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ANTOLOGIA

PROGRAMA DE MENTORIA PASTORAL

Essa ANTOLOGIA (coletânea de textos) tem por objetivo servir como recurso de apoio para
cada um dos 6 objetivos do PMP. Os textos que não são dos autores do PMP, mesmo sendo
por eles escolhidos, não necessariamente representam suas opiniões. Foram escolhidos
visando ampliar seu horizonte e trazer reflexões relacionadas a cada um dos objetivos. No
decorrer dos 6 encontros do PMP você será orientado(a) em relação as tarefas dessas
leituras, como também sobre a exigência de ler o livro Pastoral a caminho, de Jorge Herique
Barro. Por favor, não repasse essa Antologia. Uso exclusivo para o PMP!

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1. As sete dimensões da vida e atividades
pastorais
Wilson Costa dos Santos

2
AS 7 DIMENSÕES DA VIDA
E ATIVIDADES PASTORAIS
Wilson Costa dos Santos

Primeira Dimensão: Ensino da Palavra


Conceito Um pastor da Igreja de Cristo tem de ensinar a Palavra de Deus ao
povo, de modo eficiente e que produza transformação na vida das
pessoas e da comunidade.

Ampliação do Dentre os dons que Cristo concedeu a sua Igreja para equipar os
Conceito santos (Ef. 4.11, 12), ele designou alguns membros do Corpo de
Cristo para ser “pastores-mestres”. O ensino da Palavra é
intrínseco à atividade do pastor, uma vez que é pela Palavra que
os discípulos de Jesus são limpos (Jo. 15.3); faz-se dos crentes
verdadeiros adoradores de Deus pela renovação da mente (Rm.
12. 1, 2); a transformação do velho homem em novo homem se
faz pela “renovação do espírito do vosso entendimento” pela
justiça e retidão que procedem da verdade (Ef. 4.22-24). Além
disso, os próprios apóstolos declararam que dedicar-se ao
ministério da palavra de Deus era a prioridade do ministério deles
(At. 6.2, 4). Observe também a instrução do apóstolo ao jovem
pastor Timóteo em I Tm. 4.6.

Papéis • Pregador
Relacionados • Professor
• Conferencista
• Consultor

Atividades • Pregar a Palavra, através das oportunidades que ocorrem nas


relacionadas reuniões da igreja ou fora dela.
• Apresentar a Palavra em palestras quando convidado.
• Ensinar a Palavra, em classes, em grupos pequenos,
individualmente.
• Escrever artigos sobre temas da fé cristã.

Indicadores de • As pessoas da igreja comentam e conversam sobre o que o


Eficiência pastor prega, demonstrando compreensão e implicação do
ensino para suas vidas?
• O ensino apresentado para os adultos, através de aulas, é
dialogal, proporcionando oportunidade para perguntas,
esclarecimentos, aplicações pertinentes à vida das pessoas?

Algumas • Usar textos bíblicos por pretexto.


mazelas típicas • Oferecer ensino com pouca relevância, destituído de qualquer
implicação prática para a vida das pessoas.
• Não distinguir a forma de comunicação mais adequada ao
momento (pregar quando foi convidado para trazer uma palestra,
por exemplo).

3
• Não distinguir o público-alvo da sua comunicação (apresentar
tema e conteúdo inadequado para um público de não crentes, por
exemplo).
• Usar do espaço da pregação na igreja para “mandar recados” ou
tratar de temas delicados que devam ser tratados individual e
particularmente.

Segunda Dimensão: Aconselhamento Pastoral

Conceito Um pastor da Igreja de Cristo tem de envolver-se com o


aconselhamento a fim de tornar mais frutífero e personalizado o
ensino da Palavra e produzir discípulos de Cristo.

Ampliação do O aconselhamento pastoral emerge da atividade do ensino, da


Conceito necessidade de aclarar o seu conteúdo e torná-lo particularmente
relevante e aplicável a cada ouvinte. Somos chamados a fazer
discípulos de Cristo. Mais do que um seguidor, um discípulo é
alguém que tem a sua vida disciplinada (palavra cognata de
discípulo) à luz dos ensinos do seu Mestre, Jesus. Por certo esta é
uma responsabilidade de toda a comunidade cristã, de uns para
com os outros (vide a ocorrência da palavra “uns aos outros” no
NT - cerca de 50 vezes ocorre “allelon”), como orienta o apóstolo
Paulo: “instruí-vos e aconselhai-vos uns aos outros...” (Cl. 3.16).
Aconselhar aqui é admoestar, exortar, corrigir mediante a
advertência e ensino (Chave Lingüística do NT). O
aconselhamento por certo está implícito quando o ensino é
“paidéia”, educação para a vida, mais do que mero ensino (cf. II
Tm. 2.25 por ex.)

Papéis • Amigo e companheiro


Relacionados • Confidente
• Discipulador
• Conselheiro

Atividades • Ser conselheiro disponível as pessoas da igreja, definindo local


relacionadas e horário para ser procurado.
• Visitação, nos lares ou nas empresas (a profissionais liberais),
onde ocorram oportunidades de conversas informais e
particularizadas.
• Desenvolver atividades para o cultivo de amizade cristã a fim
de proporcionar oportunidades às confidências.
• Abordar temáticas relacionadas às vivências da fé cristã nos
dias de hoje nos diferentes ambientes das pessoas.

Indicadores de • Quantas pessoas procuram o pastor para se aconselharem?


Eficiência • As pessoas que buscam ajuda em aconselhamento retornam?
Mantém-se num programa sistemático de aconselhamento de
maneira fiel?

4
• As pessoas aconselhadas dão retorno favorável quanto à ajuda
que receberam através do aconselhamento e referem sobre a
solução de problemas difíceis?

Algumas • “pastor-companheirão” – já não exerce liderança e perdeu a


mazelas típicas autoridade de advertir e corrigir.
• “pastor-cúmplice” – sua condescendência reforça ou tolera
atitude pecaminosas, ao invés de suscitar transformação.
• “pastor-comadre” – por meio de conversinhas dá a conhecer a
outros informações sigilosas obtidas no aconselhamento.

Terceira Dimensão: Gestão Eclesiástica

Conceito O pastor de uma igreja local há de cuidar para que aspectos da


organização eclesiástica sejam administrados de maneira que não
comprometam seu ministério pastoral.

Ampliação do A princípio, pode parecer pouco apropriado que pastores gastem


Conceito seu tempo nas tarefas ligadas à gestão eclesiástica. Ou, pelo
menos, alguns podem achar que não deveria ser uma área
prioritária em sua atividade ministerial pastoral. Aos presbíteros
foi recomendado que soubessem governar sua própria casa para
que saibam como cuidar da igreja (I Tm. 3. 4, 5). Entretanto, os
pastores, por razões diversas, acabam por se envolver com
aspectos da gestão eclesiástica. Especialmente em igrejas
menores, ele é o que tem mais conhecimento e aptidão para
gerenciar algumas coisas desta área. E, mesmo em igrejas
maiores, ele acaba tendo de exercer liderança, orientar ministérios
e seus líderes, administrar conflitos entre os diversos líderes, e
mesmo supervisionar as atividades de alguns funcionários
contratados pela igreja. Há também implicações de ordem legal,
constitucional e financeira, que faz o pastor representar a igreja
em juízo e fora dele, como presidente do Conselho.

Papéis • Líder
Relacionados • Planejador
• Coordenador
• Administrador

Atividades • Liderar a comunidade na busca compartilhada da direção aos


relacionadas objetivos de longo prazo.
• Coordenar várias atividades que contribuam para o
desenvolvimento da Igreja.
• Coordenar a liderança da Igreja de modo que ela se torne um
exemplo para outros líderes e contribua.
• Administrar situações e pessoas com vistas a criar ambiente e
relacionamentos propícios ao progresso da Igreja, de seus
ministérios, de suas atividades.

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Indicadores de • Administra de forma satisfatória os aspectos “burocráticos” do
Eficiência Conselho, Junta Diaconal etc. que são inerentes à função de
pastor de uma igreja local?
• Consegue distinguir o “urgente” do “importante” e investe
tempo e energia nos projetos de longo prazo para a vida da
igreja?
• Lida bem com as pessoas, orientando-as quanto à tarefa que
lhes cabe, corrigindo as falhas e mantendo-as motivadas?

Algumas • “pastor-executivo” – o ministério se reduziu às tarefas


mazelas típicas burocráticas e organizacionais.
• “pastor-empresário” – tudo na igreja gira em torno de conceitos
empresariais e tem de dar resultados financeiros.
• “pastor-gerentão” – ele sabe tudo, todas as ordens procedem
dele, e, para ele, “manda quem pode e obedece quem tem
juízo”.

Quarta Dimensão: O Zelo com o Corpo

Conceito O pastor de uma igreja há de cuidar do seu corpo e da sua saúde,


desfrutar de períodos regulares de lazer, com a família e também
sozinho, além de gozar merecido período de férias, a fim de
manter suas condições físicas para servir sua igreja.

Ampliação do O corpo é criação de Deus e é parte constituinte de nosso ser. O


Conceito ser humano, homem e mulher, viu-se pela primeira vez como
criatura de Deus em um corpo. Não somos gnósticos, defensores
de uma espiritualidade fora do corpo e livre dele. Deus tem um
plano para nossos corpos mesmo na eternidade: cremos na
ressurreição do corpo (I Cor. 15). O corpo também é instrumento
para o nosso trabalho enquanto pastores: através dele travamos
relacionamentos, somos conhecidos pelas pessoas, estabelecemos
uma imagem, servimos as pessoas através de nosso ministério.
Portanto, o zelo com o corpo tem de estar em nossa pauta de
cuidados com a vida: fazer exercícios físicos regulares, submeter-
se a exames médicos periódicos para avaliar a saúde. Além disso,
zelar pelo corpo implica em cuidar da aparência: peso adequado,
asseio pessoal e cuidados com cabelo e barba, roupas bem
cuidadas e harmonizadas. Podemos incluir neste tópico o aspecto
do lazer, como fonte de descanso e reposição das energias do
corpo, através de atividades regulares de lazer e períodos de férias
bem gozados. Além disso, decorrente do cuidado com corpo, vêm
como necessidades: o pão diário, o nosso trabalho, o dinheiro
necessário para nossa vida e de nossa família. Administrar bem
nossas finanças pessoais é um item de sobrevivência e saúde.

Aspectos • Apresentação pessoal


Relacionados • Saúde, lazer e hobby
• Vida familiar

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• Finanças pessoais

Atividades • Realizar exercícios físicos regulares para manter o bom


relacionadas condicionamento físico.
• Zelar pela aparência física e apresentação pessoal.
• Verificar periodicamente os indicadores de boa saúde, como
pressão, colesterol, açúcar, peso etc.
• Realizar atividades de lazer e tirar férias.
• Administra bem as finanças pessoais e familiar.

Indicadores de • Sentir-se com disposição para sua jornada de trabalho diária.


Eficiência Acordar “pronto” para um novo dia.
• Ser fiel no tempo para convivência em família, dedicando
tempo pessoal à esposa e aos filhos individualmente.
• Manter as contas dentro do orçamento. Não gastar mais do que
recebe. Evita o peso de dívidas e pressões financeiras.

Algumas • “pastor-vaidoso ou modelo” – “se acha fisicamente”.


mazelas típicas • “pastor-fofinho” – demonstra pouco caso com seu corpo e sua
saúde. Está de briga com os médicos.
• “pastor-esportista” – faz footing com os homens, joga vôlei com
as mulheres e joga futebol com a moçada.

Quinta Dimensão: O Cuidado com as Emoções

Conceito O pastor de uma igreja há de ser uma pessoa equilibrada


emocionalmente, a fim de lidar de modo adequado com as pessoas
e situações, especialmente com as mais difíceis e desgastantes,
para poder realizar bem seu trabalho pastoral.

Ampliação do As emoções têm a ver com nossa alma, ou como também


Conceito dizemos, com nosso “estado de espírito”. Nossas emoções dão o
tom de nossas manifestações através do corpo: alegria e tristeza;
afabilidade ou irritação; simpatia ou cara de poucos amigos;
entusiasmo ou desânimo; compreensão ou sarcasmo; disposição
ou apatia. As emoções afetam nossos relacionamentos pessoais,
familiares e profissionais. É natural que vivamos momentos em
que nossas emoções oscilem de um pólo a outro, mas precisamos
desenvolver equilíbrio emocional de tal maneira que as pessoas se
sintam seguras ao relacionar-se conosco. Um pastor precisa lidar
adequadamente com pessoas e situações irritantes, a fim de
preservar seu espaço de convivência e ministério. Se perder a
linha em toda reunião do Conselho quando surgem assuntos
delicados e difíceis, pode ser rotulado de bravo ou irritadiço.
Entretanto, se nunca assume uma postura e a expressa de maneira
adequada, vai parecer sem opinião ou fraco. Se tiver dificuldade
de perdoar as pessoas quando elas não corresponderem a sua
expectativa, em pouco tempo poderá “estar de mal” com a maioria

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do povo da igreja. Se estressar em toda situação de conflito e
grande tensão, sua saúde logo pode estar comprometida.

Aspectos • Alegria e tristeza


Emocionais • Otimismo e pessimismo
Envolvidos • Coragem e desânimo
• Irritabilidade e tranqüilidade

Atitudes • Manifestar alegria e apreço pela vida.


relacionadas • Tratar as pessoas com respeito e simpatia.
• Perdoar e pedir perdão em face das falhas e ofensas.
• Desenvolver equilíbrio emocional a fim de reagir
adequadamente ante as situações de conflito e oposição.
• Viver com contentamento e esperança como manifestação da
graça de Deus em sua vida.

Indicadores de • Não perder o sono por raiva ou falta de perdão.


Eficiência • Conseguir manter o controle emocional mesmo em situações de
grande tensão e conflito.
• Conversar com amigos sobre pessoas e situações que o
aborrecem com o objetivo de ser ajudado a superar as
dificuldades que vem encontrando.

Algumas • “pastor-animador” – ele é um showman.


mazelas típicas • “pastor-dramático” – os episódios mínimos tornam-se grandes
dramas pessoais e familiares.
• “pastor-melancólico” – faz coro com a hiena: “ó vida, ó azar”.
Tudo é sempre tão difícil!
• “pastor-esquentadinho” – “pavio curto”, logo tem uma resposta
na ponta da língua em tom irritadiço.

Sexta Dimensão: O Cultivo da Mente

Conceito O pastor de uma igreja tem de ter compreensão bíblico-teológica


adequada a sua função de mestre, além de estar devidamente
informado sobre sua época e ter conhecimentos de outras ciências
que o auxiliem na sua tarefa pastoral

Ampliação do Deus nos dotou de inteligência, no que nos distinguiu do restante


Conceito dos animais criados. É um dos atributos que nos torna “à imagem
e semelhança” do Criador. Num primeiro momento, nossas
capacidades mentais respondem pela nossa capacidade de adquirir
conhecimento, processar informações, compará-las e estabelecer
conceitos e formulações. Esta capacidade é importante para um
pastor, que tem de estudar, obter conhecimentos de línguas
originais, filosofia, teologia etc. Segundo o apóstolo Paulo, um
“obreiro aprovado que não tem do que se envergonhar” ele
“maneja bem a palavra da verdade”. “Cortar” ou esquadrinhar
bem a palavra, exige capacidade de leitura, compreensão, exegese,

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interpretação adequada – todas, habilidades que envolvem o uso
da mente. Além disso, a mente registra a experiência da vida que,
aliada ao conhecimento da doutrina, produz sabedoria. Sabedoria
é conhecimento aplicado de maneira adequada às circunstâncias
da vida, de maneira a orientar a caminhada, as posturas, as
tomadas de decisão. O pastor precisa de sabedoria não apenas para
sua vida, mas para sua atividade de conselheiro, orientador,
supervisor. (Vide as orientações de Paulo a Timóteo, em I Tm
4.13-5.2, que envolvem: leitura, ensino, exortação, repreensão.)

Atividades • Estudar e fazer cursos


Envolvidas • Ler jornal e revistas
• Buscar novos conhecimentos

Atitudes • Ter um programa sistemático de leitura de livros que o


relacionadas mantenham atualizado e renovado em seus conhecimentos.
• Fazer cursos avulsos ou um curso de especialização na sua área
de conhecimento ou outras correlatas.
• Estabelecer um plano de carreira, de tal maneira que sabe onde
está agora e onde quer chegar daqui a 5 ou 10 anos.
• Viver a vida com a atitude de um “crítico contemplativo”
(tomado de Henri Nouwen), pois “são guiados por uma visão
que ultrapassa as preocupações triviais de um mundo possessivo
(...) pois estão em contato com o que é básico, central e último”.
Daí vem a sabedoria!

Indicadores de • Estabelecer quantos e quais livros ler em um tempo


Eficiência determinado e cumprir isso.
• Completar metas de estudos de especialização ou de obtenção
de novos conhecimentos dentro de períodos pré-estabelecidos.
• Perceber desenvolvimento de maturidade e sabedoria pessoais
com o passar dos anos.

Algumas • “pastor-doutor” ou “pastor enciclopédico” – as pessoas o


mazelas típicas admiram porque fala bonito, embora não o compreendam!
• “pastor-pedante” – ele sabe mais do que todos e não perde
oportunidade para demonstrar seus conhecimentos.
• “pastor-racional” – 100% razão, 0% sentimentos.

Sétima Dimensão: A Comunhão com Deus

Conceito O pastor, apesar das muitas atividades e correria, precisa separar


tempo para desenvolver comunhão com Deus, a fim de
desenvolver uma percepção adequada da sua filiação com o Pai,
pelo qual é amado e do qual surge sua vocação e unção para
realizar a tarefa que o Pai lhe tem concedido.

Ampliação do Ministros da reconciliação (II Cor. 5. 19, 20) têm de estar de fato
Conceito reconciliados com Deus, ou seja, em comunhão com Deus. O
ministério do Senhor Jesus oferece muitos exemplos de como

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Jesus buscava estar em comunhão com o Pai, através de
momentos específicos de oração, em falas recorrentes nas quais se
dirigia ao Pai em meio aos acontecimentos da vida, no seu próprio
testemunho de que sua comida era fazer a vontade do Pai. O
relacionamento íntimo com Deus é que vai nortear o pastor quanto
à direção do seu ministério ao povo de Deus. A comunhão com
Deus trará equilíbrio tanto à sua vida quanto ao exercício do seu
ministério, dando-lhe sabedoria sobre as ênfases do momento, a
escolha das pessoas com as quais deve dedicar mais tempo, a
maneira de conduzir determinadas situações. Do relacionamento
com Deus surge o senso de vocação, assim como Jesus, no
batismo, ouviu “tu és meu filho amado, no qual tenho prazer”. O
sentimento de filiação ao Pai não advém de sua atividade e
ministério, mas da palavra do Pai. Da filiação e da vocação, surge
a unção – o Espírito que nos habilita e fortalece para o serviço.
Esta dimensão é a que dá unidade e significado integrado a todas
as seis dimensões anteriormente citadas.

Atividades • Orar
Envolvidas • Meditar
• Desenvolver alguma atividade de retiro.
• Ter companheiros de vida.

Atitudes • Manter disciplina de oração.


relacionadas • Dedicar tempo regular para meditação, lendo a Bíblia, lendo
livros que alimentam a alma, contemplativos, biografias, etc.
• Procurar realizar períodos de retiro, de tempos em tempos, para
aprofundar atividades de oração, meditação, leitura, avaliação
da sua vida e ministério.
• Ter encontros periódicos com irmãos companheiros de vida
com quem possa abrir-se e prestar conta de sua vida.

Indicadores de • Verificar se consegue ter tempo regular de oração.


Eficiência • Tira tempo regular para meditação pessoal ou apenas para
preparar estudos, mensagens, artigos etc.?
• Tem um ou dois amigos com os quais consegue falar sobre seus
sentimentos e temores mais íntimos, com os quais pode orar e
receber a bênção do companheirismo cristão?

Algumas • “pastor-espiritual” ou “pastor santinho” ele só fala de coisas


mazelas típicas espirituais, há uma aura sobre sua cabeça e ele jamais se
relaciona com as pessoas no nível mundano.
• “pastor-místico” – a vida se dá tão somente no plano espiritual e
tudo precisa ser “amarrado”, “liberado”, “ordenado” etc.
• “pastor-eremita” – onde será que ele se esconde durante a
semana?

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1. O papel do pastor e do leigo no crescimento da igreja
Antonio Carlos Barro
2. Os 6 grandes desafios da comunicação digital à
pastoral
Antonio Spadaro
3. O declínio da pregação e a decadência da igreja
Judiclay S. Santos

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O PAPEL DO PASTOR E DO LEIGO NO CRESCIMENTO
DA IGREJA
Antonio Carlos Barro
Introdução

Qual é o papel do pastor e do leigo nas igrejas hoje? Tendo em pergunta como ponto
de partida, procuraremos demonstrar neste trabalho que existe ainda hoje uma má
compreensão por parte dos pastores e dos leigos quanto ao papel de cada um deles na missão
da igreja. Este trabalho irá, portanto, oferecer uma perspectiva bíblica e adequada a realidade
brasileira como resposta para a pergunta acima.

O pastor como chave para o crescimento da igreja

Richard Baxter no livro O Pastor Aprovado sugere cinco itens que devem fazer
na vida do pastor de qualquer igreja:

• O pastor deve ser vigilante, cf. At. 20.28. "Ser bispo, pastor ou presbítero não é
postar-se como um semideus ante o qual o povo deva prostrar-se, nem viver
atendendo aos próprios desejos e prazeres carnais. É trágico quando os homens
aceitam uma vocação e não sabem qual é a sua natureza e, portanto, não sabem
com o que se comprometeram" pg. 116.
• Aceitar solenemente o ser encargo pessoal. Ninguém obrigou o pastor a ser pastor.
Portanto, tem que se ter cuidado com o orgulho, a autossuficiência. Não
menosprezar os mestres de quem aprendemos e os conselhos dos mais idosos no
ministério. Todos precisamos de auxílio de alguém.
• A honra de ser ministro deve servir como elemento motivador, mas deve ter
cuidado para não lutar por proeminência e posição, pois isto contraria a natureza
do ofício de ministro.
• Reconhecer o privilégio de ser ministro. Viver do sustento provido pela igreja; a
oportunidade de estudo; e a continua tarefa de pregar Cristo ao mundo.
• Reconhecer a sua mordomia em Cristo. Somos mordomos do Senhor, e se ele nos
chamou, ele também cuidará da nossa segurança. Assim como ele alimentou Elias,
ele alimentará a cada ministro do evangelho.

Lewis Chaney afirma que: "O papel do pastor é o de capacitar ou equipar -- e não
ser somente um pregador semanal. Proclamação é uma das muitas funções da liderança
pastoral na igreja".1 Mais e mais isto tem se tornado uma realidade. Igrejas nas quais os
pastores estão somente preocupados em pregar um belo e expositivo sermão, mas sem tempo
para discipulado ou para preparar o povo para testemunhar no dia a dia, raramente
experimentam algum tipo de crescimento. James C. Fenhagen disse que: "O ministério da
capacitação é um elemento crucial na constante renovação na vida da igreja".2
A verdade que precisamos afirmar é que o ministério do discipulado é uma das
tarefas mais difíceis dentre as muitas atividades pastorais. Talvez a razão principal desta
dificuldade é que este ministério toma muito tempo e energia do pastor. Outras razoes podem
ser mencionadas.

1
Charles L. Chaney e Ron S. Lewis. Design for Church Growth. Nashville: Broadman Press, p. 77.
2
James C. Fenhagen. Mutual Ministry. New York: Seabury Press, 1977, p. 99.

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Por causa da terrível economia que assola o país e as nossas igrejas, muitos dos
pastores estão dividindo o seu tempo com outros empregos. Empregos que consumem
grande parte da energia que poderia ser devotada a igreja. Este é um problema conjuntural
e o pastor não deve se sentir culpado por não devotar mais tempo ao seu ministério. O desafio
fica com as igrejas, que se querem ver o pastor trabalhando com dedicação integral, devem
pela fé, amor e ousadia crista, pagar o salário digno que o seu pastor merece.
Outra razão da falta do discipulado é apresentada por Robert Coleman. Ele afirma
que:

Pessoas que estão em posição de liderança na igreja não tem a menor idéia sobre como ensinar
outros a observarem todas as coisas que Jesus comandou. Onde isto ocorre, não é surpresa
encontrar crentes que fracassam na peregrinação da fé, quanto mais, se falarmos no
desenvolvimento do potencial de seus ministérios.3

É um paradoxo pensar que a arte de fazer discípulos, prática tão comum nas Sagradas
Escrituras, é algo totalmente desconhecido de muitos pastores, justamente eles que passaram
quatro anos ou mais nos seminários estudando a Bíblia. Pastores no Brasil, principalmente
nas denominações mais tradicionais, são louvados por suas capacidades de oratória. Arte
que eles adquirem nos cursos de homilética.
Por outro lado, a maioria destas instituições falham em preparar o pastor para o
ministério do discipulado e é justamente este ministério que mais contribui não só para o
crescimento da igreja, como para uma melhor compreensão quanto ao papel do crente na
sociedade de hoje. Ministério que irá ajudar o fiel a relacionar a sua fé com o mundo e não
fugir do mundo por causa da sua fé.
Enquanto os pastores não se darem conta desta realidade, o crescimento da igreja
local e denominacional será uma tarefa quase que impossível. Mark A. Finley, em um
pequeno artigo intitulado O Pastor - Chave para o Crescimento da Igreja apontou para este
fato com muita propriedade.

A pessoa chave no inteiro processo do crescimento de igreja é o pastor. A igreja que tiver um
pastor que creia que é da vontade de Deus que a sua igreja cresça e que compreenda que o
propósito da igreja é redentivo, vera a sua igreja crescer. Se o crescimento da igreja é tão somente
uma das muitas opções congregacionais, o mesmo será inconsistente e esporádico. Qualquer
pastor que for sensível a direção do Espírito Santo, que leva a autoridade da Bíblia com seriedade,
e que ora inteligente e sistematicamente sobre as suas prioridades em como capacitar a sua igreja,
verá crescimento.4

Estes fatos não estão sendo mencionados para que o pastor se orgulhe da sua posição
e venha a tirar proveito por causa dela. Isto está sendo dito justamente para mostrar que o
pastor como líder que é da sua comunidade, tem a obrigação de conduzir o seu rebanho com
dedicação e fidelidade ao chamado de Deus.
Uma das muitas maneiras do pastor mostrar esta fidelidade, é reconhecer que as
ovelhas do seu rebanho também possuem dons outorgados por Deus. O papel do pastor
como líder é reconhecer estes dons e encorajar os crentes a colocá-los em prática. Isto é
muito difícil para a maioria dos pastores. Difícil porque muitos deles vêem-se a si mesmos
como a principal e mais importante figura dentro da igreja a que pastoreiam.

Estimulador do Rebanho

3
Citado em LeRoy Eims. The Lost Art of Disciple Making. Grand Rapids: Zondervan Publishing House,
1978, p. 9.
4
"The Pastor - Key to Church Growth," The Presbyterian Layman, Vol. XV, No. 5, Set/Out. 1982, p.4.

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O pastor não somente supervisiona o rebanho, mas a ele cabe principalmente a
tarefa de estimular os crentes a obra do Senhor. Se isto não acontecer, a igreja pode chegar
ao ponto de eventualmente não precisar do pastor. Para estimular o rebanho, o pastor tem
que passar por um processo de reflexão e atingir a um grau de maturidade para que possa
exercer o dom de estimular outros ao serviço. Caso isto não aconteça, o pastor consciente
ou inconscientemente exercerá a função de "podador" dos sonhos e aspirações do povo
de Deus.

Provedor de Oportunidades de Trabalho

Se a função da ovelha é gerar outras ovelhas, a função do pastor é prover avenidas


de trabalho para que o crente venha a exercer o seu ministério. Esta responsabilidade
cabe ao pastor e a liderança da igreja e não aos crentes. Para ser este provedor de
oportunidades, a liderança tem que passar por um processo de mudança de paradigma. O
nosso padrão de igreja esta fundamentada na tradição que divide pastor e leigo. Para que
isto aconteça a liderança deve ver o povo, principalmente os líderes dentre ele, não como
competidores pela "honra" do trabalho realizado, mas como pessoas que desejam ver o
reino de Deus expandido.
Muitas vezes os pastores não gostam de reconhecer aqueles que possuem
principalmente o dom do evangelista. Eles temem que o sucesso destes evangelistas em
trazer novas pessoas para igreja irá de alguma maneira ofuscar o brilho de seus ministérios.
Não compreendem eles que em reagindo desta maneira, estão tão somente comprovando
que seus ministérios estão totalmente despojados do brilho e fadados ao fracasso. Não é,
portanto, de admirar que a freqüência com que pastores mudam de igreja é assustadoramente
alta.

