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durante as décadas de 60 e 70, perderam a sua força inicial.

Actual
mente, poucos estabelecimentos de ensino se inspiram ainda nessas
ideologias. Abandonámos as intenções autogest ioná das e abraçdmos
uma visão mais cooperativa e mais pedagógica da educaçüo. o pensa- Bertrand, ‘1., Valois, 1’. (1994). Paradigmas educacionais Escola e

itiento dito tradicional conheceu um rejuvenescimento e monopolizou Sociedades. Lisboa: Instituto Piaget.
muitas energias. A ;zoção de excelência foi o tema monopolizador dos
últimos anos. E,flnalmente, no espaço contracultural, as reflexões que
persistem nas dimensões espirituais e ecológicas, descritas na época
por paradigma simbiosinérgico, inscrevem-se doravante no espírito do
tempo. Agora podemos ser espiritualistas e ecologistas ao mesmo
tempo, sem cair no mais completo anonimato.
Claro que o vocabulário mudou. Expressões que eram novas cm
1974, tais como paradigma e sinergia, são agora correntes. Já não é CAPITTJLO 1
necessá rio defender a sua pertinência. Podemos encontrá-las até no
Dictionnaire actuei de l’éducation de Legendre (1989).
A nossa obra, Escola e Sociedades, analisa estas modicações nas
relações entre a escola e a sociedade. Proponios uma nova visão das
.il. DIALECTICA
teorias e das escolhas a fazer em educação. Abordamos prioritaria-
A T A E — .1.
mente a questão da dialéctica social. Insistimos ainda na necessidade
urgente de utilizarmos uma abordagem mais social, mais ecológica e
E 4 OR..G.14PsJIZ.14Ç.AO EDLJC.ATIV4
mais espiritual da educação.
Agradecemos a todos aqueles que nos incentivaram a continuar
as nossas reflexões. O nosso reconhecimento dirige-se em particular a
Iannick Béliveau, Geneviève Boivin, Eugêne Busque Jr., Jean Houssaye,
Claude Marin, Arthur Marsolais, Hélène Martin, Via nney Matte,
Jean-Louis Paré, Richard Prégent, Louise Régnier e Norman Ryan.
Agradecemos também aos alunos, entre os quais Sophie e Louis-Clwrles,
aos pais, aos professores, a todo o pessoal de apoio e aos directores da
“Ecole Ressources”.
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1.1. ESCOLA E SOCIEDADE
As relações entre a escola e os diferentes tipos de sociedade
são o ceme da nossa reflexão sobre a educação. Interrogamo
-nos, efectivamente, sobre a natureza dos laços que unem as
diferentes esferas da sociedade às organizações cuja finalidade é
educar os membros da sociedade. Interrogamo-nos ainda sobre
os elos que ligam a escola aos diversos tipos de sociedade que
não a industrial. As reflexões contidas nesta obra baseiam-se
nesta problemática fundamental. Mais precisamente, interes
sarno-nos pela natureza das escolhas que fazemos no controlo
das organizações educativas. Preocupam-nos diversas questões:
Será que temos a possibilidade de fornecer a nós próprios as
estruturas educativas que nos interessam? Quais são as opções
possíveis? Como é que somos condicionados nas nossas esco
lhas? Qual é a natureza das ligações entre as organizações edu
cativas e as estruturas sociais? Quais são as consequências
societais das nossas opções educativas? Quais são as orienta
ções educativas e sociais mais indicadas?
As nossas respostas a estas questões baseiam-se, como é evi
dente, num esquema de análise. Este é, em grande parte, sus
tentado por uma noção de paradigma e pela estratégia de análi
se sistémica que valoriza as relações dialécticas entre a
sociedade e as suas organizações educativas. E este esquema de
análise que explicamos nestes dois primeiros capítulos.
11
1.2. A ANÁLISE SISTÉMICA menêuticos são bastante interessantes, mas, na nossa opinião,
insistem demasiado na dimensão subjectiva da realidade social.
Os investigadores em ciências humanas dispõem, segundo A nossa análise sistémica da dialéctica entre a sociedade e a
os analistas (Buddey, 1968; Harris, 1980; Giddens, 1984, Ulin, organização educativa baseia-se nos trabalhos de Bertalanffy
1964; Marcus e Fischer, 1986; Clifford, 1988; Morgan, 1989; Ber (1962, 1968, 1976), de Touraine (1972, 1973), de De Rosnay,
frand, 1991a), de vários modelos para estudar os sistemas socio (1975), de Kuhn (1962/1970, 1972), de Gutting (1980), de Dupuy
culturais. Buddey (1968) distingue cinco famílias de modelos (1982), de Varela (1984), de Barel (1989a) e em algumas investi
analíticos em sociologia: mecânico, orgânico, processual, hmcio gações que efectuámos sobre as organizações (Bertrand e Guil
nalista e sistémico. Ele próprio se inscreve na quinta família. lemet, 1989; Bertrand, 1991a). Com efeito, o nosso ponto de
Harris (1980) insiste nas fragilidades do pensamento humanista vista depende amplamente da teoria geral dos sistemas que deu
e demonstra a necessidade de urna visão materialista. Giddens origem a diversas formas de abordar a realidade.
(1984) fazuma excelente análise comparativa de alguns destes Finalmente, inspiramo-nos em três tipos de abordagens sisté
modelos, trata da questão das relações entre o funcionalismo e o micas que integrámos na nossa análise das relações entre a edu
marxismo e insiste na transformação linguística das ciências cação e a sociedade: a) a abordagem centrada na autonomia dos
sociais. Ceertz (1976), tal como Marcus e Cifford (1986) defen sistemas (Barel, 1989a; Varela, 1984; Dupuy, 1982; Morin, 1977);
dem o interaccionismo simbólico, situando-se numa tradição b) a abordagem centrada nas actividades do sistema (Mélèze,
fenomenológica. 1972) que salienta o processo entrada, tratamento e saída, assim
A nossa metodologia depende da análise sistémica e eviden como os subsistemas responsáveis por estas actividades; c) a
cia a dialéctica dos sistemas. Compartilhamos, de certa forma, abordagem centrada na globalidade do sistema (De Rosnay,
com Buckley (1986) a sua crítica dos modelos mecânico e orgâ 1975) que constitui uma forma de análise de tipo macroscópico,
nico, sobretudo pela sua incapacidade de explicar as modifica reveladora das consequências das acções empreendidas pelos
ções morfogénicas de uma organização, ou seja, a passagem de actores de um sistema.
um tipo de organização a outro. Uma organização possui carac
terísticas que podem ocasionar modificações morfogénicas e
possui o poder de se automodificar, como o explicaram muito 1.3. A ORGANIZAÇÃO EDUCATIVA:
bem Morin (1977), Barel (1989a e 1989b), Dupuy (1982), Dumou UM SISTEMA
chel e Dupuy (1963), e Varela (1989) nas suas obras a este respei
to. Podemos verificar que ela define orientações para si própria, 1.3.1. UMA PERSPECTIVA SISTÉMICA
que escolhe e se apetrecha de formas de organização e de
mudança. Concebemos as organizações como sistemas (Kast e Rosens
Um modelo estritamente mecânico ou homeostático revela- weig, 1985; Bertrand e Guillemet, 1989; Morgan, 1989). Elas pos
-se, pois, insuficiente para o bom entendimento da dinâmica suem uma certa autonomia, mas são também os componentes
social e cultural de uma sociedade capaz de se distanciar dela de um todo muito mais vasto chamado sociedade. Eis a razão
mesma para questionar o seu próprio funcionamento. Um pela qual concebemos as organizações educativas como conjun
modelo homeostático não pode avaliar a capacidade da socie tos de elementos estruturados que visam certos fins determina
dade para criar as suas próprias regras de jogo ou para reflectir dos pela sociedade, apoiados em estratégias e tácticas.
sobre o seu comportamento. A sociedade não pode ser reduzida A organização educativa é determinada pelas odentações da
à sua dimensão adaptativa. Os modelos interpretativos ou her sociedade em que se insere, assim como as suas normas, leis e
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regras. A finalidade última da organização educativa consiste Vejamos em pormenor cada uma das características mencio
em concretizar estas orientações na realidade quotidiana e tra nadas.
