Ano 10- Nº 34

Junho/2022

AFINAL, AVANÇAMOS
OU REGREDIMOS?
O real estado do combate à corrupção no Brasil

E MAIS:
Os desafios para o Compliance na área de criptoativos A importância de compreender,
e as oportunidades profissionais que eles representam de fato, as bases legais da LGPD
14. ESPECIAL
O que dizem as autoridades e o que
pensam os profissionais de Compliance
sobre o real estado do combate à
corrupção no Brasil?
A primeira publicação de negócios com
foco em Compliance do Brasil
Idealizador: Daniel Sibille
Diretora: Alessandra Gonsales
LEC Editora e Organização de Eventos
R. Bela Cintra, 1149 - 6º Andar -
Bela Vista, São Paulo - SP, 01415-907
Telefone: 55 11 3259-2837
E-mail: contato@lec.com.br
REDAÇÃO E EDIÇÃO
Editor: Aûani Cusma de Paula
Repórter: Cesar José Alves
Auã Mídia Especializada
Rua Wenceslau Bras, 220 - Sala 23
09542-200 – São Caetano do Sul – SP
auani@auamidiaespecializada.com.br
A revista LEC não se responsabiliza pelas
informações emitidas por terceiros.
www.lec.com.br
07. LEC NEWS
A prestação de contas de dois dos prin-
cipais órgãos de combate à corrupção
e à lavagem de dinheiro do Brasil.
36. LEC NEWS -
ANTICORRUPÇÃO
Uma mulher assume a liderança do
Grupo de Trabalho Antissuborno
da OCDE; a importante negociação
de leniência da Allied nas esferas
federal e estadual.
40. LEC EXPERIENCE
O maior evento online de Compliance
da América Latina vai pegar o que já
era muito bom para entregar algo
ainda melhor (e maior) neste ano.
44. LGPD
As bases legais servem de ponto de
partida para quem vai fazer o trata-
mento dos dados pessoais. Por isso é
tão importante a compreensão dos
limites e das peculiaridades de cada
uma delas pelos profissionais de
proteção de dados.
3
50. CRIPTOMOEDAS
A regulamentação dos agentes pú-
blicos tem avançado sobre o merca-
do cripto em todo o mundo, abrindo
uma estrada de oportunidades para
os profissionais de Compliance dis-
postos a entender esse segmento.
58. REGULAMENTAÇÃO
As instituições de pagamento cres-
ceram. As exigências regulatórias
sobre elas, também.
62. LEC NEWS
- PLDFT
A necessidade urgente de coibir
o financiamento do terrorismo e
a lavagem de dinheiro por grupos
de extrema direita e traficantes de
pessoas.
67. PAPO DE
COMPLIANCE
Abrindo as comemorações pelos
seus 10 anos, a LEC apresenta 10
histórias de vida transformadas pelo
Compliance.
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LEC • EDITORIAL
Uma década a serviço
do Compliance
Do alto dos seus quase dez anos de vida, a LEC testemunhou o
gigantesco avanço do Brasil na concepção e na estruturação do seu
arcabouço institucional e mercadológico de Compliance
S
im, é até difícil de acredi-
tar, mas neste ano de 2022,
a LEC vai comemorar os 10
anos de vida. O projeto nas-
ceu de um desejo meu e do
meu amigo Daniel Sibille, de movi-
mentar o mercado com um tema que
havia capturado nossas mentes e cora-
ções (literalmente, estávamos apaixo-
nados pelo Compliance), mas que era
ainda um deserto em termos de con-
teúdo e informação para quem quises-
se conhecer e aprender sobre a área e,
porque não dizer, de gente disposta a
desbravá-la. As primeiras gerações de
Compliance Officers no Brasil se fize-
ram sozinhas, indo atrás do pouco de
material didático que existia, lidando
com as novas exigências e regulamen-
tações na prática e trocando ideias
com outros poucos colegas na mesma
situação em suas respectivas indústrias
(principalmente bancos, seguradoras,
farmacêuticas e empresas de health-
care). Eram (e ainda são) profissionais
fantásticos, que desde sempre têm o
nosso carinho, respeito e admiração.
Só que aquele deserto - na verdade,
um universo pequeno, restrito a essas
pequenas bolhas setoriais -, também
representava um “oceano azul” de opor-
tunidades para quem tivesse a disposi-
ção e a coragem para encarar o risco de
trilhar um caminho desconhecido. Foi
o que fizemos. Nos comprometemos
com uma missão: “Difundir informa-
ções e conhecimento sobre Compliance
www.lecnews.com.br
para o ambiente de negócios no Bra-
sil, contribuindo para a disseminação
da cultura de Compliance”. E desde a
edição Nº 0 desta publicação e do pri-
meiro Compliance Day, em setembro
de 2012, não paramos de trabalhar e de
avançar com essa missão um minuto se-
quer. E posso garantir, que cada minuto
dedicado ao cumprimento dessa missão
valeu a pena.
No decorrer dessa década, pudemos
testemunhar os avanços e compartilhar
informação, conteúdo e histórias sobre
os impactos presentes e futuros de cada
um dos principais acontecimentos do
mercado, de legislações e regulamenta-
ções ao advento das tecnologias disrup-
tivas no dia a dia da área, passando pelos
enforcements das agências de governo no
Brasil e no mundo e as novas tendências
do mercado . E compartilhamos esse
conhecimento em diferentes platafor-
mas: revistas, livros, workshops, cursos,
treinamentos in company, confrarias,
grupos de trabalho, congressos virtuais e
presenciais
Aquele deserto de gente e ideias
ficou para trás. Hoje, o mercado pro-
fissional de Compliance é enorme no
Brasil. Nossos cursos especializados já
formaram mais de 10 mil pessoas e a
comunidade de Compliance da LEC,
com mais de 70 mil pessoas nas nossas
redes, é a maior do mundo.
Começamos pequenos, cientes do
tamanho dos desafios que teríamos pela
frente. Para enfrentá-los, desde o dia 1,
5
EU E DANIEL SIBILLE, NO 2º CONGRESO
INTERNACIONAL DE COMPLIANCE, EM
2014: a uma década, compromisso com a
missão da LEC renovada todos os dias.
contamos com o apoio de um grupo
muito especial de colaboradores: dos
nossos funcionários aos especialistas
do mercado, que aceitam de bom gra-
do, tomar parte da nossa missão como
fontes de conhecimento para a nossa
comunidade, seja como apoiadores de
conteúdo, apresentando e debatendo
nos nossos eventos ou ajudando na
formação e no aperfeiçoamento dos
profissionais que vão manter a roda do
Compliance girando no Brasil.
Começamos pequenos, mas sempre
sonhamos grande. E assim seguiremos.
Afinal, como um bom programa de
Compliance, a nosso trabalho é vivo,
dinâmico, porque a missão é contínua.
Boa leitura!
Alessandra Gonsales
Sócia-fundadora
contato@lec.com.br
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E SAIBA MAIS
LEC NEWS
Prestando contas
A
Controladoria-Ge-
ral da República
publicou seu Re-
latório de Gestão
referente às suas
atividades no exer-
cício de 2021.
No ano passado, a pasta aplicou 84
multas contra empresas fundamenta-
das na Lei Anticorrupção, somando
um montante de R$ 257,8 milhões.
Foram aplicadas 68 sanções de pu-
blicações extraordinárias de decisão
administrativa condenatória (quando
a empresa é obrigada a comunicar pu-
blicamente o malfeito e o acordo rea-
lizado), mais que o triplo aplicado no
ano anterior. A CGU instaurou um
total de 47 processos de responsabili-
zação de entes privados.
Quanto à celebração de acordos
de leniência, ao todo, foram cele-
brados 17 acordos com pactuação
do pagamento de valores de multa e
ressarcimento na ordem de R$ 15,44
bilhões, dos quais R$ 5,57 já retorna-
ram aos cofres públicos. Além disso,
cabe destacar que 10 novas empresas
procuraram a CGU para iniciar um
processo de colaboração. Ao todo são
www.lec.com.br
OPERAÇÃO DA CGU E DA POLÍCIA FEDERAL EM SANTA
CATARINA: No ano passado foram aplicadas 84 multas aplicadas
e realizadas 17 acordos de leniência com base na Lei Anticorrupção.
24 acordos de leniência em processo
de negociação.
Entre os dados apresentados, o
documento revela que no ano de
2021 o sistema eletrônico de preven-
ção a conflito de interesses (SeCI),
recebeu 2813 solicitações de infor-
mações, um incremento de 61% em
relação ao ano de 2020. A CGU atri-
bui o aumento, entre outros motivos,
a disseminação de programas de in-
tegridade por mais órgãos da admi-
nistração pública federal. Do total de
solicitações, foram realizadas 2562
análises, sendo que 90% delas foram
concluídas pelos próprios órgãos que
receberam a demanda. 10% dos casos
foram encaminhados para análise da
CGU por envolverem potencial con-
flito de interesses.
Em relação à responsabilização
de agentes públicos, foram instaura-
dos 66 processos investigativos para
apuração de supostas irregularidades.
Destacam-se ainda as investigações
instauradas para a apuração de casos
ocorridos no âmbito do Ministério da
Saúde, relacionados a supostas irre-
gularidades no combate à pandemia.
No mesmo período foram instaurados
7
Foto: Divulgaão/CGU
um total de 108 processos disciplina-
res sancionatórios e foram julgados
um total de 124 processos.
Em 2021, foram realizadas 64
Operações Especiais em trabalhos
conjuntos com a Polícia Federal,
Ministérios Públicos Federais e Es-
taduais, Receita Federal e outros.
A maior parte das ações conjuntas
buscou avaliar a gestão de recur-
sos federais repassados a Estados e
Municípios e teve como principal
objetivo, entre outros, desarticular
organizações criminosas especiali-
zadas em desviar recursos públicos,
mediante corrupção passiva e ativa,
advocacia administrativa e lavagem
de dinheiro. Essas operações identi-
ficaram prejuízo potencial estimado
em 405,5 milhões de reais em diver-
sas áreas de programas do governo,
tais como gastos emergenciais para
enfrentamento da Covid-19, Progra-
ma de Alimentação Escolar, do Pro-
grama de Apoio ao Transporte Esco-
lar, do Fundo de Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais de Educação.
O Relatório de Gestão da CGU está
disponível no site da própria pasta.
LEC NEWS
Comunicações crescentes
O
Conselho de Controle
de Atividades Finan-
ceiras (Coaf ) acaba de
publicar os resultados
de suas atividades no
ano de 2021. De acordo com o Re-
latório, em 2021 o Coaf produziu
12.512 Relatórios de Inteligência Fi-
nanceira (RIF), os quais relacionaram
908.146 pessoas físicas ou jurídicas e
consolidaram 479.390 comunicações
de operações. Atualmente, a base de
dados do Coaf reúne mais de 34 mi-
lhões de comunicações de operações
suspeitas e em espécie. Desse total,
cerca de 22%, aproximadamente 7,4
milhões de comunicações, foram re-
cebidas somente em 2021, provenien-
tes dos setores obrigados.
O texto aponta para um aumento
substancial no número de movimen-
tações suspeitas em alguns setores.
Em especial os de Bancos (248.978,
em 2020; para 441.339, em 2021);
Mobiliário (54.353, em 2020; para
181.219, em 2021) e Notários e Re-
gistradores, referente aos Cartórios,
(526.400, em 2020; para 877.408,
em 2021). Tendência que se reflete
também no número de movimenta-
ções em espécie, praticamente, nos
mesmos setores.
Os RIF elaborados pelo Coaf são
destinados às autoridades competen-
tes para subsidiar eventuais procedi-
mentos investigativos. As informações
que integram um RIF são eminente-
mente de inteligência financeira e
protegidas por sigilo legal e somente
são difundidas às autoridades com-
petentes quando verificados indícios
de crimes de lavagem de dinheiro, de
financiamento do terrorismo, de fi-
nanciamento da proliferação de armas
de destruição em massa ou de outros
ilícitos. O que não significa que sejam
provas de ilícitos, mas indícios que
devem ser adequadamente investiga-
8 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
Foto: Marcelo Camargo /Agência Brasil
SEDE DO BANCO DO BRASIL, EM BRASÍLIA: as
instituições financeiras quase dobraram o número
de comunicações suspeitas ao COAF em 2021.
dos pelas autoridades competentes.
De acordo com os dados apresen-
tados no documento, de 2020 para
2021 houve aumento considerável na
colaboração entre o órgão e a Polícia
Federal (de 3.574 trocas de informa-
ções, em 2020, para 4.897, em 2021).
No caso da Polícia Civil também ocor-
reu um incremento no número cola-
boração, passando de 4.286 trocas em
2020, para 6.375, no ano seguinte.
Por outro lado, é possível notar
uma queda no número de trocas de in-
formações relacionadas a órgãos como
Ministério Público Federal (de 735,
em 2020; para 444, 2021), Ministério
Público Estadual (de 2.028, em 2020;
para 1.629, em 2021) e Procuradoria-
-Geral da República (de 29, em 2020,
para 21, em 2021). Queda também
perceptível em relação a outros órgãos
como Justiça Federal, Justiça Estadual,
Receita Federal e Controladoria Geral
da União CGU.
LEC NEWS
Com o apoio da Ciência
A
Ocyan, empresa do
setor de óleo e gás do
grupo Novonor, e a
CLOO Behavioral In-
sights Unit, empresa
especializada na apli-
cação das Ciências Comportamentais,
estabeleceram parceria para um proje-
to inédito de pesquisa científica sobre
Compliance comportamental no am-
biente corporativo.
Pelo projeto, ao longo do ano, os
funcionários da Ocyan vão participar
de pesquisas e dinâmicas desenvolvi-
das pela CLOO com base nas Ciên-
cias Comportamentais que abordam
dilemas éticos comuns ao dia a dia
das organizações. De acordo com a
empresa, o objetivo é compreender se
as respostas e reações das pessoas mu-
dam em razão de pequenas alterações
no enquadramento da mensagem ou
no contexto em que são apresentadas.
Por exemplo, as pessoas são mais tole-
rantes a um desvio se este for apresen-
tado como sendo algo comum em um
determinado cenário, em comparação
com um outro cenário em que este
desvio é apresentado como algo in-
comum? Ao final das pesquisas, serão
produzidos relatórios que pretendem
contribuir para o aprimoramento per-
www.lec.com.br
manente de práticas de conformidade
na Ocyan e fora dela.
“Resolvemos buscar apoio exter-
no para nos aprofundarmos no tema
e contribuir cientificamente para ter-
ritórios além da Ocyan. Em tempos
em que a ciência tem sido tão coloca-
da em xeque, nos valermos dela para
contribuir socialmente é não apenas
um posicionamento claro da Ocyan,
mas também um serviço voluntário
que só reforça nosso propósito na ex-
celência da busca da energia que im-
pulsiona o mundo”, explica Gilberto
Couto, vice-presidente de Conformi-
dade da petroleira.
O processo da CLOO combina
técnicas qualitativas e quantitativas
de coleta e análise de dados, para
buscar compreender os fatores que
influenciam o comportamento hu-
mano e, a partir desses dados, desen-
volver intervenções comportamen-
tais que tenham impacto positivo
para as organizações e seus colabora-
dores. “Nosso projeto com a Ocyan
tem um forte propósito social, pois
contribuirá para o desenvolvimento
do Compliance Comportamental”,
acredita Izabel de Albuquerque, head
da área de Compliance Comporta-
mental da CLOO.
9
Orientações
Atualizadas
A
Agência Nacional de Proteção de
Dados (ANPD) lançou no final de
abril, a primeira atualização do
Guia Orientativo para Definições
dos Agentes de Tratamento de Dados Pes-
soais e do Encarregado, lançado em maio do
ano passado.
A versão 2.0 do documento traz mais
esclarecimentos sobre as atribuições do En-
carregado e esclarece também uma dúvida
que muitos ainda tinham: a de que, pelo
menos por enquanto, não há necessidade
de registro da sua identidade junto à ANPD.
O novo guia também deixa claro que,
de acordo com a Resolução n. 02, o registro
de operações de tratamento poderá ser feito
de maneira simplificada, assim como os inci-
dentes de segurança, no caso de agentes de
tratamento que se enquadrem como sendo
de pequeno porte.
Além de definições, o guia fornece
exemplos práticos e explica quem é o con-
trolador e o operador e quem pode exercer
a função de encarregado e suas responsabi-
lidades, além de trazer conceitos presentes
em cadeias mais complexas, como nas que
envolvem sub operadores, caso por exemplo
da contratação de serviços de armazena-
mento em nuvem por terceiros, para arma-
zenar dados que tem como controlador a
empresa contratante do serviço.
A Agência lembra que a atualização do
guia é resultado da contribuição da socie-
dade, do amadurecimento do tema e de sua
harmonização com as produções normativas
da ANPD.
LEC NEWS

Riscos já não

Foto: Divulgaão/PhosAgro
tão emergentes

DEPÓSITO DA FABRICANTE RUSSA DE

FERTILIZANTES PHOSAGRO: guerra na
Europa quebrou o fornecimento de insumos
importantes para o Brasil e o mundo. E
onde há escassez, há riscos de corrupção.

10 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

LEC NEWS
E
mbora o avanço da vacinação no Bra-
sil tenha feito com que começássemos
2022 sob a expectativa de uma retoma-
da da vida a algo próximo da norma-
lidade com as quais estávamos acostu-
mados, a verdade é que este era um ano
com muitos problemas já contratados
no campo econômico, social e político, com eleições
em um ambiente conturbado (para dizer o mínimo).
Mas tudo pode se complicar um pouco mais, e isso de
fato aconteceu com a invasão da Ucrânia pela Rússia,
afetando o fornecimento e os preços de commodities
importantes como petróleo, gás e fertilizantes. Definiti-
vamente 2022 não será um ano dos mais fáceis e o estu-
do Top Emerging Risks: 2022, recentemente publicado
pela KPMG, aponta que principalmente do ponto de
vista dos riscos de gestão, este ano promete demandar
muita atenção e diligência.
Parceria do ACI Institute Brasil com a Board Leader-
ship Center da KPMG, o estudo é realizado a partir de
entrevistas com diversos especialistas sobre os riscos que
devem vir à tona em 2022, além dos que devem conti-
nuar em evidência, caso do monitoramento de terceiros,
que tem se tornado um risco cada vez mais relevante e
estratégico, tanto do ponto de vista reputacional quando
do operacional. A necessidade de as empresas contarem
com um bom controle de gestão de riscos de terceiros
aumentou, principalmente levando-se em conta a dis-
rupção nas cadeias de suprimentos causada pela pande-
mia. Segundo o estudo, será preciso que as organizações
estejam atentas ao risco prático de terceiros em suas ope-
rações cotidianas. É preciso que haja um monitoramen-
to no modo como as contratações desses parceiros são
feitas, sobre como os seus profissionais são treinados e
quais os termos e compromissos em vigor relacionados
ao Compliance.
Como não poderia deixar de ser, a cibersegurança é
outro apontamento importante entre os maiores riscos
para as corporações neste ano e a preocupação mais ci-
tada pelos entrevistados. No decorrer dos últimos dois
anos, as empresas se viram obrigadas a acelerar forte-
mente o seu processo de transformação digital. Apenas
nos três primeiros meses da pandemia, os investimentos
em Tecnologia da Informação sofreram um aumento de
US$ 15 bilhões. Mas, como já era de se esperar, muitas
das mudanças foram realizadas com pouco ou nenhum
planejamento, abrindo espaço para um bom número
de oportunidades para a ação de hackers. “Temos visto
ataques cada vez mais frequentes e elaborados, atingin-
do organizações dos mais diversos setores e portes. Se
os controles relacionados à cibersegurança das empre-
sas não estiverem preparados para enfrentar toda uma
geração de novos ataques que estão por vir, os estragos
www.lec.com.br
podem ser imensuráveis”, aponta o estudo. A maior
complexidade do cenário regulatório de privacidade e
proteção de dados também representa um grande risco
para empresas que não estiverem preparadas. Até porque
as regulamentações aumentaram os direitos individu-
ais de privacidade, permitindo que os consumidores se
apropriem de seus dados, tornando a gestão de seguran-
ça da informação e de privacidade ferramentas estratégi-
cas para os negócios.
Na seara da prevenção à lavagem de dinheiro, o re-
latório chama atenção para a implementação de normas
para prevenir e combater a lavagem de dinheiro e o fi-
nanciamento ao terrorismo, exigidas pelos órgãos regu-
ladores e que deve ganhar ainda mais importância em
2022. O relatório cita a resolução número 50, editada
pela CVM em agosto de 2021 e que amplia as medidas
de conformidade em relação a PLDFT para empresas
que prestam serviços de distribuição, custódia, interme-
diação ou administração de carteiras, além de entidades
que prestem serviços relacionados ao mercado mobiliá-
rio. Mesmo para as companhias que não estão cobertas
pela resolução no. 50, o texto alerta para o olhar insis-
tente das autoridades para esses temas e para uma maior
especificação sobre as funções esperadas do diretor res-
ponsável e da alta administração com ênfase na impor-
tância da política de “Conheça Seu Cliente”
Outra Big 4, a Deloitte, também publicou recente-
mente um relatório relacionado à gestão de riscos. A
pesquisa “Cinco Pilares de Riscos Empresariais 2022”
analisou as percepções de 130 empresas que atuam no
Brasil e investigou os mais relevantes temas relacionados
à gestão de riscos, controles e governança corporativa
no ambiente de negócios do Brasil. Segundo um estudo,
frente a um contexto de negócios global e interdepen-
dente, a função de gestão de riscos deve transformar-
-se para endereçar não apenas os aspectos financeiros e
operacionais, mas privilegiar também os grandes temas
de impacto sobre os negócios, tais como mudanças cli-
máticas, ESG e cadeia de fornecimento.
Segundo a Deloitte, embora as empresas tenham
avançado na estruturação de áreas e funções para a gestão
de riscos, elas enfrentam desafios em termos de formali-
zação, integração e acompanhamento tempestivo e con-
tínuo dos processos. Na mesma linha, o estudo aponta
que a tecnologia é ainda explorada de forma superficial
pelas empresas em seus processos de gestão de riscos,
quando poderia ser uma forte aliada para habilitar a in-
tegração, o caráter preditivo e a automatização dos re-
portes relacionados à função. “Ainda há muito a ser feito
para que as empresas alcancem um nível de maturidade
e responsabilidade na cultura organizacional, principal-
mente em tempos de disruptura constante”, conclui o
estudo da Deloitte.
11
Foto: Reprodução/Human Security Collective
LEC NEWS
Mudanças para as próximas rodadas
O
processo de ava-
liação mútua rea-
lizado por grupos
de países membros
do FATF-GAFI -
que estabelece as
regras globais sobre prevenção à la-
vagem de dinheiro, financiamento do
terrorismo e proliferação de armas -,
nos países que estão sob o guarda-
-chuva da entidade, representa um
dos mecanismos mais importantes
para analisar a capacidade, a adequa-
ção, os avanços e as falhas que preci-
sam ser corrigidas pelos Estados na-
cionais nos seus ambientes internos
para que estes estejam em harmonia
com as diretrizes da entidade e, mais
importante, possam ser efetivos na
prevenção e no combate aos crimes
dessa natureza no contexto global.
Por essa importância, vale des-
tacar que durante a última reunião
plenária da entidade, realizada no
início de março, foram apresenta-
das novas diretrizes para a próxima
rodada, a quinta, dos processos de
avaliações mútuas.
Entre as mudanças, o FATF-
-GAFI pretende tornar os ciclos de
avaliação significativamente mais
curtos, para que os países sejam ava-
liados com mais frequência. Também
será dada maior ênfase nos principais
riscos, para garantir que os países se
concentrem nas áreas onde os riscos
são efetivamente mais elevados no
contexto daquela jurisdição. Por fim,
o processo de avaliação e de acompa-
nhamento será mais orientado para
resultados e concentrado em ações
específicas para combater a lavagem
de dinheiro, o financiamento do ter-
rorismo e o financiamento de armas
de destruição em massa.
Considerando a avaliação dos pa-
íses em relação à PLDFTA com base
nos resultados da quarta rodada de
avaliações mútuas, cujo relatório
também foi apresentado na última
reunião plenária, o FATF-GAFI ava-
lia que os países vêm progredindo na
melhoria da conformidade técnica,
estabelecendo e promulgando uma
12
EVENTO SOBRE AS AVALIAÇÕES
MÚTUAS DO FATF-GAFI, EM
LONDRES: novas rodadas de
avaliação serão feitas em ciclos de
tempo menores, concentrada em
ações mais específicas e olhando
para a efetividade.
ampla gama de leis e regulamentos,
estabelecendo bases legislativas fir-
mes para as autoridades nacionais
“seguirem o dinheiro” que alimenta
o crime e o terrorismo.
De acordo com a entidade, em
termos de leis e regulamentos, 76%
dos países já implementaram satis-
fatoriamente as recomendações do
órgão, um salto grande quando se
leva em conta que dez anos atrás,
esse indicador estava em 36%. Para
o FATF-GAFI, trata-se de uma de-
monstração do impacto positivo dos
processos de avaliação e acompanha-
mento mútuo.
Do outro lado, o relatório tam-
bém destaca que muitos países ainda
enfrentam desafios substanciais para
tomar medidas eficazes de acordo
com os riscos que enfrentam. Isso in-
clui dificuldades em investigar e pro-
cessar grandes casos que envolvam
operações além de suas fronteiras
e impedir que empresas de fachada
anônimas e fundos fiduciários sejam
usados ​​para fins ilícitos.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
 ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
Imagem: Shutterstock

13 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

AFINAL,
AVANÇAMOS
OU REGREDIMOS?
O que dizem as autoridades e o que pensam os profissionais
sobre o real estado do combate à corrupção no Brasil?

