acabada, pronta e repetível.
Há várias possibilidades de se exercer o aconselhamento tendo
a Bíblia como referência: aconselhamento bíblico, aconselhamento
cristão, aconselhamento pastoral, aconselhamento terapêutico,
aconselhamento redentivo, cada um deles com teologias
diferenciadas, peculiaridades e maneiras diversas de ser exercido.
Clinebell (1998, p. 25) define o aconselhamento pastoral como:

Uma dimensão da poimênica é a utilização de uma


variedade de métodos de cura (terapêuticos) para
ajudar as pessoas a lidar com seus problemas e crises
de uma forma mais conducente ao crescimento e,
assim, a experimentar a cura de seu quebrantamento.
O aconselhamento pastoral é uma função reparadora,
necessária, quando o crescimento das pessoas é
seriamente comprometido ou bloqueado por crises.
O aconselhamento pastoral, portanto, é uma das
expressões do cuidado pastoral ou poimênica. São marcas
desse aconselhamento o relacionamento entre pessoas
durante as crises e os efeitos que este pode proporcionar.
Podemos compreender, a partir do diálogo com Clinebell
(1998), que o aconselhamento pastoral se manifesta nos
papéis curativo, apoiador, orientador e reconciliador
exercidos pelo conselheiro, e visa à integralidade, ou seja,
deve levar as pessoas a descobrirem seus potenciais e atentar
para os seis aspectos da vida humana: despertamento da
mente, revigoramento do corpo, renovação e enriquecimento
dos relacionamentos íntimos, interação com o ambiente
e cuidado com ele, progresso em relação às instituições e
melhoria no trabalho com os outros, aprimoramento de um
relacionamento pessoal com Deus.
Na perspectiva de Schipani (2003), a proposta da prática de
aconselhamento pastoral é tornar-se uma espécie de companheiro
e conselheiro de viagem, contribuindo para que aqueles que se
dispõem a seguir viagem com o conselheiro, possam experimentar
o testemunho do evangelho, a proteção, o acompanhamento, a
crítica, o envolvimento e a presença, além de momentos de análise
cuidadosa dos fatos e intervenção.

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 69

O aconselhamento pastoral se diferencia do aconselhamento


psicológico, por exemplo, pelo fato de que na experiência
do ministério a figura do pastor assume uma postura ativa e
implicada com a caminhada espiritual de quem segue com ele, em
um percurso de aconselhamento. No aconselhamento pastoral,
“conselheiro e aconselhando caminham juntos, tornam-se
parceiros na obra de cuidado, apoio, libertação e cura do Espírito
enquanto caminham junto a outros, mesmo que esta caminhada
seja breve” (SCHIPANI, 2003, p. 102).
Diante da compreensão de aconselhamento pastoral, faz-
se necessário problematizar as relações entre essa prática e
os desafios constituintes da vida contemporânea, tais como: a
individualização da vida, a experiência cada vez mais solitária e
pouco comunitária, a vida voltada ao trabalho e a busca de uma
felicidade a todo o custo.
Em meio a estes desafios, cabe a pergunta: como promover
cura, restauração, consciência, respeito, dignidade e como
ser relevante no contexto pós-moderno? Essas são algumas
questões a que o aconselhamento pastoral busca responder.
Em igrejas envolvidas pela cultura da subjetividade, do
consumo, do relativismo, da permissividade, da velocidade, da
instabilidade, como essa prática de cuidado pastoral pode se
tornar relevante?
Aconselhar, diante do cenário contemporâneo, implica
considerar, em primeiro lugar, a Igreja como um espaço
de relações terapêuticas, isto é, a igreja é constituída e
constituidora de modos de cuidado de uns para com os
outros. Ela promove cura, saúde ou bem-estar e está,
primordialmente, a serviço de outros. Com isso, a Igreja retoma
sua condição poimênica e faz do cuidado e aconselhamento
uma condição de sua existência.
A igreja que é comunidade terapêutica valoriza a
Bíblia e as disciplinas espirituais como a leitura da
Palavra, a oração e a comunhão. Nessa igreja, as
pessoas são percebidas em sua integralidade. Tanto
seu corpo, como suas emoções, sua espiritualidade,
seus relacionamentos são considerados e recebem
atenção. Enquanto expressão de cuidado, a igreja
contribui para promover a saúde e o bem-estar
biopsicossocial e espiritual de seus membros. Há
espaço para acolhimento e escuta do outro, além de
valorizar o ensino e a comunhão. Noé destaca que
essa proposta “procura reverter o quadro doentio
da fragmentação social e de isolamento provocado
pelo processo de individualização e pluralização da
sociedade atual” (BESSA, 2013, p. 71).
Com essa compreensão esclarecida, torna-se possível pensar
em uma prática de aconselhamento pastoral que se torna extensão
da perspectiva eclesiástica, comprometida com o cuidado e
promoção da vida na máxima potencialidade. É sob este olhar
que o aconselhamento pastoral é desafiado a intervir no cenário
contemporâneo.

TÓPICO 01 - Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e Assessoramento


70 | História e Teologia do Ministério Pastoral

3. O ACONSELHAMENTO PASTORAL EM INTERFACE COM A


PSICOLOGIA PASTORAL
Depois da discussão dos subtópicos anteriores, vale a pena uma
breve discussão que pretende identificar as raízes do Cristianismo
nesta cultura do aconselhamento, principalmente, nas práticas
ditas não religiosas. No entanto, se o aconselhamento desenvolvido
em setores públicos pode ter vestígios da fé cristã; outra tese
se relaciona a esta, ou seja, de que as práticas de aconselhar e
cuidar no contexto evangélico atual têm fortes influências do
pensamento psicológico e dos desdobramentos possibilitados
pela ciência psicológica (especialmente) nos últimos cem anos.
Por conta disto, não se pode falar em Aconselhamento sem dizer
nada da Psicologia Pastoral, ou pelo menos, dizer o que ela não é.
A Psicologia Pastoral não significa a forma como o pastor lida
com as pessoas, ou como organiza suas mensagens, nem mesmo
com o seu carisma (como se estivesse fazendo uso de alguma
psicologia). A maioria destas representações permeia a imaginação
dos “evangélicos” quando se fala de Psicologia Pastoral. Quando
na verdade, trata-se de um campo de saberes e práticas que
articulam as questões do cuidado humano, especialmente, em
situações de agravo social – talvez por isto que na saúde e na
assistência tenhamos tantas experiências em aconselhamento!
Não se pode negar que a Psicologia Pastoral reside na fronteira
do campo científico com o religioso, contudo, é um lugar em que
as perspectivas do cuidado fazem dialogar práticas religiosas (ou
de religiosos) com alguns saberes acadêmicos. Então, para citar
um exemplo do que pode significar uma atividade relacionada à
Psicologia Pastoral vamos pensar nas visitas hospitalares iniciadas
há tempos pelos religiosos. Atualmente, as instituições hospitalares
reconhecem a importância da realização destas visitas a ponto de
criarem seus próprios programas de visitadores treinados para
oferecer atenção e suporte emocional aos usuários e seus familiares.
E este trabalho tem se especializado, contando com equipes
preparadas para visitar crianças e com recursos artísticos bastante
elaborados. Também, com discussões sobre “como” realizar estas
visitas, pois ainda há aqueles que vão aos hospitais para “ampliar”
o sofrimento, encontrando justificativas pseudo-espirituais para a
razão das pessoas estarem vivendo tais dilemas e doenças.
Hoje, o trabalho dos visitadores não depende unicamente da
mobilização das igrejas, porque os próprios hospitais, quando não
são assessorados pelas igrejas, reconhecem a importância desta
prática cuidadora e desenvolvem seus programas, como também,
treinam voluntários.
Esse exemplo nos ajuda a pensar a Psicologia Pastoral como
um campo fronteiriço entre a ciência e a religião, pois, remete
ao trabalho de construir possibilidades de cuidar de pessoas em
momentos de sofrimento e dor. A partir desse encontro, verifica-se
um campo frutífero de diálogo entre as práticas de Aconselhamento
Pastoral e as perspectivas da Psicologia Pastoral.

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 71

4. ACOMPANHAMENTO E ASSESSORAMENTO
A tese desse subtítulo é que o Assessoramento e o Acompanhamento
de pessoas ou grupos são práticas relacionadas ao Aconselhamento
Pastoral. Na verdade, a proposta de estratégias em aconselhamento
pastoral que esboçaremos, coloca o aconselhar entre o assessorar e o
acompanhar. Sendo assim, podemos falar em três princípios estratégicos
de cuidado pastoral, ou seja, os três “As”.
Antes de desdobrarmos um pouco sobre cada um destes conceitos
e princípios de atuação, é preciso dizer que as igrejas e as organizações
que pretendem empreender ações e estratégias de cuidado com suas
comunidades precisam ir além do protótipo convencional que circula no
meio evangélico, ou seja, o aconselhamento pastoral como uma atividade
apenas de gabinete. Para tal, dois aspectos devem ser considerados:
1. Aconselhamento não é restrito à atividade pastoral; isso
implica que cada ser humano pode aconselhar, assessorar
e acompanhar dependendo da situação;
2. O gabinete pastoral é um espaço valioso de diálogo,
orientação e ajuda em tempos de crise pessoal ou familiar.
Entretanto, a perspectiva de cuidado que abordamos não
pode ficar restrita ao escritório pastoral.
Não será demais dizer que o gabinete é um modelo de cuidado
pastoral com inspiração médica e de cunho curativo. O que estamos
propondo como perspectiva de cuidado (três As) não deixará de
contar com a mobilização e com o trabalho dos líderes das igrejas
e comunidades e, nem deixará de oferecer um espaço de escuta e
compreensão para as pessoas que se sentem “doentes da alma”.
Quando pensamos o aconselhamento para além do gabinete e
das respostas certas para os problemas difíceis, estamos pensando
serem imprescindíveis novas estratégias de cuidado – especialmente,
aquelas com perspectivas preventivas e de promoção da saúde
mental, física e espiritual.
É humanamente impossível que os líderes religiosos abracem
[conheçam e intervenham] em todas as situações que circulam no
cotidiano das igrejas e organização que presidem. Os demais membros
de uma comunidade religiosa são assim chamados para assumir os
desafios restantes tanto no espaço religioso como no espaço social.
Contemporaneamente, a necessidade de relações mais significativas
diante do individualismo vivido por todos nós, demanda às comunidades
religiosas o desejo que a maioria de nós nutre por encontros e por
sentidos que não se limitam à esfera do sagrado e do religioso.
Ou seja, estamos afirmando que o aconselhamento pastoral não se
destina unicamente àqueles que apresentam crises e conflitos pessoais.
Neste sentido, preferimos falar em relações de cuidado porque nos permite
pensar que em uma igreja as pessoas, por meio das relações vivenciadas,
combinam lógicas de cuidado e possibilidades de aconselhamento. Isto
implica dizer que as relações de cuidado e aconselhamento são recíprocas,
pois, o sujeito que oferece conselhos alimenta não somente quem precisa,
mas ele também se alimenta da satisfação de ter aconselhado alguém.

TÓPICO 01 - Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e Assessoramento


72 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Vamos assim procurar expandir as possibilidades de


aconselhamento pastoral através das práticas de assessoramento
e acompanhamento.

3.1. Assessoramento
Falar em assessoramento implica fazer uma opção por novos
conceitos no âmbito do aconselhamento pastoral. Assessorar não
é uma atividade passiva de quem espera pelos problemas baterem
à porta clamando por ajuda. Assessorar é pensar estratégias
de intervenção na dimensão macro das relações de cuidado e,
portanto, o conceito emergente é gestão do cuidado, ou seja, o
assessoramento de grupos ou de pessoas possibilita uma prática
de gestão do cuidado.
Podemos dizer que a Gestão do Cuidado se iniciou no campo da
Psicologia Pastoral quando alguém ousou promover cuidado aos
cuidadores. Falar em Gestão do Cuidado significa observar, planejar
e implantar ações que primeiramente promovam uma cultura do
cuidado. Colocar as relações de cuidado em cena e as implicações
que demandam estas relações também faz parte deste pensamento
que gesta o cuidado como condição do viver (HEIDEGGER, 2008).
Então, o assessoramento é o conjunto de estratégias que compõem
o trabalho daqueles que compreendem que o cuidado passa pela
educação para uma cultura do cuidado, contando que ser humano é
demandar cuidados – desde a primeira infância até a velhice.
Sob esse prisma, pensa-se que o assessoramento adquire seu
aspecto macro, isto é, ele possibilita que as práticas de cuidado
sejam planejadas, organizadas, estrategicamente pensadas e
aplicadas, para gerar cultura de cuidado tanto no espaço religioso
como no espaço social. Deste modo, podemos resumir a prática
do assessoramento da seguinte maneira:

1. Criar estratégias de encontros em que os participantes


possam elaborar seus dilemas;
2. Pesquisar os desafios das vidas das pessoas;
3. Elaborar tentativa para dar respostas aos desafios
contemporâneos;
4. Promover possibilidades de as pessoas se envolverem
em relacionamentos significativos;

Assessorar também pode ser uma possibilidade de ajuda


quando as pessoas estão passando pela experiência do
cuidado, tanto de serem cuidadas como de serem cuidadoras.
Principalmente quando o desafio de cuidar bate a nossa porta
e identificamos que não estamos nem prontos e nem sabemos
(ou ainda, nem temos tempo) para compartilhar uma relação de
cuidado. Por conta do inesperado, cuidar é uma emergência na
sociedade contemporânea.

