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mente, poucos estabelecimentos de ensino se inspiram ainda nessas
ideologias. Abandonámos as intenções autogest ioná das e abraçdmos
uma visão mais cooperativa e mais pedagógica da educaçüo. o pensa- Bertrand, ‘1., Valois, 1’. (1994). Paradigmas educacionais Escola e
—
itiento dito tradicional conheceu um rejuvenescimento e monopolizou Sociedades. Lisboa: Instituto Piaget.
muitas energias. A ;zoção de excelência foi o tema monopolizador dos
últimos anos. E,flnalmente, no espaço contracultural, as reflexões que
persistem nas dimensões espirituais e ecológicas, descritas na época
por paradigma simbiosinérgico, inscrevem-se doravante no espírito do
tempo. Agora podemos ser espiritualistas e ecologistas ao mesmo
tempo, sem cair no mais completo anonimato.
Claro que o vocabulário mudou. Expressões que eram novas cm
1974, tais como paradigma e sinergia, são agora correntes. Já não é CAPITTJLO 1
necessá rio defender a sua pertinência. Podemos encontrá-las até no
Dictionnaire actuei de l’éducation de Legendre (1989).
A nossa obra, Escola e Sociedades, analisa estas modicações nas
relações entre a escola e a sociedade. Proponios uma nova visão das
.il. DIALECTICA
teorias e das escolhas a fazer em educação. Abordamos prioritaria-
A T A E — .1.
mente a questão da dialéctica social. Insistimos ainda na necessidade
urgente de utilizarmos uma abordagem mais social, mais ecológica e
E 4 OR..G.14PsJIZ.14Ç.AO EDLJC.ATIV4
mais espiritual da educação.
Agradecemos a todos aqueles que nos incentivaram a continuar
as nossas reflexões. O nosso reconhecimento dirige-se em particular a
Iannick Béliveau, Geneviève Boivin, Eugêne Busque Jr., Jean Houssaye,
Claude Marin, Arthur Marsolais, Hélène Martin, Via nney Matte,
Jean-Louis Paré, Richard Prégent, Louise Régnier e Norman Ryan.
Agradecemos também aos alunos, entre os quais Sophie e Louis-Clwrles,
aos pais, aos professores, a todo o pessoal de apoio e aos directores da
“Ecole Ressources”.
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1.1. ESCOLA E SOCIEDADE
As relações entre a escola e os diferentes tipos de sociedade
são o ceme da nossa reflexão sobre a educação. Interrogamo
-nos, efectivamente, sobre a natureza dos laços que unem as
diferentes esferas da sociedade às organizações cuja finalidade é
educar os membros da sociedade. Interrogamo-nos ainda sobre
os elos que ligam a escola aos diversos tipos de sociedade que
não a industrial. As reflexões contidas nesta obra baseiam-se
nesta problemática fundamental. Mais precisamente, interes
sarno-nos pela natureza das escolhas que fazemos no controlo
das organizações educativas. Preocupam-nos diversas questões:
Será que temos a possibilidade de fornecer a nós próprios as
estruturas educativas que nos interessam? Quais são as opções
possíveis? Como é que somos condicionados nas nossas esco
lhas? Qual é a natureza das ligações entre as organizações edu
cativas e as estruturas sociais? Quais são as consequências
societais das nossas opções educativas? Quais são as orienta
ções educativas e sociais mais indicadas?
As nossas respostas a estas questões baseiam-se, como é evi
dente, num esquema de análise. Este é, em grande parte, sus
tentado por uma noção de paradigma e pela estratégia de análi
se sistémica que valoriza as relações dialécticas entre a
sociedade e as suas organizações educativas. E este esquema de
análise que explicamos nestes dois primeiros capítulos.
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1.2. A ANÁLISE SISTÉMICA menêuticos são bastante interessantes, mas, na nossa opinião,
insistem demasiado na dimensão subjectiva da realidade social.
