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1. Introdução
Logo de início gostaríamos de indicar que esta introdução à disciplina será de-
senvolvida lançando mão de recursos de imagens no sentido de facilitar a
compreensão das re�exões que serão propostas. Com isso, pretendemos pro-
mover a você uma leitura agradável e que seja representativa de acontecimen-
tos ocorridos na sociedade em geral e na escola em particular.

Caro/a aluno/a, não seria um exercício difícil de ser realizado se fôssemos es-
timulados/as a revisitar nossas memórias sobre a escola ou nossas vidas es-
colares. Algumas das recordações do nosso processo de escolarização nos tra-
zem boas lembranças, outras nem tanto. Em linhas gerais, as memórias que
possuímos da escola englobam tanto experiências positivas quanto negativas.
Ao passo que a instituição escolar nos faz recordar a construção de amizades,
de descobertas, de aprendizagens, de alegrias por diferentes motivos, também
é possível que nos ocorra episódios de frustrações, de desapontamentos, de
autoritarismos e de exclusões.

Porém, todos/as temos histórias para serem contadas dos tempos em que fre-
quentamos a escola, sobre os/as colegas de turma, os/as nossos/as professo-
res/as, o recreio e de muitas outras experiências vividas. É fato que passamos
muito tempo na escola, pois essa instituição faz parte do cotidiano de nossa
infância e adolescência, podendo prolongar essa relação na vida adulta ao nos
tornarmos professores/as e/ou pais e mães.

É de conhecimento de todos/as nós que a instituição escolar está inserida em


um dado contexto social. Com efeito, isso implica reconhecermos que muitas
regras, sejam explícitas ou implícitas, ligadas aos comportamentos, aos con-
teúdos e às avaliações, dentre outros elementos, com as quais nos deparamos
no cotidiano escolar são re�exos de questões sociais que encontramos no
mundo, em nosso país, estado, cidade, bairro e no entorno da própria localida-
de onde a escola encontra-se em funcionamento.

Mas vejamos que curiosa contradição com a qual nos deparamos. Essa mes-
ma instituição que carrega em si as marcas oriundas da sociedade, é pouco
�exível ou absolutamente impermeável às diversidades sociais e culturais
trazidas para o seu interior por estudantes, professores/as, equipe gestora e
responsáveis pelos/as alunos/as.

Há o reconhecimento de que existem inúmeras singularidades trazidas de fo-


ra do contexto escolar para o seu interior junto com diferentes pessoas que cir-
culam pelos seus limites, porém estas, recorrentemente, são rotuladas como
inapropriadas para a escola em virtude de seu exotismo e, portanto, não de-
vem estar presentes naquele espaço.

Por meio de imagem a seguir, contida no livro Cuidado, escola! (Harper et al.,
1987), podemos re�etir sobre o lugar das diferenças nas vivências escolares.
No caso em tela, como a escola procura deixá-las de fora de seu espaço e de
suas experiências por não considerá-las como um elemento essencial ao pro-
cesso de ensino e de aprendizagem.
: Harper et al. (1987, p. 53).

Figura 1 “Onde só é permitido o que não é proibido”.

É possível a�rmarmos, então, que historicamente temos observado a di�cul-


dade da escola, do sistema de ensino em geral e das pessoas que dele fazem
parte em lidar com a questão da diversidade. Essa inabilidade re�ete a lógica
cultural excludente da sociedade da qual fazemos parte. Além disso, também
é possível constatarmos que a exclusão da pauta da diversidade nas escolas
se constitui igualmente a partir da falta ou da precária formação dos/as pro-
fessores/as, da equipe gestora e de funcionários/as em lidar com a questão.

A diversidade é parte constituinte da cultura, bem como está presente no con-


vívio estabelecido entre diferentes grupos sociais. Como as pessoas possuem
origens culturais diversas acabam por perceber e experimentar o mundo de
modos distintos, sempre orientadas pelos aprendizados das regras sociais
oriundas do grupo ao qual pertencem. É justamente o fato de estarmos vincu-
lados a uma dada cultura – e, assim, não pertencermos às demais – que as di-
ferenças existentes entre as pessoas são produzidas. Nesse sentido, como a
cultura nos é sistematicamente ensinada através do processo contínuo de
aprendizagem cultural denominado socialização, é comum atribuirmos a ela
um caráter natural e imutável. Você já deve ter ouvido falas do tipo: "Isso é na-
tural, está no sangue" ou "Isto nunca vai mudar, pois sempre foi assim". Falas
como essas exempli�cam a perspectiva natural e estagnada de como muitas
pessoas compreendem a cultura.

No contexto escolar, discursos como esses também são recorrentes. “O papel


do professor não é resolver con�itos” ou “esse aluno não aprende porque a fa-
mília dele é desajustada” são alguns dos exemplos de falas recorrentes que ou-
vimos ou até mesmo reproduzimos em alguma medida. No entanto, precisa-
mos estar atentos/as a estes discursos e compreender como eles podem reper-
cutir de maneira negativa em nossa realidade, em particular, no contexto da
escola. Em virtude de sua característica falaciosa, ou seja, de sua falsidade,
pois não encontram sustentação fática, podem autorizar, ainda que de manei-
ra velada, o preconceito e a exclusão de determinadas pessoas ou grupos soci-
ais presentes na escola.
Você já parou para pensar que somos produtos da dinâmica cultural e de um
dado tempo histórico nos quais estamos inseridos? Pois é, de maneira geral,
muitas vezes interpretamos como pertencentes à nossa natureza aspectos que
são produzidos socialmente. Dessa forma, somos inclinados/as a interpretar
aquilo que não (re)conhecemos como algo ligado à esfera do estranho, do erra-
do, do esquisito, do inadequado, dentre outras adjetivações, e que, portanto, de-
ve ser excluído ou, em último caso, eliminado.

Neste momento você deve estar se perguntando: mas o que a escola tem a ver
com tudo isso? Não é estranho para nós a a�rmação de que a escola recebe
pessoas muito diferentes entre si, e que essas diferenças podem se dar tanto
no plano pessoal quanto em sua dimensão social. Cabe re�etirmos nesse mo-
mento sobre as diferenças de ordem social, pois apesar de não desconsiderar-
mos as outras instâncias da vida de uma pessoa, é no plano da vida social que
os processos de hierarquização entre as diferenças são produzidos.

Como fruto de um longo processo de construção histórica, a escola tem baliza-


do suas experiências educativas na ideia de que todas as pessoas que frequen-
tam o seu recinto devem ser tratadas a partir dos mesmos critérios formais
em avaliações, currículos, práticas pedagógicas, dentre outros aspectos, por
entender que esse seria o melhor método para desenvolver o processo educati-
vo além de promover a inclusão dos/as estudantes. Dessa forma, pretende-se
democrática ao balizar todas as suas práticas pela lógica da padronização (ho-
mogeneização), ao invés de promover a inclusão efetiva das diversidades soci-
oculturais em seu cotidiano.

Vejamos a ilustração a seguir:


: Harper et al. (1987, p. 70).

Figura 2 “Pontos obscuros”.

Procura-se, então, promover um tratamento uniforme a pessoas com origens


sociais e culturais e histórias de vida diferentes entre si e que, portanto, não
deveriam ser contempladas a partir de uma mesma visão tradicional do pro-
cesso de ensino e de aprendizagem.

Novamente recorremos a uma imagem do livro Cuidado, escola!, mas agora


para ilustrar de forma clara como o processo educativo no contexto escolar é
uniformizador e tenta colocar no mesmo molde pessoas muito diferentes en-
tre si:
: Harper et al. (1987, p. 72).

Figura 3 “A escola não leva em conta as diferenças”.

Quando as diferenças �cam evidentes no contexto escolar, elas em geral são


tratadas como algo fora da normalidade, na esfera do exótico. Isso ocorre o
tempo todo tanto na escola como na vida social. É importante lembrarmos
que a escola também é uma instituição social e como tal está inserida em um
determinado contexto sócio-histórico e por ele é in�uenciado em suas práti-
cas cotidianas.

A escola não se resume exclusivamente à sua organização institucional, mas


é dependente das relações sociais estabelecidas entre as pessoas que ali estão.
Em seu interior, os con�itos tornam-se evidentes em virtude das diferentes
formas de expressão de comportamento, valores e modos de vida das pessoas
que lá estão em virtude de sua tradição secular e da compreensão de que este
seria um espaço para ensino de valores universais, e por qual motivo não di-
zer, da cultura universal.

En�m, a instituição escolar apresenta di�culdades em lidar com as diferenças


justamente porque em sua dinâmica identi�camos uma contradição insolúvel
que aparece na forma como ela foi criada e permanece até os dias de hoje. Não
é fácil que uma instituição criada para padronizar e dar unidade a indivíduos
por vezes muito diferentes se torne democrática e aberta às diferenças.

Se é verdade que a existência da diversidade na escola pode ocasionar con�i-


tos de diferentes ordens, deve estar su�cientemente claro para nós que o ponto
nodal a ser enfrentado não reside na diversidade, mas nas desigualdades
construídas. A diversidade deve ser entendida como elemento sinônimo de ri-
queza, e deve ser valorizada no contexto das práticas pedagógicas desenvolvi-
das na escola (e fora dela). É preciso que ela esteja presente nos currículos es-
colares, nas experiências e nas relações entre as pessoas que convivem nesse
espaço. Portanto, se faz necessário compreendê-la e respeitá-la.

É na esteira da argumentação que a nossa disciplina se insere. Vamos nos de-


dicar a compreender o ensino da Educação Física em diferentes realidades so-
cioculturais, ou seja, nos debruçaremos em entender o processo educativo no
interior desse componente curricular a partir do contexto não urbano e tam-
bém das comunidades e dos agrupamentos étnicos distintos. Portanto, a edu-
cação do campo, a educação escolar quilombola, a educação escolar indígena
e as práticas da Educação Física em ambientes não urbanos serão os conteú-
dos privilegiados e os motivos das re�exões que faremos juntos/as.

Essa possibilidade deve ser saudada e foi legitimada em nossa área com a pu-
blicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em
Educação Física no ano de 2018 (BRASIL, 2018). Ao ser publicizada, os cursos
de graduação na área devem se adequar para contemplar em suas estruturas
curriculares o debate em torno dos aspectos que vamos tratar em nossa disci-
plina. O professor licenciado em Educação Física deve estar em profunda sin-
tonia com o seu tempo e, para isso, ser capaz de promover intervenções signi-
�cativas que levem em consideração o cenário apresentado nesta introdução.

Como indicado, a disciplina está organizada da seguinte em cinco ciclos que


contemplarão os conteúdos a serem estudos. No primeiro ciclo nossas aten-
ções estarão voltadas ao entendimento das interfaces existentes entre educa-
ção, Educação Física e cultura(s). Já no segundo ciclo, vamos compreender a
educação do campo no cenário educacional brasileiro e o ensino da Educação
Física nesse contexto. A educação escolar quilombola é o conteúdo central do
terceiro ciclo da disciplina. Compreender o seu cenário no Brasil, bem como o
ensino da Educação Física no âmbito dessa modalidade da educação básica
será o nosso desa�o. O quarto ciclo destaca a educação escolar indígena e pro-
curaremos como se estrutura o processo educativo da Educação Física nesse
contexto. Por �m, no quinto ciclo

Esta disciplina foi preparada com o rigor acadêmico-cientí�co necessário,


mas também com muito carinho para que os conteúdos aqui desenvolvidos
possam colaborar com a sua formação pro�ssional.

Desejamos a você ótimos estudos!

2. Informações da disciplina
Ementa
A disciplina Educação Física em Ambientes Não Urbanos e em Comunidades
e Agrupamos Étnicos distintos no contexto do curso visa fornecer subsídios
para compreensão do processo de ensino da Educação Física escolar a partir
de uma proposta engajada no respeito às características ambientais e socio-
culturais de grupos étnicos distintos. Dessa forma, propõe o estudo das inter-
faces entre educação, Educação Física, multiculturalismo e educação intercul-
tural, a �m de desvelar possibilidades para a prática pedagógica. Realiza o es-
tudo do ensino da Educação Física no contexto da educação do campo.
Analisa a inserção da Educação Física na educação escolar quilombola.
Discute o ensino da Educação Física na educação escolar indígena. Re�ete so-
bre a prática pedagógica em Educação Física escolar em ambientes não urba-
nos.

Objetivo geral
Os alunos da disciplina
, a partir do conhecimento rela-
cionado ao contexto não urbano e de diferentes comunidades e agrupamentos
étnicos distintos, serão capazes de planejar, desenvolver e avaliar a prática pe-
dagógica em Educação Física no contexto da educação do campo, da educa-
ção escolar quilombola, da educação escolar indígena e de ambientes não ur-
banos . Para isso, contarão não só com as obras de referência, mas também
com outras referências bibliográ�cas, eletrônicas, links de navegação e víde-
os.

Ao �nal desta disciplina, de acordo com a proposta orientada pelo professor


responsável e pelo tutor a distância, terão condições de propor situações de
ensino no âmbito da Educação Física levando-se em consideração as especi�-
cidades das diferentes comunidades e agrupamentos étnicos e dos espaços
não urbanos. Para esse �m, levarão em consideração as ideias debatidas na
Sala de Aula Virtual, por meio de suas ferramentas, bem como suas produções
durante o estudo.

Objetivos especí�cos
• Entender as relações entre educação, multiculturalismo, educação inter-
cultural e Educação Física e os desa�os impostos à prática pedagógica
desse componente curricular.
• Compreender o ensino da Educação Física no contexto da educação do
campo.
• Compreender a inserção da Educação Física na educação escolar quilom-
bola.
• Discutir o ensino da Educação Física no contexto da educação escolar in-
dígena.
• Re�etir sobre a prática pedagógica em Educação Física escolar em ambi-
entes não urbanos.
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Ciclo 1 – Educação, Educação Física e Cultura(s)

Objetivos
• Compreender as interfaces existentes entre educação, Educação Física e
cultura(s).
• Reconhecer a diversidade cultural como uma característica do mundo
contemporâneo e o seu potencial para a formação dos estudantes na edu-
cação escolar.
• Entender o signi�cado do multiculturalismo e identi�car as suas diferen-
tes abordagens.
• Discutir as diferentes formas de abordagem da diversidade cultural no
contexto escolar.
• Conhecer as bases epistemológicas e didática da Educação Física cultu-
ral.
• Conhecer as noções de tematização, problematização, mapeamento, res-
signi�cação, aprofundamento e ampliação, registro e avaliação.

Conteúdos
• Relações entre educação, Educação Física e cultura(s).
• Abordagens do multiculturalismo – assimilacionista, diferencialista e in-
terativo.
• Bases epistemológicas e didáticas da Educação Física cultural.

Problematização
Quais relações podem ser estabelecidas entre educação, Educação Física e
cultura(s)? O que é multiculturalismo e quais as suas abordagens? O que é a
Educação Física cultural? Quais as suas bases epistemológicas e didáticas?

Orientações para o estudo


Este ciclo de estudos está estruturado de modo a compreendermos que a di-
versidade cultural é uma marca de nosso tempo. Portanto, vamos adentrar
nas relações existentes entre educação, Educação Física e cultura(s), procu-
rando estabelecer relações com a prática pedagógica do/a professor/a de
Educação Física na escola. Para tanto, usufrua das indicações de materiais ao
longo do texto, construa novos exemplos a partir daqueles que forem apresen-
tados, leia o texto e assista aos vídeos para uma melhor compreensão dos as-
suntos abordados neste ciclo de estudos.

Bons estudos!

1. Introdução
O mundo é diverso e este reconhecimento é um dos passos fundamentais para
caminharmos em direção a uma sociedade digna, justa e solidária. A plurali-
dade cultural presente nos dias de hoje destaca a urgência de promovermos
uma educação que transcenda a perspectiva limitada e limitadora do etno-
centrismo sociocultural.

A partir dessa constatação não é difícil chegarmos à seguinte conclusão: se a


nossa sociedade é constituída por múltiplas culturas, portanto, é de se esperar
que a escola também seja habitada por essa diversidade cultural. Nesse senti-
do, encontraremos em seu interior professores/as e estudantes que possuem
referenciais culturais, religiosos, étnicos, de gênero, de classe e de geração de
diferentes ordens.

No entanto, nos deparamos com uma situação bastante paradoxal. Muito em-
bora seja patente a presença da diversidade cultural como uma característica
de nosso tempo, esta percepção ainda enfrenta resistências de diversos gru-
pos e/ou indivíduos. A escola tem negligenciado os saberes e vivências prove-
nientes de grupos sociais cujas práticas culturais não se enquadram nos pa-
drões predominantes da cultura ocidental. Nesse sentido, a instituição escolar,
pautada por uma perspectiva universalista de cultura, parece enfrentar di�-
culdades para reconhecer que grande parte da população não se adequada a
essa concepção dominante de cultura.

Isso ocorre em virtude de um entendimento recorrente no imaginário social


que afeta as políticas e práticas educacionais. Trata-se de uma visão que apre-
goa a existência de uma identidade nacional, erigida sob uma ideia de Estado-
Nação e que deveria ser partilhada por todos/as os/as cidadãos/ãs que são
parte constitutiva dele. Dessa forma, por intermédio de uma ação homogeini-
zadora, a educação escolar, de maneira recorrente, desconsidera ou silencia as
diferenças culturais existentes em seu interior, exclui e subjuga minorias cul-
turais e enfatiza as desigualdades sociais.

Mas você deve estar se perguntando nesse momento: não existem alternati-
vas a esse cenário de predomínio da perspectiva monocultural na educação
escolar?

Muito se tem criticado o caráter monocultural da educação escolar. Silva


(2016) ao conceber o currículo como artefato social e cultural enfatiza a neces-
sidade de dimensioná-lo no interior de suas determinações sociais, de sua
história e de sua produção contextual. Segundo o autor, o currículo não é neu-
tro, transcendente e atemporal. Muito pelo contrário, nele estão as marcas das
relações de poder, das visões sociais particulares e interessadas e do momento
histórico vinculado a formas especí�cas de organização da sociedade e, em
particular, da escola.

Em seu cotidiano docente, um/a professor/a de Educação Física atento/a à


perspectiva apresentada por Silva (2016) colocaria diante de si os seguintes
questionamentos: No contexto escolar, por que alguns conhecimentos são pas-
síveis de legitimidade e outros não? Por que os conhecimentos ligados à cultu-
ra erudita possuem mais valor do que aqueles relacionados à cultura popular?
Quais as razões para que determinados componentes curriculares sejam mais
valorizados do que outros?

Tendo como premissa que cada cultura carrega consigo uma riqueza que pode
colaborar com o processo educativo, é fundamental fomentarmos o intercâm-
bio de saberes entre diferentes grupos sociais. Isso contribuirá para o processo
de valorização das identidades que são reiteradamente negligenciadas no
contexto escolar em favor de uma perspectiva monocultural. Para isso, se faz
necessário adotar uma perspectiva multicultural crítica (ou intercultural).

É nesse contexto que este ciclo discutirá os alicerces para uma nova leitura
das relações entre educação e cultura(s), para além da perspectiva monocultu-
ral da educação, bem como abordará os desa�os a serem enfrentados por pro-
fessores/as de Educação Física diante das questões colocadas pelo multicultu-
ralismo (crítico) nos dias de hoje e na efetivação de prática pedagógica na
perspectiva da educação multicultural crítica (ou intercultural).

Então, vamos prosseguir com as nossas re�exões?

2. A relação entre educação e cultura(s) sob o


prisma do multiculturalismo
Caro/a estudante, nesta seção abordaremos um tema relevante e afeto à re�e-
xão promovida neste ciclo que trata das relações entre educação, cultura(s) e
Educação Física. Discutiremos o multiculturalismo.

Segundo Candau (2013), a partir das interfaces existentes entre educação e


cultura(s) somos estimulados/as a nos situarmos diante das questões apre-
sentadas atualmente pelo multiculturalismo tanto em nível global quanto nu-
ma escala que contempla as realidades nacionais e locais nas quais estamos
inseridos/as.

Para uma abordagem adequada do tema, em um primeiro momento faremos


uma breve incursão sobre as suas origens históricas e em seguida apresenta-
remos as diferentes correntes identi�cadas nos estudos sobre o multicultura-
lismo. Então, vamos lá?

As palavras de Gonçalves e Silva (2003, p. 111) nos indicam que o caminho a


ser percorrido por nós no intento de buscar o contexto de gênese do multicul-
turalismo é adequado. Segundo o autor e a autora:

O multiculturalismo é o jogo das diferenças, cujas regras são de�nidas nas lutas so-
ciais por atores que, por uma razão ou outra, experimentam o gosto amargo da dis-
criminação e do preconceito no interior das sociedades em que vivem [...]. Isto sig-
ni�ca dizer que é muito difícil, se não impossível, compreender as regras desse jogo
sem explicitar os contextos sócio-históricos nos quais os sujeitos agem, no sentido
de interferir na política de signi�cados em torno da qual dão inteligibilidade a suas
próprias experiências, construindo-se enquanto atores.

