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3.

Fundamentação Teórica

Ao realizarmos observações, se torna perceptível verificarmos que o diferente é


vivenciado a todo momento no processo de interação social do ser humano, seja na família, na
igreja ou até mesmo no trabalho, a presença da distinção entre sujeitos está intrinsecamente
vinculada a sociedade. A sala de aula, que pode ser caracterizada como um espaço
responsável por reunir um conjunto de diversas manifestações de pensamentos, expressões e
comportamentos, também carrega em sua esfera esse elemento. Mas a existência dessa
heterogeneidade no ambiente escolar nem sempre é aceita, e por vezes pode se apresentar
incômoda, principalmente quando abala aquilo que é socialmente estabelecido como norma.
Quando uma criança é inserida na educação básica, um conjunto de expectativas são
postas sobre ela, surgindo determinadas cobranças. O estranhamento do diferente surge
quando os resultados se apresentam contrários aos que foram esperados. Como relata Ribeiro
(2014, p. 124), “ao instituir e demarcar o que é normal e aceito nesse espaço, a instituição
escolar produz classificações e demarcações de anormalidade”. Tais definições, embasadas
nos aspectos da norma no ambiente escolar, por vezes são atravessadas pelos discursos que
estabelecem determinadas manifestações de gênero e sexualidade como padrão.
Durante o processo histórico do ser humano, alguns elementos acabaram se definindo
como modelos a serem seguidos. Quando olhamos para o gênero, é perceptível que foi
instaurado um conjunto de manifestações vinculadas ao sexo biológico, onde os sujeitos,
marcados por genitálias, possuem performances a serem realizadas. Scott (1995, p.72)
discorre gênero como “(...) caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”.
Corroborando com a fala da autora, é possível percebemos que o mecanismo regulador se
fundamenta nas noções de masculino e feminino, colocando sobre os corpos, no processo de
interação social, a exigência constante de demonstrações.
A sala de aula pode agir como um instrumento de construção de “verdades” sobre os
gêneros, tal ação advém da representação da masculinidade e feminilidade realizados através
de elementos como repetição e constância (Felipe, 2000). Contudo, o incômodo relacionado
ao Outro1 na instituição escolar pode não emergir de maneira pacífica, resumindo-se em uma
simples observação das ações, quando notado, aparelhos de correção tem a possibilidade de
serem acionados, em uma tentativa de erradicação dos considerados desviantes, anormais e
até mesmo abjetos.

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Para Louro (2019), o Outro corresponde aqueles sujeitos que fogem a norma estabelecida socialmente,
desvinculados do alinhamento relacionado ao padrão sexo, gênero e sexualidade.
Tendo em vista que ao mesmo tempo em que são instruídos os conteúdos curriculares
das disciplinas, a escola ensina, e sobretudo impõe, estereótipos ligados aos padrões de gênero
e sexualidade. A ideia dos sujeitos normalizados que o ambiente escolar busca padronizar,
atravessados pelas características de masculino e feminino, por vezes está centrada na
denominada heteronormatividade. Para Miskolci (2009), o termo surgiu em 1991 através de
Michael Warner e corresponde ao modo de como a sociedade está pautada, estimulando a
afirmação de um modelo único de organização. Dessa forma, o aparecimento de uma falsa
concepção de naturalidade se une aos elementos sociais.
No que se refere a etimologia, podemos perceber em sua constituição as palavras:
hetero, que se refere a elementos não semelhantes, e normatividade, se origina da palavra
norma, remetendo um modelo de regulação. Entretanto, a palavra hetero nesse sentido recebe
a derivação da heterossexualidade, orientação sexual caracterizada pela atração do sexo
oposto. Dessa forma, o termo heteronormatividade pode ser entendido como um parâmetro
regulador da heterossexualidade.
No entanto, a heteronormatividade ultrapassa os elementos relacionados a atração do
sexo oposto. Para Junqueira (2013), mesmo que aceite as relações homoafetivas, ela impõe
discursos, valores e práticas que a heterossexualidade recai como expressão do gênero, e deve
vivenciada a todo momento, como único modelo reconhecido como natural. No ambiente
educacional, ela pode ser verificada através das práticas dos docentes, no currículo
educacional, nos materiais pedagógicos e até mesmo por meio de neutralidades perante a
determinada situações, sendo algo rotineiramente reforçado.
As práticas educativas que se utilizam do discurso da norma sexual acabam
segregando os alunos no processo de socialização. Louro (2014, p. 83) aborda “a separação de
meninos e meninas é, então, muitas vezes, estimulada pelas atividades escolares, que dividem
grupos de estudo ou que propõem competições”. A partir do momento que acontece um
rompimento da fronteira de gênero criada, com meninos invadindo “espaços” femininos e
vice-versa, a escola tende a realocar os considerados desviantes.
Para Louro (2019), a escola é um importante aliado desse processo de naturalização,
sendo um ambiente que interioriza nos alunos que a heterossexualidade “seria algo ‘dado’
pela natureza, inerente ao ser humano. Tal concepção usualmente se ancora no corpo e na
suposição de que todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma” (p. 12).
Definir a heterossexualidade como natural parte de um grande equívoco, a natureza não
delimita espaços e impõe comportamentos, todas essas questões alinhas aos padrões a serem
seguidos são criações que nasceram a partir dos processos de interação social dos seres
humanos.

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