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6.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
6.
Alternativas de projeto para a ocupação
de encostas: proposições estrangeiras e nacionais

N
o presente capítulo expõem-se e analisam-se projetos específicos para ocupações urbanas em

encostas, produzidos por profissionais estrangeiros e brasileiros. Indica-se assim, inicialmente,

a necessidade de adotar, em encostas, conceitos diferenciados de urbanismo e de edificações

que, como se verá a seguir, tendem a se mostrar bastante distintos do tipo de ocupação que vem se dando no

caso brasileiro, visto no capítulo anterior, caracterizado por profundas inadequações, do mais formal ao mais

informal dos processos de produção do espaço urbano nos morros.


179
Um primeiro recorte faz-se necessário e diz respeito a princípios mais gerais de urbanismo e,

inevitavelmente, do uso da terra como mercadoria. Há no Brasil uma tendência marcada de utilização exaustiva

e predatória do espaço urbano. Quaisquer espaços das cidades, seja a curto, médio ou longo prazo, tendem

a passar por algum processo de ocupação. As cidades brasileiras tendem a tornar-se malhas contínuas,

transpondo ou arrasando morros, aterrando várzeas, enfim, eliminando eventuais obstáculos naturais, como já

se comentou no Capítulo 1. Periodicamente, a natureza cobra tributos da ocupação predatória, com enchentes,

inundações e com escorregamentos.

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


O “urbanismo” da malha urbana contínua parece urbanismo com origem no CIAM da Carta de Atenas e em
ser uma das posturas mais arraigadas na produção dos Le Corbusier, onde a tendência da continuidade não é nada
espaços urbanos brasileiros. Na continuidade do tecido marcante, a não ser nos grandes eixos de circulação.
urbano, cada porção é também ligação. Mesmo que, Quando se trata da ocupação de encostas, admitir,
legalmente, não haja limitações explícitas ao uso de de saída, assentamentos que constituam “bolsões”, torna-
“bolsões” no tecido urbano (trechos urbanos destacados e se um mecanismo indutor de soluções mais adequadas,
fechados, atendidos, por exemplo, por uma via de acesso, permitindo ocupar as partes mais baixas dos morros e
mas sem constituir interligação entre os demais trechos da preservando suas partes superiores, que normalmente
malha urbana), parece que se formou um consenso, constituem elementos importantes da paisagem e
injustificadamente, de que há uma necessidade de tornar constituem-se em referenciais naturais, cada vez mais
cada espaço da cidade como parte imersa na ocupação ou escassos nas cidades brasileiras. Se, pelo contrário,
na circulação global. Será que esta é uma postura adequada buscarmos a mera adaptação da grelha hipodâmica aos
à ocupação de encostas? morros, permitindo a continuidade, estaremos quase que
automaticamente lançando mão de profundas alterações
Devem existir, com certeza, posturas alternativas
de terreno, necessárias para obter-se greides aceitáveis nas
mais adequadas, quer do ponto de vista urbanístico, quer
vias de transposição e terrenos aproveitáveis às suas
do técnico-construtivo, quer do econômico, quer do
margens.
sociológico, quer do ambiental. Excluindo-se os
condomínios fechados de classe média a alta, são Como foi visto no Capítulo 3, a questão da malha
relativamente raras, no Brasil, as soluções urbanas que criem urbana contínua tem se mostrado como requisito tão
“bolsões”, ou seja, espaços urbanos fechados, atendidos marcante na cultura técnica brasileira, que até mesmo
em alguma parte de seu perímetro por uma via pública, conjuntos habitacionais, cuidadosamente projetados com
mas sem constituir, necessariamente, espaço de interligação ruas sem saída ou e em alça, sofrem alterações, dando lugar
180
entre outras partes da malha urbana. a vias contínuas.
A continuidade do sistema viário, herança do ideal Esta tendência traduz, em última instância, a
da malha hipodâmica, reforçada pelo urbanismo voltado à voracidade da especulação imobiliária e do capital. Cada
facilidade de deslocamento de tropas (presente, segundo palmo de terra situado em solo urbano é mercadoria valiosa,
BENEVOLO1 nas preocupações de Haussmann, no Plano não importando que conseqüências ambientais a malha
de Paris) conseguiu até mesmo permear, no Brasil, o contínua traga aos cidadãos.

1
BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.

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Do ponto de vista restrito do capital, a ocupação encostas, buscou-se inicialmente identificar âmbitos de
desordenada parece ser até mesmo compensadora. A abrangência dos projetos, podendo-se classificá-los, num
comercialização direta ou indireta de lotes em terrenos primeiro recorte, em dois grupos:
absurdamente inadequados, seja do ponto de vista - projetos de cunho urbanístico
ambiental, seja do ponto de vista dos padrões atuais de
- projetos de cunho localizado
ocupação, ou até mesmo o simples fechar de olhos para a
ocupação informal desordenada, a médio e longo prazo, No primeiro grupo, situam-se projetos cujo âmbito
conduzem, no mais das vezes, à necessidade de grandes de abordagem diz respeito a grandes extensões de terrenos
intervenções para atenuar os efeitos danosos instaurados. envolvendo encostas, permeados por princípios mais gerais
A área de risco de hoje é a frente de obras de amanhã, de um urbanismo para encostas, que foram encontrados, de
altamente interessante para o capital. forma mais marcante, em apenas três casos, a seguir
estudados.
No segundo grupo, destacam-se projetos para
6.1 - Proposições de profissionais de projeto
encostas isoladas que, mesmo contemplando aspectos
estrangeiros
urbanísticos diferenciados, o fazem de forma mais
Inicialmente, cumpre salientar que são efetivamente localizada, não constituindo regras gerais para regiões
poucas as proposições específicas da arquitetura e o montanhosas. Dentre estes, destacam-se ainda tipologias
urbanismo para encostas, o que se atribui, em grande parte, de projetos de habitações para encostas não voltadas para
ao forte caráter de “mundo plano” que se associou ao um terreno específico, mas contemplando apenas princípios
urbanismo desde meados do século XIX. gerais para implantações.
A fé nas máquinas e no fantástico poder de
transformação da natureza que o homem efetivamente 6.1.1 - Projetos de cunho urbanístico
professou, nos dois séculos anteriores e no atual, gerou DOXIADIS (1965), em Guanabara - a plan for urban 181
princípios urbanísticos mais destinados a um imenso development 2 , (p.73 do Apêndice V) delineia projetos do
tabuleiro que ao relevo real. Esta fé só está sendo revista que chama de quatro classes de comunidades, destinadas a
agora, quando se percebem os grandes prejuízos ambientais absorver a crescente população favelada do Rio de Janeiro.
que se acumulam em função das profundas transformações Na concepção de Doxiadis, o que ele denomina por
que temos imposto à natureza. Comunidade Classe I agruparia de 10 a 50 casas, que
Para agrupar as proposições de arquitetos para constituiriam a unidade primária de um sistema integrado