www.lec.com.br 14
14 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
E
m março deste ano,
a Transparência In-
ternacional, uma
das mais ativas e in-
fluentes instituições
globais não-governa-
mentais no âmbito
da integridade pública e do comba-
te à corrupção, enviou ao Grupo de
Trabalho Antissuborno Internacional
OCDE, responsável pelas diretrizes e
pelo acompanhamento da aplicação
da convenção antissuborno interna-
cional de agentes públicos nos países
signatários, um relatório apontando o
que, segundo a entidade, seriam “Re-
veses legais e institucionais no com-
bate à corrupção no Brasil”. Trata-se
de um amplo e duro documento, que
elenca novas evidências para o que a
entidade entende representar a perda
de independência e o avanço da inge-
rência política por parte do Poder Exe-
cutivo federal nas agências que atuam
na área, como a Polícia Federal, o
Fisco, o COAF, a Procuradoria-Geral
da República (órgão que, ao contrário
dos outros mencionados, não está sob
o guarda-chuva do Executivo), entre
outros. A Transparência Internacional
também elenca as mudanças na Lei
de Improbidade Administrativa e a
aprovação da Lei de Abuso de Auto-
ridades como pontos de atenção, uma
vez que, na visão da entidade, concor-
rem para dificultar, ou mesmo inibir,
a ação das autoridades de investigar e
acusar pessoas poderosas envolvidas
em corrupção.
Maiores empecilhos na aplica-
ção da Lei de Acesso à Informação e
o advento das “Emendas do Relator”
(popularmente conhecida como orça-
mento secreto), contribuem para uma
menor transparência do poder público.
O orçamento secreto também seria, na
visão da Transparência Internacional,
uma forma por meio do qual o Execu-
tivo controlaria o Legislativo, embora
na prática, não seja equivocado dizer
que o movimento seja o contrário, ou
seja, é um elemento a mais de controle
do atual legislativo sob o governo fe-
www.lec.com.br
deral, nesse caso, diretamente sobre o
orçamento federal. O relatório vem na
esteira de denúncias anteriores realiza-
das pela própria Transparência Inter-
nacional em 2019 e 2020.
O envio do documento ao Gru-
po de Trabalho não parece fruto do
acaso. O Brasil pleiteia um lugar na
OCDE e chegou a fazer inúmeras
concessões comerciais e políticas aos
Estados Unidos apenas para obter
do então presidente norte-americano
Donald Trump, o apoio do país à pos-
tulação brasileira. Mas, a entrada na
OCDE demanda dos países uma série
de processos, ajustes e disposições le-
gais, para que estejam de acordo com
os requisitos mínimos para fazer par-
te da instituição. E os mecanismos de
transparência e combate à corrupção
figuram entre eles.
O Ministério Público Federal se
manifestou sobre o relatório por meio
de carta assinada por Hindemburgo
Chateaubriand Filho, Subprocurador-
-Geral da República, e Secretário de
Cooperação Internacional, endereça-
da ao próprio Drago Kos, chefe do
grupo de trabalho antissuborno inter-
nacional da OCDE, na qual manifesta
o levantamento da entidade “possi-
velmente se baseou em dados frágeis,
revestindo-se de avaliações subjetivas
e carentes de materialidade”. O do-
cumento diz que uma série de dados
relacionados aos números da atividade
que se relacionam com o combate à
corrupção, publicizados pelo Ministé-
rio Público Federal (e mencionados na
carta enviada à Kos), “foram desconsi-
derados no relatório da Transparência
Internacional Brasil”.
Já o Ministro da Controladoria-
-Geral da União (CGU), Wagner Ro-
sário, afirmou que o Brasil é tratado
pela Transparência Internacional de
forma única. “Toda reunião do Grupo
de Trabalho tem alguém da Transpa-
rência Internacional com um relatório
sobre o Brasil. É o único País contra
o qual se produz um relatório especí-
fico e não acredito que o Brasil seja o
País mais corrupto do mundo, com os
15
maiores problemas do mundo”, apon-
ta o chefe da controladoria. Rosário
diz que o Brasil recebeu 93 recomen-
dações da OCDE feitas durante os
processos de avaliação, 61 delas oriun-
das da fase 3 do processo. Dessas, 41
já estão cumpridas e 14 são questões
de acompanhamento, aquelas que re-
presentam uma ação contínua, como
fortalecimento e incremento dos me-
canismos de transparência, e uma ou-
tra está parcialmente cumprida. Das
seis ainda não resolvidas, na visão do
Ministro, quatro se relacionam a su-
borno internacional, uma a lavagem
de dinheiro e uma à proteção de de-
nunciante, o que com a edição dos
decretos 10183/2019 e 10890/2019,
que tratam da não-retaliação aos de-
nunciantes, Rosário acredita colocou
o Brasil em conformidade com a reco-
mendação. “Então caímos para cinco
pendências. Três já estão endereçadas
no Plano Nacional Anticorrupção e
duas ainda estão em tratativas, mas
são questões não muito complexas,
relacionadas a manuais. Claro que te-
mos situações que vão ser apresentadas
a nós na avaliação da quarta avaliação,
estamos relendo todas as recomenda-
ções de 2021, bem vinculadas ao que
já tinha antes.
Não se pode dizer o quanto a mo-
vimentação da Transparência Inter-
nacional influenciou na avaliação dos
membros do grupo, mas é fato que o
próprio Kos fez menções a um supos-
to retrocesso no combate à corrup-
ção no Brasil. Depois de emitir dois
alertas em 2019, relatando suas pre-
ocupações, e após o envio, no mesmo
ano, de uma missão especial ao Brasil,
algo já bastante raro, no ano passado
o grupo decidiu estabelecer, de for-
ma inédita, um subgrupo dedicado a
monitorar a aplicação da convenção
antissuborno internacional por aqui,
algo que surpreendeu o ministro Ro-
sário, dada a avaliação que ele fez da
visita do grupo, em especial, das ques-
tões colocadas ao País e das respostas
oferecidas pelos seus representantes
aos membros da missão. De acordo
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
Foto: Hervé Cortinat/OCDE
com o regramento do grupo, tal medi-
da é aplicável de forma extrema, quan-
do podem existir falhas na aplicação
dos artigos da convenção.
Segundo o grupo liderado por Kos,
entre as principais motivações para a
criação desse subgrupo, estavam o fim
“surpreendente” da Lava Jato, dificul-
dades no uso da Lei de Acesso à Infor-
mação e no acesso a informações de
inteligência financeira, além da apro-
vação da Lei de Abuso de Autoridade.
“A convenção antissuborno interna-
cional dá muito valor à estrutura de
combate à corrupção. Num ambiente
tumultuado, quando o analista exter-
no vê a lei da ficha limpa questionada
no Supremo, a Lei da improbidade
alterada no meio disso tudo, o obser-
vador internacional vai se perguntar
qual o objetivo de, agora, buscar re-
duzir o alcance ou quem está sujeito
à lei”, acredita Felipe França, diretor
de Compliance do Twitter, uma das
principais redes sociais do mundo.
Questionada pela reportagem da
BBC Brasil, quem primeiro trouxe a
notícia da criação do subgrupo, se na-
quele momento (em 2021), as práticas
brasileiras (relativas à prevenção e ao
combate à corrupção), seriam suficien-
tes para o País entrar na OCDE, Kos
disse: “há três anos, diria que sim, com
certeza. Hoje, simplesmente não sei”.
Nesse cenário pintado por dois dos
principais atores globais relacionados
com a área, da perspectiva do Com-
pliance e dos seus profissionais, após
mais de uma década de grandes con-
quistas, é justo dizer que estamos re-
trocedendo no combate à corrupção?
O alarido internacional, que repercute
intensamente por aqui, inclusive poli-
ticamente, tem razão de ser?
Não é uma questão com uma res-
posta simples, especialmente se olhar-
mos isso de uma perspectiva mais
técnica e desapaixonada, deixando de
lado questões de preferências pessoais
e políticas que, quando o assunto é o
combate à corrupção, ainda prevalecem
e contaminam muito do debate público
sobre o tema. É preciso separar a ques-
tão estrutural de aspectos conjunturais.
Especificamente em relação à con-
venção da OCDE, é preciso ter em
16
DRAGO KOS,
EM REUNIÃO
MNISTERIAL
ANTISSUBORNO
DA OCDE: o chefe
do Grupo de Trabalho
fez críticas ao Brasil
em muitos momentos
nos últimos anos, mas,
em evento no úlirmo
mês de maio, disse
que não vê no Brasil
problemas estruturais e
institucionais, mas sim
algumas questões que
precisam de atenção.
mente seu objetivo maior. Como o
nome já diz, o foco da convenção é
o combate à corrupção fora das fron-
teiras de cada país signatário. E, mais
especificamente, aquela que envolve
agentes públicos desses países. Isso
explica porque a Colômbia, uma na-
ção que recentemente foi aceita como
membro da organização multilate-
ral, ter centrado esforços e recursos
para estabelecer um arcabouço legal
e uma estrutura para aplicação da lei
nos casos de corrupção internacional,
deixando em segundo plano o avanço
nas estruturas e nos enforcements rela-
cionados ao combate à corrupção que
existe nas relações público x privadas
dentro do próprio país, que assim
como no Brasil, é onde reside a maior
parcela dos problemas.
A Lei Anticorrupção brasileira, em-
bora pensada para atender a convenção
(o Brasil foi dos últimos signatários a
contar com uma lei adequada), desde a
sua concepção deu mais ênfase à ques-
tão da corrupção nas relações público x
privada dentro do próprio país, como
deveria ser mesmo. Isso ajuda a expli-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
REUNIÃO DE AUTORIDADES BRASILEIRAS COM A OCDE NA SEDE DA ENTIDADE, EM PARIS: a estrutura de combate
à corrupção e a sua efetividade são aspectos muito importantes para a aceitação do País pela organização multilateral.
car muito do avanço inicial do Com-
pliance no ambiente de negócios brasi-
leiros. Com um volume gigantesco de
compras públicas nas diferentes esferas
federativas (não nos esqueçamos que
são mais de 5500 municípios), além
de um Estado muito presente em dife-
rentes aspectos da economia e de leis e
burocracias que tornam muitas coisas
bem mais complicadas e difíceis do que
deveriam ser num país relevante para o
mundo em diferentes aspectos, gastar
energia numa lei que olhasse apenas
para fora do território nacional, como
é o FCPA norte-americano, seria uma
grande oportunidade perdida. Embo-
ra seja o maior produtor de alimentos
do mundo e um líder na exportação de
commodities agrícolas e minerais, a ver-
dade é que a inserção do Brasil no co-
mércio internacional é pequena frente
ao tamanho da nossa economia. Além
disso, ainda são relativamente poucas
as empresas brasileiras com operação
realmente forte no exterior ou vendas
diretas ao estrangeiro (sem a interme-
diação de uma trading, como é bastante
comum no mercado agrícola).
De qualquer forma, para endere-
çar essa questão do combate à corrup-
www.lec.com.br
ção internacional, a CGU tem feito
uma série de estudos, cruzando dados
dos segmentos que mais exportam e
dos países que mais recebem as nossas
exportações para entender onde po-
dem estar os maiores riscos. Uma das
recomendações da OCDE que ainda
precisam ser resolvidas, segundo o mi-
nistro, é uma fragilidade na utilização
dos meios disponíveis para identificar
suborno estrangeiro. O Brasil dispõe
de muitas ferramentas para detecção
de lavagem de dinheiro, que se casa,
mas não é específica para suborno
transnacional. Aliás, em muitos as-
pectos, o que falta é estabelecer trei-
namentos específicos dentro de outros
órgãos, como a Receita Federal e seto-
res obrigados a reportar para o COAF,
para que os seus agentes possam iden-
tificar situações típicas, já classificadas
pela OCDE, como de risco de subor-
no estrangeiro.
Em evento realizado pelo comitê
de compliance da International Bar
Association (IBA) e pelo comitê de
integridade da International Chamber
of Commerce (ICC), em meados de
maio, tratando justamente da entrada
do Brasil na OCDE e que contou tan-
17
Foto: Jean Daniel/OCDE
to com a participação de Kos, quanto
de Rosário. Em sua fala, o colabora-
dor da OCDE, que vem manifestan-
do críticas ao Brasil, disse que não vê
hoje no País, problemas do ponto de
vista institucional, de legislação. A
sua preocupação, já manifestada ante-
riormente, se dá mais em função de
medidas vindas do Supremo Tribunal
Federal e do Parlamento local, que, na
visão dele, representam entraves para
o combate à corrupção no Brasil. O
que sustenta, de certa forma, as mo-
tivações para a criação do comitê de
acompanhamento do grupo de traba-
lho. Para Rosário, a preocupação de
Kos é natural, mas a realidade de um
país é muito difícil de se compreen-
der, ainda mais por quem está de fora,
a começar pelas questões que versam
sobre a ação de outros poderes. “O
nosso plano anticorrupção hoje é do
governo federal, mas entendo que ti-
nha que ser um plano do País”, lem-
bra Rosário, para quem trata-se de
um processo que demanda um grau
de maturidade institucional e política
que vão sendo alcançados passo a pas-
so. O ministro aponta, por exemplo,
para questões muito particulares da
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
realidade local, como as brigas inter-
nas de poder em instituições do País,
que na visão dele, se utilizam de orga-
nismos internacionais, como o grupo
de trabalho, para chamar atenção do
mundo para uma questão que deveria
ser resolvida internamente, dentro da
própria instituição. “Tenho confiança
total no trabalho do Drago Kos, sei
da qualidade da equipe, mas acho que
eles têm que ter um cuidado muito
grande para não ser influenciado por
situações que não representam a reali-
dade dos fatos, mas mais uma percep-
ção dos membros de uma instituição
ou de membros dessas instituições. E
não digo isso para amenizar os proble-
mas que o Brasil tem. Os organismos
internacionais têm esse papel de ex-
plorar as nossas fragilidades para que
possamos melhorar”, diz o Ministro.
O PROBLEMA NÃO
É A CONVENÇÃO
Na prática, o barulho pouco (ou
nada) tem a ver com as regras de com-
bate à corrupção de agentes públicos
no exterior. Claro que temos as re-
percussões no exterior da Lava Jato,
em especial na América Latina, mas,
como trataremos mais à frente, tam-
bém nesse particular, a Lava Jato deve
ser encarada como algo excepcional,
um ponto fora da curva.
Então, voltemos ao ponto: é corre-
to afirmar que existe um arrefecimen-
to no combate à corrupção no Brasil?
A estrutura institucional de com-
bate à corrupção no Brasil avançou
de forma consistente ao longo das
últimas duas décadas, convertendo-se
num dos microssistemas de prevenção
e combate à corrupção no setor pú-
blico mais interessantes e abrangen-
tes do mundo. Temos um conjunto
de legislações e regulamentações e de
agências de investigação e aplicação da
lei equipados com recursos humanos
e técnicos bastante sofisticados e cujo
trabalho é reconhecido pela comuni-
dade internacional de Compliance.
De fato, poucos países evoluíram
tanto em um período relativamen-
te curto. A criação do que é hoje a
CGU se deu apenas em 2001. A LAI,
uma das ferramentas de controle so-
cial mais importantes à disposição da
sociedade (largamente utilizada pela
imprensa, que tira dela muitas das in-
formações que embasam e sustentam
suas reportagens sobre malfeitos com
o dinheiro público), é de 2011. San-
cionada em 1998, a Lei de Lavagem
de Dinheiro ganhou sua formatação
atual apenas em 2012 (quando, entre
outras mudanças, ampliou largamen-
te o número de entidades obrigadas
a reportar operações suspeitas e ex-
cluiu o rol de crimes antecedentes). A
própria Lei Anticorrupção ainda não
completou 10 anos, enquanto a Lei de
Governança das Estatais, que sempre
estiveram entre os maiores palcos para
a corrupção no Brasil, não fez cinco
anos. Ainda é preciso falar da nova Lei
de Licitações, de 2021, que entre di-
versas modernizações, torna obrigató-
ria que a empresa contratada pelo Po-
der Público para contratos de grande
valor conte com programas de confor-
midade devidamente implementados.
Avançamos muito também na go-
vernança nas operações do próprio se-
tor público. Até o final deste ano, a
CGU deve concluir projeto de imple-
mentação dos programas de confor-
midade em todos as pastas, órgãos e
autarquias ligadas ao Poder Executivo
Federal, responsáveis, entre outras coi-
sas, por fazerem a análise primária de
eventuais situações de conflitos de in-
teresses envolvendo servidores lotados
na mesma pasta. Estados e municípios
também têm reforçado suas estruturas
de controle interno, transparência e
integridade, com o fortalecimento das
suas controladorias, regulamentado a
aplicação da lei anticorrupção, além
de muitos já terem aprovado leis exi-
gindo programas de compliance de
seus maiores fornecedores. É certo que
algumas dessas iniciativas nos estados
e municípios ainda são muito recentes
e que será preciso algum tempo para
entender como se dará a sua aplicação.
Mas é inegável que são iniciativas que
18
apontam numa direção salutar.
Do outro lado do balcão, o setor
privado brasileiro é sofisticado, diver-
sificado e conta com grandes empresas
locais e multinacionais que operam em
níveis bastante elevados quando o as-
sunto é Compliance. Não são poucas
as empresas que têm a operação local
da área como benchmark global dentro
de suas organizações. Além disso, cada
vez mais, as maiores empresas multi-
nacionais e brasileiras “cascateiam”
as exigências do seu próprio progra-
ma para seus parceiros, influenciando
positivamente suas cadeias de valor.
Nada indica que o universo corporati-
vo brasileiro tenha planos (ou mesmo,
condições) de retornar a uma era pré-
-compliance. “As empresas adotaram
medidas para melhorar suas relações
com os setores públicos e mesmo entre
privados. Companhias com sistema
de Compliance robusto, mesmo que
provocadas, dificilmente vão cair na
tentação de oferecer uma vantagem in-
devida, de aceitar propostas escusas ou
mesmo de coadunar com concorrentes
num cartel. Estamos evoluindo, não
regredindo”, explica Valdir Simão, só-
cio do escritório Warde Advogados e
ex-ministro da CGU.
De uma perspectiva histórica, toda
essa construção institucional que con-
versa com o ambiente de conformida-
de nas áreas público e privada, ainda
é muito nova. Como País, estamos
aperfeiçoando não só a nossa compre-
ensão sobre o tema, mas também so-
bre a melhor forma de nos relaciona-
mos e aplicamos todas essas inovações.
Mas, de um jeito ou de outro, é váli-
do dizer que elas estão funcionando e
postas em prática de forma cada vez
mais consistente. Multas com base na
lei anticorrupção deixaram de ser uma
novidade para se converter num dado
da realidade. A CGU aplicou 84 mul-
tas e fechou 17 acordos de leniência
em 2021, enquanto outros 24 estão
em negociação. Também no último
ano, foram deflagradas 64 operações,
ante 68 em 2017. O pico nesse caso
aconteceu em 2020, quando foram
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
O PRESIDENTE JAIR BOLSONARO AO LADO DOS PRESIDENTES DAS CASAS LEGISLATIVAS, RODRIGO PACHECO E
ARTHUR LIRA, EM EVENTO SOBRE A REDUÇÃO DO ICMS DOS COMBUSTÍVEIS: até aqui, as tentativas de interferir diretamente
na gestão da Petrobras foram frustradas pelo sistema de governança da estatal, um dos reflexos positivos impulsionados pela Lava Jato.
deflagradas 96 operações pela pasta.
A esmagadora maioria das opera-
ções de combate à corrupção no po-
der público sempre se deu contra as
pequenas empresas, em processos de
compras públicas e licitações Brasil
adentro, o que explica o valor relati-
vamente baixo das sanções aplicadas
pela CGU em âmbito federal, de cerca
de R$ 250 milhões. Mas, mesmo esse
tipo de problema vem diminuindo
com o avanço das auditorias realiza-
das pela própria CGU, em casos que
envolvam destinação de verba federal,
e das próprias estruturas de controle
interno e social na administração pú-
blica em geral.
Além disso, é preciso levar em
conta, que existe um trabalho preven-
tivo sendo feito pelo Estado. Co-líder
da prática de Compliance e Investi-
gação no escritório Tozzini Freire, a
advogada Shin Jae Kim, lembra que,
à medida que avançamos com os sis-
temas governamentais e corporativos
de prevenção à corrupção, inclusive
com a disseminação de uma cultura de
integridade pública e privada, o natu-
ral é que tenhamos uma diminuição
de operações de combate à corrupção
www.lec.com.br
que são, por si próprias, espetaculares
dado o seu forte apelo midiático.
Assim como acontece nas opera-
ções corriqueiras, que acabam pegando
pequenas empresas, o trabalho preven-
tivo não tem a mesma capacidade de
gerar buzz que as grandes operações
com prisões e grande destaque na mí-
dia oferecem. Por isso, a percepção so-
bre o estado do combate à corrupção
no Brasil parece não levar em conta o
real estado das coisas por aqui, deixan-
do claro, desde já, que temos muitos
problemas a resolver e questões a en-
dereçar no campo da governança do
setor público e dos mecanismos de
controle. E que países não os têm? Nos
próprios rankings de percepção da cor-
rupção produzidos pela Transparência
Internacional, o Brasil costuma estar
sempre na parte inferior da lista, abai-
xo de países reconhecidamente menos
estruturados no combate à corrupção
nas relações público x privadas. Temos
a mesma nota que países como Co-
lômbia, México, Argentina, que não
dispõe de um arcabouço de combate à
corrupção e de Compliance do mesmo
nível do que temos aqui.
Claro que quando tratamos de per-
19
Foto: Fabio Rodrugues-Pozzebom/Agência Brasil
cepção nessa situação, estamos falando
de uma impressão, uma intuição, uma
construção que vai refletir muito da
subjetividade de quem está emitindo
sua opinião sobre se somos “um país
corrupto ou não” e da própria definição
do que viria a ser um “país corrupto”.
Em alguns índices que fazem leituras a
partir de dados mais objetivos, o Brasil
aparece em situação um pouco melhor.
O Corruption Index Forecast, um indi-
cador de integridade pública elaborado
a partir do acesso a diferentes bases de
dados governamentais e outras infor-
mações pela ERCAS, outra entidade
da sociedade civil que pesquisa sobre o
combate à corrupção no mundo, apon-
ta o Brasil com uma nota de 7,23, aci-
ma dos países da América Latina já ci-
tados. Por outro lado, o ranking Doing
Business, que aponta o grau de dificul-
dade para se realizar negócios num país,
coloca o Brasil em 124º no ranking, ao
lado da Argentina, que vive uma crise
econômica praticamente ininterrupta
desde o início do século. É uma situa-
ção que parece reforçar uma leitura de
que a corrupção é a consequência dos
nossos reais problemas, não a causa de-
les. Entender isso faz toda a diferença
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

Foto: EBC/Agência Brasil

se pensarmos nos tratamentos mais ade-

quados para enfrentar essa questão.

A CORRUPÇÃO COMO ESPETÁCULO

Muito da formação da percepção de
corrupção no Brasil tem a ver com a
Política. Não se pode deixar de ter em
mente, que por aqui, toda operação de
combate à corrupção, quase sempre
vira também um fato político e tende
a repercutir politicamente, não raro, no
próprio processo jurídico que se sucede
ao caso. Isso vale para pequenas com-
pras na esfera municipal (que podem
derrubar prefeitos e políticos locais); e
vale mais ainda para as grandes opera-
ções, que envolvem alguns “nomões”
da política e do empresariado brasileiro.
Casos de corrupção existem e sempre
vão existir. Uma vez expostos pela mí-
dia, serão explorados politicamente. Só
que o combate à corrupção virou não
só pauta política, virou uma arma. Daí
que acaba sendo interessante manter o
tema sempre em evidência, seja para fa-
lar que não existe mais corrupção em
um determinado governo, seja para fa-
lar que este é o governo mais corrupto
que já se viu. De um lado ou de ou-
tro, o discurso acaba dando um peso à
corrupção como fonte dos problemas
nacionais que é desproporcional, en-
quanto problemas reais muito maiores
e deletérios para a vida dos brasileiros e
as contas nacionais deixam de ser discu-
tidos e endereçados.
A corrupção, por diferentes lentes
que se olhe, sempre foi uma fonte de
preocupação para os brasileiros, em
especial para os extratos mais inseridos
nos mercados de consumo e trabalho,
além de servir de bode expiatório, in-
clusive para uma parcela da população
que, ao buscar justificar o porquê não
seria necessário abrir mão de alguns
privilégios aos quais ele tem acesso
hoje, mas a maior parte da população
não. Compreender o peso da política
na construção da percepção de com-
bate (ou da falta de) à corrupção é
fundamental para entender a razão de
tamanho disparate. Para tentar enten-
der, da perspectiva dos profissionais
WAGNER ROSÁRIO, DA CGU: País está bem resolvido em relação às obrigações para entrada
na OCDE que tratam do combate à corrupção. E, até o final do ano, a pasta deve concluir a
implementação dos programas de integridades nos órgãos da administração pública federal.
de Compliance, em que pé estamos
- deixando de lado as paixões e o ca-
lor que o tema da corrupção enseja no
Brasil desde sempre, a reportagem da
revista LEC conversou com uma deze-
na de nomes que são referência na área
de Compliance corporativo no Brasil.
CONFUSÃO ATUAL
TURVA A ANÁLISE
Olhando isoladamente, apenas para
a conjuntura atual, a situação parece
menos virtuosa do que há poucos anos
atrás (ou quatro anos atrás, para usar
o marco temporal de Drago Kos), mas
é preciso um olhar mais detido para
entender tudo o que se passa no País.
Vamos partir de alguns dos principais
pontos de preocupação apontados
pela Transparência Internacional e
pelo Grupo de Trabalho da OCDE.
Podemos dizer que existe tentati-
va de interferência do governo federal
nas instituições que atuam, de alguma
forma, no combate à corrupção, em
defesa de interesses próprios, pesso-
ais? Esse é sempre um temor que aflige
muita gente e não sem razão de ser,
porque em algum grau, a resposta ten-
de a ser sim, com diferentes níveis de
gradação a depender do governo de
turno, é verdade.
Um parêntese importante. É legí-
timo que um governo eleito busque
(dentro dos limites constitucionais e
democráticos) direcionar os rumos do
País conforme a sua visão de mundo,
e que essa visão reflita na agenda de
prioridades, de políticas públicas e de
investimentos, podendo inclusive atu-
ar no parlamento para mudar legisla-
ções que favorecem essa nova orien-
tação. Algo muito diferente, é buscar
uma ingerência, por exemplo, em in-
vestigações de órgãos de Estado contra
si próprio ou contra aliados próximos
tentando se valer do poder do cargo.
E, dessa perspectiva, nesse momento,
a situação parece ter algum questiona-
mento. Questiona-se se determinadas
ações e declarações dadas pelo Execu-
tivo não manifestaria o desejo de ter
um nível de ingerência na operação
de diferentes instituições. Por outro

20 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O EX-DEPUTADO EDUARDO CUNHA EM DOIS MOMENTOS. SENDO CELEBRADO POR “LIVRAR O BRASIL DA CORRUPÇÃO” E LEVADO PARA A PRISÃO
ACUSADO DE CRIMES DE CORRUPÇÃO: a personalização e a espetacularização ajudam a forjar a percepção da população de que a corrupção está sendo
combatida. Mas nem sempre isso garante a efetividade e a consistência nesse trabalho. .

lado, vale a reflexão: se realmente hou-
ver alguma tentativa de interferência,
as nossas instituições são fortes para
suportá-las, ao menos por um período
razoável de tempo, as eventuais inves-
tidas de ingerência de um governante
no exercício do seu mandato? Mesmo
com alguma incerteza institucional
que vivemos em determinados mo-
mentos, ainda podemos dizer que as
agências que atuam no controle inter-
no e na prevenção e combate à cor-
rupção têm conseguido cumprir com
as suas funções a contento, ou ao me-
nos, ainda mantêm as condições para
levar o seu trabalho à frente. “Alguém
pode tentar mexer nas estruturas, sim.
Mas hoje, a administração pública é
bem estruturada, os funcionários de
carreira e os órgãos técnicos seguem
trabalhando normalmente”, concorda
Leopoldo Pagotto, co-chair do comitê
global anticorrupção, da Associação
Internacional de Advogados (IBA) e
sócio do escritório FreitasLeites.
Mesmo em relação às estatais, as
tentativas de intervir na política de
preços da Petrobras, têm demonstra-
do que a governança da petroleira,
epicentro do maior caso de corrupção
do País, está sendo efetiva para resistir
às diferentes investidas de intervenção
direta do governo feitas até aqui. É
uma evolução muito considerável.
Suspeitas e casos de mau uso do
dinheiro público têm aparecido com
certa frequência: de tratores a vacinas,
passando por bíblias e ouro a medi-
camentos para o exército, além dos
casos que vem direto do Congresso,
patrocinados via emendas do relator
ou transferências diretas (as emendas
Pix), que com mais dificuldade, ago-
ra começam a ser esmiuçados pela
imprensa e por órgãos de controle. É
óbvio que se tratam de casos sérios. O
que precisaria ser avaliado é se muitos
desses casos não poderiam Ao mesmo
tempo, não se pode negar que muitos
dos problemas parecem mais fruto de
uma completa desorganização do Po-
der Executivo em sua articulação po-
lítica e na gestão da máquina pública
do que um desmonte da estrutura de
combate à corrupção.
Dito isso, é preciso lembrar que a
Procuradoria-Geral da República e o
seu mandatário não tiveram seus pode-
res e liberdades para agir contra quem
quer que seja, tolhidos nem um milí-
metro sequer. A ação ou falta dela é
uma prerrogativa que vem sendo exer-
cida com plena liberdade (assim como
outros antes dele a exerceram, alguns
de forma demasiada, inclusive) e, ao
que tudo indica, seu sucessor manterá
os mesmos poderes para decidir agir
ou não. Especificamente a Procurado-
ria-Geral da República apresentou ao
STF e ao Superior Tribunal de Justi-
ça (STJ), 20 denúncias pela prática de
crimes como corrupção e lavagem de
dinheiro, entre outros. Ao todo, 139
pessoas com prerrogativa de foro fo-
ram denunciadas, segundo a entidade.