O papel dos leigos nas igrejas

O dicionário assim define: "Que, ou aquele que não tem ordens sacras; que, ou
aquele que é estranho ou alheio a um assunto". É aquela pessoa que não possui o
conhecimento teológico profissional do clérigo. Uma definição sociológica, seria aquele
que ganha o seu sustento em uma ocupação secular e não do serviço a igreja. Estas
definições partem do negativo.
A palavra "leigo" vem do grego laos, que em temos gerais significa "o povo total".
A frase ho laos to Theou, quando aplicada a igreja significa: "o povo de Deus." Neste sentido,
todas as pessoas que foram incorporadas no corpo de Cristo são laos, um povo chamado por
Deus com uma missão especial neste mundo. As seguintes passagens bíblicas ilustram este
fato: Atos 15:14; Hebreus 4:9 e 1 Pedro 2:10. Todas estas passagens referem-se ao povo
como pertencendo a Deus. Estes autores bíblicos não fazem distinções entre o clero e o corpo
de fiéis. Da dualidade Greco-Romana da cidade-estado (polis), a igreja primitiva tomou
emprestado as distinções de Kleros (Magistrado) e laos (povo). Logo, se tornou comum falar
de Kleros e laos, o clero e o laico.5
Este desvio das Escrituras nos levou a tradição de devotar um lugar especial para os
clérigos e praticamente nenhuma responsabilidade aos então chamados leigos no
desenvolvimento da igreja. Oliver vai mais alem, quando pensa particularmente nas igrejas
de tradição reformada:

A não bíblica dicotomia clero-laico tem se tornado entre os cristãos reformados, bem como entre
os outros, uma tradição sagrada, trazendo com ela um amontoado de praticas, concepções,

5
"The Pastor - Key to Church Growth," The Presbyterian Layman, Vol. XV, No. 5, Set/Out. 1982,
p.4.

14
atitudes e racionalizações -- afortunadamente entre os leigos também. De fato, tem se assumido
que este é o modelo reformado. Quem propõe mudanças é geralmente visto com suspeitas.6

Não nos enganemos em pensar que esta dicotomia está presente somente entre
aqueles de tradição reformada. Isto e visto em quase todas as denominações tradicionais,
pois todas elas seguem mais ou menos um mesmo modelo de ministério, isto é,
fundamentado quase que tão somente no trabalho dos pastores.
Esta dicotomia precisa ser dissolvida para que se restaure o modelo bíblico de
ministério. O primeiro passo para esta mudança deve ser dado pelos pastores. Jim Stockard
afirma: "Ao menos que os clérigos possam com entusiasmo renunciar ao seus status de
primazia entre o povo de Deus, eu vejo poucas possibilidades para validação de seus
ministérios como um todo".7
O pastor, todavia, não é o único a ser responsabilizado pela falta de envolvimento de
leigos no ministério da igreja. A verdade é que os seminários pouco têm feito para preparar
os pastores para um ministério integral que retrate melhor os ensinos bíblicos da Palavra de
Deus. Mark Gibbs estabelece aquilo que seria a educação teológica ideal.

Um seminário teológico que leva o leigo com seriedade é aquele que enfatiza desde o começo
de qualquer educação teológica formal a teologia básica do laos - o chamado comum de Deus a
todos os seres humanos, independente do sexo, idade, riqueza, classe, raça, educação ou
ordenação.8

Gibbs vai mais alem quando ele estabelece que existe duas espécies alunos formados
em seminários.

Se o seminarista sinceramente cré na vocação do laos - o povo todo de Deus, ordenados ou não
- e se eles já aprenderam a como encorajar os leigos em suas responsabilidades, então, no futuro
eles serão efetivos e sábios parceiros juntamente com os seus rebanhos. Mas, se durante o
treinamento acadêmico, eles ainda desenvolverem um sentimento paternalistico que enfatize a
idéia de que o clérigo sempre sabe mais e melhor, então, eles serão como que destruições onde
quer que trabalhem.9

O ponto tratado acima não deve ser menosprezado. Devemos ter em mente que
líderes, na sua maioria, não sabem discipular outros. Não é o caso então de perguntar e
questionar o que tem sido feito em termos de educação teológica no Brasil? É obvio que o
ministério da igreja tem sido centralizado ao redor do pastor e pouco tem sobrado para o
povo de Deus.
Um outro obstáculo para que o ministério de leigo não se desenvolva é que os
próprios leigos menosprezam ou dão pouco valor para aquilo que Deus dispensou a eles ou
elas. Freqüentemente isto pode ser visto em igrejas de pequeno e médio porte,
principalmente quando o pastor sai de ferias e leigos assumem a pregação. Geralmente um
triste fato ocorre: o atendimento dos crentes aos cultos cai drasticamente.
Se esta discussão acima for aplicada ao contexto brasileiro, veremos que em algumas
denominações, os leigos têm tido papel destacado na liderança das mesmas.10 Todavia, a
nível de igreja local esta liderança leiga é quase que inexistente ou se existe, esta sempre
atrelada a vontade e desejo dos pastores.
Quando olhamos para as igrejas históricas no Brasil, não existe dúvidas de que
muitas delas estão crescendo muito abaixo daquilo que se espera delas. Mesmo porque são

6
Ibid.
7
"Validating Lay Ministries," The Other Side, Junho 1982, p. 32.
8
"Signs that they Take the Laity Seriously," TSF Bulletin, Maio-Junho 1983, p.3.
9
Ibid.
10
Apenas como ilustracao, note que quando foi formada Associacao Evangelica Brasileira, dos quinze cargos
de diretoria, somente um (aparentemente) era ocupado por um leigo.

15
igrejas que se orgulham de possuir "o verdadeiro evangelho" e a melhor das tradições e
doutrinas. Seria de se esperar, portanto, um crescimento formidável entre elas, o que não
ocorre.
Roger Greenway, ex-missionário no México e professor do Seminário Calvin,
afirma que "as igrejas locais são constantemente tentadas a se preocupar exclusivamente
consigo mesmas e ignorar o mundo perdido. Pastores ministram fielmente aos seus
rebanhos, mas tem grande dificuldades em quebrar este padrão e sair em busca daqueles que
mais precisam de Jesus."11
Em 1972 Charles Gates publicou um estudo que realizou no Brasil. As suas
conclusões ainda se aplicam para os dias atuais. Ele diz que:

As igrejas tradicionais no Brasil não experimentarão um rápido crescimento como visto entre as
igrejas pentecostais a menos que haja mudanças funcionais e estruturais nos seus meios. Deve haver
por parte do leigo um maior desejo e prontidão em se envolver mais com a vida de suas igrejas. Deve
haver uma prontidão entre os pastores em aceitar a cooperação dos membros de suas igrejas para que
o crescimento ocorra.12

O problema detectado por Gates ainda é o mesmo hoje. O crescimento de qualquer


igreja não está nas mãos dos pastores (ainda que eles sejam responsáveis pelos mesmos),
mas nas mãos de milhares de fiéis que diariamente se misturam com os brasileiros das mais
variadas camadas.

Nova consciência

Tradicionalmente os leigos foram considerados como aqueles que precisavam ser


servidos, protegidos e alimentados. Isto tem sido perpetuado por uma má compreensão
dos pastores e dos próprios leigos. Os seminários teológicos não ensinam uma matéria
específica sobre a teologia do povo de Deus. Os pastores, portanto, não estão preparados
para trabalhar com o povo de Deus, mas para o povo de Deus, assumindo muitas vezes
uma função meramente sacertodalista de ministério.
Quando os leigos são reconhecidos como parceiros de ministério, alguns resultados
podem acontecer:

• remove a falsa concepção de que o ministério tem um "quê" de especial divino e


uma experiência de Cristo diferente dos leigos.
• derime as dúvidas para os leigos, bem como para os pastores, de que Deus mesmo
chamou os primeiros para o seu serviço.
• responsabiliza a todos os membros da comunidade a tarefa da expansão do reino
de Deus.
• produz um impacto total da comunidade cristã sobre o mundo não cristão.

Uma nova consciência tem que ser desenvolvida no leigo e urgentemente.


O leigo precisa ser encorajado e equipado para usar os seus dons espirituais. É tarefa
do pastor descobrir uma metodologia adequada para que isto ocorra. Esta metodologia deve
refletir o contexto em que a igreja está inserida. Vejamos como foi descrito o trabalho dos
cristãos do primeiro século:

Assim como na igreja primitiva não havia distinção entre ministros de tempo integral e leigos,
quanto à responsabilidade de difundir o evangelho por todos os meios possíveis, também não
havia distinção entre os sexos nesta questão. Era ponto pacífico que todos os cristãos eram

11
Roger S. Greenway, Apostles to the Cities. Grand Rapids: Baker Book House, 1978, p. 25.
12
Industrialization: Brazil Catalyst for Church Growth. South Pasadena: William Carey Library, 1972, p. 64.

16
chamados para serem testemunhas de Cristo, com a vida e com as palavras. Todos deveriam
ser apologistas, pelo menos a ponto de poderem dar satisfação da esperança que havia neles.
Isto incluía as mulheres, com toda a certeza. Elas desempenham um papel importantíssimo
na propagação do evangelho13.

Assim sendo, cada cristão que tem o desejo de ser útil no reino de Deus e no serviço
cristão deve se juntar a esta linhagem de homens e mulheres que no decorrer dos tempos
vem fazendo grandes coisas para o Senhor, deve perguntar: "Qual é o meu dever
espiritual?" Seguindo as orientações abaixo, fica mais fácil descobrir qual o ministério a
ser desenvolvido na igreja.

• Orar - é a vontade de Deus que todos desenvolvam os seus dons espirituais.


• Praticar - praticar para ver se o dom quando exercitado produz paz e resultados.
• Satisfação - Deus dará alegria e paz quando usamos o dom recebido.
• Confirmação - dos irmãos e da igreja.

13
Michael Green. Evangelização na Igreja Primitiva (São Paulo: Editora Vida Nova, 1984), 215.

17
OS SEIS GRANDES DESAFIOS DA COMUNICAÇÃO
DIGITAL À PASTORAL
Antonio Spadaro14
A sociedade fundada nas redes de conexão começa a pôr desafios realmente
significativos tanto à pastoral, quanto à própria compreensão da fé cristã, a partir da sua
linguagem de expressão. Os desafios são exigentes. A nossa tarefa também.
A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà
Cattolica, em artigo publicado no blog Cyberteologia, 03-11-2014. A tradução é de
Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.

A internet é uma realidade que já faz parte da vida cotidiana: não é uma opção, mas um fato.
A rede, hoje, se apresenta com um tecido conectivo das experiências humanas. Não é um
instrumento. As tecnologias da comunicação, portanto, estão criando um ambiente digital em
que o homem aprende a se informar, a conhecer o mundo, a estreitar e a manter vivas as
relações, contribuindo para definir também um modo de habitar o mundo e de organizá-lo,
guiando e inspirando os comportamentos individuais, familiares, sociais.

Por isso, "o ambiente digital não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas
faz parte da realidade cotidiana de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens" (Bento
XVI). A evangelização não pode ignorar essa realidade.
Eis aqui seis desafios importantes que a comunicação digital coloca à pastoral,
considerando, como havia escrito Bento XVI, que "as redes sociais são alimentadas por
aspirações radicadas no coração do homem".

1. Da pastoral da resposta à pastoral da pergunta

Vivemos bombardeados por mensagens, sofremos uma sobreinformação, a


chamada information overload. O problema hoje não é encontrar a mensagem de sentido,
mas decodificá-la, isto é, reconhecê-lo como importante para mim, significativo com base
nas múltiplas respostas que eu recebo.
No tempo dos motores de busca, as respostas estão ao alcance da mão, estão por
toda a parte. Por isso, é importante, hoje, não tanto dar respostas. Todos dão respostas!
"The teacher doesn’t need to give any answers because answers are everywhere" [O
professor não precisa dar quaisquer respostas, porque respostas estão por toda a parte]
(Sugata Mitra, professor de Tecnologia Educacional da Newcastle University).
Hoje, é importante reconhecer as perguntas importantes, as fundamentais. E,
assim, fazer com que a nossa vida permaneça aberta, que Deus ainda possa nos falar.
O anúncio cristão hoje corre o risco de apresentar uma mensagem ao lado das
outras, uma resposta entre muitas. Mais do que apresentar o Evangelho como o livro que
contém todas as respostas, é preciso aprender a apresentá-lo como o livro que contém
todas as perguntas certas.
A grande palavra a ser descoberta, então, é um velho conhecimento do vocabulário
cristão: o discernimento espiritual que significa reconhecer, entre as muitas respostas que
recebemos hoje, quais são as perguntas importantes, as verdadeiras e fundamentais. É um
trabalho complexo, que requer uma grande sensibilidade espiritual.

14
Extraído de https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/537756-os-seis-grandes-desafios-da-comunicacao-
digital-a-pastoral-artigo-de-antonio-spadaro.

18
"Nunca se deve responder a perguntas que ninguém se põe"
(Evangelii gaudium, 155).

A Igreja sabe se envolver com as perguntas e as dúvidas dos homens? Sabe


despertar as questões insuprimíveis do coração, sobre o sentido da existência? É preciso
saber se inserir no diálogo com os homens e as mulheres de hoje, para compreender as
expectativas, as dúvidas, as esperanças, portanto.
Chamou-me a atenção o fato de que o Papa Francisco, respondendo a uma
pergunta feita por um jornalista no voo que, de Tel Aviv, o levava de volta para Roma,
disse: "Eu não sei se me aproximei um pouco da sua inquietação...".

2. Da pastoral centrada nos conteúdos à pastoral centrada nas pessoas

Hoje também está mudando a modalidade de fruição dos conteúdos.


Estamos assistindo ao colapso das programações... Até algum tempo atrás, a MTV
(Music Television) entre os jovens era considerada como uma emissora "cult". Agora, ela
está passando por uma crise ou, se quisermos, por uma transformação sua daquilo que ela
era – ou seja, emissora de uma notável quantidade substancial de vídeos musicais
introduzidos por VJs – a uma emissora de reality shows e de séries de televisão dirigidas
especialmente ao target de adolescentes e jovens adultos.
Os jovens, de fato, já desfrutam da música a partir da internet e não há mais razões
para que a desfrutem a partir da TV. A TV é um ruído de fundo, o burburinho do mundo.
Deixa-se que ela fale... Raramente hoje ela encontra um lugar nos quartos dos jovens.
Hoje, além disso, o ver envolve a seleção e a possibilidade do comentário e da interação.
E essa possibilidade é dada por uma social network como o YouTube.
A fé parece participar dessa lógica. As programações foram substituídas pelas
buscas pessoais e pelos conteúdos sempre acessíveis em rede.
O catecismo era uma forma para apresentar de maneira ordenada, coerente e
medida os conteúdos da fé. Em um tempo em que os programas estão em crise, essa
modalidade de apresentar a fé está em crise.
Que desafios tudo isso coloca à fé e à sua comunicação? Como fazer com que a
Igreja não se torne um contêiner para se ter acesso como um televisor que "fala" sem
comunicar?
Encontramos uma direção de resposta a essa pergunta em uma passagem de Dom
Claudio Maria Celli, presidente do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais,
no seu discurso ao Sínodo dos bispos sobre a Nova Evangelização: "A hierarquia
eclesiástica, assim como a política e social, deve encontrar novas formas para elaborar a
própria comunicação, para que a sua contribuição a esse fórum receba uma atenção
adequada. Estamos aprendendo a superar o modelo do púlpito e da assembleia que ouve
por respeito à nossa posição. Somos obrigados a expressar a nós mesmos de modo a
envolver e a convencer os outros que, por sua vez, compartilham as nossas ideias com os
seus amigos, 'followers' e os parceiros de diálogo".
A vida da Igreja é chamada a assumir uma forma cada vez mais comunicativa e
participativa.

3. Da pastoral da transmissão à pastoral do testemunho

A verdadeira novidade do ambiente digital é a sua natureza de social network, ou


seja, o fato de permitir que emerja não apenas as relações entre você e eu, mas as minhas
relações e as suas relações. Ou seja, em rede, emergem não apenas as pessoas e os
conteúdos, mas também as relações.

19
Comunicar, portanto, não significa mais transmitir, mas compartilhar.
A sociedade digital não é mais pensável e compreensível apenas através dos
conteúdos. Acima de tudo, não há as coisas, mas as "pessoas". Há principalmente as
relações: a troca dos conteúdos que ocorre dentro das relações entre pessoas. A base
relacional do conhecimento em rede é radical.
Entende-se bem, portanto, como é importante o testemunho. Esse é um aspecto
determinante. Hoje, o homem da rede confia nas opiniões em forma de testemunho.
Pensemos nas livrarias digitais ou nas lojas musicais. Mas os exemplos podem se
multiplicar: trata-se sempre daqueles user generated contents [conteúdos gerados pelo
usuário] que fizeram a "fortuna" e o significado das social networks.
A lógica das redes sociais nos faz compreender melhor do que antes que o
conteúdo compartilhado está sempre estreitamente ligado à pessoa que o oferece. De fato,
não há nessas redes nenhuma informação "neutra": o homem está sempre envolvido
diretamente naquilo que comunica.
Nesse sentido, o cristão que vive imerso nas redes sociais é chamado a uma
autenticidade de vida muito desafiadora: ela diz respeito diretamente ao valor da sua
capacidade de comunicação. De fato, Bento XVI escreveu na sua mensagem para o Dia
Mundial das Comunicações Sociais de 2011: "Quando as pessoas trocam informações,
estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus
ideais".
O documento de Aparecida, no número 145, afirmava claramente: "A missão não
se limita a um programa ou projeto, mas em compartilhar a experiência do acontecimento
do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade
a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1,8)"
A fé, portanto, não só se "transmite", mas, acima de tudo, pode ser suscitada no
encontro pessoal, nas relações autênticas.
Ainda o documento de Aparecida, no número 489, embora tendo sido escrito antes do
nascimento das social networks, já afirmava: "os sites podem reforçar e estimular o
intercâmbio de experiências e de informações que intensifiquem a prática religiosa
através de acompanhamentos e orientações".

4. Da pastoral da propaganda à pastoral da proximidade

Evangelizar, portanto, não significa, de fato, fazer "propaganda" do Evangelho. A


Igreja em rede, portanto, é chamada não a uma "emissão" de conteúdos religiosos, mas a
uma "partilha" do Evangelho.
E para o Papa Francisco essa partilha é grande. Ele escreve claramente: "A internet
pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é
uma coisa boa, é um dom de Deus". O papa parece ler na rede o sinal de um dom e de
uma vocação da humanidade a estar unida, conectada.
Revive, graças às novas tecnologias da comunicação, "o desafio de descobrir e transmitir
a 'mística' de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar
nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de
fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada" (Evangelii gaudium,
87).
Na sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2014, o Papa
Francisco definiu o poder das "mídias" como "proximidade".
Como se manifesta o estar próximo no novo ambiente criado pelas tecnologias
digitais? O Papa Francisco, falando aos comunicadores em 2002, escolhera a parábola do
bom samaritano como imagem de referência do comunicador.

20
5. Da pastoral das ideias à pastoral da narrativa

• As fotos "marcadas", "geolocalizadas", colocadas no tempo exato momento em


que foram compartilhadas são o álbum fotográfico live da nossa vida.
• Os nossos tuítes ou as atualizações de status no Facebook e os posts dos nossos
blogs conservam os nossos pensamentos, mas também os nossos estados
emocionais.
• As livrarias online e as outras lojas guardam o rastro dos nossos gostos, das nossas
escolhas, das nossas compras e, às vezes, também dos comentários.
• Os vídeos no YouTube constroem em fragmentos o filme da nossa vida feito pelos
nossos vídeos e por aqueles que nos agradam.

De fato, o streaming da nossa vida não é feita apenas com aquilo que inserimos
na internet, mas também com aquilo que "curtimos", com aquilo que nos agrada e que
assinalamos aos outros também graças ao botão "curtir" aos nossos seguidores e aos
nossos amigos.
A experiência compartilhada nas social networks é o oposto daquilo que acontecia
nos tempos de Robert Musil, que escrevia: "A probabilidade de ficar sabendo no jornal
sobre um episódio extraordinário é muito maior do que a de vivê-la pessoalmente".
Hoje, ao invés, as social networks oferecem a oportunidade de tornar mais
significativa a experiência vivida subjetivamente justamente graças à publicação e ao
compartilhamento em uma rede de relações. As notícias dos jornais, ao invés, não estão
relacionadas a mim e, portanto, em certo sentido, acabam sendo percebidas como menos
"extraordinárias" ou, ao menos, menos interessantes.
A rede é uma oportunidade, porque narrar, em todo o caso, é restituir os sujeitos
do conhecimento à densidade simbólica e experiencial do mundo. E hoje é muito
alimentada a necessidade de narração dentro de vínculos e relações. A narração da rede
pode ser, sim, individualista e autorreferencial, mas também pode ser polifônica e aberta.
É interessante, a esse respeito, a possibilidade de agregar materiais compartilhados em
diferentes social networks em uma plataforma como o Storify, que permite a interconexão
com Twitter, Facebook, Flickr, Youtube... e as abre ao compartilhamento. Na base, está
a consciência de que cada um de nós é um living link. A interatividade é o sinal radical
desse lifestreaming.

6. Uma pastoral atenta à interioridade e à interatividade

A vida espiritual do homem contemporâneo certamente é tocada pelo mundo em


que as pessoas descobrem e vivem as dinâmicas próprias da rede, que são interativas e
imersivas. O homem que tem um certo hábito à experiência da internet, de fato, parece
mais pronto para a interação do que para a interiorização.
E, geralmente, "interioridade" é sinônimo de profundidade, enquanto
"interatividade" é muitas vezes sinônimo de superficialidade. Estaremos condenados à
superficialidade? É possível conjugar profundidade e interatividade? O desafio é de
grande porte.
Substancialmente, podemos constatar que o homem de hoje, habituado à
interatividade, interioriza as experiências se for capaz de tecer com elas uma relação viva,
e não puramente passiva, receptiva. O homem de hoje considera válidas as experiências
nas quais é exigida a sua "participação" e o seu envolvimento.
Hoje, a profundidade se conjuga com uma imersão em uma verdadeira "realidade
virtual".

21
Na web, entendida como lugar antropológico, não há "profundidades" a se
explorar, mas "nós" a se navegar e a se conectar entre si de maneira densa. O que parece
ser "superficial" é somente o proceder, talvez inesperado e imprevisto, de um nó a outro.
A espiritualidade do homem contemporâneo é muito sensível a essas experiências... "A
superfície em vez da profundidade, a velocidade em vez da reflexão, as sequências em
vez da análise, o surf em vez do aprofundamento, a comunicação em vez da expressão, o
multitasking em vez da especialização."

22
O DECLÍNIO DA PREGAÇÃO
E A DECADÊNCIA DA IGREJA 15

Judiclay S. Santos | 11 de junho de 2013


No dia 18 de janeiro de 1548, na Cathedral of Saint Paul, no coração de Londres,
um dos mais notáveis reformadores ingleses pregou uma poderosa mensagem que ecoa
através dos séculos. O Sermão do Arado, pregado por Hugh Latimer, é uma trombeta do
céu que ressoa sobre a igreja e exorta os pregadores.

“Quem dera nossos prelados fossem tão diligentes para semear os grãos de trigo da sã
doutrina quanto satanás o é para semear as ervas daninhas e o joio! Onde o diabo está em
residência e está com o seu arado em andamento, ali: fora os livros e vivam as velas!; fora as
Bíblias e vivam os rosários!; fora a luz do evangelho e viva a luz das velas – até mesmo ao
meio dia!; […] vivam as tradições e as leis dos homens!; abaixo as tradições de Deus e sua
santíssima Palavra[…]”1

A dura crítica de Latimer é verdadeira, consistente e terrivelmente atual. É


impressionante considerar que a realidade da igreja na Inglaterra em meados do século
16 é muito similar à realidade da igreja no Brasil, no século 21. A situação nas igrejas
cristãs, salvo as honrosas e raras exceções, é de extrema pobreza e mediocridade nos
púlpitos. Dominicalmente são oferecidos sermões mortos, pregações vazias, discursos
inócuos, preleções insossas. A igreja tem sido submetida a uma dieta terrível: uma sopa
rala que não nutre a fé. Existe um contingente expressivo de pessoas sem maturidade e
estatura espiritual, e Igrejas cheias de pessoas vazias. Há muita gente sofrendo o processo
de infantilização por falta da pregação da Palavra.
Uma leitura cuidadosa da História cristã mostrará que existe uma estreita relação
entre a pregação da Palavra e a vida da igreja. Todas as vezes que a pregação do evangelho
floresce seu impacto se torna evidente na vitalidade da igreja e na subsequente
transformação da cultura.

Se alguém gastasse uma semana lendo toda a Bíblia e, na semana seguinte, se familiarizasse
com os principais acontecimentos da história da igreja, o que observaria? Que a obra de Deus
no mundo e a pregação estão intimamente ligadas. Onde Deus age, ali a pregação floresce.
Em todos os lugares em que a pregação é menosprezada ou está ausente, ali a causa de Deus
passa por um tempo de improdutividade. O Reino de Deus e a pregação são irmãos siameses
que não podem ser separados. Juntos, eles permanecem de pé ou caem.2

A igreja brasileira sofre por causa do declínio da pregação. A falência dos púlpitos
é uma tragédia para o povo de Deus. Existem muitos palradores, mas poucos pregadores.
Há uma enorme carência de homens que preguem o evangelho das insondáveis riquezas
de Cristo.3 Via de regra, o que se tem visto, de norte a sul do Brasil, são homens
superficiais que oferecem um tipo de “alimento” incapaz de nutrir a fé. Boa parte dos
cristãos não sabe o que significa o evangelho. Muitos não conhecem as verdades
elementares da fé cristã. As implicações desta triste realidade são avassaladoras. O
cenário evangélico brasileiro é constituído de igrejas teologicamente confusas,
moralmente frouxas, socialmente inoperantes e espiritualmente decadentes.

I. Os resultados do fracasso da pregação na vida da igreja

15
Extraído de https://teologiabrasileira.com.br/o-declinio-da-pregacao-e-a-decadencia-da-igreja/.

23
1) Empobrecimento do culto cristão

Na estrutura do culto cristão, a exposição bíblica é o principal ato de adoração.


Culto público de adoração sem a pregação do evangelho não é apenas pobre, é falso. “O
que vemos hoje é a marginalização do púlpito. Há uma percepção de que o púlpito é
apenas um móvel decorativo no santuário e que alguém tem que usá-lo para alguma
coisa”.4 É triste e lamentável constatar a pobreza dos cultos. A falta de pregação bíblica
e a quantidade de cânticos medíocres na musicalidade e heréticos no conteúdo é um
escândalo. Quando a pregação não ocupa o centro no culto cristão e a Palavra perde a
devida primazia na vida da igreja prevalecem o subjetivismo, o antropocentrismo, o
sensacionalismo, o paganismo e todo tipo de excentricidades. Tais coisas, por sua
natureza, não glorificam a Deus e não edificam a igreja de Jesus Cristo.

2) Desfibramento moral da igreja

Se a pregação é o principal meio de graça, através do qual a igreja é santificada


pela ação do Espírito Santo, onde não há pregação do evangelho a corrupção do coração
é potencializada e se manifesta com maior força. Existem contundentes evidências da
falta de integridade moral por parte de muitas pessoas que confessam ser cristãs. Valores
e práticas incompatíveis com a Palavra de Deus se tornaram comuns no arraial
evangélico. Se o profeta Oséias pregasse para essa geração de cristãos no Brasil, sua
mensagem seria: “Volta, ó Israel, para o Senhor, teu Deus, porque, pelos teus pecados,
estás caído”.5 A exortação do Cristo ressurreto à igreja em Sardes é bem adequada à igreja
brasileira: “… não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus”. 6 Uma
das razões pelas quais a igreja padece de fraqueza moral é porque “há uma tendência dos
púlpitos modernos a propagar uma mensagem que informa, mas não transforma, que
diverte mas não converte” (Abgel).