2
GUANABARA (Estado) et DOXIADIS ASSOCIATES (1965). Guanabara - a plan for urban development.

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e interligado de comunidades. Um grupo de três a quatro exclusivo para pedestres. Trata-se de uma Comunidade
comunidades de Classe I (cerca de 100 ou 150 casas), Classe III, na classificação de Doxiadis, que no croqui 2
organizadas em torno de um playground, constituiriam uma apresenta, para as mesmas condições, uma alternativa com
Comunidade de Classe II. O agrupamento de três ou quatro via para veículos, mas sem saída.
comunidades de Classe II (cerca de 500 casas), agregados
Doxiadis, em sua proposta, incluía ainda um
em torno de uma escola primária, de poucas lojas e de um
equacionamento preliminar de processos de construção de
playground, constituiria o que Doxiadis chamou de uma
habitações nas encostas. Pretendia utilizar casas segundo
Comunidade de Classe III. Finalmente, uma Comunidade de Classe
IV agregaria três ou quatro comunidades de Classe III (cerca
de 2.000 casas), adicionando-se estabelecimentos de
comércio de produtos de consumo diário e equipamentos
educacionais e recreacionais necessários. Todas estas
unidades habitacionais e equipamentos urbanos seriam
implantados de maneira a permitir circulação a pé, sem cruzar
vias expressas (highways, no original). A comunidade Classe
IV seria a maior aglomeração recomendada e teria
características parciais de auto-suficiência no tocante aos
requisitos associados ao uso habitacional.
No que diz respeito a condicionantes topográficas,
Doxiadis classifica os terrenos para implantação destas
comunidades em três categorias, de acordo com suas
declividades, chamando-os de planos (declividades de até
5%), encostas suaves (declividades de 5% a 20%) ou
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encostas íngremes (declividades de 20% a 50%). A Figura
6.1 apresenta croquis de Comunidades de Classe III e IV
em encostas íngremes extraídos da obra já citada.
Note-se, na Figura 6.1, que os croquis de 2 a 4
mostram claramente bolsões dispostos longitudinalmente
à margem de uma via principal, isolada, da qual partem
Figura 6.1. Doxiadis: Comunidades III e IV em encostas íngremes.
vias para veículos exclusivamente destinadas à circulação Fonte: GUANABARA (Estado) et DOXIADIS ASSOCIATES (1965).
pelo assentamentos (e não à transposição do morro). No Guanabara - a plan for urban development. - Comissão Executiva
para o Desenvolvimento Urbano (CEDUG) et Doxiadis Associates,
croqui 1, verifica-se que nem mesmo se prevê a entrada de Consultants on Development and Ekistiks (1965). Guanabara - a plan
veículos para o interior do assentamento. O acesso é for urban development. Rio de Janeiro. Apêndice V. pp. 75.

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padrões (igualmente sugeridos no trabalho) para terrenos Na esteira dos projetos de megaestruturas urbanas,
planos, mas apoiados sobre um sistema de embasamento no final da década de 60, Zalewsky, Kirby e Goethert, três
racionalizado, constituído por paredes de apoio de concreto arquitetos da Escola de Arquitetura e Planejamento do MIT
com eixos ortogonais às curvas de nível. Tais paredes, moldadas (Massachusetts Institute of Technology) apresentam em “Building
in loco e adaptadas à topografia, sustentariam lajes, on slopes: an approach”, outra rara e interessante proposição
constituindo tabuleiros. Sobre os tabuleiros, erguer-se-iam de urbanismo para encostas. Trata-se de megaestrutura
as habitações utilizando-se alvenarias ou, alternativamente, urbana que, construída ao longo de encostas, contém
como mostra a Figura 6.2, painéis de concreto leve ou comum trechos inteiros de cidades, ao mesmo tempo que define
pré-moldados. Note-se ainda, na figura 6.2, que se previa o uma gigantesca estrutura de contenção.
transporte mecanizado (por esteiras rolantes), morro acima,
O fulcro do trabalho elaborado pelos mencionados
dos materiais e componentes construtivos a utilizar.
arquitetos constitui uma proposição de nova forma de
desenvolvimento urbano, exemplificada para Pittsburgh
(Pennsylvania, EUA), com base na ocupação das encostas.
Mostra-se, em perspectiva geral, na Figura 6.3, a
megaestrutura projetada para Pittsburgh. Nesta figura nota-
se, na porção central esquerda, uma única via estrutural, a
qual provém do corpo principal de Pittsburgh e atravessa
a megaestrutura, dando acesso a outras áreas de expansão
urbana. Da via estrutural parte uma via local de acesso
específico à megaestrutura, representada na figura 6.4, em
seguida, que apresenta uma vista superior da implantação
proposta.
Na megaestrutura, as diversas funções urbanas 183
distribuem-se em setores, como mostra a Figura 6.5,
destacando-se que, à exceção do centro comercial,
efetivamente incorporado à estrutura principal, os
equipamentos urbanos, incluindo estacionamentos para os
moradores, distribuem-se externamente em porções mais
planas de terreno. A megaestrutura sedia assim,
Figura 6.2. Doxiadis: o processo de construção das unidades essencialmente, o uso habitacional, onde as circulações
habitacionais, nas encostas. Fonte: GUANABARA (Estado) - Comissão
Executiva para o Desenvolvimento Urbano (CEDUG) et Doxiadis verticais localizam-se nos contrafortes principais e as
Associates, Consultants on Development and Ekistiks (1965). horizontais são vias-corredores para pedestres, em diversos
Guanabara - a plan for urban development. Rio de Janeiro. Apêndice
V. pp. 90. níveis, ao longo da implantação, como mostra a Figura

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Figura 6.3. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh – perspectiva geral. Fonte:
ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).

184

Figura 6.4. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - vista superior. Fonte: ZALEWSKI,W.P.,
KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).

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6.6, mais adiante. Permeia esta opção o conceito de que é mais adequado vencer os desníveis maiores com habitações –
pequenos módulos com maior flexibilidade de agrupamento - que com os equipamentos urbanos, cuja implantação fica
mais facilitada em terrenos planos.

Figura 6.5. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - setores urbanos com diferentes
funções. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).

185

Figura 6.6. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - esquema básico de circulação. Fonte:
ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).

