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40 ANOS DE POLÉTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL COMPROMISSO NA EDUCAÇÃO

e das aprendizagens por parte dos alunos. As escolas fizeram-se para os lização da Rede e dos Cursos ministrados pelas diversas instituições de
alunos e para defender os seus interesses e não para satisfazer quaisquer Ensino Superior. O número de instituições existentes em Portugal está
modelos por mais eficazes que eles pareçam ser noutras sociedades e dentro dos padrões internacionais, o que não significa que não tenha que
noutros contextos sócio-culturais. ser continuado de forma persistente um trabalho de integração e de arti
O modo como se processa o financiamento da educação assenta hoje culação entre instituições, designadamente entre as Universidades e os
em Portugal num modelo multifacetado. Do pré-escolar ao ensino supe Institutos Politécnicos que integram a Rede Pública. O caso recente de
rior existem formas muito diversas de as escolas, públicas ou privadas,
obterem os recursos financeiros com que constroem os seus orçamentos
1 fusão entre a Universidade de Lisboa e a Universidade Técnica é um bom
exemplo de uma medida no sentido correto, desde que a tal fusão se si
de funcionamento. O Estado continua a ser o grande financiador, mas a gam as indispensáveis medidas de articulação e integração entre departa
questão requer uma reflexão que permita otimizar os recursos disponí mentos existentes cujos objetivos se sobrepõem entre si. Também no que
veis tendo em conta, por um lado as exigências crescentes em relação à diz respeito à racionalização da oferta de cursos há que continuar o traba
qualidade do ensino e, por outro, a necessidade de escolarizar a totalidade lho que vem sendo realizado pela Agência A3Es sendo que os resultados
das nossas crianças e adolescentes. já alcançados são de tal modo satisfatórios que o que importa é prosse
Os termos de referência para qualquer negociação passa portanto, em guir o que tem sido feito de forma tão discreta e serena. A Agência, dado
nossa opinião, pela importância que deve ser atribuída à escolarização o estatuto de independência que possui, constitui aliás um bom exemplo
de todos os que têm idades até aos 18 anos e pela defesa de uma con em Portugal do que pode e deve ser feito por uma entidade de regulaçáo.
quista civilizacional como é a da gratuitidade da escolaridade obrigatória. Acresce que em relação aos estabelecimentos de Ensino Superior não
No que se refere à norma constitucional que aponta para uma educação podemos manter um conjunto de procedimentos em que o poder cen
“tendencialmente gratuita” entendo que há muito ela deixou de ser cum tral tudo controla e tudo quer controlar, mesmo quando aquilo que as
prida particularmente quando para o Ensino Superior o Tribunal Consti instituições fazem resulta da obtenção de financiamentos que não têm
tucional deliberou que o pagamento de propinas com algum significado origem no orçamento do Estado ou seja foram obtidos através de “fund
não transgride a Lei Fundamental. -raising” ou de contratos em que o Estado não foi parceiro nem ativo nem
Gostava, no entanto, de reforçar a ideia de que é no conceito e na defi passivo.
nição dos estatutos de autonomia a conceder às escolas, às universidades E, aliás, nestas matérias que mais se faz sentir a falta de um verdadeiro
e aos institutos politécnicos que reside a questão essencial de todo este estatuto de autonomia para as instituições de ensino e investigação.
processo de negociação que venho preconizando. Finalmente haverá três temas que me parecem da maior importância
A avaliação das escolas do Ensino não Superior bem como a avalia e a que o país tem que dar um impulso dada a sua relevância estratégica
ção das Universidades e Institutos Politécnicos são áreas em que importa para o nosso desenvolvimento.
igualmente estabelecer regras que permitam tomar claros os indicado Trata-se do Financiamento da Investigação Científica, da Translação
res de avaliação e sobretudo definir os critérios a aplicar relativamente às do Conhecimento entre as Universidades e o tecido económico e da Inter
conclusões e recomendações apresentadas pelos avaliadores e pelas ins nacionalização do Ensino Superior.
timições de avaliação. E isto tendo presente que a avaliação é um instru São questões que se encontram intimamente ligadas e que exigem
mento cujos objetivos são a melhoria da qualidade do ensino e da apren 8 uma atuação e um acompanhamento especiais ao nível das prioridades
dizagem a par de uma melhoria global do funcionamento das instituições políticas que importa assumir sem tergiversações ou descontinuidades.
em termos da gestão dos recursos humanos e financeiros e do aumento O Ensino Superior português dispõe no momento atual de capacidades
da relevância do ensino ministrado. pouco conhecidas no país e quase desconhecidas em muitos países nossos
Uma outra área em que se tem que encetar um grande esforço para parceiros com quem mantemos uma cooperação intensa em setores diver
otimizar os recursos existentes relaciona-se com os critérios de raciona- sos, designadamente nas áreas do turismo ou das trocas comerciais.
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1.
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É importante que, politicamente e ao mais alto nível, as instituições de de redefinir as funções e o papel do Estado, mas tem que o fazer assente
Ensino Superior que dispõem de recursos humanos altamente qualifica na realidade concreta e tendo em vista um país que possa progredir sem
dos e que desenvolvem e criam conhecimento ao nível internacional em voltar a pôr em causa a estabilidade financeira que já lhe faltou por três
tantos setores da ciência e da técnica, sejam devidamente incentivado5 e vezes nos últimos quarenta anos.
motivados para ganharem peso como um importante produto de expor Quero ainda sublinhar a muito especial importância que em qualquer
tação. compromisso para o futuro deve ser atribuida à educação pré-escolar e
Não se trata de transformar as Universidades em empresas exportado mesmo ao acompanhamento das crianças que frequentam as creches en
ras, mas sim em entidades reconhecidas internacionalmente com poten tre os poucos meses de idade e os três anos. Trata-se de um setor a que
cialidades e capacidades para atrair para Portugal investimento estran me sinto particularmente ligado. É nestes primeiros anos de sociabiliza
geiro em áreas das tecnologias avançadas e do conhecimento científico çáo da criança que se constroem as bases que vão ter uma importância
mais sofisticado. Temos já no pais alguns departamentos universitários decisiva no futuro comportamento da criança quando se toma adoles
cujo trabalho de interação com as empresas tem contribuído decisiva cente e mais tarde adulto.
mente para a afirmação externa dos bens e serviços que Portugal exporta Como escrevia um autor americano há muitos anos: “Alil need to know
hoje em ritmo crescente. 1 kamed iii the Kindergarden”
O trabalho que vem sendo realizado tem no entanto que ser conso
lidado tanto através da estabilização dos critérios de financiamento da Nota final
Investigação Científica como no campo do apoio e do incentivo à transla A Reforma do Estado é uma matéria que tem merecido os mais diversos
ção do conhecimento entre as Universidades e as Empresas. comentários e para a qual o próprio Governo elaborou um documento
Em conclusão:
A Reforma do Estado nestes diversos setores relacionados com a Educa
ção designadamente a gestão das Escolas, das Universidades e dos Ins
titutos Politécnicos, é uma matéria sensível sobre a qual devem meditar