Os investigadores em ciências humanas dispõem, segundo A nossa análise sistémica da dialéctica entre a sociedade e a
os analistas (Buddey, 1968; Harris, 1980; Giddens, 1984, Ulin, organização educativa baseia-se nos trabalhos de Bertalanffy
1964; Marcus e Fischer, 1986; Clifford, 1988; Morgan, 1989; Ber (1962, 1968, 1976), de Touraine (1972, 1973), de De Rosnay,
frand, 1991a), de vários modelos para estudar os sistemas socio (1975), de Kuhn (1962/1970, 1972), de Gutting (1980), de Dupuy
culturais. Buddey (1968) distingue cinco famílias de modelos (1982), de Varela (1984), de Barel (1989a) e em algumas investi
analíticos em sociologia: mecânico, orgânico, processual, hmcio gações que efectuámos sobre as organizações (Bertrand e Guil
nalista e sistémico. Ele próprio se inscreve na quinta família. lemet, 1989; Bertrand, 1991a). Com efeito, o nosso ponto de
Harris (1980) insiste nas fragilidades do pensamento humanista vista depende amplamente da teoria geral dos sistemas que deu
e demonstra a necessidade de urna visão materialista. Giddens origem a diversas formas de abordar a realidade.
(1984) fazuma excelente análise comparativa de alguns destes Finalmente, inspiramo-nos em três tipos de abordagens sisté
modelos, trata da questão das relações entre o funcionalismo e o micas que integrámos na nossa análise das relações entre a edu
marxismo e insiste na transformação linguística das ciências cação e a sociedade: a) a abordagem centrada na autonomia dos
sociais. Ceertz (1976), tal como Marcus e Cifford (1986) defen sistemas (Barel, 1989a; Varela, 1984; Dupuy, 1982; Morin, 1977);
dem o interaccionismo simbólico, situando-se numa tradição b) a abordagem centrada nas actividades do sistema (Mélèze,
fenomenológica. 1972) que salienta o processo entrada, tratamento e saída, assim
A nossa metodologia depende da análise sistémica e eviden como os subsistemas responsáveis por estas actividades; c) a
cia a dialéctica dos sistemas. Compartilhamos, de certa forma, abordagem centrada na globalidade do sistema (De Rosnay,
com Buckley (1986) a sua crítica dos modelos mecânico e orgâ 1975) que constitui uma forma de análise de tipo macroscópico,
nico, sobretudo pela sua incapacidade de explicar as modifica reveladora das consequências das acções empreendidas pelos
ções morfogénicas de uma organização, ou seja, a passagem de actores de um sistema.
um tipo de organização a outro. Uma organização possui carac
terísticas que podem ocasionar modificações morfogénicas e
possui o poder de se automodificar, como o explicaram muito 1.3. A ORGANIZAÇÃO EDUCATIVA:
bem Morin (1977), Barel (1989a e 1989b), Dupuy (1982), Dumou UM SISTEMA
chel e Dupuy (1963), e Varela (1989) nas suas obras a este respei
to. Podemos verificar que ela define orientações para si própria, 1.3.1. UMA PERSPECTIVA SISTÉMICA
que escolhe e se apetrecha de formas de organização e de
mudança. Concebemos as organizações como sistemas (Kast e Rosens
Um modelo estritamente mecânico ou homeostático revela- weig, 1985; Bertrand e Guillemet, 1989; Morgan, 1989). Elas pos
-se, pois, insuficiente para o bom entendimento da dinâmica suem uma certa autonomia, mas são também os componentes
social e cultural de uma sociedade capaz de se distanciar dela de um todo muito mais vasto chamado sociedade. Eis a razão
mesma para questionar o seu próprio funcionamento. Um pela qual concebemos as organizações educativas como conjun
modelo homeostático não pode avaliar a capacidade da socie tos de elementos estruturados que visam certos fins determina
dade para criar as suas próprias regras de jogo ou para reflectir dos pela sociedade, apoiados em estratégias e tácticas.
sobre o seu comportamento. A sociedade não pode ser reduzida A organização educativa é determinada pelas odentações da
à sua dimensão adaptativa. Os modelos interpretativos ou her sociedade em que se insere, assim como as suas normas, leis e
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regras. A finalidade última da organização educativa consiste Vejamos em pormenor cada uma das características mencio
em concretizar estas orientações na realidade quotidiana e tra nadas.