3) Confusão doutrinária no seio da igreja

João Calvino, grande teólogo e experiente pastor, afirmou que “a ignorância é mãe
de todas as heresias”. Onde a verdade é negligenciada floresce o erro. O Brasil, conhecido
por sua cultura mística de profundas raízes no paganismo, é terreno fértil para a
proliferação de ensinos errados. As matizes, quer seja, a pajelança indígena, os ídolos do
catolicismo romano, os rituais afro-ameríndios, o kardecismo anglo-saxão ou as seitas
“evangélicas”, conspiram contra o genuíno evangelho. Nesse cenário de múltiplas
divindades, variados cultos e tantos credos, o enfraquecimento do magistério da Palavra
e a negligência da pregação tornam a igreja vulnerável e criam o ambiente para o
sincretismo. Não seria essa a triste realidade da igreja evangélica no Brasil?

4) Decadência espiritual

Um púlpito fraco é a maior tragédia da igreja. Spurgeon estava certo ao afirmar


que “o mais maligno servo de Satanás que conheço é o ministro infiel do evangelho”.7 O
fracasso da pregação é a causa primária da miséria espiritual da igreja. Sempre que a
igreja é transformada em teatro da fé, o púlpito em vitrine de vaidades, o culto em serviço
de entretenimento e o pastor em animador de auditório, a decadência espiritual é
inevitável. À luz das Escrituras, a falta de santidade, devoção, misericórdia, sabedoria,
compaixão, fervor, piedade, vida e amor são evidências do declínio espiritual. A igreja
tem dado sinais de fraqueza espiritual e existem algumas razões pelas quais isso acontece.

24
O notável João Crisóstomo indica uma delas. “Quando você vir uma árvore cujas folhas
estejam secas e murchas, algo de errado está acontecendo com as suas raízes; quando
você vir um povo indisciplinado, sem dúvida, os seus sacerdotes não são santos”. 8 A
igreja que tolera um pastor negligente no ministério da pregação comete suicídio.

II. Fatores contribuintes para o declínio da pregação

O declínio não foi súbito, mas gradual. Um estudo criterioso apontará as razões
pelas quais a glória da pregação ter sido apagada. O renomado Dr. Albert Mohler 9 aponta
alguns elementos significativos, dentre os quais, destacamos três:

1) A pregação contemporânea sofre de perda na confiança no poder da


Palavra

Muitos pregadores não creem na autoridade da Bíblia como Palavra de Deus. É


impressionante constatar a quantidade de pastores que deveriam nutrir a fé da igreja a
partir da pregação da Palavra, mas não o fazem porque não confiam que de fato a Bíblia
é a Palavra de Deus. Se um homem nega a inspiração, autoridade e suficiência da
Escritura, ele não está qualificado para pregar.

2) A pregação contemporânea sofre de obsessão por tecnologia

Vivemos em uma sociedade de forte apelo audiovisual. O emprego de novas


tecnologias não deve ser descartado, mas avaliado criteriosamente. O risco não é usar
esses recursos, mas se tornar escravo deles. Um pastor não pode gastar mais tempos
preparando slides para apresentar o seu sermão do que estudando o texto bíblico e orando
diante de Deus, por si e pelos seus ouvintes. Como bem observou o dr. Moller, Deus
decidiu ser ouvido e não visto.

3) A pregação contemporânea sofre de focalização em necessidades


sentidas

A principal necessidade do ser humano é a paz com Deus por meio de Cristo.
Desconsiderar essa verdade torna o púlpito um centro de aconselhamento para tratar
realização profissional, saúde financeira e relacionamentos interpessoais. A
psicologização do púlpito é uma triste realidade no cenário evangélico brasileiro.
Enquanto os pregadores gastam tempo falando sobre os sete passos para melhorar o
casamento, muitos casais nada sabem sobre o que significa o texto: “Maridos, amai vossa
mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”.10

O pastor moderno precisa voltar-se para o estudo profundo das Escrituras e para a pregação
expositiva da revelação divina. Pequenos sermões tópicos, carregados de ilustrações
sentimentais, que se ouvem nos púlpitos, […] não satisfazem as mais profundas necessidades
espirituais dos ouvintes”.11

Felizes são as igrejas cujos pastores pregam a Palavra de Deus. A história testemunha que
as igrejas que mais crescem espiritualmente são aquelas que valorizam a pregação.
Enquanto o púlpito não ocupar a primazia no culto não haverá edificação.

III. Encorajamento aos pregadores

25
A Reforma Protestante, a despeito de todas as acusações de seus detratores, deixou
um glorioso legado para o cristianismo, o resgate da pregação pública da Palavra de Deus.
Os reformadores não inventaram a pregação, mas certamente lutaram para que ocupasse
a primazia no culto cristão. Eles exortavam os que estavam sob a sua liderança a buscar
excelência na pregação da Palavra. John Owen declarou que “o primeiro e principal
dever de um pastor é alimentar o rebanho pela pregação diligente da Palavra”. Para tanto,
eles tinham um pressuposto e uma motivação. Primeiro, eles entendiam que a pregação
da Palavra de Deus é “um meio de graça indispensável e sinal infalível da verdadeira
igreja” (Calvino). Segundo, a incansável luta desses gigantes da fé tinha como alvo a
glória de Deus. Sendo essa a motivação primária para subir ao púlpito e anunciar o
evangelho da graça. Deus é glorificado quando a igreja é edificada, e isso acontece através
da diligente e fiel pregação da Palavra.
Martin Lloyd-Jones disse que a pregação é a tarefa mais importante do mundo.
Calvino entendia que o púlpito é o trono de onde Deus governa a sua igreja. A reforma
da igreja começa no púlpito da igreja. “O avivamento da igreja acontece quando se acende
uma fogueira no púlpito” (D. W. Moody).

Uma palavra de encorajamento

1) Pregue a palavra
Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua
manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige,
repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.12

Uma grande honra é sempre acompanhada de uma grande responsabilidade. A


exortação de Alexander Wyte é muito oportuna: “Nunca pense em abrir mão da pregação!
Os anjos em derredor do trono invejam sua grandiosa obra.”

2) Estude exaustivamente o texto

Sem disciplina nos estudos não é possível pregar com excelência. “Pregação que
não custa nada não vale nada”, exortava John Henry Jowett. O pastor deve dedicar-se aos
estudos e a preparação do sermão. Alguém sugeriu que para cada minuto de pregação o
pregador deveria investir uma hora de preparação. Pode parecer muito, ou até mesmo
impraticável, mas o ponto é que o preparo é fundamental. Segundo Spurgeon, o príncipe
dos pregadores, “aquele que cessa de aprender cessa de ensinar. Aquele que não semeia
nos estudos não colhe no púlpito”.

3) Crie pontes entre o mundo bíblico e o contemporâneo


Não torne a sua pregação uma coisa enfadonha e sem sentido. Conheça a
Escritura, mas também o povo para o qual você prega. Mostre as pessoas a conexão entre
o texto bíblico e a vida delas. Use ilustrações vivas e verdadeiras. Uma boa ilustração é
como janelas em uma casa, iluminam e arejam o ambiente. A viva e eficaz Palavra de
Deus precisa ser comunicada com clareza, a fim de que haja uma correta aplicação para
os ouvintes.

4) Seja humilde: você depende da graça de Deus

26
Certo pregador subiu ao púlpito cheio de confiança em si mesmo. Foi um
completo fracasso. Então alguém lhe disse: Se você subisse como desceu (humilde) teria
descido como subiu (confiante). A humildade é uma virtude que faz toda diferença na
vida do pregador. Os talentos não são suficientes. Para obter a bênção de Deus no
exercício da pregação é necessário suplantar a soberba e pregar na completa dependência
do Senhor. McCheyne acertou ao dizer que “não é tanto os talentos o que Deus abençoa,
mas uma grande semelhança com Jesus. Um ministro de vida santa é uma tremenda arma
nas mãos de Deus”.13

5) Ore invocando a presença do Espírito Santo

Sermões áridos e sem vida matam a igreja. O que torna um sermão uma pregação
é o poder do Espírito. “A pregação é lógica em fogo” (Lloyd Jones). Todo pregador deve
buscar a unção do Espírito, sem o qual os frutos são impossíveis. Em uma época de aguda
fraqueza espiritual nos púlpitos, acompanhada de inúmeras conversões fabricadas pela
manipulação das emoções humanas, todo pregador deveria levar em consideração as
palavras do apóstolo Paulo, um dos maiores pregadores da história do cristianismo:
“porque o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo,
em poder, no Espírito Santo e em plena convicção, assim como sabeis ter sido o nosso
procedimento entre vós e por amor de vós”.14
Em suma, sem pregação bíblica, proclamada no poder do Espírito Santo, não há
esperança para a igreja brasileira. Deus tenha misericórdia de nós.

--------------
1LATIMER, Hugh. Citado por STOTT, John. Eu Creio na Pregação. Vida: São Paulo,
2001, pp. 27-28.
2OLYOTT, Stuart. Pregação Pura e Simples. Fiel: SJC, 2008, p. 23.
3Efésios 3.8.
4MOHLER, Albert. Apascenta o meu rebanho. Cultura Cristã: São Paulo, 2009, p. 25.
5Oséias 14.1.
6Apocalipse 3.2.
7SPURGEON, Charles H. O Ministério Ideal, Vl 2. PES: São Paulo, 1990, p. 65.
8CRISÓSTOMO, In: Homilias sobre o Evangelho de Mateus (38), citado por SPENER

Filipe Jacob, Pia Desideria, p. 26.


9MOHLER, Albert. Deus não está em silêncio. Fiel: São José dos Campos, 2011, pp.

22-28.
10Efésios 5.25.
11CRABTREE. A Doutrina Bíblica do Ministério Pastoral. Rio de Janeiro: Juerp, 1981,

p. 81.
122 Timóteo 4.1-2.
13MCCHEYNE, Robert M. Citado por STOTT, John. O perfil do pregador. São Paulo

Vida Nova, 2005, p. 114.


141 Tessalonicenses 1.5.

27
1. Pesquisando e analisando a realidade
Rubens Ramiro Muzio

28
PESQUISANDO E ANALISANDO
A REALIDADE
Rubens Ramiro Muzio
Pesquisas: e eu com isso?

A pesquisa é assunto da vida diária. Pesquisamos para comprar um produto no


supermercado, ao visitar um shopping - center, ao clicar na net e entrar no google,
amazon.com, submarino.com, mercadolivre.com. Somos curiosos e sherlockianos;
aventureiros, querendo sempre conhecer o novo e explorar o mundo, desejando investigar
e buscar soluções, famintos pelas razões, motivos e implicações. Pesquisa “é algo que
você e eu praticamos todos os dias de nossa vida” (Babbie, E. 2000, p. 4). Ela tem sua
origem na curiosidade intrínseca dos homens, no seu desejo de conhecer como e por que
são as coisas e quais são suas razões, o que o obriga a investigar e buscar solução para
seus problemas, dificuldades e necessidades (Corajosas, S.R. 1999, p. 27). Há milhares
de anos a Bíblia registrou que Davi foi auxiliado por homens sábios que o orientaram a
tomar a direção certa: “Estes são os... homens... que vieram a Davi... Homens de Issacar,
entendidos na ciência dos tempos, para saberem o que Israel deveria fazer” (1 Cr 12:32).
A análise da realidade tem esse propósito, mostrar o contexto, suas características,
entender os problemas, a fim de que os esforços sejam canalizados na direção correta.

A não ser que as necessidades da nossa igreja


sejam secundárias às necessidades da comunidade
nunca iremos alcançá-la para Cristo (Robert Schuller)

A pesquisa é de suma importância para todas as disciplinas do conhecimento


humano e essa regra não pode ser esquecida pelas igrejas, muito menos por aqueles que
desejam plantar uma nova comunidade ou crescer uma igreja forte e saudável. O
conhecimento da cidade, bairro, ou vila onde a igreja está inserida bem como o local onde
se iniciará uma nova igreja, sua configuração econômica, educacional, familiar, níveis de
violência, injustiça, pobreza e outros dados são importantíssimos para um bom sucesso
ministerial. A grande maioria das igrejas desenvolve ministérios com pouco ou sem
nenhuma compreensão disso.
Um dos maiores desafios que a igreja enfrenta hoje consiste no levantamento de
dados evangelísticos, sociológicos, econômicos, educacionais, geográficos e históricos,
que sirvam de subsídio, auxiliando no cumprimento da grande comissão de Jesus e no
desenvolvimento de ministérios missionais e integrais. Essas informações servem para
que a igreja não esteja desinformada, mas esclarecida sobre o que acontece ao seu redor.
Rolando Gutiérrez-Cortés nos lembra que a mobilização da Igreja para a missão na cidade
exige ouvir, conhecer e atender a comunidade, assim como desenvolver, preparar e apoiar
toda a igreja local para que trabalhe harmonicamente com seus pastores e líderes.
Devemos aproveitar toda informação e estimular uma boa comunicação. Sem o
conhecimento da realidade a que se quer servir, o trabalho resultante será ineficaz (Cortés,
1989, p. 113).
A igreja, como um anfíbio, vive em dois mundos como cidadãos do reino e
cidadãos brasileiros, como pertencentes a comunidade espiritual e a população local.
Lesslie Newbigin chama isso de “encontro missionário” do evangelho com a cultura.
Qualquer análise será incompleta, inacabada sem um bom diagnóstico da realidade sócio-
histórica onde a congregação vive e exerce seu ministério. Isto indica uma compreensão

29
mínima da sua história; dos fatores e processos econômicos, políticos, sociais, culturais e
religiosos que lhe têm dado sua forma.
Com base no texto de Mateus 9:35-38, reconhecemos na metodologia de Jesus a
observação participativa, um conceito que iremos tratar mais profundamente depois.
Jesus percorre a Palestina, visitando centenas de lugares, investigando as pessoas em suas
necessidades pessoais, físicas e materiais. Ele caminha pelas cidades (ambiente urbano),
para nas aldeias (rural) e entra nas sinagogas (local de culto, reunião de pessoas),
observando, amando, tocando, conversando, engajando-se, encarnando-se, doando-se.
Sempre estava onde existia a necessidade, e assim Ele ensinava, pregava, libertava e
curava, buscando a restauração da dignidade humana e manifestação do Reino.
O texto mostra sua extraordinária capacidade para penetrar nas profundidades do
coração e observar as condições das pessoas: aflitas e exaustas (vs. 36, 37). Ele faz uma
pesquisa com propósito: diante das carências do povo, ele responde compassivamente
(literalmente doem as entranhas da sua alma) e aponta para a missão da Igreja: “A seara
é realmente grande, mas poucos os ceifeiros. Rogai, pois, ao Senhor da seara, que mande
ceifeiros para a sua seara.” Seu plano de ação envolve oração e mais trabalhadores para
o campo a fim de que a realidade seja transformada. A história da igreja comprova que
Jesus estava 100% correto em suas previsões, análises e propostas.
Jesus pesquisou a opinião pública (focus group) no caminho para Cesaréia de
Filipe. Ele indaga dos discípulos: o que o povo pensa a meu respeito? Temos pelo menos
três respostas: João Batista, Elias ou um dos profetas. Jesus inquire então dos discípulos
quem eles achavam que Ele era. Pedro toma a palavra, e apesar das suas frequentes gafes
de outras horas, agora faz uma das declarações mais fascinantes dos evangelhos: “Tu és
o Cristo, o Filho do Deus vivo.” (Mateus 16:14-16; Marcos 8:27-29). Obviamente não
estamos dizendo que Jesus catalogava dados ou fazia pesquisas conforme fazemos hoje,
mas ninguém pode negar que ele examinava com atenção seu contexto e agia conforme
aquilo que observava como necessidade local. Necessitamos de luz! Para ser bons
gestores da graça de Deus, devemos compreender os fatos – para ver o quadro verdadeiro
que está a nossa volta. As verdades de ontem estão frequentemente ultrapassadas hoje.
Precisamos da informação correta e atualizada sobre nós mesmos, nossas cidades, nossos
líderes, nosso contexto, enfim, todo o campo de colheita. Hoje, temos através de uma
observação rigorosa noção do tamanho de nossa tarefa, sabendo com exatidão quantas
nações, povos, cidades e etnias do mundo estão mais ou menos alcançados. Para o
desenvolvimento da nossa missão e para poder medir o cumprimento da mesma como
nos tem sido exigido (Mt 28:18-20, Mc 16:15, At 1:8, Cl 1:25-29), devemos utilizar as
melhores ferramentas científicas. Quando dizemos que Jesus Cristo é o caminho, a
verdade e a vida, não queremos dizer que conhecemos tudo e nem temos todas as
respostas. Estamos sim no caminho convidando outros a unirem-se a nós em direção à
verdade, em busca da vida plena nele.
Se nós não ajuntarmos, conservarmos, analisarmos e comunicarmos as
informações apropriadas do campo de colheita aos ceifeiros de uma maneira contínua
perderemos de vista os alvos a médio e longo prazo; depois, usaremos nossa energia e
recursos de maneira desfocada, podendo até mesmo desperdiçá-los; e por último,
deixaremos muitos campos de colheita sem tocar, e de outros voltaremos de mãos vazias.
Seguindo essa linha de pensamento, podemos afirmar que milhões permanecerão na
escravidão, nunca experimentarão o amor poderoso e transformador de Cristo e o reino
das trevas será decididamente beneficiado (ao menos temporariamente). Entretanto,
quando os cristãos estão versados nos fatos, então será possível alcançar todo potencial
para plantar e crescer igrejas saudáveis, ver sociedades inteiras justas e livres da
escravidão, e ver Jesus encarnado em cada segmento da sociedade, demonstrando seu
cuidado amoroso, shalom, justiça e redenção. O Reino da luz reinará em vitória! A
pesquisa dá credibilidade para o que fazemos diante da igreja e da sociedade. Por meio

30
dela podemos tomar decisões sábias, aplicar sabiamente os recursos, implementar
estratégias informadas e focalizadas e gerar informações necessárias para a motivação, o
treinamento e a mobilização da igreja para alcançar todo o país.

Conhecendo os centros urbanos

“As cidades são o principal campo missionário do século XXI”. Com essa frase o
Dr. Charles Van Engen, iniciou uma série de preleções sobre missão urbana, em março
de 2002, na cidade de Londrina (PR). Sua afirmação é uma verdade inquietante por parte
dos missiólogos espalhados pelo mundo inteiro. A preocupação deles é proporcional ao
crescimento dos centros urbanos.
A urbanização é um fenômeno mundial. Cerca de metade da população mundial,
que já atingiu a cifra de seis bilhões e meio de pessoas, mora em cidades. Na década de
60, a população urbana representava 34% da população do planeta. Esse número saltou
para 44% em 1992, e existe uma estimativa de que 61,01 % da população mundial estará
vivendo nas cidades até 2025. Outro grande problema é a formação das megacidades.
Essas são áreas com uma população igual ou superior a dez milhões de habitantes. De
acordo com a ONU, estima-se que no ano 2015 haverá, ao redor do planeta, 28 cidades
com mais de 10 milhões de habitantes. Tóquio, Mumbai, Jacarta, Karachi, Lagos e São
Paulo terão mais de 20 milhões de habitantes até lá. 14 das 21 maiores metrópoles do
mundo se localizam em países chamados emergentes (os antigos subdesenvolvidos). O
grande desafio hoje é levantar os olhos e ver essas cidades como o grande campo branco
pronto para a ceifa (Jo 4:35).
Outra categoria nos estudos urbanos é o da cidade global. Estudos feitos
recentemente mostram que hoje existem no mundo cinquenta e cinco cidades-globais.
Para sabermos se uma cidade é global, leva-se em conta o número de escritórios das
principais empresas (em contabilidade, consultoria, publicidade e banco e consultorias),
a rede financeira, bancária, de telecomunicações etc. As cidades globais são vetores
importantes da globalização. Elas são sedes de poder e por meio delas a economia global
é administrada, coordenada e planejada. Elas formam uma rede onde transitam os trilhões
que alimentam os mercados financeiros internacionais. Elas formam também uma teia
que dissemina serviços especializados para a indústria e para o comércio e concentram as
estruturas de comando das 37 mil empresas transnacionais atualmente existentes.
Algumas cidades são, simultaneamente, cidades-globais (concentram poder) e
megacidades (população superior a 10 milhões de pessoas). São Paulo está nessa
categoria.
O Brasil deixou de ser um país essencialmente rural no fim da década de 60,
quando a população urbana chegou a 55,92%. A mecanização das atividades rurais e a
atração exercida pelas cidades como lugares que oferecem melhores condições de vida
são dois dos principais fatores do êxodo rural. Atualmente, o país conta com 81,23% de
seus habitantes morando em áreas urbanas (IBGE - censo 2000). Houve um acréscimo de
26,8 milhões de habitantes urbanos desde o último censo de 1991, devido ao crescimento
nas áreas urbanas, à migração com destina às cidades, a favelização e à incorporação pelo
IGBE de áreas, que em censos anteriores, eram consideradas rurais. Esse fenômeno de
“abandono” do campo e de migração para centros urbanos, não é um fato isolado do
contexto brasileiro, mas de toda América Latina e a parte mais oriental da Ásia. Já a
África e Ásia ocidental apresentam um crescimento urbano acelerado, proporcionalmente
diferente da América Latina. Sua fase de industrialização cresceu principalmente nas
últimas três décadas. O deslocamento da população rural para esses polos deu-se
principalmente nos últimos 20 anos. Hoje a população urbana do continente africano é de
37, 5% da população total, mas em crescente expansão.

31
As cidades, principalmente dentro do G77, não crescem apenas em população,
mas também em problemas sociais, econômicos e políticos 16. Pobreza, violência, fome,
doenças, enfim, os problemas são imensos e complexos. Segundo Viv Grigg - plantador
de igrejas nas favelas da Ásia há mais de 35 anos - uma parte considerável da população
dessas grandes cidades vive em favelas. Há mais de um bilhão de favelados no mundo. É
notório que a má distribuição de renda, a ausência de políticas agrárias, a burocracia nas
linhas de crédito, o baixo investimento do governo na agricultura e a falta de assistência
técnica expulsa a população rural, que migra para as cidades. O crescimento natural da
população responde por 60% do incremento urbano. O acelerado aumento da população
urbana deixa as cidades mais suscetíveis a crises periódicas ou permanentes, em razão da
pobreza, da degradação ambiental, da qualidade dos serviços urbanos e das precárias
condições de infraestrutura. De acordo com a ONU, 250 milhões de pessoas não recebem
água tratada, 400 milhões não contam com esgoto e 500 milhões estão sem moradia.
Contudo, a cidade não consiste apenas de pessoas e problemas sociais, mas sim
uma intricada concentração de valores, culturas, cosmovisões e sonhos. Olhando sob essa
perspectiva, é possível entender que a cidade deixou de ser um conceito geográfico e
passou a ser um conceito sociológico. As pessoas vivem nas cidades em pequenos grupos
culturais, tentando manter as tradições recebidas e inserindo outras que adquiriram ao
longo de sua vida. Centros urbanos são complexos mosaicos, crescentemente resistentes
a métodos evangelísticos tradicionais. O desafio só será alcançado com estratégias
adaptáveis ao contexto, através de um sábio planejamento baseado na compreensão das
necessidades dos não-alcançados, do “know-how” da igreja local (ou seja, a partir dos
dons, talentos e habilidades de seus membros) e na dependência do Espírito.
Um bom plano de ação fundamenta-se em três pilares, os quais todos estão sob a
cobertura e liderança do Espírito Santo: (1) intuição, (2) experiência, e (3) pesquisa.
Muitos pastores e líderes começaram suas igrejas com uma boa dose de intuição. Com o
passar dos anos, ela vai crescendo enriquecida com sua experiência. Porém, recentemente
temos percebido que estas duas bases não são completas. Além da intuição e experiência,
a pesquisa limita o risco de erro, providenciando esclarecimento adicional e maior certeza
quanto às melhores decisões para o futuro. Na realidade, o pêndulo balançou tão longe
que nos sentimos sobrecarregados diante de milhares de estatísticas preparadas pelas
organizações eclesiásticas e trombeteadas nas centenas de conferências das últimas
décadas. Novamente ouviu-se o lamento, “Como podemos compreender tantos números
sobre tantos povos?” “Qual o significado disso tudo na minha cidade?”.
Por outro lado, não podemos deixar sem resposta tais perguntas cruciais e
estratégicas. Quais são as convicções, atitudes, motivações, necessidades e o nível de
receptividade entre as diversas pessoas que vivem ao nosso redor? Estas perguntas só
podem ser respondidas através de micro pesquisas numa área geograficamente definida.
Concluindo, a pesquisa é importante porque aumenta a credibilidade da informação
diante da igreja e sociedade, direcionando a liderança da comunidade local a tomar
decisões sábias na aplicação prática do ministério. Os dados levantados na pesquisa
urbana mostram onde os recursos e estratégias devem ser aplicados. Isso levanta a igreja
e a encoraja para aplicação de seus recursos tanto humanos como financeiro. Por fim, a
pesquisa providencia informações necessárias para a motivação, treinamento e a
mobilização da igreja para alcançar todo o país, estado, cidade e bairro.
Como já dissemos anteriormente, muitos líderes resistem à importância da
pesquisa para o desenvolvimento de seus ministérios porque não compreendem a cidade.
Essa resistência baseia-se em conceitos errados com relação à cidade onde moram. O
primeiro conceito errôneo é desprezá-la como má e pecadora. Essa percepção leva os

16
O G77 é a coalizão de 130 (77 membros da ONU fundadores em 1964) nações em desenvolvimento,
com interesses econômicos comuns.

