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DE COMPLIANCE
Volume 1 – Visão Prática
22-128065 CDU-35
22-128065 CDU-35
Índices para catálogo sistemático:
Índices para catálogo sistemático:
1. Compliance : Administração pública : Direito
1. Compliance : Administração
administrativo 35 pública : Direito
administrativo 35
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
2022
https://ccbc.org.br/
Patrocinadores
QUESTÕES ATUAIS
DE COMPLIANCE
Volume 1 – Visão Prática
Por essa razão, este livro deveria ser leitura obrigatória – tanto para
profissionais do Direito quanto para aqueles que trabalham diretamente nas
organizações, independentemente de seu porte ou ramo de atividade, e em
particular para os diretores de integridade das empresas associadas à Câmara
de Comércio Brasil-Canadá (CCBC). “Atuar de forma alinhada a políticas
de integridade, antes de ser um imperativo legal, é uma escolha ética”. Além
8 disso, trata-se de uma questão cada vez mais importante para o processo de
decisão de investidores ou potenciais parceiros comerciais. O tema da com-
pliance está integrado às escolhas estratégicas da Câmara, ao lado dos quatro
pilares de nossa governança: transparência, equidade, prestação de contas e
responsabilidade social corporativa.
Uma obra como essa não poderia ser produzida sem a generosa cola-
boração de uma equipe de articulistas, que cederam tempo e conhecimento
para construir este primeiro volume dedicado ao tema. Da mesma forma,
o apoio dos patrocinadores, que viram no projeto uma forma de comparti-
lhar informações relevantes, foi essencial para que a publicação viesse à luz.
Também é necessário parabenizar a Comissão de Compliance e Integridade
da CCBC pela dedicação em colocar o projeto em prática. Para a Câmara,
é uma honra endossar um livro de tal qualidade, que não apenas contribui
para aumentar o conhecimento do tema entre nossas associadas, brasileiras e
canadenses, como também permite disseminar a importância desse assunto
para a sociedade em geral.
Boa leitura!
Ronaldo D. B. Ramos
Presidente da CCBC
9
PREFÁCIO
Quando sonhamos desenvolver esta publicação, tínhamos a ousadia de
ser a melhor e a mais importante referência autoral de governança corporativa
do Brasil. Isso não significa que não existam outras obras importantes sobre
o assunto, mas a experiência e a reputação de cada um dos profissionais que
foram selecionados para redigir os temas são, de fato, o nosso diferencial.
Por fim, esta obra tem ainda a legítima intenção de brindar uma iniciativa
coletiva que celebra, além de tudo, a diversidade e a inclusão. Todos nós somos
mais fortes juntos, independente de origem, gênero, raça ou profissão. Afinal,
conhecimento é para ser compartilhado, de forma democrática e acessível.
E contamos contigo, leitor, para que integre nosso time e fortaleça ainda
mais as bases da governança corporativa, absorvendo os ensinamentos deste
livro e disseminando as boas práticas nas organizações para fazermos o nosso
Brasil melhor e mais justo.
Paulo Perrotti
Presidente da CCBC na gestão 2017-2021
11
O FRUTO DE UM ANO
A primeira pergunta que se deve fazer antes de montar uma comissão
é: o mundo precisa de mais uma comissão de compliance? Quando conversei
pela primeira vez com o então Presidente da Câmara de Comércio Brasil-Ca-
nadá (CCBC), Paulo Perrotti, defendi que mais uma comissão somente se jus-
tificaria se pudesse apresentar traços originais em relação a outras entidades.
13
Compliance LGPD/GDPR
Por André Giglio*
“Qual seu e-mail? Pode me informar seu CPF?”. Um novo tema surgiu
às mesas dos Conselhos de Administração no Brasil a partir do ano de 2020: a
proteção de dados individuais por parte dos usuários. Outrora comum, a prática de
expor dados privados (CPF, endereço, telefone), ou mesmo perguntar por eles du-
rante um pagamento no caixa, por exemplo, passou a ser regulamentada, sendo ne-
cessário um fim em si e uma justificada temporalidade para armazenagem desses.
Visão geral
A Lei 13.709/18, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais (“LGPD”), foi aprovada em agosto de 2018, entrando em vigor em agosto
de 2020. Desde então, tem sido amplamente debatida em todas as esferas da
14 sociedade, de empresas e órgãos públicos a organizações da sociedade civil. Para
entender a importância do tema é necessário saber que esta lei cria um cenário
de segurança jurídica, com a padronização de normas e práticas, para promover
a proteção de forma igualitária, dentro do País e no mundo, dos dados pessoais
de todo cidadão que esteja no Brasil. E, para que não haja confusão, a lei escla-
rece as definições do que são os dados pessoais, estabelece que há alguns desses
sujeitos a cuidados ainda mais específicos, como os dados sensíveis e os sobre
crianças e adolescentes, e que aqueles que tratados tanto nos meios físicos como
nos digitais estão sujeitos à regulação.
Por isso, a conformidade à lei com que esses dados estão sendo captados,
armazenados e utilizados faz com que o tópico LGPD seja essencial em qualquer
obra sobre o tema de compliance.