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ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
No último ano, o MPF apresentou
15.463 ações penais e 2.656 ações civis
públicas. O número é equivalente ao
de 2020, mas inferior ao de 2019. Em
compensação, o número de acordos
de não-persecução penal e civil dispa-
raram em 2020 e 2021 na comparação
com 2019. Somados os cerca de 7.500
acordos dessa natureza, o número de
ações em 2021 fica próximo da média
dos últimos anos. No geral, o Ministé-
rio Público Federal e seus congêneres
estaduais, sempre tão zelosos da sua
independência, também seguem com
plenos poderes e liberdades para agir
no que diz respeito à corrupção de
todos os níveis. Os órgãos têm evolu-
ído em termos de recursos humanos
e financeiros para enfrentar os temas
mais complexos e assumir essas tarefas
que muitas vezes são desgastantes, in-
clusive na esfera pessoal.
Outro ponto importante apontado
como um elemento potencialmente
restritivo, a aprovação da Lei de Abu-
so de Autoridade, não deve ser enca-
rada, simplesmente, como um fator
inibidor. Para os seus defensores, tal
medida pode ser considerada salutar
uma vez que deve levar os agentes de
acusação a estarem mais embasados,
com um caso realmente montado,
antes de sair acusando qualquer pes-
soa de crime, seja ela agente público
ou não. Eles entendem que uma lei
como essa reforça a responsabilidade e
os critérios que quem tem o poder de
investigar e acusar em nome do Esta-
do brasileiro precisa ter ao exercer suas
funções. A liberdade de ação existe,
mas ela não é absoluta, e não pode se
dar fora dos critérios da constituição,
da lei e do estado de direito. Há, no
entanto, aqueles que foram e seguem
contrários a sua aprovação, pois en-
tendem que podem desincentivar as
autoridades públicas nos processos de
investigação e julgamento.
Ao mesmo tempo, as alterações na
Lei de Improbidade Administrativa,
também apontadas por muitos profis-
sionais e atores envolvidos com o com-
bate à corrupção como um grande re-
trocesso que vai dificultar a punição de
administradores públicos, pode ser vis-
ta também sob a perspectiva de quem
está à frente da máquina pública.
“O risco de ocupar cargos na ad-
ministração pública é enorme. Mas,
não podemos dispensar sistema de
controles que é feito em camadas”,
conta Simão, que fez carreira em ór-
gãos do setor público. Para os defen-
sores da alteração na lei, com o passar
dos anos, ela passou a ser um campo
tão fértil para gerar acusações contra
agentes públicos baseado em situações
que não são necessariamente casos
de apropriação indébita de recursos
públicos e de enriquecimento ilícito,
mas sim questões relacionadas a uma
suposta má gestão do agente público,
tornando o Ministério Público uma
espécie de moralizador de maus ges-
tores, ou de políticas públicas com as
quais o procurador da cidade eventu-
almente não concorde.
Outro órgão chave na estrutura
de combate à corrupção no Brasil, o
Conselho de Atividades Financeiras
(COAF), aumentou o número de infor-
mações endereçadas às polícias federal
e civis (que conduzem as diligências)
relacionadas a operações suspeitas re-
lacionadas com o tema da corrupção.
Em 2021, de acordo com dados do Sis-
COAF, foram realizadas por meios dos
intercâmbios eletrônicos de informação
(os SEI-Cs, que são solicitados à unida-
de de inteligência financeira por outros
órgãos) 2519 comunicações suspeitas
de corrupção, número abaixo do pico
de 2871 comunicações realizada em
2020, mas muito acima dos 617 rela-
tos compartilhados em 2014. O tema
segue entre os mais demandados, no
ano passado, ficou atrás apenas das so-
licitações de informações relacionados a
casos de tráfico de drogas. Também em
2021, o número de SEI-Cs relaciona-
dos a crimes contra o sistema financeiro
(355), contra o patrimônio (791) e con-
tra a ordem tributária (1300) atingiram
em 2021 seus recordes. Em relação aos
órgãos que mais demandaram o inter-
câmbio de informações, destaque para
22
a Polícia Federal, que fez 4.831 pedidos
ao COAF, que deram origem a 3.724
relatórios de inteligência, número re-
corde também. A diferença entre o total
de pedidos e o número de RIF’s gera-
dos se dá porque o COAF só produz
o documento quando as informações
solicitadas constarem na base de opera-
ções suspeitas comunicadas ao COAF
pelos setores obrigados e se apresentam
fundamentos para indícios de prática
ilícita. Já a CGU solicitou 100 inter-
câmbios de informação em 2021 e viu
serem gerados 80. No ano anterior, o
número de solicitações foi de 113, dos
quais foram gerados 85 RIF’s. No to-
tal, em 2021 foram produzidos 12.519
RIF’s, também um número recorde.
De acordo com o COAF, o crescimen-
to nos últimos anos da quantidade de
SEI-Cs solicitados pelas Polícias Civis
e de RIF’s produzidos para essas auto-
ridades, reflete vários fatores como a
ampliação da Rede de Laboratórios de
Tecnologia contra a Lavagem de Di-
nheiro (Rede-Lab), além de treinamen-
tos e capacitações realizadas em parceria
entre a Secretaria de Operações Integra-
das (Seopi/MJSP) e o COAF que vêm
contribuindo para um maior conheci-
mento e aproveitamento da inteligência
financeira produzida pelo Conselho.
Outrora desconhecida, a unidade de
inteligência financeira nacional (UIF)
ganhou os holofotes primeiro quan-
do o então Ministro da Justiça, Sérgio
Moro, tentou trazer o órgão, até então
lotado no Ministério da Fazenda, para
a sua pasta. No mesmo período, a di-
vulgação de um RIF produzido dentro
de um padrão que passou a ser ques-
tionado pela Justiça sacramentou uma
disputa pelo órgão, que depois de idas
e vindas acabou indo para a estrutura
do Banco Central. O uso dessas infor-
mações para fins políticos é uma preo-
cupação dos órgãos globais, tanto que
o Egmont Group, entidade que reúne
as unidades de inteligência nacionais,
emitiu um comunicado em março do
ano passado, não endereçado a nenhum
país, mas que deixa claro que com todo
o poder que lhe é conferido, as UIF’s
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
precisam de autonomia operacional e
independência política, para que não
sejam utilizadas para favorecer amigos
ou destruir adversários do governo de
turno, mantendo a confiabilidade para
a troca de informações entre os dife-
rentes atores nacionais que atuam na
prevenção à lavagem de dinheiro. “O
Grupo Egmont considera qualquer uso
indevido dos poderes das UIF’s para
fins diferentes dos mencionados, como
contrário aos padrões internacionais de
PLDFT e ao espírito da nossa organiza-
ção”, disse o presidente do grupo, Hen-
nie Verbeek-Kusters. É sempre bom
lembrar que, uma suposta falta de ação
do COAF, como alguns atores da mí-
dia questionaram durante a Lava Jato
(como o COAF não viu isso?), ignora
a realidade ao não levar em conta que
foi o órgão que muniu a operação com
muitas informações que permitiram o
desenvolvimento das investigações. E a
Lava Jato dos Bancos? Longe de que-
rer fazer uma defesa dessas instituições,
a verdade é que as comunicações sus-
peitas foram antes feitas por eles, ou o
COAF não teria base para o seu traba-
lho, que abasteceu praticamente todas
as grandes operações de combate à cor-
rupção no Brasil.
Até a falta de transparência nos trâ-
mites que envolvem as emendas desti-
nadas via orçamento secreto e, mais
recentemente, as transferências diretas
via emendas PIX, que de fato existem
e não favorecem o acompanhamen-
to externo e o controle social, estão
sendo, na medida do possível, acom-
panhados pelos órgãos de controle.
Afinal, embora a destinação seja dada
pelo Congresso, tratam-se de recursos
do orçamento federal. Operações sus-
peitas foram expostas, ou frustradas
na forma como estavam desenhadas,
muito em função do trabalho de ór-
gãos como a CGU, o TCU e a própria
Imprensa, que tem conseguido detec-
tar algumas irregularidades antes de
que os recursos sejam desembolsados.
O problema, e nesse ponto precisa-
mos evoluir, é justamente na aplica-
ção das consequências para quem es-
www.lec.com.br
Foto: Rogério Galo
ISABEL FRANCO, DO AZEVEDO
SETTE: para a advogada, o Brasil
assiste uma operação orquestrada para
“combater o combate à corrupção”.
tava envolvido no esquema, e talvez,
o que seria mais importante de uma
perspectiva do Compliance: buscar
entender como fechar eventuais bura-
cos, ou aperfeiçoar os mecanismos de
controle, para que tais esquemas nem
cheguem tão longe, como muitos fo-
ram. Não fosse por alertas externos,
muitos crimes poderiam ter sido con-
cretizados, numa lógica do tipo “se
colar, colou”, o que joga a percepção
da corrupção lá para baixo.
A CORPORAÇÃO CEDEU?
De todas as estruturas de combate à
corrupção, de fato a Polícia Federal é
a que mais foi afetada, tendo sido ven-
cida uma tradicional blindagem que o
Ministério da Justiça e a própria cor-
poração, que foi bem sucedida para
evitar a captura do órgão por um go-
verno. O órgão ganhou muito de au-
tonomia e musculatura desde os anos
23
2000, mas como parte da estrutura do
próprio Executivo, a Polícia Federal
está mais sujeita a interferências do go-
vernante de turno, seja ele quem for.
O atual governo tem ido além do que
governos anteriores foram em relação
à nomeação e, inclusive, trocas cons-
tantes de dirigentes..
Desde 2019, o número de prisões
relacionadas à corrupção tiveram uma
queda. Em 2019, foram 464 prisões
dessa natureza, ante 381 em 2020. Em
2021, até setembro (dado mais recente
disponível), foram 143 prisões. Mesmo
assim, é preciso ter em consideração al-
guns fatores. Desde 2020, os diferentes
braços da corporação têm autonomia
para realizar investigações de corrup-
ção, fazendo com que investigações
dessa natureza não mais fossem tocadas
pelas delegacias especializadas. Isso faz
com que estatisticamente, prisões por
corrupção realizadas por outras unida-
des que não a Coordenação de Repres-
são à Corrupção, não sejam enquadra-
das nessa tipificação. Em entrevista ao
jornal O Estado de São Paulo, em fe-
vereiro deste ano, o diretor da diretoria
de combate ao crime organizado, Luiz
Flávio Zampronha, disse que existe
uma mudança na metodologia das ope-
rações, com uma antecipação de pedi-
dos de busca e apreensão de dispositivos
móveis, muito em função do acesso às
mensagens, para uma fase mais inicial,
de construção de bases para o inquérito.
Também é verdade que desde as
grandes prisões, se deram de maneira
muito forte entre os anos de 2013 a
2019. Por grandes, leia-se a de políti-
cos graúdos, incluindo ex-ministros,
ex-presidentes da câmara e dois ex-pre-
sidentes da República e grandes em-
presários nos casos principalmente do
Mensalão e Lava Jato. Foi um período
de grande conturbação política e insti-
tucional, gerando um clima de “pega
pra capá” que ajudou a formar uma
ideia de que a Justiça estava sendo feita
com a prisão dessas figuras poderosas
e às quais se atribuíam (especialmente
aos políticos), a culpa pela maior parte
das nossas mazelas. Mesmo com todas
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
essas circunstâncias, pensando de uma
perspectiva da estrutura da instituição,
e do combate à corrupção em particu-
lar, ela ainda está lá. Como o próximo
governo vai tratar dela, seja quem for
o eleito, é que vai determinar os rumos
da instituição.
Também é importante destacar, em
meio a situação e a ação de cada um dos
principais órgãos ligados ao combate à
corrupção no Brasil, um ator “invisí-
vel”, mas muito eficiente em alinhar ins-
titucionalmente as estratégias nacionais
de combate à corrupção e aumentar a
sua eficiência: a Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem de
Dinheiro (ENCCLA), criada em 2003,
funciona como uma rede de articulação
para o arranjo e discussões em conjunto
com a participação de diferentes órgãos
dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário das esferas federal e estadu-
al, bem como do Ministério Público
para a formulação de políticas públicas
e soluções, como o Programa Nacional
de Capacitação e Treinamento para o
Combate à Corrupção e à Lavagem de
Dinheiro, e o Programa Nacional de
Prevenção à Corrupção, que teve a sua
segunda etapa lançada em maio. Suas
atividades e objetivos vão de realizar es-
tudos e diagnósticos legais-normativos
e elaborar propostas legislativas, até in-
dagar necessidades e promover soluções
em TI.
A QUEBRA DA
“CERTEZA DA PUNIÇÃO”
“A prisão não é um elemento indica-
tivo de eficácia ou eficiência na pro-
dução de provas. Ela tem mais relação
com a própria aplicação da pena e a
punição, que está a cargo do Poder
Judiciário, porque o nosso papel não
é punir”, disse Zampronha na já cita-
da entrevista ao Estadão. Na mesma
linha, a assessoria do MPF diz que
de nada adianta fazer um monte de
acusações e pedidos de prisão se, lá
na frente, elas forem sendo anuladas.
“Sempre gosto de olhar as coisas do
lado cheio do copo. Não há dúvida
de que, nas últimas duas décadas, o
enfrentamento à corrupção figurou
como inegável protagonista na pauta
do debate público nacional, atraindo
os holofotes da mídia para escândalos
envolvendo a malversação de dinhei-
ro público. Por outro lado, recentes
acontecimentos envolvendo as autori-
dades no combate à corrupção e fal-
ta de grandes operações podem gerar
sentimento de estagnação ou de des-
monte”, explica Shin Jae Kim, sócia
do Tozzini Freire Advogados.
O “menor nível de ação” em ope-
rações de combate à corrupção que tra-
tam das relações público x privada, para
ficar no recorte afeito ao Compliance
corporativo, certamente impacta a per-
cepção de que não estamos mais com-
batendo a corrupção no Brasil quanto
fazíamos antes. “Olhando o macro, per-
cebo uma queda do combate à corrup-
ção, com a diminuição no número de
operações nos últimos anos. Como se
investiga menos, me parece que existe
uma maior sensação de segurança, para
que pessoas mal intencionadas se sin-
tam mais à vontade para conduzir seus
esquemas ilícitos”, acredita Daniel Si-
bille, diretor de Compliance para Amé-
rica Latina da Oracle e coordenador do
curso de Compliance Anticorrupção da
LEC. Isso é um ponto importante. “Re-
almente, diria que se perdeu a vergonha
e a coragem ficou maior”, corrobora
Marisa Peres, diretora de Compliance
24
LEOPOLDO PAGOTTO, DO
FREITASLEITE: goste-se ou
não, no ambiente corporativo
as prisões de empresários e
executivos conhecidos alterou o
entendimento dos profissionais
sobre o risco da liderança em
temas de antiitrust e Compliance.
da montadora japonesa
Nissan na América Latina.
Para a executiva, a matu-
ridade do Brasil em rela-
ção ao tema do combate
à corrupção é maior hoje,
inclusive com mais denún-
cias. Ao mesmo tempo,
a conjuntura atual apresenta desafios
nessa seara.
Sócia do escritório Azevedo Sette,
Isabel Franco vê a situação de forma
mais grave. Para a experiente profis-
sional, o Brasil assiste uma operação
orquestrada para “combater o comba-
te à corrupção” em todas as esferas do
poder. “No Legislativo, há claramente
um movimento de abrandamento do
arcabouço legal, como, por exemplo, as
mudanças da Lei de Improbidade. No
Judiciário, temos assistido, o retorno do
sistema inquisitivo, onde o juiz investi-
ga e julga o caso! No Executivo, reina o
fisiologismo”, lamenta. “Assistimos um
espetáculo desolador de figuras públi-
cas narcisisticamente lutando por seus
interesses a qualquer custo, mesmo que
o resultado possa arruinar o país com
uma grave crise entre os três poderes”,
emenda Franco.
O combate à corrupção e aos mal-
feitos contra e a administração pública
evolui largamente nos últimos anos.
Mas não é algo novo ou inédito. Pre-
parando um trabalho de Mestrado em
2012, Pagotto se deparou com dados
públicos que apontavam para um nú-
mero relativamente grande de servido-
res punidos por práticas de corrupção,
mais de três mil por ano. O discurso
corrente de que não se punia a cor-
rupção já existia naqueles tempos e
não era totalmente condizente com a
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
realidade. Mas eram os servidores que
pagavam, peixes pequenos do pon-
to de vista da população, ainda que
pudessem comandar esquemas gran-
diosos. Entretanto, a percepção não é
moldada apenas a partir de fatos, daí
o sucesso de operações como o Men-
salão e a Lava Jato, que envolveram
nomes poderosos”, lembra o co-chair
da IBA. Antes de atuar na prática de
Anticorrupção, Pagotto lidava muito
com casos concorrenciais. O advogado
lembra que em 2008, 2009, uma série
de operações antitruste foram deflagra-
das, incluindo conduções coercitivas e
prisões. “Num período de seis meses a
um ano, a percepção sobre o risco des-
se tipo de crime, que antes não dava
prisão, mudou da água para o vinho”,
conta Pagotto, que vê um paralelo dis-
so com o que foi gerado pela Lava Jato
com suas grandes prisões.
De fato, muito da percepção da
corrupção e do seu combate é forjada
na ação das operações, mais especifi-
camente nas operações que envolvem
ações visíveis para o grande público. O
que é compreensível num país no qual
a sensação de segurança para boa par-
te da população está altamente ligada
à presença de policiamento ostensivo
nas ruas. Não deixa de ser curioso que
profissionais da área de Compliance te-
nham também as suas percepções mol-
dadas mais pelas prisões e menos pelos
resultados preventivos ou de detecção
alcançados antes da consumação do
crime. Quantos profissionais de Com-
pliance mais veteranos não se valeram
de clippings e recortes de jornais retra-
tando investigações envolvendo gran-
des empresas e prisão de empresários e
executivos do mercado como forma de
chamar a atenção para o tema dentro
da organização? Inegavelmente, muito
do avanço do Compliance nas empre-
sas se deveu ao medo de suas lideranças
de serem responsabilizadas. E isso não
começou com a Lava Jato, mas com o
início de uma era de espetacularização
da prisão de políticos e poderosos em
operações da Polícia Federal. Os profis-
sionais de Compliance sabem que só se
www.lec.com.br
apoiando nisso, sem apontar os outros
benefícios do Compliance, deixam o
programa à mercê dessa percepção de
risco. E se o programa de base tiver esse
medo como base, quando o risco de ser
preso deixa de ser considerado preocu-
pante, porque “gastar dinheiro’ e “difi-
cultar os negócios” para manter a guar-
da alta o tempo todo? “Em que pese a
capacidade da investigação, a operação
se valeu muito da mídia, e usava isso
para moldar a percepção, “(nós) vamos
mudar a corrupção no Brasil”, lembra o
sócio do Warde Advogados.
Como as operações mais espetacu-
lares diminuíram, a queda contribuiu
para uma menor sensação do risco
de ser preso. E com menos prisões de
gente grande, o espaço que a corrup-
ção ocupa na mídia não tem o mesmo
peso. A verdade é que sem grandes per-
sonagens a coisa se perde. A percepção
de que a possibilidade de prisão é algo
que ficou lá atrás, que o risco de ser
pego e acabar atrás das grades é muito
menor hoje, é uma realidade na avalia-
ção corrente da maior parte dos profis-
sionais de Compliance. Soma-se a isso,
a retomada no entendimento pela Jus-
tiça de elementos processuais, como a
condução coercitiva; e recursais, como
a prisão em segunda instância. Demo-
ras no julgamento e a capacidade de
protelar indefinidamente o processo
sempre foi um elemento chave, para
que a corrupção que envolve as em-
presas, em especial as grandes, não se
desenrolasse. É importante lembrar
que nessa seara, saímos da esfera ad-
ministrativa, civil, das penalidades às
empresas, aplicadas pela Lei Anticor-
rupção considerando a responsabilida-
de objetiva da companhia no malfeito
e entramos na esfera criminal, quando
é preciso estabelecer o dolo.
Parece ser o caminho certo, se
considerado a nossa estrutura atual,
inclusive na nossa capacidade de apli-
car as leis e, mais importante, de agir
de forma preventiva. Mas esse não é o
caminho capaz de moldar as paixões, e
a percepção imediata.
“Operações repressivas, com bus-
25
cas e apreensões, prisões e processos
sancionatórios acabam gerando uma
personificação da atividade anticor-
rupção, o que, por óbvio, não é de-
sejável”, aponta a advogada Shin. A
personificação da corrupção e do com-
bate a ela apontada pela sócia do To-
zzini Freire é um subproduto negativo
dessa midiatização do combate à cor-
rupção. “Os agentes públicos respon-
sáveis pela condução dos casos não de-
vem ser considerados super-heróis e os
investigados também não devem ser
considerados inimigos públicos, pois,
muitas vezes, a realidade pode, ao final
de um processo, se apresentar de uma
maneira bastante diferente”, reforça.
Esse é um aspecto que deveríamos
valorizar e aperfeiçoar, a capacidade de
travar os pagamentos quando existem
irregularidades. A atuação de forma pre-
ventiva precisa ser aprimorada, não resta
dúvidas, até para que, como já foi dito,
os processos não cheguem tão longe.
Mas não existe programa de Complian-
ce infalível a seres humanos. Tão pouco
existe governança pública que impeça
totalmente que toda e qualquer pessoa
com alguma disposição ou intenção
para praticar o malfeito, não o faça. Daí
que é o sistema de defesa ser construído
em linhas, em camadas. Mas o fato de
conseguirmos fazê-los com mais frequ-
ência hoje, ainda que na última linha, já
é um avanço e um caminho a ser privile-
giado nas estratégias nacionais.
O PESO DA LAVA JATO
A sensação de arrefecimento tem mais
a ver com a falta de operações de com-
bate à corrupção mais midiáticas, do
que com uma regressão no combate à
corrupção de fato. Esse é o ponto. A
percepção média da população e mesmo
entre os profissionais da área de comba-
te à corrupção no ambiente empresarial,
passou a ser moldada exclusivamente
pela Lava Jato.
Dentro da comunidade de Com-
pliance, ainda é difícil encontrar pro-
fissionais que discutam os excessos da
Lava Jato , apesar de suas enormes
conquistas. Mais do que a crítica pela
Foto: Divulgação/MPF ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
PROCURADORES DA LAVA JATO EM CURITIBA: lançar um olhar mais distante e menos passional para a operação é importante para entender e preservar a parte
positiva do seu legado, ao mesno tempo em que se busca compreender os excessos cometidos para que eles não impeçam o sucesso de outras operações no futuro.
crítica, seria um movimento impor-
tante de aprendizado sobre os pro-
cessos de aplicação da lei, para evitar
que as mesmas situações se repitam
para o bem ou para o mal. Se alguns
processos foram derrubados por falhas
processuais, estas falhas poderiam ter
sido evitadas? Como garantir que no-
vas operações dessa natureza não in-
corram nos mesmos problemas. São
perguntas que valem ser discutidas.
A operação de Curitiba fez algo
que até então não se conseguia fazer,
uma conexão direta entre um grande
esquema de corrupção, a maior em-
presa do país, estatal, e o universo da
política e um setor empresarial inteiro,
com algumas das maiores corporações
do Brasil. E fez isso mostrando provas,
apontando o caminho do dinheiro e os
personagens envolvidos na tramoia. E
ela foi efetiva, particularmente em re-
lação a provar os malfeitos praticados
por executivos da Petrobras e das em-
preiteiras, desbaratando o “campeona-
to” estabelecido entre elas para carte-
lizar a distribuição de obras da estatal
entre si. Tudo materialmente compro-
vado.Todos os elementos estavam lá.
No mensalão, não se tinham grandes
nomes do empresariado envolvido e a
corrupção estava mais limitada ao pró-
prio ambiente da política.
Pelo apoio que obteve da opinião
pública, em algum momento, talvez
tenha se dado a impressão de que a
Lava Jato seria eterna, ou quase isso.
Que a operação só acabaria quando
passasse o Brasil a limpo, livrando-o
de seus grandes atrozes: os grandes
corruptores da política e do empre-
sariado. Na visão de muita gente, a
Lava Jato seria o modelo definitivo
de combate à corrupção, incluindo aí
todos os seus métodos. Seria a forma
como o combate à corrupção seria
institucionalizado no País. Mas enxer-
gar o combate à corrupção no Brasil
26
apenas tendo como base a Lava Jato
é um erro crasso para quem opera no
universo do Compliance. Infelizmen-
te, essa visão é ainda bastante comum.
O sucesso inicial da Lava jato ofuscou
tudo o que se fazia e o que ainda se faz
em termos de combate à corrupção no
Brasil. Entretanto, é preciso entender
a grandiosidade da operação como um
ponto fora da curva, e não como sinô-
nimo de combate à corrupção.
Ninguém nega os méritos e o legado
da operação para o combate à corrup-
ção no Brasil. Ao mesmo tempo, lem-
bra Marisa Peres, é necessário seguir o
processo legal sem usar dessa bandeira
para outros fins, isso acaba atrapalhan-
do. “Esse modelo se mostrou perverso,
nocivo para o ambiente de negócios e
para a manutenção das empresas. Em
algum momento, as empresas e não as
pessoas viraram o alvo. Perdemos mui-
to com isso”, aponta Simão, para quem,
muita gente entendeu que essas empre-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
Foto: Divulgação/MPDFT
sas simplesmente poderiam ser subs-
tituídas, que viriam outras, e isso não
acontece assim. “Não podemos ter um
modelo no qual, na prática, impera o
‘todos somos bandidos até que se prove
o contrário’”, reforça.
Não só a Força Tarefa da Lava Jato
foi encerrada em 2020, como a ope-
ração viu uma espécie de ataque or-
ganizado do Parlamento e do próprio
Judiciário, no sentido de fazer uma rea-
comodação das peças no tabuleiro, e jo-
gando as estrelas da operação para fora
dele. Para Isabel Franco, o incentivo de
combate à corrupção não parece ser do
interesse de nenhum dos poderes. Pelo
contrário, há uma forte vontade políti-
ca no sentido oposto. “Diferentemente
dos EUA, onde o presidente Biden lan-
çou, em dezembro de 2021, um pro-
grama meticulosamente projetado para
combater a corrupção baseado em sete
pilares, os principais atores no Brasil
parecem navegar em sentido contrário”,
critica a sócia do Azevedo Sette. O pró-
prio MPF sinalizou que vai caminhar
em outra direção com os reforços dos
GAECO’s, os grupos especiais de com-
bate ao crime organizado do Ministé-
www.lec.com.br
rio Público estão sendo implementados
nos estados nos quais ainda não estavam
constituídos. Na visão do MPF, trata-se
de um modelo institucionalmente mais
forte, uma vez que fixo. Acompanha-
das do fortalecimento dessas estruturas,
elas têm potencial para serem algo mais
consistente quando se pensa na estrutu-
ra de combate à corrupção no médio e
no longo prazo. Forças Tarefas podem
ser montadas sempre que necessárias,
mas dentro das unidades nas quais es-
tão lotados os GAECO’s. Além disso,
Forças Tarefas são comuns e naturais
em processos que envolvem diferentes
órgãos, como são os casos de investiga-
ção de corrupção na esfera federal.
Os desatinos das Lava Jato também
representam um bom exemplo do ris-
co reputacional que falhas no sistema
de Compliance podem gerar para uma
organização. “Por mais bem sucedida
que tenha sido na construção da sua
imagem, com seus integrantes celebra-
dos no mundo inteiro, os resultados
revertidos de muitas das acusações, a
contestação da imparcialidade e das
provas apresentadas, pode fazer com
que a visão geral sobre a operação num
27
AÇÃO DO GAECO EM GOIÁS:
para o Ministério Público, o modelo
de um grupo institucionalizado,
estável e disseminado em todo o
País oferece melhores condições
para uma atuação mais consistente
e efetiva no combate à corrupção.
futuro possa se reverter e
os seus vícios serem per-
cebidos como maiores do
que suas virtudes, que de
fato, foram muitas”, la-
menta Sibille.
O fim do modelo da
Lava Jato não deve, de
forma alguma, decretar
o fim do combate à cor-
rupção. Temos sempre
um campo fértil quan-
do se tem relação muito
próxima entre setores
público e privado e a ne-
cessidade de o estado contratar empre-
sas para prover infraestrutura e serviços
de forma geral. Se não devemos contar
com outra Lava Jato para acreditar que
estamos combatendo a corrupção, é
preciso encontrar outros meios para fa-
zer a população entender, e talvez, até
mesmo uma parcela da comunidade de
Compliance, que não podemos baixar a
guarda, porque ameaças sempre existi-
rão. “Vivemos um momento importan-
te de manutenção das vitórias que con-
seguimos nesse período. Mas não nos
enganamos achando que a mudança
não pode ser alterada. A vigilância tem
que ser constante e o cuidado tem que
ser diário, mesmo nos bons momen-
tos”, reforça o coordenador do curso
de Compliance Anticorrupção da LEC.
Mais do que isso, é preciso agir de for-
ma inteligente e estratégica no combate
à corrupção, o que nem sempre precisa
ser feito com alarde. Certamente demo-
ra mais, mas a ação consistente do Es-
tado, e das empresas, no enfrentamen-
to à corrupção em diferentes frentes, é
que tem condições de fazer a diferença
e moldar essa percepção para além dos
destinos de uma ou outra operação.
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

Como podemos
avançar daqui
para frente?
Se não regredimos estruturalmente, mas a conjuntura atual não
favorece, como podemos seguir com consistência nos próximos anos?

28 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
“
N
ão vejo proble-
mas na parte
institucional.
Aliás não vejo
que o Brasil
tenha proble-
mas, vejo questões”. A frase acima foi
proferida pelo chefe do grupo de tra-
balho de combate ao suborno transna-
cional de agentes públicos, Drago Kos,
por videoconferência, no encerramen-
to de sua fala no evento sobre a prepa-
ração do Brasil para entrar na OCDE
organizado pela IBA e pelo ICC no
final de maio deste ano em São Paulo.
A visão majoritária entre os profis-
sionais de Compliance, mesmo entre
os que acreditam que vivemos um ar-
refecimento no combate à corrupção,
é a de que as estruturas que atuam
com o tema no Brasil, tanto do pon-
to de vista do poder público como do
lado das empresas, seguem sólidas. Ao
mesmo tempo, para além de eventuais
questões conjunturais deste governo, é
preciso ter em mente que o nosso es-
paço para melhorias nesse campo não
é mais o mesmo de 20 anos atrás. Ou
seja, salvo algo extraordinário, é pouco
provável que tenhamos um novo dire-
cionamento, algo radical ou disruptivo
no que diz respeito ao nosso arcabouço
e a estratégia nacional de enfrentamen-
to do problema, como foi a própria Lei
Anticorrupção, que abriu espaço para
punir diretamente as empresas envol-
vidas, de forma objetiva inclusive, sem
a necessidade de comprovar o dolo,
nos ilícitos.
Por isso mesmo é importante olhar
para tudo o que já conquistamos, pre-
servar esse molde e encontrar os meios
para avançar, sabendo que partimos de
um patamar consideravelmente alto.
Pode parecer besteira, mas o fato de
queremos nos basear sempre no que
existe de melhor no mundo e só consi-
derar bom se alcançarmos o 100%, nos
deixa numa situação de insatisfação
permanente. Não que não precisemos
avançar sempre, mas não devemos dei-
xar de valorizar o que temos. “Quan-
do chegamos em 70% desse melhor, é
www.lec.com.br
como se tivéssemos feito muito pou-
co”, lamenta Wagner Rosário.
Também precisamos tratar, de for-
ma mais objetiva possível, a corrupção
como consequência de um quadro de
problemas muitos mais amplos e com-
plexos. Para tentar mitigar o problema
e dar passos para uma mudança de pa-
radigma na percepção que nós temos
de nós mesmos quando o assunto é a
corrupção, seria preciso olhar de forma
fria e começar a atacar de forma mais
efetiva, ao menos algumas das muitas
causas raiz desse problema. Um com-
ponente que nos faz diferente de gran-
des países, além de sermos muito desi-
guais, é que por aqui, seja para exercer
um direito ou cumprir obrigações,
empresas e cidadãos têm dificuldades
enormes. “A burocracia dificulta a vida
do cidadão, em especial dos menos fa-
vorecidos, de acessar os serviços públi-
cos e isso é campo fertil para o nasci-
mento de intermediários que buscam
“ajudar”, lembra Simão.
Não é de se estranhar que muitas
situações de corrupção, em diferentes
faixas de faturamento, tenham como
pano de fundo a questão tributária.
Poucos países do porte e relevância
do Brasil oferecem, no seu ambiente
de negócios, tantas complexidades e
armadilhas para se operar, o que gera
muito potencial para que alguns pos-
sam vender as facilidades. Nada disso é
novo. E verdade seja dita, muitos des-
ses aspectos melhoraram muito ao lon-
go das últimas décadas. Mas esse ainda
é um campo no qual precisamos avan-
çar, e muito. “É um dever de casa que
o Estado ainda precisa cumprir. Vejo o
País lutando bravamente para tal, mas
essa simplificação ainda não aconteceu
efetivamente”, pontua o ex-ministro
da CGU, para quem também é preciso
seguir estimulando os mecanismos de
controle social e a participação social
dos cidadãos.
AS EMPRESAS ESTÃO FIRMES
Um comentário relativamente comum
nesses tempos quando se questiona
quem atua na área sobre a atenção
29
que as empresas têm dado ao tema,
é a de que elas estariam tirando o pé
em relação ao Compliance, com or-
çamentos menores, o que teria muito
a ver com uma menor percepção de
risco. Na verdade, quando as com-
panhias começaram a se movimentar
para implementar seus programas em
meados da década passada, estávamos
em meio a um turbilhão e foi preciso
investir muito dinheiro para começar
a colocar as coisas em ordem de ime-
diato. É preciso lembrar que no auge
da Lava Jato, as empresas estavam
conduzindo investigações profundas e
caríssimas. “Acompanhei processos em
estatais nas quais o custo da investiga-
ção se aproximava do valor do evento
investigado. É um modelo que deixou
de existir, porque tinha que deixar de
existir”, pontua Simão.
O ideal é ter, em condições nor-
mais, custos equilibrados. “Quando
você está no meio de uma tempestade
e com um buraco no teto, você gasta
o que for para tapar o buraco e estan-
car o problema”, diz Reynaldo Goto,
Chief Compliance Officer da fabrican-
te brasileira de alimentos BRF. Como
lembra o executivo, era uma situação
extraordinária. O desejável é você ter
uma operação com custos equilibrados.
Não vai se gastar o que se gastou antes.
Mas, ao menos nas maiores empresas,
as áreas ganharam musculatura e bra-
ços. Dados da pesquisa Compliance
ON TOP, realizada pela LEC em par-
ceira com a VITTORE Partner e que
contou com a participação de mais de
400 líderes da área de Compliance no
Brasil, mostram que tanto os orçamen-
tos quanto o número de braços nas
equipes avançaram nos últimos anos.
O percentual de empresas responden-
tes da pesquisa que contam com cinco
ou mais profissionais dedicados à área
saltou de 24,6% em 2018 para 42,5%
da base pesquisada em 2021, composta
por 56,8% de profissionais que atuam
em companhias com receita anual su-
perior a R$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo,
as “euquipes”, tão comuns na primeira
metade da década passada, eram 20%
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

da base em 2018. Hoje, apenas 12,7%

dos respondentes atuam sozinhos no
Compliance de suas respectivas em-
presas. Historicamente, pouco mais de
um terço dos profissionais respondentes
operam em companhias com vendas re-
levantes ao poder público.
Voltaremos ao que era? Longe
disso. Até porque, como lembra o ex-
-ministro da CGU, trata-se de uma
aposta ruim nos dias de hoje, dado o
grande nível de sofisticação que os ór-
gãos públicos dispõem para a detecção
de fraudes, algo que não tínhamos no
passado, além do próprio aprimora-
mento das estruturas de controle e as
ferramentas tecnológicas que permi-
tem de forma ampla acompanhar o dia
a dia de cada organização pública.
O CCO da BRF destaca, inclusive,
um relatório da OCDE do ano passa-
do, que apresentou os resultados de
uma pesquisa cobrindo vários aspectos
sobre a chamada conduta empresarial
responsável. A pesquisa foi realizada
com empresas de todo o mundo e, das
154 empresas brasileiras participantes,
dois terços delas atendiam todos os cri-
térios dispostos pela organização, sen-
do que o critério no qual o Brasil teve
maior pontuação foi o relacionado aos
temas de códigos de ética e sistemas
de integridade. Fazendo um recorte
para as multinacionais que operam
por aqui, 100% delas têm o sistema de
integridade, inclusive, as estatais. “O
Brasil tem se destacado e, nesse pon-
to também, acho que temos evitado,
de alguma maneira, escândalos gigan-
tescos como os que aconteceram no
passado. Pequenos problemas sempre
irão acontecer, as operações também
vão acontecer, mas acho que, talvez, o
processo da Lava-Jato tenha dado uma
visibilidade desproporcional para o
tema”, reforça Goto.
Um ponto que merece ser sempre
avaliado e que exige a mudança de
mindset de muitos profissionais da
área, é como não permitir que o Com-
pliance deixe as pessoas “amedronta-
das” em relação às tomadas de decisão,
ou mesmo que imponha tantas travas
e camadas de controle que torne os
processos de negócios realmente tor-
tuosos. Até porque, isso pode se con-
verter numa muleta para profissionais
que, eventualmente, não entreguem os
resultados. Perseguir um Compliance
que consiga ser eficaz, sem ser exces-
sivamente rígido, tem que ser preocu-
pação diária, e isso deve estar além do
enfrentamento à corrupção. “Tenho
usado o trilema das s: descentraliza-
ção, escalabilidade e segurança, para
fazer uma analogia com o Complian-
ce. Não deixarmos de zelar pela nos-
sa segurança, mas precisamos tornar
cada vez mais a visão de Compliance
como algo descentralizado dentro da
empresa e expandir, tornar a visão, os
valores e a mensagem de Compliance
acessíveis para o grande público, ou
pelo menos para uma rede de pesso-
as sob as quais você tenha influência.
Penso que é uma boa comparação do
que a gente deva pensar. Sempre que a
gente pode dividir a responsabilidade,
ela vira um problema e uma vitória de
todos”, acredita Daniel Sibille.
VALORIZAÇÃO DO COMPLIANCE,
MAIS CHANCES DE AUTODENÚNCIA
Outro ponto no qual temos espaço
MARISA PERES, DA NISSAN: instituto das
delações premiadas é positivo e não precisa
oferecer uma prova factual para ser válida.
Mas os depoimentos precisam oferecer
subsídios para que as investigações possam
avançar a partir do que foi delatado.
para avançar é, justamente, na real va-
lorização do papel do Compliance pela
administração pública pelo papel que
a área exerce como uma das linhas de
defesa dos cofres públicos.
As principais agências de aplicação
das leis anticorrupção no mundo têm
reforçado às empresas as vantagens do
uso dos mecanismos de autodenúncia.
E isso vem acompanhando de bene-
fícios para as empresas que o fazem.
Benefícios que no caso da legislação
brasileira são considerados tímidos,
para dizer o mínimo. “O legislador da
Lei Anticorrupção Empresarial partiu
de uma premissa completamente fal-
sa, de que “se um ato lesivo foi pra-
ticado, isso significa que o sistema de
compliance da empresa não é efetivo”,
aponta Shin, do Tozzini Freire. Trata-
-se de um contrassenso, uma vez que a
efetividade do sistema é demonstrada