32
cristãos ao isolamento, procurando apenas suportar a maldade da cidade e escapar de sua
contaminação moral. Precisamos notar que nem todos os problemas urbanos presentes
foram produzidos pelas cidades. A cidade é a arena para onde se transferem os grandes
confrontos globais. A cidade brasileira reflete as contradições e crises de origem local,
estadual, regional, nacional e internacional. Em Romanos 8:18-22 vemos essa verdade
que acabamos de mencionar: a criação frustrada, gemendo com as dores de parto,
esperando a manifestação da glória dos filhos de Deus. Neste contexto, a igreja deve
enxergar a cidade como objeto do amor de Deus e enxergar a si mesma como sinal e
instrumento de redenção, paz (shalom), esperança e justiça para a cidade.
O segundo conceito errôneo é a tendência da igreja se julgar impotente e derrotada
diante da magnitude dos problemas que confrontam a sociedade. Não se pode fazer
absolutamente nada diante dos problemas sociais da cidade pensam eles, e ninguém
dispõe dos recursos necessários para isso. Sendo assim, em sua maioria, embaraçosa e
vergonhosamente, as comunidades cristãs se esquecem de falar e enfrentar os problemas
sociais. Como a igreja pode preservar, transformar e criar novas possibilidades para a
cidade – sua missão diaconal – se ela não sabe quais são as necessidades da cidade?
Somos cooperadores e cocriadores do Reino de Deus em nosso emprego, comunidade
local, bairro, cidade, país, até os confins da terra!
O terceiro conceito errôneo que vemos nas igrejas urbanas é sua tendência ao
isolamento e ausência de cooperação e unidade com outras igrejas, associações e ONGs.
Com o crescente medo de perder membros neste competitivo mercado evangélico, muitos
tem se fechado e levantado as cercas para “protegerem” suas ovelhas. Sabemos que a
unidade é importante e quão bom e agradável é viverem unidos os irmãos (Salmo 133:1).
Sabemos que precisamos de companheiros, amigos e não podemos caminhar sozinhos no
ministério, correndo diversos riscos desde o esgotamento até a queda. As complexidades
sociais, políticas, econômicas, raciais, geográficas presentes em uma nação sempre irão
exigir um trabalho abrangente. Nenhuma igreja ou pastor, por mais poderosa ou influente
que seja, será capaz de alcançar todos os brasileiros e influenciar todo o Brasil. Para
cumprirmos a Grande Comissão, é necessário o desenvolvimento orgânico do corpo de
Cristo com todas as suas cores e bandeiras, com todos os seus dons e habilidades.
O quarto conceito errôneo é a percepção da vocação ministerial da igreja como
sendo espiritualizada e partidária. A cidade é vista como um aglomerado humano a ser
evangelizado. A ênfase está na conversão individual, na busca do crescimento numérico
através de novas técnicas e métodos e no estabelecimento de novas igrejas da
denominação, jamais a mudança do contexto e a conversão da cidade como estrutura
impregnada de maldade e opressão. Qualquer esforço dirigido na solução dos problemas
sociais afigura-se como impedimento para o ministério de evangelização e o crescimento
numérico da igreja.
A missão de Deus tem caráter sistêmico e integralizador, compreendendo a
totalidade de todas as experiências do ser humano, em seu contexto e história. Sua
finalidade envolve a reconciliação de todos os eleitos e a restauração de toda a criação.
Deus é Criador amoroso e criou o ser humano à sua semelhança (Gn 1:29). Ele espera ver
nosso esforço em melhorar este mundo imperfeito, agredido e ferido pelo pecado. Quando
servimos ao mundo, procuramos transformar as suas situações imperfeitas, ministrando
às suas feridas sociais e restaurando as suas dores culturais. Assim, promovemos a
reconciliação, o amor divino e a paz social – desde o indivíduo e suas necessidades
pessoais, até a família e as cidades a nível sociocultural em direção a toda criação – e
exercemos o dom de Deus, num verdadeiro processo de transformação da realidade
dominante.
O livro do profeta Jonas é uma boa ilustração bíblica do amor divino que excede
as barreiras sociais e étnicas, preconceitos e racismos. Deus sofre com a dor da cidade.
O Deus que ama Israel também ama a ímpia, opressora e sangrenta Nínive. O profeta era

33
um missionário improvável que foge da missão, pois odeia o seu povo. Deus o faz retornar
humilhado àquela cidade, onde ele prega despretensiosamente, e desanimado fala do
arrependimento. Rapidamente, ele atravessa a cidade sem empenho com sua
comunicação. Não fica nem dentro nem fora da cidade, e passa por ela odiando-a. O que
acontece é uma sucessão de eventos de misericórdia e graça de Deus. O povo reconhece
seu pecado e o rei da cidade estabelece um jejum para todos, inclusive animais, como
expressão de arrependimento e conversão a Deus. Deus vê o coração arrependido do povo
e não executa seu plano destrutivo.
Muitas vezes a igreja se relaciona com a cidade assim como Jonas. Seu escape
malfadado, seu orgulho, sua busca por sucesso, seu indiferentismo e sua insensibilidade
às pessoas revelam nossa dificuldade na compreensão da nossa missão na cidade.
Contudo, o plano de Deus é diferente: Ele cuida da cidade, exercendo misericórdia e
paixão, olhando compassivamente para a aflição e afastamento que o pecado origina. O
Senhor se preocupa com a cidade e expressa isso enviando seus profetas para resgatá-la
da sua situação e trazê-la ao conhecimento do seu Criador.
Concluindo, a referência para entendermos a importância da pesquisa na cidade é
teológico e não meramente social. Precisamos estudar a Palavra de Deus a partir de sua
perspectiva da realidade, enfocando os tópicos da igreja e sua missão onde ela se encontra
e onde ela deseja alcançar. Por detrás de bairros complexos e violentos escondem-se
milhares de homens e mulheres, gente como a gente, que necessita desesperadamente ser
pastoreada e amada pela igreja. A missão de Deus implica na presença de igrejas
saudáveis e líderes santificados, cheios de vitalidade espiritual, que renovem e dinamizem
a comunidade local e, desta forma, influenciem positivamente a cidade.

Exemplificando o Grande Potencial das Pesquisas

Queremos integrar a pesquisa à igreja, como ferramenta, um instrumento


científico a serviço da missão. Em termos técnicos, a pesquisa nutre-se de elementos
como a epistemologia - ciência do conhecimento, e das formas e das técnicas que se usam
– e outras áreas do conhecimento como a psicologia, sociologia, antropologia, economia,
história e sociologia, as chamadas ciências sociais. Numa forma muito simples, podemos
definir pesquisa como “a ciência que investiga a realidade”. Esta é a aproximação que
nos permite chegar a ter a ciência, como realidade aceita e experimentada. Em nosso caso,
como missionários e igrejas, as ciências sociais são uma de nossas melhores aliadas, pois
nos fornecem ferramentas apropriadas para aproximar-nos do ser humano e seu contexto,
do mundo e seus sistemas, focando o objetivo da missão. A pesquisa visa, então, conhecer
e interpretar melhor a realidade e responder com propostas ancoradas no evangelho,
partindo de realidades e necessidades concretas.
A pesquisa é um processo que liga diferentes níveis de abstração, cumpre
determinados princípios metodológicos e leva a cabo diversos processos logicamente
articulados, apoiados em teorias, métodos, técnicas e instrumentos apropriados com o
propósito de alcançar um objetivo e conhecimento real de certos fenômenos. É científica
se são aplicadas metodologias e técnicas científicas para situações e problemas concretos
na área da realidade social para buscar resposta para eles e obter novos conhecimentos.
Na plantação e crescimento de igrejas é fundamental que estejamos em contato com
sociólogos, geógrafos, assistentes sociais, historiadores, matemáticos, psicólogos,
urbanistas, enfim, cristãos que já estejam atuando na área de pesquisas sociais.
Evidentemente, eles conhecem melhor a cidade do que pastores e líderes. Estes
verdadeiros “Neemias” contemporâneos são os olhos e ouvidos do projeto. Eles ajudam
imensamente no embasamento científico, no caráter multidisciplinar, na qualidade
acadêmica e excelência metodológica do projeto.

34
Vivemos em uma sociedade pluralizada. Num mesmo local encontramos as mais
variadas tribos: pequenos grupos que se unem em torno de algo em comum. Numa cidade
nos deparamos com várias culturas. Estamos rodeados de favelas e bolsões de pobreza.
Bairros de classe baixa fazem fronteiras discrepantes com condomínios de alto padrão. A
igreja está em meio a um mosaico, circundada por uma sociedade cada dia mais
complexa, e o que é pior, em constante mudança. Sem frequentes pesquisas de campo,
jamais conseguiremos desempenhar com satisfação nosso ministério. Quatro áreas devem
ser focadas na análise da realidade da igreja local e da comunidade social, usando a
ferramenta chamada SWOT:

• Quais são nossas forças? O que fazemos que supera as expectativas e


apontam promessas para o futuro?
• Quais são nossas fraquezas? Quais são as áreas que estão abaixo da
expectativa e que poderiam ser otimizadas, se atuássemos com o
máximo de vigor e eficiência?
• Quais são nossas oportunidades? Quais são as oportunidades que
Deus está nos dando que mostram consideráveis promessas para o
futuro?
• Quais são nossas ameaças? Quais são os desafios e riscos que, se
negligenciados, poderiam nos impedir de realizar o máximo de nosso
vigor e eficácia?

A análise SWOT da situação minimiza os efeitos das fraquezas e ameaças,


conduzindo o grupo em direção a várias outras perguntas essenciais: Como nossa atual
situação se compara com a visão do futuro? O ministério atual reflete nossa missão,
valores e estratégias? Será que nossos recursos (pessoais, financeiros etc.) dão suporte à
missão e aos valores? A igreja está, de fato, indo em direção aos seus objetivos
estratégicos? Existem mudanças no meio ambiente que ameaçam a sobrevivência ou
efetividade da igreja no cumprimento de sua visão? Um resumo estratégico da situação
está baseado na comparação da visão e objetivos com as condições internas e externas do
contexto social, histórico e cultural onde a igreja está inserida. Onde os problemas são
evidenciados, existe a necessidade de uma intervenção honesta e efetiva, reconhecendo
que ali não exigidas soluções a serem encaminhadas. Ministrar e cuidar da igreja sem
compreender a cultura é como andar num quarto escuro com as luzes apagadas. Você
corre o risco de tropeçar nas mobílias e cair.
Emílio Castro escreve que existem momentos específicos na tarefa da igreja.
Existe uma responsabilidade peculiar em cada geração em particular. Existem estilos de
atividade pastoral imprescindíveis para se cumprir fielmente a missão da igreja hoje.
Segundo ele, “nosso problema, portanto, é descobrir agora qual é o kairós de Deus na
América Latina, para ver em que medida nossa missão eclesial se relaciona com ela, e se
deixar modelar, influir e dirigir pelo que Deus está fazendo na sociedade secular latino-
americana” (Castro, Hacia Pastoral). Podemos usar sem risco algum o Orlando Costas
para completar a afirmação acima. Segundo Costas, precisamos entrar em diálogo crítico
com o meio-ambiente cultural onde estamos e num um compromisso autêntico com a
cultura, pois “somente uma igreja identificada dos pés a cabeça com a cultura do povo ao
qual serve poderá dialogar criticamente com a mesma” (Costas, Realidade Igreja Lation
Americana). Com uma boa pesquisa, pode-se planejar qual será o perfil da comunidade a
ser plantada. Isso fará com que ela seja mais contextual e relevante.

Alguns modelos de pesquisas

35
Após compreender melhor qual a importância da pesquisa na vida da igreja,
veremos agora alguns tipos de pesquisas usadas para a catalogação de dados sociais. Essas
pesquisas podem ser feitas isoladamente com fins mais específicos, mas feitas em
conjunto se tornarão muito mais úteis para as igrejas locais nascentes ou emergentes.
Como a pesquisa é um campo muito vasto, vamos pelo caminho das pesquisas sociais
aplicadas, dados os objetivos a que se propõe: a visão da plantação e crescimento de
igrejas. Este tipo de pesquisa é conhecido também como pesquisa comprometida porque
“tem como imperativo saber de forma direta e profunda os problemas sociais para
descobrir as causas e poder oferecer soluções realistas” (Soriano, 2000, p. 24). Ela
também procura influenciar nos processos sociais (e religiosos), e modificar diversos
aspectos da realidade encontrada.

A pesquisa com enfoque na antropologia

No livro três da série Revolução Silenciosa organizado por mim, ao tratar da


antropologia como uma ferramenta para a igreja, Ronaldo Lidório sugere determinados
passos básicos para a pesquisa do contexto sociocultural de uma cidade, de modo que
possamos catalogar dados a serem utilizados na plantação e ministério da igreja local.
Vejamos quais são esses passos:

1. Delinear a área de pesquisa, como bairros, ruas, grupos sociais e assim


por diante. A intenção neste primeiro ponto é 36eva-lo a dimensionar sua
área de pesquisa, de forma prática e compreensível para o próprio
pesquisador. Uma pesquisa ampla demais poderá não ser aplicável.
2. Descrever (registrar com fotos localizando também no mapa) o tipo de
moradia preferencial utilizada pelos habitantes da área pesquisada.
Prédios unitários, prédios em condomínios abertos ou fechados, casas
unitárias, casas em condomínio aberto ou fechado, casas em ambiente de
aglomeração, palafitas e assim por diante.
3. Localizar no mapa e registrar com fotos o tipo de estrutura de trânsito
comunitário presente na área pesquisada. A intenção neste ponto é
perceber as vias de acesso (por onde as pessoas transitam) na área
pesquisada. Descreva e marque pontos como ruas, avenidas, praças, áreas
abertas, áreas de lazer, pontos de transporte como ônibus, metrô,
estacionamentos, etc.
4. Pesquisar a composição da população que habita a área de interesse.
Através de visitas e entrevistas (munido de um questionário básico que
você pode preparar) identifique a composição da população, pelo menos
nas seguintes áreas: a) origem de contexto (rural, suburbana, urbana), b)
classe social (de acordo com o rendimento familiar), c) grau de
escolaridade média, d) atividade e produção (área de trabalho e interesse
por área de trabalho), e) religião professada, f) origem racial
(normalmente apenas observada, não perguntada objetivamente), g)
atividades de lazer.
5. Identificar os pontos de serviço e comércio, e onde estão localizados na
região: mercados e supermercados, correios, estações de vigilância ou
policial, postos de saúde e hospitais, escritórios e comércio em geral,
pontos de venda em ambientes abertos, áreas de trabalho e repartições
públicas, fábricas e assim por diante. A intenção é perceber onde se
encontram os pontos que prestam serviço à comunidade pesquisada.
6. Localizar os polos de estudo e ensino, tais como escolas, cursos em geral,
faculdades, centros de treinamento, e assim por diante. Aqui você

36
observará o interesse da população em relação ao desenvolvimento de
atividades. Também perceberá se é uma população focada na subsistência
(trabalho), no estudo preparatório (universitário, por exemplo) e assim por
diante. Este perfil social será de grande proveito para a avaliação das
abordagens do grupo.
7. Identificar, descrever e localizar no mapa (registrar com fotos) os polos
de ajuntamento religioso na área pesquisada. Igrejas, mesquitas sinagogas
etc. (pontos de influência religiosa como templos e social como projetos
sociais sob iniciativa religiosa, como centros e educação e saúde); centros
religiosos informais (em atividade em terreiros, casas, etc.) e pontos de
atuação religiosa (como iniciativas evangelizadoras ou de cunho social
realizada por religiosos em ruas, albergues, orfanatos, etc.). Descreva de
forma a dimensionar o grau de influência na sociedade e nas moradias ao
redor. Se possível visite os principais polos de ajuntamento observando
seu grau de influência. Se o projeto for evangelizador ou de plantio de
igrejas, observe o grau de presença influenciadora de igrejas e iniciativas
evangélicas na área, o que deve incluir ajuntamentos e cultos, ações
evangelísticas e visitas, projetos sociais e assim por diante.
8. Identificar os polos de apoio social como orfanatos, asilos, creches,
penitenciárias e grupos de apoio. Estes lidam com a camada social que
necessita de algum tipo de apoio específico. Não se esqueça de ligar este
e os outros pontos pesquisados com o material coletado, estudado e
catalogado nas pastas: a) mapas e estatísticas; b) artigos e teses; c)
pesquisas e entrevistas. A análise dos dados dependerá não apenas de sua
pesquisa objetiva, mas do cruzamento de informações, impressões,
pesquisas e conclusões.
9. Identificar os segmentos sociais e raciais presentes na população
pesquisada, tais como judeus e árabes, indígenas ou comunidades negras
(que venham a viver de maneira mais isolada do restante); bem como
grupos de afinidade e as tribos urbanas. Descreva os dois ou três
principais segmentos sociais ou raciais que se destacam na área
pesquisada, se for o caso. Estude e faça os “links” entre artigos, notícias
veiculadas ou teses a respeito de tais grupos. É de vital importância
identificar, se for o caso, a presença dos grupos excluídos.
10. Preparar uma projeção visual com três áreas de compreensão: espaço,
tempo e interesse. Você pode fazer isto desenhando três mapas bem
elaborados. No primeiro (espaço) prepare uma projeção visual (ou mapa)
dos dados de localização adquiridos até o momento marcando (use cores
distintas) onde a população habita, por onde transita, onde estuda, onde
comercializa, onde trabalha, onde cultua e assim por diante. Ou seja, esta
projeção deve evidenciar onde as pessoas se aglomeram.
11. Identificar as áreas de carência social e humana na comunidade. Nesta
altura você terá um conhecimento suficiente para identificar as áreas de
real carência social e humana tais como inclusão social de grupos
marginalizados, apoio em áreas básicas como saúde, educação e
subsistência etc. Descreva as cinco áreas de carência social na população
e esboce possíveis atuações de relevância que possam vir a minimizá-las
ou curá-las mesmo que este não seja seu projeto principal. Tal
identificação nos levará a prestar atenção, e esboçar esforços de
cooperação, nas áreas que efetivamente geram sofrimento humano. Ou
pelo menos estar cientes de tais processos de sofrimento.

37
A pesquisa com enfoque na história

A falta do conhecimento histórico e consciência da importância dessa ciência


impedem que percebamos todo o seu potencial como ferramenta e instrumento para a
igreja. Por vezes, é trabalhoso escavar os fatos. Outras vezes, é doloroso demais revisitar
o passado. Mas não podemos nos isolar. Devemos reler e interpretar a história e suas
circunstâncias com humildade e atenção. Eu dou graças a Deus pela história da igreja!
Quantas vezes a vida dos santos e sábios do passado inspiraram! Nos três livros da série
Revolução Silenciosa que organizei, trabalhei muito próximo do Wander Proença.
Alguns recursos metodológicos que, como historiador, ele utiliza são os seguintes:

1. Observação participante. A observação participante é um método de


pesquisa utilizado por historiadores com a finalidade de entender um fato
social. Diferentemente da entrevista, o pesquisador vivencia
pessoalmente o evento de sua pesquisa para melhor analisá-lo ou entendê-
lo. Para perceber e agir de acordo com as interpretações daquele ambiente,
ele se torna parte do grupo, participando de suas relações sociais,
entendendo os costumes e linguagens empregados que culturalmente
fazem sentido. O uso desse método possibilita a maior inserção no
universo cultural vivenciado. Em termos de estratégias práticas, a
observação participante envolve tempo, lugar e circunstâncias. Quanto
mais tempo o observador gastar com o grupo, maior adequação e
possibilidade de interpretação poderão ser alcançadas. Pois quanto mais
familiarizado estiver com a linguagem empregada na respectiva situação
social vivenciada, mais próxima da realidade serão suas conclusões. Além
do que, o tempo acaba por gerar uma relação de maior intimidade e
confiabilidade entre os envolvidos no processo, o que pode permitir ao
pesquisador não apenas entender melhor os significados e as ações do
grupo, como também obter acesso ao ambiente mais privado ou de
“bastidores”.
2. Depoimentos orais. Na pesquisa é importante ouvir as pessoas que mais
concretamente vivenciam as práticas locais. Se a pesquisa acontecer em
uma igreja, deve-se colher depoimentos dos líderes e fiéis que estão ali há
mais tempo. Nesse caso, a gravação e análise de depoimentos se
apresentam como recursos metodológicos bastante eficazes. O trabalho
de entrevistas acontece a partir de perguntas fechadas e direcionadas, ou
então, mais abertas para que os interlocutores possam se expressar mais
livremente. Na publicação do capítulo “Formação e desenvolvimento das
primeiras igrejas evangélicas na cidade de Londrina”, na obra Revolução
Silenciosa I, foram realizadas entrevistas com descendentes de famílias
pioneiras, responsáveis pela fundação das igrejas Presbiteriana e
Metodista, na cidade. Vale destacar a entrevista feita com a filha da
senhora Maria Thereza, fundadora do trabalho evangélico em Londrina,
no início da década de 1930. A filha, em seu depoimento, preservava
ainda memórias bem vivas dos primeiros acontecimentos que marcaram
a chegada da família a Londrina e dos passos preliminares dados para
fundação do trabalho protestante naquele contexto, quando a população
total da cidade não reunia mais do que dez ou doze famílias.
3. Fontes impressas. Há sempre um conjunto de fontes impressas
normalmente disponível para quem quiser traçar um panorama histórico
de uma determinada cidade ou contexto urbano, como por exemplo:
acervos de bibliotecas públicas; jornais antigos e artigos recentes; centros

38
de documentação organizados em faculdades ou universidades; arquivos
da prefeitura; documentos catalogados por museus, dentre outros. No caso
dos documentos elaborados pelas próprias igrejas, é preciso também estar
muito atento ao aspecto triunfalista dos relatos. As instituições quase
sempre querem evidenciar os grandes feitos ou a trajetória fascinante de
seus líderes ou fundadores.
4. Os meios de comunicação de massa. A utilização desses programas como
fontes de pesquisa é bastante promissora, mas requer o devido cuidado
metodológico. Por exemplo, deve-se considerar que “a TV não é igual a
um rádio com figuras”, pois se o próprio rádio não é algo simples, “os
meios áudios-visuais são um amálgama complexo de sentidos, imagens,
técnicas, composição e sequência de cenas, etc.”. O procedimento
metodológico consiste em fazer as gravações dos programas de rádio ou
TV. Depois de transcritos, datados, catalogados e arquivados, podem ser
usados como fontes para pesquisa e investigação historiográfica.

Ao utilizarmos esse modelo de pesquisa na cidade de Londrina, constatamos que


o trabalho pioneiro evangélico se destacou pela iniciativa e atuação ministerial de cristãos
“leigos”, que colocaram seus dons e talentos a serviço do Reino de Deus. Observamos a
participação efetiva da mulher no desenvolvimento do culto e da evangelização. Ainda
hoje, em várias igrejas desta cidade, mulheres continuam a exercer importantes funções
de obreiras, missionárias e pastoras, além de contribuírem diretamente no ministério da
diaconia. A utilização de células e grupos pequenos tornou-se uma importante estratégia
de evangelismo logo no início da evangelização na cidade. Ao se deslocarem para cá, no
início de sua colonização, famílias evangélicas também trouxeram consigo o desejo de
expandir a mensagem do evangelho nesta cidade em formação. Para isto, transformaram
seus próprios lares em núcleos de estudos bíblicos e lugar de celebração, o que algum
tempo depois deu origem às primeiras igrejas.
Constatou-se que logo após a colonização de Londrina houve grande unidade
entre as diferentes denominações que estavam aqui. Presbiterianos independentes e
metodistas organizaram juntos uma escola bíblica dominical, frequentando um mesmo
salão de culto e somando esforços para a evangelização da cidade nascente. Os primeiros
evangélicos de Londrina foram marcados positivamente pela preocupação social e
hospitalidade. Quando tomavam conhecimento da chegada de uma nova família, fosse
evangélica ou não, e que estivesse necessitando de auxílio e amparo, prontamente se
dispunham a visitar tais pessoas oferecendo-lhes ajuda e assistência. Algo muito
interessante no início da colonização de Londrina foi a presença do negro na liderança. O
pastor responsável pelo desenvolvimento de uma das maiores e mais influentes igrejas de
nossa cidade era negro, o famoso pastor da Igreja Presbiteriana Independente Reverendo
Jonas Dias Martins.

A pesquisa com enfoque na geografia

A geografia também se converteu numa formidável ferramenta para a


compreensão das cidades e suas estatísticas contribuem muito para a plantação e
crescimento de igrejas. A geografia é útil no preparo de relatórios socioeconômicos que
caracterizam de maneira “espacial” a realidade demográfica, educacional, familiar, de
renda social e saneamento etc. O nosso departamento de pesquisas na Sepal pode ajudá-
lo na preparação de vários tipos de mapas com informações como localização geográfica
do município, pessoas residentes, densidade populacional, número de homens e mulheres,
pessoas residentes por domicílios, percentagem de crianças e jovens, analfabetismo geral
e entre crianças (5 até 14 anos), responsáveis por domicílios com baixos salários (2 SM)

39
e altos salários (acima de 10 SM) bem como a renda per capita no setor censitário,
ocupação dos domicílios com um morador e com sete ou mais moradores, número de
banheiros, sanitários nos domicílios, ou não ligados à rede geral de esgoto e assim por
diante. Os exemplos a seguir mostram o potencial das pesquisas sociológicas nas cidades
de Vitória da Conquista BA, a capital do Maranhão, São Luis do Maranhão e a cidade de
Uberlândia (MG):

40
Este trabalho contribui com dados importantes para a análise do crescimento
e expansão do Reino de Deus em sua cidade, ampliando a visão evangelística e
despertando a paixão missionária das pessoas envolvidas para a implantação e
crescimento de igrejas saudáveis e contextualizadas. Você pode também localizar as
igrejas e outras instituições no seu bairro. Alguns passos para o mapeamento geográfico:

1. Preparando os mapas. No contexto urbano, a pesquisa inicial visa passar


em cada rua da cidade, anotando a localização das igrejas, nomes das
instituições e endereços em um mapa da cidade. Assim, o primeiro passo
desta fase é preparar e numerar as folhas dos mapas utilizados. Quando
sair às ruas use um bom guia de rua ou fonte de mapas da cidade para a
localização exata do local. O mapa por setor censitário do IBGE poderá
ser adquirido com a Sepal para que os dados possam ser visualizados em
um mapa digital. Os setores serão constituídos de quarteirões populosos,
prédios residenciais com muitos apartamentos, hospitais, escolas, etc. Em
alguns casos, uma página poderá conter apenas um setor. Mas haverá
casos em que duas ou quatro folhas precisarão ser agrupadas para fechar
o contorno de um setor. Os números dos setores estão indicados na parte
inferior do mapa. Veja o exemplo a seguir:

41
2. Transporte da equipe. Esta pesquisa pode ser feita a pé, de bicicleta, moto
ou carro. Se houver pessoas suficientes, pode dividir o trabalho entre
várias equipes de duas ou três pessoas cada.
3. Equipamentos utilizados. Alguns suprimentos serão necessários para cada
equipe: Mapas (guia), folhas em tamanho fácil de manusear; prancha para
segurar e apoiar folhas; canetas (pelo menos 2 cores diferentes); caneta
marca-texto; cópias da ficha de cadastro da Instituição Religiosa; máquina
fotográfica digital (se tiver); e dinheiro suficiente para combustível e
alimentação.
4. Anotando as Instituições. Quando avistar uma instituição, pare e localize
no mapa com as folhas já numeradas. Marque a localização da
identificação no mapa com um número seqüencial 17. Preencha a ficha de
cadastro da Instituição Religiosa (em anexo) com os dados disponíveis
sem faltar a localização do setor indicado no mapa fornecido pelo IBGE.
Se não estiver claro se um determinado local representa ou não uma
instituição religiosa, pergunte na vizinhança. Em casos de dúvidas, é
sempre melhor incluir a igreja e deixar a dúvida anotada na ficha, que
pode ser tirada depois. Se ao utilizar a pesquisa no futuro você não quiser
incluir alguma denominação ou grupo religiosos, eles poderão ser
filtrados. Se for uma congregação ou ponto de pregação, indique isto na
ficha. Mas se excluir estas igrejas de antemão, corre-se o risco do trabalho
não poder ser usado no futuro por grupos que queiram incluí-las. Quando
terminar de passar o quarteirão inteiro, marque com um “x” no mapa o
quarteirão que já foi visitado.
5. Preparando o mapeamento digital. Depois de terminar de localizar todas
as igrejas do bairro (ou região) pesquisado (a), entregue as fichas para a
pessoa designada para tabulação e análise dos dados. O departamento de
pesquisas da Sepal oferece uma planilha em Excel para a inclusão dos
dados a fim de manter um padrão para a entrada de dados no computador.
Entre em contato com a Sepal para obter mais orientações sobre esse
método. Veja um exemplo do resultado final:

17
Esse número é o número da Instituição religiosa e não deverá ser repetido durante toda esta pesquisa. Ao
iniciar outra página do mapa, dê seqüência à esta numeração.

42
Aqui surge uma pergunta: e se já existir uma lista de igrejas na sua cidade, bairro
etc., ela não poderia ser considerada satisfatório? A resposta é não. Isso acontece por
algumas razões. Em primeiro lugar, muitas listas estão desatualizadas. Frequentemente,
listas são preparadas e arquivadas sem que sequer conste a data em que foram realizadas.
Há um número significativo de igrejas sendo abertas e outras fechando constantemente.
Outra razão é que os critérios usados para coleta de informações adotados em outros
levantamentos podem ter sido diferentes dos nossos. Por exemplo, certos tipos de igrejas
podem ter sido excluídos em listas anteriores, as definições do que significava ser "igreja"
podem ter sido diferentes e assim por diante. Existem também muitas igrejas
independentes que não constam de nenhuma lista denominacional. Outra razão é que
templos religiosos são abertos em lugares mais escondidos. É necessário verificar cada
rua de cada cidade e município para ter certeza de que temos dados precisos. De fato,
nosso alvo em longo prazo é refazer todo levantamento a cada dois ou três anos, para
verificar o crescimento e as mudanças que ocorreram. Com estes levantamentos
periódicos, torna-se possível fazer projeções e projetos para o crescimento futuro.