Surgimento
Pode-se assumir que a estruturação sobre o tema surgiu na Europa. De fato,
o direito à privacidade consta da Convenção Europeia dos Direitos Humanos de
1950, que afirma: “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada
e familiar, pelo seu lar e pela sua correspondência”. A partir desta base, desde
os anos 90 os países da União Europeia, em bloco ou individualmente, têm pro-
curado garantir a preservação deste direito por meio de uma legislação cada vez 15
mais específica.
CAPÍTULO 1
rios on-line. Em 2006, o Facebook foi aberto ao público. Em 2011, um usuário
do Google processou a empresa por escanear seus e-mails. Dois meses depois
disso, a autoridade de proteção de dados da Europa declarou que a UE precisava
de “uma abordagem abrangente sobre proteção de dados pessoais” e os trabalhos
começaram a atualizar a diretiva de 1995.
Para além da preservação dos dados dos indivíduos, foi o apoio à prevenção
ao cibercrime que acelerou as discussões e o consenso entre diversas autoridades
do país para que alavancasse no Brasil a publicação de um Lei Geral de Proteção
de Dados. Afinal, tendo uma lei que define o que é e o que não é legal, ficaria
muito mais fácil combater os crimes virtuais — que, seguindo o ritmo do resto
do mundo, tiveram um crescimento vertiginoso nos últimos anos.
“Parágrafo único. As normas gerais contidas nesta Lei são de interesse nacio-
nal e devem ser observadas pela União, Estados, Distrito federal e Municípios.”
(Incluído pela Lei 13.853/2019)
CAPÍTULO 1
VII – Os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dig-
nidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
18
CAPÍTULO 1
Para além da ANPD, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais também
estipula os agentes de tratamento de dados e suas funções nas organizações como
o controlador, que toma as decisões sobre o tratamento; o operador, que realiza
o tratamento, em nome do controlador, e o encarregado, que interage com cida-
dãos e autoridade nacional (e poderá ou não ser exigido, a depender do tipo ou
porte da organização e do volume de dados tratados).
CAPÍTULO 1
Tendo isso em vista, torna-se clara a importância de que as organizações
conheçam detalhadamente os fluxos de dados e os tratamentos que realizam.
Ou seja, que gerenciem e registrem o trajeto das informações que coletam,
desde o momento que essas adentram suas estruturas até o descarte e tenham
clareza da base legal que utilizam para cada tratamento. Para tanto, é necessá-
rio que sejam sistematizadas e adotadas diretrizes claras em relação à forma de
gerir esses fluxos de dados.
Como adendo, esta mesma figura ou área senão integrada a ela mesma terá
uma relação muito significativa com a Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anti-
corrupção, que busca promover uma cultura organizacional que estimula a con-
duta ética e o compromisso de cumprimento das leis ao alterar o paradigma de
responsabilização e da subjetividade para a objetividade.
CAPÍTULO 1
outras leis que incidem sobre o campo, de forma customizada, a partir do
mapeamento de riscos e de contribuições pela escuta ativa de integrantes
e da alta gestão, é extremamente relevante para apoiar a administração das
organizações da sociedade civil.
24 O Comitê de Ética e Dados pode ter suas atribuições descritas com funções
específicas entre seus membros, promover reflexões conjuntas de forma colegia-
da e estratégica, permitindo que essa previsão seja feita inclusive por alteração
estatutária, além da sua aposição em política específica. Esse caminho, se adota-
do, não apenas cumpre a obrigação legal de apontar um encarregado de proteção
de dados, como também a boa prática de ter um compliance officer, reunindo
diferentes perfis em mais um relevante órgão de governança da organização da
sociedade civil.
Riscos de
Riscos de
cibersegurança
privacidade
associados
Eventos de associados
a incidentes
privacidade a eventos de
decorrentes
relacionados à privacidade
da perda de 25
cibersegurança decorrentes do
confidencialidade,
processamento
integridade ou
de dados
disponibilidade
CAPÍTULO 1
Como dar o passo inicial? Como dito, uma consultoria externa ou mesmo a
formação in-house de profissionais têm sido saídas muito frequentes observadas
nas organizações. Na maioria das vezes, os passos iniciais compreendem quatro
estágios: identificar, proteger, detectar e responder.
Referências Bibliográficas:
GARIBE, Adriana. “Penalidades em vigor na LGPD” – Lemos Advocacia, 2021
Lei GRPD em Português – Galvão & Silva Advocacia, 2020
LOPES, Laís de Figueiredo; Cezarino, Maraísa Rosa. “LGPD e compliance: o encarregado de
dados e o canal de denúncias nas organizações da sociedade civil”, 2021
MALDONADO, Viviane et all. “LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais”. Thomp-
son Reuters, Revista dos Tribunais. 3ª Edição, 2021
SERPRO https://www.serpro.gov.br/lgpd
27
CAPÍTULO 1
Legal Privilege
em investigações internas
Por Carlo Verona e Claudia Massaia*
1
Entenda o caso — Caso Lava Jato (mpf.mp.br)
2
Art. 42, incisos X e XII, Decreto Federal n.º 8.420/2015.