duzi-las em práticas. No entanto, as relações entre a sociedade e
a educação têm um duplo sentido. Na verdade, a organização UMA ORCANIZAÇÃO FNAUZADA
educativa pode, como qualquer outra organização sodal, contri Os fins são a razão de ser de uma organização. Determinam
buir para a modificação das orientações da sociedade. Ela pos a sua coerência e são a razão pela qual a organização pode ser
sui, então, uma certa autonomia e pode intervir nas suas pró considerada como um todo. Podemos definir o fim como a ten
prias orientações, fixadas pela sociedade, quer aceitando-as, dência a adoptar uma organização em função de um determina
adaptando-as ou contestando-as. do estado que ela julgue desejável. Qualquer organização pos
sui uma directriz que rege as suas estruturas e a energia dos
1.3.2. AS CARACTERÍSTICAS SISTÉMICAS seus membros. O fim pode ser considerado numa perspectiva
DA ORGANIZAÇÃO EDUCATIVA dupla. Por um lado, caracteriza a «tendência para» um certo
As análises sistémicas clarificaram bem as diferentes proprie estado e, por outro, evidencia a «directividade» do estado final,
dades dos sistemas. Na nossa obra, concluímos que toda a organi o que significa que este estado final tem algumas exigências e
zação educativa possui as seguintes características fundamentais: ordena, de certa forma, a evolução da organização. É isto que se
depreende das reflexões de Bertalanffy (1968), a saber que «os
1) Visa certos fins e objectivos que lhe são indicados pelo aconteciméntos podem, com efeito, ser considerados e descritos
meio social; como sendo determinados, não só pelas condições actuais, mas
2) Consiste num conjunto de actividades ou processos que se também pelo estado final a alcançar».
desenvolvem no tempo e que concretizam a mudança Parece evidente, no exemplo dos estudantes inscritos numa
organizacional; Faculdade de Engenharia, que embora seja o resultado de inte
resses individuais, o facto de se seguir um determinado progra
3) Possui uma estrutura e actores;
4) Exerce as suas funções num ambiente ou meio. ma de estudos não é dissociável das realidades sociais que
impõem à sociedade a necessidade de engenheiros. Este exem
Por exemplo: plo demonstra que a organização educativa é um sistema socio
cultural, cuja finalidade se constrói numa dialéctica. Efectiva
— Uma Faculdade solicita a Estrutura mente, os sistemas socioculturais têm, entre outras, como
— professores orientados por Actores característica principal o facto de serem abertos, ou seja, de
peritos em tecnologia educativa visar objectivos sociais e culturais que lhes são, em geral, pres
— que elaborem uma actividade educativa Processo critos por um outro sistema. Esta dialéctica manifesta-se ao
(um curso de matemática) e o leccionem nível das regras de funcionamento, assim como ao nível da
— a fim de permitir que os estudantes Finalidade estruturação. A organização educativa rege-se por um conjunto
se tomem engenheiros. de leis e de regras. É composta por organismos administrativos
— O curso foi avaliado como inadequado Meio e estabelecimentos de ensino, por serviços e por funções de
pela Ordem dos Engenheiros natureza muito diversa, por pessoal efectivo, professores e esbi
pelas entidades empregadoras, dantes de todas as idades que desempenham tarefas muito
— os professores analisam-no, discutem-no e Mudança diversas. Estas leis e regras, assim como a natureza dos organis
decidem modificá-lo. mos administrativos são aprovados ou impostos por institui-
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L 15
ções exteriores, ou seja, por uma assembleia nacional ou por um modificações, de cessação ou de continuação das actividades. A
conselho de ministros, por exemplo. Estas leis e regras marcam retro-informação é, pois, causal, como sugere o nosso exemplo
as preferências de uma elite social, económica e política (ou reli dos professores que, ao julgarem inadequados os efeitos do
giosa, em certos casos) ou transmitem as de uma classe social curso, decidiram modificá-lo. Bertalanffy (1968) definiu a retro
que detém as rédeas do poder. Em resumo, para compreender acção da seguinte forma: «A manutenção homeostática de um
bem a natureza dos objectivos da organização educativa é estado característico da busca de um fim, baseado em cadeias
necessário analisar a dialéctica entre esta organização e o seu causais circulares e em mecanismos que devolvem informação
meio. Não basta confiar nas percepções e declarações dos inter- sobre os desvios em relação ao estado a manter ou ao fim a
locutores da organização educativa, pois é conveniente determi alcançar.»
nar «qualquer vontade exterior», a saber as forças que ditam as Os mecanismos de retroacção constituem a base do compor
verdadeiras finalidades da organização educativa. Um fim ou tamento finalizado dos sistemas ou subsistemas socioculhirais
uma função são considerados declarados, quando estão explíci como a organização educativa. No entanto, é necessário fazer
tos no discurso escrito ou verbal do definidor da organização uma distinção entre a retro-informação directa e a retro-infor
educativa. Um fim ou função é considerado real, quando os mação indirecta. A primeira, apoiada nos resultados, indica que
efeitos da acção da organização educativa não correspondem ou a acção atingiu o seu objectivo, ou seja alcançou um efeito no
não podem corresponder à finalidade ou função declaradas. decurso de um período de tempo específico. A retro-informação
Pode existir, em determinadas situações, uma semelhança e até indirecta assenta nas consequências dos resultados, e é isto que
mesmo uma identidade entre os fins declarados e os fins reais. nos interessa em particular. Quando um estudante segue um
No que se refere à organização educativa, os fins e as funções, curso para ser engenheiro e participa mais tarde na construção
mesmo reais, são, em geral, fixados por uma vontade exterior. de uma ponte que contribui para encorajar a utilização do auto
Num sistema finalizado como a organização educativa, o móvel, instrumento de poluição e de destruição de recursos
controlo e a regulação das transformações podem ser de nature raros e irrenováveis como o petróleo, estas consequências cons
za homeostática, mas a manutenção dos fins no leque dos valo tituem o fim real do curso e da organização educativa. Embora
res considerados aceitáveis por um sistema exterior (nível das estas consequências não sejam declaradas como fins, elas nâo
despesas, transmissão de determinados conhecimentos, valores deixam de ser menos reais.
ou atitudes) é globalmente determinado por normas oriundas
do exterior do sistema. Segue-se então que a gestão dos siste UMA ORGANIZAÇÃO QUE COMPREENDE ACTORES
mas finalizados visa, geralmente, num curto período de tempo, E PROCESSOS
a homeostasia com uma grande economia de meios. A longo A noção de processo ou de transformação é essencial na
prazo, a gestão tende a realizar modificações importantes à abordagem sistémica. Com efeito, os fluxos atravessam um sis
escala da organização e dos fins que pretende alcançar (Gersick, tema e aí sofrem transformações. Uma empresa, por exemplo,
1991). considera uma lista de compras uma encomenda, um estabele
Coloquemos agora a seguinte questão: Como é que um acon cimento de ensino pede urna dissertação e este pedido é trans
tecimento posterior, o estado final enquanto fim, pode ser cau formado num trabalho escrito pelos alunos. Mélêse (1972) afir
sal para um acontecimento anterior? A isto respondemos que as ma que há duas grandes categorias de sistemas, consoante os
organizações, enquanto sistemas, possuem mecanismos que fluxos transportem matéria e energia ou informação. Ora, uma
lhes devolvem a informação sobre os efeitos da sua acção. Esta organização educativa é um sistema que se ocupa destes dois
informação, que retorna ao sistema, pode ser uma fonte de elementos, mas principalmente da informação com o auxilio de
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estratégias pedagógicas que designamos por paradigma educa
cional.
No exemplo atrás referido, os agentes da organização educa
tiva, ou seja, os professores assistidos por peritos em tecnologia
educativa, tratam as informações no âmbito de uma estratégia
educativa precisa. Escolheram como estratégia educativa o
paradigma tecnológico da educação (descrito no capítulo 3). A
forma como tratam a informação com o auxílio de uma estraté

r etc.) e recursos físicos (edifícios, carteiras, material audiovisual,


computadores, etc.). A organização educativa pode ainda ser
composta por uma outra superstmtura como um ministério do
ensino superior, com as suas direcções gerais, as faculdades e as
universidades, um ou mais conselhos consultivos, assim como
outros elementos semelhantes aos enumerados anteriormente.
