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O filme Extraordinário nos apresenta Auggie Pullman, um menino de 10 anos que

pela primeira vez passa a frequentar a escola. Auggie é uma criança sonhadora,
criativa, têm admiração por personagens de desenhos, jogos e filmes como outras
crianças de sua idade. Existe também algo incomum na vida dele, trata-se de uma
síndrome rara caracterizada por deformidades craniofaciais, chamada síndrome de
Treacher Collins.
A incidência aproxima-se de 1:40.000 a 1:70.000 casos por nascidos
vivos, não existindo preferência por sexo ou raça. A transmissão
ocorre ao acaso, mas é suspeitado uma transmissão autossômica
dominante de expressividade variável (2,3). A probabilidade de uma
criança herdar a condição quando um dos progenitores apresenta a
síndrome é de 50%.(SILVA et al, 2008)

A síndrome de Treacher Collins é hereditária, trata-se de uma transmissão


autossômica dominante. Gene autossômico se caracteriza pela determinação das
características em geral do ser humano. Já no caso de ser dominante, demonstra
que quando o progenitor é portador daquela síndrome, seu descendente terá 50%
de chance de desenvolver. Quando nas gerações anteriores não houve
manifestação desse distúrbio, em casos isolados, pode ocorrer uma mutação
genética. Olivia, a irmã do Auggie, explica em uma cena no filme que ambos os
progenitores possuem o gene dessa síndrome.
Em biologia, as mutações consistem em variabilidades genéticas,
consideradas importantes já que possibilitam novas informações genéticas e até
mesmo o surgimento de novas espécies. Entretanto, as mutações podem ser
também patogênicas, como retratado nesse caso. As mutações patogênicas são
consideradas raras em comparação a outros tipos de mutação. Conforme a apostila
da disciplina Genética do comportamento, “Toda variação genética se origina em
um processo conhecido como mutação, que é definida como uma alteração da
sequência de nucleotídeos ou no arranjo de DNA”. Dessa forma, a mutação ocorre
quando há uma alteração na replicação do DNA, fazendo com que a cópia
proveniente dessa replicação não seja igual a original. É importante ressaltar que a
mutação também pode ocorrer por fatores externos.
As características que a síndrome provoca no indivíduo consistem no
comprometimento dos ossos da face, fissuras na pálpebra, mandíbula pequena,
malformação das orelhas, fissura palatina que é a abertura no céu da boca e outras
deformidades que causam dificuldades na respiração, alimentação e audição.
Auggie Pullman tem uma família muito presente, fornecem-lhe apoio, carinho
e proteção. No decorrer do filme é possível notar a preocupação de seus pais,
demonstrando preocupação e medo de que seu filho tenha problemas na vida
escolar, no que diz respeito ao relacionamento com outras crianças, assim como
sua autoestima e as questões relativas à síndrome. O filme nos leva a uma
perspectiva interessante, de uma história sendo narrada por múltiplos personagens,
onde todos tem suas diferenças e dificuldades. Também demonstra a forma como
cada personagem passa a lidar com as questões apresentadas, onde inclusive
Isabel e Nate mãe e pai de Auggie, precisam lidar com suas preocupações e
inseguranças.
A experiência do protagonista no ambiente escolar é muito rica, aprendendo
não só aspectos relativos ao acadêmico, mas também com as relações que cria
neste local e todas as interações provenientes dessa experiência. No início existem
grandes dificuldades, que ao longo do tempo se modificam através da receptividade
de alguns colegas e a maneira como o próprio Auggie age no ambiente, sendo
participativo nas aulas e buscando interação com outros alunos em alguns
momentos.
O processo de escolarização desempenha papel
fundamental no processo de constituição do indivíduo. Segundo
Sawaya (2002) apud (TORO, NEVES, REZENDE, 2010), a escola
parece portar funções variadas, entre elas: função social, ao
compartilhar com a família a educação de crianças e jovens, função
política, quando contribui na formação do cidadão, e função
pedagógica, na medida em que é local privilegiado para transmissão
e construção de conhecimento (TORO, NEVES, REZENDE, 2010).