3
download (justice.gov)
4
download (justice.gov)
5
projeto_completo.indd (www.gov.br)
6
projeto_completo.indd (www.gov.br)
CAPÍTULO 2
Integridade é natural que existam alguns conflitos no acúmulo de funções. Adi-
cionalmente, um dos pontos mais sensíveis nas atividades do Departamento de
Compliance é a condução de investigações internas de fatos que possam expor a
empresa, seus executivos e colaboradores envolvidos a riscos legais. Assim, sur-
giu um constante questionamento por parte dos advogados corporativos e profis-
sionais de compliance com formação jurídica no que tange ao sigilo profissional
no âmbito de suas atribuições em uma investigação interna.
7
Art. 1º, incisos I e II, do Estatuto da OAB.
8
Art. 7º, incisos II e XIX, do Estatuto da OAB.
9
A cartilha-prerrogativas.pdf
10
Item “6. Inviolabilidade do Escritório, Correspondências e Comunicações do Advogado”,
da Cartilha da OAB.
cartilha-prerrogativas.pdf
11
Artigo 5º, incisos X, XI e XII, da Constituição Federal de 1.988: 31
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegura-
do o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consenti-
mento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou,
durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados
e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
(...)”.
CAPÍTULO 2
Brasileiro que define “casa” como o: “compartimento não aberto ao público,
onde alguém exerce profissão ou atividade”.12
14
A Artigo 7º, § 6º, do Estatuto da OAB.
“Art. 7º São direitos do advogado: 33
(...)
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos
de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relati-
vas ao exercício da advocacia;
(...)
§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advoga-
do, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o
inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão,
específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em
qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes
a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que conte-
nham informações sobre clientes”.
15
Provimento OAB nº 127 de 07/12/2008 - Federal – LegisWeb
CAPÍTULO 2
Uma recente decisão da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do
Tribunal de Justiça de São Paulo também trouxe um debate sobre a confi-
dencialidade das informações em uma investigação interna e a produção de
provas contra si ou, conforme o caso, contra a própria empresa. O acórdão da
Apelação Cível n.º 1086219-29.2019.8.26.010016 reformou a sentença em pri-
meira instância dando provimento ao recurso que possibilitará aos acionistas
minoritários da Renova Energia S.A. (“Renova Energia”) que sejam produzi-
das provas contra a própria empresa.
A Renova Energia foi investigada entre 2018 e 2019 pela Polícia Federal
na primeira fase da Operação E o Vento Levou que apurou desvios de dinheiro
mediante sobrepreço em projetos de energia renovável. Os desvios de dinheiro
estariam relacionados com um aporte de R$ 850 milhões feitos pela Cemig Ge-
ração e Transmissão na Renova Energia (“Cemig”).
18
Vide nota 15.
19
Art. 4º, Lei Anticorrupção Brasileira.
“Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual,
transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
§ 1º Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à
obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimô-
nio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de
atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou
evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
§ 2º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as
consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringin-
do-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado”.
CAPÍTULO 2
Quanto ao dever e ao direito ao sigilo profissional e respectivas prerrogati-
vas da advocacia não restam dúvidas que se aplicam tanto para as atividades do
advogado atuante em escritório de advocacia quanto para os advogados corpora-
tivos. Assim, e não levando em consideração a peculiaridade da recente decisão
da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São
Paulo, entende-se que as investigações internas estarão protegidas pelo sigilo
profissional do cliente-advogado enquanto atividade de consultoria, assessoria e
direção jurídica exercida por advogado, seja um consultor externo e independen-
te atuante em um escritório de advocacia ou seja ele um profissional interno do
Departamento Jurídico da empresa.
36
CAPÍTULO 2
Risk assessment para programas
de compliance efetivos
Por Carolina Bueno Junqueira*
Adoraria que meus colegas de compliance estivessem lendo este texto lem-
brando de seus próprios sufocos e aventuras que, com o devido distanciamento
do tempo, viram anedotas, histórias para contar e, vejam só, até livro.
CAPÍTULO 3
Risk assessment como ponto de partida
Negócios diversos possuem características específicas, intrínsecas à natu-
reza de suas atividades. O tipo de operação e as suas localidades, os recursos
humanos, os atributos tecnológicos, os aspectos financeiros e um sem-número
de outros fatores determinam o perfil estratégico e operacional desses negócios.
Consequentemente, os riscos subjacentes a essas operações variam amplamente
de acordo com o perfil de cada negócio.
Recursos não são infinitos, e escolhas precisam ser feitas o tempo todo. Para
que um programa de compliance seja efetivo, é necessário que haja priorização,
de forma que recursos destinados à implementação dele sejam empregados de
maneira inteligente.
CAPÍTULO 3
o negócio. Isso significa se posicionar, sem constrangimento, em um lugar
secundário na organização. O que nada tem a ver com ocupar posições inferio-
res na hierarquia ou não ter estatura e independência para tomar decisões. Ao
contrário, significa que compliance está integrado organicamente ao negócio,
assumindo, de forma consciente, a função de suporte que, como um pilar bem
construído, sustenta toda a estrutura e garante o desenvolvimento de ambientes
de negócios éticos, seguros e sustentáveis.
https://www.justice.gov/criminal-fraud/file/1292051/download
1
Mais uma vez, ainda que o FCPA não seja aplicável a todas as empresas, e
essas não estejam sujeitas ao escrutínio do regulador americano, a observação
43
dessa dinâmica é um modo de absorção e aprendizagem do que é estipulado em
ambientes regulatórios mais maduros em matéria de compliance.