Quando utilizamos a expressão organização escolar, referimo
-nos unicamente ao ensino pré-escolar, básico e secundário.
gia educativa específica, suscita a questão da natureza da rela Estas estruturas foram criadas para permitir a gestão da
ção educativa e da comunicação pedagógica que constituem complexidade. Devem, em princípio, facilitar o trabalho de cada
verdadeiramente o objecto da nossa análise. Alguns consideram um e impedir que se façam certas coisas (Giddens, 1984; Kast e
a relação pedagógica como aprendizagem, enquanto outros a Rosenzweig, 1985). Elas limitam a variedade e orientam as esco
encaram como uma dialéctica ensino-aprendizagem. Embora lhas.
partilhemos deste último ponto de vista, parece-nos mais fácil e
mais correcto utilizar a expressão comunicação pedagógica que UMA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL
veicula menos tomadas de posição sobre a direcção da activida
de ou da relação pedagógica. A organização educativa é uma organização dinâmica e ins
Recorrendo ainda ao nosso exemplo, o meio reagiu em rela tável. Afirmar que ela se modifica, evolui no tempo e no espaço
ção à qualidade da formação e os professores tiveram que rees e que estruturas são abandonadas e inventadas, não exige à par
truturar o curso. As organizações são, pois, feitas de actores tida grande demonstração para quem já vivenciou uma reforma
(Ciddens, 1984) que agem em interacção uns com os outros e da sua organização educativa. Podemos observar o movimento,
que proporcionam «feedbacks» contínuos sobre o que é neces a mobilidade, a variedade, diversas formas de mudança no
sário dizer e fazer (Giddens, 1984; Schein, 1985; Argyris, Putnan interior dos estabelecimentos de ensino básico, secundário e
e Smith, 1987; Morgan, 1989; Bertrand, 1991). Os actores, nunca universitário. Interessam-nos três tipos de mudanças na organi
será de mais referi-lo, são o ceme das organizações educativas. zação educativa.
Eles «organizam», através das suas ideias, dos seus projectos, Quando se tratar da conservação da estrutura ou do sistema,
dos seus desejos, das suas acções e relações, a organização! Eles diremos que a mudança é operacional e contribui para a perma
asseguram a sua existência. Giddens (1984) chama a estes acto nência da organização educativa, enquanto subsistema estrutu
res, agentes. rado que persegue sempre os mesmos fins. Trata-se do peso dos
costumes, da tradição, dos hábitos e da inércia, é o reconheci
mento de que nem tudo é mudança! A universidade modificou-
UMA ORGAI.HZAÇÃO ESTRUTURADA
-se desde a sua criação há cerca de um milénio, mas, todavia,
A organização educativa é muito complexa e comporta persiste. Quando se efectua uma mudança no interior da orga
vários elementos ou níveis que imbricam uns nos outros. Basta nização educativa, como substituir um curso de geografia por
consultar um organograma e o relatório anual de um Ministério um de economia ou um professor por outro, qualificamos esta
da Educação para avaliar esta complexidade. Podemos aí mudança como estratégia, querendo com isso dizer que contri
encontrar, por exemplo, direcções gerais, comissões escolares, bui para o reajustamento ou para a adaptação da organização,
escolas, classes, um ou mais conselhos consultivos e outros ele sem implicar modificação dos fins, geralmente ditados por uma
mentos como recursos humanos (professores, administradores, vontade exterior. Quando a organização educativa modifica a
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sua finalidade e, consequentemente, a sua estrutura e a nabire devido à evolução dos interesses, das reflexões e das decisões.
za da sua acção falamos de uma transformação radical e dize A nossa análise sistémica leva em conta o carácter relacional da
mos que a mudança é paradigmática. Estamos perante um novo sociedade e detém-se, mais precisamente, nas suas actividades,
sistema. As relações que acabámos de descrever estão ilustradas na sua capacidade de adaptação às diferentes situações e ao seu
no diagrama 1.1. poder de autocrítica (Barel, 1989a; 1989b; Varela, 1989).
Se observarmos o funcionamento de uma sociedade, consta
taremos não só a existência de organizações, mas também a pre
DtAGRAM 1.1 sença de orientações, de normas, de leis e de regras. As orienta
Mudança sistémica da organização educativa ções, as normas, as leis e as organizações são indicadores da
complexidade social. Estes aspectos correspondem a níveis dis
Mudança operacional tintos de análise do funcionamento de uma sociedade, como
= Permanência
ilustra o diagrama 1.2. Estes níveis são o campo paradigmático,
o campo político e o campo organizacional.
Mudonço estratêgica = Adaptação O campo paradigmático transforma em orientações da acti
vidade social, as generalizações e as concepções que englobam
Mudança paradigmõtica = Transformação radical uma concepção do conhecimento e das relações entre a pessoa,
a sociedade e a natureza, um conjunto de valores e interesses,
uma forma de executar e uma significação global da actividade
humana. Debruçar-nos-emos mais adiante sobre cada um des
1.4. A DIALÉCTICA ENTRE A ESCOLA tes componentes.
E A SOCIEDADE
Verificámos que a organização educativa visa, através de DIAGRNAA 1.2
determinados processos, a realização de determinados fins. Ao
receber uma ordem de uma entidade exterior, ela tende para Um esquema de análise sistêmica do funcionamento
um fim, a saber: que um estudante possa adquirir, entre outros, de uma sociedade
valores, comportamentos, capacidades e conhecimentos especí
ficos. A organização educativa procura atingir este fim ao tratar
precisamente da informação. Recorre, então, aos actores (profes
Campo paradi9mático Hn
4.
sores, educadores, administradores) e a modelos de tratamento Campo político
da informação a que chamamos estratégias pedagógicas. A
organização educativa apresenta-se, então, como um subsiste •1
ma aberto, atravessado por forças provenientes de um sistema Campo arganizacional
muito maior que constitui o seu meio. 1: .1
Por outro lado, o que caracteriza a sociedade é o seu carácter
relacional. A sociedade é um conjunto de sistemas, ou melhor, O campo político é o espaço onde se opera a transformação
de subsistemas e de relações em constante mudança que ten das orientações definidas pelo campo paradigmático em nor
dem para uma diversificação e uma flexibilidade crescentes mas, leis e regras. Entendemos por isto o sistema organizado de
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regulações e de mecanismos estabelecidos para definir as nor 2) A adaptação. A sociedade é capaz de modificar as suas
mas, as leis e as regras da sociedade. Trata-se, basicamente, das organizações sem modificar os fins que persegue, ao
instituições políticas que têm o poder de estabelecer as leis e os recorrer a mecanismos de aprendizagem e de reforço de
regulamentos que regem a sua aplicação, e das instituições judi determinadas formas de comportamento ou de organi
ciárias que controlam o respeito pelas leis e pelos regulamentos. zação.
E neste nível que se define o legal e o ilegal, o legítimo e o ilegí 3) A criação ou produção. A sociedade possui a capacidade
timo, o normativo e o desvio, o tipo de mudança aceitável e não de constituir ela própria o seu meio, podendo formar um
aceitável. Estas decisões, leis e regras, governam o funciona novo sistema de orientação dos comportamentos ao modi
mento das organizações concretas.
O campo organizacional constitui a área das organizações
.1 ficar os componentes do campo paradigmático.
concretas. A organização é um subsistema próprio formado A sociedade não pode ser reduzida a um organismo que se
para a concretização de fins específicos, atravessado por forças reproduz sempre no mesmo sentido. A sociedade pode também
exógenas (as orientações definidas pelo campo paradigmático) e adaptar-se a um meio-ambiente mutável e pode até modificar,
dirigido por um poder que estabelece formas de autoridade e se necessário, as regras do seu próprio funcionamento. Poderá
determina os estatutos e os papéis dos membros da organização. distanciar-se das suas actividades e reformular radicalmente as
Cada nível de análise que acabamos de descrever não pode suas orientações e impor, desta forma, um novo sentido à suas
ser confundido com os outros dois. Além disso, as relações práticas. Esta reformulação não pode fazer-se a partir de uma
entre estes níveis são caracterizadas por um movimento dialéc ideia que provenha do exterior da sociedade. Só pode ocorrer a
fico, de forma que a análise da actividade e do funcionamento partir do seu funcionamento, das suas produções e das suas
da sociedade não se oriente apenas do topo para as organizaçõ actividades.
es, mas possa também partir delas em direcção ao campo para Uma vez que a sociedade pode impor um novo sentido às
digmático. É o que ilustra o diagrama 1.2. suas práticas, o campo político e o campo organizacional não
Podemos, então, definir a sociedade como o encadeamento são independentes das orientações do campo paradigmático.
de três subsistemas que correspondem aos níveis de análise que Encontramos nestes dois campos o estado das orientações
acabámos de descrever e que passamos a resumir brevemente. determinadas pelo campo paradigmático. Esta dependência dos
campos político e organizacional significa que a organização
O campo paradigmático é o espaço onde são definidas as orien
onde se desenvolve uma prática educativa não é independente
tações da sociedade. O campo político constitui o terreno onde
do campo paradigmático e do seu produto, o paradigma socio
as orientações da sociedade são traduzidas em normas, leis e
cultural. Por outro lado, as relações entre a sociedade e a organi
regras. O campo organizacional constitui a área onde as nor
zação educativa têm um duplo sentido, como já dissemos, de tal
mas, as leis e as regras são transformadas em práticas.