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 73

Profissionalizamos (ou terceirizamos) o cuidado das (nossas)


crianças e de todos aqueles que demandam alguma atenção
que afeta o ritmo de ser em uma sociedade regida pelo capital e
pelo individualismo, contudo, deparamo-nos com a necessidade
do cuidado em momentos não desejáveis, entre eles, na velhice
depois de tanto negligenciar o cuidado. Mais uma vez o cuidado
se profissionaliza, até como uma expressão de que para cuidar
é preciso preparo e de que, independente das organizações
religiosas, o cuidado é gestado também pelo próprio capital.
Vendem-se relações de cuidado!
Não obstante, apesar das demandas comerciais que circulam
este tema, é preciso iniciar uma conversa mais interessante com
uma sociedade (este é o caso do Brasil) que em breve (talvez
cinquenta anos) será composta por uma grande faixa de velhos
em sua população. Esse fator pode mobilizar as pessoas e fazê-las
reconhecer a necessidade de compartilharem um pouco mais de
suas vidas. Propor espaços onde serão discutidos esses problemas
que afetam tanto a sociedade quanto a religião é uma das tarefas
dos conselheiros, usando-se do assessoramento para promover
gestão do cuidado.
De maneira resumida, o conselheiro, durante o assessoramento,
dá ênfase nas relações humanas, trabalha-se com a maioria em
forma de pequenos grupos ou um grande grupo, faz a leitura da
Bíblia de forma a conduzir o grupo a uma direção de pensamento
e faz aplicações concretas a fim de proporcionar a aplicabilidade
de práticas de cuidado.

3.1. Acompanhamento
Acompanhar alguém é estabelecer uma relação de suporte. Se
existe uma possibilidade de pensar o acompanhamento pessoal
dentro do cuidado, essa possibilidade se dá nas relações. Logo, *NOTA 1
fica claro que acompanhamento é sempre uma forma de suporte [SAIBA MAIS]
Fez-se neste tópico o intercâmbio
de relacionamentos. Em outras palavras, poderíamos dizer que o de significados, fazendo com que
acompanhamento é similar ao aconselhamento de apoio. os conceitos de acompanhamento
e aconselhamento de apoio se
No acompanhamento, o conselheiro usa métodos que
atravessassem no aspecto em que
estabilizam, alicerçam, alimentam, motivam ou orientam pessoas, os dois conceitos não se propõem
capacitando-as a manejar seus problemas e relacionamentos a mudanças na personalidade dos
mais construtivamente dentro dos limites que lhes são impostos sujeitos, nem são psicoterapias
pelos recursos de sua personalidade e pelas circunstâncias. pastorais (conceito que será explicado
na próxima aula), eles são propostas
A proposta do acompanhamento não é estabelecer uma de suporte para as relações com
psicoterapia pastoral, nem tão pouco percorrer caminhos pessoas que, de alguma forma,
atravessam situações difíceis. As
de mudança de personalidade das pessoas envolvidas. O principais características dos dois
acompanhamento não emprega métodos de descoberta e não visa conceitos é que se concentram nos
insights profundos ou transformações radicais da personalidade. problemas do dia-a-dia. É neste
Seu objetivo é ajudar as pessoas a obterem forças e perspectivas sentido que foi possível estabelecer
atravessamentos dos dois conceitos na
com o intuito de usarem seus recursos psicológicos e interpessoais
proposta de pensar a participação do
(por mais limitados que sejam) com mais eficácia ao enfrentarem acompanhamento durante as relações
criativamente sua situação de vida. *Nota 1. Caracteriza-se por de cuidado e aconselhamento.

TÓPICO 01 - Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e Assessoramento


74 | História e Teologia do Ministério Pastoral

ACONSELHAMENTO PASTORAL ocupar-se com as questões do dia a dia das pessoas, fornecendo
DA FAMÍLIA: UMA PROPOSTA a elas a possibilidade de criação de caminhos favoráveis de
SISTÊMICA enfrentamento das situações cotidianas.
[DICA DE LEITURA]
Fez-se neste tópico o intercâmbio Portanto, o acompanhamento é um percurso de suporte.
de significados, fazendo com que Suporte para pessoas com dificuldades afetivas, emocionais,
os conceitos de acompanhamento espirituais, sociais, familiares e de ordem religiosa. Utilizando
e aconselhamento de apoio se uma linguagem bíblica, podemos dizer que acompanhamento
atravessassem no aspecto em que
os dois conceitos não se propõem
é levar a cruz do outro durante o caminho da sua crucificação,
a mudanças na personalidade dos partilhar da dor do outro, mas muito mais que partilhar, entrar
sujeitos, nem são psicoterapias nela e de alguma forma aliviar o peso de sua cruz. Isso significa
pastorais (conceito que será explicado que o acompanhamento não tem como caráter primordial retirar
na próxima aula), eles são propostas a cruz nem o caminho da crucificação, no entanto, ele propõe um
de suporte para as relações com
pessoas que, de alguma forma, suporte durante a peregrinação. Esta é uma das possibilidades da
atravessam situações difíceis. As atividade do conselheiro. É neste sentido ser possível pensar o
principais características dos dois acompanhamento enquanto uma forma de suporte nas relações
conceitos é que se concentram nos de cuidado e de aconselhamento pastoral. Para saber mais a
problemas do dia-a-dia. É neste
sentido que foi possível estabelecer
respeito, siga a dica de leitura ao lado.
atravessamentos dos dois conceitos na
proposta de pensar a participação do
acompanhamento durante as relações
de cuidado e aconselhamento.

LEITURA COMPLEMENTAR

Contribuições da hermenêutica filosófica para a poimênica e o


aconselhamento pastoral

Wilhelm Wachholz

Resumo

O artigo propõe oferecer contribuições da hermenêutica


filosófica para a poimênica e o aconselhamento pastoral. Para
aproximar-se do tema, caracteriza-se a hermenêutica como dizer,
explicar e traduzir, levanta-se introdutoriamente implicações
disso para a poimênica e o aconselhamento pastoral. A partir do
pensamento de Agostinho, Lutero, do pietismo, de Schleiermacher
e Gadamer, aponta-se para a complexidade da hermenêutica,
considerando a finitude da letra e fala (signum) e a infinitude da
palavra (verbum intimum). Considerando que pela letra e fala se
tem acesso ao verbum intimum, a hermenêutica filosófica auxilia
fundamentalmente, no aconselhamento pastoral, a ouvir para
além da fala do aconselhando, percebendo sentimentos, afetos,
etc., de forma a caracterizar o aconselhamento como dialogal.

Disponível em: <http://est.com.br/periodicos/index.php/estudos_teologicos/


article/view/97/0>. Acesso em: 14 mar. 2018.

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 75

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• O aconselhamento é um saber e, ao mesmo tempo, uma


prática que ultrapassa as fronteiras do campo religioso.
Do ponto de vista histórico, encontramos desde as
civilizações mais antigas às novas configurações sociais
de nosso tempo, diferentes práticas de aconselhamento
objetivando dar conta das dificuldades enfrentadas pelas
pessoas em suas vidas cotidianas;
• Uma dimensão da poimênica é a utilização de uma
variedade de métodos de cura (terapêuticos) para
ajudar as pessoas a lidarem com seus problemas e
crises de uma forma mais conducente ao crescimento
e, assim, a experimentar a cura de seu quebrantamento.
O aconselhamento pastoral é uma função reparadora,
necessária, quando o crescimento das pessoas é
seriamente comprometido ou bloqueado por crises;
• A Psicologia Pastoral não significa a forma como o pastor
lida com as pessoas, ou como organiza suas mensagens,
nem mesmo com o seu carisma (como se estivesse
fazendo uso de alguma psicologia). A maioria destas
representações permeia a imaginação dos “evangélicos”
quando se fala de Psicologia Pastoral. Quando na verdade,
trata-se de um campo de saberes e práticas que articulam
as questões do cuidado humano, especialmente, em
situações de agravo social – talvez por isto que na
saúde e na assistência tenhamos tantas experiências em
aconselhamento;
• O assessoramento é o conjunto de estratégias que
compõem o trabalho daqueles que compreendem que
o cuidado passa pela educação para uma cultura do
cuidado, contando que ser humano é demandar cuidados
– desde a primeira infância até a velhice;
• No acompanhamento, o conselheiro usa métodos que
estabilizam, alicerçam, alimentam, motivam ou orientam
pessoas, capacitando-as a manejar seus problemas e
relacionamentos mais construtivamente dentro dos
limites que lhes são impostos pelos recursos de sua
personalidade e pelas circunstâncias.

TÓPICO 01 - Aconselhamento Pastoral, Acompanhamento e Assessoramento


76 | História e Teologia do Ministério Pastoral

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 77

Tópico 02
Unidade III
Cuidado e Escuta Sensível no
Ministério Pastoral

Introdução

Neste tópico, você poderá estudar um pouco mais sobre a


prática de cuidado no ministério pastoral e algumas ações que
expressam a sensibilidade necessária ao exercício do ministério
pastoral, tal como a Escuta. O objetivo deste tópico é desafiá-lo
a desenvolver uma compreensão clara acerca da relevância do
cuidado na realização do ministério pastoral e, ao mesmo tempo,
desenvolver habilidades e competências para o exercício de uma
escuta pastoral acolhedora, sensível e potente para produzir
intervenções saudáveis.

Bons estudos!
78 | História e Teologia do Ministério Pastoral

CUIDADO 1. O QUE É O CUIDADO PASTORAL


[SAIBA MAIS] Ao pensarmos em cuidado, inicialmente nos deparamos com o
A palavra cuidado vem do latim cura,
ou coera em sua forma arcaica. Outros princípio da Kenosis, esvaziamento. Deus se esvaziou na criação,
estudos derivam ‘cuidado’ de cogitare- Cristo na cruz e o Espírito Santo na igreja/mundo. Esvaziaram-
cogitatus. Denota, em ambas as se para cuidar da humanidade e poder redimi-la. Nesse sentido,
etimologias, pensar, cogitar, atitudes toda compreensão de cuidado passa pela encarnação do ato de
de desvelo, preocupação, atenção,
esvaziar-se e ir ao encontro do outro. Quem cuida apenas de si
interesse.
não tem tempo de cuidar do próximo, como também não pode
realizar nenhuma entrega para o cuidado pastoral e todos os seus
desafios.
Tal como a Trindade se esvaziou, cuidar do outro implica ter um
compromisso, um negar-se como totalidade, um afirmar-se como
finito [...] e, a partir do lugar da finitude compreender a finitude
do outro, principalmente quando ela se manifesta a partir de
doenças, dificuldades emocionais, crises existenciais, dificuldades
financeiras, problemas familiares e outros tantos motivos que
evidenciam a fragilidade humana e suas limitações. Isso nos faz
desembocar na atitude disciplinar de um contínuo saber ouvir e
um saber servir para amar e cuidar de verdade.
No individualismo contemporâneo, a impessoalidade
converteu-se em indiferença e os elos afetivos da intimidade
foram cercados de medo, reserva, reticência e desejo de
autoproteção. Pouco a pouco, desaprendemos a gostar de gente.
Entre quatro paredes ou no anonimato das ruas, o semelhante não
O CUIDAR NA PARÁBOLA DO é mais o próximo solidário; é o inimigo a trazer intranquilidade,
FILHO PRÓDIGO dor e sofrimento. Conhecer alguém, aproximar-se de alguém,
[SAIBA MAIS] relacionar-se intimamente com alguém passou a ser uma tarefa
Na imagem, verifica-se uma cena cansativa. Tudo é motivo de conflito, desconfiança, incerteza e
de cuidado aplicado a um filho que
perplexidade. Ninguém satisfaz a ninguém. Na praça ou na casa,
esteve distante. Uma autêntica cena
de cuidado. Quadro pintado em 1968, vivemos – quando vivemos! – uma felicidade de meio expediente,
pelo pintor holandês Rembrandt em que reina a impressão de que perdemos a vida em colherinhas
Harmenszoon van Rijn. de café (SATHLER-ROSA, 2004).
[IMAGEM] O cuidado pastoral é uma resposta de Deus ao mundo,
Disponível em: <https://www. especialmente diante do cenário cultural em que estamos inseridos.
museudasartes.com.br/> Acesso em: Na medida em que cuidar demanda tempo, disponibilidade
26 abr. 2018. afetiva e habilidades viabilizadoras do bem-estar do outro, cuidar
sempre será uma atitude de ruptura com a condição egoísta da
natureza humana, será uma ruptura com os sistemas de valores
vigentes e, por isso mesmo, será sempre uma prática profética
e comprometida com os valores do Reino de Deus. Um bom
cuidador é aquele que realiza a prática do cuidado sob a lógica do
esvaziamento, amor e entrega ao outro.
As relações de cuidado pastoral devem ser pautadas na lógica
do amor e doação sincera para o crescimento espiritual do outro.
A atividade pastoral não deve estar mais preocupada com o
repasse de conteúdo do que com a forma pela qual as pessoas
estão conseguindo compreender e receber os ensinos acerca do
evangelho. A partir dessa compreensão, o pastor envolverá em
muitos momentos a escuta, a oração, certa parcela de orientação
e aconselhamento e, em muitos casos, um cuidado com as

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 79

necessidades mais profundas e delicadas das pessoas.