Concluindo, a partir das diversas pesquisas coletadas, várias perguntas podem


contribuir para o desenvolvimento de um plano de ação abrangente:

• Quantas são e onde estão as igrejas evangélicas na cidade? Essa pergunta


é importante, pois como dissemos acima auxilia a entender o contexto do
local onde a igreja está, mostrando o perfil religioso da população
• Onde a igreja continuará a crescer? Quais os bairros mais ou menos
alcançados com a presença evangélica? Para isso é importante fazermos
a relação entre o número de igrejas e o número de habitantes do bairro,
de acordo com o censo do IBGE. Assim adquirimos uma noção mais

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esclarecedora quanto ao crescimento da igreja, se seu potencial está sendo
usado ao máximo, ou se está deficiente.
• Quais tendências representam as maiores oportunidades para a
penetração ou entrada do evangelho na nossa cidade? Quais segmentos
da população mostram receptividade e estão se voltando para Cristo nas
igrejas já existentes, em cada região da cidade? Entendendo as tendências
da população local abrimos as portas do coração e conseguimos entrar com
um evangelho mais contextual e relevante. Obviamente não estamos
falando em negociação, mas sim uma contextualização saudável do
evangelho.
• Há previsão de alguma crise que pode tornar-se enfoque de nossas
orações e intercessões? Avaliemos o futuro como José, conhecedores dos
tempos de “vacas gordas” e “vacas magras”. Não que esperemos crises,
mas estejamos preparados em oração, compreendendo as tendências e
tomando atitudes que minimizem seus efeitos.
• O quanto às igrejas e organizações cristãs sofrem ou sofrerão com as
mudanças demográficas, sócias, culturais e históricas? Assim como na
questão anterior, as pesquisas revelam mudanças que agitarão a
comunidade nos próximos anos. A igreja precisa estar preparada para tais
acontecimentos.
• Alguma subcultura ou grupo social manifesta um nível incomum de
opressão satânica? Qual deles experimenta um maior grau de trevas
espirituais? Quais os segmentos da população e regiões da cidade que
estão mais vulneráveis aos cultos não-evangélicos? O que essas
tendências revelam sobre a natureza dos principados e potestades que
reinam sobre a cidade? Essa é o tipo de informação que não aparecerá nos
dados sócio-geográficos, mas provavelmente nas entrevistas pessoas,
onde teremos a compreensão de práticas de grupos religiosos.
• Quais são os temas sociais mais preocupantes em cada região da cidade?
A pesquisa nos mostrará necessidades da população local, temas e temores
sociais. Com essa informação é possível focalizar esforços, com um menor
desperdício de dinheiro e recursos.
• Quais subculturas ou grupos sociais são os mais pobres, bem como os
mais vulneráveis e mais necessitados na cidade? Quais são os grupos
sociais que estão realmente pedindo ajuda? Essa informação ajuda na
compreensão das características culturais e sociais dos grupos pobres da
área pesquisada, além de revelar interesses profissionais das subculturas e
regiões onde a igreja pode atuar com vistas à inclusão social.
• Quais são as oportunidades para parceria entre igrejas espiritualmente
dinâmicas e aquelas igrejas e ministérios que estão meramente
sobrevivendo? Com o levantamento das igrejas de uma cidade ou bairro,
como também de suas atividades, podemos analisar a relevância de cada
uma delas na comunidade. Essa informação abre portas para parcerias de
unidade entre igrejas irmãs no cumprimento da sua missão.
• Os ministérios e programas de sua igreja ou organização estão
direcionados de forma a responder às necessidades da cidade? Muitas
igrejas preferem não responder esta questão, mas a pesquisa revelará seus
erros e acertos, bem como onde a igreja está atuando de maneira
satisfatória ou sem relevância nenhuma.

44
Conseguir os dados da pesquisa não é a parte mais difícil. O maior desafio é saber
o que fazer com eles. É aqui que o pesquisador deve ser inovador e criativo, arriscando e
interpretando com sabedoria e ajuda do Espírito Santo. Os vários modelos de pesquisa
ajudarão a colocar osso e carne sobre e esqueleto seco dos dados demográficos e
estatísticos. As diversas informações sobre a realidade histórica, o contexto geográfico e
a situação social, quando em contato direto com os diversos elementos e conflitos da
cidade, têm o potencial de vivificar a igreja, afetando sua visão, suas estratégias, seus
recursos, colocando-a em marcha pelo reino de Deus. É perigoso começar um projeto
sem um bom test-drive e uma razoável avaliação da região. Avaliar, adaptar e
experimentar são bons sinais. Quem não planeja, planeja seu fracasso. Pesquisar e
planejar com inovação, testar e tentar todos os componentes são ações admiráveis para o
bom líder cristão.

45
1. O papel urbano é um teólogo da missão
Jorge Henrique Barro

46
O PASTOR URBANO
É UM TEÓLOGO DA MISSÃO 18

Jorge Henrique Barro


Todo pastor é ou deveria ser um teólogo.
E todo teólogo é ou deveria ser um pastor.
A atividade pastoral é respaldada por critérios teológicos.
A reflexão teológica tem sua verificabilidade na práxis.
E ambos corrigem ambos.

Introdução

Parece estranho pensar no pastor como um teólogo, e mais estranho ainda pensar
no teólogo como um pastor. O pastor é tradicionalmente visto como aquele que faz coisas
práticas do dia a dia e do cotidiano da igreja. O teólogo é tradicionalmente visto como
aquele que pensa, que reflete, que produz a teologia e os textos sagrados. Assim, várias
escolas de teologia possuem professores/teólogos que nunca foram pastores e,
estranhamente, são estes que preparam os futuros pastores da igreja. A instituição que
vive para treinar os futuros pastores da igreja não encontra espaço para os que já são
pastores terem a oportunidade de ensinar. O contrário também acontece. Aqueles que já
são pastores contentam-se em ficar com o diploma de bacharel em teologia (quando
possui), achando que não necessita mais estudar, ou porque já se sente confortável com o
que o tem ou porque não se considera um teólogo, já que estudar mais profundamente é
coisa de teólogo.
Esta dicotomia é um câncer na vida da igreja e das instituições teológicas. Câncer
porque destrói a relação entre pastoral e teologia. Poderíamos afirmar que toda ação
pastoral é teológica? E ainda, que reflexão teológica tem implicações pastorais? “Sem
pastoral a teologia sem se trunca” (COSTAS 1975:83). A teologia sem a presença da
pastoral corre o risco de ficar na torre de marfim ou uma teologia de balcão (terraço).
São duas figuras que pretendem mostrar a desvinculação da teologia com a realidade e
com a prática. Neste caso, a teologia é um fim em si mesma. Se a teologia sem a pastoral
se trunca, por outro lado, a pastoral sem teologia é imatura e inconseqüente. Muitos
pastores correm o risco do ativismo, do fazer pelo fazer, verdadeiros bombeiros correndo
para apagar o fogo do dia a dia pastoral. Esta desvinculação entre teologia e pastoral foi
uma das principais razões para o surgimento da chamada teologia prática. Ou seja, a
tentativa de integrar a teoria com a prática. Surge daí a chamada hermenêutica espiral,
como se vê no gráfico que segue:

18
Este texto é um capítulo (número 7) do livro por mim organizado chamado O Pastor Urbano,
publicado pela Editora Descoberta, o qual recomendo sua leitura. Foi o primeiro livro a ser escrito no
mundo focado o ministério pastoral volytado para o contexto urbano. Link para a compra:
https://editoradescoberta.com.br/product/o-pastor-urbano/. Este texto foi por mim revisado e editorado
estando, portanto, um pouco do original publicado no livro.

47
Imagem 1: Hermenêutica Espiral

Este gráfico demonstra que a prática passa ser o critério de avaliação da teologia.
A verificabilidade do conceito, da verdade, da teoria se dá na prática. A prática, por sua
vez, revela qual conceito ou teoria que a suporta.
Além da teologia e da pastoral, faz-se necessário acrescentar um terceiro elemento
nesta reflexão, que é a missão. Orlando Costas, um grande pastoralista latino-americano,
nos dá a direção a seguir. Ele diz:

Temos dito que a ação pastoral responde a um fenômeno maior: a missão de Deus. Há, pois,
que ver a teologia pastoral com uma ótica missiológica...Sem missão não pode haver pastoral
porque esta existe em virtude e em função da missão. Daí que a fé bíblica apresenta a Deus
como um Deus missionário que atua pastoralmente na história (COSTAS 1975:83.).

É precisamente aqui que entra este capítulo: o pastor urbano é um teólogo da


missão, e no caso deste estudo, um teólogo da missão urbana. O que significa ser um
teólogo da missão? Como desenvolver uma teologia de missão para uma missiologia
urbana? Que tipo de teologia se faz necessário desenvolver para a missão da igreja com a
cidade? São estas as principais perguntas a serem trabalhadas neste capítulo.

1. O pastor como um teólogo da missão: o que significa ser um teólogo


da missão?

Conforme Costas, a ação pastoral responde a um fenômeno maior, que é a missão


de Deus. A tarefa e função pastoral devem ser definidas a partir da missão – da missão de
Deus (missio Dei), modelada em Jesus Cristo (missio Christ), no poder do Espírito Santo
(missio Spiritu Sancti), na instrumentalidade da igreja (missio Ecclesiarum). Visto desta
maneira, a ação pastoral nunca será um fim em si mesma, mas uma resposta. A ação
pastoral passa ser um ato segundo. O ato primeiro é o agir de Deus, e porque Deus age
primeiro (fenômeno maior), nós, pastores, agimos como ato segundo (fenômeno menor).
Por que Deus concede pastores a sua igreja? A resposta é simples, mas não a sua
aplicação. Deus concede pastores para a igreja para certificar-se de que esta pessoa vai
fielmente cumprir a tarefa de liderar a ação missionária daquela comunidade. Se a igreja
existe para cumprir a missão de Deus; se a igreja é o instrumento e agência da missão de
Deus, o único propósito pelo qual o pastor existe é a missão de Deus. Este fenômeno
maior deve ser o carro-chefe que conduz tudo o que acontece na vida da igreja. Em
palavras bem simples, você é pastor para capacitar sua comunidade para cumprir a missão
de Deus. Deus te coloca como líder da igreja para que ela cumpra sua finalidade como
agente missionário.
Existe uma confusão muito grande, atualmente, sobre qual é a tarefa do pastor.
Percebemos que os modismos que entram e saem influenciam e determinam o muito da
tarefa pastoral. Já presenciamos a ênfase do pastor administrador, do pastor terapeuta, do
pastor ministro de louvor, do pastor evangelista, do pastor com propósito e assim por

48
diante. Estes modismos só nos revelam nossa pobreza de finalidade pastoral. Estes
modismos não passam de fenômenos secundários. O fenômeno maior, e portanto,
primário, é a missão de Deus. O pastor é um servo de Deus e da sua missão. O que
significa ser um teólogo da missão? Significa que a tarefa pastoral justifica sua razão de
existir quando ela está a serviço da missão de Deus.
Antes de servo da igreja, o pastor é servo de Deus e da sua missão. A maior
revelação da vocação pastoral não é o serviço à igreja, mas o serviço a Deus. Podemos e
devemos servir a igreja como conseqüência do nosso servir a Deus. Isso porque, podemos
servir a igreja com muitas segundas intenções, como por exemplo, a nossa própria glória
e exaltação. Muitas ações pastorais têm por objetivo exaltar o anjo da igreja (o pastor) e
não o senhor da igreja (Deus). Isto explica o fato de existir igrejas que são ensimesmadas
e egoístas, voltadas para si próprias e não para a missão. Karl Barth condena esta atitude
ao dizer:

Onde a vida da Igreja está exaurida no auto-serviço, tem-se o gosto de morte; o elemento
decisivo foi esquecido, de que a vida inteira é vivida apenas no exercício do que chamamos
ministério de embaixador da Igreja, proclamação, kerygma. Uma Igreja que reconhece sua
comissão não desejará, nem estará apta a petrificar em quaisquer de suas funções, para ser
uma Igreja em interesse próprio. Há o “grupo dos crentes em Cristo”; mas este grupo foi
enviado: “Ide e pregai o Evangelho!”. Ele não diz, "Ide e celebrai o ministério!"; “Ide e
edificai a vós mesmos com o sermão!”; “Ide e celebrai os Sacramentos!"; “Ide e apresentai-
vos na liturgia, que porventura repita a liturgia celestial!"; “Ide e deixai o legado de uma
teologia que possa gloriosamente se desdobrar como a Summa de Thomas de Aquino!” Claro,
não há nada que proíba tudo isto; pode haver uma boa causa para fazer tudo isto; mas nada,
nada afinal para seu interesse próprio! Nela, todas aquelas coisas devem prevalecer: “Pregai
o Evangelho a toda criatura!” A Igreja corre como o arauto para entregar a mensagem. Não
é um caracol que transporta sua pequena casa sobre suas costas e está tão bem acomodado,
que apenas ocasionalmente liga suas antenas, e depois pensa que a “exigência de publicidade”
foi satisfeita. Não, a igreja vive pela sua comissão como arauto; ela é la compagnie de Dieu.
Onde a Igreja está viva, ela deve perguntar a si mesma se está servindo esta comissão ou se
tornou-se um objetivo em si mesma? Se o último for o caso, então como regra ela começa a
ter o gosto pelo “sagrado”, com afetos de piedade, a agir como sacerdote e murmurador.
Qualquer um com nariz aguçado sentirá o cheiro e achará formidável! O Cristianismo não é
“sagrado”; pelo contrário ele respira o ar fresco do Espírito. De outra forma, não é
Cristianismo. Pois ele é algo “mundano” exposto para toda humanidade: “Ide por todo o
mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (BARTH 2006:211-212).

A igreja que vive para si mesma, conforme Barth, tem sabor de morte. Que morte?
A morte da sua razão de existir. A ação pastoral, compreendida como cuidar do culto,
edificação e pregação, celebrar a ceia e o batismo (sacramentos), a liturgia e a teologia
como um fim em si mesmos, como um alvo último, exalam o odor da morte da igreja. E
neste caso, a ação pastoral passa a ser a de manutenção do que existe, da própria
instituição e denominação. Este sabor de morte é degustado em muitas igrejas que não
fazem outra coisa a não ser existir para si mesmas. A igreja existe para missão. È óbvio
que a missão precisa ser compreendida como alvo penúltimo, pois o alvo último, ou
prioritário, é a glória de Deus. Separar um do outro é difícil, porque ao realizar a missão
de Deus, a igreja O glorifica. E ela só pode glorificá-Lo se realiza sua missão. E o pastor,
onde entra nisso tudo? Ele, como já afirmado anteriormente, é aquele que Deus coloca na
igreja para certificar-se de que como pastor ele irá fielmente cumprir a tarefa de liderar
a ação missionária da comunidade. Isto redimensiona a tarefa pastoral e a razão da
pastoral existir. Assim como a igreja existe para a missão, o pastor existe para zelar e

49
fazer com que esta missão ocorra e se desenvolva. Para isso, faz-se necessário entender o
fundamento, a missão e meta da ação pastoral.19

1.1. O fundamento da ação pastoral: Jesus Cristo

Jesus é o fundamento da ação pastoral. Pedro nos diz que ele, e somente ele, é o
Supremo Pastor. (1 Pe 5:4). Paulo deixa claro que os pastores são constituídos para
“pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20:28).
Novamente surge o conceito do pastor como mordomo de algo que lhe foi conferido.
Neste caso, lhe foi conferido a igreja de Deus, cujo preço foi sangue. Esse sangue é o
sangue de Cristo. Por esta razão, Ele é o fundamento da igreja e da ação pastoral. O
modelo da ação pastoral é Jesus. Assim,

Onde a Igreja Apostólica está, a Igreja que ouve e transmite o testemunho dos Apóstolos, um
sinal definitivo estará vivo, uma nota ecclesiae, de que Jesus Cristo, a saber, não é apenas
aquele de quem a igreja se origina, mas que Cristo é aquele que governa a congregação. Ele,
e somente ele! Em nenhum lugar ou espaço a Igreja é uma autoridade que se sustenta a si
mesma, mas - e aqui se segue um importante princípio com relação ao governo da Igreja -
fundamentalmente a Igreja não pode ser governada nem monarquicamente nem
democraticamente. Aqui Jesus Cristo governa sozinho, e qualquer governo do homem pode
apenas representar este governo dele. E deve deixar-se medir por este governo (BARTH
2006:211-212).

Se todo governo humano não pode ser mais que uma representação desse governo
seu e se deverá deixar medir com Ele, então, principalmente os pastores, ou os co-pastores
do Supremo Pastor, deveriam entender isto melhor do que ninguém. Nós, pastores, somos
representantes desse governo.

1.2. A missão da ação pastoral: serviço a Deus no mundo

Esta segunda perspectiva da ação pastoral diz respeito ao locus dessa ação.
Entendo que o locus da ação pastoral é o mundo e não somente a igreja. E, justamente por
não ser assim, a ação pastoral no Brasil (e em quase toda América Latina) assumiu três
características negativas. 20
A primeira característica negativa é a pastoral de repetição. A pastoral brasileira
foi basicamente construída nos moldes do modelo Norte Americano e Europeu, sendo o
primeiro mais pragmático e o segundo mais teológico e clássico. Jardilino afirma,
“reconhecemos com pesar que a nossa visão de pastoral ainda está firmada no modelo
anglo-saxão do protestantismo de missão (JARDILINO 1993:30). A principal razão pela
qual a ação pastoral foi, ou continua sendo de repetição é o fato de não levar em
consideração o ethos dessa ação, que é o seu contexto. Costas, em 1975, cerca de trinta
anos atrás, soltava seu grito e sua preocupação com o estilo de pastoral que vinha sendo
desenvolvido na América Latina. Disse ele, “...se faz evidente o fato de que na América
Latina a práxis pastoral evangélica tem carecido de criatividade e originalidade...A
pastoral nos círculos evangélicos latino-americanos tem sido maiormente uma disciplina
repetitiva” (COSTAS 1975:79). Obviamente que desde 1975 até hoje já progredimos
muito e muita coisa já mudou. Mas, por outro lado, é óbvio também que em determinados
círculos (como chamou Costas) esta ação pastoral é ainda de repetição. Um exemplo disto

19
Empresto estas três idéias extraídas de Karl Barth, em seu livro Esbozo de Dogmática (pp.168-171).
Mesmo que ele tenha empregado de maneira diferente que emprego nesta reflexão. Barth relaciona o
fundamento, a missão e a meta em relação a apostolicidade da igreja.
20
Extraídas de Orlando E. Enriques COSTAS, El Protestantismo en América Latina Hoy: ensayos del
camino, 1975, p. 79.

50
são os pregadores da TV, como R. R Soares e o Bispo Edir Macedo. Quando eles são
substituídos por outros em seus programas, basta fecharmos os olhos e apenas escutarmos
o pregador, parece que estamos ouvindo-os. E quando abrimos os olhos e vemos suas
expressões, aí é xerox mesmo. Mas isso não é um privilégio dos neo-pentescontais, pois
o mesmo acontece nos círculos reformados.
É triste constatar que as instituições teológicas no Brasil contribuam para a
existência desta realidade. Os seminários se preocupavam mais em formar do que trans-
formar. Formar no sentido literal da palavra: por forma em. Por a forma da instituição ou
denominação. Quando a instituição/denominação vem antes (primária) a missão vem
depois (secundária). Os seminários só deveriam existir por uma razão: capacitar o povo
de Deus para a realização e tarefa da missão. Inverter isto, ou até mesmo não fazer isto,
o resultado será óbvio: a manutenção do que se conquistou e tem. Muitos seminários estão
mais para uma casa de manutenção do que para uma casa de profetas, casa da
capacitação para a missão. O profeta, dentre suas muitas características, é por essência
um incon-forma-do. Alguém que não se deixa por forma, porque seu compromisso é com
Deus e seu reino. “Seminários tem feito um bom trabalho em ser o banco de memória da
igreja, mas não muito bem em fazer pesquisa e desenvolvimento para o futuro” (BAKKE
2002:35).
Em alguns círculos é comum ouvir a expressão, “aquele rapaz nem parece ser um
pastor metodista, presbiteriano, batista, assembleiano...” Ou seja, ele não tem a forma, o
jeito de falar, o modo de se expressar, os trejeitos, o modo de orar, de ler as Escrituras,
como faz um pastor metodista, presbiteriano, batista, assembleiano...O que deve
essencialmente conduzir a formação pastoral-teológica é a missão. E essa missão tem um
contexto, no nosso caso, o Brasil. E esse Brasil que tem muitos brasis, como
costumeiramente falamos, os brasis do Brasil. Ou seja, que dentro do Brasil temos muitas
realidades, culturas e contextos diferentes. Preparar um pastor para ser igual nos
8.547.403,5 km2 é um despropósito missionário. Dizer que ação pastoral é sempre a
mesma e serve para todo e qualquer lugar é se esquecer da aula de geografia que tivemos
no passado, que no sentido leste-oeste são 4.319,4 km2 e no sentido norte-sul (4.394,7
km2).
Por esta razão falamos hoje de pastoral contextual e autóctone. Nosso desafio não
é o de repetir os modelos de hoje ou de ontem. Nosso desafio é o de sermos pastores hoje,
diante das realidades onde estamos inseridos. Costas já dizia, que “faz falta uma reflexão
pastoral que tome a sério a tradição da Reforma do século XVI e o ethos sociocultural do
povo evangélico latino americano” (COSTAS 1975:81). A questão aqui levantada não é
descartar a tradição que cada um de nós temos, mas a partir dela refletir sobre nossa ação
pastoral no mundo de hoje.
A segunda característica negativa é a pastoral profissional. “Quando de fala em
nossos círculos de teologia pastoral, se pensa de imediato no pastor e em seu cuidado da
igreja. O pastor é, por sua vez, visto em termos profissionais...Daí que, com algumas
exceções, raras vezes ouvimos falar em nossos círculos evangélicos do labor pastoral da
igreja para o mundo...” (COSTAS 1975:81).

1.3. A meta da ação pastoral: o reino de Deus

O terceiro elemento que caracteriza o pastor como teólogo da missão é a meta da


ação pastoral. Pode parecer estranho para muitos, mas o reino de Deus para ao largo das
metas pastorais na atualidade. O reino de Deus e não a instuição se contitui a meta da
ação pastoral. O reino de Deus e não nossos desejos e tentações. Quantos pastores não
fazem do crescimento de sua igreja sua meta de vida. Quantos pastores não fazem do seu
status sua preocupação maior. Quantos pastores não fazem da política eclesiástica sua
obessão de vida. Aliás, percebo muitas vezes que existem pastores que estão mais para o

51
político brasileiro do que para Jesus de Nazaré. Se o fundamento da pastoral, como já
vimos, é Jesus Cristo, que serviu e morreu pelo mundo, também nele encontramos o
modelo da meta pastoral, que foi viver de maneira apaixonada e compremetida pelo reino
de Deus. Ele disse, “É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também
às outras cidades, pois para isso é que fui enviado” (Lc 4:43). Jesus teve consciência clara
de seu envio, sua missão, era anunciar o evangelho do reino de Deus pelas cidades por
onde passava. E ainda Lucas nos informa que “andava Jesus de cidade em cidade e de
aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus, e os doze iam
com ele” (Lc. 8:1).
O Reino de Deus é o conteúdo da missão de Jesus. Jesus sabia que a mensagem
do Reino de Deus traria confrontações e transformações às cidades e aldeias pelas quais
passaria. “Os reinos deste mundo” (Lc 4.5) são influenciados pela “autoridade e glória”
(Lc 4.6) do diabo. A proclamação do diabo tem a ver com os reinos deste mundo,
permeados de poderes e sistemas políticos, envolvendo todos os tipos de manipulações e
relacionamentos sociais voltados para a difusão do antiprograma da missão do diabo. Ao
proclamar o Reino de Deus, Jesus mostrou-nos que o único caminho para que o mundo,
com seus reinos demoníacos seja transformado, é através da mensagem poderosa que
penetra, salva, cura, liberta e perdoa. Aqueles que desejam ser efetivos em seus esforços
para alcançar a cidade devem estar prevenidos de que a proclamação das boas novas do
Reino de Deus é central na irrupção de transformações.
Como demonstrado acima, o Reino de Deus ocupou um lugar central na missão
de Jesus na Galiléia. Agora, quando Jesus está em seu caminho para Jerusalém, o mesmo
conceito missionário aparece mais uma vez. De Lucas 9.5 a 19.27, a expressão Reino de
Deus aparece 33 vezes, muito mais que na província da Galiléia (oito vezes).
Não é por acaso ou por acidente que Lucas enfatiza o Reino de Deus no relato da
viagem. Contudo, Lucas vai além do conceito desenvolvido na Galiléia. De modo similar,
o Reino de Deus, neste relato, carrega consigo os conceitos de: 1. proclamação (“Jesus
insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e prega o
Reino de Deus” – Lc 9.60); 2. cura (“Curai os enfermos que nela houver e anunciai-lhes:
A vós outros está próximo o Reino de Deus” – Lc 10.9), e; 3. expulsão de demônios (“Se,
porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente, é chegado o Reino de
Deus sobre vós” – Lc 11.20). No entanto, Lucas introduz outras perspectivas
especialmente porque este é o tempo que Jesus usou para ensinar seus discípulos. Jesus
sabia que, uma vez em Jerusalém, seu tempo seria muito curto e concentrado na sua
paixão. No caminho, Jesus ofereceu as seguintes perspectivas do Reino de Deus aos seus
discípulos:

• O Reino de Deus é a prioridade “Jesus insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os


seus próprios mortos. Tu, porém, vai e prega o Reino de Deus” (Lc 9.60), e “Mas
Jesus lhe replicou: Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás, é
apto para o Reino de Deus” (Lc 9.62);
• O Reino de Deus liberta as pessoas: “Se, porém, eu expulso os demônios pelo
dedo de Deus, certamente, é chegado o Reino de Deus sobre vós” (Lc 11.20);
• O Reino de Deus pode trazer rejeição: “Até o pó da vossa cidade, que se nos pegou
aos pés, sacudimos contra vós outros. Não obstante, sabei que está próximo o
Reino de Deus” (Lc 10.11);
• O Reino de Deus é universal: “Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e
do Sul e tomarão lugares à mesa do Reino de Deus” (Lc 13.29);
• O Reino de Deus requer compromisso: “E Jesus, vendo-o assim triste, disse: Quão
dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil
passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de

52
Deus” (Lc 18.24-25). E: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade vos digo que
ninguém há que tenha deixado casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou filhos, por
causa do reino de Deus” (Lc 18.29).
• O Reino de Deus também pertence às crianças: “Jesus, porém, chamando-as para
junto de si, ordenou: Deixai vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque
dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de
Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele” (Lc 18.16-17).
• O Reino de Deus é uma realidade presente e futura: “Ora, ouvindo tais palavras,
um dos que estavam com ele à mesa, disse-lhe: Bem-aventurado aquele que comer
pão no reino de Deus” (Lc 14.15). “Pois vos digo que nunca mais a comerei, até
que ela se cumpra no reino de Deus” (Lc 22.16). “Pois digo que, de agora em
diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus” (Lc
22.18). “Assim também, quando virdes acontecerem estas coisas, sabei que está
próximo o reino de Deus” (Lc 21.31). 21

A mudança da ênfase de Lucas sobre o Reino de Deus pode ser vista nos milagres
de Jesus. A caminho de Jerusalém, Jesus realizou cinco milagres, enquanto dez foram
realizados na Galiléia. Como não encontramos Jesus se relacionando com as pessoas em
geral, parece que Lucas, a partir de agora, está se concentrando no ministério de Jesus
mais em termos de ensino e preparação dos discípulos para a tarefa missionária de
proclamar as boas novas até aos confins da terra.
Quando a meta da ação pastoral é outra que não o reino de Deus,
conseqüentemente estamos fora do modelo pastoral de Jesus e com certeza dentro de
outros modelos, especialmente os modelos dos modismos pastorais. Muito da paixão
pastoral na atualidade tem a ver com a própria pessoa e imagem do pastor. Todo modelo
pastoral que não esta centralizado no reino de Deus é no mínimo interesseiro. Ou seja,
busca outros interesses que não do reino de Deus. Como Jesus, devemos também ter a
mesma motivação: viver de maneira comprometida e apaixonada pelo reino de Deus. A
melhor maneira que um pastor tem para demonstrar seu amor e compromisso para com
Deus é verficar seu grau de obediência e envolvimento no reino de Deus. Amar a Deus e
se esuqcer do seu reino é uma prova evidente de não-compromisso. Quem ama a Deus
vive pelo seu reino.