forma que esta última pode também contribuir para modificar
Através destes três campos, a sociedade vê desafiarem-se
as orientações da sociedade.
continuamente três formas de mudança que se somam às que
acabámos de apresentar acima quando discutimos a mudança 1.4.1.0 PARADIGMA SOCIOCULTURAL
nas organizações educativas:
A noção de paradigma é utilizada agora de forma corrente
1) A reprodução. A sociedade é um sistema cujos dirigentes (Cutting, 1980; Marcus e Fischer, 1986; Serres em Lévy, 1991),
mantêm o equilíbrio e a continuidade através de diversos para analisar a evolução das teorias do conhecimento. Foi
mecanismos de controlo social integradores e repressivos. Kuhn (1962/1970/1972) que popularizou a utilização deste
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termo. O termo paradigma pode, em Kuhn, assumir vários sen substituir as regras explícitas de solução dos enigmas que sub
tidos consoante nos refiramos à primeira apresentação de La sistiam na ciência «normal”.
Structure des révolutions scientifiques ou ao posfácio da segunda O segundo sentido corresponde ao do exemplo. Um paradig
edição onde o autor define o seu pensamento. Masterman ma é um exemplo comum que indica como se deve fazer uma
(1970) formulou uma crítica deveras coerente da primeira apre actividade. Tais são as soluções concretas para problemas que o
sentação, na qual demonstra que Kuhn atribui vinte e dois sen estudante encontra no fim dos capítulos dos manuais. Eis-nos,
tidos diferentes ao conceito de paradigma. Vejamos alguns: então, perante vários sentidos possíveis para a noção de para
resultado científico reconhecido universalmente, mito, filosofia digma, como demonstra o quadro 1.1.
ou constelação de questões, obra clássica, tradição global, A nossa preferência vai para o sentido sociológico, ou seja,
resultado científico, analogia, especulação metafísica, modelo para a matriz disciplinar em que um dos componentes conduz
reconhecido, fonte de instrumentos, tipo de instrumentação. A explicitamente ao segundo sentido: o exemplo comum. Uma
autora reduz os vinte e dois significados a três que considera matriz disciplinar exprime o posicionamento comum aos espe
fundamentais: a) o paradigma metafísico ou metaparadigma: cialistas de uma disciplina em particular, e este conjunto com
conjunto de crenças e de mitos, nova forma de ver as coisas; b) põe-se de elementos ordenados de diversas formas. Os ele
o paradigma sociológico: um resultado científico reconhecido mentos que constituem a matriz disciplinar são, na sua
universalmente; e c) o paradigma artificial ou instrumental: totalidade ou em grande parte, elementos que são objecto da
obra, trabalho clássico, analogia, etc. Para Masterman, estes escolha do grupo e que Kuhn designa no seu texto original
três sentidos fundamentais são bem diferentes. Na sua opinião, pelo nome de paradigma; enquanto tal, estes elementos for
Kuhn nunca colocou em paralelo o conceito de paradigma, em mam um todo. Estes elementos podem ser agrupados em qua
todas as suas acepções, com o de teoria científica. Masterman tro classes: as generalizações simbólicas, as crenças, os valores
afirma que o metaparadigma de Kuhn é mais englobante e é e os exemplos.
ideologicamente anterior à teoria. Finalmente, considera que o As generalizações sknbólicas (Cutting, 1980; Giddens, 1984,
paradigma artificial é menos que uma teoria, pois pode ser tão Cllfford, 1988) designam as expressões empregues sem incer
pouco teórico como um simples aparelho capaz de fornecer a tezas ou discussões pelos membros do grupo e que podem
solução de enigmas. facilmente assumir uma forma lógica. São os elementos for
Kuhn apresenta, na segunda edição da sua obra, La Structure mais ou facilmente formalizáveis da matriz disciplinar (por
des révolutions scientifiques, dois sentidos para o conceito de exemplo, «A acção é igual à reacção»). As crenças exprimem a
paradigma: o sentido sociológico e as soluções concretas dos adesão colectiva a certas proposições como a de crer em certos
enigmas. O paradigma sociológico é um conjunto de crenças, de modelos explicativos particulares (por exemplo, «o calor é
valores reconhecidos e de técnicas que são comuns aos mem energia cinética das partes constituintes dos corpos»). Os valo
bros de um determinado grupo. Ele explica as convicções parti res contribuem para dar a todos os especialistas das ciências o
lhadas pelos membros de um grupo e «a relativa plenitude das sentimento de pertencerem a um vasto grupo. As frases ((as
comunicações» (Kuhn, 1972). Kuhn sustenta que este sentido é previsões devem ser exactas» e ((as previsões quantitativas são
muito mais amplo do que a noção de teoria e considera que o preferíveis às previsões qualitativas» servem principalmente
termo paradigma não é apropriado para cobrir este sentido, para constituir o grupo de investigadores numa verdadeira
sendo necessário substitui-lo pelo termo de matriz disciplinar. comunidade. Os exemplos são as soluções concretas para pro
O paradigma remete também para as soluções concretas dos blemas que os estudantes encontram desde o início da sua for
enigmas que, empregues como modelos ou exemplos, podem mação científica.
24 25
QUADRO 1.1
Os sentidos do conceito de paradigma em Kuhn
segundo o ano de apresentação
de A estrutura da5 revoluções científicas

r da transformação de um paradigma sociocultural cujos elemen


tos constitutivosformam um conjunto de generalizações ou
concepções, crenças, valores e exemplos. Retivemos cinco com
ponentes, necessários e suficientes para definir o paradigma
sociocultural: a concepção do conhecimento, a concepção das
relações entre a pessoa, a sociedade e a natureza, os valores e
interesses, a forma de executar e o significado global da activi
dade humana. Retomámos cada um destes componentes.
Edição 1962 Edição 1970
1) A concepção do conhecimento remete para a forma de
apreender e para simbolizar a realidade e para a forma de
O paradigma metal isico; conjunta construir um sistema de representações. Diversos autores
de crenços, mitos, visõo do mundo,
nova Forma de ver os coisas, retomaram diferentes modos de conhecimento que tive
uma ‘weltor.schouung.. mos em consideração na descrição dos diversos paradig
mas socioculturais. Estes autores são Franld (1969), Jantsch
(1975) e Angers (1976), entre outros.
Sentda sociológico: conjunto de atenças, 2) A concepção das relações entre a pessoa, a sociedade e a
de va!ores reconhecidos e de técnicas natureza. Estes três elementos constituem categorias fun
O paradigma sociológico: um resutado comuns aos membros de um determinado
cientif:co reconhecido universa!mente. grupo. Nesta sentido, Kuhn pensa damentais que estão sempre presentes e nunca são ques
que a expressão matriz discipl:nar è tionadas na construção de uma imagem da realidade. Dis
mais apropriada do que a de parad:gma. tinguem-se, todavia, do modo de conhecimento, embora
este possa influenciar, e efectivamente influencie, a con
cepção destas relações. Porém, é evidente que o inverso
O rodigm.a ortilicla ou instrumental: também é possível.
obra, trabalha dássico, analogia. E, pois, para não cairmos num epistemologismo vertical
que propomos uma distinção entre o modo de conheci
mento e a concepção das relações entre a pessoa, a socieda
de e a natureza. A concepção destas relações exige a defi
As soluçães de enigmas que, empregues nição de uma pessoa, da sociedade e da natureza.
como modeias ou exemplos, podem Parece-nos difícil definir de uma forma abstracta e univer
substituir as regras expiicihs enquanto
bases de sduçâo para os enigmas
sal estes três conceitos, de modo que possam ser aplicados
que subsistam na ciência normal. a diversos paradigmas. Os elementos pessoa, sociedade,
natureza podem servir para construir imagens ou exem
plos da actividade humana. Podemos conceber um exem
pio que privilegie um ou outro destes elementos, ao arti
Kuhn tentou explicar a estrutura das revoluções científicas cular-se numa configuração tripolar, como demonstra o
através das transformações da matriz disciplinar. Explicamos a diagrama 1.3. Desta forma, a pessoa, sujeito do conheci
produção de um tipo de sociedade por meio da manutenção ou mento, pode ser concebida como ontologicamente separa-
26 27
da do objecto (neste caso a sociedade ou a natureza) e nado grupo social, a dimensão possível do seu campo de acção
dominada por aquele que constitui agora o pólo principal e da sua prática social e cultural, assegurando, assim, a sua coe
da relação tripolar. rência e relativa unanimidade.
