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6.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
6.
Alternativas de projeto para a ocupação
de encostas: proposições estrangeiras e nacionais
N
o presente capítulo expõem-se e analisam-se projetos específicos para ocupações urbanas em
que, como se verá a seguir, tendem a se mostrar bastante distintos do tipo de ocupação que vem se dando no
caso brasileiro, visto no capítulo anterior, caracterizado por profundas inadequações, do mais formal ao mais
inevitavelmente, do uso da terra como mercadoria. Há no Brasil uma tendência marcada de utilização exaustiva
e predatória do espaço urbano. Quaisquer espaços das cidades, seja a curto, médio ou longo prazo, tendem
a passar por algum processo de ocupação. As cidades brasileiras tendem a tornar-se malhas contínuas,
transpondo ou arrasando morros, aterrando várzeas, enfim, eliminando eventuais obstáculos naturais, como já
se comentou no Capítulo 1. Periodicamente, a natureza cobra tributos da ocupação predatória, com enchentes,
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BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.
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GUANABARA (Estado) et DOXIADIS ASSOCIATES (1965). Guanabara - a plan for urban development.
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Figura 6.4. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - vista superior. Fonte: ZALEWSKI,W.P.,
KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
Figura 6.5. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - setores urbanos com diferentes
funções. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
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Figura 6.6. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - esquema básico de circulação. Fonte:
ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
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Figura 6.9. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para Figura 6.10. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana
encostas proposta para Pittsburgh - sistema construtivo em pré para encostas proposta para Pittsburgh – Corte perspectivado da
moldados de concreto Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et região de transição entre contrafortes principais e secundários.
GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970).
Massachusetts Institute of Technology. Cambridge.(s/pág.). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
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Como principais características de implantação, os disso, na proposição de Doxiadis, um senso apurado de escala
dois projetos de Moshe Safdie compreendem, na realidade, e de comunidade, que normalmente se perde nos grandes
megaestruturas rígidas resultantes do acoplamento de conjuntos habitacionais. Sua preocupação na definição de
módulos tridimensionais, que se apóiam nas encostas e são células comunitárias básicas, caracterizadas em torno de
permeadas por uma via principal de circulação de veículos a equipamentos urbanos, mesmo quando pressupõe
partir da qual há acessos às habitações, por escadarias. A agrupamentos maiores de células, tende a fazer com que os
Foto 6.1 mostra maquete de implantação do projeto Israel - resultados obtidos diferenciem-se bastante do desmesurado
190 Hábitat. poder de dispersão comunitária dos grandes conjuntos.
Os projetos até o momento mostrados representam Na proposição de Zalewsky, Kirby & Goethert, no
raros exemplares de proposições urbanísticas mais gerais que pese a monumentalidade bastante característica de uma
para encostas e, como pôde ser visto, contêm características época já superada, pode-se notar a busca de um conceito
que se distanciam bastante do urbanismo da malha contínua. de ocupação de encostas que, antes de mais nada, remete
No caso do projeto de Doxiadis, transparecem, para os terrenos mais acidentados o uso habitacional,
principalmente, características de um urbanismo linear, onde liberando os terrenos planos para os outros usos de solo
os setores urbanos, nas encostas, “penduram-se” num único necessários às cidades. A forte (e, por que não, discutível)
eixo viário estruturador, não pressupondo ligações outras presença da megaestrutura proposta na paisagem deixa,
entre setores que não a do próprio eixo. Transparece, além pelo menos, parte da paisagem original preservada por trás
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da grande construção, enquanto que, na malha contínua, a investimento nos módulos habitacionais, cuja concepção
referência paisagística dos morros tende a desaparecer original escraviza, em certa medida, as possibilidades reais
totalmente. Destaca-se fortemente ainda, no projeto para de adaptação ao relevo. Ainda que os módulos projetados
Pittsburgh, como já foi dito, a característica de obra de contemplem possibilidades de acoplamento capazes de
contenção impressa à megaestrutura e a eliminação do absorver desníveis, perdura um certo caráter de adaptação
tráfego de veículos nos setores habitacionais. do terreno à megaestrutura projetada, exigindo, às vezes,
movimentos de terra mais pronunciados para sua
Nos projetos de Safdie, observa-se que há um forte implantação.
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DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat.
