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A implementação da perspectiva multicultural no contexto educacional: aprendendo com a

diversidade na escola

Refletir sobre o papel da escola em torno das discussões multiculturais e sociais.

Desde os primeiros temas nós temos discutido as sociedades complexas como resultado do
avanço do capitalismo mundial, que leva à formação de sociedades cada vez mais
heterogêneas.

Complexidade resultante ainda de um contingente de pessoas que vão e vêm em busca de


realizações pessoais, fugindo da miséria ou mesmo de conflitos sociais. Sociedades múltiplas
em seus aspectos culturais e sociais.

Dessa forma, faz-se cada vez mais urgente uma educação que ultrapasse os preconceitos e
ensine-nos a conviver, pois, como se sabe, a escola está impregnada da diversidade e
pluralidade cultural, étnica, social e religiosa dos sujeitos que a frequentam cotidianamente.

Aprender a conviver implica, portanto, reconhecer que nossa realidade não se enquadra em
parâmetros universalistas de cultura e sociedade, pois há muito tempo a física quântica, em
consequência das outras áreas do conhecimento, como a sociologia, descobriu o quanto
somos múltiplos e plurais.

A grande questão colocada é que a instituição escolar parece encontrar dificuldades em


reconhecer que grande parte de seus alunos não se enquadra nos parâmetros determinados
por uma concepção universalista de sujeitos, sociedade e cultura e, em decorrência disso,
continua a trabalhar com um currículo escolar cujo pressuposto é que todos compartilham
igualmente a mesma cultura, e acabam por ignorar as diferenças culturais e sociais, e assim as
identidades são silenciadas, excluídas e corrompidas.

Diante da possibilidade de romper com um paradigma de educação que exclui, corrompe


identidades e ignora diferenças e, visando a organização de um currículo que incorpore os
múltiplos modelos culturais trazidos à escola pelos seus alunos, é que urge a necessidade da
organização pedagógica numa perspectiva multi ou intercultural.

Uma vez que a nossa sociedade brasileira apresenta um cenário que contempla uma grande
diversidade cultural, faz-se necessário compreender este processo de interação entre as várias
culturas.

Dessa maneira, a escola possui papel preponderante no processo de reconstrução de um novo


cenário social, uma vez que por meio desta vamos calcando colunas de transformação no que
foi estabelecido socialmente.

Ao verificarmos alguns documentos que circulam nas escolas, que servem de base para as
discussões sobre temas, como pluralidade e diversidade, encontraremos os Parâmetros
Curriculares Nacionais, que indicam o atendimento às necessidades singulares dos alunos,
considerando "[...] a diversidade dos alunos como elemento essencial a ser tratado para a
melhoria da qualidade de ensino aprendizagem." (BRASIL, 1997, p. 96).
Nesse sentido, aponta que a escola,

[...] ao considerar a diversidade, tem como valor máximo o respeito às diferenças — não o
elogio à desigualdade. As diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação
educativa; podem e devem, portanto ser fator de enriquecimento.

((BRASIL, 1997, p. 96-97))

Diante das recomendações acima e da prática cotidiana da escola, de modo geral, o que nela
predomina é a visão de determinados grupos sociais. Com isso, a cultura popular muito pouco
aparece em sala de aula e quando aparece surge como folclore ou exótica. Tal atitude
consciente e inconscientemente produz um primeiro silenciamento de outras expressões,
levando na maioria das vezes aos conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente.

Assim, cabe à escola pensar na possibilidade de sistematizar ações que deem conta da atual
carência de práticas efetivas e sólidas, que possam promover uma didática capaz de responder
às reais necessidades do trabalho pedagógico numa abordagem multi ou intercultural e social.

Nesse sentido, um bom exemplo pode ser as discussões do relatório Jacques Delors
encomendado pela UNESCO, quando aponta para práticas que levem as crianças à descoberta
do outro, pois

[...] a descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta de si mesmo, e por dar à criança
e ao adolescente uma visão ajustada do mundo, a educação, [...] deve antes de mais nada
ajudá-los a descobrir-se a si mesmos.

((DELORS, 1998:98))

E ainda:

Ensinando, por exemplo, aos jovens a adotar a perspectiva de outros grupos étnicos ou
religiosos podem-se evitar incompreensões geradoras de ódio e violência entre os adultos.
Assim, o ensino da história das religiões ou dos costumes pode servir de referência útil para
futuros comportamentos. Por fim, os métodos de ensino não devem ir contra este
reconhecimento do outro.

((DELORS, 1998:99))

Conforme relatório, cabe à educação formal reservar tempo em seus programas para projetos
de cooperação, por meio de atividades desportivas e culturais, mas estimulando
principalmente a participação dos jovens "[...] em atividades sociais: renovação de bairros,
ajuda aos mais desfavorecidos, ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações."
(DELORS, 1998:99 )

Dessa maneira, uma sociedade democrática só é possível com atitudes que se fundamentem
no desenvolvimento de consciências solidárias que levem ao convívio com o outro, com a
possibilidade de desconstrução das formas de privilégio de determinados grupos sociais que
têm silenciado pessoas, nos quais aqueles que são privilegiados assumem a autoridade e as
condições para a ação humana.

Uma prática escolar que abrange as várias culturas torna o multiculturalismo uma leitura
necessária, pois despe a complexa teia de uma ideologia dominante e nunca se deixa levar por
uma forma de fatalismo paralisante, mas busca o respeito, a tolerância e a solidariedade.
Assim, segundo Vicentini e Gasparini (2009), devemos rejeitar toda e qualquer sociedade que
desumanize o outro, pois por meio da desumanização do outro, desumanizamos a nós
mesmos.

Os autores citam Boaventura Santos. Este autor declara que as pessoas para serem iguais
devem ser diferentes. Por mais paradoxal que isso pareça ser, a igualdade se constrói com a
diversidade. Este pensamento explicita quando diz que "temos o direito de ser iguais, sempre
que as diferenças nos inferiorizam. Temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade
nos descaracteriza"(SANTOS, 1999).

Será, portanto, no limite entre diversidade e igualdade que a escola poderá propor suas
atividades, na busca de conhecimentos não só como conceitos, mas como atitudes que foram
propostas por Derlors.

Assim, há de se considerar que, via um projeto intencional, abre-se caminhos para a efetivação
de novas relações sociais que podem e devem ser veiculadas pela instituição escolar com o
direito de sermos iguais e/ou diferentes.

Dessa forma, cabe ao coletivo da escola a sistematização de ações didáticas que atendam as
reais necessidades de um projeto educativo que vislumbre as características multiétnicas,
multirraciais, de gênero, etc., na escola e sociedade brasileira.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais. 3. ed. Brasília, Distrito


Federal: MEC, 2001.

CHAUÍ, Marilena. Cidadania cultural: o direito à cultura. São Paulo: Fundação Perceu Abramo,
2006.

DELORS, Jacques (coord.). Educação: Um tesouro a descobrir. São Paulo/ Brasília:


Cortez/UNESCO/MEC, 1998.

FLEURI, Reinaldo Matias (org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.s

SANTOS, Boaventura de Sousa. A construção multicultural da igualdade e da diferença.


Coimbra: Centro de Estudos Sociais, Oficina do CES nº 135, janeiro de 1999.

VICENTINI, Dalva Linda; GASPARIN, João Luiz. O trabalho pedagógico na perspectiva


multi/intercultural: em busca de ações didáticas. Maringá, 8 e 9 de Junho de 2009. Disponível
em: http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2009_2010/pdf/2009/54.pdf

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