1 base, embora, tal documento pareça mais um conjunto de ideias soltas


do que propriamente uma proposta de autentica reforma das funções do
Estado.
A minha observação vai no sentido de que, as três primeiras reformas
a encetar deveriam centrar-se na alteração do funcionamento interno dos
e refletir os responsáveis políticos. Os erros que possam ser cometidos dois maiores partidos, na redução do número de deputados e ainda na
no curto prazo podem ter consequências muito gravosas no nosso futuro reforma do sistema eleitoral designadamente no que se refere às eleições
coletivo. Esta é uma área em que as modificações a introduzir têm de ser para a Assembleia da República.
enquadradas por uma perspetiva de longo prazo. Muitas medidas que pa alterações com grande significado e impacto que exigem por um
recem resolver problemas imediatos ou que visam vencer eleições podem lado uma reflexão interna nos partidos e por outro um entendimento cla
criar problemas com consequências imprevisíveis quando olhamos para São modificar leis em que ninguém parece querer tocar por interesses
ro para
as suas repercussões a oito ou dez anos de distância. exclusivamente partidádos.
O futuro tem um grau de imprevisibilidade inimaginável há pouco Podem e devem debater-se as reformas da Justiça, da Segurança So
anos atrás. cial, dos Sistemas de Saúde e de Educação ou da Organização do Poder
Trabalhemos neste domínio da Reforma do Estado com ponderação e Local, mas enquanto se não tocar nos interesses das diques de poder que
bom senso e na certeza de que o que parece fácil é porvezes mais complexo estão instaladas nos dois grandes partidos, o PSD e o PS, dificilmente o
e difícil do que alguns nos querem fazer crer. Façamos estas reformas país será capaz de “reformar” qualquer uma destas áreas enunciadas.
com espírito construtivo e através de um diálogo e de uma negociação sé Muitas das modificações e dos aperfeiçoamentos que podem e devem
ria, sem demagogias e sem tentativas de efeitos eleitorais. O País precisa ser introduzidos nestas áreas de intervenção do Estado estão à partida
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condenadas ao fracasso enquanto os partidos não assumirem que nal
guns casos são eles mesmo o problema, ou seja, é no seio desses partido5
que se vão, por uma razão ou por outra, criando obstáculos não apenas às
medidas que importa lavar à prática, mas ao próprio debate sobre quais
as reformas a adotar.
A Agenda Política da Política Educativa
AUGUSTO SANTOS SILVA
A perspetiva da agenda política
Há, pelo menos, dois Caminhos disponíveis para quem quiser aventurar-
-se na prospetiva das políticas educativas.
O primeiro pane da realização de um diagnóstico: identifica-se as rea
lizações, os problemas e as necessidades presentes e próximas futuras do
sistema, define-se objetivos e metas intermédias, recenseia-se recursos
de várias ordens, existentes e a procurar, desenha-se medidas de afeta
ção de recursos e concretização de objetivos, mobiliza-se atores e insti
mições, prevê-se um dispositivo de implementação, acompanhamento e
avaliação. Este caminho procede do plano analítico para o plano político,
do estudo para a ação, privilegiando a função de planeamento. O método
(em sentido etimológico) é comparável ao do explorador que, antes de
penetrar na terra bravia, se mune de mapas, guias, mantimentos e outros
informes e proteções.
Assim, no caso português, uma forma simples mas bem adequada de
preparar a nossa reflexão prospetiva será ter em conta a distância que
nos separa de grandes finalidades com que nos comprometemos coletiva-
mente, seja no plano programático da Constituição da República, seja no
âmbito europeu, designadamente na Estratégia Europa 2020. A melhor
maneira de compreender essa distância é considerar, ao mesmo tempo,
os progressos conseguidos, em comparação com a situação vivida ou no

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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
início da democracia, ou no momento da integração europeia, ou recor O presente texto é um exercício neste trilho. Pretende traçar uma
rendo à lógica convencional dos números redondos e marcando assim agenda política para a política educativa em Portugal, o que implica olhar
a evolução por décadas ou quinquénios e o que ainda falta conseguir
— prospectivamente para esta política a partir de uma reflexão sobre o qua
1-
para alcançar essas tais finalidades. dro político em que ela pode formar-se. Dispondo nós de vários e úteis
Quando o fazemos, logo se destacam três ou quatro questões maio estudos orientados para o primeiro dos caminhos descritos (ver, entre
res, ao nível do acesso, do desempenho e da organização. Nos últimos 20 os mais recentes, Almeida & Vieira, 2006; Rodrigues, 2010; Conselho
anos, conseguimos reduzir a taxa de abandono escolar precoce de 47%, Nacional de Educação, 2012; Gomes & Duarte, 2012; Justino, 2012; Al
em 1993, para 19%, em 2013; a média europeia é de 13% e o objetivo para meida & Vieira, 2013; Justino ei ai., 2014’D, talvez valha a pena estoutro
2020 é chegar a menos de 10% (Pordata, 2014; European Comission, exercício focado no segundo, quer dizer, na agenda política.
2014). A proporção de jovens entre os 30 e os 34 anos diplomados com
o ensino superior era de 18%, em 2005, e de 27%, em 2012, contra uma Uma agenda resultante de três forças principais
média europeia de 36% e sendo o objetivo, para 2020, chegar aos 40% Os 40 anos da democracia portuguesa consolidaram uma agenda política,
(European Comission, 2014). O nosso desempenho nos estudos inter no sentido aqui definido: um quadro de tópicos, prioridades, protago
nacionais de avaliação de aprendizagens melhorou imenso: se, por exem nistas e padrões de ação, prevalecente no conjunto do subsistema social
plo, considerarmos as provas dos alunos do 42 ano de escolaridade no de educação. A meu ver, essa agenda foi sendo definida na interação de
TIMMS (Trends ira intemational mathematies and science stu dy) fomos, ente
, três forças fundamentais, que serão apresentadas de uma forma que não
os 50 países participantes, aquele que mais evoluiu entre 1995 e 2011 em representa qualquer hierarquia’8.
matemática e o segundo que mais evoluiu em ciências, ocupando agora, A primeira situa-se do lado da procura social. Aí, o sistema educativo
respetivamente, o 142 e o 162 lugares na tabela (Conselho Nacional de português vem beneficiando de uma atitude geralmente favorável da
Educação, 2012: 144-151). Contudo, ainda apresentávamos, no ano letivo parte das famílias, quer das classes médias (onde ela é expectável), quer
de 2011-2012, taxas de retenção e desistência na ordem dos 16% no fim das classes populares (o que, quando a perspetiva da escola como fator
da educação básica e de 20% no ensino secundário (DGEEC, 2013: 30). e como canal de mobilidade social se esbate, como tem acontecido mais
A demografia não tem sido favorável ao planeamento educativo: em duas recentemente, é teodcamente menos antecipável). Não se trata, para a
décadas, o ensino básico perdeu 351 mil alunos (Pordata, 2014). Por ou maioria da população, de uma procura militante, empenhada, dos bens
tro lado, embora a taxa de analfabetismo tenha baixado de 11% em 1991 educativos de diplomas, conhecimentos ou capacidades; mas sim de