As Fotos 6.2 apresentam, à esquerda, uma vista lateral (1977)4 reúnem também outras dezenas de projetos de
de implantação em Auenstein, Suiça, do projeto da Metron conjuntos residenciais onde apenas um, de autoria do
e, à direita, o detalhe de um terraço. arquiteto japonês K.Kikutake, elaborado em 1971, é mais
claramente destinado a terrenos de maior declividade. Trata-
As demais tipologias para encostas encontradas em
se de projeto também baseado em escalonamento de
El hábitat são, na realidade, variações de projetos escalo-
habitações, onde se destaca, inicialmente, que a grande
nados que não apresentam, no geral, aspectos de particular 193
estrutura resultante compreende vãos perdidos, entre o
interesse para o presente trabalho, pois constituem, bem
terreno e as unidades habitacionais, evitando-se contato
mais, alternativas de tratamento arquitetônico que,
direto entre paredes de espaços habitáveis e o solo, como
propriamente, princípios gerais de implantação.
mostra a Figura 6.18, que apresenta um corte típico,
Em Conjuntos residenciales – en zonas centrales, suburbanas perspectivado, da implantação.
y periféricas, DEILMANN, BICKENBACH e PFEIFFER
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DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER, H. (1977). Conjuntos residenciales – en zonas centrales, suburbanas y periféricas.
Denominado “Pasadena Heights”, o conjunto Vê-se ainda, na Figura 6.19, que Pasadena Heights é
projetado por Kikutake lança ainda mão de poços de uma construção isolada com via de acesso apenas local.
194 iluminação como recurso para possibilitar uma massa Impressiona, neste projeto, a grande massa construída
construída contínua de unidades idênticas parcialmente e, mesmo que não se faça menção a aspectos geotécnicos, na
sobrepostas e dispostas em “fiadas” deslocadas . obra de DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER,
A circulação geral no conjunto faz-se através de percebem-se características claras de uma grande estrutura de
escadarias que dão acesso a passarelas suspensas que formam contenção no projeto, como pode ser visto na Foto 6.3.
as circulações horizontais (e podem também ser observadas Chama ainda a atenção, no projeto de Kikutake, o
na Figura 6.18). Para melhor adaptação à topografia, o conjunto fato de que o acesso a automóveis esgota-se na parte baixa
acompanha, em linhas gerais, a sinuosidade das curvas de da implantação e que os desníveis entre os vários patamares
nível, resultando na forma de implantação que pode ser notada são vencidos apenas por escadarias, como pode ser visto
na Figura 6.19, vista superior do empreendimento. na Foto 6.4.
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YAMAZAKI, K. (1986). Tipologias de conjuntos habitacionais e segurança nas implantações. In TAKAHASHI, T. (Coordenador). (1986). Instabilizações em
encostas: investigação e prevenção de acidentes. Capítulo IX.
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Graças ao auxílio do geólogo Agostinho Tadashi Ogura, do IPT, que gentilmente traduziu os trechos de interesse do referido livro.
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ANDRADE, et SOUZA (1981). Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação.
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Figura 6.24. Fachadas de unidades acopladas do tipo CA82JG 2P Figura 6.25. Arranjo urbano sugerido para unidades acopladas do
3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de tipo CA82JG 2P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981).
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para
avaliação. (s/pág.). elaboração e avaliação. (s/pág.).
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Figura 6.27. Plantas das unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q.
Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de projeto de
habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).
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Figura 6.28. Corte e fachadas de unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).
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Destaca-se com especial ênfase, no trabalho de Nos projetos específicos para encostas, as autoras
ANDRADE et SOUZA, um princípio geral de concepção reiteram este tipo de preocupação, sendo marcante o
de unidades e agrupamentos de unidades habitacionais que adensamento que buscam imprimir aos agrupamentos de
privilegia o acoplamento das habitações, tendo em vista unidades, incluindo geminações e sobreposições múltiplas.
otimizar os investimentos em infra-estrutura. Este é Detalhes construtivos necessários a uma implantação
efetivamente o alvo de suas investigações, para o que lançam mais segura, cujo custo seria praticamente impossível
mão de todo um aparato de geometria, de estatística e de absorver em unidades individuais isoladas, passam assim
cálculo, criando instrumentos para avaliar os resultados obtidos a viabilizar-se através do rateio dos custos entre várias
em seus projetos, assim como para avaliar novas proposições. unidades, espacialmente concentradas.
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FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). (1995). Mutirões autogestionários – Levantamento das obras 1989 a 1995.
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IPT (1997). Retroavaliação do programa SH-3. Infra-estrutura e Urbanismo.
ANDRADE, C.R.M.; BONDUKI, N. ; ROSSETTO, R. (Org.). Arquitetura e habitação social em São Paulo - 1989-
1992. São Carlos: Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Arquitetura e
Planejamento, 1993.
ANDRADE, M.R.; SOUZA, M.A.A. Manual do projeto de habitação popular. Parâmetros para sua elaboração e
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GUANABARA (Estado). Comissão Executiva para o Desenvolvimento Urbano (CEDUG); DOXIADIS ASSOCIATES;
CONSULTANTS ON DEVELOPMENT AND EKISTICS Guanabara: a plan for urban development. Rio de
Janeiro: GUANABARA... 1965.
ZALEWSKI, W.P.; KIRBY, M.R.; GOETHERT, R.K. Building on slopes: an approach. Cambridge: Massachusetts
Institute of Technology, 1970.