1.4. A Hermenêutica para Ação Pastoral: O Processo para Desenvolver uma


Teologia de Missão Urbana

Neste momento faz-se necessário compreender que o pastor urbano lida com a
realidade da cidade. Sua tarefa não é somente fazer exegese do texto bíblico, como
também exegese da cidade ou da realidade urbana. O pastor urbano deve ser um analista
e intérprete da realidade. Sem esta perspectiva, sua ação não tem sentido e não fica
situada, correndo o risco de não ser uma ação contextual.
Quando nós falamos sobre pastoral é necessário falar sobre modelos. Existem
diferentes modelos para diferentes contextos e situações. A Bíblia nos dá os princípios.
O contexto nos fornece a arena na qual a pastoral será desenvolvida. Essencialmente, a
atividade pastoral no Antigo Testamento é contextual. Orlando Costas afirma que a nossa
pastoral “deve estar orientada às situações concretas” (COSTAS 1975:100) em que vive
o ser humano. Isso significa que a ação pastoral depende de sua própria situação. A
pastoral não é um fim em si mesma. Ela é uma maneira para desenvolver a missão e a
prioridade de Deus. Ela é um serviço (ministério) para alcançar o ser humano com o amor

21
Muitas das idéias acima foram extraídos do meu livro De Cidade em Cidade. Londrina: Editora
Descoberta, 2000, 61, 66-67 pp.

53
redentivo de Deus no mundo. Ela é contextual porque depende das circunstâncias
específicas de cada contexto.
Se a atividade pastoral tem a mesma forma e modelo para todos os lugares, ela
torna-se repetitiva e imitativa. O alvo é ser autóctone porque ela é uma resposta ao seu
próprio contexto. Isto é o que acontece no Antigo Testamento. Por exemplo, quando José
estava no Egito, ele desenvolveu uma pastoral com um estilo administrativo. Quando o
povo de Deus estava vivendo como escravos no Egito, Moisés tem que desenvolver uma
pastoral de libertação. Ester desenvolveu uma pastoral em busca de conquista, promoção
e defesa dos direitos civis. Ezequiel teve que desenvolver uma pastoral política em
tempos de crise. Esses exemplos demonstram a necessidade e importância de
desenvolvermos uma pastoral que seja relevante ao seu contexto atual. A pastoral só será
relevante, criativa e efetiva se for contextual.
Uma vez clarificado o assunto, nossa questão agora é discernir sobre como fazer
isto, ou seja, a metodologia e o processo para interpretar a situação concreta. Em outras
palavras, estamos nos referindo a hermenêutica e exegese da cidade. Para isto, vou utilizar
dois referenciais teóricos que visam interpretar a cidade. O primeiro é o de Charles van
Engen; e o segundo o de Joe Holland e Peter Henriot, com o que eles denominaram de O
Círculo Pastoral.

1.4.1. A proposta de Charles van Engen

Van Engen propõe seis passos para desenvolvermos uma teologia de missão para
a cidade (missiologia urbana). São eles:

1. Acercar a realidade.
O ministério de Jesus foi desenvolvido nas cidades do seu tempo. Em Lucas 4:43
lemos, “Ele, porém, lhes disse: é necessário que eu anuncie o evangelho do reino
de Deus também às outras cidades, pois para isso é que eu fui enviado”. Na
verdade, “andava Jesus de cidade em cidade” (Lc 8:1). Seu ministério foi marcado
pela compreensão das cidades, das estruturas, das pessoas, do estilo de vida de
seus moradores, da aproximação. Este primeiro passo nos convida a nos
aproximarmos da cidade e sua realidade.

2. Escutar a realidade.
O fato de estarmos na cidade não significa necessariamente que estamos com a
cidade. Para escutar a realidade das pessoas e da cidade faz necessário ouvir suas
histórias (contadas ou escritas) – histórias não somente do passado, mas também
do momento atual. Para ouvir é necessário estar com. Será por meio destas
histórias, dos contextos de vida das pessoas, das suas dificuldades, das suas
celebrações, dos medos, das dores, enfim, da situação real que iremos sentir de
fato a intensidade do cotidiano das pessoas nas urbes. Por meio desta escuta
captaremos elementos para a análise.

3. Examinar a realidade.
O acercamento e a escuta nos darão subsídios, matéria prima para examinarmos
a realidade da cidade e das pessoas. Para examinar necessitamos auxílio e
ferramentas das ciências sociais. Para examinar uma determinada cultura dentro
da cidade podemos obter auxílio na Antropologia (Cultural). Para examinarmos a
população em geral podemos obter auxílio da Sociologia. Para analisar a alma
urbana a Psicologia nos fornece direções. Para compreender a influência do
mercado e do dinheiro no dia-a-dia das pessoas podemos ser auxiliados pela
Economia. E assim por diante. Nós, pastores, sempre fomos treinados para fazer

54
análise do texto bíblico, por meio da exegese e hermenêutica. Também nos é
imprescindível ter ferramentas para saber analisar o contexto (cidade) onde vivem
as pessoas e como esse contexto influência o modus vivendus do cidadão urbano.

4. Nova leitura.
Neste passo chegamos na Palavra de Deus. Nos três passos anteriores nós nos
acercamos, escutamos e observamos a realidade da cidade. Com estes dados em
mente, nós agora vamos à Palavra de Deus a partir da realidade das pessoas e da
cidade para que, iluminados pelo Espírito Santo, tenhamos a capacidade e
habilidade e fazer novas leituras da realidade com a Bíblia nas mãos. Situamos
assim nossa leitura da Palavra dentro do contexto real de vida das pessoas. Assim,
em nossa leitura da Palavra de Deus temos novos e atuais elementos da realidade,
os quais reclamam uma ação e uma nova direção como fruto do nosso
compromisso com Palavra de Deus.

5. Nova perspectiva.
A nova leitura da Palavra de Deus nos impulsiona para as novas perspectivas da
ação pastoral e eclesial. A Palavra de Deus não muda. O que muda é a realidade.
Mas a Palavra de Deus, por ser a Palavra de Deus ao ser humano, ela muda a
realidade e para essa realidade apresenta novas perspectivas de vida. Por meio da
Palavra de Deus o mundo veio a existir (João 1) e é por meio da Palavra de Deus
que podemos sonhar com as novas perspectivas para a cidade. Se assim não for,
então comamos e bebamos, porque amanhã morremos. Mas como cremos que o
Evangelho produz novas perspectivas, nos inserimos na realidade para
transformá-la por meio de novas ações.

6. Nova ação:
Ninguém se aproxima (acerca), escuta e examina a realidade para deixar tudo
como está (ou pelo menos não deveria ser assim). Nos acercamos da realidade
porque cremos que a partir das novas leituras que o contexto nos desafia a fazer,
somos convocados para ver as novas perspectivas que a Palavra de Deus evoca, e
como resposta de engajamento, surgem as novas ações. Um dos valores centrais
do Evangelho do Reino é a encarnação, ou seja, nosso compromisso e
engajamento na realidade concreta. Assim fez Jesus, pois “o Verbo estava no
mundo” (Jô 1:10). Em estando no mundo, Jesus agiu em nome do Pai, realizando,
no mundo, sua missão. Por isso mesmo Jesus comissionou seus discípulos assim,
“assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os envio ao mundo” (Jô 17:18;
20:21).É por meio destas novas ações que temos condições de contar novas
histórias.

7. Contar novas histórias (nova realidade).


Este é o momento da transformação daquilo que era para aquilo que passou a ser
por meio da presença do Evangelho que transforma a realidade. Daí a importância
de acercar, ouvir e examinar a realidade. Ao fazer isto, temos um Raio-X da cidade
e de como era a realidade dela e das pessoas. Fomos cuidadosos o suficiente para
compreendê-la e a partir daí fazer novas leituras para surgir novas perspectivas e
novas ações. Agora, este passo nos arremete novamente a realidade, mas não a
velha, mas a nova, a transformada, a renovada, como fruto da nossa ação que vem
por intermédio da análise da cidade e da nova leitura da Palavra de Deus. Pastores
deveriam ter sempre novas histórias da nova realidade para contar ao seu povo,
como expressão do poder de Deus e de sua Palavra. Mais ou menos assim: este
bairro era conhecido como um vale da sombra da morte. Mas depois que nossa

55
igreja acercou essa realidade e teve a capacidade de ouvir as pessoas e suas lutas,
examinando como a vida se traduzia neste contexto, fomos à Palavra de Deus e
ela nos possibilitou novas leituras. Antes, a igreja pensava que não era sua missão
se envolver com essas situações, mas hoje temos uma nova perspectiva e cremos
que este bairro nos pertence como palco da tarefa missionária. Essa nova
perspectiva nos conduziu à inúmeras ações, e como fruto deste esforço, hoje temos
uma creche que alimenta mais de cem crianças. E hoje já podemos ver uma nova
realidade em nosso bairro, que já não mais temos crianças com barriga d´agua, e
faz um ano que nenhuma criança morreu de fome. São essas novas histórias que
precisamos contar. São essas novas histórias que a cidade precisa ouvir de uma
igreja que diz que Deus é amor.

Esta metodologia sugerida por Van Engen pode ser visualizada conforme o
gráfico que segue:

Imagem 2: Hermenêutica da Cidade (Adaptado de Charles Van Engen)

1.4.2. O círculo pastoral de Joe Holland e Peter Henriot

Em certo sentido este Círculo Pastoral é bem próximo ao Círculo Hermenêutico.


Esse círculo pastoral possui quatro grandes momentos. São eles:

56
• Inserção: a inserção é a base para qualquer ação pastoral. “Ela localiza a geografia
da nossa resposta pastoral na experiência vivida de indivíduos e comunidades”
(HOLLAND, HENRIOT 1994:8). Neste momento, por meio da inserção, nós
discernimos e procuramos entender como as pessoas se sentem, o que elas estão
passando, de que maneira elas estão respondendo a situação. Para coletar esses
dados a melhor maneira de fazer é nos inserir na vida cotidiana e na realidade
destas pessoas, experimentando as experiências que elas passam.
• Análise Social: “Essas experiências devem ser entendidas em meio as riquezas de
seus inter-relacionamentos” (HOLLAND, HENRIOT 1994:8). Neste momento, o
da análise social, é para que se tenha uma análise das causas, possíveis
conseqüências, delinear links e identificar atores.
• Reflexão Teológica: esse terceiro momento é “um esforço para entender mais
amplamente e profundamente a experiência analisada a luz da fé, escritura, ensino
social da igreja, e os recursos da tradição” (HOLLAND, HENRIOT 1994:9). Este
é o momento de convidar a Palavra de Deus para filtrar a realidade, levantar novas
perguntas, trazer novos direcionamentos e iluminar novas respostas.
• Planejamento Pastoral: o quarto momento representa o propósito do Círculo
Pastoral, que é propor um planejamento pastoral que seja adequado a situação
examinada. “A luz da experiência analisada e sobre ela refletida, que resposta é
convocada para os indivíduos e a comunidade?” (HOLLAND, HENRIOT
1994:9).

Muito esclarecer é o processo contínuo que esse Círculo Pastoral deve ter:

• Uma resposta para ação em uma situação particular trás a situação uma nova
experiência. Por sua vez, essa experiência evoca futuras mediações por meio da
inserção, análise, reflexão e planejamento. Assim, o círculo pastoral continua sem
conclusão final. Ele é, de fato, mais uma “espiral” do que um “círculo”
(HOLLAND, HENRIOT 1994:9).

O Círculo Pastoral, de acordo com esses quatro passos, tem a seguinte


representação gráfica:

Imagem 3: Círculo Pastoral

Este círculo pastoral tem uma intencionalidade clara: o planejamento das ações
pastorais. A inserção, a análise social, a reflexão teológica são elementos importantes para
fundamentar e trazer a existência às ações pastorais. Por que isso? Porque ação pastoral
que não passa pela inserção despreza o conceito da contextualização. Ação pastoral que

57
despreza a análise social despreza as ferramentas que nos auxiliam escutar, ler e
compreender o contexto em que estamos inseridos. Ação pastoral que despreza a reflexão
bíblico-teológica despreza a palavra de Deus como motivadora e transformadora da
realidade. Assim, a ação pastoral (ou o planejamento pastoral) surge do esforço de
compreender três grandes realidades: 1. a realidade da participação (encarnação); (2) a
realidade do contexto; (3) a realidade da Palavra de Deus. Muito do planejamento pastoral
na atualidade não leva em consideração estes três momentos. Imagine, por exemplo, que
alguém queira fundar uma igreja em um determinado bairro da cidade. Se este método
fosse seguido, três passos deveriam ser observados:

• Para plantar uma igreja em um bairro da cidade é necessário que o(s)


fundador(es) se insiram na realidade. A pessoa que vai fundar uma igreja não
funda de longe, do gabinete pastoral. Essa pessoa precisa conhecer as pessoas
do bairro. Precisa mostrar seu rosto e criar credibilidade e confiança nas
pessoas.
• Para plantar uma igreja em um bairro da cidade é necessário que o(s)
fundador(es) conheçam profundamente o contexto daquela realidade. Essa
pessoa deve conhecer profundamente o estilo das pessoas que moram naquele
bairro, como eles pensam, que valores possuem, como agem e sentem. Precisa
fazer pesquisas sobre quais são suas principais necessidades. Deve saber sobre
o tipo de ocupações e atividades que exercem. Se lá, por exemplo, existe um
elevado índice de analfabestismo, de mães solteiras, e coisas do tipo. Na
verdade, essa pessoa deve conhecer como ninguém essa realidade, como um
expert daquele bairro.
• Para plantar uma igreja em um bairro da cidade é necessário que o(s)
fundador(es) conheçam profundamente as ferramentas bíblicas-teológicas-
missiológicas. Ao desprezar isto essa pessoa poderá cair no risco das
generalizações, da superficialidade na evangelição, na fundaçõa de uma igreja
desprovida de conceitos bíblicos e de valores missiológicos.
• Para plantar uma igreja em um bairro da cidade é necessário que o(s)
fundador(es) desenvolvam planejamento e estratégias de fundação de igreja
que levem em consideração os passos anteriores. De posse dos dados obtidos
pelos três passos anteriores, agora a pessoa vai desenvolver estratégias e
processos de fundação de igreja que seja relevante e condizente com o bairro
em que ele deseja ver surgir uma nova igreja.

Este é apenas um simples exemplo de como este Círculo Pastoral pode ser útil
em nossas estratégias pastorais urbanas. Não é único, mas com certeza é muito pertinente
e eficaz.

2. A cidade como campo (locus) da missão e da ação pastoral

Vivemos num mundo globalizado e urbanizado. O maior fenômeno jamais visto


na história da humanidade chama-se urbanização. Bakke afirma:

O hemisfério sul está vindo para o norte, e o leste vindo para o oeste, e a migração de todos
os seis continentes são para as cidades. Em 1900 cerca de 8 porcento da população mundial
viviam nas grandes cidades. Hoje mais de 50 porcento desta terra – mais de três bilhões de
pessoas – vivem nas grandes cidades. Nós não estamos preparados para isto (2002:29).

Este processo se dá especialmente pela grande atração que as cidades exercem


sobre nós. As cidades são pólos de comércio, indústria, lazer, educação, e coisas do tipo.

58
Para entendermos esse processo, faz-se necessário entermos o que é urbanização e
urbanismo.

Por urbanização nos referimos à cidade como um ima. Urbanização empurra as pessoas das
áreas rurais. Por urbanismo referimo a cidade como transformadora, transmissora e lente de
aumento da cultira (BAKKE 2002:30).

Isto significa que a cidade atrai as pessoas e dá-se o processo de urbanização e


uma vez urbanizada, gera seu estilo de vida próprio, o qual chamamos de urbanismo.
Mesmo que uma cidade venha a perder pessoas e venha até a diminuir, seu estilo de vida
(urbanismo) continuará a existir. Assim, cada cidade tem uma cultura própria e peculiar.
Fazer missão hoje, no contexto da urbanização e urbanismo, tem a ver necessariamente
com a cidade. Um importante esclarecimento se faz necessário: não estou fazendo uma
opção preferencial pela cidade, mas uma opção natural pela cidade. Preferencial seria
uma em detremimento da outra (a síndrome de Jonas). O evangelho inclui e não exclui.
Mas entendo ser natural jsutamente pelo fato de termos hoje um Brasil com cerca de 85%
da população vivendo em cidades. Então, é natural que nossa missão seja realizada no
contexto das cidades. E vejo a importância e necessidade de se fazer missão fora dos
contextos urbanos também, como por exemplo, entre tribos indígenes, grupos rurais etc.
Muitos são os desafios que a cidade nos apresenta aos pastores. Seria praticamente
impossível enumerar todos estes desafios e trabalhar cada um deles. Destaco aqui alguns
deles para que os ministérios pastorais sejam mais relevantes e eficazes.

2.1. Somos pastores do reino de Deus

É vidente no ministério pastoral de Jesus que o Reino de Deus era a prioridade


máxima da sua vida e ele determinava a agenda pastoral de Jesus. Seu compromisso era
anunciar e encarnar o Reino de Deus por onde passava. Dizia Jesus, “é necessário que eu
anuncie o reino de Deus também às outras cidades, pois para isto fui enviado” (Lc 4:43).
Aquele que é pastor do reino procura glória do reino de Deus. Em contrapartida, corremos
o risco (se não formos pastores do reino de Deus) de procurar a glória destes reinos (a
terrena e demoníaca, conforme Lucas 4:6).
Parece óbvio declarar que somos pastores do reino do reino e, como conseqüência,
procurar a glória do reino de Deus, mas não o é. Já estamos cansados de saber e ver
pastores que são pastores da denominação e nela procurar sua glória. A questão aqui não
é colocar a denominção de um lado e o reino de Deus de outro, pois a mesma pode e deve
estar a serviço do reino de Deus. Mas nem sempre é assim. Nossos concílios, nossas
diretorias, nossos sínodos, nossos prebitérios, nossas assembléias já nos deram prova e
exemplos sufientes, especialmente nas votações, que o reino passa ao largo. A maioria
das nossas divergências não tem a ver com o reino de Deus, mas com o a glória destes
reinos.
É imperioso que nós pastores nos convertamos diariamente ao reino de Deus. Não
creio que essa é uma conversão que é feita de uma vez e pronto, como creio ser a salvação.
Mas uma conversão ao reino de Deus implica em cotidianamente, diariamente nos
convertermos aos valores, a ética e aos princípios do reino de Deus em nossa atividade
pastoral. A verdade é simple e profunda: é possível ser pastor de uma denominção ou
igreja local sem ser pastor do reino de Deus. Choca? Sim, mas é verdade. Quantos
pastores fazem de sua fortaleza ministerial, como se fossem donos do rebanho, fazendo
justamente o contrário daquilo que nos exorta o Apóstolo Pedro (1 Pe 5)? Quantos
pastores não permitem que o povo de Deus (leigos) realizam sua tarefa como a agentes
da missão? Quantos pastores nunca enfatizaram a necessidade de toda a igreja ser

59
missionária? Quantos pastores jamais investiram em missionários ou jamais ajudaram os
missionários que estão nos campos do Senhor?
Em contrapartida, quem é pastor do reino de Deus, investe no reino de Deus.
Investe os recursos da igreja no cunmprimento da tarefa missionária, na transformação da
sociedade, torna sua igreja uma agência de Deus para a redenção da sua cidade. Faz com
que sua comunidade seja uma vizinha para o bairro.
Precisamos de pastores que amem mais o reino de Deus e o Deus do reino. Sem
essa conversão o ministério pastoral não passa de empreendimento humano, que por fim
busca a glória destes reinos. Se somos pastores de Deus, somo pastores do reino, e isto
nos é muito caro e inegociável.

2.2. Somos pastores da cidade

O segundo desafio que destaca a missão pastoral tem a ver com a geografia do
ministério pastoral. Se no primeiro desafio tocamos na questão reino de Deus e
denominção, neste segundo na cidade e igreja local. Quem é pastor do reino de Deus é
pastor da cidade, e na cidade esta a igreja local. Os pastores têm dificuldade de entender
isto, mas mais dificuldade ainda tem os membros da igreja. Eles pagam o pastor para que
ele seja o pastor da igreja. E isso fica nítido em alguns dos comentários que ouvimos
quando o pastor pastoreia também pessoas que não participam da igreja. Um eemplo
muito claro disto é quando um pastor lidera uma célula de estudos bíblicos onde as
maiorias das pessoas não pertencem à igreja e são não tementes a Deus no processo de
conhecer Deus. Alguns membros então passam a dizer: “Onde já se viu! Nosso pastor
gasta mais tempo com gente de fora da igreja do que com a gente que dizimista fiel!”. É
é cômodo e tentador ceder a esta tentação. ÉW muito mais fácil fazer e ter um ministério
de manutenção do que de missão. Obviamente que devemos cuidar dos membros
(manutenção da fé), mas não podemos jamais nos esquecer que só pode existir
manutenção quando existir a missão. Sem missão não existiria a manutenção. E o
contrário não é verdadeiro, porque parece que quanto se cuida da manutenção menos
sentido de missão existe. Por isso costumamos falar em nosso meio de igreja que são
ensimesmadas, onde o vistitante não é motivo de alegria, mas de ameaça.
Paulo mandou Timóteo a igreja de Tessalônica para que ele indagasse “o estado
da vossa fé” (1 Ts 3:5), e isto ele fez temendo que o tentador viesse a seduzi-los, e assim
todo seu labor como pastor se tornasse inútil. Isso é manutenção da fé e se faz necessário.
Mas jamais podemos nos esquecer que foi dessa igreja que “repercutiu a palavra do
Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por toda parte se divulgou a vossa fé
para com Deus” (1 Ts 1:8). Estes são elementos importantes que os pastores devem
enfatizar: uma fé que se divulga (missionária) e uma fé que se indaga (manutenção). O
problema que vejo é que na maioria das vezes a ênfase pastoral, no modelo clássico do
cura d´alma recai apenas na manutenção. A fé deve repercutir na cidade e nas regiões
onde estão as cidades (Macedônia, Acaia e por toda parte). Para que isto aconteça
precisamos de pastores que sejam pastores da cidade. E graças a Deus temos bons
exemplos de pastores. Destaco aqui quatro deles:

• Jesus: “é necessário que eu anuncie o reino de Deus também às outras cidades, pois
para isto fui enviado” (Lc 4:43). Jesus compreende que foi enviado pelo Pai para
anunciar o evangelho do reino de Deus além das fronteiras dos judeus – também as
outras cidades. Seu ministério foi “de cidade em cidade e de aldeia em aldeia” (Lc
8:1). Mateus nos informa: “E percorria Jesus todas as cidades e povoados” (Mt 9:35).
O mundo de Jesus não era o mundo das sinogagos, mas o mundo das cidades e das
pessoas da cidade. Jesus tinha condição de ministrar o que ministrou e de ser

60
contextual porque estava no meio das pessoas, no meio das cidades. Seu ministério
estava para além da sinagoga, para além do mundo religioso e eclesiástico.

Costumo dizer que nós, pastores, andamos com crente, aconselhamos crente,
pregamos para crente, discipulamos crente, visitamos crente, almoçamos/jantamos
com crente, vivemos para o crente e não temos tempo e não temos agenda para as
pessoas da cidade. Precisamos de pastores com cheiro de gente, que ande com as
pessoas, que conhceça sua cidade, que saiba como é a vida fora dos portões da igreja.
Jesus era assim, um homem que desenvolveu seu ministério pastoral com as pessoas
da cidade.

• Paulo: “arrastaram-no para fora cidade...levantou-se e entrou na cidade...e tendo


anunciado naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, Icônio, e
Antioquia” (At 14:19-21). Que atitude de Paulo! Pode me arrastar para fora, mas eu
volto para proclamar o amor de Deus. Paulo foi um pastor-missionário pelas cidades
por onde passou e morou. Considero este homem o maior missionário urbano de todos
os tempos. Ele estrategicamente escolhia as cidades influentes de seu tempo para que
delas o evangelho fosse espalhado. Homem que conhecia a cultura da cidade, seus
filófosos, seus líderes religiosos, seus políticos. Conhecia os comerciantes, os
feiticeiros, as prisões, os escravizados do diabo. Visitava os mercados públicos, as
praças onde pessoas se concetravam, os armazéns, as lojas. Andava pelas ruas,
conhecia os portos, os locais de celebrações públicas e de adoração pagã. Esse tipo de
pastor é urgente. Um tipo de pastorado que alcança as pessoas da cidade. Um tipo de
pastor que entende que é ser pastor da cidade, e não apenas da igreja.

• Calvino: “eu sou pastor de Genebra”

Calvino se considerava pastor da cidade de Genebra, Suíça. Sua atuação como


pastor se fazia presente na vida cotidiana da cidade. BARRO nos diz que

Em abril de 1538, Calvino foi expulso de Genebra e procurou refúgio em Estrasburgo, onde
se tornou pastor de uma igreja de refugiados franceses. Em setembro de 1541 ele retornou a
Genebra e ali morou até a sua morte em maio de 1564. Sob sua liderança, Genebra veio a se
tornar uma cidade de refúgio. Pessoas que eram perseguidas por causa da fé cristã
encontravam um lugar cristão e seguro naquela cidade. Em 5 de junho de 1559 foi fundada a
Academia de Genebra. Esta foi uma das grandes realizações de Calvino e por essa academia
ele demonstrava um grande entusiasmo (BARRO 2011).

Além de sua influência acadêmica, Calvino entendia que como pastor e cidadão
responsável do reino de Deus, ele deveria ter uma atuação política na cidade de Genebra.

A influência que ele exerceu desde a cidade de Genebra, que praticamente governou a partir
de 1541 até à sua morte, em 1564, espalhou-se pela Europa inteira e mais tarde pela América
(JOÃO CALVINO 2003).

E ainda, seu compromisso com a centralidade da Palavra de Deus fez dele um


pastor com forte básica bíblica e teológica. Seu compromisso de ler e interpretar a Palavra
de Deus de forma situada e contextual fez com que a própria cidade de Genebra tivesse
um impacto profundo dos princípios da Reforma:

Calvino preocupou-se em aplicar o ensino bíblico à vida. Foi por isso que a cidade de Genebra
foi profundamente influenciada pela Reforma. A cidade acabou se transformando numa
espécie de modelo em que a mensagem bíblica era aplicada a todas as esferas da realidade
(AS ORIGENS DO PRESBITERIANISMO 2003).

61
• João Wesley: “o mundo é a minha paróquia”

O avivamento proposto por João Wesley foi um avivamento que ia em direção e


não afastamento da cidade, como se vê em muitos avivamentos contemporâneos. Não
sendo permitido por sua igreja de pregar mais nela, ao chegar a igreja, viu que a
mesma estava com cadeados e fechada, e então Wesley sobe no túmulo de seu pai,
Sameul Wesley, e neste dia diz uma frase que ficou sendo uma das mais conhecidass
em sua vida: “o mundo é a minha paróquia”. Ele estava querendo dizer que eles
podiam impedir Wesley de pregar dentro daquela paróquia, mas não poderiam
impedi-lo de pregar na paróquia de Deus, que é o mundo.

2.3. Somos pastores que encorajam uma relação sadia da igreja com a cidade

Costumo afirmar, “Diga-me qual é a tua teologia que eu te direi como será o teu
envolvimento com a cidade”. Ao afirmar isto, já deixo claro qual é meu ponto de vista
para compreender a ação da igreja com a cidade. Infelizmente, muitas teologias mais
atrapalham do que ajudam a presença da igreja com a cidade. Harvie M. Conn tem um
excelente artigo, The Kingdom of God and the City of man: A History of the City/Church
Dialogue (O Reino de Deus e a Cidade do Homem: Uma História da Cidade em Diálogo
com a Igreja).22 Neste artigo Conn demonstra como a igreja se relacionou (dialogou) com
a cidade no decorrer da história. Destaco algumas delas, acrescentando outras:

• A igreja contra-a-cidade: uma postura mais negativa e pessimista da cidade.


• A igreja-da-cidade: uma postura mais positiva, porém que acaba perdendo sua
identidade, confundindo igreja e cultura.
• A igreja-acima-da-cidade: uma postura escapista, de abandono, de celeste
porvir, cuja idéia central é que nós não somos deste mundo.
• A igreja-a-favor-da-cidade: uma postura de participação, mas sem senso
crítico e profético, sem discernir o bem e o mal na cidade.
• A igreja-na-cidade: uma postura alienante, de localidade geográfica, sem
participação na vida cotidiana e sem interesse na transformação da cidade.

