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BRUNO PEREIRA

As omissões
Um dos maiores nomes do
mercado digital brasileiro

CAMINHOS DO SUCESSO

Jairo Menezes
BRUNO PEREIRA
As omissões
Um dos maiores nomes do
mercado digital brasileiro

CAMINHOS DO SUCESSO

Jairo Menezes

Goiânia, 2021
Copyright © 2021 by: Jairo Menezes

Ficha Técnica:
Coordenação editorial: Jairo Menezes
Capa: Foto
Fotografias: Acervo familiar de Bruno Pereira
Revisão: Fátima Toledo
Projeto e produção gráfica: Carlos Sena

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

21-80692 Menezes, Jairo


Bruno Pereira - As omissões [livro eletrônico] : um dos
maiores nomes do mercado digital brasileiro :
Caminhos do sucesso / Jairo Menezes. — 1. ed. —
Aparecida de Goiânia, GO : Ed. do Autor, 2021.
PDF
86 p. : il.
ISBN: 978-65-00-30581-4

1. Entrevistas (Jornalismo) 2. Gestão de negócios 3. Marketing


digital 4. Pereira, Bruno 5. Redes sociais on-line 6. Vendas I. Título.

CDD-658.84

Índices para catálogo sistemático:


1. E-commerce : Marketing : Administração de empresas 658.84
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial desta obra,


de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito
do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9610/98) é crime estabelecido
pelo artigo 48 do Código Penal do Brasil.
Introdução

Você está prestes a consumir um produto jornalístico que


tem como foco a investigação e a apuração. A base deste tra-
balho é uma grande reportagem no estilo do que se conhece
no meio jornalístico como Perfil, ou seja, sob a ótica do outro.
A intenção é apurar os pormenores dos maiores segredos não
revelados do perfilado.

Com uma apuração que durou seis meses, mais de 58 horas


de entrevistas gravadas e pelo menos 40 fontes para descobrir
os mistérios de um dos maiores personagens em ascensão do
mercado digital brasileiro, este trabalho traz a visão de pes-
soas que já tiveram contato com o perfilado. São pessoas que
gostam, amam, veneram, temem ou odeiam – por motivos
distintos – este homem que se tornou um dos maiores mis-
térios do meio digital.

Afinal, ele é tudo o que apresenta ser atrás de uma tela?


Quantas pessoas ele passou para trás para chegar onde está?
Quem foi enganado por ele no passado e ainda o é hoje em
dia? Quais são os segredos e pontos fracos que ele não revela
para ninguém e fontes tiveram a coragem de dizer pela
primeira vez? Ele não passa de uma farsa?

As perguntas que não se calam sobre essa pessoa que se faz


presente nos meios digitais devem ter uma resposta a partir
de agora, em reportagens divididas por capítulos.

Boa leitura,

O autor.
Morando sozinho, no Setor Santa Genoveva,
casa dos pais, em 2006
1 – O baque

O
suor que começa a surgir das mãos vem acompanhado
de um leve tremor nas extremidades. A respiração curta
e ofegante nem é percebida por quem passa pela crise.
Cada batida do coração é como um empurrão. Numa fração de
segundos, surgem outros sintomas. O aperto no peito, a falta de
ar e a certeza de que esses são os últimos momentos de vida. A
inquietude é tomada por uma vontade enorme de sair dali. Ele
está em casa, acompanhado da noiva. Ela começa a se impres-
sionar com a tensão que se instaura no momento.

Os dois entram em um dos carros estacionados na garagem


da casa, uma das primeiras em um dos condomínios mais caros
de Goiânia, capital de Goiás. O automóvel, uma SUV com valor
em torno de R$ 350 mil, modelo Range Rover de 300 cavalos
de potência, deixa o condomínio com a mulher ao volante e ele
deitado no banco de passageiro, que fora retraído para trás.
Para tentar aliviar os sintomas, os vidros dianteiros são baixa-
dos. Já era madrugada a essa altura dos fatos.

Apesar de toda a preocupação, ela sabia o que estava acon-


tecendo, pois não era a primeira vez que ele passava por isso.
Algo semelhante já havia acontecido em Nova York, nos Es-
tados Unidos, meses atrás. A certeza era de que aquilo iria
passar, mas, até que tudo estivesse bem, o que podia dar a ele
era conforto e companheirismo.

Pelas ruas do centro da cidade, ela dirige de forma aleatória.


Liga o som do carro. Ao som do Range Rover preto, 2Pac can-
tava Changes sob uma batida no mesmo compasso do coração
acelerado dele. A jovem dá duas voltas em um quarteirão, e o
homem ao lado não chega a perceber que o caminho se repete.

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Ela não sabe mais por onde andar, mas percebe que o som da
música, o vento no rosto e o barulho do motor do carro o fazem
ficar bem. Ela para o carro, enquanto ele não se cansa de repetir
frases como “eu vou morrer, me socorre; me salva”.

Ele se assusta quando ela sai do carro e entra em


uma drogaria. A iluminação forte do estabeleci-
mento clareia todo o ambiente interno do veículo.
Ela sabe que qualquer venda de calmante é proibida
por lei, mas quer encontrar algo para desacelerar os
sintomas apresentados pelo homem. O balconista,
que não era farmacêutico, indica que ela compre um
frasco de fitoterápico à base de maracujá. O profis-
sional só não sabia que acabara de vender o remédio
para um dos homens mais ricos aos 30 anos de todo
o Centro-Oeste brasileiro, que passava por uma crise
de síndrome do pânico.

Esse episódio desencadeou em Bruno um sentimento de


inquietação e ele resolveu fazer o que jamais imaginara em
nenhum momento da sua vida: tempos depois, estava sen-
tado em um consultório, acompanhado de um psicólogo. O
homem, que passava horas em silêncio, porque não
desabafava nada do que acontecia consigo, ficou por quase
uma hora e meia conversando sobre o que lhe afligia. E
como se não bastasse, outras sessões foram necessárias. Ele,
que somatizava tudo, todas as emoções, todos os problemas
e planejamentos, passou, então, a dividir com o especialista
todos os detalhes da vida de um homem de milhões de reais.
Era como se, pela primeira vez, sentisse que podia desabafar
tudo de bom e ruim que mantinha guardado dentro do peito.

Mas quando o especialista indica uma consulta com um


psiquiatra, ele se assusta. Ao que tudo parecia, o próprio
psicólogo daria conta de solucionar aqueles problemas que já
eram camuflados há tempos, e que agora apareceriam de uma
vez só. É que ele sempre tentara segurar a onda, evitar que
outras pessoas interferissem na sua vida, no dia a dia, nas de-
cisões, e soubessem das suas fragilidades.

Bruno quase nunca conversava com ninguém sobre intimi-


dades. Exceto com uma única pessoa, um companheiro fiel,
amigo de verdade, parceiro na vida pessoal e nos negócios:
Matheus Peixoto. Até a noiva evitava tocar em assuntos que
poderiam se tornar uma polêmica na relação. Pais, irmã, enfim,
a família até podia saber dos pormenores, mas como Bruno não
dava brecha para um diálogo a esse nível, todos entendiam que
não deviam tocar em determinados assuntos. Ele era assim.
Mas o tratamento para a mente era inevitável, porque a própria
cabeça começava a trair um dos homens mais inteligentes no
atual momento do mercado digital brasileiro.

A personalidade dele nunca fora de um homem ignorante, no


sentido literal da palavra. A busca incansável pelo conheci-
mento sempre lhe movera. Desde criança, a leitura rápida e
dinâmica se tornara uma compulsão. Na infância, mesmo sem
conseguir prestar muita atenção no que era ministrado em sala
de aula, ele tinha conhecimento do conteúdo e não tirava pés-
simas notas, e isso era o suficiente para passar de ano. Por isso
mesmo ele se sentia em folga perante os outros colegas, e não
poupava conversações no meio das aulas. Apesar de se sentar
no fundo da sala, Bruno equilibrava o menino contido, de cri-
ação metódica, tradicional, e o bagunceiro, que era entrosado
com a turma do fundão e cabulava aula sempre que possível.
Lia tudo, a todo o momento, para saber mais. Não livros, mas
informações e notícias atuais que o deixavam sempre por dentro
de qualquer assunto. Era como se as notícias fossem os profes-
sores de sua preferência.

Quando, enfim, a necessidade de visitar um psiquiatra


surgiu, ele não se furtou a ir, mesmo tendo se negado por anos
seguidos e já com a noção de que precisava. Tudo o que fugia

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do seu controle lhe tirava da zona de conforto. A exposição de
fragilidades não lhe trazia bem-estar, assim como acontece
com a maior parte das pessoas. Assim, ele chegou ao con-
sultório do psiquiatra, que, pelas descrições do paciente na
primeira conversa – o que na área de saúde se conhece por
anamnese –, pela indicação feita pelo profissional anterior e
pela apresentação do quadro, já havia percebido do que se
tratava. Bruno saiu do consultório com uma receita de cor
amarela. O homem, que era forte, de pensamentos rápidos e
desenvoltura irretocável durante as aulas virtuais, que já for-
mara até 2020 mais de 30 mil estudantes de todos os cantos
do Brasil e do mundo pelos meios digitais, estava doente.

A crise de pânico foi só a ponta do iceberg. Bruno Pereira,


que no último ano, em 2019, havia obtido lucros de milhões
ao mês, tinha em curso um processo de autofagia psicológica.
Qualquer detalhe que fugia ao que ele programava ou esper-
ava de alguém provocava nele uma catástrofe comportamen-
tal. Desde gritos, explosões de todos os tipos, xingamentos e
expulsão da própria sala. Esses eram detalhes que aos poucos
haviam se tornado cotidiano de convivência. Quem não sabia
o que realmente acontecia em alguma dessas situações imag-
inava somente que estava diante de uma sessão de injustiça
– mas o que ele precisava era soltar a raiva que estava presa
dentro dele há anos, e não era possível prever com quem isso
iria acontecer, nem quais seriam os resultados que essa ex-
plosão iria acarretar.

Se fosse preciso gastar dinheiro para se sentir bem, então


era isso que fazia. E Bruno tinha noção da diferença entre
gasto e investimento, porque, segundo a percepção, as duas
ações se diferem pelo retorno. Não o retorno lucrativo, pois
acreditava que dinheiro era só um detalhe e o que importava
era o bem que poderia proporcionar a quem amava, como
conforto, por exemplo. Então, lá ia ele a um shopping – de
preferência um com a maior estrutura de centro comercial de
Goiânia, porque é mais próximo da região onde foi criado, e
tem um apego afetivo pelo lugar, sem exigências de padrões
de elite para frequentadores. Além de comprar artigos de ves-
tuário para os filhos, os amigos, para si, para outras pessoas,
comprava coisas fúteis, pelo simples prazer de passar o tempo
e para tentar esquecer o problema que o fizera explodir.

A situação que acarretara a crise de pânico do início da


leitura foi uma ligação telefônica. Apenas dois confidentes de
Bruno tiveram acesso de imediato à informação do que essa
ligação telefônica lhe causara. A psicóloga e noiva, Júlia
Gregório, que presenciara e participara ativamente do mo-
mento, e o amigo de infância que o acompanha até hoje, como
sócio, Maico Andrade. Luís Celso, pai de Bruno, telefonou-
lhe para dizer o que acabara de descobrir. Os detalhes que ele
contou ao telefone fizeram crescer no ouvinte todos os senti-
mentos e sensações que deram início a essa narrativa. Era
como se cada palavra fizesse uma história sombria ganhar
sentido, e desenrolasse para o atual momento de sua vida.

O empresário até tentou segurar a onda para que nada fosse


percebido pelas pessoas que estavam a sua volta, no escritório
ou no trabalho, durante a correria do dia. Mas tem uma hora
que a gota d’água é o suficiente para fazer com que o copo
cheio derrame. E o momento era aquele.

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Primeira viagem aos EUA, com Matheus Peixoto, em 2014
2 – A agonia

H
avia alguns dias que a relação entre Bruno e a mãe
dos dois herdeiros – o mais velho tinha 15 anos – es-
tava ainda mais desconfortável, se é que isso fosse
possível, já que desde o início nada tinha sido fácil entre os
dois. Na adolescência, eram colegas de sala em uma escola
adventista de Goiânia e tinham famílias e criações regidas
pelos mais rígidos padrões possíveis. O namoro aconteceu de
forma arrebatadora, era novidade para ambos, e aquela re-
lação infantil iria ganhar um tom muito além de um simples
namorico infantil e inocente. Em pouco tempo, a notícia da
gravidez pegou a todos de surpresa. A menina de 15 anos seria
mãe de um filho advindo de um relacionamento com um
rapaz da mesma idade. Algo inconcebível para qualquer cri-
ação à luz da doutrina religiosa.

Acontece que, desde a descoberta da gravidez que concebe-


ria Nicholas, o primogênito, a situação dos dois adolescentes,
que imaginaram um dia seguir a vida juntos, se transformara
por completo. Obviamente, sem a mínima condição de se sus-
tentarem sozinhos, as famílias, ao invés de se unirem por um
bem comum, que seria o nascimento de uma criança que pre-
cisaria, tanto quanto os pais, de apoio para crescer sob os en-
sinamentos, orientação e doutrina em que acreditavam, ao
menor atrito que surgiu, cortaram relações. De um lado, a
família da ex era dura e houve a intenção de rebaixar a família
de Bruno. De outro, a família de Bruno simplesmente não
aceitava a situação e se negava até a dar orientações ao rapaz

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e a conversar sobre o assunto – hoje motivo de arrependi-
mento por parte de Luís Celso, pai de Bruno, que chega a
chorar com facilidade quando questionado sobre algo que
tenha feito de errado na criação do filho: “Eu podia ter con-
versado, entendido ele, e ensinado, mas, ao invés disso,
brigava, e batia muito”, lamenta.