Ao rastrearmos as origens históricas do multiculturalismo constataremos que


elas estão ligadas aos movimentos reivindicatórios dos grupos desprivilegia-
dos que surgem simultaneamente em diferentes partes do mundo. Com o �m
da Segunda Guerra Mundial, os países economicamente desenvolvidos do he-
misfério norte abrigaram em seu território um signi�cativo �uxo de migran-
tes oriundos/as de suas antigas colônias. Esse deslocamento populacional foi
impulsionado pelos distúrbios sociais e econômicos resultantes da exploração
histórica imposta a essas nações. No caso brasileiro, os contingentes migrató-
rios foram concomitantes aos períodos de ondas desenvolvimentistas que
marcaram a nossa história e que foram as responsáveis pelos deslocamentos
de grupos culturais das regiões mais empobrecidas do país em direção aque-
las que experimentavam franco desenvolvimento. A nova conformação resul-
tante desse processo forçou a convivência com os/as diferentes, ampliando,
assim, o contato entre culturas distintas (NEIRA; NUNES2009).

Também nos chama a atenção as particularidades do caso estadunidense que


demonstram uma relação do multiculturalismo com o contexto educacional.
Como apontam Neira e Nunes (2009), o multiculturalismo nos Estados Unidos
nasce como um movimento no âmbito educacional, de luta de grupos cultu-
ralmente marginalizados (negros/as, hispânicos/as, mulheres e homossexu-
ais) contra, em uma frente, o currículo universitário tradicional, e na outra, a
sistemática política de segregação das escolas. Neste último caso, cabe desta-
car que negros/as, hispânicos/as e asiáticos/as se diferenciavam dos/as esta-
dunidenses considerados/as legítimos/as, ou seja, os/as brancos/as descen-
dentes de europeus, por não frequentarem as mesmas escolas.
Observamos, assim, ao longo dos anos de 1960, violentos con�itos com moti-
vação étnica. O currículo das instituições escolares estadunidenses, entendido
como a cultura de referência, universal, em virtude das vozes silenciadas, ex-
pressava, na verdade, o privilégio da cultura branca, europeia, heterossexual,
masculina, patriarcal, isto é, uma cultura bem particular (NEIRA; NUNES
2009).

Sob os sinais de um processo de homogeneização cultural por parte dos gru-


pos sociais dominantes, os coletivos marginalizados visualizaram nos movi-
mentos reivindicatórios uma alternativa viável para expressão de suas lutas
por representatividade de fato nessas Nações.

Portanto, o debate em torno da questão multicultural nos coloca diante do nos-


so próprio processo de formação histórica, do questionamento de como nos
constituímos socioculturalmente enquanto Nação, quais os aspectos que ne-
gamos e silenciamos, e aqueles que a�rmamos, valorizamos e incorporamos
da cultura dominante. Com essas questões em tela estamos posicionados di-
ante de sujeitos históricos que foram espoliados/as, mas que resistem e en-
frentam relações de poder assimétricas, de subordinação e exclusão, a�rman-
do suas identidades e lutando por direitos para uma cidadania plena em nossa
sociedade (CANDAU, 2013).

“[...] Convém ter sempre presente que o multiculturalismo não nasceu nas universidades e
no âmbito acadêmico em geral. São as lutas dos grupos sociais discriminados e excluídos
de uma cidadania plena, os movimentos sociais, especialmente os referidos às identitárias,
que constituem o locus de produção do multiculturalismo. Sua penetração na academia
deu-se num segundo momento e, até hoje, nos atrevemos a a�rmar, sua integração no mun-
do universitário é frágil e objeto de muitas discussões, talvez exatamente por seu caráter
profundamente marcado pela intrínseca relação com a dinâmica dos movimentos sociais”
(CANDAU, 2012, p. 33).

Em síntese, o multiculturalismo pode ser compreendido como uma política


inevitável em virtude da sociedade multicultural em que vivemos. Seja qual
for o seu sentido, o multiculturalismo alimenta o momento histórico contem-
porâneo com signi�cativas transformações e con�itos culturais e marca a
presença da diversa paisagem cultural que decorre das múltiplas matizes que
caracterizam os grupos que coabitam a nossa sociedade nos dias de hoje
(NEIRA; NUNES, 2009).

Prosseguindo em nossas re�exões, é hora de conhecermos um pouco sobre as


diferentes facetas do multiculturalismo e como elas são percebidas nos diver-
sos espaços sociais. Isso se deve à dimensão política que acompanha as práti-
cas dos grupos que lutam por representatividade e da ampla literatura no
campo teórico dedicada ao multiculturalismo na qual encontramos classi�ca-
ções de suas formas de manifestação. Em comum, as distintas abordagens re-
conhecem a diversidade, contudo com diferenciações que se referem às carac-
terísticas e às �nalidades de cada uma delas.

Podemos identi�car na literatura cientí�ca sobre o tema uma gama variada de


concepções e vertentes multiculturais. Autores e autoras como Hall (2003),
Santos (2001), McLaren (1997), Bhabha (2003) e Canen e Oliveira (2002), para
mencionar alguns/mas, apresentam classi�cações do multiculturalismo.

De acordo com Candau (2013) uma das di�culdades enfrentadas para nos inse-
rirmos no debate sobre o multiculturalismo reside justamente na polissemia
apresentada pelo termo, uma vez que a própria a necessidade de adjetivá-lo já
seria uma evidência desse obstáculo. Dessa forma, algumas expressões como
multiculturalismo conservador, liberal, celebratório, crítico, emancipador e re-
volucionário podem ser localizadas nas produções teóricas sobre o tema.

Nesse sentido, a autora destaca aquilo que considera ser essencial no trata-
mento do tema: a distinção entre duas abordagens fundamentais do multicul-
turalismo. A primeira, chamada de descritiva, entende o multiculturalismo
como uma das caraterísticas das sociedades hodiernas, ou seja, a�rma que vi-
vemos em sociedades ditas multiculturais. Nessa concepção predomina o
processo descritivo e compressivo de como se con�gura o caráter multicultu-
ral de cada contexto particular. Assim, é de se esperar que o panorama multi-
cultural de um dado contexto seja in�uenciado por aspectos históricos, políti-
cos e socioculturais. É nesse sentido que podemos a�rmar a diferença entre o
multiculturalismo da sociedade brasileira, das sociedades europeias ou da so-
ciedade estadunidense. Por seu turno, a perspectiva denominada propositiva
compreende o multiculturalismo não somente como um dado presente na rea-
lidade, mas como uma forma de intervenção e de transformação da dinâmica
social. Portanto, um projeto político-cultural capaz de trabalhar as relações
culturais existentes numa dada sociedade, de formular políticas públicas radi-
cais, no sentido da democracia, bem como de possibilitar a construção de es-
tratégias pedagógicas alinhadas a esta perspectiva (CANDAU, 2013).

Candau (2012, 2013) alerta que na esteira da perspectiva propositiva se faz ne-
cessário distinguir diferentes concepções que podem servir de base para a re-
alização de estratégias pedagógicas no seio de uma educação balizada pelo
multiculturalismo. Segundo a autora, podemos considerar três abordagens: o
multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista (ou
monoculturalismo plural) e o multiculturalismo interativo ou multiculturalis-
mo crítico (ou interculturalidade).

Tomando como referência a a�rmação de que vivemos numa sociedade multi-


cultural, em seu sentido descritivo, o multiculturalismo assimilacionista pro-
move ações (políticas) que visam integrar todos/as à sociedade e à cultura he-
gemônica. Em particular, no tocante à educação escolar, o que se almeja é a
universalização da escolarização por meio da abertura do sistema escolar a
todas pessoas sem, contudo, que se combata o caráter monocultural que faz
para de sua dinâmica cotidiana (CANDAU, 2012).

Na avaliação de Neira e Nunes (2009), está claro que, nessa perspectiva, os


grupos marginalizados não desfrutam das mesmas oportunidades de acesso
aos bens e serviços na sociedade e ainda sofrem com discriminações precon-
ceituosas. As questões que envolvem o debate sobre as causas das desigualda-
des e dos preconceitos não são debatidas e procura-se promover uma convi-
vência harmoniosa entre os diferentes por meio da sua integração à cultura
dominante. Em suma, o combate da desigualdade ocorre por meio da homoge-
neização.

 Prática Pedagógica - Educação Física

Você já parou para pensar como seria a prática pedagógica no seio da


Educação Física escolar a partir da perspectiva do multiculturalismo as-
similacionista?
Segundo Neira (2007), essa abordagem poderia ser identi�cada nos currí-
culos ginástico e esportivista do componente curricular Educação Física.
Nessas propostas os/as estudantes deveriam se apropriar de conteúdos
universais eleitos para as aulas como, por exemplo, modelos ginásticos e
modalidades esportivas europeias e estadunidenses. A organização des-
sas aulas ocorreria em torno de exercícios que possibilitem aos estudan-
tes a aquisição de habilidades consideradas essenciais ao cidadão ideal.
Cabe destacar que os referidos currículos tomados como exemplo pelo
autor veiculam valores, formas de compreender o mundo e conhecimen-
tos tidos como ideais a todos/as.

O multiculturalismo assimilacionista contribui sobremaneira para a des-


valorização ou mesmo o apagamento de crenças, saberes e valores das
práticas corporais ligadas aos grupos marginalizados em nossa socieda-
de.

O multiculturalismo diferencialista entende que ao promovermos a assimila-


ção das culturas de origem dos grupos marginalizados acaba-se por silenciar
ou negar as diferenças.

Sob essa perspectiva, intenta-se que o reconhecimento das diferenças seja


promovido, proporcionando a expressão das várias identidades culturais que
habitam um determinado contexto, ao mesmo tempo em que asseguramos es-
paços para suas manifestações. Para os/as adeptos/as do multiculturalismo
diferencialista esse seria o caminho para manutenção das raízes culturais dos
diversos grupos socioculturais. Algumas das posições presentes nessa linha
acabam por adotar uma perspectiva essencialista no que tange ao processo de
formação das identidades culturais. Enfatiza-se a necessidade de acesso aos
direitos sociais e econômicos por parte dos indivíduos ligados a grupos mar-
ginalizados socialmente e, ao mesmo tempo, privilegia-se a formação de co-
munidades culturais homogêneas com organizações que lhes são próprias -
bairros, escolas, igrejas, dentre outros. Em última instância, pode-se favorecer
a criação de apartheids socioculturais (CANDAU, 2012).
 Aula sobre abordagem do multiculturalismo diferencialista.

E aí, caro/a estudante, você consegue imaginar como seria uma aula de
Educação Física no contexto escolar orientada pela abordagem do multi-
culturalismo diferencialista?

Numa aula de Educação Física escolar o multiculturalismo diferencialis-


ta (ou monoculturalismo plural) estaria presente na vivência de práticas
corporais ligadas exclusivamente a um determinado grupo cultural.
Seriam reproduzidas pelos/as estudantes jogos, brincadeiras, lutas, dan-
ças, esportes, ginásticas, dentre outras, manifestações da cultura de ori-
gem na qual eles/as estão enraizados/as. Por exemplo: os/as estudantes
aprenderiam jogos tradicionais, práticas esportivas de outras culturas,
danças de outros períodos históricos, além de aprenderem que existem
injustiças sociais de diferentes ordens, como a discriminação contra ho-
mens que não se adaptam ao padrão sexista dominante. Com isso, tería-
mos garantida a possibilidade para o fortalecimento das raízes culturais
do grupo em questão. Nesse sentido, não haveria a possibilidade de tro-
cas culturais por meio da experiência de outras práticas corporais que
não estivessem atreladas ao contexto vivido pelos/as estudantes.

Por �m, temos o multiculturalismo crítico (ou interculturalidade ou multicul-


turalismo interativo). Essa concepção se destaca por confrontar a perspectiva
diferencialista e a sua promoção radical da a�rmação de identidades culturais
especí�cas, bem como a tendência assimilacionista e a não valorização da ri-
queza presente nas diferenças culturais. Nesse sentido, afastando-se de am-
bas as orientações, a perspectiva intercultural compreende as culturas num
permanente processo de elaboração, construção e reconstrução, atuando deli-
beradamente para o mútuo relacionamento entre diferentes grupos culturais
existentes num dado contexto. As diversas culturas possuem suas raízes, mas
estas são vistas como históricas e dinâmicas, não �xando as pessoas num da-
do padrão cultural dentro de um universo fechado (CANDAU, 2013).

A autora ainda acrescenta que essa tendência reconhece os intensos proces-


sos de hibridização cultural que ocorrem nas sociedades e que se tornam ele-
mentos fundamentais para a construção de identidades abertas, em perma-
nente construção, descartando a ideia de “pureza” das culturas. Nesse sentido,
a hibridização passa a ser considerada um processo signi�cativo a ser levado
em consideração na dinâmica dos distintos grupos socioculturais (CANDAU,
2013).

Destaca-se também, sob a ótica da interculturalidade, o conhecimento de que


as relações culturais entre os diferentes grupos sociais, construídas historica-
mente, se estabelecem atravessadas por mecanismos de poder e, portanto, por
relações hierarquizadas. Com isso, reconhece a marca do preconceito e de
ações discriminatórias em relação a determinados grupos (CANDAU, 2013).

A perspectiva intercultural não promove a ruptura entre as questões afetas à


diferença e à desigualdade e que se confrontam tanto em escala global quanto
de modo local em cada sociedade. Ao contrário, a�rma essa relação como algo
complexo e que assume diferentes formatos a depender de cada realidade na
qual se manifesta, sem, contudo, reduzir um polo ao outro (CANDAU, 2013).

Numa análise da perspectiva da interculturalidade circunscrita ao contexto


educação, Fleuri (2007, p. 7) apresenta uma síntese interessante para as re�e-
xões realizadas neste momento. Segundo o autor:

A educação intercultural se con�gura como uma pedagogia do encontro até suas


últimas consequências, visando a promover uma experiência profunda e comple-
xa, em que o encontro/confronto de narrações diferentes con�gura uma ocasião de
crescimento para o sujeito, uma experiência não super�cial e incomum de con�i-
to/acolhimento. No processo ambivalente da relação intercultural, é totalmente im-
previsível seu desdobramento ou resultado �nal. Trata-se de veri�car se ocorre, ou
não, a “transitividade cognitiva”, ou seja, a interação cultural que produz efeitos na
própria matriz cognitiva do sujeito; o que constitui uma particular oportunidade de
crescimento da cultura pessoal de cada um, assim como de mudança das relações
sociais, na perspectiva de mudar tudo aquilo que impede a construção de uma so-
ciedade mais livre, mais justa e mais solidária.

A�rma Candau (2013) que essa perspectiva educativa se propõe ao reconheci-


mento do “outro” e está voltada para o diálogo entre distintos grupos culturais
e sociais. Uma educação que, pautada na negociação cultural, possa enfrentar
os con�itos decorrentes das relações assimétricas estabelecidas entre diferen-
tes grupos socioculturais que convivem em nossas sociedades e seja capaz de
favorecer a construção de um projeto comum, através do qual as diferenças
sejam incluídas de maneira dialética.

Quanto a educação intercultural, Candau (2008) enumera alguns desa�os que


devem ser enfrentados para a efetivação do processo educativo nessa pers-
pectiva. Para tanto, foram agrupados em torno de núcleos considerados fun-
damentais:

1. paradigmas preconceituosos, monoculturais e etnocên-


tricos presentes nas práticas escolares, o que requer o enfrentamento ao
processo de naturalização dessas práticas, contemplando para isso desde
a formulação de políticas públicas aos conteúdos escolares.
2. igualdade e diferença tanto no nível das políticas educativas
quanto nas práticas pedagógicas. Essa preocupação supõe o reconheci-
mento e a valorização efetivas das diferenças de conhecimentos, saberes
e práticas dos variados grupos sociais atrelados à educação de todos/as.
3. os processos de construção das identidades culturais, sejam
elas individuais ou coletivas. Para tanto, deve-se lançar mão da valoriza-
ção das histórias de vida e dos processos de hibridização cultural e for-
mação de novas identidades culturais.
4. experiências de interação sistemática com os “outros” a �m
de que tenhamos contato com diferentes modos de vida e expressão, e se-
jamos capazes de realizar nossa própria forma de nos situarmos diante
do mundo e atribuir-lhe sentido.
5. os/as atores/atrizes que historicamente possuem menor
poder na sociedade, ou seja, aqueles grupos com poder de in�uência re-
duzido nos processos decisórios de cunho coletivo. O empoderamento fa-
vorece tanto a dimensão individual, liberando a potência para que cada
pessoa possa ser detentora de seu destino, quanto a dimensão coletiva no
sentido de favorecer a organização e a participação ativa de grupos soci-
ais minoritários na sociedade civil.

 Aula sobre a Proposta Intercultural.


Agora que você já conhece a proposta intercultural, consegue visualizar
como seria uma aula de Educação Física na escola que considere as ca-
racterísticas apresentadas?

Baseado numa perspectiva intercultural, o/a professor/a de Educação


Física deve propor aos/às suas estudantes experiências corporais nas
aulas que transcendam o universo dos produtos culturais euro-
americanos. Nesse sentido, deve se abrir espaços para a prática do rap,
do skate, do funk, do afoxé, dentre outras práticas, para que os/as jovens
estudantes rappers, skatistas, dançarinos/as de afoxé, assim como os/as
demais alunos/as possam estudar e compreender melhor o rap, o funk, o
skate, o afoxé etc., sempre de forma concomitante às histórias de lutas
pelo seu reconhecimento e dignidade.

Dessa forma, as práticas corporais dos grupos minoritários, também pre-


sentes no contexto escolar, passam a ter representatividade no currículo,
não numa perspectiva exótica e turística, mas como uma possibilidade
de levarmos em consideração a experiência de vida dos/as estudantes e
de incorporarmos a diversidade étnica, de classe social e de gênero da
população estudantil (NEIRA, 2007).

A seguir apresentamos um mapa conceitual muito esclarecedor dos sentidos


da educação intercultural:
Candau (2012, p. 138).

Figura 1 Mapa conceitual sobre educação intercultural.

Estamos chegando ao �m de mais uma subseção e vimos que no intuito de su-


perar questões nodais decorrentes do multiculturalismo assimilacionista e do
multiculturalismo diferencialista, a proposta do multiculturalismo crítico (ou
interculturalidade ou multiculturalismo interativo) ganha destaque no contex-
to do debate social e educacional pela capacidade de promover interações en-
tre múltiplas culturas a partir do sentido de solidariedade, mutualidade e troca
que permeiam o seu universo conceitual e prático. Em suma, o multicultura-
lismo crítico se alinha à ética e à solidariedade para com o oprimido.

Para uma melhor compreensão dos assuntos abordados nesta seção indica-
mos a seguinte leitura:

 Pronto para saber mais?

FREITAS, Fátima e Silva.


. Curitiba: Intersaberes, 2012. p. 83-103 (Capítulo 3: " ,
interculturalidade e educação". Biblioteca Virtual Pearson.

Na seção seguinte vamos abordar a prática pedagógica da Educação Física no


contexto escolar referenciada no multiculturalismo crítico. Mas antes, vamos
testar os seus conhecimentos sobre o que discutimos nesta seção?

3. Construção da prática pedagógica na


Educação Física escolar a partir da perspecti-
va do multiculturalismo crítico
Antecedentes e bases epistemológicas da Educação Física
Cultural
Apesar do título que abre esta seção do material parecer extenso, ele traduz de
forma adequada aquilo que se pretende neste momento. Ainda que tenhamos
autores/as e professores/as, vinculados/as à educação básica e/ou ao ensino
superior, dedicados/as em alicerçar de maneira sólida a arquitetura conceitual
e também desenvolver práticas pedagógicas interculturalmente orientadas,
num mundo em permanente transformação, estes/as enfrentam muitos desa-
�os para efetivarem suas propostas.

Atualmente, é perceptível a presença de processos de homogeneização cultu-


ral ao passo que também são construídos espaços de lutas e resistências nos
interstícios sociais. Assim, se por um lado existem tentativas reiteradas de
deslegitimação, dominação e subordinação de referenciais culturais de grupos
minoritários, por outro observamos a contestação, a tradução e a insurgência
dos grupos oprimidos (NEIRA; NUNES, 2009).

A escola enquanto uma instituição social, assim como outros espaços, torna-
se cenário destas tensões que se manifestam, ora de maneira explícita, ora
implicitamente. Ademais, enquanto espaço de produção e de transmissão do
patrimônio cultural, a escola não pode silenciar conhecimentos e saberes de
grupos distintos que lá estão. Ao contrário, em virtude da homogeneização
mencionada, devemos fortalecer os grupos excluídos a �m de que possam se
tornar capazes de participar de uma democracia social efetiva.