duzi-las em práticas. No entanto, as relações entre a sociedade e
a educação têm um duplo sentido. Na verdade, a organização UMA ORCANIZAÇÃO FNAUZADA
educativa pode, como qualquer outra organização sodal, contri Os fins são a razão de ser de uma organização. Determinam
buir para a modificação das orientações da sociedade. Ela pos a sua coerência e são a razão pela qual a organização pode ser
sui, então, uma certa autonomia e pode intervir nas suas pró considerada como um todo. Podemos definir o fim como a ten
prias orientações, fixadas pela sociedade, quer aceitando-as, dência a adoptar uma organização em função de um determina
adaptando-as ou contestando-as. do estado que ela julgue desejável. Qualquer organização pos
sui uma directriz que rege as suas estruturas e a energia dos
1.3.2. AS CARACTERÍSTICAS SISTÉMICAS seus membros. O fim pode ser considerado numa perspectiva
DA ORGANIZAÇÃO EDUCATIVA dupla. Por um lado, caracteriza a «tendência para» um certo
As análises sistémicas clarificaram bem as diferentes proprie estado e, por outro, evidencia a «directividade» do estado final,
dades dos sistemas. Na nossa obra, concluímos que toda a organi o que significa que este estado final tem algumas exigências e
zação educativa possui as seguintes características fundamentais: ordena, de certa forma, a evolução da organização. É isto que se
depreende das reflexões de Bertalanffy (1968), a saber que «os
1) Visa certos fins e objectivos que lhe são indicados pelo aconteciméntos podem, com efeito, ser considerados e descritos
meio social; como sendo determinados, não só pelas condições actuais, mas
2) Consiste num conjunto de actividades ou processos que se também pelo estado final a alcançar».
desenvolvem no tempo e que concretizam a mudança Parece evidente, no exemplo dos estudantes inscritos numa
organizacional; Faculdade de Engenharia, que embora seja o resultado de inte
resses individuais, o facto de se seguir um determinado progra
3) Possui uma estrutura e actores;
4) Exerce as suas funções num ambiente ou meio. ma de estudos não é dissociável das realidades sociais que
impõem à sociedade a necessidade de engenheiros. Este exem
Por exemplo: plo demonstra que a organização educativa é um sistema socio
cultural, cuja finalidade se constrói numa dialéctica. Efectiva
— Uma Faculdade solicita a Estrutura mente, os sistemas socioculturais têm, entre outras, como
— professores orientados por Actores característica principal o facto de serem abertos, ou seja, de
peritos em tecnologia educativa visar objectivos sociais e culturais que lhes são, em geral, pres
— que elaborem uma actividade educativa Processo critos por um outro sistema. Esta dialéctica manifesta-se ao
(um curso de matemática) e o leccionem nível das regras de funcionamento, assim como ao nível da
— a fim de permitir que os estudantes Finalidade estruturação. A organização educativa rege-se por um conjunto
se tomem engenheiros. de leis e de regras. É composta por organismos administrativos
— O curso foi avaliado como inadequado Meio e estabelecimentos de ensino, por serviços e por funções de
pela Ordem dos Engenheiros natureza muito diversa, por pessoal efectivo, professores e esbi
pelas entidades empregadoras, dantes de todas as idades que desempenham tarefas muito
— os professores analisam-no, discutem-no e Mudança diversas. Estas leis e regras, assim como a natureza dos organis
decidem modificá-lo. mos administrativos são aprovados ou impostos por institui-
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ções exteriores, ou seja, por uma assembleia nacional ou por um modificações, de cessação ou de continuação das actividades. A
conselho de ministros, por exemplo. Estas leis e regras marcam retro-informação é, pois, causal, como sugere o nosso exemplo
as preferências de uma elite social, económica e política (ou reli dos professores que, ao julgarem inadequados os efeitos do
giosa, em certos casos) ou transmitem as de uma classe social curso, decidiram modificá-lo. Bertalanffy (1968) definiu a retro
que detém as rédeas do poder. Em resumo, para compreender acção da seguinte forma: «A manutenção homeostática de um
bem a natureza dos objectivos da organização educativa é estado característico da busca de um fim, baseado em cadeias
necessário analisar a dialéctica entre esta organização e o seu causais circulares e em mecanismos que devolvem informação
meio. Não basta confiar nas percepções e declarações dos inter- sobre os desvios em relação ao estado a manter ou ao fim a
locutores da organização educativa, pois é conveniente determi alcançar.»