A família da, à época, adolescente grávida a impediu


de ter contato com Bruno. Segundo o que foi apurado,
durante os três primeiros anos de nascimento,
Nicholas não teve o mínimo de proximidade com o pai,
o que só aconteceu quando os dois ex-namorados fize-
ram 18 anos, e o menino já andava, falava e acreditava
que o avô materno era o próprio pai, e a avó materna
tinha as mesmas funções e responsabilidades que a
mãe. Nicholas, inclusive, não foi registrado por Bruno,
que não pôde opinar nem na escolha do nome do
próprio filho. Isso só aconteceria durante a adolescên-
cia do menino, assim como também aconteceu com o
segundo filho, Guilherme. Ambos escolheram o so-
brenome do pai que queriam usar, e só o mais novo
optou por Pereira, enquanto o outro evitou um dos so-
brenomes brasileiros mais populares.

Nesta fase dos 18 anos, Bruno voltou a se relacionar com


a antiga namorada, e logo se casaram. Mas os dois, aos 19
anos, ainda se mantinham sem o mínimo de condições de
se sustentarem sozinhos. Por não terem trabalho e nem
casa própria, foram morar na casa dos pais de Bruno, no
Setor Santa Genoveva. O casamento durou pouco, porque
a relação em nada parecia com o que haviam idealizado
quando adolescentes. Até que ela voltou, de malas prontas,
para a casa dos pais. Mas volta e meia os dois tinham en-
contros amorosos, mesmo separados e certos de que aquela
relação não teria um pingo de futuro, a não ser pela ligação
que tinham por conta do filho Nicholas.
Ainda assim, os encontros amorosos resultaram em mais
um herdeiro. Desta vez, Guilherme veio ao mundo. Filhos de
pais separados, os meninos sempre viveram o dilema de
terem duas histórias do próprio passado, uma descrita pelo
lado materno e outra, pelo lado paterno. De cada um dos
lados, têm pais com personalidades fortes, independentes,
com razões e motivos distintos para serem dessa forma. Os
adolescentes ouvem os relatos dos dois lados e não têm nem
como tirar partido, porque sentem amor por ambos, indepen-
dente do que pai e mãe passaram ou passam na relação con-
turbada que construíram com o tempo. Se a mãe acredita que,
com o crescimento financeiro cada vez maior, o pai deveria
dar ainda mais do que sempre dera aos filhos, Bruno também
tem as ressalvas e é enfático quando mostra que, além do
afeto nítido que sente por Nicholas e Guilherme, oferece tudo
do bom e melhor aos filhos. Ambos estudam em escolas tradi-
cionais, de ensino rígido, e com resultados comprovados na
formação de pessoas. Além disso, uma pensão é paga men-
salmente – houve alguns atrasos no passado, mas nada supe-
rior a cinco dias.

Não há como fugir, pelos relatos do próprio Bruno, das


queixas pelo pouco convívio com o primogênito. A própria
família materna tem a mesma reclamação. E ninguém consegue
ser claro quanto ao real motivo de esta distância ter sido provo-
cada. Longe de fazer apontamentos para qualquer um dos lados,
o que se percebe é uma relação entre pai e filho num processo
de construção. A cumplicidade em contar detalhes da vida pes-
soal é conquistada aos poucos, ao mesmo passo em que a con-
fiança um no outro se torna algo palpável. O tempo e força de
vontade de cada um foram essenciais para que ambos
evoluíssem positivamente ao se tratar de companheirismo.

Bruno queria de todo jeito mudar a situação de pouca con-


vivência, ou quase nenhuma, com os filhos, e buscou ajuda
de alguém muito próximo à mãe das crianças. Pediu que o

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ex-sogro a convencesse sobre a possibilidade de um acordo,
sem intervenção da Justiça, de guarda compartilhada, ou
que as crianças tivessem liberdade de trânsito entre os dois
lares. Quando percebeu essa movimentação e articulação, a
mulher tomou medidas ainda mais drásticas e, do dia para
a noite, sumiu. Nem ao próprio pai ela contou o que havia
planejado: uma viagem para um lugar bem distante, onde
Bruno não pudesse ‘roubar-lhe’ os filhos. Ela se sentia
ameaçada e tinha medo de ficar sem os dois meninos. O que
Bruno garante é que jamais impediria o convívio das cri-
anças com a mãe, que, segundo ele, deve receber todos os
méritos pela excepcional criação que deu aos dois, com base
em respeito ao próximo.

Em pouco tempo, o distanciamento foi percebido por


Bruno, que tentou algumas vezes saber onde estavam
morando, e começou a questionar até gente que ele fazia
questão de não ter mais contato, como a ex-sogra, por
exemplo. Sem nenhum tipo de sucesso, Bruno apelou a
amigos advogados para saber o que seria possível fazer: se
uma ação judicial, denúncia à polícia, enfim, qualquer
coisa que pudesse solucionar o caso. Nessa etapa do es-
tresse todo, sem imaginar o paradeiro dos filhos e da ex,
ele já não encontrava mais soluções plausíveis ao que havia
se transformado no maior problema atual do homem que
tem como lema resolver questões.

Numa videochamada com Luís Celso, o avô paterno, Guil-


herme, que não tinha autorização para dizer onde estavam,
deixou passar alguns detalhes. A experiência de já ter
morado em um país frio foi fundamental para que o pai de
Bruno descobrisse onde estavam morando. Para todos, a in-
formação era que as crianças e a mãe haviam se mudado para
um dos Estados do Nordeste brasileiro, e que o contato com
o pai seria restabelecido em seis meses. Mas, e a agonia de
Bruno, que só aumentava? Luís Celso percebeu um aquece-
dor no quarto onde Guilherme conversava com ele pelo
vídeo. Notou um detalhe que o fez descobrir por completo o
paradeiro dos netos: havia um interruptor do lado externo
de uma porta, que dava acesso ao banheiro. Matada a
charada: apenas Portugal tem legislação que impede qual-
quer construção de ter tomadas do lado de dentro do que eles
chamam por lá de ‘sala de banho’.

Quando Luís Celso descobriu, ligou rapidamente para


Bruno, o que desencadeou todo o episódio que dá início ao
capítulo anterior.

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Família completa. Da esquerda para direita, o primogênito
Nicholas, a irmã, Lorrany Pereira, a mãe, Mara Celma, o
sobrinho Daniel Pereira, o caçula Guilherme, o pai, Luis Celso
e Bruno Pereira: Natal de 2020
3 – Os cortes

Q
uando é possível ver Bruno Pereira – até mesmo porque
ele quase nunca vai a lugares públicos e não se dispõe a
estar em locais com muita concentração de pessoas –,
pode estar certo de que ele não estará acompanhado de multi-
dões. Bruno não teve muitos amigos, e muito disso aconteceu
por conta da criação rígida que recebera, com base em doutrinas
e ensinamentos da religião. Mara Celma, a mãe, e Luís Celso, o
pai, são adventistas, e, depois de quatro anos de tentativas para
engravidar, se transformaram em pais muito zelosos. Ela tinha
útero retrovertido – deformidade desde o nascimento, presente
em cerca de 15% a 25% das mulheres, segundo a literatura cien-
tífica –, e isso, conforme o que relata, fez com que a chegada do
primogênito fosse mais demorada. Aliás, quem conhece Bruno
sabe bem que, até para nascer, ele veio ao mundo quando quis,
na hora e do jeito que bem entendeu.

A avó materna, Sebastiana Barreto, uma baiana, trabalhava


como assistente no hospital público Materno Infantil, em
Goiânia. Lá, fazia de tudo, desde a comida, na cozinha indus-
trial da unidade de saúde, até a limpeza e desinfecção dos
corredores e consultórios. Mas esse não foi o motivo pelo qual
Bruno nascera ali. Na noite de 5 de agosto de 1989, depois de
um encontro regado a pizzas de sabores diferentes e refrige-
rantes, Mara e Luís foram para casa. Só não esperavam que
as dores do parto aconteceriam na chegada ao lar. Junto com
as dores, um breve sangramento inesperado, o que causou
preocupação, e foi por esse motivo que a maternidade de alta

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complexidade foi definida pelo casal como o destino de urgên-
cia. Só que a dilatação não acontecia, apesar de as contrações
terem um padrão definido e aumentarem a cada sequência de
minutos. Mais de 20 horas depois, e já com medicação na
veia, para estimular a aceleração do nascimento natural, Mara
estava em uma sala de parto.

Mas ainda assim, depois de 22 horas de sofrimento


para dar à luz o filho, com dores sequenciadas, a di-
latação no limite estabelecido, e perto de perder o
resto de energia que ainda existia, a decisão foi partir
para a força. O menino não queria nascer, mas foi na
marra que ele veio ao mundo. Uma das enfermeiras
subiu na barriga da gestante e forçou as costelas, com
o máximo de pressão, para fazer com que o feto fosse
expulso do corpo. Enfim, o choro ecoou pela sala, e o
alívio, de imediato, tomou conta de Mara, que pedia,
aos gritos quase ininterruptos, que aquele sofrimento
chegasse ao fim. Bruno nasceu. Mas, não fossem as
decisões que tomaria desde moleque, ele não teria
tido um destino promissor. O menino inquieto, deso-
bediente e levado aprendeu na marra, e com surras
quase frequentes, que a autoridade de casa era dos
pais, não dele. Aliás, nem sempre fora assim.

Bruno, que sempre fazia questão de seguir as próprias de-


cisões, era de família pobre. Ao nascer, a mãe era fun-
cionária de uma empresa que fabricava joias e semijoias.
Lapidar pedras preciosas era a função dela. O pai fazia a sep-
aração de mercadorias destinadas a clínicas de odontologia
em uma distribuidora desse tipo de itens. Depois, os dois
compraram máquinas de costura e ela foi trabalhar em casa.
Com a confecção de roupas para feirantes, aliado ao trabalho
de Luís, conseguiram dar o sustento à família. Dois anos de-
pois chegou a irmã mais nova, Lorrany Pereira, a última
filha do casal.
Quando menino, a intenção dos dois era mantê-lo o máx-
imo possível dentro de casa, porque entendiam que criança
na rua, com muita amizade, servia para fugir do controle e do
domínio dos pais. Nem sempre Bruno aceitava o limite do
portão de casa, e de vez em quando corria para a rua para se
encontrar com os colegas. Dono de uma bola de futebol, ele a
alugava aos vizinhos e, em troca, pedia que lhe dessem cigar-
ros. Ninguém na família fumava, mas, mesmo assim, ele
gostava daquilo porque era um sinal de subversão aos
padrões de criação impostos na época. Os vizinhos da rua, no
entanto, nem sempre conseguiam furtar o cigarro dos pais, e
vez ou outra substituíam o fumo enrolado com papel por fo-
lhas das árvores da rua. E o moleque, arteiro, ia lá e fumava,
não ligava para isso – se aprender a fumar é algo ques-
tionável, que ele não deu sequência à prática, não foi o que
aconteceu quanto a aprender sobre o seu poder de persuasão
e o valor do que tinha. Aí é outra história.

É aí que surgem os amigos, inicialmente os do bairro Se-


vene ou do Urias Magalhães. O moleque Bruno, menor em es-
tatura que os outros da mesma faixa etária, de pouco peso,
transitava bem entre as diferentes turmas. Quem o conhece
desde a infância se recorda dele com suéter e cabelo repartido
ao meio, na igreja ou no Clube dos Desbravadores – uma área
ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia, que tem trabalhos
específicos para crianças entre 10 e 15 anos, que, por meio dos
ensinamentos religioso, cultural e ambiental, estimula os val-
ores éticos, morais e cívicos. Ele não estava sempre na turma
da bagunça, mas era conhecido por todos. Um dos amigos
mais antigos, que o acompanha até hoje na parceria de vida e
dos negócios, é Maico Andrade.

Maico morava em um conjunto de prédios no Urias Ma-


galhães. Assim como a mãe, Luzia Assis, frequentava a
mesma igreja que Bruno, e as duas famílias se conheceram
por conta da congregação. A mãe de Bruno quase não per-

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mitia que ele fosse à casa dos outros meninos do bairro,
exceto na de Luzia, que havia criado o filho no mesmo
molde da família Pereira, sob rígidos padrões sociais, éti-
cos e morais. Foi assim, com essa aproximação dos dois,
que a amizade se fortaleceu. Mas a mudança de casa da
família Pereira iria causar um distanciamento entre os
dois, e essa amizade só retornaria com frequência, apesar
de se verem algumas vezes na infância, mesmo morando
em pontos diferentes da capital de Goiás, na segunda parte
da adolescência. O reencontro prestes à fase adulta reavi-
vou o que os dois sentiam antes, que era uma amizade de
compartilhar experiências, vivências, e dividir um com o
outro os detalhes da vida. Com os outros amigos não seria
do mesmo jeito, já que Bruno conseguia, com grande fa-
cilidade, superar os cortes que, por motivos distintos, a
vida lhe proporcionava.