30 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
exatamente pela detecção, pela corre-
ção, e incorporação de melhorias no
sistema. Para a advogada, fica difícil
explicar para o empresário que, após a
realização de um investimento consi-
derável na implementação de um siste-
ma de integridade robusto e, diante da
detecção de uma transgressão, teria ele
o dever de reportar os fatos às autori-
dades públicas para, ao final e se tudo
correr bem, ainda pagar uma multa
que pode chegar à terça parte do valor
total que seria devido, podendo ainda
sofrer a aplicação de outras sanções
previstas nos demais diplomas legais
sancionadores, como, por exemplo, a
Lei de Licitações e Contratos Adminis-
trativos. “No fim do dia, quais seriam
os incentivos que o empresário brasi-
leiro teria para a auto-revelação volun-
tária quando a ocorrência da ilicitude
detectada internamente não é do co-
nhecimento das autoridades públicas?
Praticamente nenhum”, lamenta a
sócia do Tozzini Freire. Isso explica,
na visão dela e de outros profissionais
experientes do mercado, o porquê de a
comunicação espontânea no Brasil ser
um tema ainda muito discutido e por-
que a empresa que realizou uma boa
investigação interna, optar por correr
o risco de segurar a informação in-
ternamente e aguardar para ver como
agir, caso a conduta ilícita venha a
público, ou seja descoberta por outros
meios por alguma autoridade.
Buscar um dispositivo assemelha-
do à “declination” norte-americana,
por meio do qual a empresa faz a au-
todenúncia, apresenta o resultado das
investigações internas e independentes,
as respostas e ações tomadas por con-
ta do incidente e pode, a depender da
avaliação das autoridades, ficar livre
de ser alvo de uma investigação oficial,
seria um avanço dos mais relevantes
no sentido de realmente demonstrar
o valor e a capacidade de gerar retor-
no econômico e financeiro de um bom
programa de Conformidade. Para Shin,
esse é o ponto que recebe as críticas
mais eloquentes contra a Lei Anticor-
rupção e com a qual o próprio Poder
www.lec.com.br
SHIN JAE KIM, DO TOZZINI
FREIRE: a ausência de um
mecanismo como o “declination”
norte-americano, que permite à
empresa não ser alvo de uma
investigação das autoridades
quando o seu sistema de
integridade detecta um ilícito ,
toma as medidas cabíveis e
apresenta os resultados da
investigação às autoridades
é o que desencentiva que as
empresas façam a autodenúncia.
UMA NOVA FRONTEIRA
E
xiste um aspecto com potencial para vir a ser um elemento diferente
no cenário institucional de combate à corrupção no País, com refle-
xos diretos sobre os profissionais de Compliance: a criminalização da
corrupção privada no Brasil. A sócia do Tozzini Freire, Shin Jae Kim,
entende que propostas legislativas nessa direção seriam importantes, não
exatamente em razão de seu viés repressivo, mas, principalmente, pelas con-
sequências dessa sinalização. Além de interferir nas questões concorrenciais
e negociais, a corrupção privada aparece ligada a uma série de outras infra-
ções conexas, como a associação criminosa (conspiracy, no Direito norte-
-americano), a fraude e a lavagem de dinheiro. “O Brasil trouxe para o seu
ordenamento jurídico, pelo Decreto nº 5.687/2006, a Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção, que propõe não apenas a criminalização do su-
borno no setor privado, mas também da malversação ou do peculato de bens
no setor privado”, lembra Shin, que chama a atenção para o projeto do novo
Código Penal, em trâmite no Senado Federal (PLS nº 236/2012), que traz a
previsão da corrupção privada como crime e o tipifica como ato de “receber
vantagem indevida, como empregado ou representante de empresa ou ins-
tituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente,
ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou omitir ato
inerente às suas atribuições”. A pena proposta varia de um a quatro anos
de prisão e atinge tanto quem entrega ou paga, direta ou indiretamente, ao
empregado ou representante da empresa ou instituição privada, vantagem
indevida, desde que apresentada uma queixa em relação ao caso.
31
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
REYNALDO GOTO, DA BRF:
resultados de pesquisa da OCDE
com empresas de todo o mundo
atestam que as empresas
brasileiras, particularmente as
multinacionais, estão sólidas
em relação as suas estruturas
de Compliance.
Executivo reconheceu que a legislação
brasileira estava “desalinhada” das me-
lhores práticas internacionais, na época
da entrada em vigor da Medida Provi-
sória nº 703, lançada no final de 2015
e que, entre outras questões, buscava
criar um balcão de negociações único
entre AGU, CGU e Ministério Público
(o que acabou gerando conflitos com o
TCU, que não foi inserido nessa mesa)
e abria a possibilidade de remissão total
da multa em alguns casos. Já em meio
ao turbilhão político que virou o segun-
do mandato da ex-presidente Dilma
Rousseff, o governo acabou não tendo
disposição e força para levar à Medida
Provisória para votação no Congresso,
deixando-a caducar.
Para Simão, a figura da “decli-
nation” é o desenho a se perseguir.
Hoje, ele não vê o País com matu-
ridade para isso. Mas reconhece que
nas discussões sobre as atenuantes
para aplicação de multa, o Estado
deixou de atribuir um peso adequado
à colaboração das empresas. Até por-
que, quando existe dano ao erário, os
agentes públicos costumam ter uma
dificuldade enorme na quantificação,
porque, como lembra o sócio do War-
Foto: Gustavo Rampini
de, o órgão público tem uma régua e
a empresa tem outra. Quando não, a
própria administração pública opera
com várias réguas diferentes. “Enten-
do que ninguém está melhor posicio-
nado, no caso de apontar o dano ao
erário, do que a própria empresa. Daí
a importância de investigação inde-
pendente”, explica Simão, lembrando
que diferente de uma auditoria fiscal,
a administração pública não tem aces-
so a contabilidade da empresa. O pro-
cesso de responsabilização, de tomada
de contas é feito com metodologia
muito boa, mas que não se apropria
de informações contábeis. Para o ex-
-servidor da União, falta à adminis-
tração pública dar mais credibilidade
a esses relatórios de investigação, e
compreender que talvez seja neces-
sário algum tipo de regulação, ou o
credenciamento de empresas aptas a
fazerem essa apuração, sob pena de
responsabilização no caso de atuar de
forma não independente. “A empresa
poderia levar um relato completo e
a administração pública ter seguran-
ça de que o valor devido será aquele
apontado. Talvez esse salto seja o que
vai nos permitir um pouco mais de se-
32
gurança e conforto para irmos espon-
taneamente”, acredita Valdir Simão.
Já o atual chefe da CGU, diz que a
pasta trabalha com algumas ideias no
sentido de dar um maior peso para a
autodenúncia. “Estamos trabalhando
com algumas ideias. Não necessaria-
mente de mudança legislativa, mas
de interpretação interna levando em
conta o que a lei já permite. Estamos
terminando as discussões e em breve
devemos anunciar isso”, garante Wag-
ner Rosário. Questionado se o Estado
brasileiro pode, em algum momento,
abrir mão da multa e adotar um mo-
delo de “declination”, o ministro diz
que o Brasil precisa seguir por esse
caminho. “Se a empresa está trazendo
aquela investigação interna, é preciso
reconhecer isso”, reforça.
Ao mesmo tempo que é desejável
buscar pela maior valorização do pro-
grama de Compliance, para avaliar de
forma mais justa o dolo da empresa
num caso de corrupção, seria salu-
tar dar mais ênfase nas punições dos
empresários e executivos envolvidos
do que as empresas em si. “Não pode-
mos matar a entidade empresarial sem
compreender o impacto disso. Qual-
quer decisão, e hoje, não é só na admi-
nistração pública, tem que passar por
uma avaliação de impacto. Não pode-
mos ceder ou entender (a corrupção)
como algo normal, mas precisamos
zelar para que o sistema de controle
não seja destruidor de entidades, o que
fará mal à nossa sociedade”, afirma Si-
mão. As pessoas físicas, num processo
que é mais longo do que as tratativas
na esfera administrativas que demanda
efetivamente a comprovação do dolo
já que na esfera criminal, e deveriam
pagar um preço mais salgado pelos
malfeitos, avançando, a depender da
amplitude da ação, sobre o patrimônio
obtido de forma legítima.
Um ponto que facilitaria a ação
das empresas e, indiretamente, cria-
ria um ambiente de maior segurança
para a realização de suas negociações
e mesmo para as autodenúncias seria
uma maior organização e respeito en-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
tre os diferentes agentes públicos que
atuam no processo, ponto que como
já foi dito acima, era um dos elemen-
tos centrais da Medida Provisória
703. Ainda são poucos os casos nos
quais existe uma articulação entre as
autoridades, seja na esfera federal,
seja com os Ministérios Públicos nos
estados. Mas ainda é um problema de
modelo institucional do Estado que
dificulta, encarece e atrasa a resolu-
ção dos problemas pelas companhias.
“Essa sobreposição de instâncias é
uma característica nossa muito ruim.
Aquilo não acaba nunca e gera um
alto custo para o suspeito e para o
contribuinte. É uma briga de vaida-
des entre as instituições que não ve-
mos nos Estados Unidos, por exem-
plo. Lá, eles se acertam entre eles.
Aqui, em casos de corrupção, ainda
temos a competência dos municípios.
Não pode dar certo”, acredita Heloi-
sa Estellita, sócia do escritório que
leva o seu nome e professora da FGV-
-Law. Estelita também entende que
para resolver a questão das milhares
de competências criadas pela Lei An-
ticorrupção seria preciso pensar em
uma solução mais realista, brasileira
e pensado para esse problema, sem
buscar importar uma solução pronta,
especialmente de países que operam
sobre a Common Law, caso dos Esta-
dos Unidos, que seguem outra lógica.
“Eles pretendem resolver tudo, inclu-
sive nas questões penais, via acordo.
Quando a disputa existe, é meramen-
te processual”, explica a professora.
Para Valdir Simão, esse é um proble-
ma que demandaria uma profunda e
difícil reforma do Estado brasileiro.
Daí que, em relação à independên-
cia de ação das instituições relaciona-
das ao combate à corrupção no Brasil,
caminhar para mais independência
pode parecer uma demanda natural
frente às tentativas de interferências
recentes. Mas, isso não parece um
caminho salutar que garantiria uma
maior liberdade de ação, ao mesmo
tempo em que, provavelmente, levaria
a um maior conflito, ou ao menos a
www.lec.com.br
DANIEL SIBILLE, DA ORACLE: o Compliance
só tem a ganhar se coneguir emular o trilema
das blockchains: segurança, escalabilidade e
descentralização para levar a mensagem da
área para mais pesoas.
um maior desafio para alinhar os dife-
rentes interesses, inclusive os interesses
políticos de cada instituição.
PARA EVITAR OS EXCESSOS
Se é importante que nas empresas, a
área de Compliance busque meios
para ser eficaz sem engessar as ope-
rações, no setor público, uma lógica
similar deveria ser perseguida. Isso
implica em fugirmos de algumas ar-
madilhas que podem parecer positivas
num olhar mais superficial, mas que
com o tempo, tendem a tornar os pro-
cessos mais burocráticos, lentos e, no
final, atrapalhar a nossa capacidade de
prevenir e identificar situações suspei-
tas de corrupção. Além disso, temos
uma tradição de estabelecer leis e regu-
lamentações muito rígidas, que se tor-
nam inócuas, graças a nossa limitada
capacidade de fiscalização, em especial
quando nos afastamos dos principais
33
centros de poder do País.
Por isso é importante que a estra-
tégia do País foque no que realmente
interessa, ao invés de simplesmente
buscar incorporar mais gente de forma
indiscriminada sob a égide das regras
de combate à corrupção e prevenção à
lavagem de dinheiro. Essa é uma das
críticas feitas por Heloisa Estellita a
alguns pontos da Lei de Lavagem de
Dinheiro. A alteração na lei, que eli-
minou o rol específico de crimes an-
tecedentes não teve, por si só, grande
impacto nas investigações de corrup-
ção, que já constava no rol de crimes
antecedentes, aliás. “O que poderia
ter tido maior impacto foi o aumen-
to de pessoas obrigadas a reportar - de
bancos e imobiliárias, para muito mais
gente”, diz a professora da FGV-Law.
Mais fontes de detecção? Estellita tam-
bém não acredita nisso. “O COAF vai
virar a maior agência de inteligência
do mundo? Essas alterações entupiram
de comunicações o COAF, que é um
órgão muito competente. Por tabela,
Ministério Público e Polícia Federal
precisam processar esses casos, que po-
dem ser uma bagatela, mas por uma
questão legal da persecução penal as
instituições são obrigadas a processar”,
questiona. Em essência, a professora
entende a própria supressão dos cri-
mes antecedentes como um desastre.
“A Alemanha fez o mesmo. Se eu for
na sua casa e comer um chocolate que
você furtou, eu estou lavando dinhei-
ro. Não se mantém uma proporciona-
lidade do crime antecedente. Tirou a
capacidade de focar e gerou zero de ga-
nho. Além disso, trata-se de secar gelo.
No Direito Penal, 99% dos casos são
sintomas de problemas que se manifes-
tam em outro lugar”, conclui Estellita.
“O modelo repressivo não é, atual-
mente, considerado eficiente. Sem a
adoção de medidas preventivas e miti-
gadoras, o afastamento do exercício do
cargo público ou mesmo a prisão de
um agente político apenas representa-
rá a substituição de um corrupto por
outro”, corrobora Shin Jae Kim, que
enxerga a prevenção como elemento
ESPECIAL • COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
REVISANDO AS DELAÇÕES
M
uito do sucesso da Lava
Jato teve a ver com a for-
ma como ela se utilizou de
um elemento relativamen-
te novo no ordenamento jurídico local,
e mais novo ainda no seu uso para ca-
sos envolvendo corrupção: as delações
premiadas. Sem as delações, não exis-
tiria Lava Jato. Mas há de se questionar
se o instrumento, em algum ponto da
operação, não se perdeu, deixou de ser
usado com parcimônia e como ponto
de partida para a investigação para ser
encarado como uma prova, um teste-
munho decisivo capaz de sustentar
uma acusação e, pior, torná-la pública.
E hoje, podemos ter ido de um ex-
tremo ao outro. Para Leopoldo Pagot-
to, sócio do escritório FreitasLeite, um
problema para a realização de futuras
delações é que o Supremo Tribunal
Federal estabeleceu o que pode ser
considerado um standard: o de que as
delações precisam ser corroboradas por
provas, o que o co-chair do comitê de
Compliance da IBA entende ter sido um
entendimento equivocado. “O teste-
munho de uma pessoa é um elemento
de prova. E muitas ações não vão poder
ser corroboradas por uma prova factu-
al, um documento. Isso vai dificultar as
operações”, lembra. O que não quer
dizer que tudo o que for dito deverá
positivo por uma série de outras ra-
zões, principalmente o grau de eficiên-
cia elevado, a ausência de pressão polí-
tica, a desnecessidade de apresentação
de resultados a curto prazo e a atenção
à garantia constitucional fundamental
da dignidade da pessoa humana.
De novo, é preciso frieza e um
olhar objetivo para olharmos para o
que poderia ser mais eficaz para a ins-
titucionalidade do País, não para o que
rende mais manchetes e notícias. O
moralismo e o justiçamento no com-
bate à corrupção parecem ir pelo se-
ser encarado como verdade. “É preci-
so que a delação tenha credibilidade,
que o contexto e as circunstâncias do
que foi dito ali façam sentido e permi-
tam avançar nas investigações”, acre-
dita Pagotto. “Sou super favorável ao
mecanismo, mas ela tem que ter algo
a oferecer. Não que tenha que dar evi-
dências, ou corroborar com provas tudo
o que foi dito, mas a delação não pode
ser utilizada como base para qualquer
coisa. É preciso estar vinculada a um
arcabouço de evidências que a investi-
gação consegue juntar a partir do que
a pessoa trouxe inicialmente”, acredita
Marisa Peres.
Com ajustes e usado corretamente,
o dispositivo das delações tem tudo
para continuar como elemento chave
no processo de investigação de casos
de corrupção. Mas, é preciso se ques-
tionar qual os benefícios necessários
e a própria amplitude (em termos do
números de delatores) podem ser con-
siderados justos, uma vez que o delator
só está nesta posição por ter, ele mes-
mo, cometido um ilícito. O encarcera-
mento, para qualquer ser humano, não
pode ser considerado um mal menor.
Ainda mais para pessoas habituadas
com um padrão de vida econômico, so-
cial e cultural bastante elevado, como
costuma ser o caso de quem pratica os
gundo caminho. “O problema é que a
pessoa começa a traçar a moral a partir
da sua régua dele para a sociedade com
um todo. Compliance não é colocar
todo mundo sob a minha régua e sair
batendo em quem está abaixo daque-
la régua. Nada disso. Mas acho que é
uma questão de maturidade e estamos
desenvolvendo e as normas, com o
tempo, vão trazer mais racionalidade
para as pessoas e isso faz parte do cres-
cimento do país”, acredita Rosário.
É um desafio para o qual precisa-
remos manter olhares atentos em tem-
34
crimes do colarinho branco. “Não con-
sigo imaginar que alguém saia da pri-
são igual entrou. Tem toda a questão
do impacto para a família, social e para
a própria pessoa. O homem médio não
vai encontrar com um desses grandes
empreiteiros que foram presos e acha-
rem que ele é o máximo”, diz Marisa.
“Mas acho que a penalização financei-
ra precisa ser mais forte”, entende a
executiva.
A verdade é que os maiores dela-
tores, como os executivos da Petro-
bras e os próprios empreiteiros, não
tiveram outra opção que não fazer o
disgorgement do que haviam obtido
de forma ilegal. Mas isso deveria ser
o mínimo. Avançar sobre o patrimô-
nio obtido de forma legal, por meio
de multas calculadas de forma clara
e objetiva, dentro da proporcionali-
dade dos crimes cometidos e consi-
derando a sua contribuição para a
resolução do esquema, que permitam
um acerto de contas de quem prati-
cou esses crimes com o Estado e a
sociedade brasileira. Um preço mais
salgado pago por esses profissionais
e empresários, certamente contribui-
ria para mitigar a sensação de impu-
nidade e estabelecer um risco muito
alto e caro para quem tentar seguir
por esse caminho.
po integral. Como o enfrentamento à
corrupção é uma plataforma de cam-
panha política popular, talvez demore
um tempo para que isso se sedimente,
mesmo que não voltemos ao modelo
de vigilância no qual se enxerga a tudo
e a todos como potencial corruptos,
sejam agentes públicos ou privados. “A
restauração da confiança entre o poder
público e a sociedade é essencial. O
Estado precisa confiar nas pessoas, as
pessoas precisam confiar no Estado e
as instituições precisam confiar umas
nas outras”, conclui Valdir Simão.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
CURSO DE INVESTIGAÇÕES

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LEC NEWS • ANTICORRUPÇÃO
Um bom caminho para
um problema real
P
ergunte para 10 advo-
gados e profissionais
de Compliance envol-
vidos em negociações
de acordos de leniên-
cia qual o maior desa-
fio que eles enfrentam
na hora de tratar com autoridades
públicas e nove deles dirão que é ter
de lidar com várias autoridades de
forma descoordenada, para não dizer
sobrepostas e contraditórias muitas
vezes. E isso, mesmo quando se está
lidando apenas com órgãos na esfera
federal. Quando o caso envolve au-
toridades em entes federativos dis-
tintos, a confusão costuma ser ainda
maior.
Por isso, é de se reconhecer a im-
portância que a assinatura do acordo
de leniência das empresas de tecnolo-
gia Allied com o Ministério Público
Federal (MPF), realizado simultanea-
mente com um acordo de não perse-
cução civil entre a empresa e o Minis-
tério Público de São Paulo (MP-SP).
O acordo inédito é resultado de inves-
tigações da Polícia Federal no Âmbito
da operação Triuno de 2020 (desdo-
bramento da operação Descarte).
De acordo com as investigações,
a Allied ofereceu vantagem indevida
a servidores públicos com o objetivo
de reduzir crédito tributário apurado
ou obter ressarcimentos antecipados
de tributos. Outras duas companhias
foram citadas na delação que servi-
ram de ponto de partida para as in-
vestigações.
Pelo acordo firmado, a empresa
36
Foto: Divulgação/B3
LIDERANÇA DA ALLIED NO IPO DA
EMPRESA NA B3: solução negociada
com Ministérios Público Federal e de São
Paulo é um avanço e uma esperança.
se compromete a pagar R$ 23,8 mi-
lhões, corrigidos até a data do depó-
sito, à União e à Fazenda Pública do
Estado de São Paulo em um prazo de
até 30 dias após a última homologa-
ção, uma vez que ambos os acordos
foram submetidos à chancela da 5ª
Câmara de Coordenação e Revisão
do MPF e do Conselho Superior do
Ministério Público.
Outro ponto importante do acor-
do é o de que a Allied assumiu a obri-
gação de manter o aprimoramento
contínuo do seu programa de inte-
gridade por um prazo de cinco anos.
As autoridades do MPF e do MP-SP
acompanharão esse processo, avalian-
do relatórios anuais, que obrigatoria-
mente deverão ser elaborados e apre-
sentados pela companhia.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
LEC NEWS • ANTICORRUPÇÃO
Avanço
nas multas
brasileiras
A
subsidiária local da empresa ame-
ricana de coleta de resíduos hos-
pitalares Stericycle fechou acordo
de leniência com o governo federal
para devolver R$ 109 milhões após
a confirmação de ilícitos relaciona-
dos aos contratos de coleta de lixo
hospitalar obtidos pela companhia junto a instituições
que integram o Sistema Único de Saúde (SUS).
Para a Controladoria-Geral da União e a Advoca-
cia-Geral da União, que atuaram conjuntamente na
negociação, a celebração do acordo prevê o pagamento
de R$ 109,7 milhões. Desse montante, R$ 65,5 mi-
lhões serão destinados aos entes lesados a título de da-
nos e de vantagens indevidas. A multa aplicada com
base na Lei Anticorrupção soma outros R$ 41,4 mi-
lhões, enquanto a penalidade referente à Lei de Impro-
bidade Administrativa foi fixada em R$ 2,8 milhões.
As empresas do grupo Stericycle em operação no
Brasil também se comprometeram a atualizar e aper-
feiçoar suas políticas de governança e de Compliance,
incluindo os seus mecanismos de controle.
Segundo a AGU, a empresa realizou uma autode-
núncia e procurou as autoridades brasileiras esponta-
neamente em 2018, após identificar irregularidades
previstas nas leis Anticorrupção e de Improbidade
Administrativa, após um processo de investigação in-
terna. A CGU diz que as empresas cooperaram de
forma efetiva com as autoridades em suas investiga-
ções, o que teria refletido na mitigação das sanções
aplicadas.
De acordo com a Stericycle, a empresa cooperou
totalmente com as investigações das autoridades bra-
sileiras e norte-americanas para resolver a questão que
remonta a desvios de conduta cometidos por funcio-
nários da companhia na América Latina antes de 2017.
Desde então, a empresa se desfez de suas operações na
Argentina e no México, mantendo o Brasil como úni-
www.lec.com.br
Foto: Stericycle/Divulgação
VEÍCULO DA STERICYCLE: autodenúncia da empresa
feita em 2018 deu origem ao acordo de leniência firmado
com o Brasil. Empresa fez acordo também nos EUA.
co país com presença da empresa na região.
O acordo com as autoridades brasileiras é parte de
uma resolução global que envolve também um Defer-
red Prosecution Agreement (DPA) com o Departamento
de Justiça (DoJ) e uma sanção administrativa com a
Securities and Exchange Commission (SEC) dos Esta-
dos Unidos. No total, o acordo firmado pela empresa
neste caso soma cerca de US$ 90 milhões (cerca de R$
456 milhões pelo câmbio atual).
“Resolver esse legado representa outro marco im-
portante na jornada de transformação de negócios da
Stericycle”, disse Cindy J. Miller, presidente e CEO
da Stericycle. “Nos últimos anos, nos concentramos
em remediar totalmente os problemas identificados
durante a investigação. Isso inclui a instituição de no-
vas políticas, procedimentos e controles internos e a
construção de uma cultura de conformidade, integri-
dade e responsabilidade alinhada com nossos valores
fundamentais em toda a nossa operação global”, com-
plementa a executiva.
Caso a empresa cumpra com as obrigações assumi-
das com as autoridades por um período de três anos,
nenhuma ação adicional será tomada contra ela. A Ste-
ricycle também se comprometeu a manter um moni-
tor independente de Compliance por um período de
dois anos e manter uma rotina de auto-reporte para as
agências americanas por mais um ano.
37
LEC NEWS • ANTICORRUPÇÃO

Foto: Reprodução/Twitter
Mais um
a caminho
do xadrez

S
eguindo a doutrina do
Departamento de Justiça
em vigor desde o memo-
rando Yates (em referên-
cia ao documento publi-
cado pela então número
dois do DoJ, Sally Yates), de visar
não mais a persecução das empresas,
mas ir atrás das pessoas envolvidas
nos casos de corrupção transnacio-
nal, um tribunal dos EUA condenou
o ex-banqueiro do Goldman Sachs,
Ng Chong Hwa, também conhe-
cido como Roger Ng, por crimes
de suborno por um júri federal no
Distrito Leste de Nova York. Após
quase dois meses de julgamento, o
júri considerou o malaio culpado das
três acusações que enfrentava e pelas
quais pode ser condenado a até 30
anos de prisão.
O executivo também foi respon-
sabilizado por conspirar para burlar
controles contábeis internos e come-
ter lavagem de dinheiro em conexão
com um esquema multimilionário
envolvendo o fundo estatal de in-
vestimento da Malásia (1MBD), do
qual teriam sido roubados 4,5 bi-
lhões de dólares.
O ex-banqueiro foi contratado
como diretor administrativo por vá-
rias subsidiárias da Goldman Sachs e
atuou como agente e funcionário do
mesmo banco de aproximadamente
ROGER NG, EX-BANQUEIRO DO GOLDMAN SACHS: US$ 35 milhões recebidos
pela atuação no esquema devem render, ao menos, alguns anos de prisão.
2005 a maio de 2014. O esquema
também contava com a participação
de Low Taek Jho, uma rica socialite
da Malásia, cujas relações estreitas
com altos funcionários do governo
na Malásia e nos Emirados Árabes
Unidos facilitavam a obtenção e ma-
nutenção de negócios para o Gold-
man Sachs, através do pagamento de
centenas de milhões de dólares em
subornos. Durante a execução do
esquema, Ng conspirou com outros
funcionários do Goldman Sachs para
contornar os controles contábeis in-
ternos do banco de investimento. Por
meio de seu trabalho para o 1MDB
durante esse período, o Goldman
Sachs obteve aproximadamente US$
600 milhões em taxas e receitas, en-
quanto o executivo recebeu US$
35 milhões por seu papel no crime.
Como parte do esquema, Roger Ng
e outros – incluindo Tim Leissner,
diretor-gerente e ex-presidente do
Goldman Sachs para o Sudeste Asiá-
tico – pagaram mais de US$ 1 bilhão
em subornos a 12 funcionários do
governo na Malásia e nos Emirados
Árabes Unidos para obter e manter
negócios lucrativos para o banco,
com o agravante de terem lavado o
produto do crime por meio do siste-
ma financeiro norte-americano. Em
2020, o Goldman Sachs acertou o
pagamento de multas e restituições
que somam mais de US$ 2,9 bilhões
com autoridades dos Estados Uni-
dos, Reino Unido, Malásia, Cinga-
pura e mais alguns países. O banco
assumiu a posição número um no
ranking das multas mais altas já apli-
cadas pelo DoJ.