As re�exões preliminares tecidas nos parágrafos anteriores desta seção pare-


cem gerais em demasia. Não se tratou até o momento, de maneira detida, das
especi�cidades da área. E, então, você deve estar se perguntando: como �ca a
Educação Física nesse contexto?

A nossa resposta deve partir de uma constatação. No campo pedagógico e ci-


entí�co da Educação Física escolar temos observado o crescimento de iniciati-
vas teóricas e práticas que alicerçam o trabalho educativo no seio deste com-
ponente curricular a partir da perspectiva do multiculturalismo crítico (ou da
interculturalidade).

As propostas em questão são oriundas do coletivo Grupo de Pesquisas em


Educação Física Escolar (GPEF), ligado à Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FE/USP). Com isso, não queremos atribuir ao refe-
rido Grupo a exclusividade das produções que discutem o ensino da Educação
Física na esteira do multiculturalismo crítico. Contudo, devemos reconhecer
nas publicações dos/as pesquisadores/as e professores/as deste destacado co-
letivo contribuições relevantes para o desenvolvimento dessa perspectiva.

As atividades do Grupo ganham destaque por reconhecer os conhecimentos


produzidos por professores/as de Educação Física a partir de suas experiênci-
as de ensino nas escolas de educação básica. Na avaliação de Neira (2019),
além da inclusão dos saberes docentes nos cursos de licenciatura ou de for-
mação continuada de professores/as não ser algo comum, o movimento de in-
corporação desses saberes nas produções do Grupo seguiu uma tendência
oposta ao que ocorre no âmbito acadêmico da Educação Física. Segundo o au-
tor, as teorias curriculares que nascem na área a partir da segunda metade do
século XX são frutos de trabalhos cientí�cos que, posteriormente, foram ado-
tados nas propostas o�ciais, ensinadas nas universidades e, somente depois,
chegaram às escolas.

As ações didáticas e as produções cientí�cas pautadas nas teorizações pós-


críticas, dentre elas o próprio multiculturalismo crítico, que subsidiam as re-
�exões e as práticas dos/as integrantes do Grupo, bem como de docentes na
educação básica alinhados/as à proposta foram denominadas de Educação
Física cultural, também cunhada de currículo cultural, culturalmente orienta-
do, multiculturalmente orientado ou pós-crítico (Neira, 2019). Doravante, utili-
zaremos uma dessas denominações para nos referirmos a proposta de ensino
da Educação Física escolar ancorada nos pressupostos interculturais (do mul-
ticulturalismo crítico).

Apesar do envolvimento coletivo de docentes da educação básica e de pesqui-


sadores/as ligados/as ao GPEF, se faz necessário destacar a liderança dos pro-
fessores Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes nas ações e publica-
ções realizadas no interior desse coletivo. As pesquisas sobre a Educação
Física cultural tiveram início no ano de 2005, mas foi somente no ano seguin-
te (2006), com a obra Pedagogia da cultura corporal: crítica e alternativas
(Neira; Nunes, 2008), que tivemos a primeira sistematização da proposta.
Posteriormente, três anos mais tarde, vem à público o livro Educação Física,
currículo e cultura (NEIRA; NUNES, 2009), com maior fundamentação e análi-
ses de ações didáticas mais consistentes. Como elemento basilar ético-
político, a proposta defende o direito fundamental de todos/as em terem reco-
nhecidas suas in�nitas condições de diferença manifestadas por meio das
práticas corporais.

No tocante à Educação Física, identi�camos um currículo colonizado por inú-


meras práticas corporais de origem euro-estadunidenses que somente refor-
çam a dominância dos signi�cados brancos, masculinos e cristãos. Além dis-
so, essas manifestações difundidas no contexto escolar, marcadas por carac-
terísticas performativas, desprezam a construção de outras possibilidades de
signi�cação por parte dos grupos culturais que com elas se deparam. Sob a as-
cendência dos currículos tradicionais da área (psicomotor, desenvolvimentis-
ta, crítico e da educação para a saúde), as aulas de Educação Física reprodu-
zem o quadro de monoculturalização da mente e o processo de violência epis-
têmica (SANTOS; NEIRA, 2016).

Nesse cenário proliferam exemplos que atestam o fato dos/as estudantes per-
tencentes às camadas populares da sociedade introjetarem, desde cedo, que os
saberes legítimos nas aulas de Educação Física são aqueles oriundos da cultu-
ra dominante (SANTOS; NEIRA, 2016). Esse cenário é reforçado pela ausência
de práticas corporais ligadas ao universo dos/as estudantes das classes subal-
ternas. O estudo conduzido por Neira e Gallardo (2006) atesta essa a�rmação e
indicou que as crianças e jovens da periferia possuem pequenas oportunida-
des de experienciar seus (amplos) repertórios culturais corporais na escola.
Com o passar do tempo, toda a importância inerente às suas práticas culturais
corporais é esvaziada e eles/as passam a se interessar, quase que totalmente,
pelo patrimônio hegemônico.

A promoção de uma ação pedagógica a partir da Educação Física cultural re-


quer um trabalho cuidadoso com os conhecimentos ligados aos grupos mino-
ritários. Tematizar as práticas corporais dos/as oprimidos/as a partir de sua
perspectiva promove o desa�o das crenças e metáforas ligada ao universo da
cultura hegemônica. Os/As estudantes pertencentes aos grupos dominantes
ao se deparem com manifestações da cultura corporal a partir de um olhar
contra-hegemônico dominantes percebem o fato de que existem facetas que
desconhecem ou que estavam submersas. Eles/as reconhecem que a institui-
ção escolar e os meios de comunicação desconsideram outras formas de ver,
negando-lhes o acesso a saberes relevantes sobre a cultura corporal
(CARVALHO; NEIRA, 2016).

O trecho em destaque a seguir traz uma síntese muito esclarecedora dos pro-
pósitos da Educação Física cultural:

“Em síntese, tal perspectiva busca a formação de um sujeito solidário, aqui entendido como
aquele que compreende a importância de toda e qualquer pessoa na sociedade, indepen-
dentemente da condição de classe, raça, etnia, gênero ou religião, logo, a favor das diferen-
ças. A seleção das práticas corporais que serão tematizadas e os encaminhamentos peda-
gógicos dão-se sob in�uência de princípios ético-políticos: reconhecimento da cultura cor-
poral da comunidade, descolonização do currículo, justiça curricular, rejeição ao daltonismo
cultural, favorecimento da enunciação dos saberes discentes e ancoragem social dos co-
nhecimentos. O ponto de partida dos trabalhos é sempre a ocorrência social da prática cor-
poral em tela, com o objetivo de promover situações didáticas que estimulem os estudantes
à vivência, leitura, ressigni�cação, aprofundamento e ampliação das brincadeiras, danças,
lutas, ginásticas e esportes, tomados como objetos de estudo (NEIRA, 2020, p. 829).”

 Que tal fazermos uma pausa para assistir a um vídeo?

Para uma melhor compreensão da Educação Física cultural, sugerimos o


vídeo: Educação e Cultura Corporal: Fundamentos e Práticas - Educação
Física cultural: área, função... (https://www.youtube.com/wat-
ch?v=HwmLA4wO5dI&list=PLxI8Can9yAHdzEHyGjPraVBZI0y7i6Q3H&
index=8), com o Prof. Marcos Garcia Neira.
Na subseção a seguir discutiremos as questões didático-pedagógicas ligadas
ao currículo cultural da Educação Física.

Orientações didático-pedagógicas da Educação Física cul-


tural
Realizada essa breve introdução, vamos agora discutir aspectos relacionados
à prática pedagógica do/a professor/a sob a perspectiva da Educação Física
cultural. Contudo, é importante possuirmos em nossos horizontes que esta
subseção não deve ser entendida como uma “receita de bolo”. Isso porque é
muito comum observarmos, seja durante o processo formativo no ensino su-
perior e/ou no contexto escolar, estudantes e/ou pro�ssionais do campo da
educação buscando um receituário pedagógico que liste uma série de etapas a
serem seguidas e que possam ser aplicadas em qualquer contexto visando o
sucesso na prática pedagógica.

O trecho a seguir, extraído do livro de Corazza (2006, p. 15), Artistagens: �loso-


�a da diferença e educação, nos dá uma boa ideia a que estamos nos referindo.
Assim a autora trata o que chama de o furor pedagogicus:

Furor pedagogicus. Não importa que a ideia seja nova ou mais velha, muitíssimo
antiga... Não importa de onde venha, se da Filoso�a, Sociologia, Antropologia,
Psicologia... Não importa quem a expresse. O que importa é que di�ra do pensa-
mento dogmático da pedagogia. Então, nem bem é dita e escutada, há sempre uma
multidão alvoroçada indagando: - Mas, então, se isso não é como eu pensava que
fosse... Como fazer? Como é que vou agir na sala de aula? Como é que vou ensinar?
Como...? Como...? Como...? - Praga, vírus, vício, cacoete pedagógico. Pergunta que
não para de perguntar. Até quando existirão aqueles que a formulam? E pior: aque-
les que respondem sem a mínima cerimônia?

Afastando-nos dessa perspectiva, os aspectos a serem aqui abordados nesta


parte de nossos estudos devem lidos como orientações de caráter didático e
subsidiários da prática pedagógica do/a professor/a de Educação Física a par-
tir da perspectiva cultural. Não poderia ser diferente, pois as produções dos/as
pesquisadores/as e professores/as ligados à Educação Física cultural ressal-
tam esse ponto. Não há um passo a passo a ser seguido e ao �nal do qual, se
aplicado de forma rigorosa, teremos êxito em nossa ação.

Feito esse breve parêntese sobre as inconsistências de uma compreensão


equivocada do conteúdo deste tópico, vamos prosseguir em nossas re�exões.

Em artigo intitulado Multiculturalismo: polissemia e perspectivas na


Educação e Educação Física, Bonetto e Neira (2017) se propõem a discutir
questões afetas ao multiculturalismo, dentre elas: as diferentes abordagens; as
proposições dos diversos autores que tratam do multiculturalismo; as contri-
buições desse campo teórico-político para a Educação Física. Acenam para o
entendimento de que o multiculturalismo crítico seria a vertente mais ade-
quada para subsidiar a construção de propostas político-pedagógicas no âm-
bito da Educação Física que estejam preocupadas com a aceitação e o reco-
nhecimento de pessoas e grupos marcadas por condições de diferença.

Nesse momento, caro/a aluno/a, você deve estar percebendo, cada vez mais, a
sintonia existente entre multiculturalismo crítico e Educação Física cultural.
Também não é para menos, uma vez que os subsídios dessa proposta estão lo-
calizados no multiculturalismo crítico.

O que nos chama a atenção no texto de Bonetto e Neira (2017) são os eixos
apresentados pelos autores e que orientam um currículo multicultural na
Educação Física Escolar. Esse aspecto torna-se de grande valia para a propos-
ta de nossa disciplina e quando entendidos como eixos se distanciam da ideia
de receituário comentada anteriormente.

É por meio destes eixos que poderemos pensar na elaboração de propostas no


contexto das aulas de Educação Física na escola na perspectiva de um currí-
culo culturalmente orientado. Dessa forma, a seguir, com base em Bonetto e
Neira (2017), daremos destaque aos eixos que orientam um currículo multicul-
tural da Educação Física escolar.

Um deles diz respeito à ampliação do conceito de cultura. Para os autores, o


multiculturalismo crítico ressigni�ca o conceito de cultura, olhando-o a partir
de uma perspectiva mais ampla, como também construindo um novo signi�-
cado para aquilo que podemos entender como conteúdos escolares a serem
ensinados nas aulas. Assim, ao vincular a cultura de diferentes grupos étnicos
(juvenil, geek, de rua, dentre outras) à cultura acadêmica, sem estabelecer hie-
rarquias, abrimos espaços para que todos/as possam se apropriar, analisar e
ressigni�car estes artefatos culturais no interior da escola (Bonetto; Neira,
2017).

Outro eixo é o da valorização dos conhecimentos e da identidade dos estudan-


tes via tematização das práticas corporais tradicionalmente subjugadas. A
partir dessa orientação, professores/as devem valorizar o patrimônio cultural
corporal da comunidade escolar, considerando e incorporando as experiênci-
as e os signi�cados que são atribuídos pelos/as estudantes como conhecimen-
tos a serem tratados durante as aulas. Isso permite, além da compreensão das
práticas corporais sob o olhar dos/as discentes, o entendimento do próprio
grupo cultural. Em termos didáticos, os/as professores/as propõem a investi-
gação e a promoção de situações nas quais os/as alunos/as sejam capazes de
analisar como as suas identidades se articulam com as práticas corporais vi-
venciadas. É importante destacar que inserir o repertório da cultura corporal
dos/as estudantes no currículo escolar não signi�ca realizar propostas que ora
partam da cultura do/a aluno/a para, ao �nal, inferiorizá-la, ou ora trate-a de
maneira super�cial (Bonetto; Neira, 2017).

A análise das relações de poder que produziram (e que ainda produzem) as


práticas corporais também é um dos eixos apresentados pelos autores. Na es-
teira do currículo multicultural crítico, as práticas corporais são problematiza-
das visando questionar as representações e discursos veiculados sobre as prá-
ticas corporais e explicitar as correlações de forças presentes que ora validam
determinada representação e ora produzem visões negativas ou pejorativas
(Bonetto; Neira, 2017).

Por �m, temos o descentramento dos conteúdos escolares tradicionais. A tra-


jetória curricular da Educação Física na escola é marcada pela presença maci-
ça de conteúdos culturais euro-estadunidenses, particularmente as modalida-
des esportivas, o que colabora, durante o processo de escolarização das crian-
ças e jovens, para a formação de identidades superiores e que são atribuídas
àqueles pertencentes aos setores dominantes. Uma educação verdadeiramen-
te democrática deve possibilitar experiências nas quais os/as estudantes co-
nheçam e aprofundem conhecimentos do ponto de vista das populações mar-
ginalizadas (Bonetto; Neira, 2017).

Os eixos mencionados anteriormente caminham no sentido contribuir para a


efetivação da proposta da Educação Física cultural. De acordo com Carvalho e
Neira (2016), ações no campo da proposta cultural da Educação Física são pas-
síveis de tematizar práticas corporais de quaisquer grupos, independentemen-
te de origem ou posição hierárquica. Para tanto, cabe aos/às professores/as a
seleção cuidadosa do tema a ser tratado em aula, planejar as atividades de en-
sino e as formas de avaliação e, destacadamente, o seu posicionamento com
relação às práticas corporais. Esse processo é fundamental a �m de que o/a
docente não aborde de forma super�cial temas de extrema complexidade ou
deixe transparecer os seus preconceitos em relação a uma dada prática corpo-
ral ou questão correlata.

A preocupação dos/as professores/as e pesquisadores/as alinhados/as à pro-


posta da Educação Física cultural é enfatizar que a postura pedagógica adota-
da não coaduna com olhares distantes e episódicos, carregados de estereóti-
pos em relação às práticas corporais experienciadas em aula. Portanto, a pro-
posta cultural não propõe, por exemplo, a apresentação de uma dança exótica
e a posterior reprodução de seus gestos e a sua demonstração numa festivida-
de escolar, ou a simples adaptação de uma modalidade esportiva pouco divul-
gada na mídia seguida de sua vivência. Projetos com essas características,
muito presentes nas escolas, colaboram exclusivamente para a folclorização
das diferenças (Carvalho; Neira, 2016).

Vejamos o trecho a seguir que é muito esclarecedor nesse sentido:

Quando, por exemplo, o currículo cultural da Educação Física empreende a análise


dos estilos de dança eletrônica acessados pelos alunos ou investiga as academias
que promovem a prática do yoga; viabiliza aos jovens escolares uma melhor com-
preensão das próprias danças e seus adereços, como também conhecimentos sobre
as pessoas que frequentam as aulas de yoga. Docentes e estudantes, ao indagarem
os fatores que envolvem essas manifestações na sociedade contemporânea, desve-
lam um emaranhado de relações de poder baseadas em interesses variados. O de-
bate no interior do currículo denuncia as forças empregadas pelo poder para legiti-
mar determinadas representações divulgadas socialmente (NEIRA, 2011, p. 121).
Cabe indicar que o desenvolvimento do trabalho de estudo das práticas corpo-
rais durante as aulas pode lançar mão de procedimentos utilizados em inves-
tigações cientí�cas etnográ�cas e historiográ�cas. Segundo Neira (2014),
os/as envolvidos/as na ação educativa podem lançar mão de observações, re-
latos, narrativas, entrevistas, questionários e leituras para coletar informações
relevantes sobre a prática corporal em estudo. De posse do material, o passo
seguinte é discutir o conteúdo dos materiais a �m de confrontá-lo com as ex-
periências vividas pelos/as alunos/as almejando desvelar saberes que não fo-
ram contemplados.

O ensino das práticas corporais na escola de forma culturalmente orientada


deve assegurar a realização de atividades variadas, conforme preconiza Neira
(2014): relatos orais e escritos, demonstrações, vivências corporais, rodas de
conversa, experimentação, acesso a vídeos, ritmos, músicas, entrevistas, de-
poimentos, análise de imagens, fotogra�as, visitas aos locais onde as práticas
corporais ocorrem etc.

Torna-se fundamental, também, que o contexto das aulas seja repleto de ativi-
dades de produção tais como: verbalização de opiniões, socialização de desco-
bertas, organização de apresentações para os colegas da turma, escola ou co-
munidade, a comunicação de informações obtidas no interior da instituição
educativa ou fora dela, entre outras. Os/As estudantes devem ser estimula-
dos/as a discutir, pensar, dialogar sobre as práticas corporais com vistas a am-
pliar os conhecimentos e representações que já possuem das manifestações
estudadas (NEIRA, 2014).

Neste momento, após estudarmos os pressupostos teóricos que balizam a


Educação Física cultural, você consegue reconhecer uma situação prática na
qual os elementos balizadores dessa perspectiva estejam presentes? Para tes-
tar seus conhecimentos sobre esse assunto, responda à questão a seguir.

4. Considerações
Com as re�exões realizadas neste ciclo pudemos perceber que as transforma-
ções sociais e culturais ocorridas ao longo dos últimos anos geraram uma fal-
sa tensão entre políticas de igualdade e políticas de diferença, pois não se tra-
ta de dimensões mutuamente excludentes, mas de aspectos que se comple-
mentam. A equalização desse embate passa por um agenciamento político ca-
paz de aliar a redistribuição socioeconômica à valorização das diferentes cul-
turas.

As lutas travadas no campo das políticas devem reconhecer que cada cultura
se diferencia internamente e, portanto, tão relevante quanto identi�car a di-
versidade cultural existente no mundo atual é perceber a diversidade inerente
a cada cultura. É preciso considerar a resistência, a diferença e a busca por vi-
sibilidade no interior de diferentes grupos culturais, bem como de um mesmo
grupo cultural.

O tempo atual é marcado por reiteradas tentativas de homogeneização cultu-


ral que podem ser observadas em distintos contextos. Em decorrência desse
cenário, grupos se confrontam expondo a fratura existente entre grupos soci-
ais e sujeitos em busca de a�rmar suas identidades. Os embates envolvem
tanto aqueles/as que lutam por reconhecimento quanto os/as que não querem
perder seus privilégios, o que lhes garante posições assimétricas nas relações
sociais.

O multiculturalismo se insere nesse contexto social e histórico como resulta-


do dos confrontos existentes entre grupos culturalmente diferentes e cujos
processos de constituição histórica foram distintos. Expressa a luta e a resis-
tência de grupos minoritários em busca de reconhecimento, valorização e res-
peito às suas particularidades.

Vimos que no interior da escola esse embate assume con�gurações diferenci-


adas, dadas as características dessa instituição, contudo os con�itos se fazem
presentes em seu cotidiano. Nesse sentido, o tratamento didático-pedagógico
da diversidade cultural deve ter lugar no interior dos currículos escolares.

É nesse cenário que pudemos conhecer os contributos da Educação Física cul-


tural, ancorada no multiculturalismo crítico. O currículo da Educação Física
multiculturalmente orientado pretende dar a mesma atenção às práticas cor-
porais de grupos e sujeitos marginalizados do que aquela recebida pelas mani-
festações hegemônicas. Além disso, essa proposta busca construir um novo
sentido para as práticas corporais tradicionalmente validadas no contexto so-
cial e escolar alinhando-as a uma perspectiva de compromisso com a cons-
trução de uma sociedade justa e democrática.

No próximo ciclo dedicaremos nossas atenções à educação do campo e a in-


serção da Educação Física nessa modalidade de ensino.

Até lá e bons estudos!


(https://md.claretiano.edu.br

/edu�sescambnaourbcomagretndis-g04524-fev-2024-grad-ead/)

Ciclo 2 – A Educação Física no Contexto da Educação


do Campo

Objetivos
• Compreender o contexto da educação do campo no cenário educacional
brasileiro.
• Apresentar os aspectos normativos que alicerçam a oferta da educação
do campo no Brasil.
• Discutir o ensino da Educação Física no contexto da educação do campo.

