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JAn-PhiliPP sTRobel/DPA/CoRbis/FoToARenA
inicia um processo de questionamento (interno e
externo) sobre o tema que lhe chamou a atenção.
Foi o que expressou o médico, em suas per-
guntas ao índio: a primeira, com enfoque parti-
cular (“você é feliz?”), cuja resposta corresponde
apenas a esse indivíduo; a segunda, de enfoque
geral ou universal (“o que é felicidade ou ser fe-
liz?”), cuja resposta deveria valer para todas as
experiências de felicidade dos seres humanos,
ou até mesmo independentemente destes (a feli-
cidade em si).
Certamente você já vivenciou, em algum mo-
mento, questionamentos semelhantes após algum
acontecimento marcante em sua vida. Pode ter
sido durante uma viagem para um lugar distante e
distinto, na morte de um ser querido, em uma
grande decepção amorosa etc. e aí começou a se
questionar, mesmo que superficial e brevemente,
sobre sua vida e a existência em geral. Pois, então,
você estava tendo uma experiência filosófica, ainda
Visitante de museu na Alemanha observa a pintura Simonia que rudimentar. estava dando os primeiros passos
(dorsale), de nicola samori. na contemplação de uma obra
de arte também podemos vivenciar uma quebra no fluir
no filosofar.
normal de nossas vidas.
Resposta filosófica
Experiência filosófica Falta-nos, porém, um terceiro passo para
A análise que fizemos da situação anterior teve que haja uma experiência filosófica completa.
como propósito destacar dois processos básicos Prossigamos, então, em nossas descobertas.
que marcam, de modo geral, a experiência filosó- na análise que fizemos da historieta inicial, a
fica: o estranhamento e o questionamento. principal questão encontrada foi a que envolve o
conceito de felicidade, formulada na pergunta “o
Estranhamento ou deslocamento que é felicidade?”. Trata-se agora, portanto, de
construir uma resposta para essa questão.
Trata-se do primeiro passo da experiência filo- Após uma reflexão serena e profunda, a
sófica. Quando uma pessoa vive uma circunstância resposta a ser elaborada deverá constituir um
de deslocamento ou estranhamento, experimenta discurso, isto é, a enunciação de um raciocí-
uma quebra ou interrupção no fluir normal de sua nio, no qual as ideias deverão estar ordenadas
vida. Detém-se, então, para pensar ou observar algo de maneira lógica no sentido de expressar um
que antes não via, ou que vivia de forma automática,
entendimento sobre o problema e, na medida
sem se dar conta, sem atenção, sem se questionar.
do possível, encontrar uma “solução” para ele.
Foi isso o que ocorreu com o médico durante
Além disso, esse discurso deverá ter um cará-
sua permanência com os xavantes. Tal circuns-
ter universal, isto é, pode ser aplicado a todos
tância permitiu-lhe um distanciamento em rela-
os casos ou pessoas. essas são características
ção à sua vida na cidade e, provavelmente, um
importantes de uma resposta filosófica.
contato com algumas de suas próprias crenças
isso quer dizer que as respostas filosóficas
sobre a felicidade.
não são “qualquer” resposta, pois filosofar não
é pensar de qualquer maneira, seja quando se
Questionamento ou indagação
pergunta ou quando se responde (conforme ve-
Trata-se do segundo passo da experiência fi- remos de forma mais detalhada nos próximos
losófica. Após viver o estranhamento, a pessoa capítulos).
Cap’tulo 1 A felicidade 17
esse terceiro passo para constituir uma expe- será fácil, porém, definir a felicidade nesses
riência filosófica completa não foi dado em nossa termos? não, assim como não é fácil responder
historieta. ela não apresenta uma resposta com grande parte dos temas tratados pelos filósofos
tais características. Ao contrário, a resposta de em toda a história da filosofia. Tanto que existe
Rupawe chega a provocar em nós, leitores, certo muita discordância entre eles, que deram res-
efeito cômico, pela ingenuidade e aparente con- postas diferentes, com frequência contrárias –
tradição do índio ao se declarar feliz e, ao mesmo embora brilhantes –, para as mesmas questões.
tempo, não saber o que é felicidade. e muitas vezes, ao respondê-las, despertaram
Veja, porém, que essa ironia é profundamente novos problemas, sobre os quais se debruçariam
filosófica, pois não é verdade que, com frequência, as gerações seguintes.