Assim, o conceito de cuidado na prática pastoral se apresenta
como condição necessária e primordial para a realização do
ministério pastoral. O cuidado assume a condição de um encontro,
de um relacionamento, de uma abertura ao outro mediada pela
sensibilidade para com cada um individualmente (o encontro com
o outro como encontro consigo mesmo). Uma relação de cuidado
permite às pessoas trazerem suas dores, suas inquietações e seus
dilemas mais profundos e, o cuidador, traz consigo seu coração,
sua empatia, sua delicadeza espiritual para, a exemplo de um
médico cirúrgico, fazer as intervenções cirúrgicas certas e nos
momentos apropriados, permitindo que Jesus possa restaurar
a correta imagem interior de cada um diante de Deus. Logo, o
cuidado não deve estar dissociado do ministério pastoral, pois
essa é a forma pela qual a Igreja de Cristo é chamada a servir no
mundo.
O ministério pastoral não deve prescindir de sua condição
mimética. Toda a prática de um pastor deve ser representação/
imitação (mimesis) do próprio agir de Deus para com as suas
ovelhas. Deus é o supremo pastor, aquele que realiza a ação
pastoral por excelência. Na concepção veterotestamentária
de Deus como “O Pastor”, articula-se, dialeticamente, dois
componentes fundamentais: força e afeição. Pastor é autoridade
e solicitude, poder e carinho, vigor e ternura. Deus é o excelso
soberano, Adonai, mas ao mesmo tempo o terno pai (SATHLER-
ROSA, 2004).
O ministério pastoral é caracterizado por ações de cuidado.
No entanto, por cuidado não se entende apenas a dimensão da
afeição, como também a dimensão da força. O cuidado é uma linha
entrecruzada de força e afeição, abraço afetivo e orientação firme,
lugar de autoridade sobre uma vida e lugar de doação e entrega
sobre a mesma vida. No Antigo e Novo Testamento, encontramos
modelos pastorais marcados por essas duas condições. *Veja a COMENTÁRIO DO AUTOR
[REFERÊNCIA]
nota ao lado.
Retirado do material de aula
(slides) do Professor Dr. Claiton Ivan
Pommerening, lecionada ao curso
2. EXPRESSÕES DE CUIDADO: ALTERIDADE E CONVIVIALIDADE de Pós-graduação em Discipulado
É de nossa natureza social constituir relações de e Cuidado na Faculdade Refidim, na
interdependência: que se tecem por ajuda mútua e simultânea, disciplina de Teologia do Discipulado
e Cuidado.
potencializando a vida ou a morte dos sujeitos em relação. Se
me antecipo ao bem-estar do outro, essa atitude alimenta nossa
corporeidade e desenvolve em nós sensações de bem-estar
(SOUSA et al, 2010). As relações de cuidado são diferentes das
relações de dependência, em que alguém “vampiriza” a energia
de outrem sem necessidade de partilhar algo e não há trocas.
Na interdependência, localizamos nossa finitude ontológica.
Essas relações são necessárias para que possamos nos manter
presentes no enredo da experiência. Bondía (2002, p. 21) nos
ensina que a “[...] experiência é o que nos acontece, o que nos
toca [...]”. Portanto, toda forma de crueldade, de perversão

TÓPICO 02 - Cuidado e Escuta Sensível no Ministério Pastoral


80 | História e Teologia do Ministério Pastoral

praticada contra pessoas e outros seres vivos nos afeta, marca


em nossa pele inscrições de dor e sofrimento, mesmo quando
não percebemos individualmente, pois ninguém pode manter-se
imune ou indiferente para sempre.
É na presença de outros sujeitos que o nosso ser-no-mundo
experimenta a mesmidade e a alteridade para saber-se único e
diferente, porém insuficiente como individualidade. Dessa forma,
podemos corroborar sobre a existência de alguns princípios
básicos para a realização da prática do cuidado. Dentre eles, para
a experiência do cuidado pastoral, podemos sinalizar o princípio
da Alteridade e Convivialidade. Passaremos a discorrer sobre eles:
alteridade e convivialidade.

2.1. Alteridade
A ideia de alteridade está relacionada àquilo que a presença
do outro, em convivência, altera em mim. Interação cultural e por
interdependência com outras pessoas; para alguns antropólogos,
a existência do eu-individual só se realiza em presença do outro
e que, de maneira expandida se torna o outro: [...] a própria
sociedade diferente do indivíduo. Por conseguinte, eu apenas
existo a partir do outro, da visão do outro, o que me permite
também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado,
partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado
que estou pela experiência do contato.
Sendo assim, a diferença é, simultaneamente, a base da vida
social e fonte permanente de tensão e conflito (VELHO, 1996, p.
10). A alteridade nos leva a experienciar aquilo que é do lugar do
outro, aquilo que é da vivência do outro e, então, sair do nosso
lugar comum para ver o lugar comum do outro.
Aos poucos, notamos que ao conhecermos os outros passamos
a conhecer a nós mesmos, a dar parte daquilo que somos e temos
de modo a sermos menos egoístas e mais entregues ao cuidado/
relação com o outro. Não podemos pensar qualquer outra
possibilidade de realizar a prática de cuidado pastoral sem ter em
conta a perspectiva da alteridade como lugar inicial de atividade.

2.2. Convivialidade
A presença do outro, como pessoa integrante da Convivialidade
e sujeito da experiência, acena-nos a reconhecê-lo como outro-
relação, um território de passagem que, ao mesmo tempo, registra
no encontro as marcas afetivas de sua distinção. Ou seja, quando
entre eu e tu se realiza um encontro mutuamente afetivo, sem
PASTOR CUIDADOR exigências a priori, o qual será estilizado por aquilo que cada um
[PARA REFLETIR] traz, pelo que cada um é e pelo que juntos podem tecer.
“O pastor que cuida se sabe pela
receptividade, pela disponibilidade e, Quando no pastor-cuidador se abrem espaços de habitação do
principalmente, pela sua abertura à outro com sua carga cultural, existe a implicação de que haverá uma
hospitalidade do outro.” modificação no território da relação entre cuidador e cuidado. O

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 81

pastor entra em um novo campo onde já não permanece sozinho,


contudo está convivendo com o que ele está cuidando.
É no convívio que existe possibilidade de cuidado. O cuidado
acontece na relação, no encontro e no convívio. Por isso, a
convivência é base para uma boa relação de cuidado. O que
podemos dizer com isso é que ao pensarmos as práticas de cuidado
pastoral, devemos pensar, em primeiro lugar, na convivência, na
troca de experiências e afetos. O pastor que cuida se sabe pela
receptividade, pela disponibilidade e, principalmente, pela sua
abertura à hospitalidade do outro. O outro não pertence ao pastor,
por essa razão a necessidade de lembrar-se sempre do conceito
de liberdade.
O pastor-cuidador não se deixa possuir pelos desejos e interesses
de si, mas pela orientação de cuidar do outro. Consequentemente,
a convivência é uma experiência. Uma experiência produtora de
possibilidades de cuidado.

3. A ARTE DE VIVER O CUIDADO: O SILÊNCIO E A ESCUTA


A partir das discussões sobre o cuidado no campo da filosofia,
podemos estabelecer algumas relações com a prática do cuidado
pastoral. Esse diálogo não absoluto, antes, mostra-se um diálogo
potencializador da compreensão pastoral acerca dos efeitos das
práticas de cuidado.
Inicialmente, sistematizaremos alguns aspectos da perspectiva
foucaultiana sobre o cuidado de si. Muito mais do que definir o
conceito, Foucault (2004) pergunta-se, em uma abordagem da
história, como o cuidado de si foi se tornando possível. A partir
das discussões de Foucault, é possível sinalizar algumas questões
centrais do cuidado: O que pressupõe o cuidado do outro? É
possível cuidar do outro sem cuidar de si mesmo? Em primeira
instância, o autor compreende que “é preciso que o sujeito inteiro
se volte para si e se consagre a si mesmo” (FOUCAULT, 2004, p.
302). É no instante que não nos perdemos de nós que podemos, EXPERIÊNCIA
de alguma forma, cuidar dos outros. [SAIBA MAIS]
Bondía (2002, p. 25) destaca ainda que:
É na relação uns com os outros, que aparecemos como sujeitos [...] a experiência é, em primeiro lugar,
de experiência, engendrados por discursos, jogos de verdade. um encontro ou uma relação com algo
que se experimenta [...], a travessia,
Sob essa ótica, a liberdade encontra-se sempre circunscrita por e
o percorrido, a passagem. O sujeito
entre relações de poder e saber (SOUSA et al. 2010, p. 14). Destarte, da experiência tem algo desse ser
podemos pensar que, fascinante que se expõe atravessando
A liberdade aparece como possibilidade de não um espaço indeterminado e perigoso,
nos tornarmos escravos do mundo e, portanto, de pondo-se ele à prova e buscando
nós mesmos; como condição para um permanente nele sua oportunidade, sua ocasião.
olhar contemplativo sobre nós mesmos no interior A palavra experiência tem o “ex” de
do mundo, um “não perder-se de vista”, um olhar exterior, de estrangeiro, de exílio,
do alto que vê abaixo de si o mundo em sua de estranho e também o “ex” de
ordem geral. Esse olhar contemplativo perspectiva, existência. A experiência é a passagem
principalmente, o lugar que ocupamos no mundo da existência, a passagem de um ser
e nos interroga sobre a inevitável escolha do que
que não tem essência ou razão ou
queremos ser e fazer (SOUSA et al, 2010, p. 14).
fundamento, mas que simplesmente
Desse modo, toda a prática de cuidado deve considerar as “ex-iste” de uma forma sempre
escolhas feitas pelas pessoas na vida e no mundo. Escolhas que, singular, finita, imanente, contingente.

TÓPICO 02 - Cuidado e Escuta Sensível no Ministério Pastoral


82 | História e Teologia do Ministério Pastoral

sob uma perspectiva de quem exerce alguma ação de cuidado,


apresentam-se como elemento de liberdade, condição necessária
para haver humanidade. Toda a articulação do cuidado pastoral
deve também dirigir-se à direção da garantia de liberdade das
pessoas.
O tema da escuta, do saber escutar, o que escutar, como
escutar, é introduzido por Foucault (2004) quando faz referência
às diferentes práticas que apontam para a possibilidade de um
conhecimento mais aprimorado de nós mesmos e dos outros.
Com isso, o autor destaca que saber escutar é um primeiro
procedimento da ascese filosófica, e podemos afirmar que também
é um processo de cuidado pastoral.
Na contemporaneidade, é mais visível a relação existente
entre o tema do cuidado de si e a necessidade que temos de
nos colocarmos em uma disposição estético-afetiva de escutar o
outro. Mesmo carregados de ruídos e sons, perguntamo-nos sobre
as possibilidades de escuta. Escutar é a realização de um exercício
de suspensão de nós para, no momento da escuta, possibilitar
que o outro fale e nos fale. Fale-nos de tal modo que nossas vidas
sejam afetadas pelo que ouvimos. Essa condição de escuta é
necessária para uma prática de cuidado que promova mudanças
significativas.
O silêncio pode se configurar como um movimento pelo
qual guardamos o que ouvimos, um silêncio ativo, convertendo
o que se escuta a alma. A escuta pastoral além de exercitar a
competência em ouvir, também coloca o pastor-cuidador frente
à outra forma de lidar com a palavra: uma forma ética. Por forma
ÉTICA ética da escuta, sinaliza-se a dimensão de abertura e respeito que
[SAIBA MAIS] o pastor-cuidador tem em relação à palavra do outro e pondera
Sobre isso, Foucault remete ao sobre a mesma.
conceito de parhesia, como uma
forma de liberdade e abertura
fazendo-se dizer o que é mesmo
necessário dizer, como se tem vontade
de dizer, quando se tem vontade
de dizer e segundo a forma em que
se é necessário dizer. A parhesia
aparece atrelada a uma atitude
ética (ethos) e ao procedimento
técnico (tékhne). Tanto um quanto
o outro se tornam importantes para
o discurso verdadeiro, isto é, para a
troca dialógica em que todos podem
pronunciar sua palavra com espaço
para dizer o que pensa e também
para ser ouvido, com respeitabilidade
mútua. Os inimigos da parhesia,
segundo Foucault, seriam a lisonja e a
retórica, a ironia da palavra que não se
efetiva na ação (SOUSA et al. 2010).

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 83

LEITURA COMPLEMENTAR

O cuidado essencial: princípio de um novo ethos

Leonardo Boff

Resumo

Este artigo analisa o conceito de cuidado, em sua origem


filológica, desde os tempos dos gregos e latinos. O trabalho está
intimamente relacionado ao conceito de cuidado. Pelo trabalho,
a razão constrói seres simbióticos. Pelo cuidado se chega a uma
sintonia com as coisas, a uma convivência amorosa. Trabalho é
plasmação da natureza, atividade criativa. Cuidado é pathos,
introspecção, emoção, um sentimento que permanece indelével.