para 5% em 2011, ainda temos um atraso estrutural em termos de stock uma expectativa razoável de benefícios futuros (diferidos para as novas
de capital humano: em 2013, 45% dos Portugueses com 15 e mais anos gerações) e da disponibilidade para fazer algum investimento (em sentido
nem sequer tinham completado a escolaridade obrigatória de nove anos técnico: assumir agora um custo para obter depois um beneficio). Propus,
(Pordata, 2014). 4,-
em 1994, para designar esta combinação de expectativas e disponibilida
Jáo segundo trilho começa mesmo dentro da floresta. Parte das forças des, a expressão “investimento temperado, de resultado incerto”, no con
e das relações de forças que definem e fazem mover a política, ou, melhor texto de uma “reservada assimilação da escola” (Silva, 1994: 350-364);
dizendo, o quadro político em que várias políticas se podem desenvolver.
Pane dos atores, dos seus interesses, representações e aspirações, e do — Limito-me a indicar alguns rcxtos recentes, situados na perspetiva do estudo de políti
seu enfrentamento num dado momento e numa dada estrutura do sis cas públicas, deixando de fora as (muita importantes) estudas disponíveis em história, so
tema de restrições, recursos e benefícios que os envolve. Entra direta ciologia ou economia da educação.
-1;
mente na agenda e na agência política, e é dela que avança para diagnós — Do ponto de isca epistemológico, este texto deve ser entendido como um ensaio de inter
pretação geral, que pode servir de quadra de hipóteses explicativas para efeitos de investiga
ticos, estratégias e execuções. ção empírica.
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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
e não encontro razão para alterá-la. Mesmo que a procura tenha passado democrática de 1974, estava muito por fazer na formação, no estatuto so
a ser mais desencantada do que otimista, nos termos de Sérgio Gr0 cial e nas condições de trabalho e remuneração dos educadores e profes
(1986), ela não deixa de verificar-se; e, aliás, a própria dinâmica de de sores. Por outro lado, as novas liberdades associativa e sindical, o direito
preciação do Capital escolar mais baixo (o valor relativo dos títulos vai-se à greve e à negociação coletiva e a democratização da gestão das escolas
deteriorando com a sua própria massificação) força os agentes a apostar criaram condições extremamente favoráveis para o protagonismo dos do
em percursos escolares cada vez mais longas. centes em virtualmente todos os domínios da política e da organização
O ensino superior constitui o segmento onde foi mais evidente a pro educativa. Até praticamente 2005, as duas principais federações sindicais
cura ativa de bens educativos pelas famílias. À medida em que as bar (uma afeta à CGTP, Confederação Geral de Trabalhadores Portugueses,
reiras à entrada relacionadas com a seleção precoce e quase irreversível e outra à UGT, União Geral de Trabalhadores) constituíram efetivos par
do Estado Novo foram caindo, as condições de vida e rendimento das ceiros dos governos, podendo dizer-se, sem exagero, que o essencial da
famílias foram melhorando e se foi expandindo a oferta (universitária e política educativa para o ensino não superior e não apenas as dimen
1

politécnica, pública e privada), verificou-se uma verdadeira explosão de sões de relações de trabalho, mas também as curriculares e pedagógicas,
frequência. De uns 80 milhares em 1980, o total de alunos inscritos nas assim como as de administração e gestão foi resultado da tensão e do

faculdades e escolas superiores passou a quase o dobro (157 mil) dez anos compromisso entre o Ministério da Educação e as direções, quadros e
passados e haveria de quintuplicar, em 2003 (Pordata, 2014). bases sindicais. Os temas que mais diretamente tocavam os docentes —
Mas a educação pré-escolar representa também e mais recente
— como a formação e certificação, os modelos de recrutamento e de carreira
mente um caso de apropriação das novas condições de oferta por pane profissional, os tempos e as condições da atividade letiva e não letiva, os
1”.

das famílias. Claro que não se pode desvalorizar a função de guarda das poderes de participação, controlo e direção nas escolas, os currículos, a
crianças isto é, a motivação social das famílias; mas isso não deve fazer
— organização curricular e os grupos de docência foram prevalecendo,

perder de vista a dimensão educacional inerente à atividade dos Jardins- ano após ano, na agenda da política educativa; correlativamente, revelou-
-de-infância e ao desempenho profissional dos respetivos educadores. -se mais difícil a penetração de temas mais vinculados aos interesses das
No caso da educação básica (e sobretudo a partir dos anos 90, quando
a tolerância social face ao trabalho infantil e a utilização efetiva de crian
ças na economia informal se tornaram residuais), os problemas de uni
k famílias como o associativismo de pai e a sua participação na vida esco

lar, ou mesmo as condições de acesso e sucesso dos alunos, desde que não
mediadas pela problemática docente e dos meios sociais ambientes das

versalização têm menos a ver com a procura do que com o insucesso (e escolas como as autarquias, territórios e comunidades.

o efeito de ricochete deste sobre aquela). As taxas reais de escolarização, No caso específico do ensino superior, a parceria principal que estru
que em 1970 eram de 84% no (atual) primeiro ciclo, 22% no segundo turava a política educativa ocorria não entre os atores políticos e os sin
ciclo e 14% no terceiro ciclo do básico, tinham subido em 1990 para, res dicais, mas sim entre o nível político e administrativo central do Minis
petivamente, 100%, 69% e 54% e haveriam de atingir 100%, 92% e 90% tério e as instituições. Isolada ou concertadamente, as universidades e
em 2012 (Pordata, 2014). O que não seda possível apenas com as medidas institutos politécnicos fizeram valer o largo espaço de autonomia efetiva
legais e administrativas ligadas à obrigatoriedade e com a expansão da de que dispunham (não do ponto de vista administrativo e financeiro,
oferta, sem que houvesse alguma correspondência da parte da procura mas quanto a questões tão cruciais como o desenvolvimento de escolas,
social de educação. O meu ponto é este: a importância das questões do áreas de formação e cursos, ou a inscrição territorial, ou a gestão interna
acesso e do desempenho ou seja, da democratização tomaram-se cen
— — dos recursos), para se constituírem como interlocutores indispensáveis
trais na agenda política nacional também em razão deste investimento das autoridades políticas, com real capacidade de influência, oposição ou
reservado e prudente das famílias. mesmo veto.
A segunda grande força na definição desta agenda é interna ao sistema Finalmente, a terceira força essencial na definição da agenda da polí
1
educativo. E é, sobretudo, de natureza profissional. A data da revolução tica educativa, ao longo das quatro décadas da democracia portuguesa,
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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTIcA DA PoLÍTIcA EDUCATIVA
tem sido a tensão propriamente política entre partidos, correntes deu educação extraescolar, como modalidades de formação de segunda opor
tro de partidos e outros atores relevantes no subsistema politico-insj, wrddade. O terceiro era a estrutura binária e a dinâmica expansionista do
cional. O Partido Comunista Português (PCP) condicionou fortemente ensino superior. E o quarto era o foco na formação inicial e contínua de
a agenda, mas indiretamente, por via da influência sobre o movimento professores e educadores, assim como a qualificação correspondente da
sindical, os movimentos estudantis e outros movimentos sociais, ou nas administração escolar e do próprio Ministério.
autarquias. A partir, sobretudo, da formação, nos últimos anos 90, do Blo
CO de Esquerda (BE), essa influência foi mais dividida. O Centro Demo Uma agenda plástica
crático Social (CDS-PP) teve um papel relativamente reduzido, com urna Uma agenda política, no sentido aqui atribuído à expressão, não é um
agenda muito focada em certos temas específicos (como as questões de bloco uniforme de finalidades e estratégias. Pelo contrário, pode ser com
disciplina e violéncia, o ensino religioso ou o cheque-educação). Aliás, o parado a um palimpsesto, cujo texto resulta, em cada momento, de
CDS nunca teve a pasta da Educação ou do Ensino Superior em qualquer crit2s sobre textos anteriores, ao mesmo tempo aproveitados e ultrapas
dos governos de coligação (com o Partido Socialista, doravante P5, e o sados. Essas reescritas, no plural, cruzam-se e combinam-se de forma não
É
Partido Popular Democrático, depois Partido Social-Democrata e dora linear, provocando incoerências, influências recíprocas, sentidos abertos
vante PSD) em que participou. a várias possibilidades de interpretação e uso.
Foi, portanto, em tomo do PS e do PSD que girou o debate e a enun No caso que consideramos, acresce que podemos e devemos inscrever
ciação da agenda política. Como é próprio desse debate, com elementos matricialmente a agenda em pelo menos três temporalidades. Alguns dos
de oposição e elementos de consenso. Um tema de fratura marcante até seus constituintes remontam à reforma ensaiada no fim do Estado Novo,
1986 foi, sem dúvida, a promoção do ensino técnico-profissional, que o pelo Governo de Marcello Caetano e o ministro Veiga Simão (1970-1974).
centro-esquerda e o centro-direita viam, ambos, como um regresso atua É sobretudo o caso do ensino universitário (com a fundação de várias
lizado ao antigo ensino técnico, mas valorizavam de forma bem diferente universidades novas), mas também de alguma modernização curricular,
(negativamente o primeiro, positivamente o segundo). Outro tema é era no contexto do alargamento da escolaridade obrigatória. Não só outros
o comando da gestão escolar pelos professores, apreciada pelo P5, criti constituintes, como decerto o quadro político geral, remontam a 1974 e a
cada pelo PSD. E, sobretudo, a relação com o ensino particular e coopera 1976, à Revolução e à sua resolução no quadro de uma democracia parla
tivo: de suspeição e distanciamento, à esquerda, de proximidade e empe mentar europeia. Outros ainda vêm de 1986, com a particularidade muito
nho, à direita. Mas não menos importantes foram os temas de consenso; significativa de ser então, com a Lei de Bases, que se organiza enquanto
e foi isso, em conjunto com as circunstâncias parlamentares de 1985-86 tal o sistema educativo.
— sem maioria monopartidáda e com o peso próprio de um novo partido, A agenda que descrevemos definida pelo jogo de três forças essen