Conteúdos
• Contexto da educação do campo no Brasil.
• Aspectos normativos da educação do campo no contexto educacional
brasileiro.
• O ensino da Educação Física na educação do campo.

Problematização
O que é a educação do campo? Qual o cenário da educação do campo em nos-
so país? Quais as normativas que regulamentam a oferta da educação do cam-
po no Brasil? Quais os propósitos do ensino da Educação Física na educação
do campo?

Orientações para o estudo


O desenvolvimento dos estudos neste ciclo será orientado a partir de três ei-
xos. No primeiro, traremos um panorama da educação escolar do campo em
nosso país com o intuito de conhecermos o cenário dessa modalidade de edu-
cação. No segundo, nos dedicaremos a conhecer as orientações legislativas
que embasam a existência e o desenvolvimento da educação escolar no con-
texto do campo. Já no terceiro momento, as nossas atenções estarão voltadas
às particularidades do ensino da Educação Física no âmbito da educação es-
colar do campo. Por �m, teceremos breves considerações sobre esses três ei-
xos buscando articulá-los de forma a deixar claro como podemos empreender
o ensino da Educação Física num contexto marcado por especi�cidades de-
correntes das condições de vida de crianças, jovens, adultos/as e idosos/as
que vivem a realidade do campo cotidianamente. Aproveite as indicações de
materiais, leia o texto e assista aos vídeos para aprofundar seus conhecimen-
tos acerca dos assuntos que serão abordados durante o estudo do ciclo.

Bons estudos!

1. Introdução
Ao observarmos o desenvolvimento social, econômico e cultural brasileiro
constataremos que o campo ocupou lugar de destaque durante décadas. Antes
do processo de urbanização, e consequente aumento do contingente populaci-
onal vivendo nos grandes centros urbanos, a cena social brasileira acontecia
num contexto em que o campo tinha centralidade. O país gerava a sua riqueza
a partir de relações sociais de produção e do desenvolvimento de forças pro-
dutivas que tinham na zona rural o seu ambiente privilegiado.

Com o decorrer de várias décadas esse cenário foi se alterando e adquirindo


novos contornos. Com isso, não estamos desconsiderando a relevância do
campo no processo de desenvolvimento atual do país, o que seria análise con-
juntural equivocada, mas reconhecendo que a partir do processo de urbaniza-
ção a dinâmica social brasileira passa a ter lugar privilegiado nas grandes ci-
dades.

Na realidade, o pensamento que opõe cidade e campo em nada contribui para


uma análise crítica da realidade. Estamos diante de dois contextos que podem
ser considerados faces distintas, ou seja, cada uma com suas particularidades,
mas pertencentes a uma mesma moeda. Ainda que persista em nossa socie-
dade um pensamento dessa natureza são patentes os contributos do campo e
as marcas indeléveis para a formação social brasileira. Portanto, devemos ser
capazes de reconhecer contributos relevantes do campo em diferentes dimen-
sões da formação histórica e social de nosso país. Essa constatação confronta
a perspectiva depreciativa imputada ao/à trabalhador/a do campo, associada
ao atraso em diferentes dimensões, sejam elas econômica, sanitária, política,
educacional ou outra.

Apesar dos avanços identi�cados em diferentes setores, a educação no con-


texto do campo enfrenta inúmeros desa�os que se apresentam ao longo de dé-
cadas na história da educacional brasileira. Os obstáculos à sua consecução
são inúmeros e requerem esforços de diferentes atores e atrizes sociais que lu-
tam por uma educação básica do campo de qualidade.

Nos últimos anos, a educação do campo tem ocupado lugar de destaque na


agenda política nos níveis municipal, estadual e federal. Essa modalidade de
educação surge a partir das reivindicações de movimentos e organizações so-
ciais ligadas a trabalhadores/as rurais e representa uma nova perspectiva do
campo, dos/as camponeses/as e dos/as trabalhadores/as rurais, consolidando
o reconhecimento do caráter de classe nas disputas em torno da educação.
Em contraposição à visão que procura associar os/as trabalhadores/as rurais
ao antiquado e ao atrasado, a perspectiva da educação do campo reconhece e
valoriza os conhecimentos oriundos da prática social dos/as camponeses/as.
Destaca, também, o campo como lugar multifacetado, que engloba não apenas
o trabalho, mas a moradia, o lazer, a sociabilidade e a identidade. Em suma,
considera o campo como um espaço propício para a construção de novas
oportunidades de reprodução social e de promoção do desenvolvimento sus-
tentável (SOUZA, 2008).

Não distante desta realidade situa-se o ensino da Educação Física. E não po-
deria ser diferente, uma vez que esse componente curricular está inserido no
mesmo contexto e partilha dos mesmos desa�os, além de ter como objetivo o
desenvolvimento humano das pessoas e a formação de uma consciência críti-
ca no que diz respeito à apropriação dos conteúdos da cultura corporal em
profunda sintonia com a realidade do campo.
Diante das re�exões apresentadas preliminarmente nesta Introdução passare-
mos a discutir alguns aspectos de forma mais detida, a saber: o contexto da
educação do campo no Brasil, as normativas que balizam a oferta dessa mo-
dalidade de educação e o ensino da Educação Física na educação do campo.

Então, vamos lá!

2. O contexto da educação do campo no Brasil


Com a difusão da expressão “educação do campo” passamos a observar a dis-
puta de diferentes segmentos sociais, a exemplo da classe trabalhadora ligada
ao campo e dos intelectuais atrelados ao grande latifúndio contemporâneo,
pela de�nição desse referencial educacional.

Quando abordamos a educação no campo, nos deparamos com uma categoria


polissêmica que abriga em seu interior diversas tendências, perspectivas e ob-
jetivos político-pedagógicos. Diferentes intelectuais seguem princípios e teori-
as variadas, por vezes, con�itantes, transformando a educação do campo em
um cenário de propostas verdadeiramente abrangente tanto em termos teóri-
cos quanto prático-políticos (SANTOS, 2013).

Ainda que diante de uma categoria polissêmica, Caldart (2012, p. 259, grifos da
autora), no livro Dicionário da educação do campo, expressa a sua concepção
de educação do campo:

A educação do campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual, protago-


nizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa incidir sobre a
política de educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas.
Objetivo e sujeitos a remetem às questões do trabalho, da cultura, do conhecimento
e das lutas sociais dos camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo
e entre lógicas de agricultura que têm implicações no projeto de país e de sociedade
e nas concepções de política pública, de educação e de formação humana.

O conceito de educação do campo, embora em permanente construção dada a


própria dinâmica social, “já pode con�gurar-se como uma categoria de análise
da situação ou de práticas e políticas de educação dos trabalhadores do cam-
po, mesmo as que se desenvolvem em outros lugares e como outras denomi-
nações” (CALDART, 2012, p. 259, grifos da autora).

O aumento expressivo da in�uência dos movimentos sociais do campo, soma-


do à orientação das políticas estatais para atender demandas especí�cas de
grupos sociais minoritários, têm possibilitado que segmentos sociais margi-
nalizados acessem direitos sociais, incluindo a educação. Essas conquistas,
embora incipientes em relação à real demanda existente e à disponibilidade
de recursos públicos, expressam um passo importante na jornada dos/as tra-
balhadores/as rurais (SANTOS, 2013).

Apesar da implementação de políticas públicas no âmbito da educação do


campo ao longo das últimas duas décadas, o que incluiu programas que vin-
culam a transferência de renda à frequência escolar das crianças, a situação
das escolas rurais ainda é precária em comparação com as escolas urbanas. É
necessário que essas instituições ofereçam infraestrutura e recursos para ga-
rantir um ambiente de aprendizado adequado para seus/suas estudantes
(PEREIRA; CASTRO, 2021).

A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios podemos


constatar que as taxas de analfabetismo da população do campo são maiores
que aquelas registradas entre a população urbana, mesmo nos estados em que
essa diferença é menor. Para se ter uma ideia da gravidade do cenário, para
os/as jovens entre 15 e 19 anos, a taxa de analfabetismo geral (brasileira) �ca
em torno de 1,7%, enquanto na região Nordeste esse índice é de 2,5%. No que se
refere a média de anos de estudos para a população acima de dez anos, em ter-
mos gerais, o Brasil registra 7,8 anos. Porém, quando observamos somente a
população do campo brasileira a média cai para 5,28 anos, ante 8,26 anos da
população urbana (IBGE, 2015).

Dados do Censo Escolar de 2019 registraram uma queda na taxa de matrículas


tanto no campo quanto no meio urbano, mas com uma redução mais acentua-
da no primeiro. No que se refere às escolas rurais, os indicadores apontam que
esses estabelecimentos representam 23,4% do total de escolas em nosso país.
Trata-se de uma redução signi�cativa no número de instituições rurais volta-
das para o ensino (INEP, 2020).
Em relação à infraestrutura das escolas rurais, se faz necessário garantir uma
estrutura de qualidade, com fornecimento de energia elétrica, água potável e
alimentação, especialmente para os/as estudantes em situação de vulnerabili-
dade social. Infelizmente, a realidade ainda é desa�adora, uma vez que apenas
15% das escolas rurais no Brasil possuem elementos essenciais. As institui-
ções de ensino devem ir além de simplesmente existirem, e o processo educa-
cional só se concretiza com a presença de recursos pedagógicos, tais como bi-
bliotecas, salas de estudo, computadores e acesso à internet (SOARES; RAZO;
FARIÑAS, 2006).

Vemos que os dados apresentados trazem à tona as más condições e as di�-


culdades vividas pelos/as estudantes na educação escolar do campo. Nesse
sentido, é preciso ter clareza de que este cenário de precarização é fruto de um
longo processo histórico em que a educação das novas gerações ou dos/as
adultos/as nas áreas rurais era considerada de menor importância ou dispen-
sável.

Para que as organizações camponesas chegassem ao patamar atual de rein-


vindicação de um projeto político-pedagógico para as escolas do campo e que
atenda às reivindicações dos/as trabalhadores/as do campo, muitas lutas fo-
ram realizadas.

No contexto das lutas pela terra e por transformações sociais efetivas, os mo-
vimentos de luta no campo desempenharam um papel imprescindível no im-
pulsionamento dos esforços voltados às mudanças dos processos educacio-
nais. Sem a participação desses movimentos, a busca pela reforma agrária e
pela melhoria da educação nas áreas rurais estaria atualmente em um estágio
menos avançado. Adicionalmente, nos últimos tempos, os movimentos soci-
ais no campo têm se orientado e obtido apoio para seus projetos educacionais,
abrangendo modalidades como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a edu-
cação básica e o ensino superior. Isso resultou na oportunidade de acesso por
parte dos/as trabalhadores/as rurais ao conhecimento cientí�co (SANTOS,
2013).

Além dos movimentos sociais do campo, como o Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Movimento de Luta pela Terra, e os movi-
mentos de pequenos agricultores e quilombolas, a origem do Movimento por
uma Educação do Campo envolve não apenas a participação de in�uências do
pensamento religioso, representado pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), mas também a contribuição de organizações vinculadas às
grandes potências mundiais. Essa in�uência se manifestou através do apoio
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a (UNESCO), ambos ór-
gãos ligados à Organização das Nações Unidas (ONU). Pode-se argumentar
que essas parcerias foram estratégicas para a construção de um movimento
mais abrangente, envolvendo diversos atores/atrizes sociais. Isso ocorreu con-
siderando as condições políticas da época, especialmente nos anos 1990,
quando seria inviável formular uma educação do campo somente a partir do
protagonismo dos movimentos de lutas sociais (SANTOS, 2013).

 Educação no campo - Entrevista com a Profa. Leila Alves.

Cabe destacar que a educação do campo, tal como vem sendo discutida
contemporaneamente, é fruto de um longo processo de disputas entre di-
ferentes segmentos sociais ligados ao campo. Não se trata de um fenô-
meno cujos antecedentes históricos estão localizados nos anos de 1980.
Já na década �nal do século XIX se discutia a chamada “educação rural”
(que não é sinônimo de educação do campo). Não é nosso objetivo, aqui,
fazer uma incursão mais detalhada na história da educação brasileira
procurando expor como se dava o debate em torno da educação escolar
ligada ao campo.

Para uma melhor compreensão da educação do campo, clique aqui


(https://www.youtube.com/watch?v=I41g21MtUMU) e assista a entrevis-
ta com a Profa. Leila Alves para o Canal Descomplicado.

Assim, ao longo dos tempos, passamos a observar a realização de atividades


sistemáticas visando a garantia do acesso à educação por parte dos/as traba-
lhadores/as do campo que passam a lutar pelo seu lugar social no país.
A seguir trataremos de aspectos ligados à legislação que embasa a oferta da
educação escolar do campo.

3. Aspectos normativos da educação do campo


no contexto educacional brasileiro
A promulgação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo (Brasil, 2002) foi um marco que celebrou uma conquista por
parte dos movimentos de luta por uma educação do campo. O Parecer que em-
basa o documento (Brasil, 2001) traz à luz argumentos já elaborados pelos mo-
vimentos sociais do campo e reforça a contraposição em relação a perspectiva
hegemônica de representação acerca do contexto do campo e destaca a neces-
sidade da educação do campo:

Por sua vez, a partir de uma visão idealizada das condições materiais de existência
na cidade e de uma visão particular do processo de urbanização, alguns estudiosos
consideram que a especi�cidade do campo constitui uma realidade provisória que
tende a desaparecer, em tempos próximos, face ao inexorável processo de urbani-
zação que deverá homogeneizar o espaço nacional. Também as políticas educacio-
nais, ao tratarem o urbano como parâmetro e o rural como adaptação reforçam es-
sa concepção (Brasil, 2001, p. 2).

O campo é compreendido “como espaço heterogêneo, destacando a diversida-


de econômica, em função do engajamento das famílias em atividades agríco-
las e não agrícolas (pluriatividade), a presença de fecundos movimentos soci-
ais, a multiculturalidade” (BRASIL, 2001, p. 2).

As Diretrizes aprofundam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB) (Brasil, 1996) no que diz respeito à educação diferenciada e à diversidade
da educação do campo, em particular os artigos 23, 26 e 28:
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semes-
trais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com
base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de orga-
nização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

• 1º A escola poderá reclassi�car os alunos, inclusive quando se tratar de trans-


ferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como
base as normas curriculares gerais.
• 2º O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive
climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com
isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei.

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino mé-


dio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de en-
sino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversi�cada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos edu-
candos. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) [...]

Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida
rural e de cada região, especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e inte-


resses dos alunos das escolas do campo, com possibilidade de uso, dentre outras,
da pedagogia da alternância; (Redação dada pela Lei nº 14.767, de 2023)

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases


do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural [...] (BRASIL, 1996).

Portanto, reforça a necessidade de se levar com consideração as particularida-


des sócio-culturais nas �nalidades, conteúdos e metodologias no processo
educativo dos/as estudantes da educação do campo.

No artigo 4º, das Diretrizes para a educação do campo, explicita-se qual identi-
dade da escola do campo que, por sua vez, é de�nida pela sua vinculação às
questões inerentes a sua realidade e que deve estar ancorada na temporalida-
de e saberes próprios dos/as estudantes (Brasil, 2002). No ano de 2008 foi pu-
blicada a Resolução nº 2 que estabeleceu diretrizes complementares, normas
e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da
Educação Básica do Campo (BRASIL, 2008).

As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Brasil,


2010a) inclui a educação do campo como modalidade de ensino. Por sua vez, a
Resolução CNE/CEB nº 7/2010 (Brasil, 2010b), que �xa Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, reconhece a diversi-
dade como elemento central do currículo e traz o entendimento que os saberes
apropriados devem estar atrelados às reais necessidades e interesses dos/as
estudantes do campo.

Os dispositivos que visam regular a oferta da educação do campo em nossa


país são expressões de políticas públicas voltadas a esta realidade social e re-
�etem o conjunto de teorias acerca da educação do campo.

 Saiba mais!

Para uma melhor compreensão desses ordenamentos, indicamos a se-


guintes leituras:

• BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB n.


36/2001, de 4 de dezembro de 2001.
(http://portal.mec.gov.br
/cne/arquivos/pdf/EducCampo01.pdf). Brasília, MEC.
• BRASIL. Ministério da Educação.

.
Institui diretrizes operacionais para a educação básica das escolas
do campo. Brasília, MEC.

No tópico a seguir, nos dedicaremos a discutir o ensino da Educação Física no


contexto da educação do campo.

4. O ensino da Educação Física na educação do


campo
Vimos, até aqui, que a educação do campo possui particularidades a serem
consideradas para consecução de uma proposta político-pedagógica que con-
tribua signi�cativamente para a formação da população do campo. Nesse sen-
tido, todos os componentes curriculares envolvidos na realidade da educação
escolar no campo devem estar em sintonia com esse projeto formativo. Com
efeito, o mesmo se espera da Educação Física por meio de seus objetivos, con-
teúdos, procedimentos metodológicos e avaliativos empregados, a �m de que
seus contributos também colaborem para a formação de crianças, jovens e
adultos que vivem no campo.

Em relação à Educação Física escolar no contexto do campo, muito trabalho


ainda deve ser realizado com vistas a uma melhor compreensão dessa reali-
dade. O desenvolvimento e a socialização de propostas pedagógicas e a produ-
ção de conhecimentos cientí�cos que difundam e analisem criticamente o en-
sino da Educação Física nesse contexto devem �gurar no rol de prioridades.
São partes constitutivas de uma agenda de desenvolvimento crítico e qualita-
tivo da educação do campo em nosso país.

Somente para ilustrarmos a nossa argumentação, Eto e Neira (2014), a partir


de um levantamento bibliográ�co em diferentes bases de dados, identi�cam
uma escassez na produção cientí�ca sobre o currículo da Educação Física nas
escolas do campo. Com isso consideram que há uma necessidade de incursão
na temática para desvelamento da realidade da Educação Física na educação
do campo e de experiências com propostas curriculares alternativas neste
contexto. Esse cenário também é identi�cado em Marin et al. (2010).

Não obstante, Eto e Neira (2014) também identi�cam uma incongruência his-
toricamente presente na educação do campo e que diz respeito ao currículo de
Educação Física frequentemente adotado. Observa-se a preferência pelo ensi-
no centrado no exercício físico ou no esporte. É evidente que tais currículos,
formatados dessa maneira, acabam por disseminar signi�cados que favore-
cem os grupos sociais privilegiados, resultando na subjugação da cultura cor-
poral de grupos minoritários. Isso se traduz na regulação dos corpos e na con-
formação de identidades. As aulas que se baseiam na repetição da gestualida-
de das práticas corporais hegemônicas não estimulam a re�exão sobre as vi-
vências dos estudantes, nem contribuem para uma análise crítica do repertó-
rio existente.

Vista sob esse prisma, a Educação Física no contexto do campo reproduz prá-
ticas hegemônicas e em nada se diferenciam das práticas pedagógicas desen-
volvidas em outros espaços, deixando de lado as especi�cidades quando se
trata de educação do campo. Essa perspectiva é corroborada também por
Marin et al. (2010), para quem as propostas educacionais fundamentadas em
princípios e conteúdos urbanos, desprovidas de conexão com os valores e a re-
alidade da população do campo, intensi�cam as disparidades sociais, o pre-
conceito e o sentimento de menosprezo em relação aos demais. Nas mobiliza-
ções dos movimentos sociais rurais, a educação desempenha um papel cen-
tral, estando associada à busca por uma qualidade de vida melhor. No entanto,
a educação almejada não se limita a ser apenas para o campo, mas sim oriun-
da do próprio campo. Isso requer uma transformação substancial no sistema
educacional e nas práticas pedagógicas.

Diante do que estudamos até o momento, também é importante que você co-
nheça um pouco mais sobre o ensino da Educação Física na educação do
campo. Isso permitirá uma melhor compreensão das especi�cidades desse
componente curricular no contexto em destaque. Para isso, indicamos a leitu-
ra a seguir:

 Que tal uma re�exão?

Além de seus estudos deste ciclo, faça também a leitura do artigo

de Silvana Ventorim
e de Andrea Brandão Locatelli (2009, p. 1-16).
Diante do exposto, a produção de novos conhecimentos no âmbito da
Educação Física na educação do campo, tendo os/as estudantes como prota-
gonistas, deve ocorrer concomitante à busca pela apropriação dos espaços na-
turais e da cultura local, destacando, assim, a valorização tanto dos/a estudan-
tes quanto do contexto no qual se inserem.

5. Considerações
Atualmente, no que se refere à educação do campo, a tarefa consiste em apro-
veitar e�cazmente os diversos avanços realizados em locais distintos, levando
em consideração a realidade e a criatividade especí�cas de cada grupo e loca-
lidade. Elaborar a criação de uma escola voltada para os trabalhadores/as
dentro do atual sistema de ensino público não é uma tarefa simples. Para que
isso se concretize efetivamente, é necessário considerar os/as trabalhado-
res/as e seus interesses como o ponto central desse processo (MORIGI, 2003).