Disponível em: <http://revista.ibict.br/inclusao/article/view/1503/1690>. Acesso


em: 14. mar. 2018.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• As relações de cuidado pastoral devem ser pautadas


na lógica do amor e doação sincera para o crescimento
espiritual do outro. A atividade pastoral não deve estar
mais preocupada com o repasse de conteúdo do que
com a forma pela qual as pessoas estão conseguindo
compreender e receber os ensinos acerca do evangelho;
• O ministério pastoral é caracterizado por ações de
cuidado. Entretanto, por cuidado não se entende apenas
a dimensão da afeição, mas também a dimensão da força.
O cuidado é uma linha entrecruzada de força e afeição,
abraço afetivo e orientação firme, lugar de autoridade
sobre uma vida e lugar de doação e entrega sobre a
mesma vida. No Antigo e Novo Testamento, encontramos
modelos pastorais marcados por essas duas condições;
• Existem alguns princípios básicos para a realização
da prática do cuidado. Dentre eles, para a experiência
do cuidado pastoral, podemos sinalizar o princípio da
Alteridade e Convivialidade;
• A escuta pastoral além de exercitar a competência em
ouvir também coloca o pastor-cuidador frente à outra
forma de lidar com a palavra: uma forma ética.

TÓPICO 02 - Cuidado e Escuta Sensível no Ministério Pastoral


84 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 85

Tópico 03
Unidade III
O Discipulado e o Ensino no
Ministério Pastoral

Introdução

Neste tópico, você poderá estudar um pouco mais sobre as


relações entre a prática do discipulado e o ministério pastoral
bem como as relações, o lugar do ensino no desenvolvimento e
na realização do ministério pastoral.

Desejamos ótima leitura e boas reflexões!


86 | História e Teologia do Ministério Pastoral

DISCIPULADO 1. O DISCIPULADO COMO ATIVIDADE PASTORAL


[SAIBA MAIS] O Discipulado é, acima de tudo, um relacionamento entre uma
Vemos essa realidade na maneira
pessoa que possui um conjunto de competências, habilidades,
como Jesus estabeleceu o discipulado
com os 12 discípulos. Nos Evangelhos, experiências, amadurecimento na fé e outra pessoa que está
aparecem constantemente relatos dando os passos iniciais na experiência religiosa. É uma relação
que apresentam Jesus ensinando, entre um mestre e seu aprendiz, a fim de transmitir conhecimento,
caminhando e convivendo com maturidade, ensinamentos para o crescimento da vida cristã e no
seus discípulos a fim de que estes
aprendessem com ele o caminho do conhecimento de Deus, através de um relacionamento pessoal e
Reino de Deus (Mt 5-8; 10.1-33; 13.10-17; próximo (PETERSON, 2016).
Mc 3.13-19; Mc 6.45-56).
Nos manuscritos gregos, as ideias relacionadas ao discipulado
surgem a partir da palavra “Akoloutew” (Akolouteo) que significa
“seguir”. Denota a ação de uma pessoa respondendo ao chamado
de um Mestre e cuja vida inteira é reformulada no sentido da
obediência a esse mestre ou escola de pensamento. Antes mesmo
dos gregos apresentarem essa ideia, o Antigo Testamento já
utilizava a palavra hebraica “halak” dando a conotação de “ ir
atrás de”. Já no Novo testamento, Akolouteo é empregado 56 vezes
nos Evangelhos Sinópticos e 14 vezes em João, 3 vezes em Atos,
uma vez em Paulo e 6 vezes no Apocalipse. Embora sendo usada
algumas vezes para denotar as multidões que “seguiam” a Jesus,
ela somente terá uma importância maior quando atribuída ou
vinculada a pessoas que estavam seguindo o Mestre.
Em Mt 9.9, Jesus chama a Mateus e diz “segue-me”. O tom deste
convite ultrapassava o de uma simples companhia ou simples
convite para ir logo ali. Era um convite desafiador: tornar-se para
sempre seguidor de Jesus em todos os sentidos. A mesma palavra
é usada para o desafio colocado ao jovem rico, ao ser desafiado
a vender todos os seus bens para tornar-se seguidor de Jesus de
Nazaré. Nas narrativas do Novo Testamento, sempre que Jesus
se propõe a falar da radicalidade de ser seu seguidor, aparece a
palavra Akolouteo em Mt 8.22 para denotar a prioridade que os
seus seguidores deveriam ter para com o seu projeto.
DISCÍPULO Outra palavra utilizada é “Mathetes”, (maqhths) – “discípulo” –
[DICA DE LEITURA] é a pessoa que ouve o chamado do Mestre e se junta a ele, é um
Para aprofundar um pouco mais aprendiz. Raiz da palavra “mantano” (mantano) – um verbo que
essa discussão, sugerimos que possa
acessar a obra indicada abaixo: podia ser compreendido como “adaptar-se”. Alguém era chamado
de Mathetes quando se vinculava a outra pessoa com a finalidade
HAWTHORNE, F. Gerald; MARTIN, P. de adquirir conhecimento prático e teórico. Na cultura judaica,
Ralph. Dicionário de Paulo e suas o correspondente a essa ideia era o “Talmid”. Todavia, a relação
cartas. São Paulo: Paulus, 2008.
entre o “talmid” (aluno) e o seu “moré” (professor) era muito forte
especialmente no judaísmo rabínico. O relacionamento entre
o aluno e o professor tornava-se uma instituição para o estudo
detalhado da Torá (HAWTHORNE, 2008).
A relação entre discipulado e o ministério pastoral é muito
estreita, pois todo o ministério pastoral comprometido com os
valores do Reino de Deus e sua proclamação estarão implicados
com a prática do discipulado. Podemos afirmar não ser possível
pastorear sem discipular e não há discipulado se não existir uma
relação de cuidado pastoral.

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 87

O maior intuito do discipulado é levar o discípulo ao caminho


da maturidade cristã, ensinando-o os princípios bíblicos, as
verdades relacionadas ao reino dos céus e os modos de vida
propostos por Jesus para a sua Igreja na face da terra. Por essa
perspectiva, o discipulado é um compartilhamento de vida através
de relacionamentos passando pelo crivo da Palavra de Deus.
Diante do exposto, o discipulado pretende formar novos
discípulos de Jesus e tornar cada membro da Igreja alguém
maduro na fé, relacionando-se com Deus e com os irmãos de
forma saudável. Com efeito, o principal desafio do discipulado
está em levar cada membro da igreja a praticar a Palavra de Deus,
bem como formar o caráter de Cristo na vida de cada um.
No livro de I Coríntios 12, a Bíblia apresenta a igreja do Senhor
como um corpo e também enfatiza a unidade deste corpo, sendo
este Corpo de Cristo, a própria Igreja, que recebeu por meio do
Espírito Santo todos os dons, objetivando que todos os membros
possam ministrar uns aos outros e fazer o trabalho ordenado por
Cristo de ir e discipular a todos, como lemos em Mateus 28.19:
“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando- FAZER DISCÍPULOS
os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. [PARA REFLETIR]
Deste modo, o discipulado é mais
Em nossos dias, muitas são as boas teologias, os bons projetos do que ter um grupo de pessoas
sociais, as boas intenções políticas ou até as boas propagandas em uma sala estudando um livro,
sobre diferentes formas de se viver bem neste mundo. Não é treinar os novos crentes para
obstante, faz-se necessário que o ministério pastoral desenvolva, que deem continuidade à obra de
evangelização do mundo. No livro
sob uma perspectiva Bíblica, um comprometimento com a prática
de Atos, encontramos trinta e duas
do discipulado. referências ao discipulado/ensino dos
novos discípulos
Diante dos desafios contemporâneos, a prática do discipulado
ganha fôlego e relevância, pois é através dela que o ministério (Atos 2.42-47; 5.25 e 42; 8.12-13 e 31-38;
pastoral ensina tanto a correta doutrinada da fé cristã quanto à 9.10, 19 e 26-27; 11.23-24; 12.25; 13.43;
forma de se viver segundo a vontade de Jesus Cristo. Na perspectiva 14.21-22 e 28; 15.32, 35, 36 e 41; 16.4, 15,
de Dietrich Bonhoeffer: 33 e 40; 17.2; 18.11, 23 e 27; 19.8-9; 20.2-3,
18-20, 24, 31 e 35; 28.31).
Em tudo que segue, queremos falar em nome de
todos aqueles que estão perturbados e para os quais
a palavra da graça se tornou assustadoramente Entendemos que o verdadeiro
vazia. Por amor à verdade, essa palavra tem que discípulo se multiplica através do
ser pronunciada em nome daqueles entre nós que discipulado de outras pessoas.
reconhecem que, devido à graça barata, perderam o
discipulado de Cristo, e, com o discipulado de Cristo,
a compreensão da graça preciosa. Simplesmente
por não querermos negar que já não estamos no
verdadeiro discipulado de Cristo, que somos, é certo,
membros de uma igreja ortodoxamente crente na
doutrina da graça pura, mas não membros de uma
graça do discipulado, há que se fazer a tentativa de
compreender de novo a graça e o discipulado em sua
verdadeira relação mútua. Já não ousamos mais fugir
ao problema. Cada vez se torna mais evidente que
o problema da Igreja se cifra nisso: como viver hoje
uma vida cristã (BONHOEFFER, 1995, p. 18).
Ministérios pastorais comprometidos com o discipulado
obedecem ao comissionamento de Jesus Cristo sobre o ir ao
mundo e fazer discípulos. Por esse viés, uma das condições
de existência da Igreja e do ministério pastoral é a prática de
discipulado, pois é a partir dela que as pessoas recebem os

TÓPICO 03 - O Discipulado e o Ensino no Ministério Pastoral


88 | História e Teologia do Ministério Pastoral

ensinos da fé, experimentam aproximação com o evangelho e se


tornam verdadeiros discípulos de Cristo.
O discipulado enquanto prática de cuidado é uma resposta
de Deus ao mundo em nosso tempo. Na medida em que cuidar
demanda tempo, disponibilidade afetiva e habilidades que
viabilizam o bem estar do outro, de igual forma essas condições
se fazem necessárias para a prática do discipulado. Um bom
discipulador é aquele que realiza a prática do discipulado sob a
lógica do cuidado.
As relações de cuidado pastoral e discipulado devem ser
pautadas na lógica do amor e da doação sincera para o crescimento
espiritual do outro. Nesse sentido, o discipulado não deve estar
mais preocupado com o repasse de conteúdo do que com a forma
pela qual o discípulo está conseguindo compreender e receber
os ensinos acerca do Evangelho. A partir dessa compreensão, o
discipulado envolverá em muitos momentos a escuta, a oração,
o aconselhamento e, em muitos casos, um cuidado com as
necessidades pessoais que o discipulado apresenta.
Quando se articula a prática do discipulado como prática
de cuidado pastoral, percebe-se que não é apenas método, no
entanto é o encontro, o relacionamento, a sensibilidade para com
cada um individualmente (o encontro com o outro como encontro
consigo mesmo). O discípulo traz o problema, o discipulador traz
MATERIAL a si mesmo: seu coração, sua empatia. Jesus restaura sempre a
[NOTA DO AUTOR] correta imagem interior de cada um diante de Deus. À vista disso,
Retirado do material de aula
(slides) do Professor Dr. Claiton Ivan
o discipulado não deve estar dissociado do cuidado e ambas são
Pommerening, lecionada ao curso formas pelas quais a Igreja de Cristo é chamada a servir no mundo.
de Pós-graduação em Discipulado
e Cuidado na Faculdade Refidim, na
Outra forma de desenvolver o discipulado é através da prática
disciplina de Teologia do Discipulado de orientação espiritual, ou seja, ao se realizar orientação que
e Cuidado. dizem respeito ao modo pelo qual as pessoas encaminham suas
vidas espirituais, efetiva-se uma prática de discipulado, tal como
verificamos na relação entre Jesus e seus discípulos.
A Orientação Espiritual é um diálogo entre pessoas com o
único intuito de que a vontade de Deus se manifeste na vida do
orientado e também do orientador, pelo Poder da Palavra de
Deus, da vivência do amor, da compaixão e pela unção do Espírito
Santo de Deus. Orientação espiritual é uma tarefa que não pode
ser feita de forma casual ou indiferente. É necessária a prática por
toda a vida, voltada para a busca da santidade. Isso requer, no dia
a dia, a dedicação dos pastores à oração com a mesma disciplina,
atenção e discernimento usados no preparo de sermões, quando
iniciam campanhas, no compartilhar crises de doenças e morte,
na celebração de casamentos, etc.
Orientar espiritualmente alguém implica em focalizar as áreas
da vida que são relegadas ao esquecimento, preocupando-se
com elas e orando a respeito. Quando a orientação acontece de
modo formal, normalmente marca-se uma conversa, na qual duas
pessoas esperam encontrar companheirismo, encorajamento e
discernimento na busca da vida de oração, desenvolvendo uma

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 89

fé integrada e madura enquanto estão alertas e atentas às ações


de Deus, em todo o tempo e em todas as situações. Peterson
corrobora: “[...] enquanto cultivamos a prática da orientação
espiritual, encontramo-nos trabalhando em um campo onde o
Espírito é criativo e as formas da graça não se repetem” (PETERSON,
2000, p. 147-150).
Muitas atividades no ministério pastoral exigem que o pastor
use de autoridade enquanto as exerce, entretanto, ele não deve
esquecer que a identidade cristã consiste em servir. A prática da
fé envolve o exercício da obediência; uma atitude exatamente
oposta à autoridade. A fé é o ato de submissão ao senhorio de
Cristo, a reação voluntária a seus mandamentos. Contudo, se o
pastor está o tempo todo exercendo autoridade, quando é que
ele tem a oportunidade de praticar a obediência? Enquanto a sua
posição requer atos de autoridade, a sua fé, em contrapartida,
exige viver em submissão. A posição de autoridade em que o
pastor se encontra pode ser, por vezes, perigosa.
Peterson salienta:
[...] Quem representa a autoridade de Deus para
nós, enquanto passamos os mandamentos dEle
para nossas congregações e comunidades? Nossa
já grande propensão para o orgulho é estimulada
dezenas de vezes por dia, sem que ninguém esteja
presente para nos alertar. Não é só agradável para um
pastor ter um orientador espiritual, é indispensável
(PETERSON, 2000, p. 152).
Quem exerce o ministério pastoral é visto frequentemente de
modo distorcido pela comunidade, concebido de modo idealizado,
como não sujeito a dores e tristezas, quase um super-homem!
Para Oliveira, muitos pastores são culpados por essa idealização,
pois não apenas aceitam ser tratados como um ser mais que
humano, como também incentivam o povo para assim os ver. Se
Jesus Cristo, apesar de sua condição divina, não fez alarde de
ser igual a Deus, mas se esvaziou de si e tomou a condição de
escravo, por que os pastores, em sua condição humana, fariam
alarde de ser algo mais do que humanos? Os pastores precisam
de orientadores espirituais. A sanidade espiritual assim o exige.
Viver em sujeição à cruz é a única maneira de ficarmos livres do
perigo da dominação espiritual.