Auggie faz amizades, cria laços e passa a experimentar novas vivências,


mas também enfrenta graves problemas no que diz respeito ao bullying, uma prática
dotada de sofrimentos ainda tão recorrente nas escolas. Consiste em agressões dos
mais diversos tipos com o objetivo de inibir e humilhar a vítima, assim como
constituir uma relação de poder. No filme, pode-se observar a dificuldade em se
conviver com a diferença por parte de alguns alunos e além disso, é reforçada pelo
próprio comportamento dos pais da criança que praticou tal violência. Os pais de
Julian, personagem do filme que pratica o bullying, questiona a seriedade do
ocorrido quando são chamados na escola e expõe até mesmo um preconceito por
parte deles, defendendo a atitude da criança e acusando as providências e
posicionamento da escola sobre o caso.
Independentemente de como o fenômeno é nomeado, o bullying se
refere a posturas violentas, físicas ou verbais, entre os estudantes, sem que
exista uma motivação aparente. A Associação Brasileira de Proteção à
Infância e Adolescência (Abrapia) propõe que o termo bullying seja
compreendido como ações agressivas, físicas ou verbais, intencionais e
repetidas, que ocorrem entre os estudantes sem um motivo específico, em
que um indivíduo ou mais causam angústia e dor ao outro, estabelecendo
assim uma relação desequilibrada de poder (TORO, NEVES, REZENDE,
2010).

Uma fala do filme que merece bastante atenção é quando a mãe do Julian
diz que as crianças não estão preparadas para esse tipo de situação e deixa a
entender que, dessa forma, segregar Auggie é uma solução possível. Esta é uma
fala um tanto problemática, na medida em que é realmente uma questão que
precisa ser trabalhada no meio escolar, mas que de forma alguma pode ser
excludente, pelo contrário precisa ser um trabalho integrativo e inclusivo. A
informação, conscientização e todo trabalho decorrente disso deve almejar a
equidade e uma educação que de fato alcance à todos.
A escola pode ser um lugar de construção, de aprendizagem de mundo,
constituição dos sujeitos, lugar de afeto, de humanização do homem, conhecimento
cultural, científico, social e crítico, assim como um lugar de troca de experiências.
Entretanto, a realidade se afasta das tantas possibilidades desse lugar a medida
que a escola se posiciona com uma suposta neutralidade, onde os modelos
tradicionais permanecem enrijecidos frente à atualidade e a diversidade presente na
escola. É um espaço em que perpassam preconceitos advindos da sociedade e
muitas vezes pouco é feito sobre isso.
Nesse sentido, pensar em um processo de inclusão escolar
que dê conta das ações excludentes que cercam as escolas
é assumir que muita atenção deve ser dada ao caráter
elitista e homogeneizante das práticas pedagógicas e suas
inadequações na abordagem da diversidade dos alunos, e
que exige de nossas consciências um despertar mais ético
ante a questão social fundada por exclusões e
desigualdades (GOMES, SOUZA, 2011).

A partir da temática que filme aponta, é possível refletir de que forma a


psicologia pode contribuir para que ocorra de fato a integração e a inclusão na
escola. Esse percurso não pode ser percorrido por apenas um profissional, mas
com a integração da família, da sociedade, dos alunos, corpo docente, ou seja todos
que participam da escola de alguma forma.
Compreendemos que, frente à inclusão, cabe intervir de diferentes formas:
(i) potencializar a discussão teórica sobre o tema, que deve traduzir-se em
práticas pedagógicas cotidianas alinhadas com as necessidades dos sujeitos
e da escola inclusiva; (ii) desenvolver novas metodologias de intervenção
institucional, com professores, coordenadores e estudantes, metodologias
que visem à permanência e ao sucesso acadêmico das pessoas com
deficiências e previnam a discriminação e o preconceito. Da mesma forma,
(iii) antevemos novas oportunidades de atuação, em termos de orientação
profissional inclusiva, ao estabelecer a ponte entre a escola e a vida dos
sujeitos, após a conclusão do ensino médio (OLIVEIRA, DIAS, p.92).