o Partido Renovador Democrático (PRD) que permitiu a aprovação de
— ciais: uma procura reservada mas efetiva das famflias, a interlocução entre
uma Lei de Bases do Sistema Educativo, a qual abrangeu significativa- governos e interesses profissionais e sindicais docentes (ou interesses
mente o PCP, mas deixou de fora o CDS-PP. corporativos, palavra aqui usada sem nenhuma intenção pejorativa, liga-
Este consenso, que só haveria de ser desafiado em 2002-2004, quando • dos especialmente ao ensino superior) e um compromisso relativamente
o Governo PSD-CDS tentou fazer aprovar uma nova Lei de Bases, foi a • estável entre os partidos centrais do sistema político foi sendo consti

expressão de um compromisso assente em vários pilares. O principal era : mída ao longo de décadas. Não curo agora de identificar os vários mo
o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 9 ano de escolaridade, mentos e cambiantes dessa formação, nem de distinguir os dois quadrié
e a sua organização como uma educação básica unificada e disposta em nios em que ela melhor se exprimiu, os mandatos dos ministros Roberto
três ciclos. O segundo era a preocupação de incluir explicitamente no sis Carneiro (1987-1991) e Marçal Grilo (1995-1999). Ela foi quebrada por
tema quer a educação pré-escolar, quer os então ditos ensino recorrente e David Justino (2002-2004) em pelo menos dois pontos-chave: o padrão
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40 ANOS DE POLÉTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL
A AGENDA POLITICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
unificado da educação básica (o mesmo tipo de escola e o mesmo
CUrri Se pudermos pedir um empréstimo à terminologia das relações in
culo, salvo casos de recuperação escolar através dos ditos currícujos alter
ternacionais, diremos que se tratava de multilateralizar um processo de
nativos, em todos os três ciclos da escolaridade obrigatória de nove anos)
negociação política demasiado bilateralizado. Vários marcos podem ser
e a atribuição exclusiva a professores e educadores da direção execuliva
resumidamente recordados. E talvez o primeiro com reais efeitos práticos
das escolas. Foi também objeto de uma transformação importante no
tenha sido a legitimação e a realização da entrada, como parceiros educa
mandato de Maria de Lurdes Rodrigues (2005-2009), no plano igual
tivos, externos ao sistema mas interessados nele e potenciais contribuin
mente critico da definição de prioridades: maior prioridade à satf0
tes para ele, de associações de interesses, como associações empresariais e
da procura social da educação (quer na escolarização de crianças e jOven,
sindicais, autarquias e instituições sociais locais, aquando do lançamento
quer principalmente na formação específica pan adultos) e rompimen,o
em 1989 das escolas profissionais. O segundo marco foi a estratégia de
Com a anterior lógica de parceria alguns poderiam mesmo sugerir co-

atribuição às autarquias do papel-chave na rede pública da educação
autoria entre governos e federações sindicais na definição do essencial

pré-escolar, a partir de 1996, e a integração, numa única rede nacional,
da política para a educação básica e secundária. Não obstante, em aspetos
dos jardins-de-infância de iniciativa social, O terceiro foi a consagração,
do mesmo modo centrais de agenda, os dois governos de José Sócrates
como parceiro expressamente reconhecido pelas autoridades governa
(2005-2011) desenvolveram a agenda que tinha sido uma primeira vez tivas, do associadvismo profissional e científico dos professores, com o
codificada na Lei de Bases de 1986, numa lógica de continuidade: exten
qual foram trabalhadas as revisões curriculares desenvolvidas pelos dois
são da escolaridade obrigatória até aos 18 anos, com oferta obrigatória governos de António Guterres (1995-2002). O quarto marco foi a valo
de educação pré-escolar para crianças de 5 anos; diversificação da oferta
rização, quer por governos Cavaco Silva quer por governos Guterres, do
formativa no ensino secundário e previsão de modalidades curriculares associativismo de pais e encarregados de educação; a sua participação na
alternativas de recuperação escolar no terceiro ciclo do ensino básico; vida das escolas foi uma das medidas acarinhadas por sucessivas revisões
expansão da frequência do ensino superior e a sua abertura aos chama
- do regime jurídico de administração e gestão escolar, que com avanços e
dos novos públicos (sendo Mariano Gago o mini!tro do Ensino Superior • recuos nos ciclos políticos de Cavaco, Guterres e Durão Barroso (de que
nesses dois governos). aqui não podemos curar), acabaram por cristalizar no dispositivo legal
Se a Lei de Bases de 1986 estabilizou e, assim, consolidou a agenda • de 2008. A este dispositivo, que estabelecia as condições de interação
da política educativa democrática, definindo um consenso político então - de múltiplas partes interessadas professores, alunos, pais, autarquias e

bastante alargado que, por variadas formas e em dimensões capitais, se outras entidades locais na direção estratégica e na designação e acom

manteve nos 25 anos subsequentes, é também importante ressaltar que, panhamento do trabalho da direção executiva correspondia, no plano

neste período, foram várias as tentativas de forçar ou ao menos favorecer da gestão dos estabelecimentos do ensino superior, uma mudança equi
o alargamento dos atores politicamente relevantes, de modo a corrigir a
lógica por assim dizer interna (corporativa, em sentido não pejorativo)
que comandava o relacionamento privilegiado entre políticos, sindica
1 valente, que fazia brotar de órgãos colegiais respeitando múltiplas partes
reitores, presidentes e diretores, que respondiam também perante eles.
A partir de 2007, um novo órgão, o Conselho de Escolas, haveria de ex
listas e instituições do ensino superior. Muitas dessas tentativas se fize primir uma representação própria e um papel específico como parceiro
ram com o argumento de que tal alargamento dos atores a integração

da política educativa aos diretores das escoas básicas e secundárias. Um
de novos atores na definição da agenda, na implementação das políti quinto marco, enfim, específico do ensino superior, e que constituiu uma
cas e na organização e dinâmica corrente do sistema e das escolas era —
: das principais bandeiras da política conduzida por Mariano Gago, pri
condição necessária para que as prioridades, objetivos e metas da Lei meiro entre 1995 e 2002 e depois entre 2005 e 2011, foi a promoção de
de Bases fossem plenamente cumpridos, e a sua filosofia inteiramente um campo científico e tecnológico autónomo, se bem que naturalmente
respeitada. articulado, face às instituições de ensino superior.
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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
Outros atores de Bases, ou na expansão da formação contínua de docentes um outro