2. O ENSINO COMO ATIVIDADE PASTORAL


Ensinar é uma das práticas pastorais dentro da tradição cristã.
Por isso, o ensino e a pregação se apresentam como atividades
relevantes durante o exercício do ministério pastoral. Como
pregador e educador, quem exerce o ministério pastoral está sob
a comissão e a autoridade divinas.
Mateus ressalta que, ao final do Sermão do Monte proferido por
Jesus, todos se admiravam da Sua doutrina, porquanto os ensinava
com autoridade e não como os escribas (Mt 7.28,29). Paulo também
instrui a Timóteo e a Tito a ensinarem com autoridade (1Tm 4.11;
Tt 2.15). É importante, todavia, que a autoridade do ensino não

TÓPICO 03 - O Discipulado e o Ensino no Ministério Pastoral


90 | História e Teologia do Ministério Pastoral

se baseie na pessoa, nem brote dela mesma, antes derive do


conhecimento e da compreensão da Palavra de Deus. O servo fiel
deve ser firme em seu ensino, transmitindo a Palavra de Deus e
deixando que ela realize sua obra.
Pregar com paixão é o ponto em que as habilidades ministeriais
de um pregador se mescla mais com a sua busca da piedade.
É quando o pregador abraça com entusiasmo o conteúdo da
mensagem que transmite aos outros. Implica na apropriação
pessoal daquilo que é pregado, exercendo assim, um impacto
em seu coração e ele anseia por envolver outras pessoas, com
o intuito de que compartilhem de suas riquezas. Isso não será
possível sem que ele estude o texto bíblico para seu próprio
crescimento e enriquecimento espiritual.
Se o coração de um homem não está envolvido, então
peço licença para examinar e indagar se ele realmente
entendeu a mensagem, devido ao próprio caráter da
verdade com a qual está tratando [...] Acreditamos
nela? Temos sido impressionados, humilhados e
exaltados até nos “perdermos em admiração, amor e
louvor?” (LLOYD-JONES, 2013, p. 154).
Para pregar de modo apaixonado, o pastor precisa aplicar as
verdades em sua vida antes de estar pronto a pregar aos outros.
A chave para uma liderança eficaz é o serviço. O pastor cuidadoso
deve aprender a ser vigilante e alerta, guardando o seu rebanho:
“Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito
Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a
qual ele comprou com seu próprio sangue” (At 20.28).
Na vigilância do pastor, as ovelhas encontram proteção; em
sua coragem recebem defesa. Porém, liderança e governo são
muitas vezes erroneamente igualados. Embora o pastor esteja
em uma posição em que a tomada de decisões, inevitavelmente,
afeta a outros, o pastorado bíblico pede um ministério e não
uma monarquia. O pastor cuidadoso deve aprender a guiar suas
ovelhas.
Quem exerce o ministério pastoral assume a condição de
liderança espiritual, por consequência, deve saber para onde está
indo e encorajar os outros para que o sigam. Deve aprender a
promover o bem-estar de seu rebanho. Ele precisa dar tempo às
ovelhas, a fim de familiarizar-se com suas necessidades. Precisa
amar suas ovelhas e ter sincera afeição por elas. Tentar cumprir
o papel de um pastor sem amor é cair no legalismo. Somente o
amor é o elo que mantém as partes unidas (BUSENITZ, 1998).
Entretanto, para o desenvolvimento de uma prática de pregação
e ensino efetiva, o conhecimento bíblico é indispensável ao preparo
pastoral. Sem ele, o pastor não pode crescer espiritualmente e
formar um caráter piedoso, nem pode ministrar de modo eficaz e
significativo. Esse é um aspecto do treinamento pastoral que não
deve ser considerado levianamente.
Desse zelo, flui a paixão para lidar com as Escrituras de modo
preciso (2Tm 2.15) e manejar eficazmente uma espada afiada (Ef
6.17; Hb 4.12), lutando em defesa das doutrinas fundamentais da

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 91

Bíblia, entregue aos santos (Jd 3).


O propósito de adquirir conhecimento bíblico não é o
reconhecimento pessoal ou o respeito acadêmico que o pastor
possa vir a ter. Antes, a motivação para acumular conhecimento
bíblico e exatidão teológica, deve brotar de uma sede de conhecer
a Deus (Fp 3.8-10). Vejamos algumas habilidades que um pastor
deve desenvolver para um melhor serviço do ministério da Palavra:
Capacidade linguística: É fundamental um conhecimento
instrumental das línguas nas quais os autores bíblicos, movidos
pelo Espírito Santo, escreveram as palavras inspiradas (2Pe 1.21).
Cada candidato a pastor deve se esmerar para ter um conhecimento
básico do grego e do hebraico.
Competência teológica: Três elementos rudimentares
compreendem uma estrutura teológica: a teologia histórica, a
teologia bíblica e a teologia sistemática. A teologia histórica
fornece valiosa compreensão dos problemas, debates, concílios e
credos da história da Igreja. Ela demonstra como os ensinamentos
das Escrituras têm sido formulados e moldados, formando os
dogmas, credos e confissões de fé, e revelam a luta constante
contra os erros e desmascara as heresias contra as quais a Igreja
vem batalhando.
A teologia bíblica fornece ao estudante uma compreensão
básica de cada autor, livro ou conjunto de livros da Bíblia. E, a
teologia sistemática fornece um sumário ordenado ou uma
sinopse dos temas importantes do ensino bíblico, reunidas de tal
maneira a não violarem o contexto de cada parte. Simplificando,
ela coleta os pedaços onde se encontram nas Escrituras, juntando-
os e formando um todo.
Familiaridade bibliográfica: Essa área valiosa de treinamento
ministerial ocorre no contato com uma vasta diversidade de
livros e autores e na avaliação desse material. É importante ainda
um conhecimento geral dos escritos de líderes, pensadores e
escritores cristãos em destaque ao longo da história da Igreja. O
conhecimento bíblico e o entendimento teológico causarão um
impacto na vida da pessoa, em seu caráter piedoso e no serviço
por ela prestado, influenciando as capacidades ministeriais. Em
igual medida, ecoará na vida de quem estiver sendo pastoreado
por ela.

TÓPICO 03 - O Discipulado e o Ensino no Ministério Pastoral


92 | História e Teologia do Ministério Pastoral

LEITURA COMPLEMENTAR

O Pastor e o Discipulado: um apelo aos pastores para


resgatarem a mentoria espiritual
Gildásio J. B. dos Reis

Resumo:
O presente artigo aborda o tema do discipulado sob a perspectiva
bíblica e reformada. Seu pressuposto básico é que a dinâmica do
discipulado, tão negligenciada em nossos dias, não deve ser vista
como uma opção na prática do ministério pastoral, mas como uma
exigência para um ministério fiel e bem-sucedido. Mas o que é
ser discípulo? O que é discipulado? E qual é a responsabilidade
do pastor nesse aspecto da vida cristã? O artigo, de maneira
bem objetiva, procura responder essas questões. Inicialmente,
oferece uma definição do termo discípulo à luz de algumas
passagens bíblicas. A seguir, esclarece o conceito da prática do
discipulado, mostrando também algumas doutrinas bíblicas que
estão intimamente relacionadas ao tema. Assim, o artigo visa dar
uma pequena contribuição para orientar os pastores a resgatar
uma prática que muito os ajudará no ministério pastoral e na
edificação do rebanho.

Disponível em: <http://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_34/


artigos/243.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2018.

UNIDADE III - Práticas pastorais e sua relação com o cuidado


História e Teologia do Ministério Pastoral | 93

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• O Discipulado é, acima de tudo, um relacionamento entre


uma pessoa que possui um conjunto de competências,
habilidades, experiências, amadurecimento na fé, e,
outra pessoa que está dando os passos iniciais na
experiência religiosa. É uma relação entre um mestre e seu
aprendiz, a fim de transmitir conhecimento, maturidade,
ensinamentos para o crescimento da vida cristã e no
conhecimento de Deus, através de um relacionamento
pessoal e próximo.
• A relação entre discipulado e o ministério pastoral é muito
estreita, pois todo o ministério pastoral comprometido
com os valores do Reino de Deus e sua proclamação
estarão implicados com a prática do discipulado. Podemos
afirmar não ser possível pastorear sem discipular e não
há discipulado se não existir uma relação de cuidado
pastoral.
• Ensinar é uma das práticas pastorais dentro da tradição
cristã. Por isso, o ensino e a pregação se apresentam como
atividades relevantes durante o exercício do ministério
pastoral. Como pregador e educador, quem exerce o
ministério pastoral está sob a comissão e a autoridade
divinas.
• Quem exerce o ministério pastoral assume a condição
de liderança espiritual, por isso, deve saber para onde
está indo e encorajar os outros para que o sigam. Deve
aprender a promover o bem-estar de seu rebanho. Ele
precisa dar tempo às ovelhas, a fim de familiarizar-se
com suas necessidades. Precisa amar suas ovelhas e ter
sincera afeição por elas. Tentar cumprir o papel de um
pastor sem amor é cair no legalismo. Somente o amor é o
elo que mantém as partes unidas.

TÓPICO 03 - O Discipulado e o Ensino no Ministério Pastoral


94 | História e Teologia do Ministério Pastoral
Unidade IV

CARISMA E ÉTICA
NO MINISTÉRIO PASTORAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade você será capaz de:

• Compreender as relações entre o exercício do ministério


pastoral e a correta vivência dos carismas.

• Desenvolver reflexões éticas que possibilitam a realização


de um ministério pastoral segundo a teologia do reino de Deus.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em dois tópicos e, no final de cada um
deles, você terá um resumo do tópico e um conjunto de questões
que servirão de suporte para o seu aprendizado e memorização
dos conteúdos da unidade.

Tópico 1
A Vivência dos carismas no ministério pastoral

Tópico 2
Aspectos Éticos no Exercício Ministerial
96 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 97

Tópico 01
Unidade IV
A Vivência dos Carismas no
Ministério Pastoral

Introdução

Neste tópico, você poderá estudar um dos temas chaves nesta


disciplina: os carismas e sua relação com o desenvolvimento/
realização do ministério pastoral. O objetivo deste tópico é
que você possa compreender a necessidade dos carismas no
modo como se organizam as práticas ministeriais na dinâmica
eclesiástica, objetivando o crescimento significativo da igreja. Ao
mesmo tempo, você poderá estudar algumas problematizações
necessárias para a correta vivência dos carismas na comunidade
eclesial, propondo reflexões que problematizem o uso dos
carismas e seus limites durante o exercício do ministério pastoral
98 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. OS CARISMAS (DONS ESPIRITUAIS) E OS MINISTÉRIOS NA


IGREJA: UMA LEITURA BÍBLICO-TEOLÓGICA
E ele designou alguns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas, e outros para
pastores e mestres, com o fim de preparar os santos
para a obra do ministério, para que o corpo de
Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a
unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus,
e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da
plenitude de Cristo (Ef 4.11-13).
Uma das características marcantes da igreja pentecostal é a
liberdade dos fiéis em manifestar os dons do Espírito. Entretanto,
mesmo com toda essa liberdade, percebemos que muitos dos
membros de nossas comunidades ainda não estão mobilizados
ao serviço local. Muitos são meros espectadores e olham da
arquibancada o trabalho desenvolvido pela comunidade de
fé. Esse quadro é pintado porque, além de muitos membros
ainda não entenderem os dons espirituais e seu propósito para
a comunidade de fé, os próprios pastores e/ou pastoras e a
estrutura eclesiástica não conseguem aproveitar e dar liberdade
a todos os dons, “[...] mantendo a maioria passiva e dependente”
(KORNFIELD, 1997, p. 9).
Kornfield alerta aos pastores(as):

Seu principal chamado não é fazer o ministério [...]