Vimos, a partir dos estudos realizados, que a educação voltada para o campo
deve incorporar a identidade especí�ca desse ambiente, não apenas como
uma expressão cultural distinta, mas como um contexto no qual se realiza efe-
tivamente um projeto de desenvolvimento deste contexto. A escola do campo
deve estar comprometida com um projeto político-pedagógico que esteja in-
trinsecamente ligado às causas, desa�os, aspirações, história e cultura daque-
les/as que habitam e trabalham nesse meio.

A educação do campo busca alterar tanto o conteúdo quanto a dinâmica ope-


racional da escola, visando aprimorar o processo educativo. Isso é realizado
mantendo em foco o ser humano como protagonista no processo de formação
e considerando o tipo de sociedade que se almeja construir. Isso visa concreti-
zar o aprofundamento da proposta político-pedagógica já estabelecida por al-
guns movimentos sociais do campo.

No que se refere à Educação Física, assegurar um ensino de qualidade deste


componente no contexto do campo implica comprometer-se com a diversi�-
cação e aprofundamento dos conteúdos. Isso signi�ca orientar os/as estudan-
tes para explorar diversas produções sistematizadas na Educação Física, bem
como compreender o desenvolvimento desses conteúdos no contexto cultural,
considerando suas transformações, história, misti�cações, entre outros aspec-
tos. Além disso, é crucial contemplar as experiências vividas pelos sujeitos do
campo, fomentando o diálogo entre os saberes locais e os saberes sistematiza-
dos. Essa abordagem visa ampliar o que é próprio e autoral para esses indiví-
duos (VENTORIM; LOCATELLI, 2009).

A concretização de transformações na prática pedagógica da Educação Física


no contexto do campo vai além do simples aprimoramento das instalações fí-
sicas e dos recursos materiais. Envolve, essencialmente, a necessidade de
uma formação acadêmica que considere as particularidades do campo, a ca-
pacitação contínua dos/as professores/as e a geração de conhecimento sobre
a temática. Isso visa não apenas melhorar as condições locais, mas também
promover efetivamente o desenvolvimento do campo (MARIN et al., 2010).
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Ciclo 3 – A Educação Física no Contexto da Educação


Escolar Quilombola

Objetivos
• Discutir a educação das relações étnico-raciais no contexto escolar.
• Apresentar o conceito de racismo estrutural.
• Conhecer o panorama da educação escolar quilombola no Brasil.
• Identi�car os marcos normativos da educação escolar quilombola na
educação brasileira.
• Discutir o processo de ensino da Educação Física no contexto da educa-
ção escolar quilombola.

Conteúdos
• A educação das relações étnico-raciais no contexto escolar.
• estrutural
• Panorama da educação escolar quilombola no Brasil
• Aspectos normativos da educação escolar quilombola no contexto da le-
gislação educacional brasileira.
• O ensino da Educação Física no âmbito da educação escolar quilombola.

Problematização
O que é educação escolar quilombola? Como ela se caracteriza? Por que estu-
dar a educação das relações étnico-raciais no contexto escolar? O que é racis-
mo estrutural? Qual o panorama da educação escolar quilombola no Brasil?
Quais aspectos normativos regem a educação quilombola em nosso país?
Quais aspectos considerar no ensino da Educação Física na educação escolar
quilombola?

Orientações para o estudo


Prezado/a estudante, esse ciclo aborda a educação escolar quilombola. Para
uma melhor compreensão do tema, além das re�exões introdutórias sobre o
tema, tratamos da educação das relações étnico-raciais, do panorama e dos
aspectos normativos ligados a educação escolar quilombola para, por �m, dis-
cutir o ensino da Educação Física nesse contexto. Portanto, não deixe de estu-
dar as leituras recomendadas e nem de assistir aos vídeos indicados ao longo
do material. Essas ações são imprescindíveis para uma melhor apreensão do
conteúdo proposto.

Ao longo de seus estudos não deixe de contemplar os exemplos apresentados,


bem como você mesmo pensar em suas próprias possibilidades de interven-
ção a partir das re�exões realizadas.

Bons estudos!

1. Introdução
Ao longo do processo de constituição histórica de nosso país observamos que
a população negra tem sofrido com reiteradas situações de violência e margi-
nalização, o que impacta, ainda nos dias de hoje, no acesso a diferentes direi-
tos sociais como como saúde, segurança, habitação, lazer, trabalho e educação.
A herança legada pelo passado escravocrata, que retirou de maneira forçada
milhares negros/as africanos/as de seus territórios de origem, privando-os/as
de direitos e subjugando-os/as aos interesses da elite branca hegemônica, de-
sempenhou um papel signi�cativo no desenho desse cenário.

No caso das instituições escolares, muitas vezes, crianças e jovens negros/as


não se sentem representados/as positivamente nesses espaços, sendo silenci-
ados/as e marginalizados/as no processo educativo, fruto de uma longa histó-
ria de negação que inferioriza suas habilidades e conhecimentos. Tal passado
colonial, ainda presente no contexto das escolas, necessita ser rompido a �m
de que possamos construir novas possibilidades que proporcionem práticas
educativas baseadas na liberdade e autonomia dos/as estudantes.

Ainda que possamos observar avanços nesse cenário como, por exemplo, a
maior inserção dos/as negros/as em espaços como as universidades, as esco-
las e o mercado de trabalho, fruto da constante luta do movimento negro, ain-
da estamos longe de conquistar a equidade. A marginalização das pessoas ne-
gras em virtude da sua cor da pele e de sua identidade étnico-racial ainda per-
siste. Infelizmente, ainda somos testemunhas de incontáveis situações de
desrespeito, violências de diferentes ordens e privações, que disfarçadas sob a
chamada “democracia racial”, se escondem nos discursos da aceitação.

 Assista ao vídeo...

Essa arquitetura insere-se no que Almeida (2019) chama de racismo es-


trutural. Vejamos um vídeo do autor comentando um pouco sobre esse
conceito: O QUE É RACISMO ESTRUTURAL? | Silvio Almeida.
(https://www.youtube.com/watch?v=PD4Ew5DIGrU)

Quando o assunto são as práticas corporais também encontramos manifesta-


ções de racismo que prejudicam as pessoas negras. No caso dos/as atletas,
muitos/as deles/as se encontram diante de situações na quais são alvos de
manifestações racistas como, por exemplo, ao serem chamados/as de maca-
cos/as. São notórios os casos dos/as atletas Gra�te e Aranha (futebol), Fabiana
Claudino (voleibol), Ângelo Assumpção (ginástica artística), Rafaela Silva
(judô), somente para citar alguns, em que esses homens e essas mulheres fo-
ram vítimas de práticas racistas no contexto de esportivo.

As práticas racistas ocorrem em diferentes espaços sociais e requerem aten-


ção e medidas que promovam o seu combate. A tipi�cação do racismo como
crime, a aplicação das sanções cabíveis e, sobretudo, a luta pela desconstru-
ção das estruturas que mantêm o racismo em nossa sociedade são ações que
devem ser constantes e imprescindíveis para mudança desse cenário.
A �m de superar a sistemática violência e negação direcionadas à população
negra, o investimento em políticas de combate ao racismo e o desenvolvimen-
to de políticas antirracistas baseadas na diversidade humana tornam-se ca-
minhos adequados e profícuos. Isso inclui o reconhecimento do sujeito negro
em suas diferenças, tradições e costumes. Construir uma equidade social que
assegure direitos iguais, mas reconhecendo as diferentes condições para os
sujeitos é essencial.

Nesse contexto, a educação das relações étnico-raciais é crucial para descons-


truir preconceitos e superar discriminações. Reconhecer que os sujeitos ne-
gros, por meio de sua corporeidade, carregam histórias, saberes, linguagens e
práticas fundamentais para a transformação social e aceitação da diversidade
étnica e cultural é parte desse processo. Devemos visualizar os corpos negros
como espaços de memória, resistência e ancestralidade, pois é neles que estão
enraizados os saberes e elementos culturais de sua herança.

É nesse sentido, caro/a estudante, que desenvolveremos o conteúdo deste ciclo


de aprendizagem. Estaremos em sintonia com temáticas que são correlatas ao
assunto, mas que sem elas teremos uma compreensão super�cial acerca da
educação escolar quilombola. As comunidades quilombolas lutam sistemati-
camente para terem reconhecidos o direito à terra, ao território, à memória e
aos seus conhecimentos tradicionais. Os embates se fazem necessários uma
vez que a população quilombola enfrenta a discriminação e o preconceito ra-
ciais, a resistência de grandes proprietários de terras, dentre outros obstácu-
los, que impedem as suas diferentes manifestações de ser e estar no mundo.

Portanto, será preciso realizar uma leitura crítica do conteúdo que será abor-
dado. Sendo assim, vamos aos estudos!

2. Sobre a educação das relações étnico-


raciais no contexto escolar
Caro/a estudante, nesse tópico vamos dialogar sobre a educação das relações
étnico-raciais no contexto escolar, uma questão de extrema relevância para
todos/as, em especial, para os/as professores (de Educação Física) que atuam
na educação básica. No entanto, fazemos a seguinte pergunta: o que signi�ca a
expressão étnico-racial? Você já re�etiu sobre ela.

Portanto, antes de discutir a temática em mais detalhes é prudente iniciarmos


com uma breve explicação conceitual recorrendo a algumas fontes para com-
preendermos melhor o signi�cado dessa expressão.

Diferentemente do caráter assumido pelo termo raça durante a segunda


Guerra Mundial (1939-1945), alimentada pela ideologia nazista, que tinha a sua
compreensão atrelada à dimensão biológica e servia de justi�cativa para a su-
posta supremacia ariana em relação aos demais grupos humanos, conforme
nos alerta Munanga e Gomes (2016), o entendimento proposto atualmente se
diferencia diametralmente. Segundo o autor e a autora, esse conceito outrora
foi utilizado para justi�car a promoção da dominação, da segregação e a morte
de milhares de pessoas.

A partir de uma perspectiva sociológica mais ampla o conceito de raça passa


a ter a seguinte conotação:

[...] construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas ve-
zes simuladas como harmoniosas nada tendo a ver com o conceito biológico de ra-
ça cunhando no século XVIII e hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o
termo raça é utilizado como frequência nas relações sociais brasileiras, para infor-
mar como determinadas características físicas como cor da pele, tipo de cabelo, en-
tre outras, in�uenciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar so-
cial dos sujeitos no interior da sociedade brasileira (Brasil, 2004, p. 5)

Já em relação ao termo étnico, sua concepção encontra-se vinculada ao per-


tencimento, à radicalidade, no sentido de ir à raíz, à ancestralidade africana
ou a outros grupos, de tal forma que ao utilizarmos a expressão étnico-racial
estamos realizando uma tentativa de:
[...] explicitar que, ao nos referirmos ao segmento negro da população brasileira,
tanto a dimensão cultural (linguagem, tradições, ancestralidade) quanto a racial
(características físicas visivelmente observáveis, tais como cor da pele, tipo de ca-
belo, etc.) são importantes e estão articuladas. Ambas devem ser consideradas em
conjunto (e não de forma separada) quando falarmos sobre a complexidade do que
representa "ser negro no Brasil" (Munanga; Gomes, 2016, p. 178).

Nos dizeres de Gomes (2011 p. 83), a educação das relações étnico-raciais pos-
sibilita que possamos questionar a si e aos outros, bem como promover mu-
danças em postura e práticas, devido ao seu caráter problematizador. Na pers-
pectiva da autora:

A educação para as relações étnico-raciais que cumpre o seu papel é aquela em que
as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos negros e brancos, ao passarem
pela escola básica, questionem a si mesmos nos seus próprios preconceitos,
tornem-se dispostos a mudar posturas e práticas discriminatórias, reconheçam a
beleza e a riqueza das diferenças e compreendam como essas foram transforma-
das em desigualdades nas relações de poder e dominação.

A partir do excerto em destaque, podemos considerar que a educação das rela-


ções étnico-raciais deve contemplar todas as pessoas que se encontram no
contexto escolar, não havendo limitações de idade, religião, classe social, per-
tença étnico-racial ou outros marcadores. Isso deve, pois os sujeitos:

[...] de uma educação das relações étnico-raciais que se pauta na ética aprenderão a
desnaturalizar as desigualdades e, ao fazê-lo, tornar-se-ão sujeitos de sua própria
vida e da sua história e aprenderão a se posicionar politicamente (e não somente
no discurso) contra toda a sorte de discriminação (Gomes, 2008, p. 83, grifos da au-
tora).

Em sua essência, a educação das relações étnico-raciais possibilita o enfren-


tamento de privilégios, preconceitos, discriminações e violências de diferen-
tes tipos dirigidas aos grupos minoritários. Não obstante, busca desconstruir
visões que desconsideram a complexidade do debate em torno das estruturas
mantenedoras do racismo na sociedade brasileira. Portanto, con�gura-se nu-
ma educação que tem como objetivo o processo de transformação social por
meio da redução ou eliminação das desigualdades existentes entre diferentes
grupos (BEZERRA, 2021). Como visto, a responsabilidade por essa educação
abarca diferentes pessoas e não está balizada por aspectos socioeconômicos
ou étnico-raciais.

 Entrevista com Clélia Rosa.

O vídeo ,
(https://www.youtube.com/watch?v=SAeh9zZnHww&t=10s)da pedagoga
Clélia Rosa traz uma breve re�exão sobre a abordagem das relações
étnico-raciais na escola, trata-se de uma produção do Geledés - Instituto
da Mulher Negra.

A ênfase na formação para as relações étnico-raciais busca a ruptura com o


imaginário social que perpetua, no ambiente escolar cotidiano, a reprodução
de uma cultura racista, preconceituosa e discriminatória. Para isso, podemos
contar com a educação intercultural como possibilidade para o esse trabalho.
Como vimos nos estudos do primeiro ciclo, a educação intercultural reconhe-
ce que a sociedade é formada por diferentes culturas e que temos diante de
nós diversas formas de ser, estar e agir no mundo. As culturas estão em cons-
tante processo de alterações, trocas, contatos e negociações.

Vejamos que isso faz todo o sentido uma vez que a cultura “não é estática, pois
os grupos, pessoas, comunidades, povos se constituem nas relações de fron-
teiras entre as diversas maneiras de ser e viver das pessoas e dos grupos em
relação ao contexto escolar” (Grando; Pinho; Rodrigues, 2018, p. 95).

Para Candau (2020), o ponto de partida da educação intercultural é a a�rma-


ção da diferença. A educação intercultural viabiliza a coordenação de políticas
e ações que garantam direitos, promovendo tanto a igualdade quanto o respei-
to à diversidade. Isso torna-se possível em virtude do diálogo entre diferentes
sujeitos, da troca de conhecimentos e práticas, da busca por justiça social e da
construção de relações igualitárias entre diferentes grupos socioculturais pro-
porcionadas por essa forma de educar.
Vamos testar os seus conhecimentos a partir dos estudos realizados neste tó-
pico?

Realizada essa breve re�exão sobre a educação das relações étnico-raciais,


passaremos, agora, a realizar um panorama sobre a educação escolar quilom-
bola em nosso país.

3. Educação escolar quilombola no Brasil: con-


texto e aspectos normativos
Para iniciar o nosso diálogo sobre a educação escolar quilombola é prudente,
num primeiro momento, trazer à luz o conceito de quilombo. Segundo
O´Dweyer (1995) o termo quilombo vem assumindo novos signi�cados no in-
tuito de designar a situação de segmentos negros em diferentes localidades de
nosso país. Para a autora, um bom exemplo disso seria a expressão “remanes-
cente de quilombo” que foi instituída pela Constituição Federal de 1988 e de-
signa “um legado, uma herança cultural e material que lhes confere referência
presencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar especí�co e a um gru-
po especí�co” (O´Dweyer, 1995, p. 1).

Portanto, o termo quilombo:

[...] não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de


comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma popu-
lação estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a
partir de movimentos insurrecionais ou rebelados mas, sobretudo, consistem em
grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e re-
produção de seus modos de vida característicos e na consolidação de um território
próprio. A identidade desses grupos também não se de�ne pelo tamanho e número
de seus membros, mas pela experiência vivida e as versões compartilhadas de sua
trajetória comum e da continuidade enquanto grupo. Neste sentido, constituem
grupos étnicos conceitualmente de�nidos pela antropologia como um tipo organi-
zacional que confere pertencimento através de normas e meios empregados para
indicar a�liação ou exclusão (O´Dweyer, 1995, p. 2).

Apresentado o conceito de quilombo, destacamos as orientações das Diretrizes


Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica sobre a educação esco-
lar quilombola:

A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscri-


tas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especi�ci-
dade étnico-cultural de cada comunidade e formação especí�ca de seu quadro do-
cente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e os prin-
cípios que orientam a Educação Básica brasileira. Na estruturação e no funciona-
mento das escolas quilombolas, deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade
cultural (Brasil, 2010a, p. 42)

À época da publicação dessas Diretrizes não havia, ainda, Diretrizes


Curriculares especí�cas para a educação escolar quilombola. Isso somente vi-
ria a ocorrer no ano de 2012.

O debate em torno da educação escolar quilombola torna-se essencial para


compreendermos a dinâmica das políticas educacionais em nosso país. A
partir daí, então, constatamos etapas e modalidades privilegiadas e também
identi�camos as lacunas existentes na educação brasileira. Nesse sentido, ve-
mos que as ações voltadas para essa modalidade de educação ainda são pre-
cárias e invisibilizadas, conforme consta no texto do parecer referente às
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola:

É nesse contexto mais amplo de produção de legislações, ações e políticas voltadas


para a questão quilombola, no Brasil, que a política educacional começa, aos pou-
cos, a compreender que a Educação Escolar Quilombola vem sendo negada como
um direito. Entretanto, na gestão dos sistemas de ensino, nos processos de forma-
ção de professores, na produção teórica educacional, essa realidade tem sido invisi-
bilizada ou tratada de forma marginal. São as pressões das organizações do
Movimento Quilombola e do Movimento Negro que trazem essa problemática à ce-
na pública e política e a colocam como importante questão social e educacional
(Brasil, 2012a, p. 18).

A promulgação de diretrizes especí�cas para a educação escolar quilombola


foi um avanço para a educação escolar brasileira e se constitui numa conquis-
ta das lutas empreendidas pelo movimento negro e pelo movimento quilom-
bola. Trata-se de visibilizar um grupo marginalizado socialmente e que ao
longo da nossa história enfrentou (e ainda enfrenta!) di�culdades para ter
acesso à educação.

Em sintonia com o disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para


a Educação Básica, conforme mencionado anteriormente, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola assim de�nem a
organização dessa modalidade:

A Educação Escolar Quilombola organiza precipuamente o ensino ministrado nas


instituições educacionais, fundamentando-se, informando-se e alimentando-se de
memória coletiva, línguas reminiscentes, marcos civilizatórios, práticas culturais,
acervos e repertórios orais, festejos, usos, tradições e demais elementos que confor-
mam o patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país (Brasil,
2012a, p. 26).

O texto também deixa claro que na educação básica, a educação escolar qui-
lombola contempla as suas etapas e modalidades destinando-as às popula-
ções quilombolas do contexto urbano ou rural, a saber: “Educação Infantil, o
Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Educação Especial, a Educação
Pro�ssional Técnica de Nível Médio, a Educação de Jovens e Adultos, inclusi-
ve na Educação a Distância” (Brasil, 2012a, p. 26).

Com efeito, a educação escolar quilombola pode ser conceituada como:

[...] Educação Escolar Quilombola é a modalidade de educação que compreende as


escolas quilombolas e as escolas que atendem estudantes oriundos de territórios
quilombolas. Nesse caso, entende-se por escola quilombola aquela localizada em
território quilombola (Brasil, 2012a, p. 27).

Em termos curriculares, o documento traz os seguintes apontamentos nos ar-


tigos 34 e 35:
Art. 34 O currículo da Educação Escolar Quilombola diz respeito aos modos de or-
ganização dos tempos e espaços escolares de suas atividades pedagógicas, das in-
terações do ambiente educacional com a sociedade, das relações de poder presen-
tes no fazer educativo e nas formas de conceber e construir conhecimentos escola-
res, constituindo parte importante dos processos sociopolíticos e culturais de cons-
trução de identidades.

• 1º Os currículos da Educação Básica na Educação Escolar Quilombola devem


ser construídos a partir dos valores e interesses das comunidades quilombo-
las em relação aos seus projetos de sociedade e de escola, de�nidos nos proje-
tos político-pedagógicos.
• 2º O currículo deve considerar, na sua organização e prática, os contextos so-
cioculturais, regionais e territoriais das comunidades quilombolas em seus
projetos de Educação Escolar Quilombola.