A descrição do quadro da agenda em que se tem enunciado e deba
— — importante produtor e disseminador de doutrina profissional e política.
tido, em Portugal, as políticas públicas de educação não ficaria COmple Julgo estar por fazer o estudo detalhado dessa contribuição, o que é uma
ta sem assinalar outras fontes importantes de doutrinação. Ressalvado o injustiça face ao seu valor, designadamente em matéria pedagógica e de
Caso do ensino superior, em que houve um verdadeiro esforço, desde a atualização científica. O modo como os professores e educadores pensa
década de 90, para construir um “espaço europeu”, de que o programa ram e moldaram a sua participação na vida e na organização das escolas é
Erasmus e o processo de Bolonha são os instrumentos mais visíveis, o en incompreensível sem a consideração do enquadramento proporcionado
quadramento da União Europeia tem sido relativamente discreto. É atra pelas suas organizações sindicais. No plano próprio, coisa semelhante se
vés das políticas de coesão com a disponibilização de financiamentos
— deveria dizer do associativismo profissional, pedagógico e científico (as
para estruturas e equipamentos e para a formação profissional mais do

várias “associações de professores de..:’), mais determinantes, creio, nos
que da cooperação intergovernamental ou das iniciativas da Comissão no anos 90.
domínio especificamente educativo, que a presença da União Europeia Entre as instâncias coordenadoras de interesses e instituições, talvez
se faz mais sentir. Já o papel da Organização de Cooperação e Desenvol seja no Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP)
vimento Económico (OCDE) tem gerado efeitos práticos, nos dois pla que se encontre o mais poderoso produtor de agenda política. Quem qui
nos interligados da formulação e do acompanhamento de políticas. Em ser aprofundar o estudo não deverá esquecer o CCISP (Conselho Coor
comparação, a relevância da UNESCO (Organização das Nações Unidas denador dos Institutos Superiores Politécnicos), a ANESPO, agrupando
para a Educação e a Ciência) e da Organização Internacional do Trabalho as escolas profissionais, a AEEP e a APESP, representando o ensino par
(OIT) é mais episódica. ticular e cooperativo; e o campo académico da formação de professores e
A partir da aprovação da Lei de Bases de 1986, o Conselho Nacional da investigação em ciências da educação. Já a Igreja Católica tem focado
de Educação (CNE) viu-se investido de uma missão clara, como lugar e a sua ação e reflexão em temas e interesses específicos, entre os quais
fator de diálogo e convergência entre as múltiplas partes interessadas nas avultam o ensino particular, a educação religiosa, ou os assuntos ditos de
políticas públicas. Em cena medida, ele pode ser visto como uma típi formação moral e pessoal, como a educação sexual ou a chamada educa
ca instância de construção, consolidação e defesa da agenda politica que ção para os valores.
a democracia portuguesa foi construindo e a Lei de Bases de 1986 ex Os partidos políticos, enfim, não são evidentemente nem blocos mono
primiu e potenciou. Em algumas áreas, o Conselho haveria de antecipar líticos nem imóveis. Para além das diferenças de natureza ideológica e
temas de desenvolvimento dessa agenda: foi, por exemplo, o que aconte prática que já atrás evocámos, importa ter em conta o modo como, em
ceu com o lançamento do Estudo Nacional de Literacia (Benavente eta!., cada conjuntura, a sua elite dirigente, na área da educação, se relacionava
1996), que foi fundamental para a recolocação na problemática política com dois momentos fundadores: o grupo inicial constituído, primeiro,
da qualificação dos recursos humanos. Mas não pode ser desvalorizado o em tomo de Veiga Simão e, quase logo depois, na Revolução; e o grupo
papel do CNE no acompanhamento de várias reformas (na educação pré- que preparou, fez vingar, regulamentou e aplicou a Lei de Bases de 1986.
-escolar, nos currículos dos ensinos básico e secundário, na estrutura do O grau de proximidade e distanciamento face ao que eu sugeri serem
ensino superior...), na institucionalização das relações entre os “parceiros as duas forças principais internas ao sistema educativo os sindicatos e

educativos” e, mais recentemente, na produção de conhecimento sobre movimentos profissionais, de um lado; as instituições de ensino superior,
o sistema e as suas dinâmicas (Conselho Nacional de Educação, 2013). do outro é outra variável que tem de ser retida por quem quiser com

O movimento sindical docente tem sido em vários momentos: já
— preender as tensões intestinas, os realinhamentos e as intersecções que
no estertor do Estado Novo, ainda sob forma para-legal, nos anos subse foram ocorrendo no campo partidário.
quentes à Revolução democrática, no período anterior e sucessivo à Lei
730 731
-ii
40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
Uma agenda para o próximo futuro: um imperativo flindamentai e E repercute, naturalmente, a jusante, no ensino pós-secundário e supe
várias questões em aberto rior, em especial na consolidação da fileira de formação de pendor mais
Julgo estarmos agora em melhores condições para pensar prospectjVa tecnológico e profissional.
mente. Não a partir de um qualquer quadro ideal e nem sequer a par
tir apenas do desenho digamos que técnico do elenco de necessidades,
resultados e questões em aberto. Mas sim tendo em conta a agenda polí
4 Embora não se deva desatender aos aspetos ligados ao equipamento e
apetrechamento das escolas e aos incentivos e apoios, junto das famílias
com menores rendimentos, para minorar os custos de oportunidade da
tica, isto é, os termos de referência para a problematização e enunciação frequência escolar pelos seus filhos, estas questões de organização pro
dos pontos críticos do sistema educativo e da intervenção em forma de priamente curricular, articulando os três níveis de educação, parecem ser
política pública sobre ele. os pontos cruciais da extensão da escolaridade.
Partindo, pois, dos atores e da agenda que foram construindo e trans Não parece poder haver qualquer espécie de recuo nesta extensão.
formando, podemos rumar agora ao futuro próximo: como evoluirá a Por tudo isto é que a autonomizarei, como imperativo fundamental, em
agenda política, como se adaptará à situação que vivemos, como definirá relação a qualquer outra finalidade; e como referência básica da atual e
os problemas e os caminhos das políticas educativas? próxima fritura agenda política da educação.
Usando a terminologia habitual da teoria económica, a resposta há-de A luz deste imperativo, compreende-se melhor as várias questões em
ser, não apenas “positiva”, mas também “normativa”: o dever ser não con aberto nas políticas educativas em Portugal. Eis o segundo tópico princi
siste apenas numa antecipação e comparação de cenários possíveis, mas pal da agenda que antecipo. Privilegiando cinco questões, que me pare
também numa escolha entre cenários, num desenvolvimento de proces cem as mais decisivas no que resta até 2020.
sos desejáveis aqueles que, considerando a identificação a que se proce

A questão da educação de segunda oportunidade, quer a dirigida espe
1
deu de interesses, objetivos, recursos e estratégias, poderão ser postos cificamente a adultos integrados no mercado de trabalho, na condicão

em prática como os mais eficientes e os mais justos. de não ativos (os domésticos, os chamados desencorajados, isto é, os que,
Em primeiro lugar, a aprovação parlamentar, por unanimidade, em não tendo emprego, suspenderam a sua procura junto dos serviços ofi
2009, da extensão da escolaridade obrigatória obrigatoriedade de fre

ciais, e outros) e até na situação de pensionistas quer a dirigida a jovens

quência até à conclusão do 12 ano de escolaridade ou até aos 18 anos de que abandonaram precocemente a escola, sem a diplomação necessária,
idade; obrigatoriedade da oferta de educação de infância pan todas as de nível secundário ou mesmo de nível básico, estejam ou não no mer
crianças de cinco anos de idade, isto é, de pelo menos um ano de edu cado de trabalho, O alargamento da escolaridade obrigatória reforça
cação pré-escolar antes da entrada no primeiro ciclo do ensino básico — logicamente a importância política desta questão por resolver no nosso
definiu o imperativo fundamental para a política pública. Nenhum outro sistema educativo, que é talvez a questão mais grave: o atraso estrutural
tem importância e força equivalente. Este imperativo de universalização do stock de qualificações de que o pais dispõe.
da frequência do ensino secundário repercute a montante: a organização O lançamento, em 2005, do programa Novas Oportunidades inscre
da educação básica, no sentido da promoção de sucesso educativo e da veu no centro das políticas públicas de educação e de formação pro