nar «qualquer vontade exterior», a saber as forças que ditam as Os mecanismos de retroacção constituem a base do compor
verdadeiras finalidades da organização educativa. Um fim ou tamento finalizado dos sistemas ou subsistemas socioculhirais
uma função são considerados declarados, quando estão explíci como a organização educativa. No entanto, é necessário fazer
tos no discurso escrito ou verbal do definidor da organização uma distinção entre a retro-informação directa e a retro-infor
educativa. Um fim ou função é considerado real, quando os mação indirecta. A primeira, apoiada nos resultados, indica que
efeitos da acção da organização educativa não correspondem ou a acção atingiu o seu objectivo, ou seja alcançou um efeito no
não podem corresponder à finalidade ou função declaradas. decurso de um período de tempo específico. A retro-informação
Pode existir, em determinadas situações, uma semelhança e até indirecta assenta nas consequências dos resultados, e é isto que
mesmo uma identidade entre os fins declarados e os fins reais. nos interessa em particular. Quando um estudante segue um
No que se refere à organização educativa, os fins e as funções, curso para ser engenheiro e participa mais tarde na construção
mesmo reais, são, em geral, fixados por uma vontade exterior. de uma ponte que contribui para encorajar a utilização do auto
Num sistema finalizado como a organização educativa, o móvel, instrumento de poluição e de destruição de recursos
controlo e a regulação das transformações podem ser de nature raros e irrenováveis como o petróleo, estas consequências cons
za homeostática, mas a manutenção dos fins no leque dos valo tituem o fim real do curso e da organização educativa. Embora
res considerados aceitáveis por um sistema exterior (nível das estas consequências não sejam declaradas como fins, elas nâo
despesas, transmissão de determinados conhecimentos, valores deixam de ser menos reais.
ou atitudes) é globalmente determinado por normas oriundas
do exterior do sistema. Segue-se então que a gestão dos siste UMA ORGANIZAÇÃO QUE COMPREENDE ACTORES
mas finalizados visa, geralmente, num curto período de tempo, E PROCESSOS
a homeostasia com uma grande economia de meios. A longo A noção de processo ou de transformação é essencial na
prazo, a gestão tende a realizar modificações importantes à abordagem sistémica. Com efeito, os fluxos atravessam um sis
escala da organização e dos fins que pretende alcançar (Gersick, tema e aí sofrem transformações. Uma empresa, por exemplo,
1991). considera uma lista de compras uma encomenda, um estabele
Coloquemos agora a seguinte questão: Como é que um acon cimento de ensino pede urna dissertação e este pedido é trans
tecimento posterior, o estado final enquanto fim, pode ser cau formado num trabalho escrito pelos alunos. Mélêse (1972) afir
sal para um acontecimento anterior? A isto respondemos que as ma que há duas grandes categorias de sistemas, consoante os
organizações, enquanto sistemas, possuem mecanismos que fluxos transportem matéria e energia ou informação. Ora, uma
lhes devolvem a informação sobre os efeitos da sua acção. Esta organização educativa é um sistema que se ocupa destes dois
informação, que retorna ao sistema, pode ser uma fonte de elementos, mas principalmente da informação com o auxilio de
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estratégias pedagógicas que designamos por paradigma educa
cional.
No exemplo atrás referido, os agentes da organização educa
tiva, ou seja, os professores assistidos por peritos em tecnologia
educativa, tratam as informações no âmbito de uma estratégia
educativa precisa. Escolheram como estratégia educativa o
paradigma tecnológico da educação (descrito no capítulo 3). A
forma como tratam a informação com o auxílio de uma estraté