Art. 35 O currículo da Educação Escolar Quilombola, obedecidas as Diretrizes


Curriculares Nacionais de�nidas para todas as etapas e modalidades da Educação
Básica, deverá:

I - garantir ao educando o direito a conhecer o conceito, a história dos quilombos


no Brasil, o protagonismo do movimento quilombola e do movimento negro, assim
como o seu histórico de lutas;

II - implementar a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e


Afro-Brasileira e Africana, nos termos da Lei nº 9.394/96, na redação dada
pela Lei nº 10.639/2003, e da Resolução CNE/CP nº 1/2004;

III - reconhecer a história e a cultura afro-brasileira como elementos estruturantes


do processo civilizatório nacional, considerando as mudanças, as recriações e as
ressigni�cações históricas e socioculturais que estruturam as concepções de vida
dos afro-brasileiros na diáspora africana;

IV - promover o fortalecimento da identidade étnico-racial, da história e cultura


afrobrasileira e africana ressigni�cada, recriada e reterritorializada nos territórios
quilombolas;

V - garantir as discussões sobre a identidade, a cultura e a linguagem, como impor-


tantes eixos norteadores do currículo;

VI - considerar a liberdade religiosa como princípio jurídico, pedagógico e político


atuando de forma a: a) superar preconceitos em relação às práticas religiosas e cul-
turais das comunidades quilombolas, quer sejam elas religiões de matriz africana
ou não; b) proibir toda e qualquer prática de proselitismo religioso nas escolas.

VII - respeitar a diversidade sexual, superando práticas homofóbicas, lesbofóbicas,


transfóbicas, machistas e sexistas nas escolas (Brasil, 2012b, p. 13-14).

Convém destacar, caro/as estudante, que as Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação Escolar Quilombola devem ser compreendidas em sintonia
com outros marcos legais da educação brasileira como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), a Lei nº 10.639 (Brasil, 2003) e a Lei
nº 11.645 (Brasil, 2008), as duas últimas que versam sobre o estudo da história
e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos das escolas brasileiras.

 Fique por dentro!

A seguir fazemos a indicação de leitura de um texto que permitirá a você


compreender melhor o panorama da educação escolar quilombola em
nosso país:

• ARRUTI, José Maurício.

. Revista Contemporânea de
Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 23, p. 107-142, 2017.

Também recomendamos fortemente a leitura das Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Escolar Quilombola:

• BRASIL. CNE.

. De�ne Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na
Educação Básica. Brasília, MEC.
Agora, vamos testar um pouco os conhecimentos apreendidos neste tópi-
co sobre a educação escolar quilombola?

No tópico seguinte abordaremos aspectos ligados ao ensino da Educação


Física no contexto da educação escolar quilombola.

4. O ensino da Educação Física na educação


escolar quilombola
É de fundamental importância para nós re�etirmos sobre o papel da
Educação Física no contexto da educação escolar quilombola. Pensar o
lugar do corpo negro e da sua relação com as práticas corporais nas aulas
desse componente curricular nos convida a re�etir sobre possibilidades
para a educação das relações étnico-raciais. E mais, requer debatermos
sobre a constituição dos corpos, de forma individual ou coletiva, uma vez
que as nossas experiências ocorrem a partir do encontro com outros cor-
pos, com os objetos e com o mundo.

Se tomarmos por base o cenário apontado por Silva e Devide (2009), reco-
nheceremos a importância da Educação Física estar em sintonia com a
proposta da educação escolar quilombola. Os autores asseveram que as
ideias preconceituosas e discriminatórias construídas no contexto social
mais amplo re�etem no ambiente escolar e, consequentemente, nas aulas
de Educação Física. As linguagens verbal e não verbal denunciam pro-
cessos de exclusão de indivíduos e grupos, o que sinaliza a existência de
uma classi�cação social em que determinados atores sociais ocupam es-
paços de superioridade em detrimento de outros.

Portanto, a prática da Educação Física no contexto da educação escolar


quilombola deve possibilitar a valorização da educação das relações
étnico-raciais, dos saberes e das práticas dos corpos negros a �m de que
possamos pavimentar um caminho para a superação de práticas racistas
e discriminatórias.
As práticas corporais quilombolas possibilitam a compreensão de uma
conjuntura social ao aproximar a dimensão social das expressões, mani-
festações e signi�cados corporais. Assim, torna-se possível reconhecer
que essas manifestações da cultura corporal representam formas legíti-
mas de celebração, resistência, valorização étnica e luta política das co-
munidades, as quais não devem ser negligenciadas em detrimento de
práticas hegemônicas (Souza e Lara, 2011).

Inspirados no estudo de Bezerra (2021, p.20) podemos estabelecer como


objetivos da Educação Física na educação escolar quilombola:

- conhecer as realidades para pensar possibilidades pedagógicas que con-


templem os saberes do corpo negro nas intervenções pedagógicas;

- oportunizar uma re�exão crítica sobre o modo como os negros e negras são
“incluídos(as)” nos processos educativos;

- vislumbrar novas possibilidades no trato com os conhecimentos sobre o


corpo;

- construir um maior e mais diversi�cado acervo sobre as práticas corporais;

- oportunizar um olhar mais direto a um público que, inúmeras vezes, perma-


nece invisível no processo educativo.

Para melhor compreendermos a produção cientí�ca em torno da


Educação da Educação Física na educação escolar quilombola, indicamos
a leitura do texto a seguir. Cabe a você estudante lê-lo com atenção bus-
cando identi�car práticas corporais privilegiadas e re�exões propostas
por autores/as que se dedicam ao estudo do tema.

 Leitura complementar
GAIA, Paulino Pinheiro et al.

. Movimento,
Porto Alegre, v. 27, p. 1-18, 2021.

Como encerramento para os estudos deste tópico, convidamos você para


responder o Quiz a seguir:

5. Considerações
As comunidades quilombolas possuem história e necessidades a serem
consideradas no processo educativo. O sistemático apagamento perpetra-
do ao longo dos tempos, fruto de uma estrutura colonial que também dei-
xou marcas na educação brasileira, contribuiu sobremaneira para que o
atendimento a esse direito social fosse obstaculizado. Contudo, a resis-
tência por parte do movimento negro e do movimento quilombola possi-
bilitou que inúmeras demandas dessa população pudessem ser atendi-
das, ainda que de maneira insu�ciente.

Os processos de construção de políticas públicas voltadas para a popula-


ção quilombola deve considerar a garantia da oferta das diferentes etapas
e modalidades de educação básica, respeitando as particularidades socio-
culturais, políticas e econômicas desse grupo. Portanto, uma educação
que valorize experiências, ancestralidades, modos de ver, sentir, perceber
e expressar de negros/as quilombolas.

No tocante às aulas de Educação Física, devemos pensar o processo for-


mativo a partir da educação das relações étnico-raciais de modo a con-
templar saberes, linguagens e práticas corporais ancoradas na cultura
quilombola. A valorização dos corpos negros ecoa nas possibilidades de
existência de todos os corpos. Essa é uma condição para valorização da
diferença existente entre os indivíduos.
A prática pedagógica no âmbito da Educação Física deve ser capaz de sa-
ber lidar com as particularidades existentes na educação escolar quilom-
bola e aproveitar as experiências cotidianas em suas situações de ensino.

Chegamos ao �nal de mais um ciclo de estudos. Os conhecimentos abor-


dados aqui podem ser aprofundados por você visando uma formação pro-
�ssional crítica. Esperamos que tenha aproveitado essa trajetória e esteja
preparado/a para a incursão em um novo conteúdo no próximo ciclo.

Até breve!
(https://md.claretiano.edu.br

/edu�sescambnaourbcomagretndis-g04524-fev-2024-grad-ead/)

Ciclo 4 – A Educação Física na Educação Escolar


Indígena

Objetivos
• Discutir o cenário da Educação Escolar Indígena no Brasil.
• Identi�car as diretrizes normativas da Educação Escolar Indígena no
país.
• Compreender o ensino da Educação Física no âmbito da Educação
Escolar Indígena.

Conteúdos
• A Educação Escolar Indígena no país.
• Aspectos normativas da Educação Escolar Indígena.
• O ensino da Educação Física na Educação Escolar Indígena.

Problematização
O que é a Educação Escolar Indígena? Qual a situação da Educação Escolar
Indígena em nosso país? Quais as diretrizes que normatizam a existência e a
oferta da Educação Escolar Indígena no Brasil? Quais aspectos considerar no
ensino da Educação Física no contexto da Educação Escolar Indígena?

Orientações para o estudo


Neste ciclo de estudos teremos a oportunidade de tomarmos contato com a
Educação Escolar Indígena. Para tanto, uma breve contextualização dessa mo-
dalidade da educação básica se fará necessária. Nesse sentido, leia atenta-
mente o texto e assista ao vídeo indicado. Na seção sobre as diretrizes norma-
tivas, além da leitura, procure conhecer melhor as legislações e diretrizes rea-
lizando a leitura não obrigatória. E por �m, ao discutirmos o ensino da
Educação Física nesse contexto, elabore as re�exões sobre uma intervenção
original levando-se em consideração que este componente curricular está di-
recionado a um grupo humano muito particular.

Bons estudos!

1. Introdução
Os povos originários são parte constitutiva do processo de formação social de
nosso país, ou seja, desde os períodos mais remotos da história brasileira, os
indígenas se �zeram presentes e possuem papel de destaque em qualquer es-
forço analítico que pretenda compreender como se deu a nossa formação en-
quanto nação.

Contudo, como sabemos, ou ao menos deveríamos saber, que a presença indí-


gena na história foi marcada por tensões, pois esse grupo sempre representou
um contraponto aos interesses das classes dominantes em cada época. Os
embates ocorridos reverberaram em diferentes dimensões (política, econômi-
ca, cultural e social) e ainda hoje podem ser notados na sociedade em geral. O
imaginário social em torno da �gura do/a indígena como uma pessoa que pas-
sa todos os dias de sua vida com pinturas corporais, sem roupas, vivendo em
contato com uma natureza intocada pelo "homem branco", vivendo com o mí-
nimo necessário, dentre outros aspectos que poderíamos agregar, é um exem-
plo desse pensamento (equivocado) que foi forjado em nosso país. Em sintonia
com essa ideia, outra perspectiva também ganha destaque: a de que somos to-
dos iguais. Dessa forma, não é raro encontrarmos inúmeras pessoas a�rman-
do que somos todos/as brasileiros/as e não haveria justi�cativas para manu-
tenção de privilégios aos/às indígenas em nosso país.

Porém, cabe destacar, caro/a estudante, que essas perspectivas em nada con-
tribuem para uma compreensão real do modo de ser e estar no mundo destes
grupos. Além disso, acabam por falsi�car a história em nosso país ao atribuir
aos povos originários privilégios desfrutados e que não são possibilitados/as
aos/às demais brasileiros/as. Um olhar honesto para a história de nosso país
mostrará que se trata de uma visão equivocada e falaciosa.

Aqueles/as que assim se manifestam esquecem-se de que no decurso da his-


tória de nosso país os grupos dominantes subalternizaram os povos originári-
os em seus conhecimentos e práticas em favor de um pretenso progresso ci-
entí�co, mas que se demonstrou extremamente desigual. Diante dessa invisi-
bilização em suas diferentes formas de ser e estar no mundo, somos força-
dos/as a fazer a seguinte questão: que privilégios são estes? O que muitos con-
sideram privilégios, na realidade, são direitos conquistados mediante muitas
lutas empreendidas.

Troquez (2014) reconhece os anos �nais da década de 1970 e o decênio de 1980


como um período de signi�cativa mobilização do setor indigenista em nosso
país em favor da garantida de direitos dos povos originários. As lutas envolve-
ram setores indígenas e não-indígenas na luta, dentre outros aspectos, pelo
direito à diferença. Como parte das reivindicações, no campo educacional, es-
tava em pauta a proposição e a efetivação de uma educação diferenciada para
os/as indígenas.

Apesar dos avanços observados quanto à incorporação aos marcos legais de


muitas demandas dos povos originários, grande parcela dos povos originários
se encontra em situação de subalternidade, em seus mais diferentes aspectos,
dentre os quais podemos destacar as dimensões populacional, cultural, terri-
torial e social. Para Skolaude, Canon-Buitrago e Bossle (2020), a não visibilida-
de das culturas ligadas aos povos originários decorre de perspectivas colonia-
listas e opressoras.

É importante observar que os con�itos e negociações observados entre os po-


vos originários e os segmentos sociais dominantes também se re�etem nas
práticas corporais. Grando (2000, p. 67) nos traz uma breve re�exão sobre a
desconsideração desses con�itos na compreensão do universo das práticas
corporais indígenas:
Ao negarem essas relações, tanto a educação escolar indígena, quanto a Educação
Física (nos mais diferentes espaços educativos), reforça a cultura dominante e seus
valores excludentes e contribuem para o processo de desocupação/ocupação das
terras indígenas no Brasil. Isso porque, a Educação Física, assim como as demais
áreas de conhecimentos, a �m de promoverem a homogeneização da cultura e do
corpo do povo brasileiro negam e ocultam a diversidade (de conhecimentos e práti-
cas) dos povos indígenas. No entanto esse corpo, que não é único e nem igual, car-
rega consigo a marca da dominação e da desapropriação expressa em suas práti-
cas corporais, nas mais diversas formas de resistência e luta pelo direito a vida e a
diferença.

Ao longo dos nossos estudos temos reconhecido na educação intercultural


uma perspectiva educativa prático-conceitual capaz de fornecer elementos
para uma análise crítica da diversidade de conhecimentos e práticas, bem co-
mo de identidades construídas no interior de nossa sociedade.

Dessa forma, ao longo deste ciclo de estudos o nosso compromisso reside em


re�etirmos sobre o processo de ensino da Educação Física no contexto da
Educação Escolar Indígenas. Entretanto, para uma análise adequada, será ne-
cessário conhecermos o contexto da Educação Escolar Indígena, bem como
nos remetermos aos marcos legais dessa modalidade de educação.

Preparados/as para mais essa tarefa?

Vamos lá, então!

2. O contexto da Educação Escolar Indígena no


Brasil
Este tópico de nosso material foi elaborado com o objetivo de contextualizar a
Educação Escolar Indígena em nosso país. O conhecimento do cenário dessa
modalidade da educação básica possibilita uma melhor compreensão das po-
tencialidades, bem como dos desa�os a serem enfrentados em seu desenvolvi-
mento.

No Brasil, segundo o Censo Escolar da Educação Básica (Brasil, 2023), o Brasil


possui 178,3 mil escolas de ensino básico e 1,9% destas, o que corresponde a
3.451 escolas, estão localizadas em terras indígenas. Estas instituições ofer-
tam conteúdos próprios e diferenciados para os/as estudantes dos povos origi-
nários, respeitando os aspectos etnoculturais. Já outras 3.597 escolas, o que
corresponde a 2% das escolas básicas de nosso país, ofertam educação indíge-
na por meio de diferentes redes de ensino.

No que se refere a etapa do ensino fundamental, contabilizamos 3.484 escolas


em territórios indígenas. Dessas, 3.234 possuem turmas de anos iniciais (1º ao
5º) e 1.956 turmas de anos �nais (6º a 9º). Já as escolas com oferta de educa-
ção indígena perfazem um total de 3.267 com turmas de anos iniciais do ensi-
no fundamental e 1.984 com turmas de anos �nais do ensino fundamental
(Brasil, 2023).

Atenção!
Cabe, aqui, uma diferenciação das terminologias utilizadas a �m de evitarmos equívocos
conceituais e na interpretação dos dados apresentados. Segundo parâmetros utilizados pelo
Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para realizar o Censo Escolar, a
expressão "escola em terra indígena" diz respeito ao território no qual as escolas estão loca-
lizadas. Já a expressão "oferta de educação indígena" não diz respeito ao território, mas ao
público majoritariamente atendido. Nestes casos podemos ter, por exemplo, escolas urba-
nas atendendo estudantes indígenas.

Outro dado revelado pelo Censo é que um pouco mais de 1% dos/as estudantes
se declararam indígenas em um universo que contempla 34 milhões de alu-
nos/as (72,5%) que possuem a categoria cor/raça informada na pesquisa. Os
números referentes aos estudantes que não informaram cor ou raça devem
ser contabilizados no processo de análise, pois se trata de uma informação de-
claratória (Brasil, 2023).

As potencialidades e desa�os passam, também, pelos aspectos quantitativos


ligados à Educação Escolar Indígena e divulgados periodicamente através do
Censo Escolar da Educação Básica. Nesse sentido, um aspecto a ser considera-
do no entendimento do contexto em que se insere essa modalidade da educa-
ção básica é discutido por Mileski (2013). O autor reconhece que, em grande
medida, o cotidiano dos povos originários em nosso país é marcado por dife-
rentes tensões como aquelas que opõem conhecimentos indígenas e conheci-
mentos ocidentais, políticas públicas e políticas de comunidades indígenas e
entre estratégias de caráter internacional e estratégias particularizadas de vi-
da e de futuro para essas populações. Essas tensões de natureza política per-
passam as escolas indígenas e tornam essas instituições um contexto de ma-
nifestação de con�itos e interesses diversos.

Meireles (2020) possui um posicionamento muito interessante sobre a situa-


ção das escolas indígenas no Brasil. Para o autor, qualquer tentativa de
compreendê-la devemos considerar aspectos históricos com a intervenção co-
lonial e a catequese empreendida pelos jesuítas. Esses dois elementos possu-
em profunda relação com o projeto societário de subjugar os povos originários
por meio da alteração de suas identidades e culturas. Esse processo foi levado
a cabo através do uso da língua para submissão dos grupos indígenas a uma
dada ordem social, política e econômica estranha.

Portanto, a educação escolar voltada aos indígenas em nosso país se consti-


tuiu num instrumento para a efetivação de propósitos colonizadores. Ao nos
atermos aos métodos empregados historicamente para estruturar a Educação
Escolar Indígena, compreendemos melhor o estado atual das políticas, das le-
gislações e da própria estrutura das escolas para os grupos indígenas
(Meireles, 2020).

Em termos de periodização histórica, quando observamos a sua missão insti-


tucional, a educação escolar indígena no Brasil pode ser dividida em dois pe-
ríodos: no primeiro, compreendido entre 1500 e 1988, tínhamos a "escola para
índio" cujo propósito principal era a integração e a assimilação dos/as inte-
grantes dos povos originários à "Comunhão Nacional". Nesse sentido, o que se
esperava com tal ação era promover a extinção dos povos indígenas como
grupos étnicos e culturalmente diferenciados entre si e em relação à socieda-
de nacional. Em decorrência disso, todo um universo de elementos ligados aos
indígenas tais como suas línguas, culturas, tradições, conhecimentos e valo-
res, além de �guras como os sábios e os pajés, foram sistematicamente nega-
dos e proibidos de fazerem parte do contexto escolar. Portanto, no período em
questão, não é adequado atribuirmos a denominação escola indígena para as
instituições destinadas à educação dos povos originários, pois isso implicaria
algum nível de participação e protagonismo indígena no processo educativo.
Na “escola para índio” a relação observada entre brancos e indígenas era mar-
cada pela verticalidade, ou seja, os/as representantes dos povos originários
eram subjugados/as aos interesses impostos pelos brancos/as (Boniwa, 2013).

No segundo período, com a promulgação da Constituição Federal no ano de


1988 tivemos uma reorientação quanto aos propósitos da Educação Escolar
Indígena. Os pressupostos da "escola para índio" são paulatinamente supera-
dos em favor de uma escola que seja capaz de contribuir com o processo de
continuidade histórica dos povos indígenas em termos físicos, étnicos e cultu-
rais. Esse, inclusive, passa a ser o maior desa�o da escola indígena a partir
desse momento histórico (Boniwa, 2013).

Vejamos, caro/a estudante, que o desa�o a ser enfrentado era signi�cativo.


Segundo Boniwa (2013), a antiga escola de caráter colonizador e branqueador
deveria, agora, promover conhecimentos e valores ligados aos povos originári-
os, considerando para isso seus referenciais linguísticos, culturais, de tradi-
ções, além de se fazer cumprir os direitos indígenas nas relações com outras
culturas, valores e conhecimentos.

Nas palavras de Saneto (2016, p. 76), "a educação escolar diferenciada, como
direito, nasce de um amplo campo da diversidade sociocultural no país, sub-
metido historicamente às práticas homogeneizadoras, geradoras de desigual-
dades e injustiças sociais”.

Leite (2017) destaca como os povos indígenas elaboram, vivenciam e manifes-


tam suas visões de mundo. Essas concepções devem ser valorizadas e respei-
tada por meio da interface entre currículo e disciplinas que proporcionem de
maneira intercultural e bilíngue, conforme consta no Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas. O autor, baseado nos estudos de Vera
Maria Candau e Luiz Fernandes de Oliveira, a�rma:

[...] em função de oportunizar o diálogo entre os saberes ou epistemes, a intercultu-


ralidade aparece como um princípio que orienta pensamentos, ações e novos enfo-
ques. O conceito de interculturalidade é central na (re)construção do pensamento-
outro, desta maneira a interculturalidade é concebida, como um processo e tam-
bém como um projeto político (Leite, 2017, p. 87).
Por sua vez, Saneto (2016) desenvolve re�exões sobre a interculturalidade no
contexto da Educação Escolar Indígena. A autora entende que este seria um
caminho para a construção e consolidação de uma sociedade democrática,
pluralista e inclusiva. As políticas de igualdade estariam presentes nesse con-
texto como uma forma de possibilitar o diálogo para diferentes contextos e co-
laborar para valorização das relações e de práticas presentes no interior des-
ses espaços escolares.