• Risk assessment;
CAPÍTULO 3
• Training and Continuing Advice;
São eles:
Como fazer?
A execução do risk assessment pode ser uma tarefa árdua. Quando se fala
em investimento de recursos para a realização do diagnóstico, deve-se entender
recursos lato sensu. É preciso empregar orçamento, dedicar tempo das equipes
de compliance e envolver pessoas de múltiplas áreas do negócio, incluindo a
liderança sênior da organização.
CAPÍTULO 3
Planejamento
As etapas preparatórias minimizam as chances de recuos no meio do ca-
minho e tornam o trabalho mais produtivo. Planejar é preciso. Como parte da
organização, uma série de itens precisa ser definida. Abaixo, alguns deles, a
título de exemplificação:
• Escopo;
• Orçamento;
• Equipe dedicada;
• Recursos externos;
• Locais de visitação;
• Exame de documentos;
• Análise de dados.
Pessoas e lugares
Em um mundo pré-pandemia, haveria um subtítulo neste capítulo apenas
para “lugares”. O enunciado seria direto: esteja no lugar em que as coisas acon-
tecem. As limitações impostas pela pandemia e todas as profundas transfor-
mações trazidas ao ambiente de trabalho tornaram a máxima relativamente
ultrapassada. Relativamente porque estar no lugar em que as coisas acontecem
pode até ter ganhado um significado diferente, que transcende a presença física
nas operações, mas ainda tem enorme valor.
Se, por um lado, isso pode ser encarado como uma alavanca de conectivida-
de, por outro, faz-se ainda mais necessário encontrar formas de se estar próximo
da realidade. Conhecer os objetivos estratégicos da organização e comunicar-se
com a alta liderança traz lastro aos programas de compliance, mas compreender
os pormenores das operações garante legitimidade às regras que são criadas para
serem cumpridas exatamente pelas pessoas que fazem a operação acontecer.
A composição desse conjunto precisa ser feita com critério, de modo a cobrir
amplamente os assuntos que precisam ser explorados e a melhorar ao máximo o
tempo disponível para o exercício.
O fato é que ter um grupo assim à disposição para o diálogo é uma grande
oportunidade para a equipe de compliance. É certo que o objetivo dessas conver-
sas é o entendimento dos processos e o mapeamento de riscos. Por meio delas,
porém, o operador de compliance, muitas vezes limitado ao exercício de suas 47
funções, tem a chance de conhecer melhor o negócio e aproximar-se dele. Os da-
dos coletados serão válidos para uma infinidade de outras atividades além do risk
assessment, como eventuais investigações de violações às políticas da empresa.
Se informação é poder, as noções obtidas no exercício tornam o profissional de
compliance mais sólido e, por consequência, deixam o programa mais forte.
Quanto à reunião em si, uma entrevista de risk assessment pode ser uma ja-
nela aberta para o infinito. Não há como saber de antemão a disponibilidade dos
entrevistados em revelar detalhes que envolvam diretamente o seu trabalho, uma
vez que estão conscientes de que essas informações serão objeto de avaliação
crítica da área de compliance e reportes para alta liderança.
CAPÍTULO 3
As possibilidades são inúmeras: reuniões protocolares, que pouco acrescen-
tam ao que já se conhece; entrevistas voltadas a processos e informações técni-
cas; reflexões honestas sobre erros passados; desabafos sobre ineficiências e difi-
culdades do dia a dia; manifestações preocupadas sobre riscos iminentes e reais.
Dados
Basear análises em dados é uma fórmula conhecida. Fazer isso de forma
significativa é o desafio.
• Cláusulas contratuais;
• Treinamentos aplicados;
CAPÍTULO 3
documentos, revelações e, claro, riscos mapeados, resta a pergunta: o que
fazer com tudo isso?
Nesta etapa, todos os dados obtidos ao longo do processo precisam ser or-
ganizados para que façam sentido. É interessante observar que, muitas vezes, as
referências dadas pelas fontes consultadas parecem contraditórias. Isso pode até
indicar que algumas informações recebidas sejam imprecisas, mas pode mostrar
também que, sob diferentes perspectivas, a mesma questão pode ter vieses dis-
tintos. Essa aparente assimetria demanda interpretação da equipe de compliance
para montar o quebra-cabeça de informações.
Para que o risk assessment cumpra o seu papel de orientar a direção a seguir,
é fundamental que seja feito um exercício de priorização dos riscos identificados
e das medidas mitigatórias recomendadas. Essas ações devem seguir a lógica da
plausibilidade: elas têm que poder ser executadas no plano da realidade.
CAPÍTULO 3
Conflito de interesses
Por Emir Calluf Filho*
É nesse cenário que começa a história que aconteceu comigo e que eu resolvi
contar para ilustrar o tema que me foi dado: conflito de interesses. Parecem duas
palavras simples e autoexplicativas, mas não são. Explico.