Era de Maico o apelido que Bruno se apropriara. Na es-


cola, o amigo – eles não estudavam juntos – usava o nick-
name ‘Sr. Insano’ para brincar no quadro da sala de aula,
escrever bilhetes e mandar às meninas sem que fosse iden-
tificado, ou até mesmo para assinar postagens apócrifas nas
redes sociais da época. E Bruno, por gostar daquele apelido,
começou a usá-lo também. Tanto que chegou ao ponto de
utilizá-lo mais que o próprio autor. O empresário mandava
mensagens para um programa de TV local que tinha como
público-alvo os adolescentes e sempre assinava como Sr. In-
sano, ou somente Insano. Na Internet, era do mesmo jeito.
Provocado pela curiosidade desde sempre, Bruno aprendeu
programação, segurança de redes, enfim, com pouco tempo
fazia parte de um clã internacional de hackers. E como ele
era conhecido dentro do grupo? ‘Sr. Insano’. No futuro, o
‘senhor’ migraria para o estrangeirismo ‘mister’, ou simples-
mente Mr, e o ‘Insano’ perderia a maior parte das letras da
palavra para dar nome à empresa que gerou todo o império
que possui hoje: Mr. Ins.
E essa amizade se mostrou muito mais forte, com detalhes
de cumplicidade – não só detalhes, mas pela cumplicidade e
lealdade –, quando ainda era empregado de carteira assinada
do departamento de Tecnologia da Informação (TI) de uma
empresa grande e foi convidado a ajudar um amigo que se
aventurava em áreas diferentes. E esse amigo era Maico, que,
mesmo sem formação superior, trabalhava em uma grande
empresa de telefonia brasileira, como atendente de call cen-
ter. Cerca de 13 anos antes do reencontro dos dois, Bruno
também trabalhara como instrutor de esportes radicais
(mesmo sem gostar nem um pouco de práticas esportivas)
dentro de um shopping e aos vinte e poucos anos já negociava
o lanche depois do turno, ao permitir que colaboradores do
McDonald's tivessem acesso aos equipamentos de escalada e
rapel em troca de sanduíches e copos de refrigerante.

Anos depois, em 2019, e por insistência de Bruno, Maico


entrou na Mister Ins. Ele passou a conciliar o tempo que tinha
com horas seguidas, até madrugadas, dedicadas à criação do
conteúdo do primeiro curso, ao suporte de vendas das aulas
e ao pós-venda, que determinava agilidade nas respostas. Por
isso, ele foi o bastidor da Mr. Ins na criação dos primeiros cur-
sos. A dedicação exagerada, no entanto, acabou causando pre-
juízos ao amigo. A relação com a mulher – que nunca se dera
bem com Bruno –, com quem havia decidido viver por toda a
vida e com quem teve os dois filhos, que já não estava tão boa,
ficou ainda mais fragilizada. Na Mister Ins, Maico alcançou a
almejada liberdade financeira, o que acabou culminando no
fim do relacionamento com a esposa, que o humilhava há
anos por ganhar mais que ele, de acordo com relatos.

Houve companheiros que a vida, as circunstâncias e até as


percepções do próprio Bruno distanciaram. Um deles, apon-
tado por todos como seu melhor amigo, morto em um aci-
dente de trânsito de forma precoce, fora criado na mesma
igreja e também era um dos Desbravadores. Passaram juntos

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boa parte da infância, adolescência e fase adulta. Até que, por
motivos que ele se nega a mencionar, tomaram rumos difer-
entes. As pessoas que conviveram com Jonnas não nos reve-
laram os reais motivos para que o contato dos dois tivesse
sido interrompido. Bruno menciona pouco as causas que
levaram ao fim do convívio com o amigo. Uma ou duas pes-
soas ouviram falar que existiu inveja em um dos dois lados, e
que isso poderia ter sido a causa do rompimento. Mas a in-
formação não foi confirmada por Bruno, que simplesmente
não quis prolongar o tema.

Aos 15 anos, Bruno vivia um romance de ado-


lescência, e foi com ela, uma colega de sala de aula,
de família bem abastada, filha de um funcionário
público concursado, que teve o primeiro relaciona-
mento amoroso. O menino pobre, bom de con-
versa, inteligente, vivia com a mãe e a irmã em
Goiânia. O pai acabara de viajar para Portugal e,
mesmo sem documentos regulares de imigrante,
tentava a vida com o trabalho braçal, que não ren-
dia muito dinheiro para ter um ‘sonho americano’,
mas era o suficiente para se sustentar e mandar um
pouco de euro para o Brasil. Bruno, apesar de ter
acesso a tudo quanto é tipo de informações, nunca
havia tido uma conversa com um dos pais, na infân-
cia, sobre uso de métodos contraceptivos. O pai
dele sofre até hoje por essa falta de diálogo entre os
dois. Mas enquanto de um lado não houve a orien-
tação necessária, do outro lado do mundo alguns
adolescentes, com hormônios à flor da pele, sim-
plesmente ignoram tudo o que está disponível nas
informações que têm nas salas de aula e nos meios
de comunicação e partem para a vivência da sexu-
alidade sem a prevenção necessária, e com isso
sofrem as consequências.
A gestação de Nicholas, o primogênito, no entanto, já
causava preocupação em qualquer contexto, por se tratar de
dois adolescentes. A família da moça, que tinha, à época,
maior poder aquisitivo, ficou indignada, principalmente a
mãe da menina, que não via futuro em Bruno, e chegou a
chamá-lo, segundo relatos dele próprio, de ‘pobre’ e ‘pé-ra-
pado’. O contato dos dois foi cerceado durante certo período.
De um lado, o pai dela tentava trazer Bruno para si, fazer com
que o rapaz criasse meios para o próprio sustento e pudesse
seguir a vida, mas, de outro, ele criava atrito com a esposa,
que não se agradava da ideia e preferia, como forma de res-
olução, colocar barreiras à continuidade do relacionamento.
A gravidez se tornava, a cada dia, madura e Nicholas era ges-
tado sem o mínimo de vínculo com o pai, que era impedido
de estar ao lado da namorada. A contragosto de muitas partes,
eles se casaram anos depois.

27
Em Lisboa, Portugal, na mesma cerâmica onde trabalhou na
adolescência e retornou em 2021, para gravações
4 – Humilhação

A
lém dos impedimentos dentro do próprio vínculo fa-
miliar, Bruno passou a sofrer preconceito, piadas e até
coações na sala de aula e na própria igreja que frequen-
tava. Tudo isso por ser um adolescente pobre, sem pele
branca, e por ter namorado sem seguir os formatos e moldes
estabelecidos à época.

Foi de um professor de Química, em 2004, durante o


primeiro ano do ensino médio, que ouviu uma das frases mais
duras que o fariam abrir mão do próprio futuro para definir
por outros caminhos o destino a que chegou hoje. “Você é o
típico aluno que não vira nada na vida”, teria dito o docente
Márcio durante uma das aulas no Colégio Goianiense Adven-
tista. Ouvir isso causou em Bruno indignação não só consigo
mesmo, mas com todo o contexto de onde ele vivia. Se a
unidade escolar não estava pronta para dar apoio aos seus es-
tudantes no momento em que mais se viam necessitados,
então ali não era o lugar que ele deveria estar. Se para chegar
ao sucesso ele tivesse de encontrar outros caminhos, então
era isso que aconteceria. E assim foi feito. Bruno saiu da sala
de aula e nunca mais voltou a estudar naquele ambiente.

Nessa fase, os pais dele fizeram de tudo para que a mu-


dança de País, enfim, acontecesse para todos os membros
da família Pereira. Lá se foram Mara, Bruno e Lorrany. O
destino era Lisboa. E, mais uma vez, sem documentações

29
que permitissem a permanência de todos ali. As condições
eram precárias, porque a moradia era em uma estrebaria de
cavalos, ou estábulo, com outros brasileiros que, da mesma
forma, não tinham autorização para trabalhar e morar na
capital portuguesa. Para o sustento, todos tinham subtra-
balhos. O que os portugueses se negavam a fazer, lá estava
a mão de obra de brasileiros. Luís Celso conseguiu uma
oportunidade para Bruno ser inserido em uma olaria, que
fabricava, entre cerâmicas e outras coisas, tijolos. Mas o tra-
balho braçal não era a praia dele, ainda mais para receber
600 euros por mês, que não davam para nada. Volta e meia
o rapaz era encontrado atrás de pilhas de tijolos, e fazia jeito
de o tempo passar mais rápido, ou seja, em muitos momen-
tos, quando o trabalho braçal cansava, recebia, mesmo que
pouco, pelo tempo trabalhado sem render quanto se espera-
va – ele nega, e diz ter “ralado” muito. Do primeiro salário
que recebeu, comprou um notebook Acer e um tênis. Bruno
foi demitido em um dia de fúria do dono da cerâmica.

Ficar em Portugal já não era mais uma opção, porque morar


naquela condição era, para Bruno, algo subumano e injusto.
Pela manhã e à tarde, ia para a fábrica de cerâmica Iberoceram
– Indústria de Cerâmica S.A, e, à noite, passava a madrugada
toda acordado, na sala da casa onde moravam, e, inclusive,
haviam improvisado o quarto e era também onde ficava a mesa
com o computador. O rapaz não saía da Internet. Estudava
sobre tudo, desde programação de web; HyperText Markup
Language (em uma tradução livre do inglês: Linguagem de
Marcação de HiperTexto - HTML); tráfego pago, e chegou ao
ponto de provocar, depois de horas de estudos e inserido em
um clã hacker, uma alteração de versão do MSN pela Microsoft,
além de forçar funcionários da Google a quebrar a cabeça para
corrigir falhas encontradas no sistema. Por prazer, também
furtava cookies dos usuários da rede social da época, Orkut, e
tomava para si algumas comunidades de outros proprietários.
Claro, tudo isso depois foi devolvido.
No ritmo frenético que ele levava, sem se levantar para
se alimentar, sem dormir direito, e com pouco descanso,
o corpo cobrou. Um belo dia, logo após chegar do tra-
balho, Luís se preparava para tomar banho antes do jan-
tar quando percebeu o filho, pálido, andando pela sala,
sem expressão alguma no rosto. Bruno começou a passar
mal em frente ao computador, depois de um final de se-
mana inteiro virado na frente da tela, ou seja, quase 72
horas depois do último sono. Ele se levantou com medo
de desmaiar no quarto, sozinho. Mas o desmaio foi in-
evitável. Os pais não se cansavam de pedir pela mudança
de hábito do jovem, justamente porque ele não se dava
descanso, não se alimentava direito, nem fazia jeito de ter
um tempo fora da tela.

Bruno caiu inconsciente no chão do apartamento, diante


do pai, e retorceu o corpo, curvando as mãos e enrijecendo
todos os nervos possíveis. De início, porque já havia
demonstrado várias vezes que não queria permanecer em
terras portuguesas, todos imaginaram que era alguma
cena, para que permitissem o retorno dele o quanto antes
para Goiás, onde viveria inicialmente com a avó, em Goiâ-
nia. Mas não era brincadeira. Ele não voltava. Os lábios
começaram a ficar roxos, e os sintomas de que ele estava
fora de consciência só aumentavam. O quadro começou a
piorar. Aí começou a gritaria de Mara, que se desesperou.
A família, religiosa, pensou em um segundo momento que
ele estava movido por forças demoníacas. E, ao que tudo
indica, até hoje não sabem muito do que se tratou o caso.
Bruno acha que foi pela exaustão. Quando recobrou a con-
sciência, pediu para dormir na cama dos pais – isso só
acontecia na infância, quando ele via uma aranha: hoje em
dia, o aracnofóbico só não recorre à cama dos pais porque
dorme na própria casa, mas é capaz de deixá-la se encon-
trar um artrópode, qualquer que seja o tamanho.

31
Era quase certeza de o dia amanhecer em Lisboa
e, antes de anoitecer, o rapaz desse um jeito de re-
tornar ao Brasil. Mas os argumentos de Bruno não
eram aceitos pelos pais. Ele quase não dependia do
dinheiro do pai e queria de alguma forma deixar
claro que estava inconformado com a situação de
viver fora do País. Cabeça-dura que era, quando
colocava uma coisa na ideia, para retirar era difícil,
então partiu para a pressão. Ameaçou entregar
todos os imigrantes ilegais se não conseguisse que
o pai aceitasse seu retorno ao Brasil. De imediato,
recebeu outra ameaça: ele seria amarrado caso con-
tinuasse com aquela ideia. Os outros moradores do
apartamento confessaram a Luís Celso a incon-
veniência e a possível ameaça, o que lhe causou
mal-estar, e ele não viu alternativa senão ceder,
comprar uma passagem aérea e encaminhar o filho
para o Brasil. Mas Luís era turrão, e mesmo tendo
aceitado fazer o que o filho queria, viu o ato de
Bruno como uma infantilidade e um desrespeito às
decisões que havia tomado para o bem dos seus.
Não foi ao aeroporto se despedir. Eles passaram
seis meses sem se falar.

E foi assim que Bruno voltou para o Brasil, para ficar na


casa da avó materna. Mas ele quis autorização para voltar a
morar na casa da família, que estaria fechada, no Setor Santa
Genoveva. Mas um detalhe o iria impedir de retornar para
lá: uma prima dele, com o marido e a filha, havia se mudado
para o imóvel – não se sabe se com ou sem autorização.
Acontece que Bruno se surpreendeu quando pôde regressar
ao mesmo imóvel, já que nada estava igual: as próprias
roupas que ele havia deixado no Brasil haviam sumido. Nem
os talheres do imóvel estavam mais lá. Do mobiliário hu-
milde, havia apenas um fogão, um colchão velho, sem cama,
e uma cadeira na sala.
Ele se viu, então, sem nenhuma das regalias, que já eram
poucas, pela falta de condições da família. A fome se trans-
formou em sua companheira constante. Para driblá-la, ele
passou a conviver mais próximo à família da irmã do pai,
Divina Eterna, que tinha uma loja na Avenida Goiás. Então,
ele saía do outro lado da capital goiana, a pé, com a des-
culpa de ajudar a tia no comércio e, assim, se alimentava
por lá. A movimentação baixa de clientes propiciava a ele
ter tempo para usar o computador da loja; então, continuou
nas pesquisas e manteve os contatos. O primo, Eduardo
Almeida, foi quem lhe emprestou uma bicicleta, que lhe aju-
daria a diminuir o sofrimento das longas caminhadas de 11
quilômetros para ir, outros 11 para voltar, para “ajudar” a
tia com a loja.