Seu principal chamado é equipar os santos para
que estes façam a obra do ministério (Ef 4.11-12). Só
dessa forma conseguiremos crescer à plena estatura
de nosso Senhor Jesus Cristo. Isso resulta de todos
os membros estarem equipados e ministrando
(KORNFIELD, 1997, p. 10).
É de fundamental importância lembrar que a comunidade de
fé é extensão do trabalho de Jesus. Logo, é ele quem prepara o
ministério e distribui os dons (1Co 12). Distribui os dons conforme
as necessidades do seu Corpo. Isso explica a diversidade dos
dons. Essa variedade existe para dar equilíbrio à comunidade de
fé, onde uma única pessoa não tenha todos os dons, mas todos os
dons existam na comunidade. Gee afirma:
Muitas igrejas não têm visão, a não ser a do ministério
de um só homem, e dele se espera que apresente
todos os requisitos – evangelístico, pastoral,
doutrinário, profético. Espera-se que um mesmo
homem alcance grande sucesso na evangelização,
seja esplêndido organizador, bom visitador pastoral,
competente mestre da Bíblia, e ainda que possua
dons de cura e de prédica inspirada (GEE, 1987, p. 19).
O crescimento e a maturação da igreja não é responsabilidade
de uma única pessoa ou pastor(a), contudo é responsabilidade
de toda a comunidade. Está nas mãos de todos os membros da
comunidade de fé. Por essa razão, esboçaremos, a seguir, os dons
ministeriais narrados em Efésios 4.11-13, com o intuito de apontar
as características desses dons. A partir dessa leitura bíblico-
teológica, teremos melhores condições para refletir e incentivar a
comunidade de fé ao exercício de seus dons.

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 99

1.1 APóstolos
No vocabulário grego, o termo apóstolos significa mais do
que mensageiro. Remete a alguém enviado com um propósito
particular; ou àquele que é portador de autoridade, que é
comissionado. Em algumas narrativas bíblicas, a palavra é
aplicada tanto para descrever a pessoa de Jesus (cf.: Hb 3.1), como
àqueles que foram enviados para pregar a Israel e às igrejas (cf.:
Lc 11.49; 2Co 8.23). Porém, o termo é aplicado aos homens, os quais
foram responsáveis por organizar e estruturar as comunidades
primitivas (WALLS, 1995).
A função primária dos apóstolos era servirem de testemunhas
das ações de Jesus. Esse testemunho era fundamentado em
conhecimento íntimo, sendo essa intimidade superior à missão.
Ou seja, a conexão do enviado com o remetente é mais importante
do que o conteúdo da mensagem a ser entregue, pois o enviado
fala em nome daquele que o enviou (WALLS, 1995). Os apóstolos,
juntamente com os demais membros das comunidades, foram
os responsáveis por lançar os fundamentos das comunidades
primitivas. Foram os primeiros pregadores; estavam entre os
primeiros a serem batizados com o Espírito Santo.

1.2 Profetas
Todo crente é potencialmente um profeta, pois todos são
convocados a serem vozes de Deus contra a injustiça. Afinal,
conforme nos narra Atos 2.18, o Espírito foi derramado sobre
todas e todos. No entanto, desde o início da comunidade em
Atos, encontramos pessoas chamadas especialmente para o
ministério da profecia (MOTYER, 1995). Suas funções consistiam na
profecia de proclamação e na predição. Em Atos 11.27-28, lemos a
respeito do profeta Ágabo – um dos poucos profetas cujo nome
nos é fornecido: “Naqueles dias alguns profetas desceram de
Jerusalém para Antioquia. Um deles, Ágabo, levantou-se e pelo
Espírito predisse que uma grande fome sobreviria a todo o mundo
romano, o que aconteceu durante o reinado de Cláudio” (NVI).
Através dessa profecia, a comunidade recebeu orientação e pode
dar o devido suporte aos seus membros.
Não resta dúvida de que os profetas desempenharam um
papel importante na proclamação do evangelho nas comunidades
primitivas. Motyer afirma:
Em sua capacidade como pregadores da igreja, o
trabalho dos profetas é descrito como exortação (At
15:32), edificação e consolação (1Co 14:3). A reação
do indivíduo que não é crente para com o ministério
dos profetas (1Co 14:24) demonstra que eles eram
pregadores da mensagem completa sobre o pecado
e salvação, sobre a ira e a graça de Deus (MOTYER,
1995, p. 1328).
Foram dignos sucessores de João Batista e dos profetas do
Antigo Testamento, visto que a autoridade deles era reconhecida
pela comunidade de fé. Kaldeway corrobora: “Os profetas do Antigo
Testamento eram profundamente tocados pelos pensamentos de
TÓPICO 01 - A Vivência dos Carismas no Ministério Pastoral
100 | História e Teologia do Ministério Pastoral

Deus e pelos sentimentos de Deus. Eles comunicavam o amor


e a saudade de Deus, Sua ira, Seu ciúme, Sua dor, Sua alegria”
(KALDEWAY, 2005, p. 24). Em suma, podemos descrever o ministério
do profeta como a percepção da vontade de Deus e a sua
transmissão inteligível à comunidade de fé.

1.3 Evangelista
O termo evangelista ocorre apenas três vezes no Novo
Testamento. O termo remete à pessoa que leva o evangelho a
quem não conhece. Literalmente, é o portador das Boas Novas.
Mesmo sendo tarefa de todos testemunharem as ações de Jesus, a
descrição de Efésios 4.11 nos leva a entender que os “[...] evangelistas
constituíam na igreja primitiva uma ordem de ministério distinto e
bem caracterizado, separada da dos apóstolos, profetas, pastores
e mestres” (GEE, 1987, p. 41).
Ainda assim, devemos ter em mente que o evangelista não é
um perito a realizar algo que ninguém mais consegue fazer. Portar
as Boas Novas é tarefa de todos os membros da comunidade de
ESCRITURAS fé. Porém, o contato com os oprimidos, com os necessitados, pode
[SAIBA MAIS] ser compreendido como uma tarefa tipicamente evangelística –
Na época das comunidades primitivas, entendendo o termo evangelístico como ação da comunidade de
ainda não havia um cânon (Bíblia) fé no mundo. É comum, ao falar de evangelistas, lembrarmo-nos
definido. Muitos dos livros do Novo de grandes pregadores, como Billy Graham, os quais ministravam
Testamento que temos em mãos
atualmente em nossas Bíblias, ainda
para grandes multidões. Todavia, é preciso lembrar que eles
estavam em vias de formação. Desta representam apenas um exemplo dessa vocação e não o todo.
forma, quando no Novo Testamento
aparece o termo Escrituras, se está
fazendo referência à Bíblia Hebraica 1.3 Mestres
(Antigo Testamento) – a qual também
não estava finalizada –, especialmente O ministério do mestre é tão importante no Novo Testamento,
à Septuaginta (LXX). sendo listado nas três listas paulinas dos ministérios (Rm 12.6-
8; 1Co 12.28 e Ef 4.11). Gee defende a ideia de que em Efésios o
texto indica que o ministério de mestre muitas vezes se unia ao
do pastor. Ele contribui: “Aos anciãos, que eram chamados para a
DONS MINISTERIAIS supervisão pastoral das igrejas, exortava-se a que pastoreassem
[COMENTÁRIO DO AUTOR] o ‘rebanho de Deus’ (1Pe 5:2); e desejava-se que tais homens
Não refletiremos a partir de todos fossem aptos ‘para ensinar’ (1Timóteo 3:2)” (GEE, 1987, p. 56). De
os dons ministeriais narrados em
forma geral, o mestre era encarregado de preservar, transmitir e
Efésios. Selecionamos apenas dois.
Fizemos isso, pois queremos que você interpretar as Escrituras e preservar a tradição apostólica.
faça também um exercício crítico
de contextualização dessa narrativa
bíblica. 2. O EXERCÍCIO DO MINISTÉRIO PASTORAL EM DIÁLOGO COM OS
CARISMAS
Tente desenvolver, a partir das
narrativas bíblicas e em diálogo com A partir do que expomos anteriormente, podemos agora
sua realidade vivencial, uma reflexão traçar possíveis caminhos para contextualizarmos os conteúdos
sobre os dons e ministérios na igreja da narrativa de Efésios para nossa realidade vivencial. A nosso
local. Isso lhe ajudará a desenvolver ver, para que o exercício pastoral seja efetivo, e que esteja em
competências para a reflexão
crítica. Além, de auxiliá-lo(a) no
constante diálogo com o seu contexto, o pastor necessita ter duas
desenvolvimento da escrita teológica. características: 1) a característica profética; e 2) a característica
instrucional.
Vamos lá, faça esse exercício.

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 101

2.1 O Pastor como Profeta


Talvez, uma das características que mais precisam ser resgatadas
no ministério pastoral contemporâneo é a do pastor como profeta.
Na compreensão de Paulo, a autoridade do profeta consistia
essencialmente na autoridade de profetizar sob inspiração, e não
porque foi denominado à classe profética por um apóstolo ou pela
própria comunidade. Para Paulo, a autoridade profética deriva da
inspiração profética. Dunn esclarece:
Paulo não esperava que a congregação instalasse
um indivíduo no ofício do profeta e que ele ou ela
depois profetizasse. Pelo contrário, esperava-se que a
congregação reconhecesse o profeta porque ele ou ela
já profetizava regularmente. Numa palavra, os profetas
não profetizavam porque eram profetas; eram profetas
porque profetizavam (DUNN, 2003, p. 656).
Não obstante, parece-nos que o resgate da dimensão profética
do ministério pastoral precisa ser colocado sob outras perspectivas.
Entendemos que a profecia “intraigreja” – aquela que acontece no
âmbito do culto; de irmãos(ãs) para irmãos(ãs) – seja importante.
Entretanto, em tempos contemporâneos, requer-se outra forma
de profecia: uma profecia “extraigreja”; profecia que sai do espaço
exclusivamente eclesiástico e se lança para além dos muros da
igreja. Essa forma de profecia transcende o seu lugar comum. Esse
tipo de atividade profética que não fica só entre a comunidade,
mas que sai da comunidade – e também convida a comunidade
para sair de seu lugar confortável para atingir outras realidades –
é profecia que tem como base de sua ação a ação de Jesus.
Dessa maneira, a profecia “extraigreja” redireciona a atividade
pastoral para uma aproximação da comunidade maior da qual faz
parte. É profecia essencialmente pública, no sentido de que seu
público não é só os membros da comunidade de fé, como também
os membros da comunidade social. Contudo, isso requer do
pastor a capacidade de saber dialogar com o seu contexto. Aliás,
o(a) profeta é homem (mulher) do povo. Ele(a) não se distancia da
realidade vivida pelas pessoas. Nesse sentido, resgatar a dimensão
profética do ministério pastoral implica redirecionar a atividade
pastoral para uma atuação crítica em sua realidade social. O
pastor ou pastora profeta exorta e condena as estruturas sociais
injustas, as práticas sociais injustas, como os profetas do Antigo
Testamento também fizeram, no entanto, também orienta e traz
esperança para pessoas em situações de desespero e angústia.
Todavia, o pastor não é o único profeta. Pelo contrário, o pastor
consciente de seu ministério profético incentiva a atuação de outros
profetas. Por conseguinte, o dom de profecia não é monopólio de
ninguém, porém é propriedade de toda a comunidade, inclusive,
da comunidade não religiosa.

2.2 O Pastor como Mestre


A segunda característica é a do pastor como mestre. É
imprescindível na atual conjuntura em que vivemos que o pastor

TÓPICO 01 - A Vivência dos Carismas no Ministério Pastoral


102 | História e Teologia do Ministério Pastoral

tenha formação teológica consistente. Ele precisa ser capaz de


refletir a fé em diálogo com o seu contexto vivencial. E não apenas
isso, espera-se que o pastor seja capaz de estimular reflexões
teológicas dentro da própria comunidade de fé, incentivando e
estimulando a comunidade à conscientização do Evangelho e ao
crescimento. Entretanto, para que o ministro consiga realizar essa
tarefa, ele(ela) precisa ter à mão informações teológicas sólidas
(exegese, história, dogmática, etc.). Não obstante, há algo de que
o pastor não pode se esquecer jamais: Teologia é sempre um
assunto comunitário. Por isso, esse deve, indubitavelmente, fazer
teologia, contudo sua teologia deve estar a serviço da teologia
da comunidade de fé (BRAKEMEIER, 1977), e não só a serviço da
comunidade de fé, como também a serviço da comunidade social
maior.
Obviamente, que não estamos reduzindo a atividade pastoral
à atividade da reflexão teológica. A imagem do pastor não deve
ser apenas a do teólogo. O estudo e a reflexão acadêmica são
extremamente importantes e o pastor não pode prescindir desses
elementos. No entanto, para evitar que o ministério pastoral se
torne “[...] um mero exercício intelectual [...]” é necessário o pastor
cultivar, juntamente com o exercício da reflexão teológica, o
exercício da espiritualidade (HOCH, 2009, p. 79).