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O conceito de ocupar as encostas com habitações, Os autores do projeto pesquisaram ainda inúmeras
deixando-se áreas mais planas para o desenvolvimento das possibilidades técnicas de construção da megaestrutura,
demais funções da cidade, fica explicitado pelos próprios sempre baseados em sistemas de pré-fabricação em concreto.
autores, ao representarem, como mostra a Figura 6.7, duas
Na figura 6.8, a seguir, representam-se os seis estágios
principais formas de implantação da megaestrutura que de implantação previstos para uma das soluções construtivas
desenvolveram em projeto. Na figura 6.7, a parte superior
propostas para as torres de circulação vertical que constituem
refere-se a uma implantação convencional de cidade também setores habitacionais.
circundada por encostas. Ao meio, uma das alternativas que
propõem para a implantação de megaestruturas, jogando-se Na figura 6.9, mostra-se um dos sistemas construtivos
os setores habitacionais para as encostas, enquanto as demais pesquisados pelos autores para a construção destas torres,
funções da cidade desenvolvem-se no vale. Na parte inferior com peças estruturais lineares e painéis-lajes pré-fabricados
da figura, apresenta-se uma solução híbrida. com concreto armado.
Na Figura 6.10, apresenta-se um corte perspec-
tivado de uma região de transição entre contrafortes
principais e secundários, e pode se observar, ao centro, no
contraforte secundário, uma circulação principal e, à direita,
nos vários níveis, circulações locais. Note-se que, do ponto
de vista geotécnico, como já foi dito, a megaestrutura urbana
proposta pelo três arquitetos do MIT constitui uma grande
estrutura de contenção, um muro de arrimo, onde os
contrafortes principais (torres de circulação vertical)
equiparam-se a pilares e os contrafortes secundários ao
muro propriamente dito.
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Figura 6.7. Zalewsky, Kirby & Goethert: a megaestrutura e formas urbanas


alternativas para sua implantação. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et
GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).

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Figura 6.8. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - aspectos construtivos básicos para a
implantação das torres de circulação vertical. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on Fslopes: an approach. (s/p).

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Figura 6.9. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para Figura 6.10. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana
encostas proposta para Pittsburgh - sistema construtivo em pré para encostas proposta para Pittsburgh – Corte perspectivado da
moldados de concreto Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et região de transição entre contrafortes principais e secundários.
GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970).
Massachusetts Institute of Technology. Cambridge.(s/pág.). Building on slopes: an approach. (s/pág.).

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Dois outros projetos, estes desenvolvidos pelo texturada corresponde a um espaço livre, externo a cada
arquiteto israelense Moshe Safdie, também baseados em habitação.
sistemas pesados de pré-fabricação em concreto, constituem Na Figura 6.12 mostram-se as características de uma
ainda, no limite, proposições de cunho urbanístico global, habitação composta por dois módulos duplos e um simples,
porém já situadas no limiar de proposições para encostas através de plantas e, na Figura 6.13, representam-se algumas
localizadas. Em Israel-Hábitat (1969) e Hábitat – Puerto Rico possibilidades de acoplamento de módulos, definindo
(1972), Safdie concebe módulos tridimensionais pré- habitações.
fabricados que, constituindo partes de habitações, permitem,
através de diferentes formas de acoplamentos verticais e
horizontais, absorver variações de topografia.
Do ponto de vista da forma externa, no projeto
Hábitat – Puerto Rico, prevêm-se dois tipos de módulos
tridimensionais – um simples e um duplo, como mostra a
Figura 6.11, onde se vê um módulo simples (o mais acima)
e dois duplos, estes últimos dispostos lado a lado e defasados,
na parte inferior da ilustração. Previam-se diferentes tipos
de módulos duplos, contendo ambientes diversos, e cada
habitação poderia ser composta por diferentes combinações
de módulos simples e duplos. Na Figura 6.11, a parte

188

Figura 6.12. Moshe Safdie. Hábitat – Puerto Rico (1972). Plantas de


Figura 6.11. Módulos tridimensionais utilizados por Moshe Safdie unidade habitacional composta por dois módulos duplos e um
no projeto Hábitat – Puerto Rico. (1972). Fonte: DEILLMANN, H., simples. Fonte: DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H.
KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat. p. 156. (1980). El Hábitat. p. 156.

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Figura 6.13. Moshe Safdie. Hábitat – Puerto Rico (1972). Alternativas de
acoplamento de módulos, definindo habitações. Fonte: DEILLMANN, H.,
KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat. p. 156.

Em Israel-Hábitat, as diferenças mais marcantes com


relação ao projeto Hábitat-Puerto Rico, dizem respeito às
formas adotadas nos módulos, que incluem também
superfícies esféricas.
Do ponto de vista urbanístico, nos dois casos, os
projetos propostos por Safdie incluíam vias para veículos
que, serpenteando o morro, passavam por baixo de trechos
ocupados por habitações, formando “pontes” com
módulos. Apesar da pouca nitidez do desenho (corte
apresentado na Figura 6.15, à esquerda) encontrado em El 189
hábitat, percebe-se que as vias passam por vãos entre o
terreno remodelado e a estrutura formada pelos módulos.
No que pese o arrojo e a originalidade da produção
de Safdie, fica clara sua inadequação, do ponto de vista de
custos, para o caso brasileiro, e sua menção, no presente
trabalho, é feita mais por conta do inusitado e, bastante,
pela inequívoca relação com a ocupação de encostas, mais
uma vez tratada com especificidade e apontando conceitos
Figura 6.14. Moshe Safdie. Israel-Hábitat (1969). Fonte:
bastante diferenciados do urbanismo de tabuleiro de xadrez DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El
e da edificação isolada num lote. Hábitat. pp. 121 e 122.

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Figura 6.15. Moshe Safdie. Hábitat – Puerto Rico (1972). À esquerda, corte de implantação em encosta. À direita, vista parcial de maquete de
implantação. Fonte: DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat. pp. 156 e 157.

Como principais características de implantação, os disso, na proposição de Doxiadis, um senso apurado de escala
dois projetos de Moshe Safdie compreendem, na realidade, e de comunidade, que normalmente se perde nos grandes
megaestruturas rígidas resultantes do acoplamento de conjuntos habitacionais. Sua preocupação na definição de
módulos tridimensionais, que se apóiam nas encostas e são células comunitárias básicas, caracterizadas em torno de
permeadas por uma via principal de circulação de veículos a equipamentos urbanos, mesmo quando pressupõe
partir da qual há acessos às habitações, por escadarias. A agrupamentos maiores de células, tende a fazer com que os
Foto 6.1 mostra maquete de implantação do projeto Israel - resultados obtidos diferenciem-se bastante do desmesurado
190 Hábitat. poder de dispersão comunitária dos grandes conjuntos.
Os projetos até o momento mostrados representam Na proposição de Zalewsky, Kirby & Goethert, no
raros exemplares de proposições urbanísticas mais gerais que pese a monumentalidade bastante característica de uma
para encostas e, como pôde ser visto, contêm características época já superada, pode-se notar a busca de um conceito
que se distanciam bastante do urbanismo da malha contínua. de ocupação de encostas que, antes de mais nada, remete
No caso do projeto de Doxiadis, transparecem, para os terrenos mais acidentados o uso habitacional,
principalmente, características de um urbanismo linear, onde liberando os terrenos planos para os outros usos de solo
os setores urbanos, nas encostas, “penduram-se” num único necessários às cidades. A forte (e, por que não, discutível)
eixo viário estruturador, não pressupondo ligações outras presença da megaestrutura proposta na paisagem deixa,
entre setores que não a do próprio eixo. Transparece, além pelo menos, parte da paisagem original preservada por trás

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Foto 6.1. Moshe Safdie (1969). Maquete do projeto Israel-Hábitat.
Fonte: DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H.
(1980). El Hábitat. pág. 156.