Foi nesse período que, sentado à mesa de casa, na Rua


Bahia do Urias Magalhães, em Goiânia, teve uma conversa
que definiria os rumos que tomaria na vida. Bruno preparava
um macarrão e colocou na panela do molho tudo o que pôde
e tinha disponível. Serviu o prato a um amigo. A casa que a
família tinha ali era humilde, sem forro para cobrir as telhas,
com a fiação exposta nos caibros e vigotas. Quando olhou o
fogão escuro, de quatro bocas, ao lado do armário marrom,
que tinha algumas portas quebradas, o rapaz afirmou que o
próprio futuro seria diferente daquele presente que vivia. Sem
que fosse compreendido, foi questionado sobre o que estava
sonhando mais uma vez, e então Bruno disse: “Essa vida que
eu tenho vai mudar, e eu não vou aceitar isso para sempre.”
Se ele já sabia como, é de se duvidar.

33
Em Nova York, em 2016
5 – Os poucos

Q
ue Bruno não é rodeado de amigos, isso já é claro. Mas
até os amigos verdadeiros e mais próximos dele
sabem que ainda há a possibilidade de que sejam re-
duzidos e enxugados. Bruno tem uma imensa gratidão por
quem acreditou, confiou e o apoiou, e isso faz com que man-
tenha os seus sempre por perto. A pergunta: “pessoas são
descartáveis?” foi feita a muitos entrevistados, e todos re-
sponderam, de forma unânime, negativamente. O question-
amento surge pela grande facilidade e, ao mesmo tempo,
dificuldade que Bruno tem em abrir mão das amizades. En-
tende que os ciclos são mutáveis, e lida muito bem com isso.
Mas nem sempre consegue entender quando algum ciclo deve
ser encerrado por completo. Ele se dedica às pessoas benquis-
tas, e espera o mesmo de volta, porque cobra de forma ex-
agerada de quem ele se agrada.

Tarde de terça-feira, e todos no escritório começam a perce-


ber que o tom da conversa na sala de reuniões é um pouco
diferente do habitual. Algo não estava normal ali. Pelas paredes
de toda a sala de vidro ecoavam frases rápidas e nem sempre
compreendidas por completo. Dava para perceber que uma das
vozes alteradas era de Bruno, que cada vez mais se exaltava. Os
colaboradores da Mr. Ins começaram a olhar uns para os out-
ros, na expectativa de que alguém soubesse o que realmente se
passava. A tensão ficou ainda maior, e antes que a compreen-
são dos fatos fosse possível, as frases, que eram ditas em tom
de voz alterado, mudaram para gritos e troca de farpas.

35
“Você não é homem para honrar as calças que veste!”, ou-
viram. O nível do que se discutia era muito tenso e parte das
fontes entrevistadas revelou muita vergonha de descrever o
que fora dito ali. Em pouco tempo, o ambiente saudável e de
cumplicidade se transformou em um palco de terror. Os gritos
e dedos na cara ficaram ainda mais densos, e quanto mais
tempo passava, maior era a hostilidade. A outra parte desta
cena, descrita por muitos como deplorável ou assustadora,
era Matheus Peixoto, sócio das empresas e negócios. O título
de ‘braço direito’ nem cabia a Matheus, porque ele era muito
mais que isso, pois, quando Bruno não estava, tinha a missão
de decidir sobre tudo na empresa.

Bruno havia chegado estressado à Mr. Ins no dia em


que o fato aconteceu. Ele descobrira que, por um des-
cuido, Matheus havia deixado escapar uma informação
crucial e prejudicial à empresa. Isso poderia colocar
fim, numa simples conversa, em um ano de trabalho.
Era essa a justificativa para o comportamento tão
agressivo no dia. No ambiente da empresa, uma reu-
nião estava agendada para discutir a rotina do trabalho
e decisões importantes para a continuidade dos negó-
cios no ano de 2020. Mas, por algum motivo, Bruno
fora contrariado em alguma ideia ou comentário de
Matheus, e tudo começou. Bruno, como todos o de-
screvem, até tentava, mas qualquer fato que o contrari-
asse ou causasse transtornos na vida pessoal acabava
levando para a vida profissional. Talvez por passar a
maior parte do dia dedicado ao trabalho e não ter
tempo para a vida pessoal, o homem, que era pai,
irmão, noivo, amigo e filho, não conseguia ser diferente
da mesma pessoa que gerenciava crises e tomava de-
cisões milionárias.

Matheus, além de amigo, coloca Bruno em si quando pre-


cisa, ainda que seja como foi na reunião. Na ocasião, para se
ter ideia, Bruno chegou a expulsar o sócio, que tinha per-
centual nas empresas e poder de decisão em questões de
grande repercussão para os negócios. Matheus, sem pensar
duas vezes, ao ouvir o “sai da sala e some da minha frente”,
pegou o laptop, colocou em uma mochila e, calado, saiu do
ambiente. Antes que isso acontecesse, porém, todos ficaram
apavorados com o que viram.

Entre os dois, também com voz alterada e sem entender nada,


mas na posição de apaziguadora, estava Sara Peixoto, o que, não
por coincidência, tem o sobrenome igual ao de Matheus. Ela é
irmã e responsável pelas finanças das empresas e pessoais de
Bruno. Outros, que estavam mais próximos da discussão,
ficaram sem reação, apesar de não acreditar no que viam. Re-
sultado: Matheus saiu da empresa, se despediu de todos e estava
decidido a deixar a sociedade. Um texto de despedida foi enca-
minhado aos demais da empresa, dedicado ao companheiro.
Três dias depois, Bruno o procurou. Pediu desculpas. Disse que
estava com a cabeça quente, que havia falado coisas que não
eram o que ele realmente achava do parceiro, mostrou a gravi-
dade do que Matheus havia feito e fez-lhe uma promessa: levaria
o sócio consigo e o treinaria para se transformar em seu substi-
tuto definitivo. É o que tem acontecido, aos poucos, sob os ol-
hares e ensinamentos do líder. Matheus hoje tem liderado como
Bruno liderou no início.

Piloto de carreira civil por formação, Matheus teve a ajuda de


Bruno para conseguir o brevet – termo francês para o docu-
mento que permite pilotar aeronaves, nas modalidades civil ou
militar. Bruno o levou, mais de uma vez, a Brasília, para que
fizesse a prova, até ser aprovado. A amizade dos dois vai muito
além de serem dois colegas apaixonados por aviação. Quando
estava prestes a montar o segundo curso pela Academia de Im-
portação, Bruno precisava de investimentos, pois sabia que um
dos pilares para convencer os futuros alunos a adquirir as aulas
pela web seria a ostentação.

37
Aliás, para Bruno, o antigo adágio popular ‘dinheiro atrai
dinheiro’ é aplicável e lhe cabe como uma luva. É pelas
demonstrações de quanto tem em patrimônio, veículos e tudo
o que o dinheiro constrói que cada vez mais obtém admiração
dos seguidores e alunos dos cursos que ministra. O primeiro
investimento em Bruno foi feito por Matheus, que atuava
como piloto e tinha um Camaro, da Chevrolet: foram 70% do
veículo. O carro pomposo e da moda, no entanto, não seria
vendido inicialmente. Servia para passear nas ruas e fazer
postagens nas redes sociais. Era uma vitrine de poder, uma
meta de sucesso para quem queria se transformar em um im-
portador bem-sucedido, assim como Bruno mostrava ser nas
redes sociais. O percentual adquirido por Matheus, da Aca-
demia de Importação, foi de 20%. O primeiro curso teve o in-
vestimento total, direto, em dinheiro, menor que R$ 10 mil.
A surpresa foi geral quando o lucro esperado em R$ 20 mil
chegou aos incríveis R$ 130 mil.

Bruno tinha encontrado, enfim, o ninho dos ovos de ouro.


E ele mesmo botava os ovos, porque sabia ensinar algo que
vivera. A criação dos cursos surgiu depois de construir uma
marca própria e perceber a carência dos clientes, que se sen-
tiam ‘órfãos’ da loja física e queriam produtos importados.
Ele resolveu ensinar as pessoas a importar os próprios pro-
dutos, mas, para isso, cobrou.

Quem também se tornou ainda mais aliado nessa de-


manda, porque já estava no primeiro curso, foi Maico. Pela
formação em Tecnologia da Informática, passou a ser o
gerenciador das redes, de retenção de perdas. Em pouco
tempo, Bruno viu a necessidade de ter mais colaboradores,
porque era muito trabalho para criar o conteúdo do curso e
ainda gerir toda a demanda dos alunos. Matheus foi
chamado para dar mais que o investimento dos 70% do
carro: ele ficaria responsável pelo retorno que os clientes
precisavam. Com muita demanda, e sem contar a Bruno que
já não conseguia mais sozinho, Peixoto chamou a irmã, Sara,
à época menor de idade, para auxiliá-lo com as respostas aos
alunos através de um aplicativo de mensagens.

Quando Bruno descobriu isso, tratou o fato como uma


traição, porque havia terceirizado uma demanda direcionada.
Isso só mudou quando percebeu que Sara tinha capacidade
para responder em tempo hábil, aliado ao fato de que tinha
domínio da língua portuguesa – um detalhe que Bruno
acredita ser necessário a qualquer pessoa. Mas essa não era a
única vantagem da moça que ele perceberia. Lealdade, com-
panheirismo e dedicação são virtudes notáveis quando se ob-
serva a jovem moça com idade inferior aos 23 anos, que
administra todas as finanças do homem de negócios. Sem
sombra de dúvidas, todas as empresas não teriam o sucesso
de hoje sem a mão firme e a agenda implacável dela, para co-
brar resultados e prazos. Para encontrar um tempo na agenda
para falar sobre Bruno é quase impossível. E quando ela dis-
corre sobre a empresa, dos negócios e do gerenciamento, fala
com zelo.

Sara é o degrau da empresa antes de Bruno. Ele não toma


nem a decisão de gastar sozinho. Ela precisa dar o ok final.
Mas a jovem é humilde, não imagina o próprio nível de im-
portância, e sequer sabe o quanto é respeitada pelo boss.

Outra pessoa que dividia o tempo dedicado à Mr. Ins e aos


estudos durante a juventude – porque Bruno não permitia o
abandono do curso de Psicologia – era Júlia Gregório, a noiva,
que morava com ele em um apartamento alugado no Setor
Jardim Goiás, bairro nobre de Goiânia.

À época, Júlia fazia os atendimentos da loja de produtos im-


portados que tinham juntos, viajava aos Estados Unidos para
trazer os produtos, atendia os clientes no e-commerce, porque
a loja física havia sido encerrada antes mesmo da pandemia

39
provocada pelo coronavírus, e auxiliava no que Bruno pre-
cisasse para a criação de conteúdos. O apartamento, além de
moradia, havia se transformado em depósito para abrigar as
mercadorias da antiga loja que havia começado no Setor
Santa Genoveva. Agora, o estúdio e Quartel General (QG) da
Academia de Importação e todas as marcas com selo Mr. Ins
estão no maior prédio comercial do Parque Lozandes, a região
de Goiânia que mais cresce e valoriza.

O time estava completo, com a expectativa de crescimento


rápido, e, se Bruno seguisse as orientações dos pioneiros em
criação de conteúdo por cursos, não havia como regredir no
sucesso. A indicação era criar outro curso em três meses, para
não saturar os internautas e evitar que houvesse uma ‘falta de
novidade’. Mas a percepção falou mais alto. Muita gente
percebeu o curso depois das inscrições encerradas, e pedia
agilidade na criação de uma nova turma. Foi então que ele
lançou mais uma, com um mês de diferença. Mas o investi-
mento para essa nova turma foi maior, em questão tecnoló-
gica, de retorno, de conteúdo e de entrega do material final
aos alunos. Detalhe: estudantes do curso anterior, que nem
haviam encerrado as aulas, adquiriram o novo material, para
dar continuidade no aprendizado. Se o investimento foi
maior, então, o retorno mais que triplicou.
6 – A palavra

S
e alguém quiser vê-lo fora de si, a receita é muito sim-
ples: faça com que descumpra um compromisso, ou
tenha de entregar algo atrasado para algum dos seus
clientes, ou alunos, como prefere chamar. Para Bruno, com-
promisso é algo que determina a credibilidade, e ele leva isso
muito a sério. Quando acontecem problemas técnicos e ele
precisa entrar com atraso em uma live que já estava agen-
dada, ou se alguma coisa dá errada na hora da entrega de
algum produto que está prestes a ser lançado, é nítida a ira
que toma conta do homem. Um segredo? Não adianta tentar
justificar ou mostrar motivos que não compactuam com
planejamento, testes e checagem de equipamentos à exaus-
tão, ações necessárias para entregar o melhor a quem investiu
em algo da Mr. Ins. Bruno, que tem estopim curto com tudo,
só vai ficar ainda mais nervoso. Isso, porque sabe os detalhes
e como proceder em cada um dos processos. Os funcionários
não entendem que ele sabe desde o enquadramento e ilumi-
nação necessário para a câmera, à linguagem em sistemas do
arquivo, ou à redação do texto que vai ser enviado para a
venda: aprende tudo para exigir de quem é pago para fazer.