Mas para o azar de quem estava fazendo a proposta, ela havia escolhido a
pessoa errada. E eu perguntei, o que você quer dizer com sistema de parceria?
Quem cobre os custos da publicação, repórteres qualificados, fotos etc.? Foi, aí,
que a pessoa, sem o menor constrangimento começa a me explicar como, real-
mente, aquilo funcionava: “Não se preocupe, os custos são todos cobertos pe-
los seus parceiros”. Eu, sem parar de me surpreender, insisti: “Parceiros? Como
assim, quem são meus parceiros?” A pessoa respondeu: “Então, seus parceiros
são empresas/escritórios de advocacia que prestam serviço para sua empresa.
Eles ficam sabendo que vai ter uma matéria sobre você e anunciam na página da
matéria, cobrindo os custos da publicação.”
Ainda tentei ser educado, agradeci a conversa e lhe disse que aquilo não era
para mim, pois não me sentia nada confortável com esse tipo de set up, quando
fui novamente interrompido. A pessoa falou: “Não se preocupe, você não precisa
falar com os seus prestadores, você só nos passa uma lista de quem são os seus
53
principais prestadores e nós entramos em contato com eles diretamente”. Foi,
então, que percebi que teria que ser mais incisivo na conversa. Ainda tentando
ser educado, mas muito objetivamente, eu lhe disse que achava que a pessoa
não tinha entendido o meu ponto, pois eu acreditava que eticamente falando
tínhamos um imenso conflito ali e eu tinha tolerância zero para aquele tipo de
situação, portanto não seria parte de um projeto daquele tipo.
CAPÍTULO 4
E por que estou contando tudo isso neste capítulo? Porque, na minha visão,
temos um claro caso de conflito de interesses. E, também, pois para algumas pes-
soas que contei esta história ouvi de volta uma pergunta: qual é o conflito? Vários.
Quanto mais pensava no caso, pior achava o conflito e pensei comigo: será
que alguém pode fazer isso sem ver um conflito? Resolvi checar o site da refe-
rida publicação e para minha surpresa lá estavam não um nem dois, mas vários
executivos de renomadas empresas de diversos países e segmentos. Imaginando
que as pessoas que lá estão o fizeram de boa-fé e toparam fazer a matéria sem
enxergar potencial conflito, conseguimos ter uma dimensão de quão difícil pode
ser ter clareza em uma situação de conflito de interesse. Esse talvez seja um dos
54 temas mais cinzentos do compliance moderno e um dos mais cheios de nuanças
e detalhes que podem fazer toda a diferença.
Origem
Como disse acima, o tema é complexo e requer uma análise próxima para ter
um melhor entendimento. O próprio nome do tema já traz uma ideia do desafio
a ser enfrentado: conflito.
Conflito, ou seja, quando duas partes têm interesses antagônicos, é algo tão
antigo quanto o ser humano. Desde a existência da humanidade, temos regis-
tros de conflitos de maior ou menor intensidade, mais ou menos conhecidos.
E, claramente, uma vez que um ser humano faz uma plantação e constrói uma
casa, ele passará a defender isso, acarretando um número infinitamente maior de
conflitos. Passamos de uma sociedade de caçadores-coletores, focados priori-
tariamente no presente e no que precisavam para aquele momento, com posses
muito limitadas – pois só possuíam o que podiam carregar – a uma sociedade
agrícola, que sempre precisa ter o futuro em mente e trabalhar em função dele.
CAPÍTULO 4
Vale ressaltar que muitas pessoas sempre olharam somente para o lado de
cargos públicos, pois aí, quiçá, se tornaria ainda mais evidente eventual conflito.
Mas claramente o tema está cada vez mais comum tanto no âmbito público quan-
to na esfera privada e até mesmo no terceiro setor.
Fato é que o assunto vem sendo tratado com maior ênfase recentemente e
atualmente o vemos com frequência na grande maioria dos códigos de conduta,
nos quais usualmente é tratado em poucas linhas, com uma definição abaixo
exemplificada e oriunda da Norma de Certificação de Sistemas de Gestão de
Compliance Antissuborno (NBR ISSO 37001:2016):
“Veja, sobraram ingressos para um jogo que não vou poder ir e quero dá-
-los para você ir com seu filho. Trata-se de uma partida do time “A” contra o
time “B”, cujo ingresso tem valor estimado de R$ 20. Sob uma análise rápida,
a reação natural de quem avalia o caso é de que não há conflito, pois o valor é
irrelevante financeiramente. Mas digamos que a pessoa que recebeu os ingressos
é uma torcedora fanática do time “A” e que este é mesmo um jogo muito rele-
vante. Claramente, o ingresso terá um poder de influenciar aquela pessoa quiçá
muito maior do que uma entrada de R$ 200.
A lição que tiramos é que conflito de interesses não se avalia somente pelo
valor financeiro das coisas, mas também pelo interesse e pelo perfil de cada pes-
soa envolvida, pois pode ser determinante na existência ou não de um conflito.