Um grupo social abrange todas as pessoas que partilham os
elementos descritos como características de um paradigma
DIAGRNM 1.3
sociocultural. Por um lado, um grupo social pode corresponder
Os três pólos da dialéctica entre a pessoa, ao conjunto de pessoas que partilham um paradigma sodocul
a sociedade e a natureza tural. Por outro lado, pode corresponder também a um movi
mento social que procura propor ou impor um novo paradig
Pesscs ma sodocultural a fim de substituir um paradigma dominante.
O qualificativo social simboliza, então, o grupo de pessoas que
partilham os elementos de um determinado paradigma socio
//
/ 1
r’r
cultural. Além disso, ao abordar o conceito de paradigma
segundo Kuhn, De Mey (1982) salienta o carácter social deste
Sociedade
‘/3---
/- - Nawrezo
conceito. Este qualificativo significa também que a sociedade
se explica pela sua actividade. Isto leva-nos a afirmar que o
paradigma sociocultural seria, por um lado, a acção exercida
3) Os valores e os interesses remetem para a capacidade das pela sociedade sobre as suas práticas e, por outro, a distância,
coisas, das ideias ou das pessoas para satisfazer um dese de que falámos, que a sociedade assume perante a sua activida
jo, uma necessidade ou uma aspiração. Eles exprimem as de. Esta distância traduz-se por uma imagem normativa e
preferências das pessoas e dos grupos que os perfilham. exemplar, ou seja, reguladora das suas acções e da sua mudan
4) A forma de executar está relacionada com a produção e as ça. Em suma, esta imagem identifica a sociedade com a sua
técnicas de produção dos bens necessários ao funciona acção, que é sempre guiada por um paradigma sodocultural,
mento biológico e à vida em grupo, quer numa sociedade cujo qualificativo cultural simboliza a capacidade de criação e
concebida como agregado de indivíduos quer numa de acção dos seus componentes nos campos político e organi
comunidade de vida e trabalho.
zacional. Podemos, então, propor uma reformulação da defi
5) O significado global remete para o sentido dado ao con
nição do conceito de paradigma sociocultural no sentido de
junto da actividade humana. E o modelo cultural que sin
evidenciarmos o seu carácter dinâmico. O paradigma sociocul
tetiza os outros componentes do paradigma: a forma de
tural exprime a acção exercida pela sociedade, a partir da sua
conhecer, de viver com os outros, de reflectir, de valorizar,
de executar e de agir. actividade, sobre as suas práticas sociais e culturais, através da
combinação de cinco componentes: uma concepção do conheci
Neste momento, podemos propor uma definição do paradig mento; uma concepção das relações entre a pessoa, a sociedade
ma sociocultural. Ele constitui um conjunto de crenças, de con e a natureza; um conjunto de valores e de interesses; uma
cepções ou generalizações e valores que englobam uma concep forma de executar e um significado global da actividade huma
ção do conhecimento, uma concepção das relações entre a na. Estes componentes definem e delimitam, para um determi
pessoa, a sociedade e a natureza, um conjunto de valores e de nado grupo social, o seu campo de acção e a sua prática social e
interesses, uma forma de executar, um significado global da cultural, assegurando, assim, a sua coerência e a sua relativa
actividade humana que definem e delimitam para um determi unanimidade.
28 29
i 1.4.2. O CARACTER EXEMPLAR E NORMATWO cultural, pelo que tende, sobretudo, a reproduzir o paradigma
DO PARADIGMA SOCIOCULTURAL sociocultural dominante e o tipo de sociedade correspondente.
No entanto, a organização educativa poderá também propor
O paradigma sociocultural delimita o que pode ser apreendi novos paradigmas socioculturais que designamos por contrapa
do e o que vale a pena ser compreendido. Através do poder ine radigmas, uma vez que se opõem e procuram substituir um
rente aos exemplos que formula, ele determina as actividades paradigma dominante. Os sistemas ou subsistemas sociocultu
que podem ser realizadas. O paradigma sociocultural «dita o rais, como a organização educativa, têm a propriedade de se
que se deve ver e como o ver» e «o que é necessário fazer e como auto-organizar e de procurar uma forma de organização que
o fazer’>. Por outras palavras, as concepções, as crenças, os valo possa resistir às forças exógenas dominantes. A organização
res e as formas de executar, componentes do paradigma socio educativa pode assumir, segundo o paradigma educacional
cultural, são igualmente exemplos que possuem um poder ou escolhido, a função de reprodução, de adaptação ou de transfor
carácter normativo, traduzidos em orientações pelo campo para mação da sociedade.
digmático, em normas e regras pelo campo político e concretiza Quando a organização educativa efectua mudanças opera
dos em actividades pelo campo organizacional. cionais nas suas modalidades de funcionamento e se contenta
Eis em que medida o paradigma socioctiltural pode ser con com as orientações e normas impostas pelo campo politico, con
siderado como normativo e exemplar e como suporte da relati tribui para manter uma ordem estabelecida pela classe dom!
va coerência do grupo social em questão. Após a sua socializa nante. Dizemos então que a organização educativa cumpre urna
ção, o estudante ou o cidadão adulto deixam de ser livres função de reprodução e falamos de permanência das orienta
perante a sociedade. Foram condicionados a vê-la de uma ções, das normas e regras de funcionamento dominantes. Desta
detenninada maneira, segundo os exemplos dos manuais esco forma, a divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual
lares, o discurso dominante e dominado, e os meios de comuni é reproduzida (ou pode ser reproduzida) na escola, Numa pers
cação de massa. A noção de exemplo adquire evidentemente pectiva de reprodução, a organização educativa visa interiorizar
uma conotação mais lata do que os exemplos de soluções de nos alunos as normas dominantes e reprimir o desenvolvhnen
problemas referidos por Kuhn. No entanto, permanece a analo to de novas normas. Quando a organização educativa efectua
gia. Como exemplo paradigmático, podemos considerar uma mudanças no interior das estruturas em resposta a exigências
forma de divisão do trabalho: de um lado, o trabalho braçal, e económicas e políticas ou quando critica os seus modos e estra
do outro, o trabalho intelectual. tégias de funcionamento, sem questionar as orientações que
emanam do paradigma sociocultural dominante, ela contribui
para a adaptação da sociedade. Isto ocorre quando a organiza
ção educativa discute e propõe modificações para as leis e
1.5. A REGULAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO regras que lhe são impostas pelo campo político sem, no entan
EDUCATIVA to, criticar ou questionar as orientações fundamentais que as
sustentam. Por exemplo, os pais podem exigir uma repartição
As orientações da organização educativa dependem das do poder através de uma maior descentralização das tomadas
orientações definidas pelo campo paradigmático. Estas orienta de decisão de um ministério da educação ou de uma comissão
ções são, em seguida, traduzidas em normas e leis pelo campo escolar em beneficio de uma escola sem, no entanto, chegar a
político que, desta forma, regula a organização educativa. Esta questionar o poder de um governo ou da democracia de repre
vê, assim, a sua actividade determinada pelo paradigma socio sentação que caracteriza um bom número de países ocidentais.
30 31
Á
A organização educativa tem ainda uma função de adaptação Segundo ela, Ferguson (1987) lembra-nos que as modifica
social ao responder a necessidades expressas pela sociedade, ções radicais, que se anunciam, residem, na sua opinião, numa
sob a forma de medidas legislativas ou administrativas. Desta concertação, ou seja, numa «conspiração» de pessoas que pro
1•• forma, uma sociedade onde faltem engenheiros ou administra
dores dá directrizes à escola para que esta dê especial atenção a
estas formações específicas.

põem novas opções educativas e societais.


Quando a organização educativa muda as práticas pedagógi
cas associadas às normas do campo político, que dependem do
paradigma sociocultural dominante, contribui para a transfor
mação radical da sociedade. Mais especificamente, quando a
organização educativa se questiona, ao criticar os elementos
constituintes do paradigma socioculhiral dominante, a saber o
significado global dado à actividade humana, o modo de conhe
cimento utilizado, a concepção imposta das relações entre a pes
soa, a sociedade e a natureza, os valores e interesses pretendi
dos e a forma de executas privilegiada, ela visa uma mudança
radical ou revolucionária. A organização educativa cumpre,
então, uma função de transformação societal. O que não signifi
ca que sozinha, ela, possa transformar a sociedade.