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 103

LEITURA COMPLEMENTAR

Importância da espiritualidade para a formação teológica: um


aporte teológico-pastoral

Lothar Carlos Hoch

Resumo:

O presente artigo enfatiza que a formação teológica não pode


prescindir do estudo e da pesquisa acadêmica e do uso da razão
científica. No entanto, para evitar que a teologia permaneça
um mero exercício intelectual, a formação teológica precisa
contemplar o cultivo da espiritualidade. Ou seja, a boa teologia é
devedora tanto à razão (racionalidade da fé), quanto à busca pela
mediação da experiência da ação salvífica de Deus na história
(mística da fé).

Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/


article/view/190/214>. Acesso em: 15 mar. 2018.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• O crescimento e a maturação da comunidade de fé não


são responsabilidades de uma única pessoa, mas é
responsabilidade de toda a comunidade.
• A profecia extraigreja redireciona a atividade pastoral
para a necessidade de uma aproximação da comunidade
maior da qual faz parte.
• É imprescindível na atual conjuntura em que vivemos que
o pastor tenha formação teológica consistente. O pastor
precisa ser capaz de refletir a fé em diálogo com o seu
contexto vivencial.

TÓPICO 01 - A Vivência dos Carismas no Ministério Pastoral


104 | História e Teologia do Ministério Pastoral

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 105

Tópico 02
Unidade IV
Aspectos Éticos no
exercício ministerial

Introdução

Caríssimo(a) acadêmico(a), neste tópico estudaremos alguns


aspectos da ética pastoral. É bem verdade que antes de ser pastor,
a pessoa é um cristão ou uma cristã, e como tal, tem a ética cristã
como centro orientador de sua vida. É comum a compreensão de
que o pastor é uma espécie de super-humano; alguém inviolável;
que não erra em nada. Todavia, tal compreensão é bem equivocada,
e lança nos ombros do pastor uma responsabilidade impossível
de ser carregada.

Deste modo, precisamos entender que o pastor, assim como


qualquer outra pessoa da comunidade de fé – e como membro da
igreja – é alguém passivo de erros e acertos. À vista disso, o pastor,
na busca por seguir o exemplo de Jesus, precisa orientar sua vida
e prática a partir dos princípios da ética cristã.

Desejamos ótimo aprendizado e boas reflexões!


106 | História e Teologia do Ministério Pastoral

1. A ÉTICA APLICADA AO MINISTÉRIO PASTORAL


Em geral, podemos definir ética como conduta a reger um
grupo social. A palavra ética vem do substantivo grego ethos/
êthos que por sua vez deriva de êtho (estar habituado, apropriar-
se). Basicamente, afirma-se que essas duas palavras significam:
costume, hábito, podendo ainda significar caráter, mentalidade,
índole (WIESE, 2008). Segundo Burkhardt, “Ambos os termos têm a
ver com a formação da vida humana e/ou da postura interior que
está por trás da vida” (BURKHARDT apud WIESE, 2008, p. 21).
Ética é o compêndio dos princípios que regem uma conduta.
Enquanto ciência estuda, analisa e estabelece um estatuto
científico desses princípios. Enquanto moral é a aplicação prática
da conduta explícita pelos princípios éticos e filtrada pela atitude
comportamental. A moral delineia o hábito, revela o rito e expõe
uma prática epistemológica (ARANHA; MARTINS, 2009).
A ética diz respeito a todas as atividades do homem sujeitas a
serem razoavelmente louvadas ou censuradas. Interessa-se pelas
formas de comportamento oriundas do hábito, pela ignorância, na
medida em que a pessoa é responsável pela sua própria decisão e
escolhas extremamente complexas (GARDNER, 2011).
Em decorrência, a ética é compreendida como a ciência que
estuda a conduta (ou o comportamento) do ser humano diante
da sociedade, exercendo seu papel na organização e preservação
da vida. Teologicamente falando, podemos acrescentar a
responsabilidade do ser humano diante, não somente da
sociedade, mas diante de Deus (WIESE, 2008), e logo, podemos
assim falar de uma Ética Cristã.
A ética cristã se preocupa com as mesmas questões da ética
social: a preservação da vida, a postura do ser humano diante
das leis que regem os Estados, entre outras questões. Entretanto,
a ética cristã (que é para os cristãos) vai além, pois olha para
a criação e a sociedade a partir dos valores bíblico-teológicos,
procurando colocar esse saber em prática no dia a dia. O crente
em Jesus Cristo, como o ser humano que tem dupla cidadania, tem
dupla tarefa: conservar e salvar a criação (WIESE, 2008).
Quando Jesus expôs o Sermão do Monte, foi enfático ao afirmar
que não veio descumprir a Lei, e, sim, cumpri-la. Então, pode-se
dizer que a ética cristã tem por base o decálogo, no que concerne
ao seu aspecto espiritual e moral. A ética dos dez mandamentos
dá suporte à ética cristã, de modo marcante e aperfeiçoado por
Cristo (LIMA, 2002).
Reconhece-se, diante do exposto, ser a ética pastoral um
desdobramento da ética cristã. Não temos espaço suficiente
para abordarmos amplamente esse tema, por isso nos detemos
somente a alguns aspectos que julgamos relevantes para os dias
de hoje. Perigos que cercam a vida do pastor e pedem dele uma
postura ética de acordo com as escrituras.

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 107

2. ÉTICA E ASPECTOS FINANCEIROS


Em um tempo em que a teologia da prosperidade tem varrido
as igrejas evangélicas brasileiras e provocado escândalos
envolvendo má administração dos dízimos e ofertas são cada
vez mais frequentes, o pastor precisa ter muito cuidado ao lidar
com o dinheiro. Não é à toa que a própria Escritura alerta que “o
amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por
cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com
muitos sofrimentos” (1Tm 6.10 – NVI).
Lutero falava de três conversões: a do coração, a da mente e
a da bolsa. Há quem ache a da bolsa a mais difícil. O dinheiro
é um dos assuntos mais comentados por Jesus. Ele não negava,
em seus sermões, que o dinheiro pode constituir uma ameaça ao
serviço ao Reino e aos irmãos (FOSTER, 2005). Porém, se o dinheiro
não for o senhor, pode servir de bênção e cumprir propósitos
nobres. Devido a essas circunstâncias, o pastor necessita ter uma
consciência muito clara do poder do dinheiro, pois no momento
em que a avareza penetrar em seu coração, a igreja passa a ser
somente um meio para a satisfação desse vício e muitas pessoas
se perdem por causa disso.
O pecado da avareza manifesta-se de duas formas: mesquinhez
e desperdício. O filho pródigo desperdiçou e, Judas Iscariotes
reclamou do “desperdício” de Maria Madalena quando ungiu Jesus.
Nenhum deles era um doador (GUINNES, 2006). Para pastores que
vivem nesses tempos pós-modernos, em que o pecado da avareza
é mascaradamente incentivado, o chamado à ética bíblica urge.
O capitalismo incentiva a posse e, o que possuímos ao possuir?
Guinnes declara que:
Somente uma alegria transitória ou um status não
duradouro (‘você não pode levá-lo consigo’), e isso,
de fato, não pode ser passado a um herdeiro. A busca
por possuir é, portanto, uma miragem; perseguida
obsessivamente e autodestruidora. A verdadeira
felicidade é urna questão de ser, não de ter. Ou
como George MacDonald descreve: as mãos podem
acumular, mas ‘o coração do homem não pode fazer
o mesmo’ (GUINNES, 2006, p. 116)
A avareza no ministério pastoral tem consequências graves,
pois pastor avarento é pastor infeliz. Ele quer possuir algo que não
tem, e por isso é insatisfeito. E quer possuir não para benefício de
outros, mas para benefício próprio.
Administrar o dinheiro das igrejas sempre foi uma tarefa que
exigiu um grande senso ético. Tanto que nas qualificações do
ministro apresentadas por Paulo (1Tm 3.3), há o alerta para que
o obreiro não seja alguém avarento. Destarte, precisa ser uma
pessoa satisfeita, grata e convicta do seu chamado.
Os Guinnes alerta que a cura para a avareza é a misericórdia:
A misericórdia não é apenas ausência de avareza,
mas presença de generosidade. Mais do que apenas
‘não ser avarento’, a misericórdia é proativa no dar
— não apenas abrir mão da riqueza, mas distribuí-la
entre os necessitados. Como escreveu William F. May:
‘O oposto verdadeiro da avareza, do ser pão-duro,

TÓPICO 02 - Aspectos Éticos no Exercício Ministerial


108 | História e Teologia do Ministério Pastoral

não é a mão vazia da morte, mas a mão aberta do


amor’ (GUINNES, 2006, p. 136).
Percebe-se então que o dinheiro deixa de ser um deus para
ser mais um servo. O pastor sábio faz isso: do dinheiro um servo.
É aquele que conhece a comunidade de fé e sabe como ninguém
onde as necessidades são mais urgentes e precisam desse servo.

3. ÉTICA E RELAÇÕES DE PODER


A condição de autoridade exercida pela figura pastoral, concedida
tanto por Deus como pela instituição, deve ser mediadora de relações
saudáveis em uma determinada comunidade eclesial. Tal condição
deve ser encarada pela perspectiva do serviço ao próximo e não para
o benefício próprio, nem como condição para a criação de projetos
cuja lógica principal seja a manutenção do poder.
A condição de poder e autoridade, quando não bem
administradas, podem permitir caminhos para relações marcadas
pela lógica autoritária das figuras pastorais, implicando em uma
IMPUREZA prática ministerial constituída a partir do controle e centralidade
[SAIBA MAIS] exclusiva das ações da comunidade eclesial e dos demais membros
Ainda que impureza no grego seja
dependentes da figura pastoral.
akatharsia, impureza tipicamente
denota imoralidade sexual. Tanto para o pastor, como para os membros da comunidade de fé,
(Cf. DUNN, 2003, p. 159).
dissociar as relações de poder e autoridade das relações autoritárias
e dominadoras é sempre um grande desafio. Porém, o exercício
constante das práticas de espiritualidade auxilia na forma como as
figuras pastorais podem lidar com esses desafios.
PORNIFICAÇÃO Nesse viés, é necessário aos ministros que exercem funções
[MATERIAL COMPLEMENTAR] pastorais não estarem voltados para si mesmos, antes, ocupem-
Análise interessante sobre a se com o oficio pastoral na perspectiva da kenosis, como pessoas
pornificação da sociedade encontra- cumpridoras de um dever, abraçando a ética de Jesus, voltando-se
se na obra de PAUL, Pamela.
Pornificados: como a pornografia está
necessariamente para fora e não exclusivamente para dentro de si.
transformando a nossa vida, os nossos Embora o ministério pastoral esteja associado a uma posição de
relacionamentos e as nossas famílias.
São Paulo: Cultrix, 2006.
poder diante da comunidade eclesial, a perspectiva ética do evangelho
sinaliza a necessidade de os ministros consagrados ao oficio pastoral
poderem se considerar como servos e servas vocacionados para o
exercício dos dons e ministérios, sem deixar-se envolver pelo poder
clerical que, por vezes, tende a seduzir o ministério pastoral para a
via da divinização e dos holofotes consagradores dos ministros do
evangelho como figuras de poder.
Portanto, faz-se necessário construir uma caminhada ministerial
em busca de uma ética pastoral que promova a condição de ministros
caminhantes, que abrem mão da perspectiva de poder e assume a
condição de serviço, solidariedade e humanidade, isto é, consciência
constante das fragilidades pessoais que impedem os caminhos de
super-homens-pastores.
A ética pastoral deve, também, produzir condições para haver a
realização do pastoreio mútuo, da caminhada conjunta com outros
pastores/as e ministros/as, produzindo um paradigma pastoral
constituído pela lógica do serviço e cuidado e não do poder autoritário.