2. Indicações em geral
Indicações podem ser lícitas e sinceras, entretanto inúmeras vezes nos depa-
ramos com indicações que trazem escondido algum interesse obscuro, que pode
suplantar o próprio objetivo da indicação.
Por fim vale mencionar a famosa Reserva Técnica (RT). Quando se está
construindo ou comprando itens para a casa com apoio de profissionais de ar-
quitetura, engenharia, decoração etc. algumas lojas ou marcas disponibilizam
para profissionais que indicam clientes uma comissão, que busca recompensar
a recomendação pelo produto ou pelo serviço. Inicialmente, já ouvi várias pes-
soas que não enxergam problemas de conflito em casos assim. Mas imagine a
situação em que o referido profissional, não pensa no melhor produto ou ser-
CAPÍTULO 4
viço para o cliente, mas meramente na comissão que receberá. Nestes casos,
o melhor interesse do cliente é posto de lado em prol de um secundário, que
acaba se tornando o principal.
3. Parentes e amigos
Sob esse aspecto talvez residam os casos mais difíceis e cinzentos de conflito
de interesses. Parentes que contratam outros familiares em detrimento de pro-
fissionais mais qualificados somente pela sua relação de parentesco. Ou paren-
tes que precisam supervisionar outros familiares e acabam sendo mais lenientes
com eles em função da relação de parentesco.
Quando falamos em amizade, a situação fica ainda mais difícil. Uma coisa
é conhecer alguém a ponto de contratá-lo para um trabalho ou para prestar um
serviço. No entanto, quanto é o suficiente para que esse conhecimento se torne
uma amizade íntima e acabe por nublar a visão sobre as reais competências de
determinado profissional?
E aqui temos uma linha muito tênue do que é aceitável e do que a ultra-
passa. Certa vez, recebi a seguinte pergunta do departamento de compliance
de uma empresa onde trabalhei: “Tenho um amigo muito capaz e competente,
posso contratá-lo? A resposta parece simples, mas não é: depende. Caso o con-
trate, você terá o discernimento necessário para saber avaliá-lo corretamente
independentemente da amizade para o bem e para o mal? Poderá demiti-lo,
quando erre? Ele estará sob a sua gestão direta? Ele tem mesmo as competên-
cias necessárias para a posição?
• O contrato com referido fornecedor iria expirar dentro de dez meses, quan-
do se faria uma nova concorrência e poderia ou não ser contratado o mesmo
fornecedor;
CAPÍTULO 4
Para qualquer profissional da área, o caso parece bastante simples. Conflito
de interesse claro seja pelo alto valor do ingresso aliado à escassez, seja pelo
recebedor do ingresso ser o gestor do contrato, seja pelo fato do contrato ser
licitado em breve.
Mesmo sendo um caso claro, a indignação do referido gestor foi tão gritante,
que um caso que seria simples acabou tomando proporções enormes pelo fato de
o conflitado alegar que aquilo não seria suficiente para conflitá-lo. Felizmente,
havia regras claras e a decisão foi mantida, mas o relacionamento com referido
gestor nunca mais retornou ao patamar anterior. Ele acabou em toda oportunida-
de que tinha por questionar as ações do departamento de compliance.
Quando viu os recibos acabou confessando que a família dele usava os servi-
ços de táxis e que ele não via um problema nisso. Como se não bastasse, ele era
o responsável pela seleção da empresa de táxi que trabalhava para a empresa. Ou
seja, selecionava a companhia que estivesse disposta a transportar seus parentes
por conta da empresa.
Mais uma vez fica claro que sem regras claras, ficamos sempre à margem de
interpretações ainda que as situações pareçam óbvias.
CAPÍTULO 4
Isso nos traz uma outra série de questões. Primeiro, a completa descrença
no sistema de integridade. Ora se existe uma denúncia, provas fartas e, também,
uma confissão, mas nada acontece, o sistema não funciona. Isso claramente inibe
outros de fazer denúncias e tira por completo a credibilidade no sistema.
Pior ainda era o fato de que a empresa tinha regras muito claras sobre as
consequências, e neste caso, por haver um interesse de priorizar lucro em detri-
mento da integridade (característica esta muito mais comum do que se imagina),
tomou-se a decisão de tratar o investigado de forma distinta.
Poderia se dizer ainda que esta foi uma decisão isolada da gestão local ou
que os fatos não teriam chegados à matriz da empresa. Infelizmente, não foi o
caso. A decisão chegou a ser debatida no conselho e apesar de existir um consen-
so sobre a falta de integridade de referido funcionário optou-se por mantê-lo em
função dos negócios que gerava para a referida organização.
Ambos os casos nos mostram que muitas vezes, apesar de nos depararmos
com situações aparentemente fáceis de serem resolvidas, temos ainda que lidar
com inúmeros fatores alheios ao trabalho do profissional de compliance, mas
que muitas vezes são determinantes na resolução de determinado caso.
1. AUTOCONFIANÇA
E o que isso quer dizer na prática? Muitas vezes, a luta será dura e no fim
podemos acabar sós, mas não podemos hesitar em fazer o certo. Mas quando a
organização em que estou inserido recusa-se a fazer o que é certo? Já ouvi inú-
meras respostas, mas infelizmente a mais eficaz é que o profissional deve ter a
coragem de deixar a empresa sob pena de violar os próprios valores e de tanto
fazê-lo acabar achando determinadas condutas aceitáveis ou até mesmo normais.