O novo foco da Psicologia Escolar não incide na escolarização, como um


fim si mesma, mas nas possibilidades que a permanência na carreira escolar
e as aprendizagens consistentes podem suscitar em termos do
desenvolvimento global da pessoa. Atuando desse modo, a psicologia
ultrapassa definitivamente o papel meramente classificatório que teve no
passado e chega a uma posição dinâmica, comprometida com a
emancipação, a autonomia e a cidadania dos estudantes (OLIVEIRA, DIAS,
p.92).

No caso do Auggie, sua família estava presente, os professores estavam


atentos sobre as relações dos alunos, como no caso onde o professor descobriu o
bullying e a escola buscou um posicionamento ético. Mesmo que tenham existido
diversos sofrimentos em relação à violência que ele sofreu na escola, ainda que
distante do ideal e do que se pode promover sobre conscientização, socialização e
bem-estar, houve algum movimento da escola. Mas, nem sempre esse caso
acontece, muitas escolas estão despreparadas teoricamente, tecnicamente, quanto
a materiais, postura e outros aspectos que tem o intuito de promover a integração
de alunos deficientes e pensar um aprendizado focado no desenvolvimento do
grupo e ainda, de que forma esse grupo acolhe aquele aluno. Existe um despreparo
muito grande que precisa ser melhorado, se faz necessário que as políticas públicas
existentes sejam efetivas na realidade e o profissional de psicologia tem muito a
contribuir. A prática psicológica permite uma conexão importante e benéfica entre
instituições como escola, família e sociedade, promovendo de fato a educação, a
inclusão, o desenvolvimento humano, as relações sociais e a aprendizagem.
Algumas práticas psicológicas nos permitem observar a constituição dos
sujeitos sob uma ótica mais ampla, contextualizando sua realidade e pensando suas
atitudes considerando aspectos sociais, históricos e culturais. Através da
perspectiva sociocultural construtivista da Psicologia cultural é possível analisar a
individualidade crescente na contemporaneidade, gerando competitividade,
agressividade e hostilidade em diversos ambientes, inclusive na escola (MANZINI,
BRANCO, 2012). Por esse viés, nos processos grupais que existem nesse meio
individualizante, os sujeitos tendem a se identificar com determinados grupos
valorizando a identidade daquele grupo em detrimento de outros. No filme Julian faz
parte de um pequeno grupo que concorda com suas atitudes e participa das práticas
de bullying. Ele tenta convencer Jack Will (amigo de Auggie) de que seu grupo é
melhor que a companhia de seu amigo. A competitividade surge a partir do
momento em que Julian diz para Auggie o quanto a aula de ciências é difícil e
demonstra acreditar que o aluno novo não conseguiria acompanhar, assim como
busca fazer com que ele se sinta inferior por nunca ter frequentado a escola antes.
A competitividade, violência e o bullying demonstram que alguma medida
precisa ser tomada, novas práticas e novas maneiras de constituir a educação. A
psicologia têm se mostrado necessária nesse processo de mudança emergencial
que o ambiente educacional necessita, para que ele se torne um lugar acolhedor e
dotado de possibilidades.
Desenvolver atividades diárias na escola nas quais as crianças tenham a
oportunidade de desenvolver a empatia é fundamental para as práticas pró-
sociais. O caminho, portanto, não é ensinar os alunos a ajudarem os outros
simplesmente por ser o certo a ser feito. O foco da educação na escola e na
família deve estar em demonstrar, por meio do diálogo e de práticas sociais,
o valor do outro, e em sentir-se bem ao respeitá-lo e ajudá-lo. Gomes Pinto

(2007, p. 30 apud MANZINI, BRANCO, 2012, p. 172) . sugere que: No caso,


o professor ajuda a criança agressora a entender porque agredir física ou
moralmente não é um comportamento adequado, mostrando a ela quais são
os sentimentos da criança agredida e, ainda, formas de lidar com oposições
de forma construtiva (MANZINI, BRANCO, 2012, p. 172).

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