conceção do terceiro ciclo do ensino básico, não como um ciclo de con fissional este ponto. Essa inscrição representou, desde logo, um tema

clusão, para um certo número de alunos, mas sim como um segmento de confronto político, em particular entre o centro-esquerda e o centro-
de uma educação fundamental que agora se estende até, pelo menos, -direita, e viria a ser um dos tópicos da campanha para as eleições legis
uma qualificação educacional e profissional do chamado nível III. Reper lativas antecipadas de junho de 2011. O programa foi subsequentemente
cute sobre a organização do ensino secundário e a sua articulação com 1 interrompido pelo XIX Governo Constitucional (primeiro-ministro Pas
a formação profissional, de modo a assegurar a diversificação da oferta sos Coelho) e à data em que escrevo, que é maio de 2014, não foi (ainda?)
formativa indispensável à universalização bem-sucedida da frequência. , reposto um programa alternativo ou sucedâneo. A maneira como a diver
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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL. A AGENDA POLITICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
gência política que está aqui em causa a qual tem por base diferentes
— mições, escolas e áreas de formação a partir da consideração do sistema

entendimentos de quão necessária é, do que deve ser e de como deve nacional (89 mil quilómetros quadrados e 10,5 milhões de pessoas, não
fazer-se a educação de segunda oportunidade definirá um ponto esse0
— esqueçamos...) e não, como foi o caso na fase mais expansionista, a par
cial da agenda política para os próximos anos. tir apenas de impulsos locais e lógicas de desagregação e centrifugação.
Uma segunda questão é a articulação entre os subsistemas escolar e A forma mais recuada e flexível de proceder é através do incentivo à coo
de formação profissional. Está em aberto desde, pelo menos, a década de peração voluntária, instirucionalizada em consórcios e figurinos afins.
1980; e sucessivas tentativas de favorecer ou mesmo forçar a articulação Não parece, porém, que, com a dimensão que o problema já atingiu, se
não chegaram a produzir uma solução consistente e duradoura. Se bem possa avançar realmente sem ligar o reordenamento de escolas e cursos
que haja diferenças de natureza entre o que deve ser a intervenção dos à reconsideração da natureza binária do sistema. Hoje, são exceção e não
serviços tutelados pelo ministério encarregado das políticas de emprego a regra as configurações das Universidades de Aveiro e do Algarve, que
e pelo ministério encarregado das políticas de educação, a área da forma compreendem e articulam formação politécnica e universitária. Na prá
ção profissional, qualquer que seja o seu nível e qualquer que seja a sua tica, porém, várias instituições universitárias já “invadiram” e “coloniza
inserção institucional, representa um espaço de convergência e cruza ram” as formações politécnicas; e continua viva a pulsão mimética dos
mento. A valorização gradual, sobretudo desde 1989, com o lançamento politécnicos face às universidades. Uma reorganização sistémica, que não
das escolas profissionais, da fileira tecnológica e profissional no ensino perca de vista a necessidade de manter ensino superior em todas as re
secundário e pós-secundário melhorou qualitativamente a situação. Mas giões do território nacional, deveria ir além destas movimentações erráti
permanece uma hesitação de fundo sobre a organização geral da forma cas, e estruturar uma resposta global consistente, de curto e médio prazo,
ção de que o atual debate público sobre as vantagens e os inconvenien

liderada pelo Governo, embora evidentemente com o envolvimento das
tes da adoção do “modelo dual” alemão é uma expressão visível bem instituições e dos seus parceiros locais.
1

como sobre a ligação entre a rede de escolas e a rede de centros de for A autonomia das escolas (básicas e secundárias) tem sido uma das
mação em contexto de trabalho; e parecem claros os custos que suporta bandeiras da política educativa, acarinhada sobretudo pelo que atrás ca
mos por sua causa, seja em deseconomias de escala, seja em ineficiências raterizei como as forças internas ao sistema educativo: ministérios, sin
várias na afetação de recursos fisicos, financeiros e humanos. dicatos e profissões, instituições. Mas são tão diferentes os sentidos que
No ensino superior, e a meu ver, o ponto mais crítico está na inter são atribuidos à palavra que da se tomou quase inútil. Por isso, talvez seja
seção da política educativa com a política de desenvolvimento regional. mais produtivo ir mais fundo na problematização do que ela recobre.
No modo convencional de colocar o problema, trata-se do ordenamento Há pelo menos quatro dimensões que deveremos considerar. Uma
da rede pública (e, com as adaptações indispensáveis, privada), hoje dema tem a ver com a lógica de organização das escolas. Não trará qualquer
siado pulverizada. Mas, do ponto de vista da agenda política, como aqui é beneficio voltar atrás na valorização dos agrupamentos, mas deve evitar-
entendida, percebe-se melhor se o definirmos em termos de desenvolvi -se que eles sejam sobredeterminados pela redução de despesa a todo
mento regional. E que a disseminação territorial e a ancoragem social de o custo, exagerando na dimensão e na superfície abrangida. Os agrupa
universidades e, designadamente, de institutos politécnicos, foram e são mentos fazem sentido pedagógica e administrativamente, porque favo
absolutamente decisivas na sustentação de alguma energia endógena no recem, no plano organizacional, a unidade da educação básica e secun
interior do país (ou, com mais rigor, em tudo o que não cabe na faixa lito dária fundamental, percorrida com continuidade e coerência através de
sucessivos níveis e ciclos, desde o jardim-de-infância. A escala de cada
ral ente Braga e Setúbal), mesmo assim com efeitos que não conseguem k escola e da rede local de escolas é um critério imprescindível, para que o
superar a dinâmica geral de periferização e desvitalização.
A rede tem se der reordenada e racionalizada, quer dizer, reestru equipamento, apetrechamento e modernização dos estabelecimentos e
1

turada em baixa, reduzindo o número e aumentando a escala de insti dos seus recursos educativos se possa fazer. A segunda dimensão diz res
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40 ANOS DE POLITICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLITICA EDUCATIVA
peito à capacidade de cada agrupamento escolar para gerir os seus recur finição positiva. Salientar a natureza operatória e generadva do conhe
505 e, designadamente, os mais importantes de todos, o pessoal docente. cimento e o seu corolário, nada é mais importante do que adquirir as

Os modelos de recrutamento, colocação e estabilização de educadores competências e disposições para conhecer, isto é (por mais que custe aos
e professores continuarão, pois, a ser fundamentais na agenda política adversários do alegado “eduqués”), o “aprender e aprender” a matriz

a qual não deverá, sob pena de retrocesso significativo, voltar a deiyá da educação geral, ao mesmo tempo de fone componente científica, hu
-los apenas ao jogo negocial entre governos e sindicatos. Depois, a gestão manística e cívica, a necessidade das formações ao longo da vida, para
do cunículo, em sentido amplo: a autonomia liga-se aqui à identidade responder à inevitável obsolescência dos saberes especializados: salientar
de cada escola à sua visão e projeto, e ao planeamento, acompanha.