191

da grande construção, enquanto que, na malha contínua, a investimento nos módulos habitacionais, cuja concepção
referência paisagística dos morros tende a desaparecer original escraviza, em certa medida, as possibilidades reais
totalmente. Destaca-se fortemente ainda, no projeto para de adaptação ao relevo. Ainda que os módulos projetados
Pittsburgh, como já foi dito, a característica de obra de contemplem possibilidades de acoplamento capazes de
contenção impressa à megaestrutura e a eliminação do absorver desníveis, perdura um certo caráter de adaptação
tráfego de veículos nos setores habitacionais. do terreno à megaestrutura projetada, exigindo, às vezes,
movimentos de terra mais pronunciados para sua
Nos projetos de Safdie, observa-se que há um forte implantação.

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6.1.2 - Projetos de cunho localizado mático do tipo de implantação proposto baseado em cons-
Projetos destinados a implantações mais trução escalonada com terraços e, à direita, uma perspectiva
circunscritas sem cunho urbanístico mais geral, mas apenas do conjunto composto por quatro fileiras de casas, de três
localizado, são também pouco freqüentes na literatura. tipos, com pequenas variações (internas) de planta. Não
Foram principalmente identificados em obras que há acesso para veículos para o interior do conjunto e podem
sistematizam soluções habitacionais propostas por diversos ser notadas uma via superior e uma inferior, às quais seguem
profissionais de projeto, envolvendo habitações agrupadas estacionamentos, limitados pela construção escalonada. A
e concernentes, em geral, a países desenvolvidos. Apesar circulação de pedestres dá-se por escadarias situadas entre
de tratarem de habitações agrupadas, tais projetos não se fileiras de casas de tipos diferentes, como pode ser visto
referem, necessariamente, a soluções voltadas à população ao centro da parte em destaque, no desenho. Cada unidade
de baixa renda, pelo menos em moldes comparáveis às dispõe de um terraço, que constitui parte da cobertura da
condições sócio-econômicas brasileiras. São frutos de unidade imediatamente abaixo.
condições de concepção bem mais favoráveis, onde os
custos oferecem maior flexibilidade, no geral ausente nas
condições do nosso país. Apresentam, porém, muitas vezes,
características que, transcendendo a visão mais restrita da
economicidade, constituem eventuais princípios gerais de
implantação mais transponíveis para o caso brasileiro.
Em El hábitat 3 , por exemplo, Deilmann,
Kirschenmann e Pfeifer reúnem dezenas de projetos de
habitações agrupadas, para os quais desenvolvem um méto-
do de catalogação, abrangendo a forma de agrupamento
horizontal e vertical das unidades, as características de
192 circulação nos conjuntos, etc. Dos projetos reunidos, apenas
sete dizem respeito a terrenos de topografia mais acidentada
e, destes, apenas um será estudado. Trata-se de projeto de
unidades habitacionais escalonadas, de autoria da empresa Figura 6.16. Conjunto residencial escalonado com terraços, em
suíça Metron. Auenstein, Suíça. Perspectiva. Projeto: Metron (1969). Fonte:
DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El
Na Figura 6.16, vê-se, à esquerda, um corte esque- Hábitat. p. 168.

3
DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat.

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A Figura 6.17 apresenta as plantas típicas das
unidades. Cada uma tem área de uso exclusivo por volta
de 160m2, sem contar o terraço.

Figura 6.17. Conjunto residencial escalonado com terraços, em


Auenstein, Suíça. Plantas típicas. Projeto: Metron (1969). Fonte:
DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El
Hábitat. p. 168.

As Fotos 6.2 apresentam, à esquerda, uma vista lateral (1977)4 reúnem também outras dezenas de projetos de
de implantação em Auenstein, Suiça, do projeto da Metron conjuntos residenciais onde apenas um, de autoria do
e, à direita, o detalhe de um terraço. arquiteto japonês K.Kikutake, elaborado em 1971, é mais
claramente destinado a terrenos de maior declividade. Trata-
As demais tipologias para encostas encontradas em
se de projeto também baseado em escalonamento de
El hábitat são, na realidade, variações de projetos escalo-
habitações, onde se destaca, inicialmente, que a grande
nados que não apresentam, no geral, aspectos de particular 193
estrutura resultante compreende vãos perdidos, entre o
interesse para o presente trabalho, pois constituem, bem
terreno e as unidades habitacionais, evitando-se contato
mais, alternativas de tratamento arquitetônico que,
direto entre paredes de espaços habitáveis e o solo, como
propriamente, princípios gerais de implantação.
mostra a Figura 6.18, que apresenta um corte típico,
Em Conjuntos residenciales – en zonas centrales, suburbanas perspectivado, da implantação.
y periféricas, DEILMANN, BICKENBACH e PFEIFFER

4
DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER, H. (1977). Conjuntos residenciales – en zonas centrales, suburbanas y periféricas.

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Fotos 6.2. Conjunto residencial escalonado com terraços, em
Auenstein, Suíça. Projeto: Metron (1969). Fonte: DEILLMANN, H.,
KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat. p. 169.

Figura 6.18. Kikutake, K. (1971) – “Pasadena Heights” (Japão). Corte


típico perspectivado. Fonte: DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et
PFEIFFER, H. (1977). Conjuntos residenciales – en zonas centrales,
suburbanas y periféricas.p.42.

Denominado “Pasadena Heights”, o conjunto Vê-se ainda, na Figura 6.19, que Pasadena Heights é
projetado por Kikutake lança ainda mão de poços de uma construção isolada com via de acesso apenas local.
194 iluminação como recurso para possibilitar uma massa Impressiona, neste projeto, a grande massa construída
construída contínua de unidades idênticas parcialmente e, mesmo que não se faça menção a aspectos geotécnicos, na
sobrepostas e dispostas em “fiadas” deslocadas . obra de DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER,
A circulação geral no conjunto faz-se através de percebem-se características claras de uma grande estrutura de
escadarias que dão acesso a passarelas suspensas que formam contenção no projeto, como pode ser visto na Foto 6.3.
as circulações horizontais (e podem também ser observadas Chama ainda a atenção, no projeto de Kikutake, o
na Figura 6.18). Para melhor adaptação à topografia, o conjunto fato de que o acesso a automóveis esgota-se na parte baixa
acompanha, em linhas gerais, a sinuosidade das curvas de da implantação e que os desníveis entre os vários patamares
nível, resultando na forma de implantação que pode ser notada são vencidos apenas por escadarias, como pode ser visto
na Figura 6.19, vista superior do empreendimento. na Foto 6.4.

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


Figura 6.19. Kikutake, K. (1971) – “Pasadena Heights” (Japão). Vista
superior da implantação. Fonte: DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et
PFEIFFER, H. (1977). Conjuntos residenciales – en zonas centrales,
suburbanas y periféricas.p.42.

195

Foto 6.3. Kikutake, K. (1971) – “Pasadena Heights” (Japão). Vista aérea


do conjunto, onde podem ser observados, com destaque, as passarelas
de circulação horizontal e os poços de iluminação Fonte: DEILMANN, H.,
BICKENBACH, G. et PFEIFFER, H. (1977). Conjuntos residenciales – en
zonas centrales, suburbanas y periféricas. p.43.

