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CASO DE ESTUDO

Tema de Capa

Arquitectura Vernácula no Algarve


Diferentes sub-regiões,
diferentes tipos de edificados
Sendo a construção e respectivos sistemas construtivos “influenciados” pelo meio envolvente1,
também a Arquitectura surge como o resultado da interacção do Homem com a Natureza
anunciando-se como imagem cultural de um povo.

Existem, no entanto, traços comuns aos seus prolongamentos (estábulos,


que tornam possível estabelecer uma galinheiros, pocilgas, forno). Ou seja,
“Poema de Geometria
tipologia mais abrangente: a habi- os anexos existentes dependem do tipo
e de silêncio, ângulos tação algarvia desenvolve-se hori- de propriedade (quinta, monte, horta)
zontalmente sendo composta por e das condições por esta fornecidas,
agudos e lisos entre duas
apenas um piso; possui uma grande reflectindo o nível económico dos seus
linhas vive o branco” simplicidade de formas e superfícies, proprietários.
optando quase sempre pela caiação Podemos definir, na zona do Baixo
Sophia de Mello Breyner Andresen
como acabamento interior e exterior; Algarve, três tipos de tipologias domi-
os vãos correspondem ao número de nantes:
divisões interiores, podendo por • Acomposta por uma ou duas águas,
No Algarve, constatamos que os vezes encontrar-se habitações com com ou sem chaminé; com alvenaria
vários tipos de habitação se relacio- apenas um vão de acesso; finalmente, de pedra, tijolo ou taipa, como siste-
nam com as diversas sub-regiões exis- como pavimento utiliza-se o ladrilho, mas de construção mais utilizados;
tentes, criadas pelas condicionantes o sobrado, ou o próprio terreno. pavimentos em terra batida ou em
geográficas que podemos encontrar Além do abrigo, a habitação é também tijoleira e composta por vários anexos;
neste vasto território. Assim, o edifi- o reflexo da actividade de que a família • As habitações em fila e em profun-
cado difere em função do clima, solo, se ocupa. O Baixo Algarve é caracteri- didade na zona de Olhão e Fuzeta,
cultura agrícola e arvense e activida- zado por um povoamento disperso, possuindo açoteias utilizáveis cons-
de piscatória – factores que o definem em que as habitações são influenciadas truídas sobre abóbadas de tijoleira
e condicionam. pela importância e número atribuído que cobrem o piso térreo e sobre dor-

É visível o contraste do edificado entre duas paisagens tão distintas, como Burgau (zona piscatória) e Morgado de Arge

20 Pedra & Cal n.º 25 Janeiro . Fevereiro . Março 2005


CASO DE ESTUDO
Tema de Capa
Arquitectura Popular em Portugal 2

Exemplo das habitações em fila na Fuzeta – Olhão e das suas açoteias utilizáveis. Este tipo peculiar de edificado tem a sua origem nas relações mantidas
pelos habitantes desta zona com o Norte de África

mentes no piso 1; os pavimentos são e pavimentos em terra batida, sendo do e eira, telhado de duas águas e pavi-
em tijoleira e o acesso à açoteia faz-se consolidadas exteriormente por pos- mento em tijoleira.
pelo pátio posterior; santes contrafortes. Esta sub-região é Por último, o Algarve Litoral arenoso
• Os designados “montes alenteja- onde ainda hoje se podem avistar
nos”, constituídos por dois ou mais algumas habitações de pescadores,
corpos de edifício englobando a habi- com estrutura em madeira coberta de
tação, estábulos cobertos e forno; a colmo, de uma ou duas divisões e
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construção é maioritariamente em pavimentos em terra, sobretudo em


taipa e o pavimento em tijoleira e zonas como as praias de Faro e Monte
sobrado. Gordo.
No centro do Algarve predomina a Este artigo não pretende englobar – e
habitação de cobertura mista, que em tão poucas palavras – todos os
possui açoteia utilizável e telhado, aspectos, características e ensina-
alvenaria de calcário, tijolo ou taipa, mentos que a arquitectura desta re-
pavimento em tijoleira e os vãos guar- gião nos pode oferecer, até porque o
necidos com cantaria. Junto ao vale limite entre cada sub-região e o seu
do Guadiana e na serra do Caldeirão edificado nem sempre é, nem deverá
constata-se a existência de habitações ser, tão objectivamente separado. Ele
em alvenaria de xisto, cobertura de encontra-se em muitos dos casos
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uma só água orientada no sentido dos diluído, oferecendo momentos úni-


ventos e chuvas, sem chaminé, sendo cos de reflexão entre várias tipologias
a exaustão de fumos feita através das e o entrecruzar de influências, vive-
telhas no Inverno e utilizando uma res e saberes. Pretendeu-se apenas
fornalha exterior no Verão, adossada despertar e convidar o leitor para ver
à fachada ou desligada da habitação e sentir toda esta variedade arquitec-
como os fornos e pavimentos em terra tónica e construtiva que nos reporta a
batida. Nas encostas da serra do Duas habitações situadas em Alcoutim, serra
espaços que julgamos existirem ape-
Caldeirão é frequente o registo de do Caldeirão, onde podemos observar a ocupação nas no nosso imaginário.
várias construções localizadas a dife- de diferentes níveis do solo e a existência de for-
Notas:
1
Cravinho, Ana – “Construção tradicional algarvia”,
rentes níveis, que pertencem à mes- nalha exterior adossada à fachada Revista “Pedra & Cal”, n.º 24, Out. – Dez. 2004, p. 12,
ma habitação, cuidadosa e engenho- Lisboa, GECoRPA;
samente dispostas, criando espaços ainda marcada pelas habitações das Bibliografia:
2
AA.VV., “Arquitectura Popular em Portugal”, Vol.
mágicos e surpreendentes. encostas da serra de Grândola, onde
III – zona 6 (Algarve), Associação dos Arquitectos Por-
O Alto Algarve é composto pelas habi- existe fraca densidade populacional e, tugueses, 3ª edição, Lisboa, 1988
tações que se agrupam com irregulari- ao contrário da tipologia anterior, os
dade, consoante os declives do terre- espaços são mais amplos desfrutando ANA CRAVINHO,
no, e possuem uma única divisão, de uma cozinha tipicamente algarvia Arquitecta, STAP, S. A.
chaminé destacada, alvenaria de taipa de grande chaminé com forno adossa-

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