A organização educativa que opta por uma acção crítica
encontra-se à margem da cultura dominante. Além disso, um
domínio total de um paradigma sociocultural é absolutamente
inconcebível. Há sempre um contraparadigma. Gersick (1991)
afirma que a história das organizações mostra que a mudança
revolucionária não pode ser contrariada constantemente e que,
mais cedo ou mais tarde, sucederá a um período de estabilida
de.
Aqueles que facilitam a permanência de um paradigma
sociocultural dominante devem conciliar-se com as subculturas
do meio educativo. Ou aceitam a sua presença ou tentam supri
mi-las. Para as suprimir, devem evitar que a organização educa
fiva opere qualquer modificação fundamental nos valores e ao
mesmo tempo optar por um estado fascista. Todavia, mesmo
neste estado, os contraparadigmas nascem irrevogavelmente.
De qualquer forma, a via fascista vai ao encontro da tradição
democrática. Esta tradição exige que as subculturas e a cultura
dominante sejam objecto de debates e de escolha pelos cidadãos
de uma sociedade.
32
1 33
CAPÍTULO 2
A ESTRUTURA DIALÉCTICA
DO PARADIGMA EDUCACIONAL
r
1
2.1. AS DIMENSÕES DO PARADIGMA
EDUCACIONAL
A organização educativa é um sistema que, com o auxilio de
diversas estratégias, busca fins definidos pela sociedade. As
suas actividades são determinadas, em grande parte, pelo para
digma sociocultural dominante, de tal forma que tende sobrehi
do a reproduzi-lo. Por outro lado, a organização educativa pode
procurar fins diferentes daqueles ditados pela sociedade indus
trial e escolher, então, estratégias educativas associadas a um
outro tipo de sociedade. Ela pode intervir na evolução da socie
dade. É este conjunto de relações bidireccionais que constitui a
estnihna dialéctica do paradigma educacional.
Com efeito, o paradigma educacional é bidireccional: por um
lado, assegura a transição das exigências da sociedade à organi
zação educativa e, por outro, traduz os resultados da reflexão e
da prática pedagógicas que a organização educativa pode trans
mitir à sociedade. O carácter dinâmico e modificador da organi
zação educativa estabelece esta dupla relação dialéctica entre a
escola e a sociedade, e entre a reflexão e a prática pedagógicas.
Com efeito, um paradigma da educação cumpre funções que se
situam num campo de carácter dialéctico atravessado, ao
mesmo tempo, por forças sodoculturab e pelas forças da orga
nização educativa. Esta pode aceitar o paradigma educacional
ditado pela sociedade ou propor modificações operacionais,
estratégicas ou paradigmáticas. Neste último caso, a organiza-
37
1
ção educativa pode optar por um paradigma educacional não programado por computador acoplado a um videodisco, mas
associado ao paradigma sociocultural dominante. É neste caso nada disto modificará o objectivo do curso, ou seja, a formação
que a dialéctica entre a escola e os diversos tipos de sociedade de um químico. Nós modificámos as modalidades de acção,
adquire todo o seu significado. passámos de uma estratégia centrada na transmissão oral dos
Na nossa opinião, esta dialéctica diz respeito às reflexões e às conhecimentos à utilização de uma tecnologia audiovisual.
práticas pedagógicas. Efectivamente, o paradigma educacional Neste exemplo, modificámos a abordagem pedagógica sem,
explicita, numa relação igualmente dialéctica, quer os fins e fun no entanto, termos modificado a estrutura fundamental do
ções definidas pela sociedade ou pela organização educativa paradigma educacional e muito menos o paradigma sociocultu
(dimensão normativa associada à reflexão pedagógica) quer as ral ao qual ele está associado! Resumindo, é possível conceber
actividades necessárias para os actualizar (dimensão exemplar várias estratégias pedagógicas diferentes que visem a realização
associada à prática pedagógica). O paradigma educacional de um mesmo objectivo educativo. Um paradigma educacional
exprime, através das suas duas dimensões, o duplo movimento pode, de facto, ter no seu seio diversos exemplos de acções,
de vaivém entre a escola e a sociedade e entre a reflexão e a prá definidas como abordagens pedagógicas, que buscam um
II tica pedagógicas. mesmo fim.
O paradigma educacional constitui, de certa forma, uma Se não tivéssemos insistido na formação de um químico ou
ponte entre o paradigma sociocultural e as práticas pedagógi na transmissão de conhecimentos específicos, mas antes no pró
cas. Efectivamente, a organização educativa caracteriza-se, ao prio aluno, na sua subjectividade, visando com isso o desenvol
mesmo tempo, pelos fins que procura alcançar e pelas activida vimento afectivo de uma pessoa, teríamos seguido uma orienta
des escolhidas para actualizar estes fins. Por um lado, o para ção diferente.Teríamos, então, feito modificações mais
digma educacional explicita as exigências que a sociedade diri fundamentais ao paradigma educacional. Neste caso, não tería
ge à organização educativa. Ele constitui, então, um conjunto de mos apelado à transmissão de conhecimentos específicos, mas
funções tendo em vista a realização de fins específicos. Os fins e antes a uma abordagem pedagógica segundo a qual a pessoa
as funções orientam a reflexão pedagógica e é aí que reside a possuiria todas as capacidades para formar os conhecimentos
dimensão normativa do paradigma educacional. Por outro lado, que lhe são pertinentes, e onde a afectividade seria um compo
o paradigma educacional é constituído por objectivos, estraté nente necessário do processo de aprendizagem. Alguns diriam
gias e tácticas que explicitam o «como proceder>’. Ele é, de certa que no primeiro caso estamos no reino da objectividade e no
forma, exemplar, uma vez que é um agrupamento de exemplos segundo caso no da subjectividade. No capítulo 3, descrevemos
e de modalidades que regem a acção educativa. em pormenor duas abordagens pedagógicas que privilegiam a
Alguns exemplos ajudar-nos-ão a explicar este duplo aspec objectividade e, no capítulo 4, uma abordagem baseada na sub
to, normativo e exemplar, do paradigma educacional. Verificá jectividade em interacção com a objectividade, apesar de tudo.
mos que a organização educativa visa certos fins e certos objec
2.1.1. A DIMENSÃO NORMATIVA
tivos e que, para atingi-los, os elementos que a compõem se
ocupam da informação. Numa organização educativa, são A dimensão normativa do paradigma educacional é definida
necessários, por exemplo, actores e processos bem específicos pelas funções que uma organização educativa cumpre na busca
para permitir a uma aluna ou aluno a aquisição de uma compe de fins e objectivos específicos. Ela reúne, numa visão dialéctica,
tência em Química. Podemos efectuar perfeitamente algumas as intenções da sociedade e as práticas pedagógicas necessárias
transformações, eliminar o professor e substituí-lo por um à sua actualização. Ela reúne também, numa visão dialéctica, a
manual, comprar filmes sobre Química, recorrer a um ensino reflexão e a prática pedagógica da organização educativa. Estes
38 39
elos sistémicos e orgânicos caracterizam a dimensão normativa das pelo paradigma educacional. Delineámos o que entende
do paradigma educacional. Em primeiro lugar, vamos traçar mos por função geral de um paradigma educacional: contribuir
um breve panorama da relação fundamental entre os fins e as para a conservação da sociedade industrial ou para a criação de
funções que compõem a dimensão normativa, recorrendo para novas sociedades. Esta função geral pode decompor-se em qua
tal aos paradigmas socioculturais e educativos descritos mais tro outras funções que distinguimos a partir da noção de para
em pormenor nos capítulos que se seguem. digma sociocultural e da análise do funcionamento de uma
O paradigma industrial transmite à organização educativa as sociedade. Estas funções são: a função epistemológica, a função
seguintes orientações: ensinar os conhecimentos reconhecidos e cultural, a função política e as funções económica e social. O
os valores tradicionais; utilizar os melhores meios para transmi quadro 2.1. apresenta as definições destas funções.
tir estes conhecimentos e valores. Falar ainda de uma teoria da As funções podem contribuir, de modo desigual, para a
mudança que consiste em fazer poucas mudanças! O paradig constituição de um paradigma educacional. Um paradigma
ma socioculharal dominante visa a permanência e a conservação pode atribuir mais importância à função cultural, enquanto
da sociedade industrial. Ele produz paradigmas educacionais outro se concentrará mais na função política, por exemplo. A
que cumprem exactamente a mesma função. O paradigma prioridade concedida a uma função decorre essencialmente do
sociocultural existencial apresenta um ponto de vista diferente. sistema político que traduz, como já verificámos, em normas,
Recusa os valores da sociedade industrial e propõe à organiza leis e regras as orientações do campo paradigmático. A função
ção educativa paradigmas educacionais que tenham como geral, por sua vez, sintetiza e resume, de certa forma, o paradig
objectivos o crescimento e a formação afectiva das pessoas. A ma educacional num projecto central que define, em termos de
finalidade procurada é a criação de uma sociedade centrada na mudança, as intenções da comunicação pedagógica.
pessoa. A organização educativa deve, consequentemente, assu
mir uma função diferente: transformar a sociedade industrial e
orientá-la para uma forma de organização mais preocupada
com a pessoa.