No período em que Bruno morou em Portugal – na


primeira e segunda vez –, o jovem rapaz não saía da frente
da tela do computador. Tanta dedicação, que à época era in-
compreendida por qualquer pessoa, era, na verdade, uma

41
Depois da reforma da casa dos pais, a pavimentação
da rua, em 2021
forma de aprender detalhes de criação. Design gráfico, dig-
ital, linguagens web, produção de conteúdo, vendas, comer-
cialização, enfim, uma infinidade de coisas que hoje são
aplicadas no dia a dia da Mr. Ins. Ele sabe de tudo, com
riqueza de detalhes, porque se aprofunda nos temas com
dedicação. Aquilo que não sabe e se interessa, pode ter a
plena certeza de que vai se esforçar para aprender. Desde
uma linguagem nova de programação a uma linhagem nova
de marketing, e até pilotar uma aeronave.

Quando Bruno dá a palavra a um aluno, independente de


quanto isso vai lhe custar, ele vai cumprir o que prometeu,
ainda que, para isso, gaste mais do que o aluno investiu. E se
ele não conseguir entregar o prometido, pode ter a plena
certeza de que alguma cabeça vai rolar. Certa vez, enver-
gonhado diante de uma turma de mais de mil alunos, de uma
só vez, por ter atrasado cerca de 15 minutos para uma live,
Bruno,após se empenhar e conseguir entregar todo o con-
teúdo que estava programado, no final do evento digital demi-
tiu parte da equipe.

Ora, ele tem um dos melhores estúdios de gravação do Brasil,


e a equipe é quem determina os equipamentos que quer usar,
desde câmeras – ele não escolhe se alguém quer lentes novas,
câmeras diferentes, microfones com maior captação, ilumi-
nação de última geração – a até mesmo desmanchar as paredes
e reconstruir no menor prazo, sem causar transtornos à pro-
dução do material. Além de pagar os melhores salários para a
própria equipe, que determina quanto quer ganhar, já que ele
faz questão de retirar os bons profissionais que estão nas
equipes concorrentes e trazer para si. Mas há um porém: ele
vai cobrar, e com o maior rigor possível e impossível que se
puder imaginar. A perfeição é o mínimo que se deve oferecer a
quem compra algum produto com a imagem dele atrelada.

O que mais gera vergonha e tristeza, ou mesmo decepção


ao criador de conteúdo é quando alguém diz que comprou o
curso com a intenção de mudar de vida, como já aconteceu, e
para isso teve de vender algum patrimônio, como uma moto-
cicleta, ou pedir aquela quantia do investimento emprestada
a alguém, e o que foi combinado não foi entregue como de-
veria, no prazo estabelecido, ou o suporte não foi suficiente.
A empresa, para se ter noção, já devolveu para os consumi-
dores a quantia exata, desde 2018 até o dia 8 de junho de
2021, de R$ 1.413.029,72. Isso não é uma perda, mas um in-
vestimento na própria credibilidade, pois aquela pessoa que
passou pelo transtorno com certeza aprendeu algo para
aplicar na própria vida e, por ter ficado insatisfeita, recebeu
de volta o que investiu, com um detalhe, vai retornar ou in-
dicar alguém por esse motivo. O empresário confessa que não
admite não só erros cometidos pela equipe, que é punida com
rigor pelo que não entrega, mas erros dele próprio, pois se diz
mais rigoroso ainda consigo, já que não aceita, de forma al-
guma, pedir desculpas – isso, segundo ele, seria o mais claro
sinal de que teria sido incompetente em algum momento, e
ele não se permite errar.

E trabalhar com Bruno, para que ele possa cumprir tudo o


que promete, não é nada mole. A exigência do chefe é exorbi-
tante, a ponto de pessoas que trabalham no mesmo local que
ele sentirem gelo no estômago, ou medo, até descrições de
pavor, quando ele entra pela porta de vidro do escritório. O
homem de 31 anos, de estatura mediana, vestimentas sempre
no mesmo tom, que quase não fala em público, causa tremor
em pessoas, simplesmente pelo silêncio usual, ou pelas
palavras duras e certeiras quando quer ferir. Quem é exigido
diariamente por ele pode ter a certeza de que Bruno sabe
todos os mínimos detalhes do que se passa à própria volta.
Desde quem passa mais tempo no WhatsApp ou quem alonga
o horário do lanche para não entregar o material que deve,
até aqueles funcionários que flertam, que se relacionaram ou
se relacionam intimamente, sem compromisso, ou até ten-

45
dem a levar o relacionamento adiante. Nada lhe escapa aos
olhos. Mas o que ele cobra é trabalho. O resto é detalhe de
convivência.

Apesar de ele saber que existem funcionários medianos e


aqueles que realmente tendem a crescer, Bruno não mede es-
forços para cobrar de quem pode entregar mais. Já houve
vezes em que ele cobrou e o colaborador, a quem ele tendia a
investir profissionalmente, não compreendeu que essa era a
forma de Bruno impulsionar a pessoa a crescer e pediu para
sair da empresa. E já houve vezes – muitas, aliás – que ele
precisou voltar atrás depois de uma decisão tomada de forma
impensada. Ou por não querer que o resultado fosse o mesmo
que o desfecho, ou simplesmente porque acreditava estar er-
rado. Mas poucos ouviram dele um pedido de desculpas.

Até na vida pessoal, ele tem rigor com as palavras e com-


promissos que faz, e por isso mesmo evita fazer promessas
que não conseguirá cumprir. Mas, se firmar algo, vai fazer.
E vai mover céus e terra para que aquilo seja realizado como
ele determinou. Um exemplo disso foi quando decidiu de-
molir o imóvel em que os pais residiam, e que ele morou na
infância, no Setor Santa Genoveva, bairro de Goiânia, para
construir outro. O pai, Luís Celso, foi avisado de que teria
que passar alguns meses em um sobrado no Jardins –
homem humilde, jamais pensara em viver em um con-
domínio fechado, mas suportou o fato por saber que seria
por algo melhor. Bruno planejou tudo, e contou com a
cumplicidade da mãe, Mara Celma, e da irmã. Ele só prom-
eteu aos pais que a casa seria de respeito e que devolveria o
imóvel com muito mais benefícios do que a que seria en-
tregue para demolição.

Pois foi isso que ele fez: devolveu aos pais um sobrado su-
perconfortável, com detalhes de luxo. Mas antes que a casa
que foi derrubada para a construção de outra – num dos
lotes que Luís Celso e Mara haviam comprado em sociedade
com outros três vizinhos, que o dividiram para fazer as
próprias construções – entrasse na fase de acabamento, fal-
tava algo. O empresário havia solicitado a pelo menos três
políticos o intermédio com o poder público para a pavimen-
tação da rua. Esse era um sonho não só dos pais dele, mas
de todos os vizinhos que moravam ali há anos. O que ouviu
foram só promessas. Então decidiu, por conta própria, fazer
isso. Contratou a melhor empresa de pavimentação disponí-
vel no mercado, que entregava o que havia de excelência,
com engenharia de tráfego, criação de redes pluvial e fluvial,
além de quebra-molas, sinalização e tudo o mais. Pagou, co-
brou entrega no prazo e, quando a casa foi devolvida aos
pais, havia asfalto, sinalização, rede de esgoto e de chuva,
além de meios-fios instalados na rua. Não só para os pais,
mas para todos os que moravam e moram ali e transitam
naquela região do Setor Santa Genoveva. Palavra cumprida.

47
Concentração antes de gravar, no estúdio do
escritório, em 2021
7 – Os erros

A
dor no estômago toma conta de repente. A noite, que
era para ser de descanso, se transformara em um mo-
mento de introspecção, com o silêncio sendo quebrado
somente pelo cantar dos grilos que estão no gramado do
jardim, do lado de fora da casa. Ele está sentado numa
poltrona, no canto da sala de estar da casa em que morava no
início de 2021, em um dos condomínios de luxo de Goiânia. Já
deu dois tragos de uísque para tentar fazer o corpo relaxar, mas
o único efeito que teve foi fazer com que o cansaço e a dor
provocada pela gastrite nervosa aumentassem ainda mais. O
homem, que está prestes a ver pela janela da sala da casa o sol
nascer, sabe o motivo pelo qual está assim. Em poucas horas
vai estar diante de uma câmera e vai falar para mais de 25 mil
pessoas num evento para toda a América Latina. O nervosismo
não tem nada a ver com o que ele vai falar, ou como vai se por-
tar frente a esse tanto de gente numa aula ao vivo. Isso ele dom-
ina muito bem, diga-se de passagem. Ele teme problemas com
a transmissão, o áudio, a projeção, a inserção das imagens na
hora certa, enfim, qualquer tipo de situação que fuja do pro-
gramado é um erro. E ele abomina erros.

Antes de qualquer coisa, para se ter noção, ele repassou


tudo, fez pessoalmente um checklist completo do que deve ser
feito por cada membro da equipe durante a transmissão. Dar
a própria cara a tapa e ser vitrine do próprio produto tem um

49
eterno problema: qualquer erro é responsabilidade direta de
quem é visto pelos clientes e, por consequência, o erro não dá
para ser terceirizado. Agir de forma diferente seria o oposto
ao que Bruno faz, e isso acarretaria em mudanças drásticas
de como se comporta e de como age no dia a dia com os seus
colaboradores. Além de se cobrar em demasia, o empresário
hora alguma deixa de cobrar de quem está próximo, para que
tudo saia com perfeição.

Fazer com que todos tenham um alinhamento perfeito e a


máquina seja azeitada o suficiente para chegar onde está hoje,
no entanto, custou caro. Não só financeiramente, com a troca
de membros da equipe que insistiam em erros, decisão
própria sobre qualquer tipo de situação, mas também custou
um pouco da própria saúde física e mental. Ele sequer cuida
do próprio corpo. Apesar de saber a importância de uma boa
alimentação e de exercícios físicos rotineiros, práticas que
ajudam a aumentar a longevidade, ele simplesmente as ig-
nora. É movido a trabalho, a todo tempo e em todo lugar. Não
para um só segundo, por conta da inevitável vontade de saber
se algo pode ser melhorado, alguma ideia pode ser implemen-
tada ou um problema pode ser resolvido de forma mais rápida
e sem causar tanto prejuízo.

O erro maior de Bruno talvez seja o de não prestar


atenção no que faz com ele mesmo, porque se dete-
riora emocionalmente com base nos problemas que
acarreta para si, a exemplo de hora ou outra ter a
necessidade de dormir com o uso de remédio que
tem ação hipnótica, ou com os estouros de humor,
elevados por qualquer que seja a razão. Além disso,
são incontáveis as vezes que a alimentação bal-
anceada, saudável, que proporcionaria uma melhor
digestão e, por consequência, um dia mais tran-
quilo, é trocada por um macarrão instantâneo antes
de se deitar.
Evitar levar as situações mais complicadas para o vínculo
familiar, como um contratempo com um dos filhos e a incom-
preensão do adolescente com algo que pode ser explicado com
uma conversa, e esperar que o tempo cure atritos com quem
ele gosta fazem parte do modo de ser dele. A criação baseada
em pouco diálogo levou à formação da personalidade sucinta,
com menos proselitismo através da oratória. O que, para
muitos, pode ser considerado como falta de zelo com as re-
lações ou egoísmo. Mas não, enquanto fica calado, quieto e
espera o tempo curar e a outra pessoa compreender a situação
por outra perspectiva, o sofrimento o corrói.

Sem se ater hora alguma à fortuna que conseguiu amea-


lhar, Bruno se desloca da própria casa, onde estiver e à hora
que der vontade, e vai até uma lanchonete humilde, de rua
– só pelo real prazer de ter paladar afetivo –, no Setor Urias
Magalhães, região em que foi criado. Sem pompa, ele com-
pra o sanduíche de preferência, entra de volta no carro e vai
embora, para comer em casa. Ele sabe que o valor do lanche
não paga o combustível do deslocamento. Sabe também que
pode comprar os melhores pratos da cidade, e tem condições
de fazê-los chegar à própria mesa somente com um pedido
pelo aplicativo do celular, mas é isso: pelo simples prazer de
se ater às origens, ele não sai do chão. Come o sanduíche
barato, mata a vontade, e se mantém o homem de sucesso.
Qual o motivo de contar isso aqui? Porque isso faz parte de
sua essência!

51
Primeiro escritório da Mister Ins Cursos, em 2017,
onde tudo começou
8 – A reconstrução

M
adrugada de domingo. Dois rapazes de 18 anos, em
um carro de passeio em plena rodovia federal,
ouvem uma música no som digital do veículo. Era
verão de 2008. Apesar da estação do ano, a região onde eles
transitam é mais fria que o restante do País, embora um mor-
maço úmido faça parte das características do local. Em algum
lugar entre Foz do Iguaçu e Medianeira, pela BR-277, um
posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com um único
agente da força de segurança, que faz a parada da dupla que
ocupa o veículo.

O protocolo do policial é seguido à risca. Com arma em


punho, pede a documentação de ambos, do veículo, e ques-
tiona o motivo de dois ocupantes de um carro com placas de
Goiás transitarem pela região. Com dúvidas sobre a resposta
que obtivera, o patrulheiro pede que desçam e aguardem no
acostamento da rodovia, e acompanhem a vistoria veicular.
Antes de prosseguir, entretanto, o policial pergunta: há dro-
gas, ou algum produto ilícito no carro, ou algo sem nota fis-
cal? A resposta que ouve não poderia ser mais sincera: “Ilegal,
não, nem drogas. Agora, sem notas, temos alguns celulares.”