38 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

LEC NEWS • ANTICORRUPÇÃO
DANIËLLE
GOUDRIAAN: a
holandesa assume
os trabalhos do GT
Antissuborno da
OCDE.
Uma mulher a
frente do grupo
O
Grupo de Trabalho da
OCDE sobre Suborno
Estrangeiro elegeu a ho-
landesa Daniëlle Gou-
driaan como sua nova presidente.
Na presidência do órgão ela passa a
liderar o WGB no monitoramento da
implementação e aplicação da Con-
venção Antissuborno da OCDE e ins-
trumentos relacionados por seus 44
Estados Partes. Procuradora com mais
de 20 anos de experiência, atualmente
ela vinha atuando como Procuradora
Europeia para os Países Baixos. Gou-
driaan assume a posição em janeiro do
próximo ano, em substituição ao eslo-
veno Drago Kos, que ocupa o posto
desde 2014 e foi um dos responsáveis
pela maior adesão internacional ao
tratado, além de ter conduzido uma
extensa revisão de seus padrões, o que
levou à adoção da Recomendação An-
www.lec.com.br
Foto: Divulgação/EPPO
Buscando a
objetividade
O
s profissionais globais de Compliance
passaram a contar com mais um in-
dicador global com o lançamento de
um novo índice de risco de corrupção, o Cor-
ruption Risk Forecast (CRF), desenvolvido por
meio de uma parceria entre duas organizações,
o Centro Europeu de Combate à Corrupção e
Construção do Estado (ERCAS) e o Centro de
Empresas Privadas Internacionais (CIPE).
De acordo com os seus criadores, o novo
indicador oferece aos profissionais e estudio-
sos dados mais detalhados além de oferecer
ferramentas de métricas preditivas. O índice
é estabelecido a partir de um conjunto de 30
indicadores baseados em dados objetivos,
provenientes de fontes conhecidas. Os dados
usados ​​no CRF são granulares e abrangen-
tes, indo de informações sobre acessibilidade
de informações de propriedade (de terras ou
negócios) até a divulgação online de conces-
sões de mineração dos governos. Segundo os
organizadores do novo índice, que mantém
também outros indicadores como os de trans-
parência e de integridade pública (que partem
do mesmo princípio de objetividade e cujos re-
sultados também refletem no CRF) trata-se de
tissuborno de 2021.
um modelo de análise de corrupção, baseado
Antes de ingressar na Procuradoria
em facilitadores e incapacitantes sociais, que
Europeia, foi procuradora coordena-
permite tornar mais clara a dedução do cami-
dora nacional sobre corrupção na Ho-
nho que determinado país está seguindo.
landa na Procuradoria Especial para
Essas informações fornecem novas fer-
Fraudes Graves, Crimes Ambientais e
ramentas analíticas para o trabalho de con-
Confisco de Bens. Goudriaan também
formidade, permitindo, por exemplo, que um
fez parte da delegação holandesa no
Compliance officer encarregado de avaliar o
grupo de trabalho, foi membro do seu
risco de corrupção de uma nova fábrica sendo
grupo de gestão e presidente da Reu-
construída em determinado país possa aces-
nião dos Oficiais de Aplicação da Lei.
sar mais facilmente dados sobre a evolução
A Convenção Antissuborno da
da transparência administrativa ao longo do
OCDE serve como a pedra angular
tempo, ou mesmo encontrar um link para a
dos esforços dos países para comba-
página de licenças de construção do governo.
ter o suborno e a corrupção e garan-
Eles também podem examinar as característi-
tir condições de igualdade global nas
cas do contexto de integridade pública do país
transações comerciais internacionais.
na comparação com seus vizinhos ou nações
O esloveno, Drago Kos, ocupa o car-
do mesmo grupo de renda. Ao todo, o CRF se
go de presidente da WGB desde 2014,
propõe a oferecer uma compreensão ampla de
e realizou uma extensa revisão de seus
como 120 países gerenciam ou não a corrup-
padrões, o que levou à adoção da Re-
ção em seus territórios.
comendação Antissuborno de 2021
39
EVENTO • LEC EXPERIENCE

O TRIO DE APRESENTADORES
DO LEC EXPERIENCE LATAM:
três noites de muito conteúdo,
interatividade e relacionamento
para a comunidade de Compliance.

Uma imersão
no universo do
Compliance
Maior encontro online de Compliance da América Latina chega
a sua terceira edição com novidades

40 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

EVENTO • LEC EXPERIENCE
A
s duas primeiras
edições do LEC
Experience Latam,
criado em meio a
pandemia de Co-
vid-19, já haviam
deixado claro que
o evento ganhou um espaço especial
na agenda da comunidade de Com-
pliance e que manteria o seu status
mesmo com a volta dos eventos pre-
senciais. Seu formato interativo, reu-
nindo dezenas de especialistas do Bra-
sil e de vários países em apresentações
e painéis tratando tanto dos temas
clássicos e essenciais para o dia a dia
dos profissionais, quanto das novas
tendências e caminhos que apontam
para o futuro da área. Agora, em sua
terceira edição, o LEC Experience La-
tam se consolida como um dos gran-
des palcos para o debate público sobre
a área de Compliance na região. En-
tre os dias 28 e 30 de junho, sempre
a partir das 18h, serão três noites de
imersão e conteúdos exclusivos para
assistir de onde estiver.
A produção do evento segue no
mesmo padrão televisivo dos anos an-
teriores, com as apresentações trans-
mitidas diretamente de um estúdio,
com equipamentos de vídeo e áudio
de última geração e tradução simultâ-
nea, tudo para garantir a maior a me-
lhor experiência para os espectadores
de todo o continente. Quem partici-
pou dos anos anteriores pode atestar
o padrão de qualidade do evento. A
experiência é imersiva para os mais de
mil participantes esperados transita-
rem pelo evento, fazendo networking
e acessando os estandes dos patrocina-
dores, que aliás, serão em formato 3D.
Mas, sempre é preciso entregar
mais e o LEC Experience Latam 2022
não vai deixar a desejar nesse sentido.
A começar pelo fato de que neste ano,
serão duas salas, permitindo a am-
pliação e uma maior segmentação do
conteúdo, com apresentações sendo
transmitidas simultaneamente. Outra
novidade deste ano são os LEC Talks,
apresentações de curta duração com
www.lec.com.br
palestrantes abordando os mais diver-
sos temas relacionados ao mercado.
Com mais espaço, a programação
do LEC Experience Latam está tur-
binada. Os temas clássicos e sempre
em evidência como tendências no
combate à corrupção e a prevenção
à lavagem de dinheiro, investigações
internas e definição de indicadores e
métricas, que fazem parte da ordem
do dia de todo profissional de Com-
pliance, estão garantidos em apre-
sentações como “A visão da CGU
no fluxo de celebração de acordos
de leniência”, apresentada por João
Carlos Figueiredo, Secretário de
Combate à Corrupção da Controla-
doria-Geral da União, que marca a
abertura do evento.
Outro tema relevante, o plano an-
ticorrupção publicado em dezembro
de 2021, pelo gabinete do presidente
norte-americano Joe Biden, a primei-
ra ação dessa natureza estabelecida por
um ocupante da Casa Branca, vai ser
abordado numa entrevista com espe-
cialistas e autoridades internacionais,
na qual também será abordada a visão
das autoridades estrangeiras sobre a
América Latina para os próximos anos.
Completando 30 anos de seu iní-
cio, a Operação Mãos Limpas, a in-
vestigação italiana que se tornou um
marco global e uma referência para
autoridades e profissionais de Com-
pliance e Prevenção à Lavagem de Di-
nheiro em todo o mundo pelo uso de
técnicas de investigação inovadoras
na época, pelos seus acertos e erros e,
também, pela forma como foi “derro-
tada” pelo sistema, terá lugar de des-
taque na programação do LEC Expe-
rience Latam. A operação será tratada
em uma entrevista exclusiva, ao vivo,
com a economista Maria Cristina Pi-
notti, organizadora do livro “Corrup-
ção: Lava Jato e Mãos Limpas (Cia.
das Letras, 2019) e que tem se dedica-
do ao estudo da teoria da corrupção e
da história da operação italiana.
Também o aguardado Painel de
CEOs, uma tradição do evento, vai
reunir membros da alta adminis-
41
tração das empresas, como Marcelo
Oromendia, vice-presidente da 3M
na América Latina e responsável pela
governança das operações na região e
no Brasil, para compartilharem a sua
visão e falar de conceitos e práticas
inovadoras que suas empresas estão
adotando em termos de conformida-
de e integridade corporativa.
Para abrilhantar ainda mais o
evento e dar um toque de descontra-
ção, a organização do LEC Experien-
ce Latam trouxe o tenista Fernando
Meligeni, para compartilhar suas ex-
periências dentro e fora das quadras
em uma apresentação inédita.
IMPACTOS DA GUERRA
E CRIPTOMOEDAS
Os acontecimentos mais quentes do
momento e que geram impactos diretos
e indiretos para a área de Compliance
também estão abrigados na programa-
ção do LEC Experience LATAM 2022.
A invasão da Ucrânia pela Rússia têm
gerado uma série de embargos interna-
cionais impostos ao país comandado
por Vladimir Putin, com a ampliação
de listas restritivas de instituições fi-
nanceiras, empresas e pessoas ligadas
ao Kremlin, além de gerar uma quebra
global em cadeias de abastecimento
importantes para o Brasil, em especial
os insumos agrícolas, tornando a busca
por esses produtos não só mais desafia-
dora e cara, mas também mais arriscada
do ponto de vista dos riscos de suborno
internacional. O tema será tratado num
painel com a participação do experiente
jornalista Jamil Chade, correspondente
internacional de vários veículos do Bra-
sil e do exterior.
As criptomoedas não são necessaria-
mente uma novidade no ambiente do
evento, mas o avanço dos diferentes pa-
íses na regulação desses ativos e o início
de um forte aumento dos enforcements
relacionados às criptomoedas, têm de-
mandado mais atenção dos agentes do
segmento para os temas de Compliance
dentro das suas organizações. Esses e
outros aspectos serão debatidos no pai-
nel Cryptocurrency Enforcement.
EVENTO • LEC EXPERIENCE
TRANSMISSÃO COM TECNOLOGIA DE
PONTA: o LEC Experience Latam oferece a melhor
experiência de eventos online disponível no mercado
DA DISCUSSÃO À PRÁTICA
Muitos temas relevantes já abordados
nas edições anteriores do evento, mas
que ainda estavam num estágio ini-
cial, voltam à programação deste ano
com uma abordagem mais prática. É
o caso da LGPD, que será abordada
em dois painéis: “As investigações in-
ternas corporativas e a LGPD”, que
vai discutir os desafios práticos en-
frentados por grandes empresas nes-
se alinhamento e como superá-los da
melhor maneira nos próximos anos;
e “A jornada da implementação do
programa de compliance em proteção
de dados. Estamos na direção certa?”,
painel que vai tratar dos procedimen-
tos necessários para a governança e
conformidade com a LGPD, elimi-
nando mitos e práticas duvidosas en-
contradas hoje no mercado.
Um tema que não é novo, mas
que também será tratado de for-
ma prática, é a gestão de crises, no
painel: “A simulação de crises e sua
adequada gestão, incluindo riscos de
ESG”. “Fazia tempo que não faláva-
mos sobre gestão de crise e no mo-
mento atual, num mundo cada vez
mais conectado, com crises, guer-
ras, faz muito sentido voltar com o
tema, debatendo como as empresas
têm feito isso, e trazendo os temas
de ESG, como os impactos das mu-
danças climáticas, para esse processo
de gestão’, explica Daniela Provazi,
sócia da LEC e responsável pela pro-
gramação do LEC Experience Latam.
DE OLHO NO FUTURO
Outra característica do maior even-
to online de Compliance da América
Latina é a sua capacidade de antecipar
tendências e adiantar os debates sobre
as novidades que vão impactar na área
de Compliance. Neste ano, o painel
“Compliance, Metaverso e Web 3.0”
irá debater sobre como a tecnologia
do Metaverso vem se desenvolvendo
de forma exponencial e transformando
ambientes virtuais em canais de ven-
das e relacionamento obrigatórios para
as empresas em um futuro próximo,
gerando a perspectiva de novos ris-
cos, mas como sempre, também novas
oportunidades para os profissionais de
42
conformidade e integridade. ”As em-
presas vêm caminhando para esse am-
biente e é importante discutir como o
Compliance vai funcionar dentro des-
se universo, ainda incerto, mas que vai
acontecer. É um assunto do momento,
um tema que gera muita curiosidade,
mesmo que nem todo mundo esteja
lá”, conta a sócia da LEC.
PARA GARANTIR SUA PRESENÇA
A comunidade de Compliance já está
convidada para participar do LEC
Experience Latam 2022. As inscrições
estão abertas a todos e são gratuitas
na categoria Free Pass, que dá aces-
so a primeira palestra de cada dia e a
feira de negócios. Para uma imersão
total no evento, os participantes po-
dem optar pelo Full Pass, que garante
acesso total às duas salas de apresenta-
ções, certificado de participação, salas
de bate-papo para networking, estan-
de de vagas e a possibilidade de ver
e rever todas as apresentações por até
15 dias após o evento.
Para inscrições e mais informações,
acesse: www.lecexperiece.com.br
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
LGPD • BASES LEGAIS

Bases de sustentação
Divididas em dez justificativas para o tratamento de dados pessoais
e oito no caso dos dados sensíveis, as bases legais são diretrizes de
suma importância dentro da LGPD. Compreendê-las e saber aplicá-
las corretamente requer atenção redobrada e, muitas vezes, pode ser
um grande desafio

TRABALHADORES ATUAM NA FUNDAÇÃO

DE UM PRÉDIO: as bases legais da LGPD
dão sustentação ao programa de Complaince
em proteção de dados. Daí a importância de
entendê-las corretamente.

44 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

LGPD • BASES LEGAIS
A
necessidade de
um programa de
compliance em
proteção de dados
pessoais é uma re-
alidade que se im-
põe a um número
cada vez maior de empresas de dife-
rentes segmentos da economia e, não
raro, independentemente do seu por-
te. Muitas startups têm no tratamen-
to de dados pessoais um pilar central
do seu modelo de negócios, por isso,
será cada vez mais difícil para os agen-
tes do mercado ignorar o dispositivo
legal brasileiro para a proteção de da-
dos pessoais (LGPD).
Pesquisa realizada pela PwC Bra-
sil, uma das big 4 do mercado de au-
ditoria e consultoria, com 100 empre-
sas indica que 31% delas afirmaram
estar se preparando para adotar as
regras previstas na lei; 48% disseram
já estar prontas para cumprir a legis-
lação e 52% chegaram a investir em
políticas para garantir o tratamento
de dados pessoais sensíveis. “As esta-
tísticas mostram que, de fato, há um
longo caminho a ser percorrido, mas
que o mercado entendeu a relevância
da adequação às regras de proteção de
dados pessoais”, diz a advogada Paula
Rodrigues, do escritório especializado
em direito digital Opice Blum.
Pela própria prematuridade da en-
trada em vigor da lei – por mais que
existam processos em andamento e
sanções proferidas – muitos profis-
sionais ainda têm dificuldades para
compreender alguns dos pontos mais
importantes, delicados e que exigem
atenção redobrada daqueles que ope-
ram com tratamento de dados. Um
dos pontos mais relevantes a deman-
dar tal atenção diz respeito ao uso
correto das bases legais previstas na
Lei e que legitimam a manipulação
das informações pessoais de terceiros.
São elas que permitem fundamentar
de ordem objetiva a necessidade de
processar os dados de titulares, sem-
pre vinculadas com os demais princí-
pios de privacidade como finalidade,
www.lec.com.br
proporcionalidade e transparência.
“Quando uma empresa não sabe ade-
quar corretamente a operação realiza-
da à uma situação legalmente aceita
para justificá-la, pode acontecer de
todo o tratamento posterior acabar
mal feito por falta de enquadramen-
to na hipótese correta”, explica Davis
Alves, presidente da Associação Na-
cional dos Profissionais de Privaci-
dade de Dados (ANPPD). O termo
“base legal” está mais relacionado à
legislação europeia, o GDPR. Con-
forme o texto da legislação brasileira,
o termo correto é Hipótese de Trata-
mento de Dados.
Representante do Brasil na Fede-
ração Europeia dos DPO’s (EFDPO)
e membro do Conselho Nacional de
Proteção de Dados (CNPD), Alves
alerta que as empresas brasileiras de-
veriam prestar atenção no que vem
ocorrendo na Europa, cuja legislação
local de proteção de dados pessoais,
o GDPR, serviu de inspiração para a
lei brasileira. E no velho continente,
é justamente a falta de uma base legal
e a Falta de Princípios de Tratamento
(artigos 7 e 6 da GDPR), os motivos
que mais têm resultado na aplicação de
multas às empresas na Europa. “Só nos
dois primeiros anos da GDPR, tivemos
237 multas. Dessas, 104, foram graças
a falhas em bases jurídicas previstas
nos dois artigos. Então é fundamental
que as empresas tenham sim um bom
enquadramento na base legal”.
O artigo 7 da LGPD estabelece
dez bases legais sob as quais o con-
trolador pode se apoiar e justificar o
tratamento dos dados tratados. Ou
seja, são as dez situações nas quais
a coleta, o processamento ou outras
atividades de tratamento de dados
pessoais é legalmente aceito. Entre-
tanto, não se trata de um menu a lá
carte, no qual se escolhe ali uma base
qualquer por parecer mais adequada.
A base legal apontada deve ser jus-
tificada e se sustentar juridicamente
de forma inequívoca como sustenta-
ção da finalidade a qual determinado
tratamento se destina.
45
“Conhecer as bases legais e saber
aplicá-las ao caso concreto é funda-
mental para uma boa estruturação
de um programa de Compliance em
LGPD. Tal qual a legislação penal, as
bases legais da LGPD devem se
adequar como uma luva ao trata-
mento de dados pretendido”, explica
a advogada Gabriele Oliveira, DPO
da Click Cash, fintech que atua no
setor financeiro. Para ela não basta
ter decorado, na ponta da língua, as
dez bases legais. É indispensável ter
o conhecimento pleno dos princípios
norteadores da legislação, segundo
às próprias diretrizes do artigo 6º da
LGPD, antes mesmo de determinar
as bases legais. “Desta forma, é ne-
cessário identificar inicialmente, se o
tratamento está em consonância com
a boa-fé e os princípios. Se a resposta
for positiva, então é a hora de adequar
a base legal”, explica a DPO.
Algumas dessas bases oferecem um
bom espaço de subjetividade. É pro-
vável que no decorrer dos próximos
anos, se estabeleça uma jurisprudên-
cia acerca do que e aceitável para cada
uma delas. Mas hoje, esse ainda é um
terreno um tanto quanto acidentado.
Leandro Augusto, sócio-líder de Cy-
ber Security da KPMG, outra big 4,
concorda que talvez existam vários
critérios subjetivos nas descrições
das Bases legais. Para ele, isso apenas
reforça a importância de observá-las
com a seriedade que elas requerem.
“No momento de definir a base é pre-
ciso atenção para os reais motivos que
fazem necessário a realização de um
tratamento. Apesar dessa subjetivida-
de, existem vários aspectos, como por
exemplo, o processo de exclusão das
bases legais que menos se adaptam
aos fins a que o tratamento se propõe,
até chegar aquela com a qual ele me-
lhor se relaciona”, sugere o sócio da
KPMG. Para Oliveira, da Click Cash,
a escolha correta da base legal come-
ça por excluir as que definitivamente
não se encaixam no caso concreto.
“Outra dica é ter uma arvore de obri-
gações a partir de cada base legal pos-
LGPD • BASES LEGAIS
sível para o tratamento do dado
pretendido”.
A adoção de uma determi-
nada base legal depende não só
de uma adequada interpretação
jurídica. Mas, como lembra
Mihran Kahvedjian Junior, su-
perintendente de Data Analytics
& Data Protection Officer/Risk
Data Aggregation do Banco
Santander, essa escolha tam-
bém direciona a necessidade
de adequar processos e implan-
tar controles. “Uma associação
equivocada pode elevar o nível
de exposição e não aderência de
um tratamento à sua legitimida-
de”, pontua o executivo do ban-
co espanhol.
Paula Rodrigues, do Opice Blum,
lembra que toda atividade realizada
com dados pessoais (como as que se
referem à coleta, produção, recepção,
classificação, utilização, acesso, re-
produção, transmissão, distribuição,
processamento, arquivamento, arma-
zenamento, eliminação, avaliação ou
controle da informação, modificação,
comunicação, transferência, difusão
ou extração) precisa estar respaldada.
“A ausência de uma base legal atrela-
da a uma atividade de tratamento de
dados pessoais pode ser considerada
violação direta à lei e, portanto, ser
passível de aplicação de sanções ad-
ministrativas lá previstas, conforme
disposto no art. 52 da LGPD – desde
uma advertência, com indicação de
prazo para adoção de medidas cor-
retivas (no caso, a indicação de uma
base legal adequada), até a proibição
parcial ou total do exercício de ativi-
dades relacionadas a tratamento de
dados, em último caso”, alerta.
Logo, as consequências que a má
escolha de uma base legal, sem em-
basamento e com justificativas frágeis
para sustentar a necessidade de deter-
minado tratamento podem ser graves.
“O resultado pode ser um processo
administrativo movido pela ANPD”,
afirma Alessandra Gonsales, sócia do
escritório GCAA e Sócia-fundadora
GABRIELE OLIVEIRA, DA CLICK CASH: saber
aplicar as bases legais nas operações da empresa
é fundamental para montar um bom programa de
Compliance em proteção de dados.
da LEC. Para ela, dependendo da
relação com o titular do dado, prin-
cipalmente em se tratando de rela-
ção de consumo, no caso de uma má
condução do tratamento, a empresa
também poderia ser autuada pela lei
de defesa do consumidor”, reforça a
sócia do GCAA.
Estas seriam algumas das conse-
quências imediatas, já passíveis de
sanções. Mas a coisa não acaba aí.
Segundo Gonsales, além das sanções
administrativas, se o titular dos dados
se sentir prejudicado, o episódio pode
render ainda uma ação judicial. E, em
se tratando de uma questão mais co-
letiva, o próprio Ministério Público
pode dar início a um processo. O pre-
juízo reputacional pode ser incalculá-
vel para uma companhia. Além disso,
como alerta Alves, do CNPD, muitas
empresas estão preocupadas somente
com as sanções que podem resultar em
multa para a empresa, sem também le-
var em conta as obrigações legais com
o titular. “A empresa vincular a uma
base legal errada certamente levará a
uma multa pela ANPD. Mas a utiliza-
ção de uma hipótese errada pode ferir
46
o artigo 42 da LGPD, que pode
também render uma indeniza-
ção ao titular”, reforça Alves.
Partindo daí, o dirigente da
associação acredita que uma das
questões que precisa ser levan-
tada diz respeito à leitura rasa
que muitos ainda têm feito da
legislação brasileira de proteção
de dados pessoais e que muitas
empresas não estão conseguin-
do diferenciar as bases legais
dos princípios gerais da LGPD,
sendo que um não exclui a ne-
cessidade da outra. “Quais são
os princípios da LGPD? Fina-
lidade, necessidade, adequação,
responsabilização, transparên-
cia, etc. Dentre todos os princípios
da LGPD, acho que podemos dizer
que o principal é o da finalidade. A
empresa tem a obrigação de informar
ao titular para que ela está coletando
seus dados. Logo ela não pode fazer
nada com estes dados que vá além da
finalidade informada no momento
dessa coleta. E somente baseando-se
no que ficou explícito no documento
de autorização desse consentimento é
que o tratador vai escolher a base que
melhor se enquadra no tipo de trata-
mento proposto”, acredita o conse-
lheiro do CNPD.
Sendo assim, não é demais aler-
tar que a escolha acertada de uma
base legal para justificar uma opera-
ção demanda atenção redobrada em
relação à sua finalidade, necessidade
e adequação. Cada uma delas possui
características e distinções muito par-
ticulares, cujo tratamento desatento
pode ocasionar em resultados desas-
trosos. É o caso da base legal da tutela
da saúde, que só podem ser utilizadas
por profissionais e instituições ligadas
ao segmento da saúde; ou a base legal
de tutela da vida, condicionada a si-
tuações de emergência em que o risco
de morte se faz presente.
A ARMADILHA DO CONSENTIMENTO
Quando da aprovação da LGPD, era
comum ouvir de profissionais liga-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
LGPD • BASES LEGAIS
dos à área de tratamento de dados a
preocupação de que, a partir daque-
le momento, seria necessário pedir o
consentimento dos titulares dos da-
dos para tudo. Esse receio inicial, em
muitos casos, fruto da falta de uma
compreensão mais depurada sobre o
assunto, talvez explique porque mui-
tos se apeguem tanto à base legal do
consentimento. Muitas vezes, esque-
cendo que a Lei prevê outras nove si-
tuações que legitimem sua operação.
Além do mais, basear-se quase que ex-
clusivamente no consentimento como
premissa básica para um tratamento
de dados pessoais pode muito bem
conduzir o operador a uma armadi-
lha. “Desde que a LGPD entrou em
vigor, tenho visto muita gente tentan-
do legitimar seu tratamento de dados
baseando-se no pedido de consen-
timento para tudo. E não é o caso”,
pontua Alessandra Gonsales, que é da
opinião de que o melhor caminho de-
veria ser o de evitar o consentimento.
A permissão do titular não é um che-
que em branco para a empresa e está
atrelada às comprovações legítimas
quanto às condições em que se deu
o consentimento. “Quando se fala de
gestão do consentimento, é preciso
ter a prova de que a pessoa consentiu.
E como se faz essa prova? Se é de um
aplicativo, é preciso ter a rastreabili-
dade, assim como no site. Se for por
meio de contato telefônico, vai ser
preciso manter a gravação do áudio
desse contato. Ou seja, é preciso ge-
rir o consentimento das pessoas e são
poucas as empresas que estão se dan-
do conta disso. Além disso, da mesma
forma que o titular tem total liberda-
de para dar o consentimento também
pode retirá-lo a qualquer momento”.
O fato de uma informação ser de
conhecimento público, por exemplo,
também não significa que ela possa
ser utilizada para qualquer fim. Usan-
do as redes sociais como exemplo, não
é porque os dados de um indivíduo
estão publicados em seu perfil no Fa-
cebook, portando abertos ao conhe-
cimento público, que eles podem ser
www.lec.com.br
ALESSANDRA GONSALES,
DO CGAA: uso da base legal
do consentimento implica em
em que seja feito a gestão
desses consentimento dado
pelas pessoas, algo para o
qual poucas empresas se
dão conta.
tratados sem a permissão devidamente
comprovada de seu titular. Conforme
o texto deixa claro, os dados são de
propriedade exclusiva do titular e so-
mente a ele cabe autorizar para que fi-
nalidade, por quanto tempo e até que
ponto estão disponíveis. Para isso, é
preciso que o documento que o auto-
riza deve deixar isso de maneira clara
e simplificada, assim como a possibi-
lidade de que o titular o desautorize
quando e como bem entender. Não
bastando um simples ícone na pági-
na da empresa dizendo “autorizo”.
“Desde o primeiro momento e antes
mesmo da coleta de dados pessoais,
é imperativo que o titular precisa ser
devidamente informado sobre o fim
que será dado às suas informações”,
diz Paula Rodrigues.
Mesmo porque não é possível ao
titular prever quais e para que fins se-
rão utilizadas as informações confia-
das quando do preenchimento de um
cadastro ou ficha de adesão. Logo, é
do controlador a responsabilidade de
47
indagar até que ponto os dados utili-
zados para determinada operação são
realmente necessários e até que ponto
é preciso mantê-los. “É obrigatório le-
var em conta que, além de um meca-
nismo de fácil acesso e compreensão
para a gestão do consentimento, as-
sim também deve ser para o exercício
do direito de revogação do titular”,
esclarece Gabriele Oliveira, DPO da
Click Cash. “Quem não estuda a fun-
do a LGPD acha que ela se resume a
um termo de consentimento, colocar
um aviso de cookie no site da empresa
pedindo autorização para a coleta dos
dados e isso basta. Está totalmente er-
rado e é aí que muita gente está erran-
do”, continua Davis Alves.
Assim como Alessandra Gonsa-
les, o conselheiro do CNPD também
vê no consentimento uma das piores
bases a ser utilizada. Além do mais, se
a lei elenca dez bases legais (a GDPR
elenca apenas seis), nada justifica os
controladores estarem se limitando a
duas ou três hipóteses, que talvez sejam
LGPD • BASES LEGAIS
as piores. “Uma base que só existe aqui
no Brasil é a de Proteção ao Crédito.
Se uma empresa está coletando dados e
cliente comprou e não pagou, ela pode
compartilhar os dados, sem a necessi-
dade do consentimento”, explica.
A finalidade legitima o interesse?
Outra base legal muito utilizada
diz respeito ao conceito de Legítimo
Interesse. Trata-se de uma das mais
genéricas e flexíveis dentre as previstas
na LGPD, por ter como objeto aten-
der aos interesses do controlador que
justifiquem o manuseio daquelas in-
formações. Por outro lado, ao lançar
mão desse artifício, é bom ter em men-
te que o tratamento sob a alegação de
legítimo interesse está submetido aos
limites que possam exceder os direitos
e as liberdades fundamentais do titu-
lar. Além de não poder ser utilizada
em casos de dados sensíveis, o legítimo
interesse exige expressamente a realiza-
ção de um Teste de Proporcionalidade
e um relatório de impacto, que justifi-
que sua adequação.
“Para muitas pessoas o legítimo
interesse pode até parecer um Co-
ringa, uma opção para seu usada de
forma indiscriminada. Mas o uso des-
sa base legal é claro. Ela só pode ser
convocada quando houver equilíbrio
entre os interesses do controlador
e do próprio titular. E não pode ser
usado sem uma análise de risco ou de
proporcionalidade para que seja ava-
liado esse impacto e confirmado esse
equilíbrio”, explica Leandro Augusto,
da KPMG.
EXPOSIÇÃO DESNECESSÁRIA
A ANPD ainda precisa regular al-
guns aspectos da legislação, que além
disso e muito nova, o que justifica o
pouco volume de casos de decisões
da ANPD contra as empresas. Mas
essa é uma situação momentânea. Em
breve, o mercado deve começar a ter
enforcements com alguma frequência.
“Se a empresa tiver uma denúncia
por não estar fazendo corretamente o
tratamento, ou uma situação de vaza-
mento de dados, ou mesmo durante
uma fiscalização, a ANPD vai que-
rer saber como está seu programa de
Compliance em proteção de dados e,
através disso, descobrir que a empre-
sa não está usando a base adequada”,
alerta Gonsales.
Numa situação assim, a fiscalização
pode concluir que a empresa não está
fazendo a gestão da base adequada e, a
partir daí, exigir uma série de informa-
ções. “Eles vão querer saber os moti-
vos da escolha dessa base, se os direitos
dos titulares estão sendo respeitados
e, inevitavelmente, no caso de legíti-
mo interesse, a agência vai exigir ver o
relatório de Impacto”, reforça a sócia
do GCAA, lembrando que esse é um
ponto importante, ainda mais porque
muitas empresas estão se baseando na
base do legítimo interesse, sem cum-
prir com todo o processo que o uso
dessa base exige, como a obrigatorie-
dade do relatório de impacto e da re-
alização do teste de legítimo interesse,
conhecido como “LIA”.
Kahvedjian Junior sugere que uma
forma de interpretar o legítimo inte-
resse e verificar sua aplicabilidade é
confirmando a existência do equilíbrio
de expectativas e interesses entre as
partes envolvidas – titular e controla-
dor. “Um exemplo prático: ainda que
não exista explicitamente (como por
meio de um opt-out), o interesse no
48
DAVIS ALVES, DA ANPPD: maior
parte das multas de infração da GDPR
europeia são fruto da falta de bases
legais e de princípios de tratamento.
recebimento de contato para oferta de
produtos de um varejista, por exem-
plo, existe um equilíbrio de interesses
quando se trata de um contato para
confirmação de uma compra – para
que se evite prejuízos ao negócio por
uma compra fraudulenta de um lado,
para que não exista nenhum tipo de
ônus potencial ao titular no outro”. O
superintendente do Santander alerta,
no entanto, que existem diversas outras
situações mais complexas a se analisar
e certificar que o legítimo interesse é a
base legal mais adequada; mas avaliar
que o interesse ou benefício não pode
estar em uma ponta da relação apenas
é fundamental.
A má interpretação da base legal
do legítimo interesse é o que vem le-
vando muitos operadores a confun-
dir dados públicos com dados dispo-
níveis. O que pode acarretar um erro
gravíssimo. O uso da justificativa de
legítimo interesse, por exemplo, na
verificação de antecedentes criminais
e dados creditícios, por exemplo,
para cumprir operações de back-
ground check. Mas a Justiça do Tra-
balho, recentemente, sancionou uma
transportadora de São Paulo, com
base na LGPD, pelo uso de verifica-
ção das condições de crédito, antes
da contratação de motoristas. São
casos que revelam o quão importante
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
LGPD • BASES LEGAIS
pode ser o teste de proporcionalida-
de para o uso do legítimo interesse
como base legal.
Para Davis Alves, ao lado do
Consentimento, legítimo interesse
deveria ser uma das últimas hipóte-
ses de tratamento a ser considerada,
embora venha sendo vista como jus-
tificativa para quase tudo. “O legí-
timo interesse e o consentimento
representam as duas piores bases le-
gais. Deveriam ser as duas últimas a
se levar em consideração”.
De acordo com o presidente da
Esloveno, um dos primeiros proble-
mas na escolha pelo Legítimo interes-
se é que o seu uso pode ser facilmente
questionado, uma vez que ela exige
claramente uma paridade entre inte-
resses e ganhos tanto da empresa quan-
to do cliente. “Se o tratamento resul-
ta em ganho apenas para a empresa e
nenhuma vantagem, quando não em
prejuízo ao titular, a base do legítimo
interesse cai por terra”, lembra Alves,
que entende existir outras bases legais
que podem ser mais úteis para muitos
dos casos que vem sendo baseados no
Legítimo Interesse, caso da do cum-
primento legal, que permite coletar os
dados sem demandar que o titular seja
informado a respeito disso, apoiando-
-se em outras leis que obriguem o ope-
rador a coletar esses dados.
DADOS SENSÍVEIS
No que diz respeito aos dados sensí-
veis, a atenção a escolha da base le-
gal correta é ainda mais necessária.
Tanto que a lei prevê oito bases le-
gais dedicadas especificamente a estes
casos, todos expostos no artigo 11
da LGPD. É importante que nesses
casos, o tratamento se dê de forma
mais diligente, frente as limitações
de enquadramento que dados dessa
natureza requerem. Aqui, por exem-
plo, fundamentalmente, não pode ser
utilizada a base do Legítimo Interesse.
Há também restrições com relação à
prestação de serviços e contrato. Le-
andro Augusto, da KPMG, diz que
www.lec.com.br
PAULA RODRIGUES, DO OPICE BLUM;
E LEANDRO AUGUSTO, DA KPMG: o
entendimento de algumas das bases ainda
são passíveis de muita interpretação.
há menos opções de tratamento e isso
não é sem razão. “Os dados sensíveis
representam mais risco para as com-
panhias e, portanto, é preciso ainda
mais atenção e diligência por parte
dos profissionais ao tratamento de-
les”, aponta o sócio da KPMG.
Mihran Kahvedjian Junior reforça
a importância de avaliar e conhecer
de forma profunda quais dados serão
objeto de cada tratamento, e o detalhe
de cada processo existente na organiza-
ção é peça fundamental. “Mais do que
identificar a eventual existência de da-
dos sensíveis, que por si só já limitam
as bases legais passíveis de associação,
é importante lembrar que dentro de
um mesmo processo, diferentes tra-
tamentos (coleta, compartilhamento,
retenção etc.) podem ter aspectos dife-
rentes, e por consequência bases legais
diferentes – reforçando sempre a resul-
tante de aplicação de controles especí-
ficos para cada situação estar aderente
aos princípios da LGPD. Um olhar
profundo sobre a base de dados de um
determinado tratamento possibilita a
avaliação de proporcionalidade, quão
sensível aquele tratamento é, e uma
fundamentação mais sólida”, finaliza.
49
PARA ESCOLHER
UMA BASE LEGAL
Para Gabriele Oliveira, da Click
Cash, o critério mais conservador
é fazer um “check list” com os
princípios e responder a cada um
deles:
(i) Qual a finalidade deste
tratamento?
(ii) Qual a necessidade deste
tratamento?
(iii) Este tratamento está
adequado a finalidade?
(iv) É possível conceder o livre
acesso ao titular ou há algum
impeditivo legal?
(v) O titular terá como exercer
os seus direitos?
(vi) Quais as seguranças
e proteções impostas a este
tratamento?
 COMPLIANCE FINANCEIRO • CRIPTOATIVOS