O paradigma sociocultural da dialéctica social propõe modi
ficações mais a nível social. Visa uma modificação profunda da
organização da sociedade. Os paradigmas educacionais, preo
cupados com a mudança sôcial, terão como função contribuir
para o aparecimento de novas sociedades, como a sociedade
sem classes ou a sociedade autogerida.
Finalmente, o paradigma sociocultural simbiosinérgico pro
põe uma visão, ao mesmo tempo, social, ecológica e espiritual da
sociedade. A constituição de comunidades de vida e de trabalho
radicalmente diferentes das sociedades industriais é a finalidade
dos paradigmas educacionais que lhes estão associados, e cuja
função é contribuir para a criação destas comunidades.
Uma organização educativa busca fins e cumpre funções
para os atingir. Na análise das relações entre os fins e as funções
descrevemos, em termos globais ou gerais, as funções assumi-
40 41
QUADRO 2.1 Para nós, no que se refere às demais funções, nenhuma delas
pode, em si mesma, ser privilegiada de modo permanente ou
As funções do paradigma educacional por todos os paradigmas educacionais, nem tão-pouco pode ser
considerada como fundamento da descrição das outras funções,
Funções Definições uma vez que estas são apenas funções de um sistema com uma
finalidade mais global. Angers (1976) defende o contrário: «Na
construção da tipologia aqui apresentada, a dimensão episte
A função de uma organização educat:va visto mológica é privilegiada como dimensão principal da instituição
no seu conunto; esta noção une-se onalogicamenie escolar. É, por isso, utilizada como base na descrição dos
à do stgnificado globo! de um paradigma sociocu!tura!;
Funçao geral
ela sintetiza, resume de alguma forma a paradigma
-
demais componentes do meio-ambiente escolar e como critério
educacional num proleclo central que descreve para a sua interpretação.» Angers (1976) escreve, a propósito do
em termos de mudança. eixo fundamental da sua tipologia dos modelos educacionais,
que «o conceito teórico proposto neste ensaio e escolhido como
fundamental na tipologia é a relação sujeito-objecto ou, para
A forma de conhecimento que transmite, exprimir este conceito em termos mais específicos, a relação
exp!ica au impiicitcmene au que aspiro transmitir
Função epistemológica uma organização educativa; contTibu;ção educando-meio-ambiente escolar. Podemos, então, enunciar
para a criação de um mado de conhecimento, esta relação essencial através da seguinte fórmula: é o educando
1arma de apreendera realidade. em relação com o objecto do seu estudo no próprio exercício da
actividade da aprendizagem. Esta proposição, na construção da
Difusão de um modela de criotividode, ou seja, tipologia dos modelos, cumpre a função de um axioma”. Ora
de uma forma de mudar a reolidade; difusão de uma este «axioma» do educando-meio-ambiente escolar não pode
Função cultural imagem do quo deveria ser a cultura; ser verdadeiramente um axioma, visto basear-se numa concep
difusão de uma Imagem da pessoa; difusão das valores
e interesses a promover. ção ou numa proposição relativamente à relação entre organiza
ção educativa e a sociedade, ou seja, na função da educação na
sociedade. Por outras palavras, determinamos a relação entre o
Favorecer um tipa de instituição pditico conforme educando e o meio-ambiente educativo depois de termos deter
às orientoções da campo paradigmático traduzidas
em normas, leis e regras pelo sistema potitico minado a relação entre a escola e o meio sociocultural e político-
Função politica dominante ou facilitar uma oposição às normas, -económico.
eis e regras dominantes quando se trotor de um Criar uma tipologia sobre a relação entre o educando e o
cantraparadigma; difusão de um modelo de ornado
de decisão.
ambiente educativo é, antes de mais, seguir a opinião do edu
cando, introduzindo um aspecto que irá favorecer os modelos
centrados no crescimento do aluno, para em seguida alargar-se
ao ambiente escolar (partindo do princípio que todo o ambiente
Tronsmissõo au contestação de uma concepção das
reloçães entre a pessoa, o sociedade e a natureza; deve ser escolar para ser educativo) e, finalmente, ao reconheci
Funçães económica e social transmissão ou contestoção de uma fauno de executar; mento axiomático de qualquer concepção do conhecimento
apresentação de uma imagem da permanência, da (partindo do princípio que este constitui a base de qualquer
adaação ou da transformação societal.
forma de relação). O que parece reflectir uma visão idealista (no
sentido filosófico da palavra) da realidade.
42 43
2.1.2. OS ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO Alguns investigadores tentaram, assim, definir o papel do
PEDAGÓGICA contexto e das relações entre os diferentes elementos da comu
nicação (Moles, 1975; Riley e Riley, 1960; Gage, 1963; Lippit,
Para discutirmos o elemento polarizador e a dimensão exem 1973). É, pois, com base nos trabalhos destes investigadores e ao
plar do paradigma educacional, cujo objecto fundamental é a mesmo tempo no modelo clássico da comunicação que vamos
comunicação educativa, é necessário descrever os elementos explicitar os elementos da comunicação pedagógica. Claro que
constitutivos desta comunicação. não se trata de esclarecer um modelo único e permanente da
Há longos anos que a comunicação tem sido objecto de estu comunicação pedagógica, visto tratar-se de um campo que evo
dos, tanto por parte de especialistas das ciências exactas, como lui rapidamente e com inúmeros contributos oriundos das dife
por filósofos, sociálogos e terapeutas. Os matemáticos e os tec rentes ciências. Temos necessidade de um modelo ou de parâ
nólogos foram os primeiros a interessarem-se pela comunica metros que nos permitam definir e caracterizar as abordagens
ção, elaborando modelos lineares. Depois, as ciências sociais e pedagógicas. Em termos de comunicação, diremos, então, que
os psicólogos desenvolveram modelos mais complexos, mais os elementos e as relações seguintes são suficientes para descre
globais e mais sistémicos. ver uma abordagem pedagógica:
Shannon publicou em 1946 no Bel! System Technical Journal
três artigos (retomados anos mais tarde sob o título genérico 1) a mensagem ou conteúdo da comunicação, isto é, o saber
de «The Mathematical Theory of Communication») onde a transmitir ou a adquirir;
expôs a sua teoria da comunicação, actualmente um modelo 2) a transmissão ou meios de comunicação, isto é, a organi
clássico, ainda utilizado ou imitado. Neste modelo esssen zação da comunicação;
cialmente linear, a fonte de informação produz uma mensa 3) o destinatário da comunicação; isto é, o receptor, aquele a
gem que o transmissor transforma num sinal transmissível quem se dirige a mensagem;
através do canal. O canal é o meio de transmissão à distância. 4) as relações entre o destinatário e o seu meio (imediato: a
A fonte de ruídos é responsável pelas interferências que escola, a universidade; mais afastado: a comunidade local,
impedem a transmissão perfeita da mensagem. O receptor a sociedade);
age como transmissor, mas em sentido inverso, descodifican 5) as relações entre o destinatário e o emissor;
do a mensagem, isto é, o sinal transmitido de forma que ele 6) o emissor, isto é, aquele que simboliza a fonte das mensa
possa compreender. O destino indica o ponto de chegada da gens e que as transmite;
mensagem. 7) o meio, isto é, o quadro geral ecológico do meio educativo
Temos, então, aqui os elementos de base de uma teoria da imediato ao meio societal mais afastado.
comunicação que falta, no entanto, completar. Efectivamente,
este esquema negligencia o contexto do emissor e do receptor Determinemos que o termo comunicação está a ser utilizado
ou considera esse contexto unicamente como uma fonte de num sentido muito amplo. Ele pode descrever qualquer forma
ruído. E necessário também observar que este esquema não de informação, seja ela unidireccional como uma palestra ou
considera a questão do significado ou da finalidade. Esta é uma conferência; bidireccional como um diálogo entre duas
considerada não pertinente e colocada fora do sistema da pessoas; retro-informativa como, por exemplo, os comentários
comunicação. Embora o significado não esteja integrado nos que dirigimos a nós mesmos; ou ainda pluridimensional, no
elementos da comunicação utilizados neste estudo, ele está, sentido em que uma mensagem pode ser comunicada ou recebi
implícita ou explicitamente, sempre presente na teoria da da sob diversas formas sensodais incluindo, entre outras, a tele
comunicação. patia, a darividênda, a telecinética e a premonição.