Imediatamente, o policial vai até a carga, com a certeza de


que seriam muitos os produtos, pois era de praxe realizar
apreensões milionárias ali. Mas se decepciona: havia apenas
R$ 800,00 em mercadorias. Esse era o valor da primeira

53
compra, principalmente porque a dupla que burlava as leis
fiscais não tinha mais dinheiro para investir na empreitada.
E para ter essa quantia, um dos rapazes havia deixado o
próprio celular penhorado num empréstimo. O policial fica
calado alguns minutos, por certo no aguardo de alguma pro-
posta indecente. Mas, da mesma forma, os dois também se
silenciam. Sentem medo de falar qualquer coisa e se com-
plicar ainda mais. Temem ser presos por qualquer que seja o
detalhe. Bruno, ainda mais. De repente, o silêncio, que só era
quebrado pelos carros que passavam pela rodovia metros à
frente, é rompido entre a autoridade e os suspeitos. “Quer
saber? Vamos dar um jeito nisso. Eu dou uma ajuda a vocês,
e vocês me ajudam. Está na cara que vocês são trabalhadores,
e lutam para sobreviver e comercializar. Não tenho o mínimo
interesse em ferrar com vocês. Eu ajudo, libero vocês, e deixo
que vão embora”, disse o policial.

Na hora, sem pensar duas vezes, um dos rapazes se levanta


da cadeira em que está sentado, respira fundo, entende tudo
o que acontece no momento, vai até a mesa onde os celulares
se encontram e, antes de tocar na mercadoria que comprara
com os sacrificados R$ 800, pergunta ao agente de segurança
se tudo seria apreendido para que eles fossem liberados.
Houve uma resposta negativa. Então, pega o melhor aparelho
telefônico que havia comprado e deixa em cima da mesa.
Agradece, e diz: “Também vou te ajudar. Este é seu.”

Essa não foi a única vez que Bruno viajou ao Paraguai para
comprar mercadorias para revender no Brasil. Claro que nem
todas as vezes os produtos eram taxados corretamente, como
manda o protocolo, e, como muitos brasileiros, ele se ar-
riscava e tinha perdas. Desde valores menos expressivos a
situações em que a mercadoria toda ficava apreendida, ou se-
quer era alvo de fiscalização. Certa vez, rodeado de fiscais e
agentes de polícia em uma delegacia, ele, de cabeça baixa,
toma um susto imenso ao perceber que está acompanhado
por um bode. Sabe-se lá o que o bicho fazia dentro de uma
delegacia! Mas o fato é que os policiais haviam apreendido a
mercadoria que Bruno e o amigo traziam, e eles sabiam que,
se os agentes dessem sequência ao protocolo, teriam até de
pagar multa posteriormente.

Naquele instante, uma pessoa ofegante de tanto cor-


rer, entra na sala principal do Distrito Policial e grita
que precisava de socorro, porque havia um incêndio
em andamento e não sabia mais o que fazer para apa-
gar as chamas. Já sem vergonha, sagaz e possuído de
muito menos medo – do bode e das autoridades poli-
ciais –, Bruno dá a cantada: “Quer que a gente ajude
vocês?” Recebe uma negativa, mas se sente bem por
ter tentado. No final, a proposta é aceita e ele ajuda a
apagar as chamas de um pasto num pequeno sítio.
Quando retornam à delegacia, os policiais dão sequên-
cia ao procedimento e “apreendem” uma quantidade
de mercadoria interessante. O resto, eles deixam que
Bruno e o companheiro levem dali, antes mesmo que
qualquer procedimento seja instaurado.

Qualquer coisa que se pareça com perda é, para Bruno, um


risco. Isso porque o investidor está suscetível, e cabe a quem
comercializa – não a quem vende, porque existe uma dife-
rença enorme em apresentar um produto, precificar e
aguardar o aceite do cliente, em vez de fazer com que o con-
sumidor obtenha aquilo pela necessidade, atrelada à im-
portância de saber o que consome, e ciência de que paga o
preço que o produto merece – a opção de ser conservador ou
arrojado. Mas para o empresário, o conservador jamais vai
ter condições de observar um prejuízo como aprendizado.

Quando se tem pouco, qualquer perda é de grande repre-


sentatividade. É a esse contexto que a última ida ao país dos
hermanos está associada. Seguida de um dos maiores pre-

55
juízos, observadas as proporções do que Bruno tinha à
época. Em um carro sem documentação em dia, com o din-
heiro contado para se alimentar na estrada, comprar as
mercadorias e retornar a Goiânia, correndo o risco de
perder os produtos para a fiscalização aduaneira, Bruno, ao
lado de um amigo, seguiu até a Ciudad del Este, onde faria
um dos maiores investimentos da vida: iria adquirir, de
uma só vez, 200 pen drives. Os produtos, comprados a
preço de banana no país vizinho, entrariam sem pagamento
de taxas para tal, e, na capital goiana, seriam revendidos
por valores muito superiores aos que haviam sido adquiri-
dos, o que daria para pagar os custos da viagem, e o valor
do investimento teria um retorno líquido que superaria os
150%. Apesar de todos os riscos envolvidos, como ser en-
quadrado em um crime fiscal e quanto às irregularidades
do veículo, além do perigo nas estradas federais e estaduais
no percurso do Paraguai até a chegada à capital do Estado
de Goiás, ele não esperava que fosse ter uma das maiores
decepções com a compra efetuada.

Depois de fazer a primeira entrega das mercadorias impor-


tadas, uma ligação telefônica daria um banho de água fria no
jovem investidor. Ele receberia a informação de que a mer-
cadoria estava com algum tipo de defeito. Até mesmo porque
mais de um dos clientes do dono dos pen drives havia feito a
mesma reclamação. Era como se estivessem queimados,
porque os dispositivos de armazenamento de dados simples-
mente não eram identificados em computadores, quando plu-
gados às entradas USB. Bruno, então, resolveu fazer o teste
com um dos materiais comprados por ele. Nada. Ele abriu
outra embalagem e a mesma coisa aconteceu. Foi então que
decidiu observar dentro do equipamento, para tentar ver o que
havia acontecido.

O pen drive, que existe em quase todas as casas brasileiras,


é formado por uma Placa Eletrônica Circuito Impresso, feita
com trilhas condutoras de dados em cobre, que levam as in-
formações de um componente a outros. O que poderia ter
acontecido, provavelmente, seria a diferença de voltagem, que
em Goiás é 220v e a dos dispositivos, 110v. Mas não foi isso.
As placas, que são de coloração verde, não tinham absoluta-
mente nada em cobre. Nenhum ponto do material eletrônico
ligava a outro. Ele havia, quase que de forma literal, com-
prado gato por lebre. Levou um golpe.

Desde as perdas a caminho do Paraguai, outras mais


vieram. Em aeroportos, foram duas vezes. Um dos casos
aconteceu quando ele decidiu investir tudo o que tinha em
mercadorias que deveriam ser trazidas dos Estados Unidos
da América, parte taxada e outra, não. Além dele, quem em-
barcou rumo à terra dos Ianques foi Júlia Gregório. Tudo
certo por lá, ela fez as compras como o programado e em-
barcou de volta ao Brasil. Mas a mercadoria foi toda retida
pelos fiscais aduaneiros. Bruno nem tentou negociar, ou ar-
rumar formas de recuperar o material, pois sabia que estava
errado. Além disso, o valor em impostos e das multas ficaria
muito maior do que o lucro que teria. Era necessário rever
todo o processo de trabalho, porque, naquela ocasião, a loja
física da Mr. Ins ficaria sem estoque disponível. Fechar as
portas da estrutura física era algo inevitável. Tudo o que es-
tava exposto foi colocado em caixas e levado para o aparta-
mento onde Júlia e Bruno viviam, no Jardim Goiás.

A partir de então, tudo era comercializado de forma digi-


tal, pelas plataformas disponíveis à época, em 2018. Redes
sociais, site, enfim, tudo era feito de forma massificada, para
render resultados e fazer as entregas aos clientes por todo o
Brasil. Da sala do apartamento, tudo era encaminhado para
quem quer que fosse e de onde o pedido viesse. Esse foi só
um dos recomeços de Bruno, que em várias oportunidades
teve de reconstruir os próprios sonhos.

57
Ao montar a escola de aviação em Goiânia, logo depois
de perceber que o curso para aviador era bom, ele
aproveitou a oportunidade para fazer melhor do que era
feito por quem fornecia os ensinamentos a quem queria
obter o brevet. Convocou os melhores professores e instru-
tores disponíveis no mercado e garantiu-lhes uma boa re-
muneração para ministrarem as aulas. Além de pagar as
aulas práticas para fornecer aos alunos, ainda disponibi-
lizava simuladores com a mais alta tecnologia disponível
no mercado. Mas, aos poucos, esse mercado não abria mais
possibilidade de crescimento. Ele desistiu.

Uma das últimas reconstruções do empresário


aconteceu no início de junho de 2021. Logo que fez
um lançamento para um grupo seleto de alunos da
Academia de Importação, assim que as inscrições
começaram a ser realizadas, algo errado aconteceu.
O valor previsto para entrar com as matrículas,
pagas por meio de cartões de crédito e boletos, su-
perou – e muito – o que a equipe esperava. Isso cau-
sou pânico em Bruno, que sabe que dinheiro não cai
do céu e o que ele esperava era muito inferior ao
que não parava de cair na conta. Ele mesmo se colo-
cou diante das programações da plataforma digital
para tentar desvendar o mistério. Resultado: o
curso, que fora desenvolvido para poucas pessoas,
estava com um número maior de matrículas
disponibilizadas. Um membro da equipe havia se
enganado. Bruno reuniu uma equipe durante a
madrugada e apontou essa falha. Pela videocha-
mada, ele gritava com os companheiros, sócios e co-
laboradores: “É a minha cara que está diante de
todos, é o meu rosto que eles veem prometer algo.
Se algum débil elabora a plataforma errada, fode
com o que prometi. Resolvam!”
As palavras de ordem foram ditas durante cerca de um
minuto e meio sem parar, sem ninguém ter a chance de falar
algo. Até que um dos colaboradores, percebendo o que havia
acontecido, disse: “As vagas, que eram limitadas, agora foram
abertas, e o pessoal não para de se inscrever.” A determinação
veio em seguida: “Nós não esperávamos esse dinheiro na em-
presa neste mês, e este dinheiro não é nosso. A minha credi-
bilidade vale mais. Devolvam o excedente para quem
acreditou e se inscreveu depois”, deliberou o homem ao
perceber que o problema poderia acarretar na dúvida sobre a
palavra que havia dado durante o anúncio da abertura da
turma. Foi essa a forma mais cordial e leal que havia encon-
trado para se desculpar com quem se comprometera a apren-
der com ele: assumir o que acontecera internamente na
equipe e trazer o prejuízo para si.

59
Uma das garagens, em 2021
9 - Solteirão
(até quando?!)

S
e questionado sobre sua vida amorosa, a resposta será
sempre a mesma: “Muito boa, obrigado!” Mas todos que
convivem com Bruno sabem que ele vive um grande
dilema. Está em dívida com a noiva, que espera o dia do casa-
mento. Os dois se conheceram por meio de um amigo em
comum, que os convidou para um evento simples na própria
casa. E foi nesta pequena reunião que surgiu algo entre eles.
O homem magro, de estatura mediana, bem apresentável, não
parava de olhar a menina bonita e de conversa inteligente. E
foi então que o galanteador partiu para cima. No evento, foi
gentil, se mostrou presente, disponível, mas não se furtou a
pedir-lhe o telefone. E não esperou passar mais de um dia
para fazer o primeiro contato. Revelou a ela o seu interesse e
a jovem deu-lhe abertura, o que abriu a oportunidade para
que se conhecessem melhor.

A moça, de família bem diferente da de Bruno, sentiu que


estava diante de um dos seus maiores desafios: aprender e se
adaptar a uma relação com um homem totalmente distinto
de todos os seus familiares. Ao ter acesso à família dela, Bruno
começou a entender como seria estar em um círculo de pes-

61
soas com costumes tão diferentes aos que ele era acostumado.
Se a família Pereira educava os filhos com regras tão certas,
para que se tornassem independentes e individualistas, a
família de Júlia Gregório não tinha esse tipo de criação. Ali,
todos sabiam de tudo o que se passava com cada um dos in-
tegrantes. Quando havia atritos, existentes em todo círculo
familiar, a família de Bruno ficava magoada a ponto de se dis-
tanciar entre si; já do lado de lá, parecia que eles simples-
mente esqueciam as divergências, e no final de semana já
estavam todos juntos novamente.

Bruno, que sempre fora reservado, comedido em todas as


situações, inclusive em relação a bebidas alcoólicas, estava di-
ante de uma família composta por pessoas liberais, mas que se
respeitavam, e que, mesmo dentro dos padrões de responsabi-
lidade, tinham a bebida como diversão. No início, durante os
eventos ou períodos de visita à casa de Júlia, ele ficava quase
todo o tempo com a mesma cerveja na mão. Era um meio de
socializar, porque odiava qualquer coisa que o fizesse sair de
si, ou perder o controle. Em casa, com Júlia, ele até se soltava
mais, bebia mais, mas era ela quem chutava o balde, e quase
sempre era cuidada no final.