2. TRANSPARÊNCIA
Outro ponto básico, mas que muitas vezes acaba suplantando por interesses
corporativos é a transparência. É fundamental ao profissional da aérea ser sem-
pre muito claro com todos os seus stakeholders para que não existam dúvidas
sobre o seu papel ou sobre a sua função dentro da empresa.
3. INCONFORMISMO 63
É necessário dizer que, além de ir a milha extra para buscar soluções melho-
res, esse profissional deve ter o estômago necessário para continuar e implemen-
tá-las. Isso porque sempre que se busca algo diferente, há resistência e descrença
até que se demonstre que a referida solução funciona, realmente.
CAPÍTULO 4
4. RELAÇÕES INTERPESSOAIS
Além disso, um profissional hábil para construir relações, terá uma capaci-
dade muito maior de obter colaboração e cooperação dos demais colegas, seja
em investigações, na implementação de novas ações ou na divulgação da cultura
do compliance.
5. DISCERNIMENTO
Conclusão
Conflito de interesses muitas vezes parece um assunto simples, resumido a
uma frase em um código, mas é um dos temas mais complexos e delicados de
qualquer programa de compliance. Complicado não só porque muitas vezes é
cinza, mas também porque envolve interesses e emoções humanas e, portanto,
64 algo muito mais difícil de mensurar ou controlar.
Como já dito, deve ser sempre avaliado com muito cuidado, bom senso
e dever ético que o tema requer. Na atualidade, a tendência é que os confli-
tos surjam cada vez com mais frequência, seja pela maior transparência, pela
facilidade de comunicação ou pela maior integração de áreas dentro de uma
mesma organização.
Por fim, importante dizer que não existe regra para lidar com este tema que
seja infalível, mas seguramente possuir regras internas claras, com punições
que se apliquem igualmente a todos – da limpeza à presidência – se faz funda-
mental para que se tenha sucesso não só na resolução, mas principalmente na
prevenção de novos casos.
65
CAPÍTULO 4
Aspectos práticos de investigações
internacionais
Por Erica Sarubbi e Carolina Furquim*
Introdução
Uma das inegáveis características da atualidade é certamente o seu alto nível
de globalização. Desde relações interpessoais até transações multijurisdicionais,
o mundo em que vivemos atualmente é marcado por um crescente fortalecimen-
to das relações transnacionais possibilitadas pelos surgimentos de novas tecnolo-
gias, integração de sistemas financeiros, facilidade em se comunicar com aqueles
que se encontram em outro hemisfério, dentre outros fatores.
Conforme pode ser visto abaixo, dos dez maiores casos de violações aos
Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)1 em termos de valor das penalidades apli-
cadas2 pelas autoridades estadunidenses, apenas dois deles não incluíram partici-
pação de autoridades estrangeiras.
1
CASSIN, Harry. Mining and commodities giant lands on the FCPA Blog top ten list. Dispo-
nível em: https://fcpablog.com/2022/05/31/mining-and-commodities-giant-lands-on-the-fcpa-
blog-top-ten-list/. Acesso em 04 de agosto de 2022.
2
Aplicadas no contexto de acordos.
3
Jurisdições cujas autoridades governamentais estavam envolvidas em investigações de
atos relacionados às investigações conduzidas pelo Department of Justice (EUA) e pela Securi-
ties and Exchange Commission (EUA).
4
DEPARTMENT OF JUSTICE. Transcript of Press Conference Announcing Siemens
AG and Three Subsidiaries Plead Guilty to Foreign Corrupt Practices Act Violations. 2008.
Disponível em: https://www.justice.gov/archive/opa/pr/2008/December/08-opa-1112.html. 67
Acesso em: 31 de agosto de 2021.
5
Nossa tradução: “O que é potencialmente ainda mais significativo, e como este caso
deixa claro, é o fato de que os Estados Unidos não estarem sozinhos na mesa. Não somos os
únicos a combater a corrupção global. Outras nações estão se juntando a nós neste esforço, e
estou aqui para lhes dizer que isso é uma coisa boa, e algo que só veremos cada vez mais no
futuro. Por meio de instrumentos internacionais como a convenção da OCDE e a convenção
da ONU contra a corrupção, temos visto nossos parceiros internacionais intensificarem
significativamente seus esforços contra a corrupção. Tudo o que estamos vendo sugere
que esta tendência vai continuar. [...] Agora nós estamos trabalhando com nossos colegas
estrangeiros responsáveis pela aplicação da lei em investigações de suborno em um nível que
nunca tivemos antes. No passado, em um caso de jurisdição conjunta entre os Estados Unidos
e outro país, era tipicamente o caso de que somente as autoridades dos EUA teriam sucesso.
Agora é significativamente menos provável que seja esse o caso”.
CAPÍTULO 5
A seguir, trataremos de três casos que servem como excelentes exemplos
do nível de interação entre autoridades durante investigações conduzidas pa-
ralelamente sobre alegações em comum: (i) Samsung Heavy Industries; (ii)
Airbus; e (iii) Technip.