Minha proposta é esta, a igreja-com-a-cidade. Penso que um grande desafio da


missão urbana hoje é ser uma igreja com a cidade. Mas para ser uma igreja com a cidade
faz-se necessário incorporar algumas das outras relações acima. Vejamos:

2.3.1. Para ser uma igreja com a cidade, precisamos ser profeticamente

Isso implica em que muitas vezes vamos precisar ser contra-a-cidade. Somos
contra a impunidade da cidade, contra a injustiça social promovida pela cidade. Contra a
idolatria da cidade. Contra o descaso para com os oprimidos, os menores nas ruas, o
abandono dos aposentados, e coisas semelhantes. Somos contra o mau uso dos recursos
públicos. Somos contra não por ser contra, mas porque os valores do evangelho nos
convocam a termos uma postura profética, de voz que clama (ainda que solitária e no
deserto). Sem essa postura, na verdade perdemos uma parte essencial da nossa identidade
como igreja e povo de Deus. Mas adverto: só devemos ser contra em relação àquilo que
o evangelho de Deus se posiciona contra. Não podemos confundir isto com algumas
questões que são culturais. Muito do que a igreja se diz ser contra não passa de questões

22
Harvie M. CONN. The Kingdom of God and the City of man: A History of the City/Church Dialogue.
IN Discipling the City. Roger S. Greenway, ed. Grand Rapdis: Baker Book House, pp. 247-277.

62
culturais, de usos e costumes, e de questões das quais o evangelho não é contra. E é
precisamente por isso que a identidade evangélica foi formada no Brasil de maneira
negativa. O crente é aquela pessoa que não.

2.3.2. Para ser uma igreja com a cidade, precisamos ser encarnacionalmente

A igreja também precisa participar da vida da vida da cidade. Ela não é (em termos
de origem) da cidade, mas participa da vida da cidade. Isso demonstra sua forma de ser
igreja - encarcarnacional. A encarnação é um dos princípios elementares de participação
na vida do outro. Nosso modelo é Jesus, o verbo que se fez carne e habitou entre nós.
Como conseqüência de habitar entre, fomos capazes de ver a glória do Pai. A encarnação
de Jesus nos revelou Deus. Assim também deve ser com a igreja. A igreja, ao se encarnar
(literalmente significa colocar sua tenda no meio de), revela Deus ao mundo. Não
confunda encarnação com fazer aquilo que os outros fazem. Encarnação é compaixão que
se identifica, que revela que somos um povo próximo, que ama, que busca o perdido, que
é referência, que indica o caminho a seguir. Jesus, ao nos indicar o caminho para Deus,
se aproximou. Muitas igrejas, ao quererem indicar o caminho para Deus, ficam mandando
recados desprovidos de conteúdos, dizendo de longe, Deus te ama. Ou contrário, é
justamente porque Deus ama as pessoas que nos aproximamos

2.3.3. Para ser uma igreja com a cidade, precisamos ver além do aqui e agora

Todas as pessoas que trabalham nos centros urbanos sabem da frustração e do


desespero em relação ao aqui e agora. Quem pode resolver, por exemplo, de uma vez por
todas a questão da violência urbana no Brasil? As (pessoas) Assistentes Sociais sofrem
muitas vezes de depressão e angústia por não verem como resolver os problemas das
pessoas da cidade. Por isso precisamos, ao trabalhar com a realidade nua e crua, de utopia,
de esperança, de uma escatologia que ajude em vez de atrapalhar. Muita da escatologia
pessimista ou otimista não nos ajuda a ter esperança. Por isso, muitos ao verem que a
situação é difícil, optaram por uma escatologia do celeste porvir, apenas do além, do céu
e do amanhã. E de forma escapista dizem: o mundo jaz no maligno e nós não somos deste
mundo. Essa escatologia não ajuda. A que ajuda é aquela que nos ensina a viver a tensão
entre o já e o ainda não. Já presenciamos o reino de Deus, mas ainda não na sua
plenitude. O ainda não (reino por vir) deve ser nosso encorajamento para viver no já, no
aqui e no agora. Muitos invertem esse processo. Vivem o ainda não sem o já. Outros
vivem o já sem o ainda não. Nosso desafio é este: trazer o ainda não para o já (Is 65:17-
25). É fazer com que a Nova Jerusalém seja modelo e paradigma para a Velha Jerusalém
(nossa cidade). È orar como Jesus orou, venha o teu reino...seja feita sua vontade assim
na terra como no céu. Isso é compromisso. È dessa utopia que precisamos. Uma utopia
não escapista, mas que nos motive a viver no já com os valores do ainda não. E lembre-
se: só é possível ser igreja-acima-da-cidade quem é também igreja-da-cidade

2.3.4. Para ser uma igreja com a cidade, precisamos ser com uma visão positiva e
inspiradora

A igreja não pode ser só contra-a-cidade. Precisa ser também igreja-a-favor-da-


cidade. Parece-me que existe muito medo em fazer isso. Medo que ao afirmar o certo e o
belo da cidade, as pessoas não venham a sentir a necessidade do evangelho. E se
pensamos assim, vamos ter sérios problemas com as chamadas pessoas secularizadas,
pois desconfio que não sabemos muito comunicar o evangelho para as pessoas que estão
de bem com a vida. Ao bêbado, ao desgraçado, ao sem esperança, ao faminto, ao que
enfrenta profundas crises familiares e conjugais, parece-me que vamos bem, e que

63
sabemos como evangelizar. Mas para aquelas pessoas que conseguirem viver bem no
mundo de hoje, e que de alguma forma (certa ou errado) conseguiram dar significado a
sua existência, não sabemos o que fazer. Precisamos então aprender a ser a favor-da-
cidade e ser a favor-das-pessoas-da-cidade. Nós somos contra o pecado, seja ele pessoal
ou estrutural, mas sempre a favor das pessoas. E existem tantas coisas belas em uma
cidade. Seus monumentos, teatros que resgatam a vida e história da cidade, suas festas e
celebrações, suas instituições que lutam por dignidade humana. Quantos asilos, creches,
casas de recuperação, e assim por diante. Para estas coisas devemos dar nosso apoio,
nosso braço, nossa contribuição, nossa palavra sim. E, mais desafiador, nossa
participação. Precisamos pensar mais positivamente, e para isso nosso desafio é pensar
como Deus pensa em relação à cidade e ver como Deus vê a cidade. Para isso, lembre-se,
porque Deus amou o mundo (a cidade) de tal maneira que deu seu filho unigênito, para
que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.

2.3.5. para ser uma igreja com a cidade, precisamos assumir a localidade
geográfica que deus nos deu

Precisa ser também igreja-na-cidade. Esse na diz respeito à geografia, a


localidade, o espaço, o ambiente, a vizinhança das pessoas das quais Deus nos confiou.
Diz respeito a estar em. Paulo dizia sempre, ao se referir a igreja, dizendo: a igreja que
está em. Não é possível estar na localidade e não levar em consideração todas estas
questões. Você já parou para pensar por que Deus permitiu (ou colocou) sua igreja na-
quele lugar. Ele colocou sua igreja naquela cidade, naquele bairro específico para ser uma
igreja que atua na geografia daquele bairro ou cidade. Eis um dos grandes desafios atuais
de igrejas urbanas: ela está no bairro, mas não pertence ao bairro. A maioria das pessoas
que freqüentam a igreja vem de outras localidades e de bairros distantes. Assim, como
resultado, a igreja está apenas localizada geograficamente, mas não tem ministério e
compromisso com as pessoas que estão na geografia vizinha. Lembra-se da importância
da encarnação? Essa igreja passa a ser o que muitas cidades já são hoje, uma cidade
dormitório! As pessoas virão para o culto e voltarão para seus bairros e não irão fazer
nada na-quela localidade. Isso implicará sérias conseqüências em relação à visibilidade e
credibilidade da igreja no futuro. Esse desafio precisamos refletir urgentemente, ou seja,
como ser igreja na cidade, quando a maioria dos participantes vem de fora, a igreja passa
ser uma igreja dormitório.
Desta forma, podemos e devemos ser igreja com a cidade. Isto porque temos algo
a dizer (profeta). Já sabemos como dizer e fazer (encarnação). Já sabemos nosso destino
(a nova Jerusalém, novo céu e nova terra). Por isso somos otimistas realistas em nossas
atitudes (positivas), e finalmente, somos desafiados a amar aqueles que Deus já amou e
nos deu (assumir nossa geografia).

Conclusão

Costumo afirmar:
“Diga-me qual é a tua teologia que eu te direi como
será o teu envolvimento com a cidade”

Para sermos pastores com uma base sólida necessitamos de uma teologia séria e
comprometida com a devoção, com a Palavra de Deus, com a comunidade e com a
cidade.
Neste capítulo enfatizei a importância de o pastor ser um teólogo da missão.
Ministério pastoral sem perspectiva missiológica é de manitenção, profissionalis e
repetitivo. Sugeri quatro eixos para o ministério pastoral em perspectiva missiológica:

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que (1) Jesus é o fundamento da ação pastoral; que (2) serviço a Deus no mundo é a
missão da ação pastoral; que (3) o Reino de Deus é a meta da ação pastoral; que (4)
necessitamos de uma hermenêutica que nos ajude não somente a ler a Palavra de Deus,
mas também a realidade do nosso contexto, e para isso vimos as propostas de van Engen
e o Círculo Pastoral de Joe Holland e Peter Henriot, como instrumentos para
desenvolvermos uma teologia de missão urbana e ações pastorais contextuais.
Num segundo momento vimos a cidade como campo da missão e da ação pastoral.
Nossa teologia deve nos fazer mais comprometidos com a cidade. Não mais precisamos
de uma teologia que nos leve para longe dela. Neste sentido, Jonas não é exemplo para
nós, mas sim Jesus, que ao ver Jerusalém, chora por ela. Precisamos de pastores que
tenham compaixão e não ódio da cidade. De pastores que ensinem e encorajam o povo de
Deus a amar a cidade. Pastores como o próprio Jesus, Paulo, Calvino e Wesley que
ministravam a cidade. Que entenderam que eram patores da cidade e não apenas de um
pequeno rebanho de crentes. Pastores que ajudam a igreja ser igreja com a cidade. Para
isso, vimos que é necessário (1) ser uma igreja com a cidade, (1) profeticamente; (2)
encarnacionalmente; (3) que precisamos ver além do aqui e agora; (4) que precisamos ter
uma visão positiva e inspiradora. Finalmente, (5) precisamos assumir a localidade
geográfica que Deus nos deu.

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1. Empreendedorismo social para a liderança
cristã e missão da igreja
Daniel Moreno de Souza

71
IMPLICAÇÕES DO EMPREENDEDORISMO E
EMPREENDEDORISMO SOCIAL PARA A LIDERANÇA
CRISTÃ E MISSÃO DA IGREJA
Daniel Moreno de Souza
Quais as implicações do empreendedorismo e
empreendedorismo social para a liderança cristã
e missão da igreja no contexto atual?

Introdução

Tenho uma profunda paixão por liderança, acredito firmemente que as mudanças
mais significativas na sociedade e na igreja, aconteceram por meio de líderes inspiradores
que promoveram transformação e desenvolvimento por meio de suas habilidades e ação.
Creio também no poder da mobilização popular e comunitária, bem como na
importância dos movimentos sociais, no entanto, estes precisam de homens e mulheres
com dons de liderança para dar sentido e direcionamento a estes grupos.
Não é difícil constatar minhas crenças, tanto a história da humanidade como os
relatos bíblicos, destacam o papel da liderança como fundamental e estratégico para a
transformação de realidades e a promoção do desenvolvimento humano.
Homens e mulheres com este perfil, tem características em comum bem
demarcadas, são identificadas como pessoas empreendedoras, estão à frente do seu
tempo, fazem o futuro acontecer, percebem oportunidades onde outros não a veem, bem
como os perigos e as incoerências não perceptíveis pela maioria das pessoas (Gerber,
2011; Leite, 2012).
Como base nisso, este artigo tem como objetivo responder a seguinte pergunta:
Quais as implicações do empreendedorismo e empreendedorismo social para a liderança
cristã e missão da igreja no contexto atual?

Empreendedor e empreendedorismo

Com as mudanças que estão ocorrendo de forma tão repentina em nossa sociedade
devido ao avanço tecnológico, as novas descobertas e o crescimento cada vez maior do
poder do mercado, se faz necessário o fomento e a valorização do papel do líder
empreendedor como agente essencial para as mudanças e transformação da sociedade em
que vivemos. De acordo com Oliveira (2004, p. 180), a raiz etimológica da palavra
empreendedorismo está na palavra francesa “entreprener”, que surgiu na França entre o
século XVII e XVIII, e significa “aquele que se compromete com um trabalho ou uma
atividade específica e significante”. Para Dess (2001, p. 1) o termo significa alguém que
empreende um projeto ou uma atividade significativa. Mais especificamente, o termo
passou a ser usado para identificar os indivíduos mais arrojados que estimulavam o
progresso econômico ao descobrirem novas e melhores formas de fazer as coisas.
Muitos são os autores que estudam e escrevem sobre o empreendedorismo, para
Dornelas (2014), empreendedorismo “pode ser definido como o envolvimento de pessoas
e processos que, em conjunto, levam à transformação de ideias em oportunidades. A
perfeita implementação dessa oportunidade leva à criação de negócios de sucesso.” Para
ele (Dolabela, 2003, p. 17), “a origem e a essência do empreendedorismo estão na emoção

72
do indivíduo, na energia que o leva a transformar-se e transformar sua vida”. Melo Neto
e Froes (2002, p.6), afirmam que “empreendedorismo é um neologismo derivado da livre
tradução da palavra entrepreneurship, sendo utilizado para designar os estudos relativos
ao empreendedor, seu perfil, suas origens, seu sistema de atividades, seu universo de
atuação.” Eles afirmam ainda que “é um processo dinâmico pelo qual indivíduos
identificam ideias e oportunidades econômicas e atuam desenvolvendo-as,
transformando-as em empreendimentos e, portanto, reunindo capital, trabalho e outros
recursos para a produção de bens e serviços.” (Melo Neto; Froes, 2002, p. 9). Ao referir-
se ao empreendedorismo Leite (2012, p. 73), acredita que “empreendedorismo é o espírito
do empreendedor, é a prática de empreender (o ato, a ação árdua, criativa, difícil e
arrojada), é o resultado (efeito) dessa prática (a empresa, o empreendimento, o negócio).
Não é arte nem ciência, mas sim prática e disciplina”. Sendo assim, podemos perceber
que empreendedorismo, empreender e ser empreendedor ao que se fala corriqueiramente
não é simplesmente abrir e gerir uma empresa, diz respeito e envolve “todo o sistema de
vida da pessoa” conforme Fillion e Dolabela (2000, p. 18).
O comportamento empreendedor faz parte de um processo total, que comporta várias
dimensões da vida e diferentes escolhas. Estas nem sempre são realizadas de forma
consistente:podem decorrer do acaso dos encontros, de atividades anteriores, da influência
de um professor, do exemplo de alguém que tenha estipulado nosso interesse por tal ou qual
assunto (Filion; Dolabela, 2000, p. 20)

Para Gerber (2011, p.22), “o empreendedor vive no futuro; nunca no passado e


raras vezes no presente. Sua felicidade é sentir-se livre para construir imagens de
conjecturas e hipóteses.” Leite (2012), identifica o empreendedor como um indivíduo
que tem capacidade de fazer acontecer o futuro e perceber a mudança como oportunidade:
O que é um empreendedor? Pode-se afirmar que é um indivíduo capaz de estimular a criação
do futuro. É dotado de rara sensibilidade para antever uma situação determinada com os olhos
da fé. Quando empreende, não só vislumbra o que irá acontecer, mas também possibilita a
todos os seus colaboradores a escolha do melhor caminho para o sucesso do empreendimento
(Leite, 2012, p. 127).

Ser empreendedor significa ter a capacidade de iniciativa, imaginação fértil para conceber as
ideias, flexibilidade para adaptá-las, criatividade para transformá-las em oportunidade de
negócio, motivação para pensar conceitualmente e capacidade para perceber a mudança como
oportunidade (Leite, 2012, p. 7).

Empreendedorismo social

Diferente dos empreendedores tradicionais, os empreendedores sociais são assim


denominados por empreenderem no âmbito social, por fazer uso da inovação, das
oportunidades e da ação a favor do bem-estar social, a favor da construção de uma
sociedade mais justa e digna, levando em conta o bem-estar humano. Isso pode ser
realizado a través de uma empresa que mesmo tendo seu foco no lucro pode também
trazer benefícios a uma sociedade ou comunidade local, ou por meio da articulação
comunitária. (Universia, s. f.)
Segundo Ashoka (s. f.), importante organização de fomento ao empreendedorismo
social em todo o mundo, o termo empreendedor social foi definido e disseminado pelo
fundador e Presidente da organização, Bill Drayton, “ao perceber a existência de
indivíduos que combinam pragmatismo, compromisso com resultados e visão de futuro
para realizar profundas transformações sociais.” Para essa organização, empreendedor
social não é apenas um termo e sim alguém que aponta tendências e resolutividade para
problemas sociais e ambientais de forma inovadora, pois o mesmo tem a capacidade de

73
enxergar um problema que a sociedade ainda não enxergou e ainda vê-lo de uma
perspectiva diferenciada. Com isso, naturalmente, ele acelera o processo de mudança e
inspira outras pessoas a acreditarem e trabalharem por uma causa comum. Afirma
também que “os empreendedores sociais muitas vezes parecem estar possuídos por suas
ideias, dedicando suas vidas para mudar a sociedade. Conseguem ser visionários e
realistas ao mesmo tempo, preocupando-se com a aplicação prática da sua visão acima de
tudo,” e destaca algumas características desse tido de empreendedor:

Os empreendedores sociais são indivíduos com soluções inovadoras para os problemas mais
prementes da sociedade. Eles são fortemente engajados e muito persistentes, enfrentando as
principais questões sociais e oferecendo novas ideias para a mudança em larga escala. Em
vez de deixar as necessidades da sociedade só para o governo ou a iniciativa privada, os
empreendedores sociais identificam o que não está funcionando e buscam colocar em ação
soluções para os problemas estruturais e sistêmicos da sociedade. Além disso, se
comprometem a disseminar essas novas soluções e a persuadir toda a sociedade a tomar esses
novos saltos também. (Ashoka, s. f.)

Para Dees (2001, p. 3) “os empreendedores sociais são uma espécie de gênero
empreendedor, são empreendedores com uma missão social. No entanto, por causa dessa
missão, enfrentam alguns desafios característicos e qualquer definição tem que refletir
esse aspecto.”
Para os empreendedores sociais, a missão social é explícita e central, o que, obviamente,
afecta a forma como os empreendedores sociais detectam e avaliam as oportunidades. O
impacto relacionado com a missão torna-se o critério central, não a criação de riqueza. Para
os empreendedores sociais, a riqueza é apenas um meio para atingir um fim, enquanto que
para os empreendedores empresariais a criação de riqueza é uma forma de medir a criação
de valor. (Dees, 2001, p. 3)

De acordo com Melo Neto e Froes (2002, p. 10), os empreendedores sociais têm
algumas características peculiares que os distingue dos demais empreendedores. Entre
elas está o fato de que o seu sucesso é medido pelo impacto social, o retorno desejado é
a melhoria da qualidade de vida, seu foco está em resolver os problemas sociais de uma
determinada comunidade, buscam o desenvolvimento local e sua criatividade, por vezes,
é maior. Além disso, produzem bens e serviços para a comunidade, suprindo carências e
resolvendo problemas sociais e, por fim, tem como objetivo principal retirar as pessoas
de situação de risco social. Silva (2011, p.4), completa essas características destacando a
“sinceridade, a paixão pelo que fazem, clareza, confiança pessoal, valores, boa vontade
de planejamento, sonhador e habilidade para o improviso.”
No que diz respeito ao perfil do empreendedor social Melo Neto e Froes (2001, p.
34), afirmam que não é qualquer um que pode ser este tipo de empreendedor, para tanto
é preciso gostar e pensar no social, “subordina o econômico ao humano, o individual ao
coletivo e carregar consigo o sonho de transformar a realidade atual.” “É movido a ideias
transformadoras e assume uma atitude de inconformismo e crítica diante das injustiças
sociais existentes em sua região e no mundo.”

O desejo maior do empreendedor social é ajudar as pessoas, desenvolver a sociedade, criar


coletividades e comunidades, vê-las crescerem e fortalecerem-se para nelas implementar ações
auto-sustentáveis que lhes garantam o sustento e a melhoria contínua do seu bem-estar (Melo Neto;
Fróes, 2001, p. 34).

Segundo Melo Neto e Froes (2001, p. 33), o paradigma do empreendedorismo


social tem o objetivo transformar a realidade social com base nos seguintes pressupostos
fundamentais:

74
Reflexão junto às comunidades; criação e desenvolvimento de soluções antes impossíveis de
inserção social em seu sentido mais amplo; existência do exercício pleno da cidadania;
enfoque da sociedade em termos de geração de renda, produtividade, justiça social e ética;
estabelecimento de novas parcerias, com a total integração entre governo, comunidade e setor
privado; foco na melhoria da qualidade de vida dos atores sociais; reversão do distanciamento
entre economia, sociedade e ética; incremento de práticas sociais empreendedoras e reforço
da solidariedade social local (Melo Neto; Fróes, 2002, p. 31)

E quanto ao desafio do empreendedorismo social destacam que,

No empreendedorismo social, os desafios são de outra natureza. Decorrente de


condicionamentos sociais, econômicos, políticos e, sobretudo culturais e ambientais. Este
empreendedorismo social tem na comunidade o seu principal eixo de atuação, diferentemente
do empreendedorismo convencional, cuja principal força motriz é o mercado (Melo Neto;
Fróes, 2002, p. 36).

E para que tal processo seja bem-sucedido, os autores apontam a necessidade de se


cumprir algumas exigências: mudanças no comportamento da população, encorajamento
a auto sustentabilidade e a adoção a comportamentos responsáveis e éticos, engajamento
das pessoas em todo o processo de construção, práticas de novas formas de inserção
social, manutenção das culturas locais bem como garantia do uso sustentável de áreas
naturais e auto geração de renda e emprego.

Liderança cristã

Após argumentar sobre o sobre o empreendedorismo e empreendedorismo social,


cabe agora discutir e definir o que é liderança cristã e refletir um pouco sobre a missão da
igreja.
A história está cheia de relatos de homens e mulheres que aos desenvolverem suas
aptidões em liderança, promoveram mudanças fantásticas e significativas na realidade.
Essa é de fato uma das funções dos líderes, promoverem mudanças, desenvolvimento e
bem-estar por meio de pessoas e organizações. Muitos desses líderes já nasceram com
tais habilidades, enquanto outros tiveram que desenvolver suas habilidades e perícias por
meio de um disciplinado treinamento e capacitação (Deiros, 2008).
Para Sánchez (2001), a liderança está intimamente ligada com capacidade,
atividade, metas e influência, tudo isso sustentado por certas qualidades morais o que dá
o fundamento para que a liderança seja possível. Ele define liderança como sendo “la
capacidade de influenciar a indivíduos para que alcancem metas pré-fixadas (Sánchez,
2001, p. 25).
Se tratando de liderança cristã, Deiros (2008) aponta para o desafio e carência de
líderes que promovam o desenvolvimento do reino de Deus na atualidade, tendo como
meta levar adiante a tarefa encomendada pelo Senhor Jesus. Importante destacar que a
liderança cristã já tem marcos que orientam seus propósitos, dar continuidade ao
ministério de Jesus e a missão do Reino. Essas são diretrizes que não podem ser negadas
e um elemento que distingue os líderes cristãos dos demais líderes.
Mais quais são de fato as características do líder cristão? O que o diferencia dos
demais líderes? Diferente dos demais líderes, o líder cristão promove influência sobre os
outros não tanto pelo poder de sua personalidade, mas sobretudo por sua personalidade
energizada pelo Espírito Santo. Ele combina em si as qualidades naturais de um líder com
a capacidade sobrenatural dada por Deus (Deiros, 2008). Um verdadeiro líder cristão está
consciente de que suas virtudes e capacidades para gerir o ministério partem de Deus.
Somente suas habilidades humanas não o fazem um verdadeiro líder cristão. Além disso
o líder cristão é um servo de uma missão, de uma causa poderosa e tem como propósito

75
ajudar que os seguidores de Cristo desenvolvam seu próprio potencial (Sánchez, 2001).
Para Joshua (1996, p. 116) “los mejores líderes cristianos son modelos para la
mayoría en dedicación de sí mismos, valentía, decisión, compasión, humildad y
persuasión.”

La gran diferencia entre ambos, sin embargo, radica en la misión, las motivaciones y las
prioridades. Un líder cristiano aspira a que sus seguidores alcancen las metas establecidas
por Dios; un líder secular, a que alcancen las metas establecidas por la organización. Un líder
cristiano motiva a sus seguidores apelando a su amor a Dios; un líder secular establece una
relación con sus seguidores basada en un contrato por ganancias materiales. La prioridad del
líder cristiano es ayudar a los individuos personalmente a fin de que desarrollen su potencial,
para que éstos a su vez lo ayuden a cumplir la tarea que Dios le ha encomendado. Un líder
secular tiene una tarea que cumplir, y el individuo vale en tanto ayude a lograrla; si no lo
hiciera, el líder incluso tiene el derecho de despedirlo. Por esta razón, pese a que el liderazgo
está basado en principios universales, fuera de las mencionadas, entre el campo cristiano y el
secular existen varias diferencias notables.

Deiros (2008) traça algumas características marcantes em um líder cristão, para


ele um líder cristão tem um magnetismo pessoal, resultado da transparência de sua
conduta, atitudes, integridade, honestidades em seus tratos e relações, “su responsabilidad
delante de Dios y de las personas le impone la necesidad de ser digno de la confianza de
aquellos que lo siguen. Su magnetismo personal descansa en la integridad de sus acciones
y la certeza de sus palabras” (Deiros, 2008. p.25); outras características são: a habilidade
de sentir-se bem na companhia dos outros, compreensão da natureza humana, domínio
razoável dos seus próprios problemas, equilíbrio emocional, capacidade para escutar,
habilidade para interpretar a experiência de outros e oferecer conselhos, capacidade para
ser confidênte, senso de humor, generosidade, tem convicção do chamado de Deus em
sua vida, consciência do peso e responsabilidade de sua vocação, é um autêntico seguidor
de Jesus.

No obstante, si bien hay muchas cosas valiosas que podemos aprender de un liderazgo
efectivo en el mundo, lo más importante para un líder cristiano seguirá siendo pasar una
buena parte de su tiempo siguiendo a jesús como discípulo y ubicándose a sus pies para
aprender de él. si la presente crisis en el liderazgo cristiano en américa latina va a encontrar
una resolución positiva, será necesario que aprendamos del señor el secreto de un liderazgo
sacrificial y de servicio (Deiros, 2008, p. 111).

A liderança cristã “debe ser definido conforme al propósito y papel de la iglesia, como
evento misionológico, y no como una estructura o dinámica interpersonal”(Deiros, 2008,
p. 181),

El liderazgo debe ser tridimensional, ya que involucra la presencia y poder de Dios, el trabajo para
otros, y la tarea a realizar. Estas tres dimensiones del liderazgo son todas necesarias para el
desarrollo de un liderazgo efectivo y son partes integrales de cualquier estrategia conducente a ello.
La efectividad en el liderazgo no se mide por lo que los líderes hacen o dejan de hacer, sino por la
manera en que el pueblo de Dios es equipado, capacitado, organizado e inspirado para participar
en la misión de Dios en el mundo con la seguridad de su presencia y poder (Deiros, 2008, p. 181).

A missão da igreja

Particularmente quando penso na palavra missão, logo me vem a mente, propósito,


alvo, aquilo pelo qual existimos, nosso objetivo. Nesse sentido, a missão da igreja tem a
ver com seu propósito e está diretamente ligada a Missio Dei, “Dios envió a su Hijo, el

76
Cristo. De la misma manera que Dios envió a Cristo, también nos envía a nosotros a la
misión. La misión consiste en enviar y ser enviado al mundo” (Shenk, 1998, p. 177)

El término missio Dei nos ayuda para articular la convicción de que ni la Iglesia ni ningún
otro agente humano pueden considerarse como el autor o portador de la misión. La misión es
primera y finalmente la obra del Dios trino, Creador, Redentor y Santificador, por causa del
mundo; un ministerio en el cual la Iglesia tiene el privilegio de participar. La misión nace en
el corazón de Dios. Dios es una fuente de un amor que envía. Este es el sentido más profundo
de la misión. Es imposible penetrar más allá; existe la misión sencillamente porque Dios ama
a las personas (Scott, 2012, p. 79)

A Missio Dei tem a ver com a totalidade da tarefa dada por Deus a igreja para a
redenção e salvação do mundo e sempre está relacionada com um contexto específico de
maldade, desesperança e desorientação, nestes cenários a igreja é enviada ao mundo para
amar, pregar, servir, ensinar, sarar, libertar. Tem a ver com a relação de Deus com o
mundo ao longo da história tanto por meio do seu povo, como por meio de sua própria
encarnação. (Bosch, 2000).