Descentralizado,
mas não sem regras
O avanço nas discussões para regulamentar as atividades do mercado
de criptoativos no Brasil vai abrir um novo leque de oportunidades, e
grandes desafios, para os profissionais de Compliance que resolverem
abraçar esse novo mundo
Imagem: Agência Fapesp

50 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

COMPLIANCE FINANCEIRO
N
egócio em ex-
pansão em
todo o mundo
o segmento das
criptomoedas,
apesar de ain-
da incipiente,
pequeno frente ao volume de moedas
soberanas em movimentação no mun-
do e, não –regulado na maior parte
dos países, vem ganhando cada vez
mais espaço entre os investidores in-
ternacionais e locais nos últimos anos.
Antes restrita a perfis de riscos mais
ousados, os criptoativos vêm sendo
incorporados a carteira de mais inves-
tidores, de olho no potencial de valo-
rização que marca a trajetória desses
ativos desde que eles começaram a ser
utilizados para além das compras de
substâncias ilícitas como o foram no
início. Hoje, embora ainda limitado,
as cripto já se espraiam para diversas
áreas da economia, além de serem
agentes relevantes nas discussões glo-
bais sobre finanças descentralizadas.
A questão é que as cripto repre-
sentam um investimento de altíssimo
risco, para o qual, os investidores não
contam com muita proteção do Esta-
do e que o próprio Estado encontra
imitações para evitar que essas novas
moedas sejam exploradas por crimi-
nosos para fins ilícitos. Essa preocu-
pação existe desde sempre, inclusive.
A natureza disruptiva e descentraliza-
da das criptomoedas também ofere-
cem um campo fértil para operações
ilícitas como lavagem de dinheiro.
Mas, após alguns anos de muitas dis-
cussões, parece que o mundo vem en-
contrando os meios para regular e dar
mais segurança institucional ao mer-
cado de criptoativos, trazendo os seus
operadores, cada vez mais, para guar-
da-chuva regulatório similar aquele
que rege o mercado financeiro global,
ao menos em termos de prevenção à
lavagem de dinheiro e ao financia-
mento do terrorismo.
O Brasil também tem dado for-
tes indícios que seguirá nesse mes-
mo caminho. Com a aprovação pelo
www.lec.com.br
• CRIPTOATIVOS
Comitê para Assuntos Econômicos
(CAE) do Senado Federal, do Projeto
de Regulamentação dos Criptoativos,
em fevereiro último, o debate sobre os
marcos para dar mais segurança jurí-
dica ao investidor e aos participantes
do mercado das criptomoedas no Bra-
sil, finalmente, começa a tomar cor-
po. O texto pode seguir diretamente
para a Câmara dos Deputados e, de-
pois, para sanção presidencial, caso
não haja recurso para votação em ple-
nário do Senado e a Câmara aprove
o texto sem alterações. O documento
aprovado foi um substitutivo ao PL
3825/2019 que também incorpora os
PL 3949/2019 e PL 4207/2020.
O projeto elenca três objetivos
principais: dar segurança ao mercado
de ativos virtuais, proteger o investidor
brasileiro e proteger a ordem econômi-
co-financeira. Sobre esse último ponto
o Projeto de Lei exige das exchanges –
empresas que fazem as negociações e
operações de ativos virtuais – a iden-
tificação de seus clientes por meio de
processos de Know Your Client (Co-
nheça Seu Cliente), deixando claro a
responsabilidade que essas operadoras
passam a ter em relação a identidade,
a idoneidade de seus clientes e dos ris-
cos envolvidos na manutenção de uma
relação comercial com eles, além da
manutenção de registros de transações.
Para especialistas e representantes
das exchanges ouvidos pela reportagem
da revista LEC, apesar de ainda não ser
perfeito, a sinalização de que o merca-
do brasileiro de criptos possa ter uma
legislação própria e adequada, devida-
mente sancionada, ainda este ano, re-
presenta um grande avanço no sentido
de dar segurança jurídica tanto para os
agentes do segmento quanto para os
investidores. Já para os profissionais de
Compliance, a regulamentação desse
mercado tem potencial para abrir as
portas de um universo de possibili-
dades e oportunidades de carreira. O
que, naturalmente, trará também uma
nova carga de desafios. Para dar con-
ta de um segmento novo, disruptivo,
marcado pela descentralização e ainda
51
em pleno desenvolvimento, os pro-
fissionais de Compliance precisarão
desenvolver capacidades e habilidades
novas em relação àquelas já necessárias
aos profissionais que atuam no merca-
do financeiro, por exemplo. Isso pode
vir a dar origem, por que não, a um
novo tipo de Compliance Officer. “A
indústria da inovação como um todo
traz mudanças e precisa de profissio-
nais e pessoas qualificadas e especiali-
zadas para trabalhar nesse setor especí-
fico”, conta Bernardo Surs, presidente
da ABCripto (Associação Brasileira de
Criptoeconomia), entidade que reúne
algumas das principais exchanges do
mercado brasileiro. Para o dirigente,
assim como existem profissionais de
Compliance especializados em seto-
res específicos, como o financeiro e o
imobiliário a tendência é que venha a
surgir um Compliance especializado
em tratar do setor cripto.
O negócio de criptoativos está
dentro do que hoje se convencionou
a chamar de DeFi, sigla para decentra-
lized finance (finanças descentraliza-
das). As criptomoedas, por exemplo,
não são moedas soberanas de uma na-
ção. Assim sendo, elas não estão hoje,
sujeitas as lógicas que regem a emissão
de moedas como o Real, o Iene, ou o
Euro. Por isso, Renata Fonseca, advo-
gada e Compliance Officer da firma
de private equity South Rock, infor-
ma que é preciso entender que o texto
do PL brasileiro não tenta regular os
criptoativos diretamente. O que se
busca é oferecer bases legais para a ati-
vidade dos que operam com essa tec-
nologia. “O que se quer regular com
a lei é a prestação e as prestadoras de
serviços em relação às operações com
ativos virtuais. Pessoas jurídicas que
executem essas operações em nome de
terceiros”, diz Andrade.
Hoje, não existem regras específi-
cas em relação aos processos de KYC,
ou análises de riscos e conflitos de in-
teresse mais refinadas para as exchan-
ges no momento em que ela realiza a
troca de ativo virtual por moeda so-
berana. Ou quando houver a troca
COMPLIANCE FINANCEIRO
de um ativo virtual por outro ativo
virtual. Ao mesmo tempo, que garan-
tias essa exchange pode oferecer ao in-
vestidor que aquela fração de bitcoin
que ele comprou, está lá e é realmente
dele? “ Significa dar segurança jurídi-
ca dentro de uma atividade disruptiva
que é o blockchain”, explica a Com-
pliance Officer da South Rock.
O tema não é exatamente novo. Na
verdade, o debate sobre a regulamen-
tação do mercado de criptomoedas
e criptoativos no Brasil vem aconte-
cendo desde 2015. Segundo Surs, da
ABCripto, os profissionais do segmen-
to vêm acompanhando de perto e co-
brando das autoridades uma lei regula-
tória oficial. “Estamos engajados nisso
desde o início da associação”, declara
O presidente da entidade fundada em
2018, que estabelece, inclusive, uma
autoregulação para os seus associados.
Em linhas gerais, há consenso de
que o PL apresenta uma visão muito
clara sobre os papéis de responsabili-
dades de todos, alinhando as neces-
sidades do mercado às da sociedade
brasileira, levando em consideração
aspectos técnicos, jurídicos e de rela-
ções de consumo.
Para Vanessa Butalla, diretora
executiva Jurídico, Regulatório e de
Compliance da 2TM, holding que
controla a Mercado Bitcoin, maior
exchange em operação no Brasil, trata-
-se de uma regulação principiológica.
“O PL não diz o como, mas estabele-
ce quais são os princípios que devem
ser observados pelas empresas que vão
prestar serviços com ativos virtuais”,
explica a executiva. O texto do pro-
jeto indica a necessidade de que seja
observada a legislação de defesa do
consumidor, de observar a LGPD, de
ter um programa eficiente de preven-
ção à lavagem de dinheiro e de fazer
reporte das operações para as autori-
dades fiscais na forma da legislação
existente, tal qual outros agentes do
mercado financeiro. “Enfim, a regu-
lação traz para o ordenamento o de-
ver de que quem presta serviço com
ativos virtuais aqui no Brasil cumpra
• CRIPTOATIVOS
com a legislação brasileira”, reforça
Butalla. Pode parecer algo óbvio, mas
trata-se de algo importante, dada a
natureza descentralizada do universo
cripto. O cumprimento da legislação
é uma obrigatoriedade para todos os
prestadores de serviços e para pesso-
as que estejam prestando serviços no
Brasil, sejam nacionais ou estrangei-
ros. O texto do PL é positivo por re-
forçar esse fato.
Outro ponto bastante relevante é
que o PL determina que o mercado
será supervisionado por um órgão re-
gulador. A atribuição de quem será esse
regulador recai sobre o Executivo, que
pode até criar um órgão novo, dedi-
cado a esse mercado, embora todos os
indicativos caminhem para que o Ban-
co Central fique responsável por essa
função. Caberá ao regulador criar os
procedimentos para avaliar essas em-
presas que prestam esse tipo de serviço
e as autorizar a operarem no Brasil. O
que também vai trazer mais segurança
52
VANESSA BUTALLA,
DO MERCADO BITCOIN:
para a executiva, maioria
das exchanges sérias já
opera sobr as regras de
PLDFT preconizadas por
órgãos como o FATF-
GAFI e o COAF.
Foto: Adam Tavares
para o investidor. “Teremos um órgão
público que vai fazer a análise e confir-
mar se as empresas cumprem com uma
série de requisitos para prestar esse ser-
viço sem expor a risco o investidor ou
o consumidor brasileiro”, comemora a
diretora da 2TM.
No processo de regulação, o regu-
lador, seja o BC ou qualquer outro,
vai autenticar as pessoas jurídicas que
farão essa prova digital de que aquela
operação correu no blockchain ade-
quadamente e que vai ter lastro. Para
isso, como explica Renata Andrade, o
primeiro ponto trazido pelos projetos
em discussão é buscar estabelecer o
que é um ativo virtual. “É delimitar,
separar o que é e o que não é ativo
virtual para fins de regulação. E o que
for considerado ativo virtual terá suas
diretrizes e premissas legais, que ga-
rantam a segurança e a saúde do sis-
tema financeiro nacional para evitar
ilícitos, como pirâmides financeiras,
fraude contra o consumidor e demais
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
COMPLIANCE FINANCEIRO • CRIPTOATIVOS

RENATA ANDRADE, DA SOUTHROCK;

E BERNARDO SURS, DA ABCRIPTO:
mercado de criptoativos oferece
possibilidade “infintas” para os
profissionais de Compliance.

não pagam tributo no Brasil, não

crimes, dando segurança jurídica para
o sistema”, diz a advogada.
A evolução da tecnologia – e o
ecossistema no qual as criptomoedas
estão inseridas é, antes de tudo, um
ambiente de tecnologia –, é muitas
vezes mais rápida do que o avanço
de qualquer discussão legislativa. Isso
demanda atenção de todos os envolvi-
dos para que não se lance no mercado
uma regulação que já venha datada
em seu nascedouro. Por outro lado,
é preciso evitar o afã de querer man-
ter todo o segmento sob rédeas muito
curtas, inibindo a sua capacidade de
inovar. Diretor Jurídico da exchange
Foxbit, Victor Henrique Martins Go-
mes, lembra que muita coisa mudou
desde 2015, data do primeiro proje-
to de lei sobre o tema na Câmara dos
Deputados, incluindo novos tokens,
contratos inteligentes, revolução dos
projetos DeFi e NFT’s. “Não espero
um projeto perfeito, tampouco um
projeto que regule tudo, mas aguardo
zelo e cuidado pelo regulador, princi-
palmente pelo Banco Central quando
da edição de norma infralegal. Regu-
lações muito fora do contexto ou res-
tritivas podem afastar investidores e
empreendedores, que buscarão juris-
dições mais favoráveis ao desenvolvi-
mento de novas e prósperas tecnolo-
gias”, diz o executivo da Foxbit.
PREVENÇÃO CONTRA
O USO EM ILÍCITOS toativos”, acredita Ribeiro.
Todo processo regulatório costuma
vir acompanhando de exigências que
encarecem a operação de quem já
está no mercado. Ao mesmo tempo,
também cria barreiras para que novos
participantes possam entrar no ne-
gócio. Para o CEO da Coinext, José
Artur Ribeiro, isso prejudica a con-
corrência. “Não por conta de uma
questão de serem poucos players, mas
sim por conta de maiores custos adi-
cionais para o processo regulatório, o
que torna o serviço muito mais caro
para o cliente”, diz o executivo.
Apesar disso, Ribeiro saúda o fato
de que finalmente, está sendo coloca-
do ordem na casa. “Você estabelece
condições e regras, para que os players
tenham igualdade de condições para
poder operar nesse mercado”, come-
mora. Com isso, empresas estrangei-
ras, por exemplo, precisarão ter uma
sede aqui no Brasil e se submeter ao
regulamento local. “Sendo assim, al-
gumas empresas internacionais, que
mais poderão fazer uso dessa arbitra-
gem regulatória”, reforça o CEO da
Coinext. Além disso, ele acredita que
com as normas impostas pelo regula-
dor, toda a burocracia adicional vai
dificultar atividades ilícitas e fraudes
utilizando criptoativos. “Vai haver
uma custódia regulada dos criptoati-
vos. Nós, enquanto corretoras, tere-
mos uma série de regras a cumprir,
tanto do ponto de vista de Complian-
ce quanto do ponto de vista de con-
trole cibernético, de operação de dis-
closure, isso tudo faz com que se crie
um ambiente de segurança e assim se
evite práticas de empresas fraudulen-
tas e ações delituosas através de crip-
Os projetos em discussão no par-
lamento já mostram, minimamente, o
que se espera do mercado de cripto a
partir da regulação. “Imagino que a
partir daí, venha um movimento para
equilibrar o mercado de forma justa
em que a segurança contemple todas
as partes envolvidas e os produtos ofe-
recidos”, head de Compliance e Risk
na NovaDAX, Renata Mancini. Com
regras mais claras para todos, dimi-
nuem-se as chances de práticas ilegais
e tantos outros crimes. Mas para isso
funcionar, será fundamental o traba-
lho das exchanges. Para Mancini, são
elas que, ao garantir a conformidade
da lei, ajudarão a tornar o ambiente
de criptoativos cada vez mais seguro
para todos os investidores”.
Da perspectiva do Compliance, o
que a lei tem de mais importante é es-
tabelecer a premissa de, para praticar
essa atividade de prestação de serviços
em artigos virtuais no Brasil, será obri-
gatório um programa de prevenção à

www.lec.com.br 53
COMPLIANCE FINANCEIRO
lavagem de dinheiro e combate ao fi-
nanciamento ao terrorismo, em linha
com aquilo que hoje as instituições fi-
nanceiras já praticam e com o direcio-
namento que vem sendo dado ao tema
por reguladores multilaterais. O pró-
prio FATF-GAFI (que estabelece as
diretrizes globais para reguladores na-
cionais nas questões relacionadas à PL-
DFT), vem indicando que as exchanges
devem seguir as mesmas regras a que
estão sujeitas às instituições financei-
ras tradicionais. Segundo Butalla, do
Mercado Bitcoin, essa é uma prática
que a maioria das exchanges sérias em
operação já executam, para garantir
que os seus serviços não estejam sen-
do usados para essa finalidade. O texto
em geral deixa mais claro que o uso
de criptoativos como instrumento de
lavagem de Dinheiro será configurado
como um crime financeiro e contra o
Sistema Financeiro Nacional. Isso re-
força a carga penal imposta aos que in-
correrem nesses crimes. A proposta do
Senado, inclusive, propõe a alteração
da Lei de Prevenção de Lavagem de
Dinheiro, com a inclusão da exchan-
ges, como Pessoas Obrigadas. “Isso é
algo que parte do setor já faz, repor-
tando transações tidas como suspeitas
• CRIPTOATIVOS
RENATA MANCINI, DA NOVA DAX:
agilidade e capacidade de adaptação
são características essenciais para
Compliance Officers no segmento cripto.
para o Coaf (a unidade de inteligência
financeira brasileira), mesmo que a lei
não nos classifique como tal”, diz Surs.
Para o presidente da ABCripto, trata-
-se de uma mudança muito importan-
te para o setor nesse sentido.
Já Victor Henrique, da Foxbit,
tem dúvidas quanto a efetividade de
apostar apenas no aumento das pe-
nalidades, sem pensar em medidas
para informar a população sobre essa
categoria de investimento que ainda
é muito jovem. “O nosso Código Pe-
nal é da década de 1940, muita coisa
evoluiu e as regulações também pre-
cisam ser atualizadas. Neste sentido,
muitos dos projetos propõem altera-
ções dos tipos penais já existentes que
se amoldam com mais perfeição nas
práticas criminais também realizadas
com criptoativos. Na minha visão, es-
tabelecer um tipo penal mais gravoso
não é a solução. Em verdade, há de se
estimular a educação neste mercado”.
A IMPORTÂNCIA DO COMPLIANCE
PARA O MERCADO DE
CRIPTOATIVOS
Apesar de só agora estarmos caminhan-
do para uma regulamentação oficial
e com poder de Lei, parte importante
54
do mercado brasileiro de criptoativos
não opera livre de regras e à margem
dos trâmites legais. Com já dito nessa
reportagem, as filiadas da ABCripto e
outras empresas sérias já operam sob
uma autoregulação, com regras e obri-
gações claras quanto à conformidade
e reporte de suas movimentações aos
órgãos legais, como a CVM, o Banco
Central e a Receita Federal. Para es-
sas empresas cumprirem com tais exi-
gências auto-impostas, o programa de
Compliance ocupa um papel chave
dentro do ecossistema corporativo de
uma exchange, mesmo antes da entrada
da Lei em vigor. “Os próprios provedo-
res de serviços de ativos virtuais têm se
mobilizado para construir estruturas de
Compliance que amparam o estudo de
novas regulações, produtos e serviços,
análise de transações com criptoativos
na rede blockchain, entre outros”, decla-
ra Victor Henrique da Foxbit.
“Hoje nós já trabalhamos como se
estivéssemos regulados e as práticas de
Compliance estão devidamente ade-
quadas. Então, para nós, de imediato
não vai mudar muito com a entrada de
regulação em vigor. Mas, no mercado
geral, certamente, para os profissionais
de Compliance dentro do mercado
cripto a tendência é muito positiva”,
concorda Ribeiro da Coinext.
OPORTUNIDADES DENTRO DE UM
UNIVERSO EM EXPANSÃO
Sendo assim, é possível antecipar que
as oportunidades para profissionais
de Compliance que o mercado das
criptomoedas representa um universo
de proporções bastante consideráveis.
Principalmente agora, com iniciativas
concretas de regulamentação avan-
çando e um momento não se de ex-
pansão, mas da busca por uma maior
institucionalização do mercado, o que
deve fazer com que ele passe a crescer
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
 LGPD
Foto: Agência Senado • LEGISLAÇÃO
SENADOR IRAJÁ SILVESTRE, RELADOR DO PL DAS CRIPTOMOEDAS: texto da lei tem muitos méritos, como o de
estabelecer regras claras para as exchanges que quiserem autorização para operar com criptomoedas no mercado brasileiro.
sob bases sólidas nos próximos anos.
Vanessa Butalla, do Mercado Bitcoin
aposta que com a regulamentação
avançando, a tendência é que muitas
oportunidades para profissionais de
Compliance venham a surgir dentro
do mercado de criptoativos. “Com a
necessidade da autorização para ope-
rar, mais empresas que podem não
estar cumprindo com as normas da
autoregulação das melhores práticas de
mercado, certamente irão precisar de
assessoria nessa área. O que pode am-
pliar mais o mercado para os profissio-
nais de Compliance”, acredita a execu-
tiva. É no que aposta Vitor Henrique,
da Foxbit. “Trabalhamos em um ecos-
sistema pouco regulado com inovação
constante. Assim, os Compliance Offi-
cers do mercado de criptoativos passa-
rá a ser muito mais ativa na construção
destes novos regramentos. O grande
desafio sempre será construir algo jus-
to, que proteja investidores, empresas
do segmento e transforme o Brasil em
um grande polo de criptoativos. O de-
safio é árduo, mas gratificante”.
“O volume de valores movimen-
tados no mundo virtual é de trilhões
de dólares e no Brasil são várias as
exchanges atuando, tanto as já conso-
lidadas quanto as novas plataformas
que surgem. Nesse novo cenário para
o profissional de Compliance, as pos-
sibilidades são infinitas”, aposta Re-
nata Andrade.
Por se tratar de um mercado em
www.lec.com.br
constante transformação, que se
desenvolve de maneira muito rápi-
da, será exigido do profissional uma
profunda disposição para aprender e
se adaptar para ter destaque. “Com-
pliance é uma área extremamente
viva em que há mudanças a todo mo-
mento. O profissional da área deve
se manter constantemente atualizado
a fim de ter contato com tudo o que
está acontecendo. Existem eventos
que puxam essas conversas, mas ain-
da assim é importante realizar cursos
para atualização”. Renata Mancini.
UM NOVO COMPLIANCE PARA UM
NOVO SEGMENTO
Uma vez que sob muitos aspectos re-
gulatórios, as exchanges estão sendo
tratadas como instituições financeiras,
é natural que as capacitações e exper-
tises tradicionalmente afeitas aos pro-
fissionais de Compliance financeiro,
serão fundamentais para quem deseja
atuar no segmento. Mas para quem
tem planos de alçar voos mais altos e
se destacar no mercado das economias
digitais, será preciso agregar também
novas expertises, mais específicas des-
sa atividade.
É o diretor da Foxbit quem dá a
dica. “Acredito que o ponto primor-
dial ao profissional de Compliance
deva ser a curiosidade pelo merca-
do de criptoativos e a vontade de
aprender, já que todo dia surge algo
novo”. Ele lembra que o bitcoin, blo-
55
ckchain e outras tecnologias surgiram
na internet e não em livros de his-
tória. “Assim, o conhecimento está
ao alcance de todos os profissionais.
Que tal começar estudando o white
paper que primeiramente introdu-
ziu o bitcoin? Basta acessar e Goo-
gle e digitar: “Bitcoin: um Sistema
de Transação de Dinheiro Ponto-a-
-Ponto”. Ele também chama atenção
para outros pontos também desejá-
veis, a exemplo de certificações de
prevenção à lavagem de dinheiro e
financiamento ao terrorismo. “Co-
nhecimento do mercado financeiro
tradicional, principalmente Bacen
e CVM e conhecimento em línguas
estrangeiras, já que, muitas vezes, te-
remos que buscar respostas em juris-
dições mais evoluídas no mercado de
criptoativos. Quanto às atribuições,
há de se ter expertise para atuação de
forma generalista, que navega desde
a elaboração de políticas e normas in-
ternas, passa por todo fluxo de KYC,
analisa transações das mais variadas e
tem um relacionamento muito pró-
ximo aos consumidores”, finaliza.
Mancini, da NovaDax aposta na
agilidade e capacidade de adaptação
como principal característica desse
novo profissional. “Agilidade com
inovação são qualidades muito im-
portantes para se adaptar a este mer-
cado em constante mudança e cres-
cimento. Nosso trabalho é customer
oriented que conversa muito com o
COMPLIANCE FINANCEIRO
dia a dia do Compliance. Queremos
segurança em primeiro lugar para os
clientes e para a saúde do negócio”.
José Artur Ribeiro diz ter absoluta
certeza de que será um profissional di-
ferenciado. “Para se fazer uma atuação
de Compliance ativa, dentro do am-
biente cripto, esse profissional vai ter
que se moldar”. Alertando para o fato
de, além de o mercado e a tecnologia
representarem um mundo novo e dife-
rente, principalmente tendo em vista
a natureza descentralizada das opera-
ções, também abre possibilidades ina-
creditáveis para práticas ilícitas. Sendo
assim, dos profissionais de Complian-
ce decididos a abraçar o segmento,
também será exigida a capacidade de se
adaptar rapidamente e até antecipar a
criatividade dos fraudadores “Esse pro-
fissional de vai precisar abrir muito a
cabeça, entender muito da tecnologia,
estudar muito sobre como funciona a
dinâmica do blockchain, como funcio-
nam as ferramentas. De certa, além de
tudo o que um profissional de Com-
pliance tradicional traz de experiência,
ele vai ter que se reinventar. O que não
é de todo ruim, já que vão faltar profis-
sionais especializados em criptoativos
com esse perfil e, sendo assim, vão so-
bra oportunidades para ele”, acredita o
CEO da Coinext.
“Eu acredito que vamos ter um
profissional de Compliance financeiro
que vai precisar ter algo a mais que é:
entender como funciona blockchain,
DLT, diferença entre moedas virtuais,
criptoativos, moeda virtual soberana
e como funcionam no mundo virtual
para colocar by design todas as provi-
dências e alertas que ele precisa tomar
nos eventos digitais, porque ele não
vai ter gente falando, mas plataformas
e um cidadão do outro lado do mundo
com um aplicativo na mão e ele pre-
cisa conhecer e entender quais são os
controles que ele precisa ter, porque,
se ele usar os controles do mundo real
no mundo virtual, ele não vai pegar
nada ou vai pegar tudo e não vai ter
condição de analisar e separa o joio do
trigo”, conclui Renata Andrade.
• CRIPTOATIVOS
VICTOR GOMES, DA FOXBIT; E JOSÉ RIBEIRO, DA COINEXT:
profissional de Compliance vai ter que se “moldar” à realidade do mercado cripto.
“
ENCAIXANDO” AS INOVAÇÕES NO SISTEMA
A
SEC, agência reguladora
do mercado de capitais
norte-americano, anun-
ciou recentemente que a
Unidade Cibernética da
sua Divisão de Execução, renomea-
da como “Unidade Cibernética e de
Criptoativos”, será expandida em 20
posições, totalizando cerca de 50
especialistas. A regulamentação de
ativos digitais tem sido uma iniciati-
va fundamental do atual presidente
da SEC, Gary Gensler, que anterior-
mente havia presidido a Commodity
Futures Trading Commission (CFTC),
a reguladora dos mercados de com-
modities e opções futuras dos Esta-
dos Unidos.
Em comunicado, a SEC enfatiza
a explosão dos mercados de crip-
tomoedas nos últimos anos e que
a Unidade Cibernética e de Cripto
Ativos será vital para proteger os
investidores e regular com eficiência
os mercados financeiros. A unidade
irá se concentrar na investigação de
violações de valores mobiliários rela-
cionadas a ofertas e trocas de ativos
criptográficos; produtos de emprésti-
56
mo e staking de criptoativos; plata-
formas financeiras descentralizadas,
comumente conhecidas como pla-
taformas “DeFi”; além dos famosos
tokens não fungíveis, os “NFT’s” e
das stablecoins
O anúncio ocorre logo após os
legisladores da Câmara dos Depu-
tados de lá introduzirem o Digital
Commodity Exchange Act de 2022,
para permitir e, em alguns casos,
exigir que “trocas de mercadorias
digitais” sejam registradas e regula-
mentadas pela CFTC. Pelo projeto de
lei, as commodities digitais são de-
finidas como “propriedade pessoal
intangível e fungível” que pode ser
mantida e transferida em transações
ponto a ponto sem intermediário. A
definição exclui ativos criptográficos
que representam propriedade em um
negócio, bem como outros tipos de
interesses tradicionalmente regu-
lados pela SEC. O projeto também
colocaria muitas stablecoins ativos
digitais cujo preço normalmente está
vinculado a outra moeda, geralmen-
te o dólar americano – sob o regime
regulatório da CFTC.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
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COMPLIANCE FINANCEIRO • REGULAÇÃO

Calibrando a balança
Como ficou a nova regulamentação para o mercado de Meios de
Pagamento e como ela vai impactar as maiores IP’s do mercado local
Por Luanna Cristaldi Villela e Sandra Gonoretske

Foto: Divulgação

Foto: Reprodução/Site

CAMPANHA DA PAGSEGURO E SEDE DO NUBANK: as instituições de

pagamento avançaram rapidamente sobre o mercado. Agora que algumas se
tornaram gigantes, os bancos querem que elas arquem com mais regulação.