A Educação Escolar Indígena pode contribuir com a valorização da história,


dos conhecimentos, dos valores e das aspirações socioculturais dos povos ori-
ginários, devendo, para isso, enfrentar as desigualdades que se apresentam,
posicionar-se a partir de uma perspectiva crítica e política a �m de promover
a visibilidade dessa modalidade de educação e o cumprimento dos direitos
dos povos indígenas (Skolaude; Canon-Buitrago; Bossle, 2020).

Boniwa (2013) classi�ca os avanços obtidos pela educação escolar nos últimos
anos em três categorias. Na primeira, que trata dos aspectos legais, o autor co-
menta as conquistas advindas com o reconhecimento e a garantia das auto-
nomias de gestão e pedagógica dos processos de ensinar e de aprender dos
povos originários, possibilitadas em virtude do estabelecimento de um arca-
bouço jurídico-normativo, e que contribuíram para a superação da perspectiva
política colonial da educação em seu viés tutelar e integracionista. Na segun-
da categoria os aspectos políticos são contemplados. Nesse sentido, o autor re-
conhece que a superação de uma perspectiva assistencialista do indigenismo
colonial ocorreu em virtude do "reconhecimento político e jurídico da educa-
ção escolar especí�ca e diferenciada como direito coletivo que orientou a ex-
pansão do atendimento da oferta escolar no âmbito do sistema nacional de
ensino" (Boniwa, 2013, p. 2). Por �m, a terceira categoria, relacionada aos as-
pectos pedagógicos, destaca o protagonismo indígena na formação de profes-
sores/as e de técnicos/as voltados à gestão das escolas indígenas e que são
oriundos dos povos originários.

Em suas re�exões o autor também trata dos desa�os postos à efetivação da


Educação Escolar Indígena. Segundo ele, um dos maiores desa�os reside em
colocar em prática as diretrizes político-pedagógicas inovadoras da Educação
Escolar Indígena. Outro desa�o �ca por conta da falta de estrutura e de equi-
pes adequadas nos sistemas de ensino. A comunicação e a convivência inter-
culturais enquanto uma estratégia político-pedagógica é um dos desa�os a se-
rem enfrentados no campo. O autor também menciona a in�uência exterior
sofrida pela Educação Escolar Indígena para reproduzir processos político-
pedagógicos das escolas não indígena (Boniwa, 2013).

Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (Brasil, 1998b). O re-


ferido documento tem como fundamentos o reconhecimento dos seguintes
aspectos: multietnicidade, pluralidade e diversidade; Educação e conhecimen-
tos indígenas; Autodeterminação; Comunidade educativa indígena; e,
Educação intercultural, comunitária, especí�ca e diferenciada.

A compreensão de cada um desses fundamentos é importante para que possa-


mos situar de uma forma mais adequada a oferta da Educação Escolar
Indígena, as suas características e o funcionamento das escolas indígenas em
nosso país. Nesse sentido, convidamos você a ler o seguinte material:

Aprofunde seus conhecimentos sobre as escolas indígenas em


 nosso país

Atenção, você deverá dedicar-se à leitura das páginas 19 a 25 do material:


BRASIL. Ministério da Educação.
. Brasília: MEC/SEF, 1998b. Disponível em:
https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2018/�ei_progra-
ma_ufmg2019.pdf (https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2018/�ei_pro-
grama_ufmg2019.pdf). Acesso em: 10 nov. 2023.

Além dos documentos sinalizados anteriormente, as escolas indígenas têm a


sua estrutura e funcionamento estabelecidas, no âmbito da educação básica,
através do Parecer CNE/CEB nº 14/1999 e da Resolução CEB nº 03/1999.

Saiba mais sobre as Diretrizes Nacionais para o funcionamento


 das escolas indígenas
BRASIL. CNE. Resolução CNE/CEB n. 03/1999, de 20 de novembro de 1999.

. Brasília, MEC. Disponível em: http://por-


tal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_99.pdf (http://portal.mec.gov.br
/cne/arquivos/pdf/rceb03_99.pdf). Acesso em: 10 nov. 2023.

A seguir �ca como uma sugestão a leitura do Parecer que embasou a


Resolução anterior, ou seja, não se trata de uma indicação de leitura obrigató-
ria, mas torna-se uma forma de você conhecer em maior profundidade o con-
texto da legislação referente à Educação Escolar Indígena em nosso país.

 Leitura complementar

BRASIL. CNE. Parecer CNE/CEB n. 14/1999, de 14 de setembro de 1999.


.
Brasília, MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/marco-
2012-pdf/10204-13-parecer-cne-ceb-14-99-diretrizes-curriculares-
nacionais-da-educacao-escolar-indigena/�le (http://portal.mec.gov.br
/docman/marco-2012-pdf/10204-13-parecer-cne-ceb-14-99-diretrizes-
curriculares-nacionais-da-educacao-escolar-indigena/�le). Acesso em:
10 nov. 2023.

Indicamos ainda que você clique aqui (https://www.youtube.com/wat-


ch?v=oo1HrHKf4Vc) e assista ao vídeo de Gersem Boniwa sobre sua trajetória
e dos desa�os da educação indígena.

Apresentados os limites e os desa�os para a efetivação da Educação Escolar


Indígena, vamos, agora, testar os conhecimentos a partir de um Quiz:

Na sequência abordaremos os aspectos normativos que balizam a oferta da


Educação Escolar Indígena em nosso país.

3. Aspectos normativos da Educação Escolar


Indígena no contexto educacional brasileiro
Caro/a estudante, nesse tópico apresentaremos, de forma breve, as legislações
normativas da Educação Escolar Indígena. É necessário que o/a professor/a
de Educação Física possa conhecê-las a �m de entender quais são as diretri-
zes legais que embasam a oferta dessa modalidade de educação e de suas par-
ticularidades.

A garantia da oferta de uma educação especí�ca para os povos originários se


deu por meio de uma luta que mobilizou segmentos indígenas e não indígenas
na garantia do direito social à educação. Em nosso rol legislativo destaca-se,
inicialmente, as prerrogativas legais dadas pela Constituição Federal de 1988
(Brasil, 1988), no seu Artigo 31, que reconhece “aos índios sua organização so-
cial, costumes, línguas, crenças, tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam”. Ainda na Constituição Federal podemos
destacar o Artigo 210, em seu parágrafo segundo, que assegura às comunida-
des indígenas a utilização de especi�cidades no processo de aprendizagem,
além do uso de sua língua materna. O Artigo 215, no qual o Estado é visto co-
mo um garantidor do exercício plenos de direitos culturais e acesso às fontes
da cultura de nosso país, indica, em seu parágrafo primeiro, que deve haver a
proteção das manifestações das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras
e de outros grupos que são participantes do processo civilizatório nacional. O
Artigo 231, por sua vez, reconhece aos índios sua "organização social, costu-
mes, línguas, crenças, tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam”.

Vemos, então, que a Carta Magna brasileira, da qual emanam as demais legis-
lações em diferentes campos e que não podem entrar em contradição com
aquilo que dispõe nossa Constituição, sob pena de inconstitucionalidade, ga-
rante o direito à diferença.

No que se refere ao contexto educacional, o que diz a legislação?


Para responder a essa pergunta, vamos começar com o que dispõe a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Brasil, 1996). Em seu Artigo 32, que trata
sobre a obrigatoriedade do ensino fundamental e o objetivo de sua formação
tem a seguinte indicação:

3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegura-


da às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem.

Prosseguindo na LDB, identi�camos no Artigo 78 o seguinte conteúdo:

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de
fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados
de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos
povos indígenas, com os seguintes objetivos:
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas me-
mórias históricas; a rea�rmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas
línguas e ciências;
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhe-
cimentos técnicos e cientí�cos da sociedade nacional e demais sociedades indíge-
nas e não-índias.

Em seu Artigo 79, está registrado que:


Art. 79. A União apoiará técnica e �nanceiramente os sistemas de ensino no provi-
mento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo pro-
gramas integrados de ensino e pesquisa.
1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.
2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de
Educação, terão os seguintes objetivos:
I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade in-
dígena;
II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação
escolar nas comunidades indígenas;
III - desenvolver currículos e programas especí�cos, neles incluindo os conteúdos
culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático especí�co e diferencia-
do.
3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimen-
to aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, medi-
ante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pes-
quisa e desenvolvimento de programas especiais. (Incluído pela Lei nº 12.416, de
2011)

Podemos observar, então, que a LDB vem ao encontro do que fora disposto na
Constituição Federal, aprofundando na normatização e fazendo com que o
Estado assuma o compromisso com uma educação diferenciada enquanto di-
reito dos/as indígenas.

Além do alicerce constitucional e da LDB, a Educação Escolar Indígena


encontra-se embasada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Indígena na Educação Básica. É importante que você co-
nheça esse documento:

 Leitura complementar

BRASIL. CNE. Resolução CNE/CEB n. 5/2012, de 22 de junho de 1999.


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica. Brasília, MEC. Disponível em: http://www.educado-
res.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/resolucaoeduc_campo.pdf
(http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/resolucaoe-
duc_campo.pdf). Acesso em: 10 dez. 2023.

Com essa indicação vamos chegando ao �m desta seção. Antes de prosseguir-


mos, vamos a mais um Quiz a �m de que você possa veri�car a sua apreensão
em relação ao conteúdo abordado nesse tópico:

No tópico a seguir discutiremos o ensino da Educação Física no âmbito da


Educação Escolar Indígena.

4. O ensino da Educação Física na Educação


Escolar Indígena
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, (Brasil, 1998b) es-
tabelece uma ligação entre os diferentes componentes curriculares que fazem
parte do ensino nesta modalidade da educação básica (a saber: Línguas,
Matemática, História, Ciências, Geograia e Educação Física) e os diversos pro-
jetos sociais e culturais que os diferentes povos e/ou comunidades pretendem
levar a cabo. Cabe destaque, também, aos temas transversais Terra e conser-
vação da biodiversidade, Auto-sustentação, Direitos, lutas e movimentos,
Ética, Pluralidade cultural e Saúde e educação.

Na parte �nal do referido documento existe uma seção destinada à discussão


sobre o ensino da Educação Física na Educação Escolar Indígena. Há um
questionamento, inclusive, sobre a necessidade do ensino da Educação Física
nesse contexto, o que pode nos parecer estranho. Contudo, neste momento, ca-
ro/a estudante, não devemos ser corporativistas, mas devemos questionar, de
fato, a real necessidade do ensino desse componente curricular nesse contex-
to.

O documento segue um caminho interessante ao apontar três motivos que po-


deriam justi�car a implementação da Educação Física no currículo escolar e
representar um interesse para a maioria dos grupos indígenas. O primeiro de-
les se refere à atração dos indígenas por determinados conteúdos da Educação
Física, dentre eles, os esportes. Muitas práticas corporais já fazem parte da ro-
tina cotidiana e do imaginário de vários povos originários. O esporte enquanto
uma linguagem potencial no mundo contemporâneo pode trazer contributos
signi�cativo para a vida desses grupos. Assim, essa predileção pelas práticas
esportivas pode contribuir para o diálogo entre as diferentes gerações indíge-
nas, bem como para as interações com os não-indígenas. Ainda que possua
contradições, o esporte é uma demanda apontada para as aulas de Educação
Física escolar. O segundo motivo residiria na questão da saúde. A mudança
nas práticas corporais dos povos indígenas, decorrentes das limitações de
seus territórios e da �xação em suas respectivas comunidades, pode contri-
buir para alterações nas atividades de pesca e caça e nos hábitos alimentares,
gerando, assim, o sedentarismo e as doenças correlatas. Então, colaborar com
a aquisição de hábitos de vida mais saudáveis seria um dos objetivos da
Educação Física nesse contexto. Por �m, um terceiro motivo seria o abandono
de aspectos da cultura indígena e a colaboração da escola no enfrentamento
dessa situação. Nesse sentido, a Educação Física inserida nas escolas indíge-
nas poderia contribuir no sentido de valorizar e retomar práticas corporais co-
mo jogos, brincadeiras, lutas, danças, técnicas de confecção de utensílios, den-
tre outras, que fazem parte do universo cultural desse grupo, mas que ao longo
dos tempos têm sido esquecidas (Brasil, 1998b).

O componente curricular Educação Física no contexto da Educação Escolar


Indígena pode proporcionar diálogos interculturais e de conhecimentos esco-
lares. Nesse sentido, para alcançarmos essa perspectiva torna-se necessário
tomar como premissas fundamentais a preocupação e o cuidado com o "ou-
tro", além de nos atentarmos à forma como esse "outro" é percebido. A prática
de caráter intercultural deve se afastar de quaisquer ações de rotulação dos in-
divíduos ou de manifestações de preconceitos, garantindo, assim, a alteridade
como elemento legítimo nas diversas relações culturais estabelecidas entre os
indivíduos (Leite, 2017).

As ações de educação intercultural nas aulas de Educação Física devem ser


amplas o su�ciente e considerar as diferentes alteridades manifestadas atra-
vés das formas de ser e estar no mundo das pessoas. Esse, então, torna-se um
ponto de mudança a partir do momento em que a Educação Física assume o
compromisso de estudar e abordar as práticas corporais ligadas ao contexto
indígena e se afastar do pensamento e das práticas universalmente hegemô-
nicas que predominam em nossa área. Com isso não estamos querendo des-
quali�car ou retirar de�nitivamente práticas corporais da cultura europeia
e/ou estadunidense do currículo escolar da Educação Física no contexto indí-
gena, mas valorizar outras formas de compreender as variadas representa-
ções sociais do movimento humano.

Na esteira desse pensamento, o Referencial Curricular Nacional para as


Escolas Indígenas traz as seguintes ponderações:

Assim, a área de Educação Física escolar pode estar voltada para um primeiro obje-
tivo, compatível com as demandas e realidades indígenas atuais: trata-se de fazer
com que o aluno, a partir dos conhecimentos próprios de sua cultura e dos conteú-
dos aprendidos nas outras disciplinas escolares, conheça e avalie criticamente
aqueles elementos da "cultura corporal de movimento" (brincadeiras, jogos, espor-
tes, exercícios de ginástica, danças, lutas etc.) da sociedade envolvente que, na
perspectiva indígena, forem mais interessantes e atraentes (Brasil, 1998a, p. 325).

No contexto da Educação Escolar Indígena é preciso termos ciência de que o


componente curricular Educação Física deve estar aberto a compreender o
universo da cultura corporal de movimento dos povos originários como um
aspecto que proporciona a esse grupo identidade, mas que não é estático. A
cultura corporal de movimento originária desse contexto carrega consigo ele-
mentos coletivos e ancestrais, cabendo ao diálogo intercultural um papel pri-
mordial no contato entre elementos culturais indígenas e não-indígenas.

Para um melhor entendimento da inserção da Educação Física na Educação


Escolar Indígena indicamos a leitura a seguir:

 Leitura complementar

Atenção, você deverá dedicar-se à leitura das páginas 319 a 327 e de 335 a
337 do material:

BRASIL. Ministério da Educação.


. Brasília: MEC/SEF, 1998b. Disponível em:
https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2018/�ei_progra-
ma_ufmg2019.pdf (https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2018/�ei_pro-
grama_ufmg2019.pdf). Acesso em: 10 nov. 2023.

Concluída a leitura indicada para melhor apreensão do conteúdo estudado, é


hora de testar os seus conhecimentos:

5. Considerações
Estamos �nalizando o conteúdo de mais um ciclo de estudos. Vimos que a
Educação Escolar Indígena está envolta em uma série de desa�os que se apre-
sentam para a sua efetivação. A necessidade de um diálogo intercultural se
faz presente e deve estar sempre nos horizontes daqueles/as que se envolvem
com essa modalidade da educação básica.

A falta de recursos, de infraestrutura e o fato de estarmos diante de um grupo


marginalizado em nosso país não devem se tornar motivo para desconsiderar
a realidade e a efetiva demanda dos povos originários. Vimos que a legislação
que con�gura a Educação Escolar Indígena garante os direitos desse grupo. As
políticas públicas sociais, dentre elas, aquelas voltadas ao campo da educação
não devem ser produzidas em gabinete sem considerar as diferentes perspec-
tivas dos/as representantes indígenas.

Resguardadas as devidas proporções, isso também é válido para a Educação


Física. Trata-se de um componente curricular com capacidade de descons-
truir o imaginário social pautado no senso comum sobre a Educação Escolar
Indígena. Dessa forma, estaria colaborando para afastar perspectivas pitores-
cas com as quais os povos originários são representados.

A propositura curricular da Educação Física na Educação Escolar Indígena


deve estar ancorada nas diferentes formas expressivas da cultura corporal
dos povos originários, mas pode contemplar também manifestações da socie-
dade circundante. Será preciso compreender os diferentes referenciais étni-
cos, culturais e sociais presentes nas manifestações corporais a serem abor-
dadas em aula a �m de nos balizarmos por uma educação intercultural. Para
isso, o diálogo com outras áreas do conhecimento é muito bem-vindo.
Chegamos ao �m de mais um ciclo de estudos. Espero que você tenha compre-
endido como se con�gura a Educação Escolar Indígena em nosso país e, em
particular, o ensino da Educação Física nesse contexto.

Vamos seguir com as re�exões próprias à disciplina em nosso próximo ciclo


de estudos.

Até lá!
(https://md.claretiano.edu.br

/edu�sescambnaourbcomagretndis-g04524-fev-2024-grad-ead/)

Ciclo 5 – Ambientes Não Urbanos e o ensino da


Educação Física

Objetivos
• Conceituar Práticas Corporais de Aventura na natureza.
• Compreender as relações entre as Práticas Corporais de Aventura na na-
tureza e a Educação Ambiental.
• Discutir o processo de ensino das Práticas Corporais de Aventura na na-
tureza nas aulas de Educação Física escolar.

Conteúdos
• Práticas Corporais de Aventura na natureza - conceituação
• As relações entre as Práticas Corporais de Aventura na natureza e a
Educação Ambiental.
• O ensino das Práticas Corporais de Aventura na natureza nas aulas de
Educação Física escolar.
• As três dimensões dos conteúdos e as Práticas Corporais de Aventura na
natureza.

Problematização
O que são as Práticas Corporais de Aventura na natureza? Quais as suas carac-
terísticas? Quais as relações entre as Práticas Corporais de Aventura e a
Educação Ambiental? O que devemos considerar no ensino das Práticas
Corporais de Aventura na natureza nas aulas de Educação Física escolar?
Orientações para o estudo
Iniciamos o estudo de mais um ciclo de aprendizagem. Para um melhor apro-
veitamento, realize todas as leituras sugeridas e procure pensar em interven-
ções que podem ser realizadas a partir das Práticas Corporais de Aventura na
natureza nas aulas de Educação Física. É importante que você conheça dife-
rentes práticas corporais que podem ser vivenciadas no meio natural a �m de
aprofundar a sua formação. Você perceberá, ao longo da leitura do conteúdo
desse ciclo que a expressão Práticas Corporais de Aventura na natureza será
tomada como sinônimo de outras que buscam designar atividades praticadas
junto ao ambiente natural.

1. Introdução
Caro/a estudante, as re�exões contidas nesse ciclo de aprendizagem envol-
vem o ambiente não urbano. Dessa forma, privilegiaremos as discussões que
tratam, em particular, da prática de manifestações da cultura corporal em
contato com a natureza. Dessa forma, será inevitável não discutirmos, por
exemplo, a relação dos seres humanos com o meio ambiente. Também será di-
fícil, como veremos, não pensarmos sobre as atividades de aventura na natu-
reza, voltando nossas atenções para a relação entre essas e a Educação Física
escolar.

Atualmente, podemos perceber um aumento signi�cativo da busca por ativi-


dades desse tipo. Com o advento das sociedades capitalistas contemporâneas,
os grandes centros urbanos tornaram-se o palco onde a cena social se desen-
volve em grande medida. O modo de vida atual tem feito com que as pessoas
se acostumem com o ritmo das grandes cidades e de todos os elementos im-
plicados nesse contexto. Carros, ônibus, motocicletas, buzinas, semáforos, po-
luição, arranha-céus e um ritmo frenético fazem parte da paisagem de milha-
res de pessoas ao redor do mundo.