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


Em obra japonesa da área específica da geotecnia, ativamente de sua contenção. Na obra já mencionada, este
foram também encontradas algumas tipologias de tipo de construção é denominado “set back type”, do qual
condomínios habitacionais para encostas, mencionadas por se apresenta outro exemplar na foto 6.7.
YAMAZAKI (1986)5 , p. 475-496, onde se destaca, com
centralidade, a caracterização estrutural dos edifícios em
sua interface com a estabilidade geotécnica. Por lei, no
Japão, a concepção a ser adotada em habitações agrupadas
em encostas e nas obras correlatas deve resultar, neces-
sariamente, numa estrutura resistente a eventuais processos
de instabilização potencialmente presentes na área da
implantação. Definem-se assim, até mesmo, características
desejáveis nos projetos de arquitetura e de estruturas de
acordo com diferentes processos de meio físico, tais como
escorregamentos, rastejos, etc. Comentam-se, a seguir6,
algumas características das tipologias habitacionais nele
contidas.
Na Foto 6.5, pode se ver um condomínio de médio
porte concebido, claramente, como muro de contenção.
Apesar de não se fornecer, no livro, características da
arquitetura adotada, percebe-se tratar-se de pequenas
unidades habitacionais dispostas em seis níveis, com terraços,
às quais se chega a partir de escadas nas extremidades das
196 “fiadas” de unidades habitacionais e de corredores situados
na parte posterior da edificação, junto ao talude. Em seguida, Foto 6.4. Kikutake, K. (1971) – “Pasadena Heights” (Japão).
Vista do conjunto, com destaque para as escadarias de
a Foto 6.6 mostra uma opção de proteção de encosta contra acesso. DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER, H.
(1977). Conjuntos residenciales – en zonas centrales,
escorregamentos, através de ocupação densa, que, além de suburbanas y periféricas. p.43.
propiciar a proteção superficial do talude, participa

5
YAMAZAKI, K. (1986). Tipologias de conjuntos habitacionais e segurança nas implantações. In TAKAHASHI, T. (Coordenador). (1986). Instabilizações em
encostas: investigação e prevenção de acidentes. Capítulo IX.
6
Graças ao auxílio do geólogo Agostinho Tadashi Ogura, do IPT, que gentilmente traduziu os trechos de interesse do referido livro.

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


Foto 6.5. Edifício-muro de contenção para talude íngreme. À
direita, destaca-se o esquema estrutural básico. Fonte: YAMAZAKI,
K. (1986). Tipologias de conjuntos habitacionais e segurança nas
implantações. In TAKAHASHI, T. (1986).Instabilizações em encostas:
investigação e prevenção de acidentes. Capítulo IX. p. 482.

Foto 6.6. Implantação densa em talude de inclinação média,


protegendo-o de escorregamentos. À direita, a caracterização
estrutural da construção. Fonte: YAMAZAKI, K. (1986). Tipologias
de conjuntos habitacionais e segurança nas implantações. In
TAKAHASHI, T. (1986).Instabilizações em encostas: investigação e
prevenção de acidentes. Capítulo IX. p. 484

197

Foto 6.7. Outra implantação “set back type”, destacando o acesso,


exclusivo para pedestres, por escadarias. Fonte: YAMAZAKI, K.
(1986). Tipologias de conjuntos habitacionais e segurança nas
implantações. In TAKAHASHI, T. (1986). Instabilizações em
encostas: investigação e prevenção de acidentes. Capítulo IX. p.
484

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


6.2 - Proposições de profissionais de projeto plenos, ainda que a maior parte dos conjuntos surgisse em
brasileiros terrenos originalmente mais planos, pois ainda havia um
estoque de glebas menos acidentadas.
Para se falar da produção da arquitetura brasileira
associada a habitações de interesse social em encostas, é Duas importantes exceções, constituídas por dois
necessária a consciência de se estar falando em raríssimas projetos similares do arquiteto carioca Affonso Reidy
exceções, em conjuntos construídos ou apenas projetados, (*1909 – +1964), no princípio da década de 50, passariam
perdidos no tempo e no espaço. No Brasil, a “cara” da a ter reconhecimento capaz de transcender as fronteiras
produção de habitações pelo Estado, nas últimas três décadas, nacionais e seriam mencionadas, em literatura estrangeira,
resume-se basicamente no que já foi visto no Capítulo 4, como modelos. Trata-se dos conjuntos da Gávea e de Pedre-
que destaca que um rol restrito de tipologias, basicamente gulho, construídos no Rio de Janeiro, onde as características
concebidas para terrenos planos, espalha-se de norte a sul de projeto adotadas por Reidy, com relação aos sítios de
do Brasil, nas mais variadas condições de clima, geologia, implantação, mostram claramente a busca da harmonização
relevo e de características culturais. Ao nivelar os projetos com as condicionantes naturais.
de uma maneira tão indiscriminada, nivelar os terrenos,
tornando-os adequados aos edifícios é, assim, apenas parte Fortemente inspiradas nas “Unités d’Habitation” de
de um grande conjunto de inadequações. Le Corbusier e implantadas em terrenos de topografia
bastante acidentada, estas duas obras de Reidy valem-se,
Em nosso país, quando o Estado entrou em cena cada uma, de um grande edifício habitacional principal,
na construção de habitações de interesse social, princi- complementado por equipamentos comunitários (estes
palmente a partir do final da década de 1940, os empreen- últimos em partes mais planas do terreno), constituindo
dimentos eram mais diversificados. A arquitetura moderna, conjuntos com grande autonomia e forte identidade.
que passa também, a partir da mesma época, no Brasil, a
198
ser mais adotada e difundida, instiga os arquitetos a Do ponto de vista da implantação, o conjunto de
buscarem soluções inovadoras em seus projetos habita- Pedregulho é constituído por um grande edifício habitacional
cionais, no que são, em parte, alimentados por experiências principal, sinuoso, que acompanha a sinuosidade das curvas
já em curso, na Europa, desde o final da década de 1920. de nível, como mostra a Figura 6.20. Vê-se ainda, na Figura
Estas mesmas experiências, porém, traziam consigo um 6.21, num corte esquemático, o princípio geral de adaptação
certo viés de urbanismo de mundo plano, já comentado no do referido edifício ao terreno, através de pilotis, e a utilização
Capítulo 1. Assim, no que pese uma diversidade maior de de acesso através de pavimento intermediário. Do projeto
formas de agrupamento de unidades habitacionais constavam ainda mais três blocos habitacionais, estes
envolvendo torres, lâminas, geminações de unidades do constituídos por lâminas e situados em trechos menos
tipo sobrado, etc., prevaleciam, nas implantações, os terra- acidentados do terreno.

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


Figura 6.20. Perspectiva esquemática do edifício habitacional Figura 6.21. Corte esquemático do edifício habitacional principal do
principal do conjunto de Pedregulho (Rio de Janeiro – RJ), projetado conjunto de Pedregulho (Rio de Janeiro – RJ), projetado por Affonso
por Affonso Reidy. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, Reidy. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970).
R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.). Building on slopes: an approach (s/pág.).