E
m 2002, o mercado primeira norma regulamentando o do construir um ambiente sistêmico
financeiro iniciou a assunto: a Lei 12.865/2013, que dis- mais sólido, competitivo, eficiente
discussão e o desen- põe sobre os arranjos de pagamento e acessível. Tais normas foram evo-
volvimento de um e as instituições de pagamento inte- luindo junto com o crescimento das
projeto tratando da grantes do Sistema de Pagamentos instituições participantes desse mer-
modernização dos Brasileiro (SPB). Esta lei trouxe mu- cado, até que em 2021 foi publicada
processos de paga- danças significativas para os merca- pelo mesmo BCB, a Resolução BCB
mentos no varejo. Naquela ocasião, dos financeiro e de pagamento, tra- nº 150/2021 (Resolução 150/2021),
foram realizados muitos estudos e zendo mais segurança jurídica. norma que consolidou e revogou as
identificados diversos potenciais ris- A partir desse ponto, o Banco Cen- normas anteriores, consolidando-as
cos sistêmicos. Apesar disso, foram tral do Brasil (BCB) editou e publicou e dando origem a uma regra única e
necessários mais de 10 anos de espe- diversas normas para regulamentar mais robusta para a regulamentação
ra. Apenas em 2013 foi publicada a os arranjos de pagamentos, buscan- do mercado de pagamentos.

58 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

COMPLIANCE FINANCEIRO
MODALIDADES DE INSTITUIÇÕES DE PAGAMENTOS
Tanto as normas anteriores como
a atual Resolução 150/2021, vieram
para fomentar o crescimento do sis-
tema financeiro, viabilizando a ino-
vação, concorrência e a inclusão fi-
nanceira, o que de fato se viu e ainda
se vê acontecendo no Brasil. Mas, a
nova regulamentação veio principal-
mente para dar mais robustez ao pro-
cesso de vigilância e supervisão dos
arranjos de pagamento. Esta nova
Resolução ainda está gerando muitos
debates entre os atores do mercado
de meios de pagamentos, uma vez
que as novidades introduzidas por
tal regulamentação foram bastante
extensas e muitos participantes ainda
estão se adequando a ela.  auditoria dos participantes.  2012, as IP’s passaram a ser regula-
Entre os diversos assuntos trata-
dos na Resolução 150/2021, desta-
camos a importância dos dispositi-
vos relacionados ao gerenciamento
de riscos e monitoramento, auditoria
de participantes e aos mecanismos
de governança dos instituidores de
arranjos, a entidade responsável pelo
arranjo de pagamento, também co-
nhecido com a empresa responsável
pela “bandeira” do cartão.
  Tais dispositivos versam que
cabe ao instituidor do arranjo im-
www.lec.com.br
• REGULAÇÃO
plementar estrutura de gerencia-
mento contínuo e integrado de
riscos aos  que o participante possa
estar sujeito (como por exemplo,
risco de crédito, liquidez, operacio-
nal e outros). Esta estrutura deve ser
capaz de gerenciar o risco entre os
participantes, buscando assegurar os
fluxos de pagamento e liquidação e
a preservar o recebimento dos recur-
sos pelo usuário final. Para tanto, o
instituidor de arranjo deve ter polí-
ticas, processos e controles adequa-
dos que visem assegurar a identifica-
ção prévia de tais riscos, efetuando
de maneira rotineira, objetiva e não
discriminatória, o monitoramento e
O instituidor deve incluir, con-
forme aplicável, critérios de avalia-
ção e classificação de risco (rating)
dos participantes em relação ao ris-
co que este representa em relação à
prestação do serviço de pagamento
do arranjo. Ele também deve estabe-
lecer critérios de cálculo e reajustes
de volumes de garantias e procedi-
mentos a serem adotados em caso de
falha ou inadimplemento de partici-
pantes, sempre objetivando preservar
os fluxos de pagamento e a efetiva li-
59
quidação e recebimento de recursos. 
O monitoramento deve ser feito de
forma contínua, podendo o instituidor
do arranjo realizar testes ou utilizar o
método que entender necessário para
certificar-se de que os participantes es-
tejam cumprindo as políticas de geren-
ciamento de forma satisfatória.
INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO (IP)
Além do Instituidor de Arranjo, um
dos principais players deste mercado
é a Instituição de Pagamento (IP).
Uma IP é o participante que viabili-
za os serviços de compra e venda e de
movimentação de recursos no âmbito
de um arranjo de pagamento. Desde
mentadas pelo BCB. Os normativos
publicados na época, estabeleceram
regras e procedimentos para consti-
tuição, funcionamento, alterações de
controle entre outros atos societários
para a prestação de serviços de paga-
mentos, como também a classificação
das modalidades de IP.
O BCB permite que a Instituição
de Pagamento possa atuar em mais
de uma modalidade. Mas não permi-
te que as IP’s realizem empréstimos,
atividade que é privativa das Institui-
 COMPLIANCE FINANCEIRO
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
ções Financeiras.
Atualmente as IP’s são regula-
mentadas pelas Resoluções BCB
nºs. 80 e 81/2021. Esses normativos
consolidaram as normas anteriores e
dispõe sobre a definição das moda-
lidades de instituições de pagamen-
to, escopo das atividades, formas de
constituição, requisitos de capital
mínimo e parâmetros para a exigên-
cia de autorização para funciona-
mento dessas instituições.
  A consolidação dessas informa-
ções consiste em regras relaciona-
das à organização das instituições
de pagamento, voltadas ao negócio,
e regras aplicadas aos processos de
autorização, incluindo diversos pro-
cedimentos puramente operacionais
voltados à protocolização dos pedi-
dos de autorização, tais como a lista
de documentos passíveis de serem
requeridos às entidades reguladas e o
formato a ser seguido na elaboração
do plano de negócio exigido.  pequeno porte, também conhecidas
• REGULAÇÃO
  Adicionalmente, a Resolução
80/2021 trouxe algumas mudanças
que dizem respeito aos aspectos so-
cietários, de Compliance e governan-
ça, e estipulou parâmetros para in-
gressar com pedidos de autorização
de funcionamento.
  Com relação aos aspectos socie-
tários, houve uma preocupação do
BCB em tornar os procedimentos
de autorização mais ágeis e flexíveis,
como também alteração nas regras de
capital mínimo de entrada. Já sobre a
governança foi estabelecido a imple-
mentação da política de governança
visando assegurar o cumprimento
da regulamentação.  Outra alteração
importante refere-se à solicitação na
observação de três regulamentações
que tratam do relacionamento com o
cliente, cobrança de tarifas e contro-
les internos.
O BCB viabilizou, por meio das
IP’s, a oportunidade de empresas de
60
O PRESIDENTE DO
BANCO CENTRAL,
ROBERTO CAMPOS
NETO: subindo a
régiua das obrigações
regulatórias para as
grandes instituições
de pagamento.
como Startups e Fintechs, entrarem
no mercado financeiro. Com o obje-
tivo de perseguir um mercado mais
equitativo, o BCB definiu exigibili-
dade de obrigações bem menores do
que as exigidas para uma instituição
financeira. O regulador entende
que por esse tipo de instituição não
ter autorização para liberar crédi-
to (empréstimos e financiamentos)
está sujeita a menos risco e impacto,
o que justifica as menores exigências
do BCB.
As Startups e Fintechs, por te-
rem em sua essência a inovação e a
tecnologia a seu favor, cresceram de
forma exponencial, pois souberam
aproveitar bem este mercado, de-
monstrando que é possível estabe-
lecer procedimentos mais simples,
seguros e menos burocráticos. Com
isso, conseguiram conquistar rapida-
mente a confiança dos clientes com
suas inovações e tecnologias eficazes
para prestação de serviços de paga-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
COMPLIANCE FINANCEIRO • REGULAÇÃO

mento, principalmente por meio das

famosas contas digitais. OS TIPOS DE CONGLOMERADOS PRUDENCIAIS
As exigências simplificadas apli-
cadas para esse tipo de instituição,
deu gás para que muitas “Startups e
Fintechs” crescessem tanto, que al-
gumas alcançaram um nível de recei-
tas bastante considerável, a ponto de
passarem a gerar “desconforto” jun-
to aos grandes bancos, por conta do
desequilíbrio nos níveis de exigência
regulatória aos quais as instituições
tradicionais estão submetidas pelo
Banco Central do Brasil (BCB).
Em 2020, o Banco Central lan-
çou a Consulta Pública BCB nº
78/2020, para entender melhor o
mercado das novas instituições e
propondo um conjunto normativo
para harmonização do tratamento
prudencial aplicável aos serviços de
pagamento.
Antes da publicação da referida integrada por IF ou por outra insti-
CONGLOMERADO PRUDENCIAL resolução, as IP’s eram tratadas de tuição e passa a exigir mais capital
Conglomerado Prudencial nada mais forma individual, ou seja, os riscos das IP’s maiores.
é que a consolidação das instituições e o requerimento de capital eram A Resolução 197/2022 entra em
pertencentes às instituições do mes- exigidos de forma menos complexa, vigor em 1º de janeiro de 2023. Nes-
mo grupo societário autorizadas a pois a antiga regulamentação definia ta data as IP’s Tipo 1 e 2 devem estar
funcionar pelo BCB. A regulamenta- como capital requerido apenas o pa- enquadradas nos termos da norma.
ção prudencial estabelece requisitos trimônio líquido (PL) ajustado pelo Já o conglomerado prudencial do
com foco no gerenciamento de riscos resultado.   Tipo 3, tem até 31 de dezembro de
e nos requerimentos mínimos de ca- Com a nova regulamentação o 2024 para estarem enquadradas. 
pital para monitorar os riscos decor- BCB trouxe para o universo das insti-
rentes de suas atividades, bem como tuições de pagamento, o conceito da
a saúde financeira dessas autorizadas.   Basiléia II (uma das diretivas globais
Este ano, o BCB publicou a Re- para o setor financeiro), que se refere
solução BCB nº 197/2022 (“Reso- a exigência de se ter um capital de Este artigo foi escrito por Luanna
lução 197/2022), com o objetivo maior qualidade para absorver per- Cristaldi Villela e Sandra Go-
de aprimorar as regras Prudenciais das inesperadas, sendo assim, as IP’s noretske (membros do Comitê de
para as Instituição de Pagamentos, deverão agora passar a atender às exi- Compliance Financeiro da LEC)
trazendo assim mais equilíbrio na gências de Patrimônio de Referência Membros do Comitê de Com-
concorrência do sistema financeiro mínimo que abranja todos os riscos pliance Financeiro da LEC:
e proporcionando deveres e obriga- (crédito / operacional / mercado), Renata F. Andrade (coorde-
ções mais equitativos, ou seja, regras assim aprimorando o risco bancário nadora), Alessandra Gonsales
simples de exigências de capital para (RWAsp – Ativos Ponderados pelo (apoiadora à coordenação e só-
IP’s simples e regras mais complexas Risco de Serviços de Pagamento). cia-fundadora da LEC), Rosi-
para IP’s maiores. Este método já era A regulamentação prudencial ni- mara R. Vuolo, Angelo Calori,
aplicado para as Instituições Finan- velou as condições de competição , Albert Bayer, Alessandro Trul-
ceiras (IF’s) por meio da Resolução nas mesmas atividades, estabelecen- ler, Sandra Guida, Sandra Go-
CMN nº 4553/2017, que define do níveis compatíveis com riscos, noretske, Luanna Villela, Valdi-
obrigações e deveres para as Institui- porte e complexidade. Sendo assim, nei D. Silva, Fernando Ribeiro,
ções Financeiras por segregação de as regras simplificadas ficam manti- Julio Andrade, Aretuza Sena,
segmentação. das para as IPs líderes e que não seja Fabio Castanheira.

www.lec.com.br 61
LEC NEWS • PLDFT

Um novo velho “ ”

Terrorismo

Foto: Creative Commons

PROTESTOS DE
EXTREMISTAS EM
CHARLOTTESVILLE,
NOS EUA: crescimento
dos crimes ligados à
extrema direita tem
chamado a atenção para
o financiamento desses
grupos terroristas.

62 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

LEC NEWS • PLDFT
A
inda mais comun-
mente atrelado a
certos grupos reli-
giosos e organiza-
ções revolucioná-
rios de esquerda,
a verdade é que o
terrorismo tem outras vertentes que
nem sempre são percebidas como
tal. Um bom exemplo diz respeito
ao avanço pelo mundo da ação terro-
rista atribuída a indivíduos e grupos
de extrema direita. De acordo com
dados de abril de 2020, publicados
pelo Comissariado de Contra-Terro-
rismo da ONU, teria acontecido um
aumento de 320% nos ataques con-
duzidos por pessoas ligadas a movi-
mentos e ideologias de extrema direi-
ta no mundo. Aumento esse que tem
levado mais indivíduos e grupos ex-
tremistas a operarem de forma trans-
nacional, com muito mais trocas de
informações online e offline.
Olhando para esse problema
muito atual, o Information Exchan-
ge Working Group (IEWG), um
dos grupos de trabalho do Egmont
Group, entidade que congrega as
Unidades de Inteligência Financeira
Nacionais (UIF’s), estabeleceu o pro-
jeto Extreme Right Wing Terrorism
Finance (ERWTF) com o objetivo de
desenvolver e consolidar o quadro de
inteligência estratégica associado ao
financiamento do terrorismo de ex-
trema direita.
Para o comissariado da ONU, o
terrorismo de extrema direita tam-
bém pode ser motivado por elemen-
tos étnico-raciais (caso dos supre-
macistas). Os membros do grupo de
trabalho foram além nessa definição,
ao pontuar que o terrorismo de ex-
trema direita busca forçar os sistemas
políticos, econômico e social a seguir
um modelo de governo e extrema di-
reita. “Comportamento racista, au-
toritarismo, xenofobia e hostilidade
à imigração são atitudes comumente
encontradas em extremistas de direi-
ta. O terrorismo de direita refere-se
ao uso de violência terrorista por
www.lec.com.br
grupos de formações neonazistas,
neofascistas e ultranacionalistas”, diz
o texto.
Para os membros do IEWG, essa
maior movimentação financeira, in-
clusive internacional, dos movimen-
tos de extrema direita, torna mais re-
levante o papel das UIFs no contexto
de prevenção e investigação desse
tipo de terrorismo. Muitos desses
movimentos operam sob o guarda-
-chuva de instituições que recebem
doações, ou fazem vendas de mate-
riais iconográficos de extrema direita.
Embora transações em criptomoedas
também sejam realizadas, na maior
parte dos casos os recursos são mo-
vimentados por meio do sistema fi-
nanceiro tradicional, o que torna (ou
deveria tornar) as UIFs peças-chave
no sistema de investigação de ativi-
dades dessa natureza. “UIF’s operam
com mecanismos muito eficientes de
cooperação operacional tanto no ní-
vel doméstico quanto internacional,
e pode contribuir para identificar
novos links, padrões e métodos rela-
cionados com essas atividades finan-
ceiras e com o seu financiamento por
meio do uso de inteligência financei-
ra, além de estarem aptas para prover
informações financeiras relevantes
que podem ser de grande valia na
identificação de pessoas envolvidas
com movimentos de extrema-direita
e suas eventuais intenções de come-
terem atos violentos”.
Ao mesmo tempo, levantamento
do IEWG juntos as UIFs, aponta ser
necessário mais conhecimento e in-
formações sobre o próprio fenômeno
dos movimentos e do terrorismo de
extrema-direita para que elas possam
ter melhores condições para identifi-
car fluxos de dinheiro relevantes. Na
visão do IEWG, essas informações
poderiam ser obtidas e compartilha-
das com as UIF’s tanto por agências
de aplicação da lei, como as polícias,
quanto por outros serviços de inte-
ligência de cada país. Um melhor
entendimento sobre a ameaça do ter-
rorismo de extrama direita facilitaria
63
a sua detecção tanto por autoridades
públicas quanto pelo setor privado,
responsável por fazer as comuni-
cações de transações suspeitas, por
meio das quais muitos grupos e indi-
víduos são identificados.
Outro desafio seria o de ampliar
o escopo das avaliações nacionais de
risco, para que elas passassem a con-
templar também as ameaças do ter-
rorismo de extrema direita e, se for
o caso, considerar a criação de forças
tarefas para lidar com o financiamen-
to do terrorismo, ou até mesmo, es-
pecificamente com o financiamento
do terrorismo de extrema direita, das
quais as UIFs sejam parte integrante.
Para o grupo de trabalho, as unida-
des de inteligência podem exercer
importante papel no que diz respeito
ao melhor uso das informações de in-
teligência financeira.
A criação de indicadores de ris-
co específicos também foi aponta-
da como essencial para a detecção
e a investigação de casos relaciona-
dos com grupos de extrema direita.
“Indicadores de risco podem ser de-
senhados pelas agências e validados
por autoridades competentes, ou
criadas de forma conjunta. Uma vez
estabelecidos, tais indicadores deve-
riam ser largamente compartilhados
com autoridades e com entidades
do setor privado obrigadas a repor-
tar transações suspeitas. Embora re-
conheça que o tema ainda é pouco
compreendido pelo setor privado, os
casos já estudados e publicados pelo
IEWG demonstram que a maior par-
te das comunicações de transações e
atividades suspeitas recebidas foram
reportadas por entidades obrigadas
com o uso de indicadores financeiros
específicos.
Liderado conjuntamente pela
FIU da Holanda e da França, o pro-
jeto teve colaboração da INTERPOL
e das UIF’s de países como Austrá-
lia, Canadá, Dinamarca, Finlândia,
França, Alemanha, Luxemburgo,
Holanda, Panamá, Polônia, Eslová-
quia, África do Sul e Reino Unido.
LEC NEWS • PLDFT
Foto: Angela Peres/Secom

Dinheiro mais do que sujo

IMIGRANTES HAITIANOS: a miséria

humana explorada como negócio.

64 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

LEC NEWS • PLDFT
C
om um olhar
cada vez mais
amplo para as
atividades crimi-
nosas além das
tradicionalmente
relacionadas com
a lavagem de dinheiro, como tráfi-
co de drogas, corrupção e o próprio
financiamento do terrorismo, o FA-
TF-GAFI, órgão multilateral que di-
reciona as regras globais em relação
à prevenção à lavagem de dinheiro,
publicou um estudo para avaliar os
riscos envolvendo a migração ilegal
e o tráfico de pessoas. Lançado em
março deste ano, o relatório Money
Laundering and Terrorist Financing
Risks Arising from Migrant Smu-
ggling, destaca que, apesar do visível
aumento desse tipo de crime - que
ganhou mais destaque por conta da
guerra na Ucrânia, mas é um pro-
blema há décadas em países de regi-
ões como a África, Oriente Médio e
Sudeste Asiático - o número de pes-
soas presas por crimes relacionados
ao tráfico de seres humanos ainda
é muito pequeno. Na última déca-
da, conflitos regionais, instabilidade
política e perseguição, além da po-
breza e do impacto das mudanças
climáticas, foram alguns dos muitos
motivos no aumento no número da
migração de pessoas que fogem dos
seus países de origem em busca de
refúgio.
Muitas nações sequer consideram
esse tipo de crime como sendo de
alto risco para lavagem de dinheiro
e financiamento ao terrorismo. A
consequência é um baixo número de
investigações e processos em curso.
Mesmo sendo um crime transnacio-
nal por natureza, a entidade chama
atenção para a pouca colaboração
internacional e o baixo volume de
recursos investidos na operação para
tentar localizar o dinheiro oriundo
desses crimes. O FATF-GAFI esti-
ma que a receita gerada pelo contra-
bando de pessoas supere os US$ 10
bilhões anuais. Como a maior parte
www.lec.com.br
dos pagamentos das vítimas para os
traficantes é realizada em dinheiro
em espécie, o que torna mais difícil
para as autoridades conseguirem dar
prosseguimento às investigações. O
relatório identificou que as organi-
zações criminosas mais sofisticadas
usam terceiros para realizar a lava-
gem de dinheiro e que, a depender
do seu grau de sofisticação, vários
métodos de lavagem de dinheiro são
usados ​​para reintegrar o dinheiro na
economia legítima. “Os produtos do
crime também podem ser investi-
dos em imóveis, bens de alto valor
e negócios legais tanto nos países de
origem quanto no país de destino”,
aponta o estudo, que também apon-
ta que, em alguns casos, os contra-
bandistas evitam depositar os ganhos
com a atividade, usando dinheiro em
espécie para bancar suas despesas e
gastos, inclusive com a compra de
itens de luxo, ou em alguns casos,
sustentar o uso de drogas ou gastos
com jogos de azar.
De acordo com o relatório, um
antigo modelo informal e fechado
conhecido como Hawala, estabele-
cido há séculos em rotas de comér-
cio no Oriente Médio e em partes
do leste da África é o mais utilizado
pelos contrabandistas. Em sua ver-
são atual e adaptadas para uso em
fins ilícitos, os Hawalas funcionam
como uma “rede de atendimento” ao
longo das rotas utilizadas e é com-
posta por estabelecimentos como pe-
quenos mercados, lojas de celulares
e dispositivos eletrônicos e agências
de viagem controladas pelos próprios
traficantes. Outra forma bem conhe-
cida seria de transporte de dinheiro
em espécie por meio de pessoas usa-
das como mulas para o transporte
dos valores.
Recentemente, os traficantes
também passaram a utilizar com fre-
quência as mídias sociais e serviços
de comunicação criptografados em
suas operações de recrutamento e co-
ordenação. O que gera oportunidade
para os criminosos aumentarem sua
65
eficiência, mas também para que as
investigações promovidas pelas au-
toridades legais possam detectar e
rastrear suas atividades, incluindo
sua movimentação financeira. Outra
maneira de os criminosos lavarem os
valores resultantes de suas operações
seria através de redes profissionais es-
pecializadas em lavagem de dinheiro.
O relatório aponta também que,
apesar de ainda haver muito pouca
informação disponível sobre as co-
nexões entre o tráfico de pessoas e
o financiamento ao terrorismo, há
evidências de terroristas recebendo
dinheiro de traficantes nas rotas de
migração de países africanos, por
exemplo, por meio da cobrança de
pedágio para passagem segura nos
territórios controlados por estes gru-
pos. A corrupção também é um ator
importante nos esquemas de contra-
bando de pessoas.
Embora alguns países venham
elaborando estudos, investigações e
tendo acesso a informações de qua-
lidade sobre o tema, ainda há uma
grande parcela de nações incapazes
de fornecer dados estatísticos sobre
os resultados de investigações rela-
cionadas ao Financiamento ao terro-
rismo e à lavagem de dinheiro em co-
nexão com os processos de migração
e tráfico de pessoas.
Para o FATF-GAFI, uma das
formas de melhorar o trabalho seria
focar na assistência aos países direta-
mente afetados pela ação desses gru-
pos, para que possam trabalhar de
maneira proativa em investigações
do tipo “siga o dinheiro”.
O relatório também chama aten-
ção para a importância de uma me-
lhor cooperação com o setor privado,
provendo-os com informações sobre
os métodos específicos utilizados pe-
los criminosos para transferir e lavar
seus lucros. Instituições financeiras,
em especial, bancos e serviços de
transferência de valores têm um im-
portante papel no combate a tais ati-
vidades, na observação e emissão de
relatórios sobre transações suspeitas.