mento e monitorização do seu trabalho e resultados. Sem pôr em causa
It estes e outros pontos análogos é um bom início de resposta. Mas que não
chega para a enunciação política da empregabilidade ou, melhor, das

o currículo nacional, não creio que o caminho possa ser outro que não relações entre educação, cidadania e economia como tópico de política

conferir um ampla margem a cada escola e rede de escolas na aplicação pública.
do currículo, na sua adaptação às caraterísticas das comunidades servi
das, incorporando-o em estratégias educativas atentas ao conjunto e à Uma agenda para o próximo futuro: restrições e ruturas
I
diversidade dos alunos. O que, por sua vez, conduz à última dimensão, Uma agenda não se resume, claro está, ao elenco de finalidades e proble
respeitante à ancoragem social e territorial. Ao contrário do que creem mas. Se o horizonte de reflexão for, digamos, o segundo quinquénio da
os paladinos da autonomia como autogestão de professores, a autonomia nossa década como vamos chegar às metas que traçámos, no concerto

combina-se com a plena inserção comunitária e, por isso, o trabalho com europeu, para 2020? então não poderemos ignorar uma determinação

as autarquias, as famílias e outras entidades relevantes é uma condição pesada desse próximo futuro: o aperto financeiro e orçamental, a impos
não só vantajosa como necessária dessa mesma autonomia. sibilidade de retomar em força (na força necessária) as dinâmicas de in
É sempre muito difícil abordar, no quadro dos debates sobre polí vestimento infraestmtural, tecnológico e em recursos profissionais (pro
tica educativa, a relação entre os conhecimentos e os títulos escolares e fessores e outros técnicos) na educação, sobretudo básica e secundária.
as procuras deles que se geram no mercado de trabalho. E tão forte a Há dois planos em que as restrições atuais e, previsivelmente, de todo
ideia simplista profundamente errada de que este mercado é capaz este resto de década se repercutem com especial acuidade, O primei
I
— —
de produzir “necessidades” claras e duradouras, que seria função prima ro é a míngua orçamental do Ministério da Educação, das autarquias e
cial das escolas satisfazer, que ela desperta a reação simétrica, igualmente das escolas. Ela coloca limites muito estreitos a evoluções mais favorá
esquemática, da denegação de qualquer pertinência daquela relação no veis no que diz respeito às dimensões das turmas, às ofertas curriculares,
interior do sistema educativo e no percurso de aprendizagem escolar dos aos recursos educativos, à renovação do pessoal docente e não docente.
seus utentes, mutas vezes se excomungando, entre os pedagogos, a pró O segundo plano é o da ação social: as medidas e programas de apoio e
pria palavra “empregabilidade”. incentivo aos estudantes e famílias mais carenciadas, de modo a promo
Não obstante, uma segunda leitura, menos emocional, penuite rapi ver o acesso e o sucesso educativo do maior número possível e combater
damente aperceber o sentido (e também o alcance, isto é, o limite) da os efeitos das desigualdades sociais. A consciência da restrição é que me
interação dos sistemas educativo e de emprego. Ela é também muito im levou, aliás, a retirar este plano da lista anterior de questões em aberto
portante do ponto de vista da legitimação social das escolas, junto das para a próxima agenda. Se bem que alguma coisa possa e deva ser melho
famílias e das comunidades, e da motivação dos estudantes, pelo menos rada, não vejo, com a informação de que disponho, capacidade financeira
no ensino profissional e superior. Continua a ser uma questão por resol para proceder a um salto qualitativo (ou até regressar às dinâmicas de
ver da agenda pública, e não apenas em Portugal. Entre as cinco que aqui desenvolvimento dos anos anteriores à crise de 2010-2011) nesta área.
listei, é talvez aquela que exige maior esforço intelectual para a sua rede- Ora, dada a punção sobre os rendimentos pessoais que a crise e a reação
a
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É
40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLÍTICA EDUCATIVA
“austeritária” provocaram, com consequências óbvias na capacidade de sistema de colocação anual de docentes, a sua “carreira única” e as con
as famílias cobrirem os custos diretos e de oportunidade da frequênj dições de progressão nela, ou o papel concedido às famílias, autarquias e
escolar, bem devia ser esta uma área prioritária. direções de estabelecimentos.
O meu ponto é, todavia, outro. Se considerarmos os efeitos devasta Ainda assim, a situação presente parece ser qualitativamente diversa.
dores que podem ter sobre a possibilidade de construção de uma agenda Nunca até hoje foi tão clara a possibilidade de se desenhar uma fratura
educativa capaz de reunir o consenso social e político indispensável à sua [ ftindamental, tendo a ver com a estrutura básica da política e da intenen
realização, os riscos de rutura que se perfilam perante nós parecem-me ção educativa. Enunciada a partir do ponto de vista do consenso pós-Lei
ainda mais críticos do que as restrições financeiras e orçamentais. de Bases, ela pode ser enunciada em três pontos cumulativos essenciais.
Não estou a dramatizar levianamente. A normal e salutar lógica do O primeiro é a deliberada e enérgica (brutal?) desqualificação da
confronto entre visões do mundo e entre políticas tem levado, em Por r pedagogia. No ceme da popular discussão sobre (contra) o chamado
tugal, à expressão antagónica de pelo menos duas conceções dos prin “eduquês” não está a simples revolta face às terminologias e os mundos
cípios, finalidades e meios próprios das políticas educativas. Durante o fechados e incompreensíveis das corporações auto/tecnocráhcas (que
período mais florescente do quadro legal e sistémico consagrado pela Lei : havia sido a motivação inicial do ministro Marçal Grilo, quando cunhou
de Bases de 1986, a conceção alternativa, que divergia do consenso, era a expressão, tratando-a por analogia aos também populares “economês”
relativamente minoritária, quer no interior do sistema educativo quer e “bruxelês”). Quer na controvérsia dos últimos anos 90 (que já analisei
na opinião pública. Depois, com as grandes polémicas dos últimos anos em Silva, 2006: 81-101), quer no imparável crescendo da corrente crítica,
1990 (designadamente, sobre os modelos pedagógicos das escolas de desde a publicação do best-seller de Nuno Crato (2006) e o seu eco não só,
formação de professores e a propósito dos rankings de escolas por clas como era habitual, nos jornais e nas ruas, mas nas escolas e salas de pro
sificações obtidas em exames), aquela conceção foi ganhando pontos na fessores, o que está em causa é a desqualificação da pedagogia e a dene
opinião pública. Na segunda metade dos anos 2000, muitos professores gação das ciências da educação, que teriam alegadamente construído um
encontraram nela uma racionalização conveniente para o que sentiam império teórico e formativo, sob o qual jazeria esmagada a ciência e o
como uma forte desclassificação social e uma desautorização crescente saber.
face aos olhos de alunos, famílias e autoridades educativas. A chegada, O segundo ponto é a valorização, mais ou menos direta, da seleção
em 2011, ao Ministério da Educação de Nuno Crato, que havia sido um escolar precoce (ou, nos termos dos antigos dissidentes, a valorização
dos mais influentes e populares apóstolos da necessidade de recuperar da exigência escolar e do esforço e mérito pessoal). Os dois mecanismos
os “antigos” valores da disciplina, da autoridade, da primazia do conheci essenciais de seleção estão interligados: a introdução de exames escritos
mento científico, abandonando o discurso pedagógico dito “romântico”, nacionais, mais ou menos eliminatórios, mas pelo menos classificatórios,
“construtivista” ou “rousseauniano” e consagrando os exames escritos isto é, que vão colocando cada um/a no “seu lugar”; e a separação, mais ou
como a prova escolar por excelência, mudou qualitativamente os termos menos precoce, mais ou menos induzida, mais ou menos estanque, dos
do debate, trazendo ambas as conceções que se contrapõem para o inte alunos por vias e percursos escolares diferenciados. E variável o dosea
rior do sistema educativo e do seu centro político. mento dos dois mecanismos: no mês de maio de 2014 em que escrevo,
Não foi a primeira vez que, desde 1986, o fone consenso político, so a posição oficial das autoridades educativas é a generalização de exames
cial e profissional que havia conduzido à Lei de Bases e se havia desenvol nacionais escritos, com resultados potencialmente eliminatórios, desde o
vido a partir dela, foi desafiado. Como atrás foi referido, já em 2002-2004 42
ano de escolaridade; e a consagração de cursos diferenciados, já como
ocorrera uma tentativa, então não consumada, de construir uma nova primeira opção (para aqueles cujos resultados anteriores e/ou expecta
Lei. A agenda educativa dominante entre 1986 e 2002 foi também, como tivas sociais supostamente encaminhariam para esta via; e não apenas
vimos, alterada, entre 2005 e 2011, em áreas tão importantes quanto o como recursos de última instância para a recuperação de abandonos pre
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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL A AGENDA POLÍTICA DA POLÍTrCA EDUCATIVA
COCeS OU a remediação de percursos falhados), a partir do 6 ano. Mas am
bos os meCanismos atuam na lógica e no sentido de fazer da medição de
desempenhos relativos e da Canalização para diferentes Carris em função
dessa medição, no próprio interior da educação básica, o alfa e o ómega
da política pública.