199

Foto 6.8. Vista do conjunto de Pedregulho, de Reidy. Em primeiro


plano, escola primária. Ao fundo, o edifício habitacional principal.
Fonte: BENEVOLO (1974). Historia de la Arquitectura Moderna. p.
826.

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


No que pese o caráter inovador do Estado na do Governo do Estado de Pernambuco. Em “Manual do
construção habitacional de interesse social, no princípio projeto de habitação popular”, de ANDRADE et SOUZA
de sua atuação, em pouco tempo ele se restringiria ao (1981)7 , trabalho que apresenta metodologia para elaborar
pequeno elenco de soluções atualmente em voga, pensada e/ou avaliar projetos de conjuntos habitacionais, propõem-
para terrenos planos, de conjuntos construídos apenas com se também diversas tipologias de unidades habitacionais e
unidades térreas isoladas (ou geminadas duas a duas), além de implantações.
de prédios de até cinco pavimentos, normalmente Dentre as proposições, destacam-se três destinadas
compostos por duas lâminas, intermediadas por caixa de a terrenos inclinados. A primeira delas, denominada
escadas, como se mostrou anteriormente no Capítulo 4. CA82JG 2P 3Q pelas autoras (arquitetas Mônica Raposo
A partir do final da década de 60, estas poucas Andrade e Maria Ângela de Almeida Souza), é destinada a
tipologias dominariam praticamente toda a produção de faixas de declividades de 0 a 30%. Adotam-se unidades
conjuntos habitacionais, tornando-se muito raras e isoladas acopladas, de dois pavimentos, implantadas com dois
as implantações diferenciadas ou inovadoras. No que diz dormitórios, com possibilidade de inclusão de um terceiro
a posteriori. A adaptação da implantação às diversas faixas
respeito a encostas, praticamente desaparecem soluções
de declividade entre 0 e 30% é feita através da variação do
específicas, ao mesmo tempo em que os terrenos dispo-
desnível entre os fundos das unidades habitacionais.
níveis vão apresentando características topográficas cada
Apresenta-se, na Figura 6.22, perspectiva das unidades
vez menos favoráveis: com o crescimento formidável que
propostas. Na Figura 6.23 mostram-se as plantas das unida-
as cidades experimentam, mormente a partir da década de
des típicas. Note-se que, na Figura 6.23, a metade inferior
1970, os terrenos disponíveis são justamente aqueles mais
da figura se refere ao pavimento inferior das unidades e a
problemáticos, deixados para trás pela especulação imobili-
metade superior ao pavimento superior.
ária. E o trator se mostra bem mais forte que a prancheta.
Na figura 6.24, apresentam-se uma fachada lateral e
Neste contexto, eventuais proposições de tipologias
200 a fachada principal da implantação proposta.
de habitações populares para encostas tornam-se raridades,
assumindo caráter exótico e poucas vezes levadas a sério. Ainda que as autoras do projeto mostrem efetiva
preocupação com a adaptação das unidades à topografia,
O que se torna usual é construir terrenos para as
o arranjo urbano recomendado para as unidades, mais
tipologias habitacionais empregadas pelo Estado.
adiante apresentado, em planta, na Figura 6.25, denota um
A seguir, apresentam-se algumas destas raridades urbanismo local mais convencional em quadras retangulares
desenvolvidas na década de 1980 pela Secretaria de Habitação circundadas por vias para veículos em malha ortogonal.

7
ANDRADE, et SOUZA (1981). Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação.

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


Figura 6.22. Perspectiva de implantação de unidades acopladas do
tipo CA82JG 2P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981).
Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para
elaboração e avaliação. (s/pág.).

201

Figura 6.23. Plantas de unidades acopladas do tipo CA82JG 2P 3Q.


Metade inferior –pavimento inferior; metade superior – pavimento
superior. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual
de projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e
avaliação. (s/pág.).

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


Cada quadra disporia de algumas fileiras de casas e
as fileiras internas seriam atendidas exclusivamente por vias
para pedestres. Não se aprofunda, no projeto, a questão da
declividade resultante no viário.
Caso o terreno de implantação apresentasse decli-
vidade de 30%, as vias situadas abaixo e acima, na figura,
apresentariam esta mesma declividade, o que constituiria
um certo exagero.
Em outros projetos das mesmas autoras, denomi-
nados CA8 2SG 4P 3Q e CA8 2SG 4P 2Q, na verdade,
variantes de três e dois dormitórios de um mesmo projeto
básico, utilizam-se quatro níveis habitáveis em agrupamentos
de oito unidades habitacionais, duplamente superpostas e
geminadas, destinadas à ocupação de terrenos com
declividades superiores a 30%. As autoras não indicam uma
faixa máxima de declividade à qual se aplicariam os projetos.

202

Figura 6.24. Fachadas de unidades acopladas do tipo CA82JG 2P Figura 6.25. Arranjo urbano sugerido para unidades acopladas do
3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de tipo CA82JG 2P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981).
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para
avaliação. (s/pág.). elaboração e avaliação. (s/pág.).

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


A Figura 6.26 apresenta uma perspectiva da implantação proposta para a tipologia com três dormitórios.
A Figura 6.27, a seguir, apresenta as plantas das unidades agrupadas. Note-se que, na Figura 6.26, a parte inferior
direita do desenho refere-se ao primeiro piso, a inferior esquerda ao segundo, a superior direita ao terceiro e a superior
esquerda ao quarto.

Figura 6.26. Perspectiva de implantação de unidades acopladas do


tipo CA8 2SG 4P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981).
Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e
avaliação. (s/pág.).

203

Figura 6.27. Plantas das unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q.
Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de projeto de
habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


A Figura 6.28 apresenta uma fachada lateral do pelas autoras) para a tipologia em estudo é mostrado na
mesmo projeto, assim como o corte indicado nas plantas Figura 6.29, onde se nota um sistema viário composto por
(ver figura anterior) e a fachada principal da implantação rampa principal (à esquerda do desenho), da qual partem
de dois agrupamentos de oito unidades intermediados por vias sem saída (como na extremidade esquerda do desenho)
escadaria. ou vias circundantes, periodicamente interligadas por
Nota-se, no corte, que o tipo de implantação pro- escadarias, como se vê na porção do desenho à direita da
posto evita paredes em contato com terra. A declividade rampa principal.
do terreno, tomando-se por base a fachada lateral, pode Note-se que cada quadrado, na figura, representa
ser bastante acentuada (por volta de 40%). um agrupamento de oito casas, nos moldes anteriormente
Do ponto de vista urbanístico, o princípio de implan- mostrados, enquanto cada retângulo, um agrupamento de
tação sugerido pelas autoras (denominado micro-urbanismo 16 unidades.

204

Figura 6.28. Corte e fachadas de unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


Figura 6.29. Micro urbanismo para unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).