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 109

4. ÉTICA E SEXUALIDADE
Outro pecado que tem derrubado muitos pastores – e às
vezes comunidades inteiras – é o da imoralidade sexual (grego
porneia). Na ética paulina, a porneia ocupa um lugar de destaque
nas preocupações do apóstolo para com os membros da igreja e
ministros. Isso se atesta no fato de que, das sete listas de vícios que
aparecem nos escritos de Paulo, a imoralidade sexual aparece em
cinco, figurando o primeiro lugar (1Co 5.10; Gl 5.19-21; etc.).
No entanto, o que é imoralidade sexual? O termo porneia e seus
cognatos, abarcam muitos conceitos no âmbito da sexualidade.
Porneia pode ser impureza, imoralidade sexual, qualquer tipo de
relação sexual ilícita; é também sinônimo de adultério. Conforme
Van den Born, porneia estigmatiza a decadência sexual do mundo
helenístico (BORN, 1985). James Dunn, por sua vez, atesta que porneia
cobre em seu campo semântico “[...] toda faixa de relações sexuais
ilegais” (DUNN, 2003, p. 159). Muitas vezes, o termo em análise é
traduzido por prostituição, contudo porneia é mais do que o sexo
comercializado, é todo e qualquer desvio sexual.
A inabilidade de lidar saudavelmente com a sexualidade (porneia)
acompanha a história da humanidade, por isso, tanto no Antigo
Testamento como no Novo Testamento, encontramos Deus exortando
seu povo a uma vida sexual íntegra e sadia. A sexualidade é mais uma
bênção de Deus. Todavia, podemos dizer que na atualidade vivemos
em um mundo pornificado, banhado pela pornografia, nesse caso,
ganhando o mesmo sentido de imoralidade sexual. Os meios de
comunicação têm sido utilizados para transpor barreiras, inclusive
a da privacidade. Isso gera patologias, em especial, na esfera da
sexualidade, com a proliferação de sites pornográficos (LISBOA,
2001). Diante dos meios de comunicação de massa, não se pode
tomar uma postura ingênua, pois esses, aos poucos, vão moldando
os conceitos sobre sexualidade, tanto de adultos quanto de crianças.
Pode-se dizer que a porneia penetra nas diversas camadas sociais
através dos meios de comunicação de massa, transformando o sexo
em uma prática extremamente egocêntrica e utilitarista, e não mais
uma expressão de carinho e compromisso (GRZYBOWSKI, 1998).
É nesse cenário que o pastor é chamado a ser um importante
conscientizador dos membros da comunidade de fé sobre uma
compreensão sexual sadia. Ele, como um ser humano inserido em
uma dada realidade, também precisa tomar cuidados para não gerar
escândalos sexuais e entrar para a triste estatística de pastores
adúlteros e viciados em pornografia. Obviamente, que o pastor, como
qualquer cristão (cristã), não está imune às tentações. Afinal, elas
sobrevêm sobre qualquer pessoa. O que faz a diferença é o estado
de vigilância em que esses se encontram.
Para não ser engodado pela imoralidade sexual, o pastor deve
estar sempre em vigilante oração e ser alguém resolvido em sua
vida sexual. Muitos acabam cometendo algum tipo de ato imoral,
porque o próprio casamento está mal fundamentado nessa esfera.
O próprio Paulo já falava ser o casamento a melhor maneira de se
lutar contra a imoralidade sexual. Inclusive, suas afirmações das

TÓPICO 02 - Aspectos da Ética do Ministério Pastoral


110 | História e Teologia do Ministério Pastoral

mútuas responsabilidades conjugais (1Co 7.3-4) eram progressistas


para a época. “Não menos digno de nota é o fato de que em 7.5 é
a abstinência sexual forçada que dá a Satanás oportunidade de
tentação, e não as delícias do leito conjugal” (DUNN, 2003, p. 160).

5. O PASTOR E O CUIDADO DE SI
Diante das muitas atividades do ministério pastoral, o cuidado
de si apresenta-se como uma necessidade constante para que haja
saúde emocional, espiritual e física do ministro vocacionado à vida
pastoral. Nesse sentido, existem três atividades essenciais para o
cuidado de si, são elas: oração, leitura da Bíblia e orientação espiritual.
São tarefas que não chamam a atenção por serem silenciosas e, por
isso mesmo, por vezes, passíveis de serem negligenciadas.
A oração, leitura da Bíblia e orientação espiritual são atividades em
que a atenção do pastor é centralizada em Deus; espaço/momento
em que sua vida está entregue diante de Deus e/ou do orientador
espiritual para ser cuidado e orientado. Nessas atividades, o pastor
se coloca diante de Deus por causa de seus relacionamentos: com
Deus, com sua Família e com a Igreja.
Peterson observa:
Sem esses três elementos não pode haver
crescimento substancial no pastorado. Sem uma
“devoção” adequada, nem mesmo os melhores
talentos e as melhores intenções poderão evitar
o enfraquecimento, que levará a uma vida, em
sua maior parte, de representação. [...] Muitos
descobriram que a prática deles é difícil (e um
pouco entediante) e, por isso, deixaram de executá-
los, substituindo-os por atividades que se encaixam
melhor na agenda dos pastores. É comum ouvirmos
colegas menosprezarem esses três exercícios da
comunhão prática com Deus, dizendo que não
têm queda para esse tipo de atividade ou que se
interessam por outros campos de ação. O fato é
que ninguém tem uma “queda” para essas práticas,
porque elas demandam esforço e são destituídas de
glamour (PETERSON, 2000. p. 14-15,16).
Construir uma base sólida sobre estes três fundamentos:
oração, leitura da Bíblia e orientação espiritual, fará com que
a pregação, o ensino e a administração da igreja surjam como
resultado. Todo trabalho pastoral desenvolvido alheio a esses
fundamentos carece de integridade (PETERSON, 2000).

a) A Oração
De todas as disciplinas espirituais, a oração é a principal, porque
conduz a uma comunhão permanente com Deus. Quanto mais próximo
o pastor procurar estar de Deus, mais enxergará a necessidade de ser
conformado a Cristo. A oração é a principal via usada por Deus para
nos transformar. Se o pastor não estiver disposto a mudar, ele deixará
a oração de lado, e ela não será uma característica perceptível em
sua vida. A oração está na raiz de toda santidade pessoal.
Não se pode ignorar que todo trabalho pastoral começa com

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 111

oração. Tudo aquilo que tem a participação do pastor, o que for criativo,
poderoso e bíblico, tem origem na oração. As Escrituras esclarecem
que a devida associação da Palavra à oração é a abordagem mais
estratégica do ministério. Uma discussão das palavras de Jesus em
João 15.7,8 e de Paulo em Efésios 6.10-20 demonstra a importância de
juntar a Palavra e a oração no ministério pastoral.
Em João 15.7,8, Jesus destaca uma vida de oração e conquistas
através das respostas do Senhor, o que resulta em glória a Deus,
multiplicação de frutos e autenticação da vida de oração. Já no texto
de Efésios 6.10-20, Paulo segue a liderança de Jesus, enfatizando a
importância da oração. Ele realça o poder da armadura de Deus e,
depois de detalhá-las, refere-se à oração que deve acompanhá-las.
Porém, antes de exortar os crentes de efésios a orar, Paulo lhes dá
um exemplo de oração.
“O pastor não deve ter a ousadia de negligenciar essas verdades,
pois elas destacam que, um ministério centrado em Deus,
profundamente moldado por sua Palavra e pela oração, produz frutos
aprovados” (ROSSCUP, 1998, p. 189-196). Os resultados da oração
devem transparecer na vida pessoal e familiar do pastor, nos seus
encontros cotidianos, nas reuniões de oração, de líderes, de grupos
pequenos, de obreiros, nas escolas dominicais. Os membros da
congregação devem ter como exemplos pastores que demonstrem a
importância da oração em suas vidas.

b) A Leitura Bíblica
Paulo escreveu a Timóteo: “[...] aplica-te à leitura” (1 Tm 4.13). É
dever do pastor aplicar-se à leitura bíblica. A Bíblia é o grande
recurso do pastor, ela não somente deve estar à sua mão como,
também, em seu coração; deve ter diligência ao estudá-la (2 Tm 2.15),
trazendo à memória as coisas estudadas. Como manual do pastor,
a Bíblia descreve aquilo que lhe é indispensável para servir bem a
Deus, como também ao rebanho sobre o qual Deus o constituiu (At
20.28) (KESSLER, 1988).
Todavia, em pesquisa realizada pelo editor e jornalista da Abba
Press & Sociedade Bíblica Ibero-Americana, Oswaldo Paião, revela
uma triste verdade: cerca de 50,68% dos pastores e líderes nunca
leram a Bíblia Sagrada por inteira pelo menos uma vez. Segundo o
autor da pesquisa, a falta de tempo e ênfase na pregação expositiva
são os principais impedimentos.
A falta de uma disciplina pessoal para determinar uma leitura
sistemática, reflexiva e contínua das escrituras sagradas e pressão
por parte do povo, atualmente cobra por respostas rápidas, positivas
e soluções instantâneas para problemas urgentes, sobretudo os
ligados a finanças, saúde e vida sentimental.
Vivemos em uma época de ativismo religioso, no entanto é
inadmissível que o pastor alegue falta de tempo como desculpa
para sua omissão na leitura bíblica. Diante desse quadro, Paião
adverte: “muitos pastores precisam rever seus conceitos teológicos

TÓPICO 02 - Aspectos da Ética do Ministério Pastoral


112 | História e Teologia do Ministério Pastoral

e eclesiológicos, sem falar de ética e moral, simplesmente ao ler com


atenção e reflexão os livros de Romanos, Hebreus e Gálatas”.
A autoridade das Escrituras, reconhecidas como autoridade
da parte de Deus, deve levar o pastor a esforçar-se para obter o
resultado quádruplo que a leitura da Bíblia deve proporcionar: captar
sua mensagem, entronizar suas doutrinas, aplicar a sua sabedoria e
compartilhar suas verdades.

c) Orientação Espiritual
A Orientação Espiritual é um diálogo entre pessoas com o único
intuito de que a vontade de Deus se manifeste na vida do orientado
e também do orientador, pelo Poder da Palavra de Deus, da vivência
do amor, da compaixão e pela unção do Espírito Santo de Deus.
Muitas atividades no ministério pastoral exigem que o pastor
use de autoridade enquanto as exerce, entretanto, ele não deve
esquecer que a identidade cristã consiste em servir. A prática da fé
envolve o exercício da obediência; uma atitude exatamente oposta
à autoridade. A fé é o ato de submissão ao senhorio de Cristo, a
reação voluntária a seus mandamentos. Não obstante, se o pastor
está o tempo todo exercendo autoridade, quando é que ele tem a
oportunidade de praticar a obediência? Enquanto a sua posição
requer atos de autoridade, a sua fé, em contrapartida, exige que viva
em submissão. Por isso, se faz necessário que o pastor tenha um
orientador espiritual, ou seja,
[...] Quem representa a autoridade de Deus para
nós, enquanto passamos os mandamentos dEle
para nossas congregações e comunidades? Nossa
já grande propensão para o orgulho é estimulada
dezenas de vezes por dia, sem que ninguém esteja
presente para nos alertar. Não é só agradável para um
pastor ter um orientador espiritual, é indispensável
(PETERSON, 2000, p. 152).
O pastor é visto frequentemente de modo distorcido pela
comunidade, isto é, concebido de modo idealizado, como não sujeito
a dores e tristezas, quase um super-homem! Segundo Oliveira (2007),
muitos pastores são culpados por essa idealização, pois não apenas
aceitam ser tratados como um ser mais que humano, como também
incentivam o povo para assim os ver. Por isso, é necessário construir
um paradigma de ministério pastoral que é baseado na humanidade
dos pastores, aceitando suas ambiguidades como normais, para que
se desenvolva a cultura de mentoria espiritual, onde cada pastor terá
um outro parceiro ministerial para cuidar de sua vida e ministério.
Se Jesus Cristo apesar de sua condição divina, não fez alarde de
ser igual a Deus, mas se esvaziou de si e tomou a condição de escravo,
porque os pastores em sua condição humana, fariam alarde de ser
algo mais do que humanos? Os pastores precisam de orientadores
espirituais. A sanidade espiritual assim o exige. Viver em sujeição à
cruz é a única maneira de ficarmos livres do perigo de andar sozinhos
e levar os “fardos” do ministério na solidão e desamparo de outros
colegas ministeriais.

UNIDADE IV - Carisma e ética no ministério pastoral


História e Teologia do Ministério Pastoral | 113

LEITURA COMPLEMENTAR

A família, o sexo e a sexualidade: perspectivas pastorais


James Farris

Resumo
A intenção deste curto ensaio é esboçar o desenvolvimento da
ética sexual cristã a fim de discutir alguns dos desafios atuais a
respeito da sexualidade e do sexo nas vidas de indivíduos e famílias
dentro das Igrejas Protestantes Históricas. As diferenças entre os
termos sexo e sexualidade estão apresentadas. A discussão está
marcada por uma abordagem pastoral, baseada em questões e
problemas históricos e as tensões entre éticas, moralidades e
tradições das Igrejas Protestantes Históricas e novas informações
oferecidas pelas ciências humanas.

Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistasmetodista/index.


php/Caminhando/article/vie/1223/1229>. Acesso em: 23 out. 2018.

RESUMO DO TÓPICO

Nesse tópico você aprendeu que:

• A ética cristã se preocupa com as mesmas questões


que a ética social: a preservação da vida, a postura do
ser humano diante das leis que regem os Estados, etc.
Contudo, a ética cristã vai além, pois olha para a criação
e a sociedade a partir dos valores bíblico-teológicos,
procurando colocar esse saber em prática no dia a dia.
• O pastor sábio faz isso: do dinheiro um servo. É aquele
que conhece a comunidade de fé e sabe como ninguém
onde as necessidades são mais urgentes e precisam
desse servo.
• Um dos fatores que contribui para a ocorrência de atos
imorais é o tempo demasiado gasto com o trabalho. O
pastor não pode negligenciar sua vida matrimonial em
detrimento da vida ministerial.
• O poder concedido ao pastor, tanto por Deus como pela
instituição, deve ser usado para amalgamar relações
e não para distorcê-las. Esse poder é para o serviço ao
próximo e não para o benefício próprio.

TÓPICO 02 - Aspectos da Ética do Ministério Pastoral


114 | História e Teologia do Ministério Pastoral
História e Teologia do Ministério Pastoral | 115

Referências

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