Na contramão dessa tendência, também observamos uma quantidade signi�-


cativa de pessoas que tem procurado uma outra paisagem. Essa busca tem
ocorrido em de�nitivo, com as pessoas estabelecendo residência distante da
agitação das cidades ou de forma esporádica aos �nais de semana e/ou feria-
dos. Com isso também crescem a procura por atividades corporais que pos-
sam ser praticadas em ambientes não urbanos.

Na avaliação de Dias (2006), as atividades de aventura na natureza vinculadas


ao movimento humano não são recentes quanto parecem. De acordo com o
autor, observamos a sua prática desde a década de 1960 em nosso país. Com o
passar do tempo, acompanhamos a sua valorização social e a sua ressigni�ca-
ção, o que tem in�uenciado, inclusive, o conceito de esporte tal qual o conhe-
cemos nos dias de hoje.

O aumento crescente de adeptos/as com diferentes per�s em termos de forma-


ção cultural, faixa etária, condição socioeconômica e atuação pro�ssional, so-
mado ao surgimento contínuo de novas modalidades, expressa não somente o
elevado potencial econômico, mas também demonstram que estas práticas
fazem parte da realidade atual (Marinho; Bruhns, 2003)

As denominações atribuídas a este conjunto de práticas corporais são diver-


sas e a diferenciação ocorrerá em termos teórico, a depender do referencial
utilizado pelos/as autores/as. Assim, podemos destacar termos como
"Práticas Corporais de Aventura", "Práticas Corporais de Aventura na nature-
za", "Atividades Físicas de Aventura na Natureza", "Esportes na Natureza",
dentre outras possibilidades terminológicas. Para �ns de estudo, não entrare-
mos nessa seara e utilizaremos os termos como sinônimos.

Paixão (2017) em suas re�exões destaca os eixos aventura, risco e fortes emo-
ções em máxima intensidade e em grandes quantidades no meio natural co-
mo características para se compreender estas práticas corporais. O autor tam-
bém reconhece que estas manifestações são vivenciadas nos momentos de
lazer das pessoas e acrescenta o contexto competitivo como uma de suas pos-
sibilidades.

Além de serem experienciadas em momentos de lazer ou em situações com-


petitivas, vem ganhando destaque a presença das Práticas Corporais de
Aventura no contexto educacional. Nesse sentido, uma análise do conteúdo
educativo dessas práticas tem demonstrado o seu elevado potencial na forma-
ção de crianças e jovens em idade escolar e cada vez mais temos observado a
sua inserção nos currículos da Educação Física escolar.

É nesse sentido que estudaremos neste ciclo os ambientes não urbanos e o en-
sino da Educação Física, utilizando-se para isso das Práticas Corporais de
Aventura como elemento mediador.

Sigamos, então, em nossos propósitos!

2. Compreendo as Práticas Corporais de


Aventura (na natureza)
Gostaríamos de iniciar esta seção do material solicitando uma breve re�exão,
caro/a estudante. Você seria capaz de de�nir o que são as Práticas Corporais
de Aventura na natureza? Quais as suas características?

Esse exercício proposto é importante para o contexto deste ciclo de aprendiza-


gem uma vez que se trata de um dos conceitos centrais no momento em que
nos encontramos do estudo.

Os estudos sobre as Práticas Corporais de Aventura ganham impulso no inte-


rior da produção acadêmica brasileira partir da década de 1990. Nesse sentido,
destaca-se o texto de Betrán e Betrán (1995), que chega ao nosso país como
uma das referências para a compreensão da temática. Posteriormente, endo-
genamente, começam a aparecer as primeiras publicações de pesquisado-
res/as brasileiros/as, com especial destaque para os textos de Bruhns (1997) e
de Inácio (1997) (Inácio et al., 2016).

As Práticas Corporais de Aventura são práticas esportivas experienciadas, so-


bretudo, nos momentos de lazer das pessoas, que apresentam características
distintas e inovadoras em relação aos esportes tradicionais (como futebol, vo-
leibol, basquetebol, handebol, dentre outros), uma vez que diferem nas condi-
ções em que as experiências ocorrem, nos objetivos almejados, nas motiva-
ções e nos meios e recursos utilizados para o seu desenvolvimento. Ademais,
são manifestações corporais cuja presença de recursos tecnológicos inovado-
res se fazem presentes e que facilitam a interação entre o/a praticante e o es-
paço destinado à vivência, seja na terra, na água ou no ar (Marinho; Bruhns,
2003).

Inácio (2014, p. 532), no Dicionário Crítico da Educação Física, no verbete


Práticas Corporais de Aventura na natureza traz o seguinte conceito:

[...] objetivam comumente a aventura e o risco, realizadas em ambientes distantes


dos centros urbanos, notadamente espaços com pouca interferência humana, se-
jam estes - terra, água e/ou ar. Também se caracterizam por possuírem alto valor
educativo e por uma busca do (re)estabelecimento de uma relação mais intrínseca
entre seres humanos e tudo que o cerca, o que pode culminar com algum avanço
para superar a lógica mercadológica do/no lazer e com a instauração e/ou resgate
de valores humanos como a cooperação e a solidariedade.

Por sua vez, dada a incorporação dessas práticas ao currículo da Educação


Física, encontramos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) uma de�ni-
ção para o termo Práticas Corporais de Aventura. Tal conceituação é trazida
levando-se em consideração a inserção das atividades em sua vertente na na-
tureza, já que estas práticas podem ser observadas também no ambiente urba-
no:

[...] exploram-se expressões e formas de experimentação corporal centradas nas


perícias e proezas provocadas pelas situações de imprevisibilidade que se apresen-
tam quando o praticante interage com um ambiente desa�ador. Algumas dessas
práticas costumam receber outras denominações, como esportes de risco, esportes
alternativos e esportes extremos. Assim como as demais práticas, elas são objeto
também de diferentes classi�cações, conforme o critério que se utilize. Neste docu-
mento, optou-se por diferenciá-las com base no ambiente de que necessitam para
ser realizadas: na natureza e urbanas. As práticas de aventura na natureza se ca-
racterizam por explorar as incertezas que o ambiente físico cria para o praticante
na geração da vertigem e do risco controlado, como em corrida orientada, corrida
de aventura, corridas de mountain bike, rapel, tirolesa, arborismo etc. [...] (BRASIL,
2017, p. 218-219, grifos do documento).

A partir das de�nições apresentadas nesse primeiro momento, percebemos


que as Práticas Corporais de Aventura na natureza são manifestações que se
apresentam em três âmbitos de atuação: do lazer, do rendimento e educativo.
Essa identi�cação está em sintonia com as ponderações de Betrán e Betrán
(2006) sobre as Atividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN). Os auto-
res também identi�cam essas três dimensões das manifestações, porém com
pequenas alterações em termos de nomenclatura sendo: turístico-recreativo,
de rendimento-competição e educativo-pedagógico.

Em que pese as denominações distintas, as re�exões propostas pelos autores


são válidas e servem para pensarmos os âmbitos de atuação destas práticas.
Eles explicam que no âmbito turístico-recreativo estamos diante do contexto
natural e histórico de origem das Atividades Físicas de Aventura na Natureza
e que alcançam o desenvolvimento por meio das empresas turísticas e seus
respectivos empreendimentos voltados à diversão, aventura e natureza, prefe-
rencialmente destinados às pessoas vindas do contexto urbano. O âmbito do
rendimento-competição provém da in�uência do sistema desportivo e da
transformação e desnaturalização das práticas na natureza que possuem em
sua essência a busca pelo prazer sensorial e motor. Com isso, cria-se novas
emoções por meio do contato com a natureza. Por sua vez, o âmbito
educativo-pedagógico corresponde à paulatina incorporação, no seio das prá-
ticas educativas, das atividades corporais em contato com o meio natural
(Betrán; Betrán, 2006).

Tratamos, aqui, de uma breve contextualização sobre as Práticas de Aventura


na natureza. No entanto, necessitamos compreendê-las um pouco melhor a
�m de que as relações com o ensino da Educação Física na escola possam ser
tecidas de forma mais clara. Dessa forma, indicamos a leitura do verbete no li-
vro Dicionário crítico da Educação Física:

 Pronto para saber mais?

Você deve ler o conteúdo do verbete Práticas Corporais de Aventura na


Natureza:

INÁCIO, Humberto Luís de Deus. Práticas Corporais de Aventura na


Natureza. In: GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo
Evaldo. (orgs.). . 3ª ed. Ijuí: Unijuí,
2014. p. 531-535. (Disponível na Minha Biblioteca)

Passaremos, agora, a discutir as relações existentes entre Práticas Corporais


de Aventura na natureza e as relações com a Educação Ambiental.

3. As Práticas Corporais de Aventura na natu-


reza e a perspectiva da Educação Ambiental
A Educação Ambiental tornou-se uma ferramenta essencial para a conscienti-
zação das pessoas sobre a necessidade de uma relação sustentável com o
meio ambiente. É um processo educativo através do qual os indivíduos e a co-
letividade constroem valores, conhecimentos e habilidades que estão destina-
das ao desenvolvimento sustentável do meio ambiente e à qualidade de vida
(Brasil, 1999c).

Enquanto uma prática política, a Educação Ambiental torna-se um espaço


propício para o constante movimento em busca de uma qualidade de vida me-
lhor, em profunda sintonia com diferentes campos de formação e atuação, a
�m de potencializar a participação crítica e criativa das pessoas. Com isso, te-
mos a possibilidade dos indivíduos desenvolverem a consciência quanto à
conservação ambiental, o equilíbrio social e a atitude crítica.

Em virtude de suas peculiaridades, as Práticas Corporais de Aventura na na-


tureza se adequam de forma satisfatória a um trabalho interdisciplinar que
possa ser desenvolvido no contexto escolar, favorecendo a apropriação e a
compreensão de conhecimentos, valores e competências em relação aos pro-
blemas ambientais. As re�exões a partir desse trabalho podem se dar
levando-se em consideração o contexto local, regional ou global.

Muito embora sejamos capazes de observar que a Educação Ambiental é um


tema transversal abordado no contexto escolar já a algum tempo, a regula-
mentação do assunto se deu somente no ano de 2012 com a promulgação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (Brasil, 2012c). É
por meio desse documento foi estimulada uma educação na perspectiva cida-
dã e baseada na dimensão política de atenção ao meio ambiente.

Na perspectiva da Educação Ambiental, o trato com as Práticas Corporais de


Aventura na natureza deve permitir o desvelamento da complexidade existen-
te entre consumo e desenvolvimento sustentável do meio ambiente, bem co-
mo proporcionar o desenvolvimento e valorização de aspectos éticos, sociais e
morais (Tahara; Darido, 2016).

Enquanto um componente curricular responsável por possibilitar que os/as


estudantes se apropriem das manifestações da cultura corporal de movimen-
to, a Educação Física em sua relação com o corpo e os movimentos deve con-
tribuir para a formação integral de crianças, jovens, adolescentes e adultos no
contexto escolar. As aulas desse componente curricular devem ser um espaço
propício para o desenvolvimento de aspectos afetivos, motores, cognitivos e
socioculturais.

Nesse sentido, levando-se em consideração as especi�cidades inerentes à


Educação Física na escola, compete a ela contribuir com a formação de indiví-
duos justos, éticos, participativos e comprometidos com as questões que en-
volvem o meio ambiente. Além disso, é preciso municiar os/as estudantes pa-
ra que analisem criticamente a relação entre consumo e meio ambiente e bali-
zem esse processo analítico no equilíbrio, compromisso e responsabilidade
social (Santos, 2013).

Segundo Pereira e Armbrust (2017), a Educação Ambiental deve ser capaz de


impactar a formação dos indivíduos de maneira integral, começando por
ações e análises que partam do contexto concreto e local, vivido pelas pesso-
as, e que posteriormente possa ser ampliada. Dessa forma, a Educação
Ambiental supera o entendimento que a circunscreve a uma perspectiva eco-
lógica e biologicista.

As Práticas Corporais de Aventura são capazes de promover uma aproxima-


ção entre os seres humanos e o meio ambiente e, portanto, implicam possibili-
dades de transformações nas representações sociais sobre a natureza (Triani
et al., 2021).
Em virtude das Práticas Corporais de Aventura acontecerem nos mais dife-
rentes ambientes naturais, além da crescente demanda por ações que tenham
como foco as relações entre os seres humanos e o meio natural, estas práticas
possuem o potencial de proporcionar elementos para re�exões e considera-
ções que contribuam com uma abordagem da Educação Ambiental no âmbito
da Educação Física escolar. Conforme a�rma Dias (2004), a integração com a
ética, fundamental para a re�exão em torno do questionamento paradigmáti-
co necessário à educação ambiental, é facilitada pela presença das dimensões
estética e contemplativa nas Práticas Corporais de Aventura.

 Pronto para saber mais?

Leitura das páginas 98 a 105 do texto da Profa. Tânia Maria Vieria


Sampaio Educação Física, lazer e meio ambiente: desa�os da relação ser
humano e ecossistema disponível na obra: DE MARCO, Ademir (org.).
Educação física: cultura e sociedade - Contribuições teóricas e interven-
ções da educação física no cotidiano da sociedade brasileira. Campinas:
Papirus, 2015 ( Biblioteca Virtual Pearson).

4. O ensino das Práticas Corporais de Aventura


na natureza nas aulas de Educação Física es-
colar
Caro/a estudante, nesta seção discutiremos o ensino das Práticas Corporais de
Aventura na natureza nas aulas de Educação Física. Para tanto, é importante
que você procure articular os subsídios teóricos desenvolvidos à possibilidade
de intervenção no contexto escolar.

Vimos que as distintas manifestações que con�guram as Práticas Corporais


de Aventura na natureza podem ser praticadas com �nalidades de lazer, turís-
ticas e competitivas. De maneira mais recente, observamos a sua incorpora-
ção ao contexto educativo, mais especi�camente, às aulas de Educação Física
escolar.

No que se refere ao valor educativo das Práticas Corporais de Aventura na na-


tureza como conteúdo das aulas deste componente curricular, Bruhns (2000)
destaca que a existência de ambientes diversos para a prática dessas manifes-
tações constituem fator motivacional, tendo no risco e nas sensações intensas
os eixos balizadores. Esses aspectos, comuns a estas práticas, podem propor-
cionar um estímulo às sensibilidades corporais dos/as estudantes e um
(re)encontro com as suas sensações ao experimentarem e sentirem o próprio
corpo.

Denominadas por Betrán e Betrán (2006) de Atividades Físicas de Aventura na


Natureza, essas atividades constituem parte integrante do componente curri-
cular Educação Física e possibilitam o desenvolvimento de novos padrões mo-
tores em contato direto com o meio natural. Além disso, são capazes de pro-
porcionar um contexto com elevados níveis de incerteza motora, o que abre
possibilidades para a vivência de diferentes situações emocionais em varia-
das circunstâncias (estresse, fadiga, di�culdade e risco, por exemplo).
Atividades Físicas de Aventura na Natureza também favorecem a Educação
Ambiental por atuarem no processo de conscientização dos/as estudantes em
relação ao meio ambiente e a sensibilização com a problemática ambiental.

Não obstante, os autores também sinalizam que as Atividades Física de


Aventura na Natureza despertam para:

O conhecimento das características dos ecossistemas utilizados no contexto socio-


cultural a que pertencem e a utilização responsável dos diversos recursos materi-
ais e tecnológicos que facilitam o deslizamento controlado pelos diversos planos fí-
sicos proporcionam a alunos e educadores um instrumento de incontestável valor
educativo (Betrán; Betrán, 2006, p. 183).

Perceba, caro/a estudante, que Betrán e Betrán (2006) registram possibilidades


educativas advindas com a inserção das Atividades Físicas de Aventura na
Natureza (ou Práticas Corporais de Aventura na natureza) nos programas cur-
riculares de Educação Física. Portanto, a incorporação desse conteúdo nas au-
las desse componente curricular deve ser realizada de forma a ampliar o leque
de manifestações da cultura corporal de movimento vivenciadas pelos/as es-
tudantes. Podemos depreender que o caráter formativo dessas práticas corpo-
rais é inegável.

É no que Alves e Corsino (2013) também acreditam. A diversi�cação de con-


teúdos dos currículos escolares através de atividades contemporâneas e desa-
�adoras para os/as estudantes. Os esportes de aventura (ou Práticas Corporais
de Aventura na Natureza) podem proporcionar o contato de professores/as e
alunos/as com outros desa�os e signi�cados

Visando colaborar com o ensino destas práticas corporais no contexto das au-
las de Educação Física, Pereira e Armbrust (2017) propõem que se deva con-
templar as três dimensões dos conteúdos com o propósito de encaminhar
uma prática pedagógica coerente e uma aprendizagem signi�cativa para
os/as estudantes. Portanto, na dimensão conceitual pode-se tratar dos aspec-
tos sócio-históricos das modalidades, os equipamentos utilizados na prática,
os/as praticantes famosos/as, os principais espaços nos quais as práticas
acontecem e suas respectivas contextualizações geográ�cas, além de re�e-
xões em torno de questões ambientais. Já na dimensão procedimental, o/a
professor/a poderá enfatizar aspectos da dimensão técnica dos movimentos e
da segurança em relação às práticas corporais, as adequações necessárias das
diferentes modalidades para cada uma das faixas etárias, dentre outras possi-
bilidades. Por �m, na dimensão atitudinal, o/a docente deve proporcionar situ-
ações educativas para que os/as estudantes possam ser capazes de se apropri-
arem de valores formativos em relação às regras das modalidades e de segu-
rança durante a prática, à ética nas vivências das Práticas Corporais de
Aventura na natureza, as relações psicológicas intrínsecas à prática, entre ou-
tros aspectos.

A abordagem das três dimensões dos conteúdos visa proporcionar a incorpo-


ração dos conhecimentos relacionados a essas práticas corporais de uma ma-
neira crítica e criativa. Com isso, os/as estudantes poderão usufruir dos bene-
fícios formativos das Práticas Corporais de Aventura na natureza.

O texto indicado para leitura a seguir traz elementos interessantes para poder-
mos pensar o panorara das Práticas Corporais de Aventura na natureza no
âmbito da Educação Física.

 Leitura complementar

Você deverá realizar a leitura das páginas 120 (item "Por que ensinar na
escola: objetivos, motivos e di�culdades acerca da inserção das PCA") a
127 do texto:

TAHARA, A. K.; DARIDO, S. C. Práticas corporais de aventura em aulas de


educação física na escola. Conexões, Campinas, v. 14, n. 2, p. 113-36, 2016.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conexoes/article/vi-
ew/8646059/13357 (https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/co-
nexoes/article/view/8646059/13357). Acesso em: 12 dez. 2023.

5. Considerações
A partir das re�exões realizadas vimos que as Práticas Corporais de Aventura
na natureza permitem uma intervenção político-pedagógica no contexto das
aulas de Educação Física escolar a partir de manifestações contemporâneas
da cultura corporal de movimento, visando, assim, superar o enfoque tecnicis-
ta que vem prevalecendo no ensino das práticas corporais. Com isso, intenta-
se que os/as estudantes possam se apropriar de forma crítica e ampla dos co-
nhecimentos advindos do universo destas práticas.

O trabalho com as práticas corporais na natureza e esportes alternativos aos


tradicionalmente experienciados permite que os/as estudantes, ao tomarem
contato com informações, conhecimentos e habilidades dessas práticas opor-
tunizadas no contexto escolar, tenham maiores opções de uso do tempo dispo-
nível de lazer já na própria idade na qual se encontram, mas principalmente
na idade adulta em virtude do aumento signi�cativo da liberdade de escolha
(Franco, 2008).

A abordagem das diferentes manifestações corporais de aventura na natureza


deve considerar o trabalho nas três dimensões dos conteúdos (conceitual, pro-
cedimental e atitudinal) e que perpassam o processo de ensino e de aprendi-
zagem nas aulas de Educação Física (e não somente) no contexto escolar.

As práticas esportivas hegemônicas trazem consigo traços performáticos que


exigem uma organização baseada em critérios excludentes de aptidão física.
Isso explica, em grande medida, a separação por categorias observada nas
práticas dessas modalidades. No entanto, se passa diferente com as Práticas
Corporais de Aventura na natureza (esporte na natureza), já que o tempo e o
espaço da prática são comuns a todos/as e não tem no nível de aptidão física o
seu critério balizador. Em decorrência disso, potencializa-se um ambiente
harmonioso de convívio com a participação de pessoas com diferentes idades,
sexo, níveis de habilidades, dentre outros (Dias, 2004).

É importante que o/a professor/a esteja comprometido/a com o ensino das


Práticas Corporais de Aventura na natureza na Educação Física escolar. Além
disso, em sua prática político-pedagógica deve abordar a temática transversal
Meio Ambiente como forma de promover uma ampliação do entendimento em
relação a estas manifestações, bem como das possibilidades formativas
dos/as estudantes.

Chegamos ao �m de mais um ciclo de estudos. Esperamos que as re�exões re-


alizadas tenham contribuído para a compreensão do conteúdo e, sobretudo,
para a sua formação pro�ssional.

Parabéns a você que chegou até aqui!

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