205

Destaca-se com especial ênfase, no trabalho de Nos projetos específicos para encostas, as autoras
ANDRADE et SOUZA, um princípio geral de concepção reiteram este tipo de preocupação, sendo marcante o
de unidades e agrupamentos de unidades habitacionais que adensamento que buscam imprimir aos agrupamentos de
privilegia o acoplamento das habitações, tendo em vista unidades, incluindo geminações e sobreposições múltiplas.
otimizar os investimentos em infra-estrutura. Este é Detalhes construtivos necessários a uma implantação
efetivamente o alvo de suas investigações, para o que lançam mais segura, cujo custo seria praticamente impossível
mão de todo um aparato de geometria, de estatística e de absorver em unidades individuais isoladas, passam assim
cálculo, criando instrumentos para avaliar os resultados obtidos a viabilizar-se através do rateio dos custos entre várias
em seus projetos, assim como para avaliar novas proposições. unidades, espacialmente concentradas.

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


6.3 - Diversificação de tipologias O princípio da rígida e acrítica padronização era assim
habitacionais e a administração paulistana quebrado no âmbito da produção habitacional promovida
1989/1992 pelo Estado, dando espaço à particularização mais marcada
das soluções de projeto, o que, no que diz respeito a aspectos
No período 1989/1992, no município de São Paulo,
ambientais, reflete-se de forma altamente positiva. Isto se
então governado por políticos com bases nitidamente
conseguiu, aparentemente, sem agravamento de custos de
populares, assistiu-se, no campo da habitação de interesse
produção, indicando-se, pelo contrário, sua redução.
social, a uma série de esforços para inovações, destacando-
se uma particular dedicação à diversificação de tipologias No que pese o emprego de um grande rol de
habitacionais, incluindo-se aí o desenvolvimento de algumas posturas alternativas à tradicional forma de atuação de
tipologias específicas para encostas. Mesmo as tipologias Estado na questão habitacional, tais como o uso mais
mais convencionais, neste período, foram revistas e intensivo de projetos baseados em mutirões, a realização
passaram a ser empregadas com maiores cuidados no que de concursos de Arquitetura para novos projetos de
diz respeito à adaptação a condicionantes topográficas. conjuntos habitacionais, a ocupação de vazios urbanos com
Assim, tipologias efetivamente destinadas a terrenos planos, habitações para a população de baixa renda etc., cabe aqui
através de adaptações de estruturas de embasamento ou destacar, com centralidade, a questão do investimento no
de variações na forma de agrupamento passavam, nas desenvolvimento de novas tipologias.
implantações em terrenos acidentados, a demandar menores
movimentos de terra. A Figura 6.30 ilustra esta afirmação, Na Secretaria de Habitação do Município, formou-
através de corte de prédio de apartamentos destinado ao se o denominado Grupo Técnico de Diretrizes Urbanísticas e
conjunto Eiras Garcia (zona oeste de São Paulo). Tipologias Habitacionais, que produziu, em versão preliminar,
um Caderno de Tipologias Habitacionais, do qual constam 22
novas tipologias.
206

Figura 6.30. Conjunto Eiras Garcia – prédio tipicamente destinado a


terreno plano adaptado à topografia, com estrutura de transição.
Projeto: CAAP. Fonte: ANDRADE, C.R.M.,BONDUKI, N. et ROSSETTO,
R. (organizadores).(1993). Arquitetura e habitação social em São
Paulo – 1989-1992. (s/p).

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


O referido caderno apresenta também matriz que básico. Nota-se ainda que a declividade original do terreno
relaciona os projetos produzidos com variáveis físicas de é bastante elevada e foi corretamente mantida sem
terrenos (orientação, declividade e sentido de implantação), movimentações mais drásticas de terra, prevendo-se que a
com variáveis de necessidades (programa, tipo de maioria das unidades só terá acesso para pedestres, por
agrupamento e quotas líquidas de terrenos), com o tipo de escadarias. Na mesma situação, as soluções corriqueira-
acessibilidade (para veículos ou pedestres) e com o tipo de mente adotadas pelo Estado redundariam em enormes
produção (evolutiva ou não evolutiva). terraplenos para a adequação do terreno aos greides e larguras
de vias - para veículos - consideradas toleráveis e para a
Infelizmente, a qualidade gráfica dos desenhos, na
obtenção de lotes planos mais extensos, para suas parcas
versão disponível, é inadequada à reprodução. Porém, vale tipologias de habitações.
a pena comentar que das 22 tipologias produzidas, a maior
parte apresenta possibilidades de adaptação a topografias
mais movimentadas, principalmente através da
flexibilização na implantação. Por exemplo, ao invés de
“produzir-se” um terreno plano para a implantação de
renque plano de sobrados, usavam-se desníveis entre os
sobrados, variáveis de acordo com as necessidades,
acompanhando a topografia. Se este expediente representa
algo pouco original, sua utilização, em conjuntos produ-
zidos através do Estado, sempre esteve ausente. O Caderno
contempla também várias tipologias que absorvem
desníveis na própria unidade habitacional com utilização
de escalonamento de ambientes.
207
Utilizar, num mesmo conjunto, variantes de um
mesmo projeto básico, para melhor adaptação à topografia,
o que poderia até ser considerado como heresia pelas
companhias habitacionais municipais ou estaduais, foi outro
recurso utilizado largamente e com palpáveis vantagens,
como no caso do mutirão Santa Marta (projeto de urbanis-
mo de Washing Takish), constituído por 72 casas, mostrado Foto 6.9. Mutirão Santa Marta (região noroeste do
parcialmente na Foto 6.9. município de São Paulo). Fonte: PREFEITURA DO MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO (1991). Da utopia à construção - A
Na Foto 6.9 pode ser observada, nas casas, a participação popular na política habitacional em São Paulo.
Suplemento Especial da Revista Projeto, pp SP21.
presença de diferentes variantes de um mesmo projeto

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


As soluções habitacionais utilizadas no período mais densas, capazes de absorver melhor os custos de infra-
1989-1992 pela Prefeitura paulistana revêem também o estrutura.
urbanismo local das implantações, procurando alternativas
No Caderno de Tipologias Habitacionais prevalecem
mais ricas que o tradicional xadrez. A Foto 6.10 ilustra esta
afirmação, mostrando trecho da implantação do conjunto unidades de pequena largura e os agrupamentos lançam
Portal São Marcos, projeto de urbanismo da empresa System. mão de geminações, renques, sobreposições e justaposições
O desenho urbano adotado quebra a repetitividade através de unidades. Destaca-se finalmente, que, nas implantações,
de vias curvas e lança mão de unidades geminadas com a utilização de unidades dotadas de acesso exclusivamente
pequenos desníveis e com boa adequação à topografia. O voltado a pedestres, em encostas, foi um partido poucas
Portal São Marcos foi construído através de mutirão e vezes adotado, mas mostrou-se altamente pertinente nas
contém um total de 104 unidades habitacionais, de acordo situações empregadas.
com a FASE-SP (1995)8 . Infelizmente, a ausência de continuidade nas
A exemplo do que já foi comentado para os projetos posturas técnicas frente à questão habitacional, com a
da Secretaria de Habitação de Pernambuco, os desenvol- mudança na administração, trouxe de volta velhas tipologias
vidos pela Secretaria de Habitação de São Paulo denotam de edifícios pensados para terrenos planos que os prédios
também uma forte preocupação em obter implantações do projeto Cingapura efetivamente representam.