Implicações do emprendedorismo e empreendedorismo social para a


liderança cristã e missão da igreja

Como povo histórico de Deus espalhada nos variados contextos, a igreja de Cristo
precisa cumprir sua missão de forma integral, contextual, encanacional, impactante e
eficaz. Integral, por que precisa considerar a multiabrangencia e complexidade da missão
de Deus, da realidade e da vida humana em todas as suas dimensões.
Contextual e encanacional porque precisa seguir o modelo de Cristo, suas
implicações, trilhar seus passos ao longo da história, ser relevante dentro dos variados
contextos e culturas.

Assim, pois, percebemos que o eixo fundamental de nossa espiritualidade deve ser a causa
de Cristo, que é o reino de Deus. Devemos seguir a Cristo baseados no modelo do mestre, e
não nas expectativas da igreja institucionalizada, nas ânsias de nossa religiosidade legalista
ou nos desejos de auto realização humana. "Aprendei de mi, porque sou manso e humilde de
coração; e achareis descanso para a vossa alma." (Mt 11:29) (Segura, 2010, p .20.

“Se crer em Jesus é seguir seus passos, viver de sua graça e unir-se à sua causa, a
encarnação é, então, o princípio que fundamenta essa crença e marca o modelo” (Segura,
2010, p.35). A encarnação de Cristo tem implicações não só filosófica e teológica, mais
também social e de orientar a missão da igreja. “Toda a Bíblia é um testemunho eloquente
da intenção de Deus de se encontrar e dialogar com o homem em sua situação histórica
concreta” (Padilla, 2005, p.104), “encarnar-se significa, em seu sentido literal, tornar-se
carne, penetrar em uma realidade e se comprometer com ela. Por isso, a missão
encarnacional está relacionada à nossa identificação com o mundo a que pertencemos e
com a sociedade e a cultura nas quais, fomos chamados a dar testemunho do Ressuscitado.
Se essa encarnação não se cumpre, estamos, então, prestes a repetir velhas heresias”
(Segura, 2010, p.37).

A encarnação torna óbvia a aproximação de Deus à revelação de si mesmo e de seus


propósitos: Ele não proclama sua mensagem aos gritos desde o céus; ele se faz presente como
homem em meio aos homens. O clímax da sua revel..ação é Emanuel. E Emanuel é Jesus,
um judeu do primeiro século! De maneira definitiva a encarnação mostra que a atenção de
Deus é revelar-se a partir de dentro da situação humana. Em virtude da própria natureza do
evangelho, somente o conhecemos como uma mensagem contextualizada na cultura (Padilla,
2005, p. 95).

77
O princípio da encarnação de Cristo, desafía a igreja a cumprir uma missão
contextual, que reconheça e discirna o local onde está inserida, a fim de, viver com
qualidade sua essência e aplique com eficiência suas vocações.

Contextualizar o evangelho é traduzi-lo de tal maneira que o senhorio de Jesus Cristo não
seja um princípio abstrato ou uma mera doutrina, mas o fator determinante da vida em todas
suas dimensões, o critério fundamental em relação ao qual sejam julgados os valores culturais
que estão no próprio cerne do homem. Sem essa contextualização, o evangelho será uma
mensagem tangencial e até irrelevante. (Padilla, 2005, p. 104).

Impactante, porque tem a ver com seu natural teor transformador, libertador,
desenvolvimentista, criador e denunciador. Onde chegam as boas novas do Reino, há um
impacto nas estruturas, sejam elas espirituais, sociais, culturais, psíquicas, ideológicas,
ambientais e políticas.

La misión debe ser visible, demonstrable y verificable. De ahí la importância de que los
evangelios dan a los "hechos poderosos" de Jesus como señales de sua proclamación y
función de hacer discípulos. Estas señales no fueron sólo refuerzos de su mensaje misionero.
En lugar de eso, apuntaron hacia el útlimo propósito de Dios para la humanidad. Al mismo
tiempo, ellas revelaron el compromisso de Dios por el débil y oprimido. (Costas, 1979, p.1)

A igreja precisa ser eficaz no cumprimento de sua valiosa missão, para isso deve
se utilizar das melhores técnicas e conhecimentos, das novas descobertas científicas, das
tecnologias, de uma boa estratégia de comunicação com a finalidade de anunciar a mais
importante mensagem da história. Precisa investir bem em sua liderança, formar com
qualidade homens e mulheres orientados para a missão contextual e intergral.
Nesse sentido pode-se dizer que a igreja precisa ser emprendedora e estar na
vanguada da sociedade, a frente de seu tempo e ver oportunidades onde outras pessoas e
instituições não percebem. O que para os governos e empresas são problemas, para a
igreja, pode ser uma oportunidade de desenvolvimento e mudança. Sob essa ótica, os
problemas sociais e comunitários tornam-se alvos para que a igreja manifeste a graça
transformadora e libertadora do evangelho.
Seguindo por essa lógica, aponto para a importancia da igreja atuar
intencionalmente na comunidade em que está inserida. Desta forma, se faz necessário que
sua ação tenham aspectos que a fazem agir como agente de empreendedorismo social e
de desenvolvimento. Nesta perspectiva, compaixão, amor e misericordia, aliados a boas
tecnicas de gestão, de diagnóstico comunitário e de projetos sociais, se tornam
ferramentas e estratégias comuns para que a igreja cumpra sua missão de forma
impactante no local em que está.
Ainda nesse ponto de vista, o cenário de pobreza, miséria, injustiça social,
violência, corrupção tão delineado em nosso ambiente brasileiro e latino, se tornam uma
importante dimensão da estrutura social em que a igreja pode exercer com potencialidade
sua vocação como instrumento estratégico do Reino de Deus e das boas novas do
envangelho de Jesus. Como empreendedora social, a igreja de Cristo pode alinhar sua
ação missioal aos vários temas que afligem o povo de nosso país e continente.
Quanto a liderança cristã, particularmente percebo uma terrível carência de
homens e mulheres que tenham em suas habilidades, características de
empreendedorismo social. Infezlimente muitas igrejas e líderes cristãos têm se
apropriadado das teorías e princípios do empreendedorismo de acordo com a lógica das
empresas e do sistema de mercado. Este problema pode ser percebido através da
competição entre as igrejas e denominações; também no fato de igrejas serem fechadas
por não terem capital de giro e estrutura financeira para competir com uma mega igreja

78
instalada no mesmo ambiente local; na má utilização do marketing e meios de
comunicação para vender seus produtos religiosos e cultos; no foco dado ao lucro
financeiro e na coisificação e descarte das pessoas; na enfase à instituição em detrimento
da Missão de Deus e das pessoas; no pouco impacto da igreja a nível social e político; no
estilo hierárquico da liderança de muitas igrejas, dentre outros fatores.
No entanto, como dito a cima, o cenário em que estamos é de fato uma grande
oportunidade para o surgimento de novos empreendedores cristãos. Se faz urgente a
necessidade de homens e mulheres de Deus visionários que conduzam as igrejas e os
centros de formações de modo relevante e impactante.
Os princípios e conceitos de empreendedorismo e empreendedorismo social
implicam para as lideranças cristãs e a missão da igreja numa urgente reforma e
readequação. Dentre tantas possibilidades acredito que esses princípios exigem da igreja
e sua liderança:

a) a formação de líderes cristãos com alto conhecimento de gestão,


empreendedorismo social, política, projetos sociais e missão. Isso pode acontecer
desde a formação academica teológica ou por meio de cursos e treinamentos mais
rápidos;
b) a igreja precisa se utilizar das melhores tecnologias de comunicação e ensino para
propagar eficientemente sua mensagem nessa sociedade pós moderna;
c) necessidade de utilizaçaõ de ferramentas de projetos socias e planejamento
estratégico utilizados pelas Ongs, empresas e Governos para a construção de
programas missionais relevantes e impactante;
d) precisa conhecer a realidade em que está inserida, nesse sentido o diagnóstico
social pode ser de grande valia;
e) é fundamental rompermos com a barreira entre missão e responsabilidade social,
ainda tão presente em nosso ambiente evangélico;
f) se necessário também que estejamos abertos e construamos parcerias com outras
instituições na comunidade local ou a nivel municipal, estadual e nacional a
depender da estructura da igreja e denominação. Historicamente a igreja tem sido
soberba e orgulhosa, não tem se aberto para parcerias estratégicas no ambiente
público e comuniário. Discriminamos ou rejeitamos tudo o que é diferente de nós.
Diálogo e parceria seriam palabras centrais aquí;
g) é urgente a necesidade da unidade da igreja e de suas lideranças, bem como o
trabalho em rede e cooperação das comunidades de fé;
h) em sua ação missional, a igreja precisa ter clareza e ser intencional no que diz
respeito a sua contribuição para a sociedade e o que faz no local em que está
inserida. Em que área pretende contribuir/atuar para a promoção do bem estar
comunitario a partir de sua essência e vocação?
i) a releitura da Bíblia e da vida, como uma tarefa urgente. A igreja atual precisa
aprender o que de fato significa ser igreja, qual a sua missão e qual sua função na
sociedade atual. Infelizmente temos lido a Bíblia com óculos europeu ou norte
americanizado, com a cosmovisão dos nossos antigos missionários, de nossa
tradição denominacional e desconsierado a leitura a partir de nossa matriz cultural
e social, de nossas belezas, potencialidades e deficiências;
j) é preciso reconhecer dentro da igreja os líderes visionários, empreendedores e
inovadores. Esses precisam ser alvo de investimentos, verdadeiro discipulado e
conduzidos aos cargos estratégicos de liderança da igreja do futuro;
k) O princípios neo testamentários para a liderança e missão já inclui elementos do
empreendedorismo e empreededorismo social, precisamos resgatar as
implicações do envangelho encarnacional e contextual para nossas varias
realidades;

79
l) devido a necessidade de suprimentos básicos para a sobrevivência, as diversas
formas de violências e às péssimas condições de moradias em que vivem milhões
de brasileiros e latino, se faz necessário que a prática empreendedora das igrejas
a nível social tenha como um dos elementos norteadores a promoção do
desenvolvimento local sustentável.

Conclusão

Este estudo teve como objetivo discutir os conceitos do empreendedorismo e


empreendedorismo social e sua relação e implicações para a liderança cristã e missão da
igreja.
Por meio dele, foi possível compreender e constatar que a missão da igreja por si
só se interliga com os princípios e elementos do empreendedorismo social, dentre eles: a
transformação de comunidades e sociedades degradadas pela dor humana e pelo pecado;
a promoção do desenvolvimento humano; a contribuição por mudanças e bem estar social
e ambiental; a luta política pela causa da justiça; a prática da solidariedade, amor e
compaixão a favor do outro; ver como lucro e sucesso a transformação e renovação da
vida.
Quanto a liderança, constatamos que um líder por si só já é um empreendedor,
está à frente de seu tempo, é um visionário, vê oportunidades onde os outros não a
percebem e fazem acontecer projetos e programas que impactem na vida, promovam
desenvolvimento e gerem lucro. Lucro para o empreendedor social é mais que dinheiro e
sucesso, tem a ver com impacto social, promoção do bem e da justiça, ver vidas
transformadas. Neste sentido o empreendedor social se liga mais com o conceito de
liderança cristã. O líder cristão deve ser orientado pela missão de Deus, e por sua causa
conduzir a igreja para tocar e sanar a sociedade em suas degradações e caos. Ele tema
como uma de suas funções, orientar a igreja na sinalização do Reino de Deus na história
e a tornar concreto as boas novas do evangelho.
Constatamos ainda que, as interligações dos conceitos aqui apresentados exigem
que a igreja no contexto brasileiro e latino busque com urgência reformas e readequações
com o evangelho de Jesus, a fim de cumprir com coerência, integralidade e eficiência sua
missão, bem como possa ser de fato povo de Deus, que carrega suas marcas, prioridades
e seu jeito.

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sociedade. Disponível em
www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewfeature&id=597&language=portugu
ese Acesso em 29 jul. 2017.

81
1. Obedeça a Deus com a sua criatividade: o
dever cristão da imaginação
John Piper
2. O criativo humilde: o vício moral e a busca
pela criatividade florescente
Matthew Niermann

82
OBEDEÇA A DEUS COM A SUA CRIATIVIDADE:
O DEVER CRISTÃO DA IMAGINAÇÃO
John Piper | 9 de agosto de 201923
Um dos grandes deveres da mente cristã é a imaginação. Mas nem todos os usos
da imaginação são um dever cristão. Alguns são exatamente o oposto. A imaginação
também não é o único dever da mente cristã. A mente também está encarregada das
funções de observação, análise e organização.
A imaginação acontece quando a mente vai além da observação, análise e
organização do que está lá, e imagina o que não é visto, mas pode estar lá – e pode explicar
o que vemos (como no caso da maioria das pesquisas científicas). A imaginação também
acontece quando a mente imagina uma nova maneira de retratar o que já está lá (como no
caso da escrita criativa, da música e da arte).

Imaginação sequestrada

Há imaginação que é incrivelmente criativa, e ainda enganosa, até mesmo


patológica. O livro de Provérbios retrata criativamente esse tipo de criatividade enganosa.
Por exemplo, Provérbios 26.13–16:

“Diz o preguiçoso: Um leão está no caminho; um leão está nas ruas. Como a porta se revolve
nos seus gonzos, assim, o preguiçoso, no seu leito. O preguiçoso mete a mão no prato e não
quer ter o trabalho de a levar à boca. Mais sábio é o preguiçoso a seus próprios olhos do que
sete homens que sabem responder bem”.

Esses versos pitorescos (imaginativos!) Podem ser quatro provérbios distintos,


relacionados apenas pelo fato de serem todos sobre o preguiçoso. Mas suspeito que haja
mais coisas nesse agrupamento do que isso.
A imaginação do preguiçoso está em pleno andamento no versículo 13. Ele
inventa, por sua própria cabeça maravilhosamente imaginativa, uma situação inexistente
para justificar sua preguiça de se levantar e ir trabalhar: “Há um leão nas ruas”! Ele não
quer sair. Então sua imaginação entra em ação e cria uma situação na qual ele não pode
sair. Isso é enganoso. Ele está usando sua imaginação para mentir.
Mas pode ser pior que isso. Ele pode até acreditar em sua própria imaginação. Os
dois provérbios do meio enfatizam as profundezas da preguiça desse homem. Ele fica na
cama. A maior extensão do seu progresso em direção a um objetivo produtivo é como
uma porta na dobradiça. Se move. Mas sem progresso.

“Como a porta se revolve nos seus gonzos, assim, o preguiçoso, no seu leito”.

Quando consegue chegar à mesa do café da manhã, ele é tão preguiçoso que pode
colocar a mão em seu prato, mas não pode tirá-la. Este homem está a caminho da fome.
Não vai agir. Não pode comer.

“O preguiçoso mete a mão no prato e não quer ter o trabalho de a levar à boca”.

23
Extraído de https://ministeriofiel.com.br/artigos/obedeca-a-deus-com-a-sua-criatividade-o-dever-
cristao-da-imaginacao/.

83
O ponto: a indolência leva à autodestruição.

Mas então vem o mais impressionante. Este homem acha que ele é brilhante. Ele está
mais impressionado com a perspicácia de seus poderes imaginativos (“Há um leão nas
ruas”!) Do que com a verdadeira sabedoria de sete sábios.

“Mais sábio é o preguiçoso a seus próprios olhos


do que sete homens que sabem responder bem”.

Em outras palavras, seus poderes de imaginação alcançaram níveis tão elevados


de criatividade e inteligência a serviço de sua preguiça que ele perdeu o contato com a
realidade e está vivendo em sua própria gaiola de criatividade magistralmente trabalhada.
É por isso que eu disse que a imaginação pode ser patológica. Isso não é dever cristão,
mas deserção cristã. O pecado sequestrou a imaginação e tornou a serva da autoilusão.

Mentes no seu mais divino

Então, vamos passar desse uso destrutivo da imaginação para o dever cristão da
imaginação. Eu digo que a imaginação é um dever cristão por duas razões. Uma é que
você não pode aplicar a Regra de Ouro de Jesus sem ela. Ele disse: “Tudo quanto, pois,
quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”; (Mateus 7:12).
Devemos nos imaginar em seu lugar e imaginar o que gostaríamos que fosse feito a nós.
Amor compassivo, simpático e prestativo depende muito da imaginação de quem ama.
A outra razão pela qual digo que a imaginação é um dever cristão é que quando
uma pessoa fala ou escreve ou canta ou pinta sobre a verdade de tirar o fôlego de uma
forma entediante, provavelmente isso seja pecado. A supremacia de Deus na vida da
mente não é honrada quando Deus e seu mundo surpreendente são observados
verdadeiramente, analisados devidamente, organizados claramente e comunicados
aborrecidamente.
A imaginação é a chave para matar esse tédio. Devemos imaginar formas de dizer
a verdade pelo que ela realmente é. E ela não é chata. O mundo de Deus – todo ele – soa
com maravilhas. A imaginação evoca novas palavras, novas imagens, novas analogias,
novas metáforas, novas ilustrações, novas conexões para contar a verdade antiga e
gloriosa – seja do mundo ou da palavra de Deus. A imaginação é a faculdade da mente
que Deus nos deu para tornar bela a comunicação de sua beleza.
A imaginação pode ser o trabalho mais difícil da mente humana. E talvez o mais
divino. É o mais próximo que chegamos da criação a partir do nada. Quando tentamos
expressar a bela verdade, devemos pensar em um padrão de palavras, talvez um poema.
Devemos conceber algo que nunca tenha existido antes e que atualmente não existe em
nenhuma mente humana. Devemos pensar em uma analogia, metáfora ou ilustração que
ainda não exista. A imaginação deve se esforçar para ver na mente quando ainda não está
lá. Precisamos criar combinações de palavras, música e formas visuais que nunca
existiram antes. Tudo isso nós fazemos, porque somos como Deus e porque ele é
infinitamente digno de novas expressões verbais, musicais e visuais.

Faça uma nova canção para cantar

Uma faculdade – ou uma igreja ou uma família – comprometida com a supremacia


de Deus na vida da mente cultivará muitas imaginações férteis e algumas grandes. E como
o mundo precisa de mentes cheias de Deus que possam contar as grandes coisas de Deus,

84
cantar as grandes coisas de Deus e tocar as grandes coisas de Deus de formas que nunca
foram ditas ou cantadas ou tocadas antes.
A imaginação é contagiante. Quando você está perto de alguém (vivo ou já
falecido) que a usa ou usou muito, você tende a pegá-la. Então eu sugiro que você saia
com algumas pessoas contagiosas (mortas ou vivas) que transbordam com formas
imaginativas de expressar as coisas. (A Bíblia pode ser o livro de prosa mais imaginativo
do mundo. Não porque crie uma realidade que não existe, mas porque coloca essa
realidade em tantas expressões surpreendentes.)
A imaginação também é como um músculo. Ela fica mais forte quando você a
flexiona. E você deve flexioná-la. Ela não se coloca em ação naturalmente, mas aguarda
a vontade. Encorajo-vos a usar esse músculo em sua mente. Faça esforços conscientes
para expressar a verdade preciosa de maneira notável e útil. Pense em uma nova maneira
de dizer uma verdade antiga. Deus é digno. “Cantai ao Senhor um cântico novo” (Salmos
96. 1; 33. 3; 98. 1; 144. 9; 149. 1; Isaías 42.10) – um quadro, um poema ou uma figura de
linguagem. Vamos fugir juntos do pecado de pessoas chatas para com Deus e suas
incríveis obras e caminhos.

Tradução: Paulo Reiss Junior


Revisão: Filipe Castelo Branco
Fonte: Obey God with Your Creativity

85
O CRIATIVO HUMILDE:
O VÍCIO MORAL E A BUSCA
PELA CRIATIVIDADE FLORESCENTE
Matthew Niermann | 25 de janeiro de 202224
A cultura criativa contemporânea fomenta o vício moral e demanda um caráter
arrogante. De que outra forma o cristão pode buscar a criatividade?
A criatividade é considerada um dos mais valiosos atributos de nossos dias. O
LinkedIn, o maior site de conexão entre profissionais e empresas, elaborou um estudo
com base em sua ampla rede de aproximadamente 700 milhões de membros e 50 milhões
de empresas para identificar as habilidades mais requisitadas. [nota 1] Os resultados de
2019 e 2020 são semelhantes. A qualidade mais procurada nos colaboradores foi a
criatividade.
É importante observar que o estudo do LinkedIn abrangeu toda a gama de setores
econômicos e disciplinas aplicadas. Muito frequentemente, as noções de criatividade são
relegadas às artes plásticas e aplicadas: artistas, músicos ou cantores. No entanto, como
esse estudo mostra, a capacidade criativa é fundamental para uma grande variedade de
atividades humanas, de matemáticos a cientistas, de empresários a cirurgiões e atletas.
A qualidade mais procurada nos colaboradores foi a criatividade.

A criatividade, a imagem de Deus e o vício moral

A constatação da presença abrangente da criatividade nas atividades humanas não


causa estranheza se analisada sob a perspectiva cristã. A Bíblia cristã ensina que Deus
criou o cosmo e toda a vida que existe nele. Como parte dessa ação, Deus criou algo
especial, homem e mulher, e os formou à sua própria imagem. [nota 2] Dessa forma,
porque Deus é um Deus criativo, e somos criados à sua imagem, também somos seres
criativos. Não apenas alguns, mas todos nós.
Mas é importante notar que temos uma capacidade limitada de alinhar nosso
caráter e ações com os atributos de Deus. O cristianismo ensina que há uma distinção
entre o Criador e a criação. Somos criados à imagem de Deus; não somos Deus. Portanto,
não possuímos esses atributos de forma perfeita como Deus, e muitas vezes nossa vida é
definida pelo vício moral.
Infelizmente, a cultura criativa contemporânea é fundamentalmente definida pelo
vício. Qualquer livro ou artigo sobre criatividade apresenta uma variedade de apelos e
bordões do tipo: Seja você mesmo! Encontre a sua voz! Expresse sua verdadeira forma
de ser! Ou, em outras palavras: Busque em si mesmo, e somente em si mesmo, a fonte de
bondade, verdade e beleza. A cultura criativa contemporânea fomenta o vício moral e
demanda um caráter arrogante.
Quando nossa criatividade flui de um caráter perverso, sacrificamos a criatividade
proveitosa no altar dos desejos egoístas. A vanglória, a preguiça, a concupiscência dos
olhos, a ira, a ganância, a inveja e o orgulho envenenam nosso caráter e sufocam nossa
criatividade.

24
Extraído de https://lausanne.org/pt-br/sobre-pt-br/blog-pt-br/o-criativo-humilde

86
Quem somos afeta nossa criatividade.
Nosso caráter moral definirá se teremos uma criatividade desregrada
ou nutriremos uma criatividade florescente.

Como seguidores de Cristo, devemos entender essa cultura arrogante e, com um


espírito humilde, nos comprometer a refletir os atributos criativos de Deus. Só então,
como indivíduos criativos e humildes, poderemos ver os frutos saudáveis da criatividade
florescente.
Esse código de humildade criativa tenta simplificar o que é, na realidade, a
expressão de uma longa jornada que requer a parceria ativa com Deus e o recebimento de
graça abundante

Um código de conduta para criativos humildes

Apresento a seguir uma espécie de código uma tentativa de descrever a vida


criativa baseada na humildade. Esse código de humildade criativa tenta simplificar o que
é, na realidade, a expressão de uma longa jornada que requer a parceria ativa com Deus e
o recebimento de graça abundante. Apesar de suas limitações, o código procura fornecer
uma imagem coerente das raízes de humildade necessárias para uma vida de florescente
criatividade.

O código de conduta dos criativos humildes:

1. Reconheço que a fonte suprema de tudo o que é certo e bom não pode ser
encontrada na natureza humana decaída. Nenhum ser humano pode expressar
de forma plena a bondade, a verdade ou a beleza. Assim, não podemos
simplesmente buscar nossa “própria voz” ou nosso “verdadeiro eu” como a fonte.
Em vez disso, devemos buscar fontes externas, mais bem exemplificadas na
pessoa do próprio Deus; e buscar qualquer outra fonte é um ato de orgulho.
2. Entendo que, apesar da sua natureza caída, a humanidade é feita à imagem de
Deus – imago Dei. Temos a capacidade inata de refletir os atributos de Deus,
incluindo a criatividade. Também precisamos reconhecer que o aperfeiçoamento
não é um processo involuntário; é intencional e ocorre em parceria com Deus.
Todo progresso moral é uma ação espiritual resultante da graça de Deus.
3. Estou disposto a definir minha identidade na segurança que encontro em Deus
e não no reconhecimento público do trabalho criativo, sem confundir trabalhos
criativos com identidade pessoal. Assim, o criativo humilde é a expressão de um
processo criativo que é livre para explorar, experimentar e até falhar.
4. Empenho-me a conduzir um processo criativo que satisfaça as exigências do
amor. Tal processo coloca as necessidades dos outros acima do estilo criativo ou
da marca, definindo objetivos criativos por meio de atitudes empáticas de serviço,
cuidado e amor.
5. Comprometo-me a utilizar princípios criativos definidos pela bondade, verdade
e beleza, em vez de ceder à tentação de explorar curiosidades hedonistas. Tal
criatividade não busca a inovação meramente pelo seu aspecto inovador, mas visa
realmente compreender bem a criação e o Criador.
6. Valorizo os talentos e sucessos de outros indivíduos criativos. O criativo humilde
resiste aos sentimentos concomitantes de dúvida, insegurança e amargura,
celebrando o sucesso de outros trabalhos criativos pois entende que eles exercem
seu papel na promoção da bondade, da verdade e da beleza.
7. Estou disposto a compartilhar ideias e a colaborar no processo criativo, sabendo
que o objetivo supremo da criatividade não é a vanglória, mas a reconciliação

87
de Deus e sua criação. Essa criatividade prioriza o dever de atuar como agente
de reconciliação neste mundo, acima da garantia de posse.
8. Valorizo o aspecto fundamentalmente contracultural da vida definida pela
humildade, reconhecendo que atingir esse nível de criatividade florescente não
é um evento único e isolado. Em vez disso, é um caminho de fidelidade duradoura
que segue na mesma direção da busca por humildade, virtude e semelhança com
Cristo. Tal caminho de fidelidade, se trilhado sem intencionalidade e longe da
graça de Deus, poderá naturalmente se desviar para o caminho do vício. No
entanto, apesar do caminho estreito, a esperança e o anseio por uma criatividade
florescente impulsionam o movimento em direção à criatividade humilde.

Quando participamos de atos criativos, não apenas expressamos a nós mesmos,


mas refletimos os atributos de Deus. Portanto, como cristãos que buscam a criatividade,
não devemos trabalhar com orgulho para “sermos fiéis a nós mesmos”. Em vez disso,
como cristãos que buscam a criatividade, devemos humildemente aperfeiçoar nosso
caráter à semelhança de Cristo. Só assim, como pessoas criativas humildes, nossa
criatividade pode florescer como Deus planejou.

Nota da Editora: Este artigo é baseado no livro The Humble


Creative: Moral Vice and the Pursuit of Flourishing
Creativity. Este livro oferece os primeiros passos na busca da
criatividade florescente, examinando a cultura criativa
contemporânea e identificando áreas-chave nas quais essa
cultura fomenta vícios específicos na vida de uma pessoa
criativa. O livro é um apelo a todos os criativos cristãos para
que busquem exercer sua criatividade com base em atitudes de
humildade.

Notas:
1. Petrone, P. (2020, December 2018). Why creativity is the most important skill in
the world. LinkedIn: https://www.linkedin.com/business/learning/blog/top-
skills-and-courses/why-creativity-is-the-most-important-skill-in-the-world
2. Genesis 1:27

88
APROVEITE PARA VISITAR
ALGUNS CURSOS DA FTSA

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