44 45
O contexto geral da comunicação, ou o meio, é também com deveria ser. Esta imagem é ditada pelo conjunto coerente das
preendido num sentido amplo. A comunicação ocorre num ia funções que definem a dimensão normativa do paradigma edu
quadro «concreto>’. Faz intervir pessoas, grupos, comunidades, cacional e que estão sempre em relação dialéctica com a prática
colectividades, instituições, organizações, recursos, materiais e, educativa actualizada através de uma abordagem educacional,
para alguns, um cosmos, deuses, um Deus, extraterrestres, etc. dimensão exemplar do paradigma educacional.
Embora um elemento da comunicação pedagógica possa tor
nar-se preponderante, os outros elementos não são totalmente
2.1.3. O ELEMENTO POLARIZADOR DO PARADIGMA
eliminados, sofrendo uma transformação pelo facto de não pos
EDUCACIONAL suírem um valor «central», mas «operatório». Deste modo,
encontramos no paradigma humanista da educação uma forma
O elemento polarizador de um paradigma educacional tem a de saber dependente da importância que se confere à pessoa.
propriedade de transformar qualitativamente os outros compo
Este paradigma poderá valorizar as intuições e até mesmo as
nentes da comunicação educativa. Para darmos apenas um
percepções extra-sensoriais; tal não é o caso do paradigma
exemplo, diremos que o paradigma humanista da educação
racional que valoriza os conhecimentos obtidos por indução e
tem, como função geral, contribuir para o nascimento de uma
sociedade centrada na pessoa. Assim sendo, a noção de comu dedução.
nicação educativa, objecto essencial do paradigma educacional, Se voltarmos agora aos elementos da comunicação pedagó
é transformada e assume um sentido bem diferente do que teria gica, as orientações do paradigma sociocultural podem polari
no paradigma racional da educação, que possui como função zar-se, em termos do plano da organização educativa, em redor
geral a conservação da sociedade industrial. de um ou mais dos seguintes elementos:
Quando um professor organiza a sua prática quotidiana de
ensino, isto é, a comunicação educativa, fá-lo em função do que 1) o conteúdo da comunicação;
deveria ser o essencial da comunicação. Se esta representação, 2) os meios da comunicação;
além de ser uma imagem, se tomar reguladora e servir de arma 3) o destinatário;
dura central, de eixo em que se baseia toda a comunicação, de 4) as relações entre o destinatário e o seu meio;
guia que orienta todas as acções possíveis, ela constituirá, então, 5) as relações entre o destinatário e o emissor;
um projecto central para a prática da comunicação educativa. E 6) o emissor;
tornar-se-á o motor de um conjunto de elementos diversos 7) o meio.
(recursos, valores, indivíduos, teorias, etc.).
Com o conceito de projecto central, não apenas falamos de Esta polarização em tomo de um elemento da comunicação
Gestalt ou de conjunto «significativo’>, mas também da consti pedagógica indica a função geral do paradigma educacional,
tuição deste significado geral. Coloca-se, então, uma questão função esta que traduz o projecto central do paradigma educa
crucial, a de saber qual a origem deste sentido geral. Recorren cional em termos de mudança: permanência, adaptação ou
do à teoria da comunicação, podemos afirmar que a organiza transformação radical da sociedade. Alguns exemplos podem
ção de uma comunicação educativa faz-se normalmente em facilitar a compreensão do conceito de elemento polarizador.
torno de um elemento (ou de um conjunto de elementos) da Assim, no paradigma tecnológico, as pessoas preocupam-se
comunicação. Este elemento transforma-se no eixo fundamental com os meios de comunicação e a organização desta comunica
das orientações que serão dadas à prática educativa. Por outras ção nos seus modos, na sua forma e no seu conteúdo, e com a
palavras, esta prática depende sempre da imagem daquilo que conservação da sociedade industrial. No paradigma humanista,
46 47
li
as pessoas estão preocupadas com o receptor, as suas necessida uma característica fundamental, isto é, um elemento polariza
des, desejos e vontades, e com a criação de uma sociedade cen dor. Anteriormente afirmámos que a função geral sintetiza o
trada na pessoa. paradigma educacional e define o elemento polarizador da
comunicação pedagógica. Impõe-se, então, uma questão:
2.1.4. A DIMENSÃO EXEMPLAR como explicar a diferença observada entre abordagens ligadas
Falámos da dimensão normativa dos paradigmas educacio a uma mesma dimensão normativa, ou seja, a um mesmo con
nais, dimensão essa constituída por um conjunto de funções. junto coerente de funções?
Examinámos com mais pormenor as operações escolhidas para Parece-nos, e a observação empírica reforça esta impressão,
actualizar as funções dos paradigmas educacionais. que a abordagem pedagógica estrutura-se a partir de duas fun
Quando um autor, um investigador ou um professor opta por ções. Primeiro, a [unção geral que sintetiza de alguma forma a
uma abordagem pedagógica procura encontrar as estratégias e dimensão normativa do paradigma educacional e que constitui
as operações pedagógicas necessárias para atingir um fim. Ele o seu projecto central ao definir o elemento polarizador da
dá consistência a um projecto que, sem isso, permaneceria abs comunicação pedagógica. Em seguida, uma outra função que
tracto e não teria repercussão concreta na prática quotidiana. Eis aparece como uma escolha secundária ou subdominante e que
o motivo pelo qual a abordagem pedagógica define, na nossa define o plano da comunicação educativa, um elemento secun
opinião, a zona operacional de um paradigma educacional. dário. Os elementos polarizador e secundário caracterizam e
constituem a abordagem pedagógica. Por outras palavras, o ele
As pessoas que reflectem sobre a educação ou a pedagogia
referem-se directamente a abordagens pedagógicas, isto é, a mento polarizador combina-se com um segundo, o elemento
conjuntos teóricos e práticos que contêm indicações sobre secundário, para criar uma abordagem pedagógica. Efectiva
((como fazer’>, sobre a organização necessária à comunicação mente, o elemento secundário limita o campo do elemento pola
rizador e especifica-o, permitindo assim o nascimento por dife
pedagógica. A abordagem pedagógica é mais «paradigmática>’,
renciação das abordagens pedagógicas. A análise permite-nos
no sentido de exemplo a seguir ou a imitar, do que a dimensão
constatar uma bipolarização e até mesmo uma fripolarização
normativa. É, aliás, por isso que a designamos por dimensão
das abordagens pedagógicas. Por exemplo, com a abordagem
exemplar. O professor procura tanto um exemplo como um
tecno-sistémica o elemento dominante, a eficácia dos processos
quadro teórico ou axiológico (dimensão normativa). No entan da comunicação, combina-se com um elemento secundário, a
to, ao adoptar uma abordagem pedagógica, aceita explícita ou organização da comunicação. A evolução das abordagens peda
• implicitamente, por um lado, a teoria educativa que subjaz à gógicas parece orientar-se para uma tripolarização dos elemen
• abordagem, e por outro, as funções por ela cumpridas. tos. Assistiremos, então, ao nascimento, na reflexão pedagógica
E necessário compreender que há uma multiplicidade de contemporânea, de abordagens pedagógicas centradas em três
abordagens pedagógicas, visto haver uma multiplicidade de pólos e até em mais. (Bertrand, 1990).
formas de conceber a organização concreta necessária para.
realizar um fim. Se nos reportarmos às taxonomias publica 2.2. UMA NOMENCLATURA DOS PARADIGMAS
das, poderemos enumerar mais de oitenta abordagens peda
gógicas que gozam de uma certa notoriedade pública (Lapp e SOCIOCULTURMS E EDUCACIONAIS
outros, 1975; Joyce .e Weil, 1986; Bertrand, 1990). Podemos Apresentamos agora, a fim de facilitar a leitura dos capítulos
identificar nestas abordagens, famílias, dependências, seme seguintes, uma nomenclatura dos paradigmas educacionais.
lhanças. Com efeito, algumas delas têm os mesmos objectivos Indicamos igualmente as relações entre estes dois tipos de para
e os mesmos fins. Estes agrupamentos possuiriam, então, digmas.
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