temos uma compreensão particular, intuitiva e Assim, como veremos ao longo deste livro, em
experiencial de alguma coisa ou dimensão de filosofia não existem respostas definitivas, no
nossa existência (como a felicidade, o amor, o de- sentido de convencer a todos e “acabar com a
sejo), mas não um entendimento conceitual mais discussão” (embora seja isso o que pretende e
amplo e abstrato dela? essa é uma experiência acredita ter alcançado boa parte daqueles que se
constante de nosso cotidiano: conhecemos algo, lançam nessa tarefa). os temas filosóficos são os
sentimos algo, vivemos algo, mas temos dificul- temas fundamentais da existência humana, mas
dade para defini-lo. as pessoas muitas vezes têm experiências distin-
Ironia – em literatura, uso de palavras ou situações tas, suas vidas mudam e as sociedades também.
incongruentes ou contraditórias, com efeito crítico Por isso, costuma-se dizer que a filosofia é uma
ou humorístico.
contínua conversação.
ConExõEs
1. Recorde um momento de sua vida que fez você parar para pensar. Depois elabore um texto sobre essa
situação que contenha estes elementos:
a) lugar onde ocorreu a situação, data, pessoas envolvidas, diálogos, sensações, emoções;
b) problema (dúvidas ou perguntas que essa situação despertou em você à época);
c) respostas a que chegou então (se chegou a alguma);
d) crítica: em que sua reflexão pode ser melhorada hoje, no sentido de torná-la uma resposta mais filosófica?
Felicidade e sabedoria
Voltando ao nosso tema, a felicidade, talvez você já esteja pensando: “Até aqui eu entendi. mas por que
começamos um livro de filosofia falando de felicidade? Afinal, qual é a relação entre felicidade e filosofia?”.
Pois bem, a relação é histórica, isto é, vem desde o nascimento da atividade filosófica na Antiguidade
grega, há mais de 25 séculos. Como a própria etimologia revela, a palavra filosofia é formada pelos termos
gregos philos, “amigo”, “amante”, e sophia, “sabedoria”. Portanto, filosofia quer dizer “amor à sabedoria”.
e sabedoria, para os gregos, não era apenas um grande saber teórico, mas principalmente prático, tendo
em vista que buscava atender ao que consideravam o objetivo supremo da vida humana: a felicidade.
Assim, a filosofia apresentava-se como um conhecimento superior que conduzia à vida boa, isto é, que
indicava como viver para ser feliz. e o filósofo se reconhecia
como aquele que buscava, praticava e ensinava um
método, um caminho para a felicidade.
minneAPolis insTiTuTe oF ARTs, minnesoTA, euA
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
Conforme a tradição histórica, a palavra filosofia foi usada pela
primeira vez pelo pensador grego Pitágoras (c. 570-490 a.C.),
quando o príncipe leonte perguntou-lhe sobre a natureza de sua
sabedoria. Pitágoras respondeu: “sou apenas um filósofo”. Com
essa resposta, pretendia esclarecer que não detinha a posse da
sabedoria. Assumia a posição de “amante do saber”, isto é, alguém
que quer, ama e deseja o saber.
Com o decorrer do tempo, entretanto, a palavra filosofia foi
ganhando um significado mais específico, passando a designar a
busca de um tipo especial de sabedoria: aquela que nasce do uso
metódico da razão, da investigação racional.
Razão – faculdade (capacidade) da
mente à qual corresponde o raciocínio
(ou encadeamento lógico das ideias) Pitágoras.
e a possibilidade de compreender o filósofo e matemático
intelectualmente as coisas. opõe-se, grego ensinava que a
nesse sentido, à compreensão que música é um remédio
advém das sensações e da sensibilidade. para a alma.
JusTin PAgeT/CoRbis/FoToARenA
análisE E EntEndimEnto
1. explique as três etapas básicas de uma experiên- 3. Disserte sobre o conceito de finalidade última.
cia filosófica. 4. o que é a felicidade para você? em que situações
2. Por que se diz que existe uma relação histórica concretas de sua vida você experimentou esse
entre felicidade e filosofia? estado?
ConvERsa FilosóFiCa
1. Finalidade œltima a) expor sua opinião e escutar atentamente a dos
“A felicidade é a finalidade última de todos os demais;
nossos atos.” Você concorda com essa afirma- b) questionar, com argumentos e de maneira res-
ção? não poderia ser, por exemplo, o amor, peitosa, as opiniões das quais você discorda ou
o crescimento espiritual ou mesmo a riqueza que não entendeu direito;
material? Debata sobre esse tema com seus c) apoiar, com argumentos, aquelas de que
colegas, procurando: você gostou, complementando-as, se achar
necessário.