1: ficações dos ativos; outra rompe com esse consenso e traz para a frente
de cena o que poderia ser designado, nos seus termos, como as questões-
-chave da qualidade, da exigência e da competitividade. Mas as coisas
nunca são assim tão simples. Como vimos, a primeira agenda foi objeto
de críticas, adaptações e desenvolvfrnentos em sentidos contrários, con
soante os interesses e os poderes das forças sociais que a foram (re)pro
O terceiro ponto, consonante com o anterior, é a radical reforn-iulação
da conceção do serviço público de educação e do modelo de financia duzindo. Pode, por outro lado, acontecer, como já sucedeu no passado,
mento público do acesso aos bens educativos, no contexto da defesa do que o antagonismo ente agendas venha a desembocar, não num jogo
que comummente se designa por “cheque-ensino”. De facto, se se pensa de tudo ou nada, mas sim em processos complexos de ajustamento recí
as desigualdades escolares como desigualdades de mérito e esforço pes proco. Ou talvez a lógica de cristalização e entrincheiramento, numa
delas, tenha como efeito fortalecer e legitimar a posição contrária.
soal e se entende que elas são visíveis, e legítimas, desde a infância, não
Em qualquer caso última nota que pode ser deixada no plano ana
se vê porque não se há de deixar jogar, em todo o sistema, o jogo da com

lítico deste ensaio nenhuma agenda política existe sem condições de
petição entre alunos, entre famílias e entre escolas, garantindo a todos,

discurso: ela é o que ela diz; sem condições de mobilização: agenda im
independentemente de origem e condição, o mesmo volume de recursos
plica ação e ação requer atores; e sem condições de remuneração: algum
públicos. Assim, o Estado cumpriria o seu único papel imprescindível
i
objetivo há de ser colhido e algum beneficio correlativamente alcançado.
que era garantir a existência de uma oferta acessível em todo o território,
Ora, para haver condições de remuneração (no sentido mais amplo,
regulando depois minimamente o sistema, a montante através do curti gratificação que motive extrínseca e intrinsecamente), é preciso que a
culo nacional e a jusante através das consequências dos resultados dos agenda política da política educativa regresse ao centro da agenda política
exames para efeitos de seriações, prémios, castigos e reparações. O mer toutcourt. A crise que nos aflige desde 2008 fé-la desaparecer como pon
cado encarregar-se-ia “naturalmente” da regulação principal. to crítico desta agenda global, tornando-a, como a saúde, numa espécie
de consequência, no caso das restrições orçamentais. Desta perspetiva,
Uma agenda para o próximo futuro: condições de mobilização o crescendo da agenda alternativa ao consenso democrático, a agenda do
Quero, aqui, situar uma agenda política para a política educativa dos pró ensino, dos exames, dos cursos vocacionais, do cheque-ensino, tem o mé
ximos anos, e não embrenhar-me direta e aprofundadamente no seu de rito de ir para além das restrições orçamentais, porque o seu programa é,
bate. Embora seja nítido, pela própria perspetiva de análise que escolhi de cabo a raso e sem nenhuma intenção pejorativa, ideológico: é mesmo
—a partir do consenso que se foi formando na democracia portuguesa e outra visão do mundo e outra ambição para a política. Neste tópico espe
foi enfaticamente expresso e expandido pela Lei de Bases de 1986— qual cífico, parece que a bola está mais do lado dos seus antagonistas, que têm
é o ponto de vista normativo a que me vinculo (é a componente do “dever de trazer a agenda educativa mais para o centro da sua reflexão e ação
ser’ das formações e opções doutrinárias inescapáveis, felizmente, em política.
todos os estudos prospetivos de políticas públicas que se levem a sério), As condições de mobilização são hoje bem mais fracas do que em con
posso parar neste limiar em que se toma totalmente claro quão determi junturas anteriores. Sem curar de escrutinar as causas, assentemos ape
nante é a ideologia (palavra positiva) na definição das agendas políticas. nas na constatação. A desclassificação social dos professores, de um lado,
É precisa prudência na antecipação de desenvolvimentos futuros e os efeitos da retração do mercado de trabalho e de outros canais de
À primeira vista, sobressai a existência de mais do que uma agenda e o mobilidade sobre as procuras de educação, são talvez os dois aspetos mais
antagonismo estrutural entre agendas. Simplificando, uma vem da Lci graves desta desmobilização. A remobilização social em torno da educa
de Bases de 1986, e define como questões principais o cumprimento e a ção, no que resta desta década, não é tarefa fácil, dadas as condições obje
extensão da escolaridade obrigatória e a recuperação do défice de quali tivas que vivemos e viveremos. Mas a agenda depende crucialmente dela.
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40 ANOS DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM PORTUGAL
Finalmente, a agenda é também da ordem do discurso. O quadro que
ela desenha não é diretamente o que nós pensamos e dizemos, mas é o
conjunto das categorias e das relações entre categorias em que nós pen
samos e dizemos. Aí, não é difícil identificar os travões ftmdamentais à
centralidade da agenda educativa como capacidade e horizonte de ação:
é o discurso do excesso de qualificações (quer absoluto, “temos doutores
a mais”, quer relativo, “não há saídas profissionais para tão grande nú
mero de formados”), da desvalorização do atraso de qualificações (cor
relativo da mais geral ideologia que despreza as necessidades próprias
dos mais velhos) e, sobretudo, o discurso da impotência da política pú REFERÊNCIAS
blica (ao fim e ao cabo, a educação seria uma opção ou destino pessoal).
Não direi nenhuma novidade se escrever que a consciência coletiva, cí Políticas Públicas e Saberes Científicos um diálogo imprescindível

vica, cultural e económica, da qualificação como recurso-chave de uma AZEvEDO, José Maria (1995), Os nós da rede. Contributo para a enunciação dopro
sociedade e uma economia do conhecimento é a trave-mestra de uma blema das escolas primárias em meio rural, Dissertação para a obtenção do grau
agenda política positiva para a educação, qualquer que seja a forma con de mestre em Ciências da Educação, Porto, FPCE-UPP, mimeo.
creta, em termos de políticas, que ela assuma. Mas, muitas vezes, o que BENAvENTE, Ana (1990), “Insucesso escolar no contexto português — aborda
necessitamos de fazer é repetir o que sabemos, ou deveríamos saber, ou, gens, concepções e políticas”, Análise Social, Vol. 2OCV (108-109), 1990 (4Y e
5.2), 715-733.
sabendo, não deveríamos calar.
CAPUCHA, Luís (2013), “Em defesa da Iniciativa Novas Oportunidades: a quali
ficação de adultos é uma prioridade”, Aprender, Portalegre, Escola Superior
de Educação.
CARNEIRO, Roberto (1999), ‘A Changing Canon of Govemment: From Custody
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Melissa Marmelo, Sofia Reis, Jorge Cerol e Carlos Rondão Caderno Tem ático

N°6— Auto-Avaliação.
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