LEC NEWS • PLDFT
BOLSA DE NOVA YORK:
os dias de “facilidade”
para as empresas
cheque em brnaco estão
chegando ao fim.
Mais clareza para os SPAC’s
A
SEC (Securities and Exchange Commission), re-
gulador do mercado de capitais norte-americano,
está propondo novas regras para dar mais transpa-
rência e maior proteção aos investidores em ofertas
públicas iniciais (IPO) realizadas por Empresas de
Aquisição de Propósito Específico, as famosas SPAC’s.
Como se fosse uma sociedade de propósito específico, as
SPAC’s, são shell companies cujo propósito é levantar recursos
para a aquisição de uma empresa. O negócio é feito antes de
que a SPAC tenha determinado qual a empresa target, por isso,
os investidores costumam levar em conta, principalmente, a ex-
pertise de um ou alguns dos patrocinadores da empreitada, em
geral, o gestor ou o idealizador do empreendimento. É como se
os investidores estivessem assinando um cheque em branco. O
dinheiro levantado no IPO fica reservado em uma conta ban-
cária separada e o gestor tem até dois anos, usualmente, para
encontrar esse negócio ou essa empresa que será adquirida e,
assim, concluir a operação.
As medidas colocadas pela SEC em audiência pública para
consultas até o dia 31 de maio são parte de um movimento mais
amplo de pressão às SPAC’s, desde que um frenesi de operações
em 2020 e no início de 2021 provocou preocupações sobre os
reflexos do aumento de negócios valendo-se dessa estrutura so-
cietária menos transparente.
Caso aprovado o novo modelo, o processo de IPO das
SPAC’s (e o processo posterior de incorporação da empresa alvo,
o de-SPAC) estarão mais alinhados com os procedimentos e
demandas regulatórias exigidos de um IPO tradicional. Para os
advogados da banca norte-americana Gibson-Dunn, as novas
regras têm potencial para reduzir os benefícios de uma transação
de-SPAC ao mesmo tempo em que vão exigir das SPAC´s, seus
executivos e administradores, mas também das empresas alvo e
dos consultores envolvidos com a operação, maiores responsabi-
lidades e obrigações legais.
No cenário proposto, as SPAC’s precisarão divulgar mais de-
talhes sobre quem são seus patrocinadores, a remuneração deles,
apontar eventuais conflitos de interesse e como se dará um even-
tual processo de diluição de ações. A divulgação de informações
sobre a aquisição alvo, incluindo a visão do patrocinador sobre
66
Foto: Creative Commons
o negócio e a divulgação de opiniões externas independentes,
precisam ser emitidas pelos menos 20 dias antes de quaisquer
processos de votação de acionistas da SPAC em relação a uma
aquisição. Ou seja, antes da formalização de qualquer negócio.
A qualidade e a precisão dessas e de outras informações di-
vulgadas ao mercado também serão alvo de maior escrutínio. A
SEC pretende deixar mais claro que os administradores e execu-
tivos das SPAC’s, mesmo durante o processo de integração da
companhia alvo, terão responsabilidade em relação à imprecisão
de informações que servem de base para a análise e a decisão
de investimentos, inclusive projeções financeiras para o negó-
cio. Hoje, muitas SPAC’s ancoram-se atrás de disposições da Lei
de Litígio de Títulos Privados (PSLRA, na sigla em inglês), que
oferecem um “porto seguro” nesse sentido. Em meados do ano
passado, a Câmara havia proposto uma legislação nesse sentido.
Legisladores norte-americanos entenderam que esse dispositivo,
criado para incentivar a divulgação de informações para os inves-
tidores potencialmente valiosas sobre as perspectivas futuras de
uma empresa estaria sendo usado de forma distorcida em parte
das operações relacionadas com SPAC’s.
Na análise da Gibson Dunn, caso a Proposta seja adotada,
não está claro se a falta do “porto seguro” oferecido pela PSLRA,
especialmente se associada às propostas de mudanças nas regras
relativas à divulgação de projeções financeiras, levará a alterações
na apresentação das projeções e premissas para o negócio, ou ao
seu abandono. “Nesse último caso, isso poderia efetivamente eli-
minar as SPAC como alternativa a empresas-alvo que não pos-
suem um longo histórico operacional”, diz a análise do escritório.
Além disso, os advogados da banca norte-americana entendem
que alguns aspectos da proposta podem ter consequências para o
futuro das SPAC’s como veículo alternativo aos IPO’s tradicionais,
particularmente as propostas relativas à responsabilidade do ban-
co subscritor da SPAC também na de-SPAC (o que tem levado
muitos bancos a rever sua participação nesse tipo de operações),
a impossibilidade de contar com o “porto seguro” do PSLRA e
os novos prazos propostos para o enquadramento em um novo
“porto seguro”, com prazos de liquidação mais curtos e regras
mais restritas reduziriam a flexibilidade da SPAC e aumentariam a
complexidade e o custo de conclusão de um transação de-SPAC.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
VIDAS
TRANSFORMADAS
No ano em que comemora 10 anos de vida, a LEC compartilha 10 histórias de
pessoas que viram suas carreiras e vidas impactadas pelo Compliance
N
ão é incomum que em al-
gum momento da vida pro-
fissional, pareça existir um
descompasso entre o traba-
lho e a expectativa que tínhamos em relação
a ele. Desencontros e encontros na vida são
necessários, especialmente quando parte im-
portante dela, como o trabalho, faz a pessoa
sentir-se deslocada, desencaixada em suas ati-
vidades profissionais que perdem o que ela
achou que seria um propósito, como se dei-
xasse de fazer sentido.
Existem também profissionais que não enxer-
gam uma perda de sentido no seu trabalho atual,
mas não deixam de querer se movimentar para
aprender mais, agregar novas expertises e se abrir
para um mundo de novas oportunidades.
As duas situações podem até ser muito dife-
www.lecnews.com.br
rentes, mas quando o assunto é o impacto que o
Compliance tem sobre as vidas das pessoas que
conheceram e resolveram adentrar nesse mundo,
uma coisa é certa: uma transformação na forma
como elas enxergam ali um propósito para algo
que vai além da sua carreira. A descoberta desse
senso de missão, tão característico e que faz os
profissionais da áre tão apaixonados pelo assun-
to, é um bom reflexo do poder do Compliance.
Dando início a comemoração dos 10 anos
da LEC, nas próximas páginas você conhecerá
as histórias inspiradoras de 10 pessoas que en-
contraram novos rumos e sentido profissional e
pessoal no Compliance. Histórias de 10 profis-
sionais que passaram pelos nossos cursos e dos
quais temos um imenso orgulho por, de algu-
ma forma, ter contribuido para esse processo de
transformação.
67
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS

Ana Paula Maia Pinto

33 anos, Compliance Officer, da
Ultra Medka e Medplus

D
epois que começamos a traba-
lhar com o Compliance, é im-
possível separá-lo de nossa vida
pessoal. Seus pilares são nosso
trabalho, mas, mesmo fora do
ambiente profissional, eles estão presentes no
modo como você lida com as coisas do dia a
dia, nas atitudes e no nosso comportamento.
Atuar com Compliance fez uma diferença
fundamental na minha vida, já que eu sempre
valorizei a correção na forma como as coisas
são feitas e o comportamento ético. Sou advo-
gada e confesso que, quando optei pelo direito,
minha intenção era atuar na área criminal. Não
demorou muito para perceber que essa área de-
manda certas características que eu não tinha.
O que me atraia, na verdade, era a perspectiva
de fazer a coisa certa, de investigar, de contri-
buir de alguma forma para o funcionamento
das coisas com correção. Por isso me realizei no
Compliance, foi um reencontro com esse meu
desejo. Pode soar clichê, mas quando descobri mesmo pude ter um vislumbre sobre o que era
o Compliance fui ainda mais impulsionada a o Compliance. Logo depois, fiz o Curso de Im-
querer colaborar com as pessoas para que elas plementação do Programa de Integridade, tam-
compreendam que agindo cada um de maneira bém com a LEC. Foi aí que tive um real enten-
correta, seguindo os procedimentos éticos, po- dimento do Compliance e pude estabelecer e
demos mudar o País para melhor. implementar o programa na empresa.
Minha jornada na área começou quando op- Desde o primeiro momento venho me apri-
tei por deixar a empresa na qual trabalhava para morando e estudando a área e, nesse sentido,
exercer a advocacia. Saí da empresa, mas mantive sempre tive a LEC como parceira indispen-
os vínculos e continuei prestando serviços para sável. Sempre tive muito suporte, porque os
a companhia, que atuava no segmento de distri- profissionais são os melhores e não é à toa que
buição de produtos voltados para a saúde, tendo a LEC é referência, quando se trata de Com-
como parceiros grandes empresas multinacionais. pliance. Inclusive, devo muito aos professores,
Foi por meio do contato com essas organizações principalmente o Matheus Cunha e a Letícia
que os diretores da empresa foram apresentados Sugai, de quem sou fã. As aulas dela no módulo
ao Compliance, se interessaram pelo tema e me de Treinamento e Comunicação do curso ain-
encarregaram de pesquisar sobre o assunto para da hoje são o meu Norte.
saber como seria possível implantá-lo na empresa.
Em 2019, me perguntaram se eu gostaria Cursos realizados na LEC: Curso Prático de Im-
de participar como representante da empresa plementação do Programa de Compliance; Curso
de um evento sobre o tema, o LEC Experien- de Compliance em Proteção de Dados e Curso de
ce. Foi meu primeiro contato com a LEC e ali Compliance Anticorrupção.

68 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34

PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS

Andréa Ferreira da
Costa Moraes Pereira
Especialista em Compliance e
Segurança de Dados da SouthRock

O
Compliance trouxe uma mu-
dança muito significativa para a
minha vida. Era algo que, em-
bora não conhecesse, sempre
quis para mim. Além de ser um
incentivo, acho que o Compliance é também
uma avaliação de como as pessoas me enxer-
gam. Pois agora, também me vejo como um
exemplo. Já vigiava minhas próprias atitudes
para agir de forma ética antes do Compliance,
mas, depois dele, isso passou a ser regra co-
tidiana. Se você não tem credibilidade como
pessoa, seu trabalho não vai ter. As pessoas
vão entender o que você fala como palavras ao
vento. Agora, quando suas palavras estão em
comum acordo com suas atitudes, o exemplo
arrasta.
Mais do que uma carreira profissional, traba- garantir que a obtenção da certificação profissio-
lhar em Compliance para mim é ajudar a con- nal (CPC-A), em 2019, foi um momento ímpar
tribuir para a construção de um País melhor, na minha vida. Nesse período, estava abraçan-
mais justo e íntegro. É trabalhar sob essa ótica de do um novo desafio profissional, justamente o
construção. Na medida em que trabalha e atua de implementar um programa de integridade.
implementando um programa de integridade Ali, pude colocar à prova o meu conhecimento
numa empresa, seja de pequeno ou grande porte, e a chancela do meu certificado. O resultado foi
você estabelece elementos para aquela socieda- muito positivo. A empresa acabou recebendo um
de corporativa repensar a sua forma de condu- prêmio pelo Guia Exame de Compliance por ter
zir os trabalhos. Está se plantando uma semente implementado um programa de integridade com
de mudança. Sempre transitei muito por todas as melhores práticas. Foi como uma chancela do
as áreas da empresa, sempre tive muito diálogo meu trabalho e certamente eu não teria logrado o
com todos e, principalmente, sempre briguei mesmo êxito sem o conhecimento adquirido com
pelas coisas corretas e em conformidade. Acho a LEC. É claro que a dedicação de cada profissio-
que por isso sempre fui tida por meus colegas nal é fundamental, mas acho que ter por trás de
como alguém que postula pelo comportamento você todo um grupo de profissionais dedicados,
ético. Tem todo um propósito para a proteção da professores que sabem trazer a teoria para a prá-
empresa contra corrupção e suborno, mas antes tica, colabora muito para a formação de profis-
tudo você também está colaborando com a mu- sionais devidamente instruídos e comprometidos
dança do país. com uma agenda por um mundo mais ético e
O conhecimento mais aprofundado sobre o mais comprometido com a conformidade.
que é o Compliance veio quando fiz meu pri-
meiro curso com a LEC, o de Compliance Anti- Cursos realizados na LEC: Curso de Compliance An-
corrupção, em 2016. Desde então, não parei de ticorrupção, Curso de Investigações Internas Corpora-
estudar. A LEC faz parte da minha vida e posso tivas Curso de Compliance em Proteção de Dados.

www.lecnews.com.br 69
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
B
rilho nos olhos é a primeira ex-
pressão que me vem à cabeça
quando penso sobre a importân-
cia do Compliance na minha vida.
Atuar com Compliance trabalhou
muito pela minha autoestima, tanto do pon-
to de vista pessoal quanto profissional. Hou-
ve um tempo em que eu me sentia um tanto
quanto perdida em relação a minha carreira
e na direção que ela deveria tomar. Foi com
o Compliance que eu descobri essa direção e
hoje tenho certeza de que estou no caminho
certo. Digo isso porque sempre tive em mim
esse senso de justiça, de querer fazer as coisas
de maneira correta, de passar uma mensagem
positiva para as pessoas e, com o Compliance,
eu sinto que além do ambiente do escritório,
das funções do meu trabalho eu posso cola-
borar com isso de uma maneira muito mais
genérica e global.
Tendo tomado essa decisão, passei a pes-
quisar uma série de instituições para me apri-
morar e conhecer melhor o Compliance. Uma
indicação de uma amiga me levou aos cursos
da LEC e me encantei. Foi com a LEC que ob-
tive o conhecimento profundo, uma verdadei-
ra imersão no assunto, com o curso de Com-
70
Andréa Passos
Santana Winkler
38 anos, Analista de
Compliance na QESH
Instituição de Pagamento
pliance Financeiro, pelo qual me certifiquei.
Também tive a oportunidade de fazer trocas
riquíssimas. A Renata Andrade, por exemplo,
que foi minha professora, é uma profissional
admirada. A Christina Montenegro Bezerra,
que foi minha colega de turma e, mais tarde,
minha mentora, me deu uma ajudinha quanto
ao rumo que eu deveria tomar.
Posso dizer que o Compliance me ajudou
a ter um senso de pertencimento, meu lugar e
propósito no mundo. Quando fui contratada
pela minha atual empresa, foi com a promessa
de que eu migraria para a área de Compliance.
Dois meses depois, não fui só transferida. Eu
assumi a área de Compliance da empresa. Não
é fácil. Posso dizer que estou aprendendo na
medida em que os desafios vêm surgindo. Sou
responsável por uma série de projetos de gran-
de magnitude e impacto para a organização,
uma responsabilidade enorme que nos desafia
a todo o tempo. Mas é um trabalho que real-
mente gera impacto na vida das pessoas, no
funcionamento da empresa e, principalmente,
na minha vida pessoal.
Cursos realizados na LEC: Curso de Compliance
Financeiro
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
Flávia Acciarito Moreira 49 anos, Empresária
e Consultora na Aprem Desenvolvimento Humano e Empresarial
O
Compliance exerceu na minha
vida exerceu um papel trans-
formador que vai além da rea-
lização profissional, mas toca
também a minha vida pessoal, a
maneira como me relaciono com as pessoas, as
instituições e a sociedade. Do ponto de vista
profissional, o Compliance me possibilitou um
campo de atuação mais extenso e para além de
minha formação e com uma atuação cujo im-
pacto positivo na sociedade vai além dos limites
da minha empresa. Assim também se aplica à
minha vida pessoal, pois sempre valorizei a éti-
ca e o comportamento correto. O Compliance
me abriu essa possibilidade de me sentir cola-
borando para a construção de uma sociedade
mais ética. O Compliance nos dá uma noção
real de que nossa ação no combate à corrup-
ção e no compromisso com os valores éticos e
morais tem reflexos no mundo. Isso é de uma
satisfação pessoal magnífica. Afinal, quem não
quer viver bem, num País em que as institui-
ções funcionem de forma correta, dentro de
suas normativas, agindo com ética.
Sou especializada em pedagogia empresarial e
proprietária da APREM – Desenvolvimento Hu-
mano e Empresarial. Durante meu trabalho nas
www.lecnews.com.br
instituições que atendia, acabei tomando contato
com o Compliance e percebi sua importância e a
necessidade de entender profundamente seu uni-
verso. Decidi cursar uma pós-graduação em Com-
pliance. Fiz, mas, mesmo assim, achei que ainda
havia muito a aprender. Foi quando tive contato
e decidi fazer o curso da LEC sobre Investigações
Internas Corporativas que me deu uma visão mui-
to importante sobre a questão. Graças a esse cur-
so, tive segurança para desenvolver um trabalho
em Compliance tanto na minha empresa, quanto
junto às instituições com as quais atuo. Foi graças
ao curso da LEC que eu consegui entender mais
profundamente o Compliance.
Os professores da LEC me marcaram muito,
dando oportunidade para os debates e para que os
alunos falem de diferentes realidades de empresas e
setores. E os alunos colaboram entre si para o en-
riquecimento individual de cada um. Tudo isso foi
muito enriquecedor e transformador, tanto para
minha vida profissional, quanto pessoal também.
Eu ainda pretendo fazer muita coisa com a LEC,
principalmente porque o leque de cursos é muito
amplo e só tem a enriquecer seus alunos.
Cursos realizados na LEC: Curso de Investigações
Internas Corporativas
71
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
S
ou enfermeira de formação e trabalho
numa empresa de saúde Por conta de
um diagnóstico de câncer e do trata-
mento a qual fui submetida, fui deslo-
cada para a área de Compliance, uma
vez que ali teria mais flexibilidade. A verdade é
que nunca tinha ouvido falar sobre Complian-
ce, mas ele já estava na minha essência: a valo-
rização do comportamento ético e as práticas
de conformidade. Algo que eu já aplicava à mi-
nha vida pessoal e profissional. Logo, ir para o
Compliance foi um encontro com minha pró-
pria essência. Hoje, posso dizer que sou apaixo-
nada pelo tema. Acredito que, para termos um
mundo melhor e deixar uma herança mais ética
para as gerações que estão vindo aí, os alicerces
do Compliance são fundamentais.
Às vezes, é difícil romper com comporta-
mentos e visões já arraigadas nas mentes das
pessoas. Muitos ainda têm dificuldade para en-
tender o quanto pequenas coisas e atitudes im-
pactam no funcionamento de uma companhia.
Tem sempre aquela história de que “sempre
foi assim” ou “minha função é de pouca im-
portância e mudar isso ou aquilo não vai afetar
nada”. Mas o pouco de cada um faz diferença
no final. E isso se aplica a diversas questões
72
Kátia Mazurega
Barbosa
52 anos, Analista de
Compliance Sênior na
Home Doctor
numa empresa. Na minha área, a da saúde,
Compliance tem muita importância. Lidamos
com vidas e pessoas, tanto as que prestam o
serviço quanto as que o utilizam, o que acaba
por envolver uma série de questões éticas. E
muito do que me conduziu nessa direção veio
dos ensinamentos aprendidos com a LEC.
Foi a minha gerente, pessoa fundamental
para a minha compreensão do que era o Com-
pliance, que me indicou a LEC, como uma
ferramenta importante para aprimorar meu
desenvolvimento profissional. Meu primeiro
curso foi o de Investigações Internas Corpora-
tivas e agora estou me preparando para fazer o
curso de Compliance em Proteção de Dados.
Com a LEC pude compreender toda a comple-
xidade do Compliance. Tenho a impressão de
que o aluno é recebido como parte da LEC e
tratado como um amigo. Devo muito ao apoio
e empenho dos professores que além do conte-
údo didático, apoiam-se em suas vivências, já
que todos são profissionais experimentados e
respeitados na área.
Cursos realizados na LEC: Curso de Compliance
Anticorrupção e Cusro de Investigações Internas
Corporativas.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
O
Compliance operou um papel
fundamental de transformação
na minha vida. Claro que an-
tes dele já tinha uma visão de
compromisso e dedicação aos
procedimentos éticos e valorizava as regras
de conformidade. Mas, a partir do momento
em que descobri o Compliance e percebi que
esse era o caminho para a minha carreira, fui
transformada em todos os sentidos, tanto na
vida profissional, quanto na maneira como
lido com as coisas no dia a dia. Minha própria
visão do funcionamento de uma organização
passou a ser outra. Mudou tanto a minha per-
cepção que, quando estou no supermercado
ou no hospital, levando meu filho para uma
consulta, por exemplo, me pego imaginando
se ali existe um programa de Compliance.
Vejo claramente a importância do “Conheça
seu Funcionário” e “Conheça seu Cliente”.
Trabalho em uma instituição financeira
desde 2014 na qual venho construindo minha
história profissional. A virada em direção ao
universo do Compliance aconteceu em 2020.
Cheguei para trabalhar e encontrei sobre mi-
nha mesa um catálogo da LEC com um bi-
lhete assinado por um dos diretores no qual
estava escrito: “A bola está contigo”. O curso
de Compliance Financeiro já estava pago pela
empresa e confesso que, até aquele dia, eu se-
quer sabia o significado da palavra. Abracei a
www.lecnews.com.br
Maria Elizângela
Rodrigues da Silva
de Barros
30 anos, Gerente de
Compliance na Socinal
Financeira
oportunidade. Confesso que, na primeira aula
que assisti, me senti completamente fora de
lugar. Porque o conhecimento dos professores
e mesmo de alguns dos alunos, parecia muito
superior ao meu. Com o tempo, fui me adap-
tando, até pela abertura que eles dão ao aluno
e a forma leve como o conteúdo é aplicado.
Nesse ponto, aliás, preciso destacar a impor-
tância que a professora Renata Andrade teve
para mim. Foi na aula dela que consegui ter
a visibilidade do que era o Compliance. Em
outubro deste ano, completam-se dois anos da
implementação do programa de Compliance
na empresa e minha vida tomou uma nova di-
reção, como gerente de Compliance.
Com o curso da LEC, no Compliance eu
me encontrei. Já tinha minha graduação, mas
foi no Compliance que realizei uma grande
virada na minha vida profissional. Já estava na
empresa há oito anos e, apesar de ter constru-
ído uma carreira lá dentro, como analista de
crédito, talvez não tivesse muitas perspectivas
para novos voos. Depois disso, além da minha
promoção, eu estruturei um setor na empresa
que não havia, criei o Compliance dentro da
instituição financeira e hoje posso até antever
voos mais altos para minha carreira. Enfim, fez
toda a diferença.
Cursos realizados na LEC: Curso de Com-
pliance Financeiro.
73
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
Matheus Cunha
CEO da T4 Compliance
M
eu primeiro contato com um programa de
Compliance foi em 2012. Na época, me
tornei sócio de serviços de um grande es-
critório de São Paulo, que advogava para
uma grande multinacional, o que nos fez
passar por um processo denso de due diligence. Embora já
tivesse advogado para outras multinacionais, eu nunca tinha
passado por um processo tão intenso, o que despertou meu
interesse. Foi quando um dos sócios, que já havia trabalhado
como como diretor jurídico do Walmart, me explicou do que
se tratava de um processo de Compliance e o quanto ele acha-
va que a área combinava com meu perfil. Na época, eu sequer
conhecia a palavra, mas conforme ele foi me explicando do
que se trava, imediatamente me senti interessado.
Saí a procura de informações e cursos. Na época, não ti-
nha nada de publicações sobre Compliance no Brasil além da
revista da LEC e um ou dois livros que acabei comprando.
Fiz alguns cursos bem caros e muito superficiais. Mas segui
pesquisando e, depois de passar por vários “estelionatos edu-
cacionais” encontrei a LEC e vi que, além da revista periódica,
eles tinham um congresso anual e uma turma para o Curso
de Formação de Compliance Officer que começaria em 2014.
Foi a primeira vez que eu fiz um curso que me fez entender
o funcionamento de um programa de Compliance e como
eu poderia aplicar os ensinamentos profissionalmente. Além
disso, havia também o viés prático de poder conversar com
profissionais que já atuavam na área e não só no sentido de
uma relação de sala de aula. Nós almoçavamos junto com
os professores, trocavamos informações por e-mail e, além de
fazer grandes amizades, também criei um grande networking.
Eu usei também esse relacionamento para mentoria. Eu
costumava trocar e-mail com o Daniel Sibille (coordenador
do Curso de Compliance Anticorrupção) para pedir conse-
lhos e ele sempre foi muito gentil e atencioso ao responder.
Tanto que foi ele quem me aconselhou a ficar aqui, numa
ocasião em que cheguei a cogitar sair do país.
Num primeiro momento, eu trouxe para o portfólio do es-
critório que atuava a proposta de vender Compliance, o que
ainda não era fácil nem em São Paulo, imagina no cenário em-
presarial do Mato Grosso? Mesmo assim, cheguei a fazer vá-
rios treinamentos, escrever códigos de conduta e políticas. Mas
ainda não era o que eu buscava. Foi quando eu decidi mudar
a carreira e seguir para o processo de recrutamento e seleção.
Como eu não conseguia passar nesses processos de recru-
tamento, tanto pela questão geográfica quanto pelo fato de
não ter trabalhado com Compliance, segui produzindo. Es-
crevia muito para o blog da LEC, colaborava com a OAB e
publicava artigos nos jornais de Cuiabá, o que chamou aten-
74
ção do Governador na época. Acabei sendo convidado para
integrar o gabinete de transparência e combate à corrupção,
com foco principal na criação de um programa de integridade
na administração pública e assumi o papel de Compliance
Officer no setor público. Me deu muito medo no início, por-
que não tínhamos nada de compliance no setor público, mas
a vontade de atuar e o interesse de seguir na carreira foi maior
e aceitei o desafio. Foi uma experiência incrível.
Em 2017, durante um congresso da LEC, eu tive a opor-
tunidade de conhecer os meus sócios aqui na T4 Complian-
ce, que haviam me feito o convite para assumir a área do
Compliance no escritório do qual eram sócios. Começamos
a consultoria focados em empresas de grande e médio porte
que ainda não tinham um programa de Compliance. Com
o tempo, começamos a ser demandados para trabalhar com
empresas que já tinham um programa, mas precisavam refor-
çar um pilar específico como comunicação e treinamento, ou
avaliação de riscos. É aí que entra de novo a LEC, pois era
preciso se especializar e, desde então, acho que eu fiz todos os
cursos da LEC.
Essa parte acadêmica sempre foi muito importante e a
LEC sempre cumpriu com isso. Sempre trouxe conteúdo de
forma muito precisa e com muita qualidade, além de ter pro-
fessores que têm essa visão prática que é muito importante.
Eu também sou professor. Há 12 anos que dou aulas em uni-
versidades. E me realizei mais uma vez com a LEC quando o
Daniel me convidou para dar os cursos online da LEC e eu
aceitei o desafio. E a parceria continua até hoje. Digo que eu
tenho uma dívida de gratidão com a LEC, pois nada disso
seria possível e eu não me sentiria hoje tão plenamente reali-
zado, tanto do ponto de vista profissional, quanto pessoal, se
não fosse minha relação com a LEC, desde que aceitei fazer
aquele primeiro curso em 2014.
Cursos realizados na LEC: Curso de Compliance Anticor-
rupção, Curso de Compliance Financeiro, Curso de Inves-
tigações Internas Corporativas e Curso de Compliance em
Proteção de Dados e
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
Milena Ricarte Evangelista Neiva Maciel 28 anos,
CEO na Milena Ricarte Neiva Sociedade Individual de Advocacia
D
o meu ponto de vista, o Com-
pliance vai muito além da rea-
lização profissional, tendo im-
pacto muito profundo também
na nossa vida pessoal. No meu
caso, o Compliance surgiu num momento
muito delicado. Tinha acabado de dar à luz
a minha filha, p assava p or u m q uadro d e d e-
pressão pós-parto, e estava fora do mercado
de trabalho e sem muitas esperanças. Até que,
um ano depois, em plena pandemia, surgiu um
trabalho, que, a princípio, seria para elaborar
um documento sobre o qual o próprio dono
da empresa também não sabia bem do que se
tratava. Fazendo minha pesquisa, acabei desco-
brindo que o tal documento que precisava ser
elaborado, na verdade tratava da implementa-
ção de um programa de Compliance nessa em-
presa. Até já tinha tido uma experiência breve
com Compliance em um trabalho anterior,
num processo de due diligence, mas nada per-
to da profundidade que este trabalho exigiria.
Fazendo uma pesquisa em busca de conhe-
cimento para abraçar a oportunidade, acabei
encontrando a LEC. Foi graças ao curso de
Compliance Anticorrupção da LEC que eu pude
implementar um programa efetivo na empre-
sa, com todo o respaldo necessário para realizar
www.lecnews.com.br
o trabalho. A partir daí, minha vida começou a
mudar e as coisas começaram a acontecer. Hoje,
tenho outras demandas. Fiz o curso de investiga-
ções internas, que acabou se tornando uma das
práticas oferecidas aqui no escritório. Costumo
dizer que a maternidade me tirou de cena e ao
mesmo tempo me trouxe de volta à vida profis-
sional, mas dessa vez, como protagonista de mi-
nhas escolhas. 
Além de ser um mecanismo para fazer as
coisas de acordo com as regras e normas, Com-
pliance  é uma questão de comportamento. Não
é uma mudança instantânea, ela é gradativa e,
ao mesmo tempo, tão profunda que implica na
cultura organizacional. Mas, do ponto de vista
pessoal, exercer um comportamento ético im-
plica em seguir a máxima de “o que não que-
remos para nós, também não queremos para o
outro”. Vejo o Compliance também como um
instrumento de educação e transformação. Me
ajuda na construção de um mundo melhor, ao
mesmo tempo em que me ajuda a formar mi-
nha filha como uma boa pessoa, que irá ajudar a
manter esse mundo melhor.
Cursos realizados na LEC: Curso de Complian-
ce Anticorrupção e Cusro de Investigações Inter-
nas Corporativas.
75
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
T
rabalho com Compliance há quatro
anos. Minha trajetória vem da ini-
ciativa privada, de uma instituição
financeira. Conhecia o Compliance
na prática, mas sem saber que tinha
esse nome. Foi só quando saí da instituição e pas-
sei a trabalhar com consultoria é que pude perce-
ber a importância disso tudo. Quando se inicia a
implementação de um programa numa empresa
percebe-se que os principais obstáculos são cultu-
rais. Os problemas que enfrentamos são de gestão,
não questões do jurídico, de criação de políticas ou
questões normativas. Estou numa região do inte-
rior de Santa Catarina e, por conta disso, acabo tra-
balhando muito com empresas familiares. Embora
sejam empresas de grande atuação, não raro elas
têm um viés mais pessoal na condução dos negó-
cios. Mas a nossa atuação implica em transformar
isso e profissionalizar essas empresas.
Comecei a pesquisar sobre Compliance de for-
ma pioneira na minha cidade, pois aqui na região
não havia isso. Na época, fiz uma pós-graduação,
mas me dei conta de que isso não era suficiente para
ser apresentado. As empresas precisam de alguma
certificação de que você está apto para a função.
76
Priscila Aparecida
Picinini
32 anos, Consultora em
Compliance e Proteção de
Dados na SIMJUR Consultoria
e Treinamento
Foi quando eu tive contato com a LEC, com o
curso de Compliance Anticorrupção e a certifica-
ção, que agregou muito valor ao meu serviço, pois
é algo que posso mostrar às empresas, e eles vão
saber que tenho uma especialização no assunto.
Depois disso, também fiz o curso de Compliance
em Proteção de Dados. Hoje, trabalho exclusiva-
mente com Compliance e LGPD.
Alguns dos professores da LEC foram mui-
to importantes nessa trajetória. Cito, por exem-
plo, o Matheus Cunha, que me ajudou a abrir os
olhos para minha realidade, pois eu tinha muita
dificuldade para trazer o conteúdo estudado para
a realidade de minha região e que trouxe muitos
exemplos vivenciados por ele dentro de parâmetros
parecidos com os meus e que me ajudaram a fazer
as implementações. Eu aprendi muito a transfor-
mar o conteúdo escrito em prática.
É interessante notar a transformação exerci-
da pelo Compliance, inclusive na forma como
nos comportamos no cotidiano. Hoje, a maioria
das coisas que são imorais ou até ilegais, mas que
muita gente pode relevar como distração, dirigir
e se esquecer de afivelar o cinto de segurança,
por exemplo, quando se trata da minha pessoa,
é como se fosse um crime imperdoável. Como
Compliance Officer, acho que não tenho o direito
de entrar numa empresa pregando a importância
do comportamento ético e da conformidade com
as leis e regras estabelecidas e, depois, atravessar a
rua fora da faixa de pedestres.
Cursos realizados na LEC: Curso de Compliance
Anticorrupção e Cusro de Compliance em Prote-
ção de Dados
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 34
PAPO DE COMPLIANCE • LEC 10 ANOS
Suzan Kelly
Oliveira dos
Santos
41 anos, Gerente
de Proteção de
Dados e Processos
do Grupo
Tiradentes
S
empre trabalhei na área de gestão
de processos, qualidade e audito-
ria. Então, posso dizer que já estava
envolvida com a área de Complian-
ce, embora ainda não conhecesse
a fundo seus conceitos. Em 2018 surgiu a
oportunidade de implementar aqui na em-
presa um programa de integridade, o que me
conduziu a uma verdadeira imersão no con-
ceito de Compliance que para mim foi mui-
to rica. Pude valorizar mais as competências
que já tinha e vislumbrar um caminho de
novas oportunidades que até então eu não
tinha. Foi nesse momento que eu conheci
a LEC, descobri os cursos, pude participar
do Congresso Internacional de Compliance,
onde tive a oportunidade de ter contato com
diversos modelos profissionais e me certifi-
car de que o caminho que eu estava traçando
para minha organização, em relação ao pro-
grama de Compliance estava correto.
A partir daí, montamos um trabalho de
campanha, de desenvolvimento do proces-
so, de aculturamento institucional e, enfim,
fizemos a entrega. E, como reconhecimento
por meu empenho na implementação e na
entrega do nosso programa de Compliance,
fui convidada a assumir a gerência de prote-
ção de dados, como DPO. Durante a minha
jornada de imersão em Compliance eu estu-
www.lecnews.com.br
dei muito sobre a LGPD. Estava muito atu-
alizada em relação ao tema a ponto de meu
gerente não ter dúvidas de que era eu quem
deveria assumir a área. A partir do momen-
to em que assumi a gerência de Dados, fui
levada a um patamar mais alto na minha
carreira profissional, fui promovida. Dessa
forma, acho que o Compliance mudou a mi-
nha vida, tanto profissional quanto pessoal.
Eu atribuo muito de minha condição atual
ao Compliance.
Além do mais, o Compliance me abriu
muito a cabeça para uma questão que sempre
teve muita importância para mim: a do com-
portamento ético. A partir de minha jornada
no Compliance percebi que essa questão é
algo muito maior. É nossa preocupação com
os nossos atos, tanto no âmbito pessoal quan-
to profissional. A questão comportamental me
chamou atenção e eu passei a observar também
as pessoas, suas escolhas e o impacto disso para
a empresa. O quanto a instituição se expõe e
perde clientes por conta de uma conduta indi-
vidual de um funcionário, dentro da resolução
de um conflito. E acho que posso dizer que
essa percepção é que me ajudou a ascender na
minha vida profissional e pessoal.
Cursos realizados na LEC: Curso de Com-
pliance Anticorrupção
77
CURSO DE COMPLIANCE

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