Aos poucos, o namoro dos dois foi se transformando em algo


mais sólido e Bruno começou a participar à moça as decisões
que tomava na vida, apesar de não pedir muitas opiniões. Ele
meio que tentava enganá-la quanto a isso, e Júlia sabia que, na
realidade, era uma forma de fingir que ela participava dos
negócios. Quando já havia comprado um novo carro, pergun-
tava a ela o que achava do modelo X ou Y, e deixava que
opinasse. Então, dias antes de o veículo chegar, dizia: “Sabe
aquele carro que você disse ser bonito? Pois é, comprei um.”

Mas não foi aí que a parceria começou. A história teve início


quando Bruno ainda tinha uma escolinha de aviação. Daí em
diante, ele criou a Mr. Ins, e Júlia o ajudava com a loja física e
virtual. Foi ela quem se propôs a ir com ele para os Estados
Unidos para comprar produtos importados e trazer para
vender no Brasil. A mulher também se propôs, no início de
tudo, a perseguir, no País dos Ianques, o sonho que os dois
haviam planejado juntos. Era com sacolas cheias de compras,
e com o dinheiro contado para pagar o metrô e as despesas
básicas diárias, que ela seguia firme com ele. E mesmo com o
sonho de se formar em Psicologia, apesar de muita gente da
própria família não aceitar essa formação, Júlia ouviu de Bruno
o incentivo para que começasse e terminasse a faculdade, e de-
pois se especializasse – mesmo ele sempre negando para si a
importância de se formar em qualquer curso superior, já que
fazia, e muito bem, tudo o que se propunha a realizar.

O namoro, que já era quase um casamento, pois moravam


juntos, passou por uma separação. Na época, Bruno foi para os
Estados Unidos para passar uma quantidade de dias certos,
mas ficou meses por lá. Foi aí que Júlia resolveu chamar a sua
atenção e colocá-lo na parede para que tomasse uma decisão.
Cabeça-dura, ele discorreu sobre a importância de ficar nas ter-
ras estrangeiras por conta dos negócios, que estavam indo de
vento em popa, e, então, decidiram pelo término.

Mas Bruno não tem facilidade para encerrar os ciclos, assim


como já está escrito em algum lugar nesta obra. O que acon-
teceu a partir daí foi a retomada do relacionamento e, logo
depois, o noivado. Ele simplesmente propôs casamento à
namorada, para deixar clara a intenção que tinha em relação
a ela. E lá se vão alguns anos desde esse fato. Mas uma coisa
eles definiram depois do noivado: viver em casas separadas.
De vez em quando, um vai para a casa do outro, mas, morar
juntos, só depois do enlace matrimonial. Ela sonha com uma
cerimônia simples, sem pompa, no que é estimulada pela
própria família de Bruno, inclusive pelo pai, que na última
mensagem pelo celular que tocou no assunto recebeu uma
resposta curta: “Estou bem, obrigado!”

63
Assinatura de mais um contrato, em 2021
10 – (quase)
Nada é emoção

A
tarde era de domingo, e ele não parava de imaginar a
reunião que teria no dia seguinte. Estava agendada
para as 15 horas, mas a ansiedade tomava conta de
Bruno. Em questão de horas estaria diante do segundo cantor
mais ouvido do Brasil em 2020 e mais reproduzido na
América Latina, e fecharia um contrato em negociação há al-
guns dias. O que estava prestes a ser selado, um acordo com-
ercial de quase R$ 2 milhões, se tratava do maior contrato já
firmado pela Mr. Ins. Foi nesse momento que percebeu o
quanto a capacidade de negociação da empresa, e até dele
mesmo, estava em um patamar elevado. Fechar o contrato
com esse artista parecia uma missão quase impossível, já que
a possibilidade de dar certo se mostrava bem reduzida. O em-
presário dele já havia deixado clara a probabilidade de o negó-
cio não evoluir. E foi pela conversa de Matheus, aliada à
estratégia de Bruno, que tudo fluiu. Aquele seria o garoto-pro-
paganda escolhido pela Mr. Ins.

Para conseguir acesso ao artista, no entanto, foi uma pere-


grinação. Bruno queria contratar alguém que tivesse nome,
passasse credibilidade e que também fosse conhecido pelo
público-alvo da empresa. Foi então que a busca pela pessoa
certa começou. E, diante de vários nomes indicados, surgiu

65
o do cantor que estava em ascensão, e tinha, naquele ano, o
álbum mais tocado do País, segundo informava a plataforma
Spotify. No entanto, ele era quase que inacessível, e a con-
versação se iniciou com empresários. Para convencê-los de
que a empresa era realmente capaz de cumprir com o con-
trato, os valores de lucros apresentados anteriormente se-
riam sensivelmente adequados para uma realidade que só
aconteceria no futuro, quando o negócio já estivesse fechado
e em rendimento. Deu certo, tanto que o contrato perdurou,
e a campanha foi colocada no ar. Mas o contrato foi encer-
rado de forma amigável, pois o artista, que passava por
problemas pessoais, não conseguiu entregar o conteúdo.
Esse foi o principal motivo para a rescisão contratual, que
foi parar na esfera judicial.

Mas a negociação com o então artista, para que


aceitasse ser o garoto-propaganda da empresa,
exigiu estratégias quase que de guerra para que
fosse efetivada e para que chegasse ao resultado es-
perado. A intenção era faturar uma cifra milionária,
com a divulgação do curso Academia do Instagram
por meio da imagem do artista. Para além disso,
havia um detalhe a que ninguém havia se atentado:
é que poucas pessoas tinham acesso à casa do
artista, que vivia numa chácara na cidade de Bela
Vista de Goiás. Até o primeiro semestre de 2021,
apenas três empresários haviam ido ao local para
tratar de negócios. O primeiro, o dono de uma rede
de lojas de departamentos, que tem uma estátua gi-
gante como marca registrada. O segundo, o dono da
maior cervejaria do mundo, que trataria da divul-
gação das marcas que produz. E o terceiro, o goian-
iense Bruno Pereira. Mesmo que a parceria do
negócio tenha sido encerrada meses depois, por
questões comerciais, a porta para novos projetos
juntos, ficou aberta).
Esse é um dos exemplos de negócios de grande proporção
que Bruno já fez e faz. Ele acredita que ter grandes aliados o
coloca em lugares grandes e que é isso que faz com que
tenha condições de atingir proporções ainda mais rele-
vantes. Por essa razão, prefere trazer para ter participação
nos cursos, em módulos, pessoas de alto calibre e que ten-
ham alto grau de relevância no cenário, e está ciente de que
essa forma de conduzir os negócios foi que gerou o resultado
positivo que a Mr. Ins apresenta hoje.

67
Enquanto ministra aula, na Mr. Ins, em março de 2021
11 - Silêncio

A
cara fechada do homem deixa clara pouca vontade em
trocar qualquer tipo de diálogo com quem quer se seja.
Isso não é empatia, pelo contrário, ele sente e percebe
todos os lados do assunto, mas se reserva ao silêncio da maio-
ria das vezes. Ao invés de, muitas vezes expressar tudo o que
se espera que seja dito, um feedback, ou simplesmente uma
opinião, ele cala. Não diz nada. Omite o que pensa. Porquê?
Essa não é uma dúvida de uma, ou uma dezena de pessoas:
na verdade, quase ninguém consegue explicar o que se passa
na cabeça desse homem, quando ele se cala diante de alguma
situação que lhe é imposta.

O misterioso mundo que ele vive, em particular, é total-


mente oposto do que ele prefere apresentar diante da câmera
de um celular, enquanto faz stories, ou grava aulas que serão
consumidas on demand, via Web. O homem desenvolto,
falante, nada tem a ver com Bruno Pereira, que fica horas
calado, sem dar uma palavra sequer, mesmo em meio a qual-
quer caos. O enigma que ele carrega consigo, enquanto o
silêncio toma conta, atormenta qualquer pessoa que esteja
com ele e não tem o hábito da convivência.

Mesmo com todo o silêncio pertinente, de repente ele


anuncia uma medida a ser tomada, seja qual for o efeito que
causará. As ações que são desenvolvidas por ele, imaginadas

69
como sendo guiadas pela emoção, têm, no entanto, outro
tipo de percepção. Quem passa a conhecer Bruno sabe que
há uma vasta possibilidade de ele tomar alguma medida por
impulso, durante o trabalho, ao tratar de algum assunto com
alguma pessoa. As percepções de falhas, no entanto, são o
que mais movem o emocional do homem, que muda com-
pletamente a feição e fica ainda mais sério, irritadiço, e
chega a dizer coisas sem pensar – o que pode gerar, em
muitas oportunidades, resultados catastróficos, como o pe-
dido de demissão de pessoas que irão fazer falta até certo
ponto para o andamento de alguns projetos, ou atritos inde-
sejados que poderiam ter sido evitados.

Quando vai fazer algum investimento, fica em


um silêncio estarrecedor. Nessas horas, apenas uma
pessoa, em toda a vida de Bruno, é consultada:
Matheus, que é o único que sabe quando surge al-
guma ideia de comprar algo. E é a mesma única pes-
soa que lhe dá conselhos e opiniões. Como estratégia
própria e individual, o empresário aproveita o silên-
cio, como se seguisse o ditado de que ‘tudo o que
ninguém sabe, ninguém estraga’. Isso não ficou
muito claro, porque ele só fala que não admite que
opinem sobre as decisões que toma, nem sobre
como conduz a própria vida. Se for para comprar
um carro novo, seja de qualquer valor, a certeza que
se pode ter é: ele planejou antes, e analisou todos os
pontos positivos e negativos do cenário. O mesmo
acontece quando compra um apartamento novo
para colocar de aluguel, ou quando adquire uma
moto de alto valor, sem nem mesmo saber pilotar. E
quando, sem sequer conseguir dedilhar um pouco,
compra um piano de cauda e o coloca na sala de
estar de casa. Nem precisa entrar em detalhes, ele
sabe o que faz.
Mas quando se trata de tomar uma decisão de negócios, o
empresário é frio e calculista. É inegável que, por simples-
mente chegar e determinar a execução de algum projeto,
quase todos imaginam que tenha agido num rompante, sem
sequer pensar antes. Mas quando ele resolve investir em algo,
todos os resultados positivos já foram planejados, assim como
as probabilidades de desfechos negativos e de surgirem novas
possibilidades de ganhos a partir daquela definição. Tudo é
minimamente calculado, e Bruno é um homem que se fez
para executar qualquer tipo de negócio. Se ele decidir colocar
a mão é porque já visualizou todas as alternativas muito
antes, em pensamentos, e ao resolver colocar aquilo em
prática, movimenta para que a equipe, formada por profis-
sionais de alto gabarito, realize o que foi esquematizado.

71
No Paraguai, buscando pen drives: golpe que levou dos
hermanos, durante uma das tentativas
12 – Mentira
“categórica”

A
ponta da caneta tinteiro Montblanc de quase R$
10.000,00 passa com leveza e precisão sobre a linha
fina que está em cima do nome completo de Bruno
Henrique Rodrigues Pereira, impresso no final da página de
papel A4. A firmeza da mão que carrega no pulso um Rolex
analógico, de ponteiros em ouro branco, base em cor azul-
marinho e horas marcadas em algarismos romanos, deixa
clara a certeza de que ele não tem o mínimo de dúvidas sobre
o que faz. Quem assina o contrato fala algo com as pessoas
que estão em volta da mesa. O assunto não tem nada a ver
com o que está escrito nas páginas do acordo profissional. A
tranquilidade que o homem sugere nada tem a ver com o que
se passa na cabeça dele, que é um turbilhão de ideias, possi-
bilidades e alternativas do que aquela situação presente
poderá se transformar no futuro.

Do outro lado da mesa, em uma das pontas, está o em-


presário de um dos famosos mais badalados do cenário artís-
tico. Ele não faz ideia de que abrira mão da assinatura de
contrato com um concorrente de Bruno para fazer o acordo
com a Mr. Ins por conta de uma mentira. Durante a negocia-
ção, no entanto, para justificar a condição do contratante, uma

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peça com os dados de lucros anuais da empresa teve de ser al-
terada de forma categórica. Ao invés dos números reais, 50%
dos valores apresentados haviam sido inflacionados. Era para
mostrar o poder de negociação. Mas um detalhe precisa ser
revelado: nem quem fez parte dos processos antes da assi-
natura desse contrato sabia. Esta era a estimativa por baixo do
que o negócio renderia de lucro só para o contratante. Então,
feito o negócio, em menos de um mês a Mr. Ins teve um au-
mento quantitativo do capital, que superou – e muito – aquilo
que foi ‘inventado’ para a assinatura do contrato.

As mentiras contadas por Bruno não chegam ao ponto de


causar prejuízos. Na verdade, são projeções daquilo que está em
acordo. Se é um mentiroso? Ele responde que todo negociador
é um pouco mentiroso, e que não se considera um vendedor,
mas um negociador, e as fontes ouvidas durante a apuração jor-
nalística para a criação desta obra revelam: e não é de hoje.

Se for comprar algo, pode ter a certeza de que ele vai fazer a
negociação de forma que leve vantagem. A base da conversa
pode ser toda verídica, mas, através de artimanhas, ele vai fazer
com que o valor do bem fique muito mais baixo que o pedido
inicialmente. Isso aconteceu em junho de 2021, quando re-
solveu comprar um carro por R$ 2,3 milhões. O valor inicial
era R$ 2,7 milhões, e ele deu um jeito de fazer com que uma
loja concorrente da concessionária em que sempre adquire os
veículos fosse instrumento para que o preço fosse reduzido. Ao
visitar a outra concessionária, gravou um vídeo, que nem
chegou a ser postado nas próprias redes, e o encaminhou ao
gerente de onde a negociação havia sido iniciada. Disse que
tinha encontrado um preço muito inferior ao que ele pedia,
mas que só compraria em outro local se ele não se disponibi-
lizasse a fazer o carro por menos. Resultado: negócio fechado.