208

Foto 6.10. Mutirão Portal São Marcos – quebrando as repetitivas


implantações convencionais. Projeto urbanístico: System. Fonte:
ANDRADE, C.R.M.,BONDUKI, N. et ROSSETTO, R.
(organizadores).(1993). Arquitetura e habitação Social em São Paulo
– 1989-1992. (p.33).

8
FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). (1995). Mutirões autogestionários – Levantamento das obras 1989 a 1995.

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


6.4 - Considerações sobre os projetos urbanísticas e de edifícios efetivamente pensadas para
estudados terrenos íngremes. Hoje, o expediente-padrão que se obser-
va é o da tentativa de “construção” de terrenos planos nas
Cabe aqui destacar alguns aspectos de particular
encostas capazes de absorver a exígua diversidade de
interesse nos projetos estudados no que diz respeito ao
tipologias de habitações em uso.
urbanismo e às edificações.
Destaca-se ainda que, nos projetos estudados, ocorre
Verifica-se inicialmente que, em países desen-
um atrelamento entre características de projetos
volvidos, mostra-se freqüente a adoção de concepções de
urbanísticos e de edificações. Mesmo nos casos onde os
implantação que não pressupõem o acesso de veículos a
padrões urbanísticos são mais convencionais, percebem-se
cada uma das unidades habitacionais. Isto se dá, até mesmo,
esforços claros no sentido de, através de unidades
em projetos destinados a classes sociais outras que não a
habitacionais convenientemente concebidas, possibilitar boa
de baixa renda, como é o caso da construção escalonada
adaptação ao relevo. Isto conduz, novamente, a uma reflexão
de Auenstein, Suiça. Em se tratando de países desen-
sobre as formas de produção de espaços habitacionais a
volvidos, onde a normalização e a legislação tendem a ser
partir do simples parcelamento do solo, deixando sérias
igualmente desenvolvidas e as exigências dos usuários mais
dúvidas sobre sua pertinência e conveniência em encostas.
severas, verifica-se uma tolerância bem mais marcada a
este tipo de implantação. No caso brasileiro, este expediente, Como foi destacado no Capítulo 4, loteamentos em
se não é proibido, é claramente evitado e, como já se comen- morros acabam, isto sim, caracterizando-se por duas
tou anteriormente no Capítulo 3, a implantação de vias principais etapas de inadequações – uma na abertura do
para veículos em encostas é fonte importante de movi- loteamento, de acordo com a legislação vigente, e outra na
mentos de terra que, se puder ser evitada, conduz a projetos ocupação dos lotes, que, efetivamente, deixa muito espaço
mais adequados. É incompreensível que continuemos a ao azar. Em encostas, torna-se necessário adotar outras
utilizar acriticamente, em qualquer situação, lotes ou formas de abertura de setores habitacionais, que não mais
dissociem, de forma tão simplista, o espaço urbano em 209
unidades habitacionais que possibilitem obrigatoriamente
o acesso a veículos. vias, lotes e edificações. Este modelo é inadequado. A
concepção deve ser una.
Ainda que, em quase todos os projetos para encostas
aqui estudados, possa se inferir a utilização de ajustes de Outro aspecto que salta à vista, na maioria dos proje-
terreno para a implantação, estes, claramente, dão-se em tos estudados, é o nível de adensamento das implantações.
escala bem mais modesta que, por exemplo, o mencionado, Se este aspecto, nos projetos japoneses, pode denotar reflexos
no Capítulo 4, para o caso de Santa Etelvina. Em terrenos da escassez de terrenos no Japão, isto não se aplica aos demais
inclinados, os movimentos de terra são quase sempre casos, onde a densidade elevada é também marcante.
inevitáveis. Porém, fica claro que vale muito mais a pena Ocupações mais densas em encostas assumem, isto
realizá-los tendo em vista a implantação de tipologias sim, características de melhor adequação aos requisitos

Alternativas de projeto para a ocupação de encostas: proposições estrangeiras e nacionais


geotécnicos aplicáveis, pois fornecem melhores condições destinados a constar no rol da sub-habitação.
de proteção superficial aos terrenos e acabam constituindo Na pesquisa Retroavaliação do Programa SH-3,
verdadeiras estruturas de contenção, como fica cristalino, realizada pelo IPT em 50 conjuntos da CDHU, efetuou-se
novamente, nos projetos japoneses. É absurdo que um breve exercício para se aferir os efeitos da adoção de
continuemos insistindo em utilizar, em terrenos íngremes, terrenos grandes nos projetos habitacionais do Estado,
tipologias habitacionais como as TI 13 A, mostradas no como pode ser visto no relatório do IPT(1997)9, pp.84-85.
Capítulo 4, com frente de lote mínima de 9,40m e lote Verificou-se que, em 41 dos conjuntos, constituídos apenas
plano de 172m2! Este absurdo não se esgota em implanta- por unidades do tipo casa, cada unidade habitacional se
ções em encostas. Mesmo em regiões planas, lotes com implantava num terreno (lote) com área média de 196,2m2
estas características demandam investimentos descabidos e frente média de 9,8m. O número total de unidades era
em infra-estrutura urbana, indesejáveis num país com as de 11.380. Dispondo-se todas estas unidades em ambos
nossas condições. os lados de uma rua fictícia contínua, obteríamos uma via
Os mais resistentes à adoção de soluções mais com comprimento equivalente ao de 5.690 casas o que,
adensadas, em programas públicos de habitação, costumam em lotes com 9,8m de frente, representariam 55,7km.
se referir à extensão territorial de nosso país, que justificaria Se a tipologia de habitação adotada fosse, por
terrenos grandes para todos. Isto é uma meia verdade, pois, se exemplo, a de sobrados geminados em renques, com frentes
terrenos sem infra-estrutura são efetivamente abundantes, o individuais de 6,2m, em blocos de 8 unidades, espaçados
mesmo não ocorre com terrenos dotados de toda a gama de lateralmente por 3m (o que já permite excelentes soluções
requisitos necessários para a implantação de moradias. Se a de projeto) e, mantendo-se o mesmo número de unidades,
classe média brasileira vem habitando apartamentos (cada teríamos uma rua equivalente com comprimento de
vez menores), onde o terreno se resume a uma parcela ideal, 37,3km, ou seja, cerca de 18km a menos de redes de água,
não física, de um condomínio, talvez não seja adequado exigir, de esgotos, de energia elétrica, de drenagem, de iluminação
210 em programas populares, terrenos individuais e grandes. pública, de telefonia e de asfalto, só em 41 dos 50 conjuntos
Afinal, o que o Estado busca é assegurar condições dignas estudados.
de moradia àqueles que, fora dos seus programas, estariam

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IPT (1997). Retroavaliação do programa SH-3. Infra-estrutura e Urbanismo.

Coleção Habitare - Habitação e Encostas


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