Quando em Portugal, ainda na adolescência, durante a se-


gunda ida ao país, Bruno só tinha como diversão a Rede
Mundial de Computadores. Pela Internet, ele visitava países,
conhecia culturas, estudava assuntos de seu interesse, e tinha
a possibilidade de socializar com outras pessoas. Afinal de
contas, pela Internet, não se pagava nada, e um dos proble-
mas enfrentados pela família Pereira era a falta de dinheiro.
Todas as despesas eram restritas aos gastos básicos e Bruno,
prestes a completar a maioridade, não tinha outra fonte de
renda que não fosse o que a família lhe proporcionava. Foi
através dessas redes sociais da época, um misto de Orkut e
MSN Messenger, que teve a possibilidade de conhecer uma
moça do Brasil. Do Paraná, para ser mais claro. A conversa
fluiu, e um ‘namoro virtual’ aconteceu nos moldes do que a
tecnologia da época era capaz de possibilitar.

Quando saiu das terras tupiniquins rumo a uma


“nova vida”, a família evitou se desfazer do que tinha,
justamente para ter condições de voltar no caso de
uma desilusão. Quando Bruno retornou da segunda
ida ao Velho Continente, já maior de idade, tinha uma
certeza: iria ver a moça pessoalmente, e fazer com que
o namoro deixasse de ser tão virtual. Acontece que não
tinha de onde tirar dinheiro, e foi na sala da casa que
viu a solução. Lembrou que parte do computador da
família era dele: a mãe teria pago 50%, e ele o resto.
Mas foi numa mentira que o rapaz foi pego.

Ele havia dito que faria uma viagem a São Paulo, porque
teria encaminhado currículos para a seletiva de uma empresa,
que teria se interessado por ele e que queria entrevistá-lo.
Sem dizer como faria para pagar a passagem, a mãe dá por
falta, de repente, do aparelho eletrônico. Bruno havia ven-
dido. Mara Celma entrou em desespero com o sumiço do
computador. Antes mesmo que Bruno retornasse da rua, en-
quanto fazia a negociação, ela ligou para a delegacia do bairro
e chamou os policiais, que foram até a casa para ouvir o que
a mulher tinha a dizer. Entenderam que não se tratava de um

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crime, já que ele havia vendido algo que também era dele, mas
fizeram o seguinte: deixaram para Bruno uma convocação
para que fosse até o Distrito Policial.

Quando chegou à delegacia, lá estava a autoridade policial,


que lhe questionou sobre o ocorrido. Bruno respondeu que
havia vendido o computador que tinha adquirido em so-
ciedade com a mãe, e que teria comprado outro, só dela, pela
metade do preço que o anterior custava. O delegado entendeu
todo o caso e o liberou.

E quanto à viagem programada para o Paraná, ele realizou o


desejo de conhecer a moça pessoalmente, depois seguiu de volta
para Goiânia, pois percebera que o relacionamento não seria du-
radouro. Segundo ele, valeu a experiência e toda a história.

Assim que retornou, sozinho, ao Brasil, sem ter o que comer e


nem dinheiro para comprar algum alimento, ele ficava horas
imaginando como faria para conseguir a próxima refeição. E foi
então que, com a ajuda de um amigo do bairro humilde onde
vivia, decidiu criar uma campanha para arrecadar alimentos
para quem tem fome. Daí em diante, surgiu um desafio: con-
seguir fazer com que as pessoas a quem eles iriam pedir comida
sentissem confiança no que eles diziam. O uniforme do Clube
dos Desbravadores, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que
Bruno já não frequentava desde que engravidara uma jovem
antes do casamento e o pastor o rejeitara, foi ideal para o intento.
Alguns itens do uniforme, como chapéu, faixa e cinto, ficaram
com o amigo. Ele colocou a camisa, a calça, o sapato, e foram
para as ruas. Pediam alimentos e davam a justificativa de que a
ação era da igreja, para ajudar pessoas que estavam em situação
de vulnerabilidade.

O rapaz conseguiu muitas doações, e os inocentes da vizin-


hança jamais desconfiaram que o gesto era para colocar co-
mida na mesa de quem pedia.
13 – Dinheiro
traz Dinheiro

B
runo Pereira ostenta um alto padrão de vida. O homem
que vive do que vende por meio da Internet, dos negó-
cios imobiliários, investimento em artistas e produtos
físicos da própria marca mora em um condomínio de luxo
lotado de vizinhos famosos e é dono de uma Ferrari que su-
pera os R$ 2 milhões, além de outros tantos carros na
garagem, que, somados, dão muito mais que o dobro desse
valor. Isso tudo causa estranheza em quem não leva o mesmo
padrão de vida. Entrar na sala da casa dele e ver um piano
preto, de cauda, e observar que todos os detalhes de onde ele
reside são automatizados é um choque de vivência. Abrir as
portas dos armários de roupa e notar as marcas diversas e de
alto valor, fora as que ainda nem tiveram a etiqueta removida,
os tênis que custam salários inteiros de pais de família, causa
ainda mais o sentimento de também querer prosperar na
vida.

Esse é o segredo do mestre dos ‘pequenos gafanhotos’,


como o intitulam os próprios seguidores e alunos na Internet.
Quando ele mostra a quem tem vontade de investir e se tornar
gigante o que já conquistou, por efeito de osmose, quem o
acompanha toma para si as ideias e o que ele aponta como
solução viável para se conquistar os objetivos. A ideia é jus-
tamente mostrar o quanto ele tem e o que é possível fazer para

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que os seguidores possam alcançar objetivos palpáveis em
termos de patrimônio e dinheiro. E, claro, todos os que o
seguem querem prosperar na vida, e observam nele um
padrão a ser seguido, já que lutou e conseguiu conquistar tudo
o que queria e tudo o que o dinheiro pode comprar.

Apesar de ele ser tolhido – e permitir isso apenas a


uma pessoa que o cerca – pelo amigo e sócio Matheus
Peixoto quando se propõe a fazer gastos altos para
manter o padrão de ostentação via web, ele planeja
para o final do segundo semestre de 2021 a compra
de uma aeronave. Para quem não sabe, jatinhos par-
ticulares são, normalmente, adquiridos em so-
ciedade, já que são de usos muito específicos e têm
valores exorbitantes. Como nem todos os donos pre-
cisam utilizar o automotor ao mesmo tempo, há
disponibilidade para que o veículo fique em ma-
nutenção e sirva a todos que o compraram. Tempos
atrás ele quis adquirir um avião que custava 1,2 mil-
hão a cada uma das quatro partes societárias. Mas foi
impedido. É que Matheus justificou não ser ainda a
hora para uma compra tão alta, sendo que Bruno
nem viaja com frequência. Mas o empresário não
tirou a ideia da cabeça.

O projeto do chefe dos gafanhotos é que até o final do ano ele


já tenha um avião estacionado em um dos hangares da capital
de Goiás. Só que, para isso, não seriam só R$ 1,2 milhão, mas
quatro ou cinco vezes esse valor. A ideia é fazer com que a
própria aeronave se pague: seja com o transporte de pessoas
que precisam dos serviços e alugam o veículo ou com a osten-
tação do patrimônio através das redes sociais, o que faz com
que mais gente queira prosperar na vida e consuma ainda mais
o que ele tem para ensinar e oferecer nos cursos sobre impor-
tação, sobre como criar tráfego pago pela Internet, ou como ser
um empreendedor por meio das redes sociais. O que mais
chama a atenção é a vontade que os seguidores dele têm de
prosperar na vida e a gana que têm em se transformar em pes-
soas de sucesso: tudo a favor, claro.

Assim ele faz com tudo o que tem. As coisas se pagam nat-
uralmente: o dinheiro vai chegar, e nem sempre ele precisa
fazer retiradas do patrimônio que já construiu, já que os ob-
jetos adquiridos irão proporcionar grandes outros negócios.
Ter dinheiro, ostentar, comprovar que as pessoas podem
crescer – se não na mesma proporção, mas podem ter inde-
pendência financeira com os investimentos nos próprios
negócios – são a forma mais clara que o perfilado tem de
atrair novos negócios, novos alunos, de vender o que sabe, e
de estar próximo ao que prega.

Quanto às conquistas e o que mais o faz feliz, quando se


refere a dinheiro é quase que um salto de uma ideia à outra.
A dicotomia surpreende porque, se por um lado há a ex-
posição do que já conquistou e de tudo o que o dinheiro pôde
e pode pagar, por outro, o homem se satisfaz com coisas sim-
ples, como comer uma pizza não muito cara, um sanduíche
sempre comprado na mesma lanchonete de rua – os chama-
dos pit-dogs, que só existem em Goiânia – do bairro onde ele
foi criado ou matar um macarrão instantâneo depois de um
dia intenso de trabalho. Fisgar um peixe, cortar um pedaço
de carne assada na brasa e oferecer aos dele, ou sentar-se em
volta de uma mesa com um narguilé, junto dos ‘poucos’ ami-
gos, são coisas que fazem toda a diferença. Mas prazer e des-
canso ele tem às sextas-feiras, quando vai jantar na casa dos
pais, ou nas manhãs de sábado, quando segue para a igreja,
onde a meditação e as orações são colocadas em dia.

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Junho, 2021, viagem de classe executiva, a trabalho
14 – O personagem

O
homem contido, com palavras pausadas, frases cur-
tas, de dicção irretocável, gestuais curtos e planejados,
nada tem a ver com o mesmo que se apresenta atual-
mente. Isso porque quem acompanha a trajetória dele sabe
que hoje não é mais uma personagem que está ali, diante da
câmera, para uma turma de alunos individuais, ou grupos de
dezenas e centenas, ao vivo. Se hoje os palavrões, quando
necessário, saltam durante a transmissão e os desaforos em
comentários de pessoas que falam o que querem na Internet
são respondidos de forma igual, no início, em 2018, quando
apareceu em frente a uma câmera pela primeira vez, para
gravar na sala do apartamento com o celular, as aulas do
primeiro curso, que ensinava formas de importação, e como
fazer para a chegada dos produtos com mais agilidade, e
maneiras de lucrar com aquilo tudo, Bruno sequer respondia.
Agora, volta e meia ele manda alguém para a ‘puta que lhe
pariu’, ou manda ‘se fuder’ quem enche ‘o saco’ e perturba, ou
seja, ele mudou o perfil contido nas redes sociais para o mix
de perfil fora da lei e ostentador.

Era questão de exigência pessoal apagar os comentários que


ele interpretava como negativos. Bruno entendia que as
questões negativas poderiam retrair os futuros negócios. Em
toda comercialização, prestação de serviço, é comum que
algum questionamento ou comentário negativo surja, ainda
mais quando se fala em algo feito de forma digital, onde as
pessoas perdem ainda mais o medo de exposição e o freio com

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as críticas é quase inexistente – o que não acontece na forma
presencial, quando as pessoas são mais retraídas, menos áci-
das e praticam mais a empatia.

Esse medo da exposição praticamente foi substi-


tuído pelo desafio de manter o trabalho da forma
como está ou focar em aprimoramento dos serviços
elaborados por todos da empresa, já que nem tempo
de responder aos comentários a equipe inteira da
Mr. Ins tem. Na verdade, a equipe de suporte foca em
atender os alunos nas dúvidas que têm sobre o curso,
e não em responder às pessoas nas redes sociais,
onde, às vezes, nem alunos são.

O atual Bruno foca em entregar conteúdo e não se apega a


críticas improdutivas. Quando qualquer crítica é feita a ele,
na lata, sem sombra de dúvidas, no máximo ele vai responder
com um “quem te perguntou?”, ou “não é da sua conta”, já
que simplesmente ignora pessoas que tentam se meter no que
ele faz, em como conduz ou define a própria vida, os negócios
ou a intimidade.
15 – A incerteza

N
ão tem como dizer com total e absoluta certeza que
Bruno Pereira e a Mr. Ins, em 2021, serão perecíveis.
Há muitas incertezas sobre o futuro, já que não tem
como prever o que será do mercado digital brasileiro. Mas a
renda dele não sai só do digital. Então, o que Bruno pode deixar
como ensinamento é: quando a galinha dos ovos de ouro bota
uma grande fortuna no seu colo, saiba distribuir em cestas
diferentes e lucrativas. Há a certeza de que a imagem dele de-
verá ser desvinculada, aos poucos, da empresa e dos produtos
e serviços que tem. A intenção é que em algum futuro médio
ou longo aconteça com ele o que já aconteceu com outros em-
presários. Ou seja, por uma questão profilática e por questões
comerciais, as duas coisas possam trabalhar separadamente –
o que pode gerar uma evolução ainda maior.

Mesmo depois de conquistar um império, de pagar


tudo o que o dinheiro pode comprar, ele ainda não
pensa em parar de trabalhar. Uma aposentadoria
antecipada? Jamais! Diz que é feliz e conduz o tra-
balho como uma diversão. Não cuida da própria
saúde, não se preocupa com a alimentação e não está
nem aí quanto ao futuro do próprio corpo, ou seja,
se terá vida longa ou não. Se vai durar, só os próxi-
mos capítulos poderão dizer…

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