A colocação feita pelo DOJ é muito significativa pois demonstra: (i) o alto
nível de interação e troca de informações entre as autoridades estadunidenses
6
CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Leniência: CGU, AGU e MPF celebram acordo
com a Samsung Heavy Industries. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/
noticias/2021/02/leniencia-cgu-agu-e-mpf-celebram-acordo-com-a-samsung-heavy-industries.
Acesso em: 31 de agosto de 2021.
7
DEPARTMENT OF JUSTICE. Samsung Heavy Industries Company Ltd Agrees to Pay $75
Million in Global Penalties to Resolve Foreign Bribery Case. 2019. Disponível em: https://www.
justice.gov/opa/pr/samsung-heavy-industries-company-ltd-agrees-pay-75-million-global-penal-
ties-resolve-foreign. Acesso em: 31 de agosto de 2021.
69
8
Ibid.
9
Nossa tradução: “Conforme seu acordo com o Departamento, a Samsung Heavy Industries
comprometeu-se a pagar uma multa total de US$ 75.481.600 [...] 50 por cento (US$37.740.800)
dos quais serão pagos ou às autoridades brasileiras consoante os acordos entre a Samsung Heavy
Industries e a Controladoria-Geral da União (CGU), o Advogado-Geral da União (AGU) e o Mi-
nistério Público Federal (MPF), ou serão pagos aos Estados Unidos se pelo menos US$37.740.800
dos pagamentos não forem feitos às autoridades brasileiras em 25 de novembro de 2020 ou antes
dessa data. Em procedimentos relacionados no Brasil, a Samsung Heavy Industries firmou um
memorando de entendimento com a CGU e a AGU e um acordo complementar para a negociação
de um acordo de leniência com o MPF”.
10
“In the past, in a case of joint jurisdiction between the United States and another country, it
was typically the case that only the U.S. prosecution would succeed. That is now significantly less
likely to be the case”.
CAPÍTULO 5
11
11
Disponível em: http://paineis.cgu.gov.br/corregedorias/index.htm. Acesso em: 1º de setem-
bro de 2021.
12
DEPARTMENT OF JUSTICE. Airbus Agrees to Pay over $3.9 Billion in Global Penalties
to Resolve Foreign Bribery and ITAR Case. 2020. Disponível em: https://www.justice.gov/opa/pr/
airbus-agrees-pay-over-39-billion-global-penalties-resolve-foreign-bribery-and-itar-case. Acesso
em: 2 de setembro de 2021.
13
Embora o acordo global inclua apenas os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, uma
dúzia de outras jurisdições foram envolvidas nos esforços investigativos, como a Alemanha e a
Espanha. Veja: https://www.forensicrisk.com/results/case-study/airbus/. Acesso em: 2 de setembro
de 2021.
14
DEPARTMENT OF JUSTICE. TechnipFMC Plc and U.S.-Based Subsidiary Agree to Pay
Over $296 Million in Global Penalties to Resolve Foreign Bribery Case. 2019. Disponível em:
https://www.justice.gov/opa/pr/technipfmc-plc-and-us-based-subsidiary-agree-pay-over-296-
million-global-penalties-resolve. Acesso em: 31 de agosto de 2021.
CAPÍTULO 5
Para além dos acordos formais celebrados com autoridades estadunidenses e
brasileiras, o comunicado emitido pelo DOJ sobre o caso menciona ainda as sig-
nificativas contribuições de outros países para investigação desse caso, em suas
palavras: “The governments of Australia, Brazil, France, Guernsey, Italy, Mo-
naco and the United Kingdom provided significant assistance in this matter, as
did the Criminal Division’s Office of International Affairs.”15 16 Essa colocação é
muito significativa e ajuda a exemplificar a crescente complexidade de investiga-
ções envolvendo diversas autoridades de múltiplas jurisdições. Fica evidente que
investigações internacionais são conduzidas a muitas mãos, por diversas autori-
dades ao redor do mundo, cada uma com seu timing, suas leis e particularidades
locais, o que claramente representa um desafio per se.
Do exposto acima fica claro que nos últimos anos investigações internacio-
nais aumentaram tanto em número quanto em complexidade, uma tendência que
promete se manter, ao menos no curto prazo.
72
15
Ibid. Além da colocação acima, o comunicado à imprensa emitido pelo DOJ descreve outros
comentários feitos por agente públicos estadunidenses envolvidos no caso da TechnipFMC Plc: (i)
“[The resolution] It is a testament to the strength and effectiveness of international coordination
in the fight against corruption” (procurador geral adjunto da Divisão Criminal do DOJ, Brian
Benczkowski); (ii) “Today’s resolutions are the result of a continuing multinational effort to hold
accountable corporations and individuals who seek to win business through corrupt payments to
foreign officials” (procurador, Richard P. Donoghue); (iii) “Today’s charges demonstrate not only
the capabilities of the FBI personnel who investigate international corruption, but the successful
results of strong partnerships in the international community” (Diretor-Assistente da Divisão de
Investigação Criminal do FBI, Robert Johnson).
16
Nossa tradução: “Os governos da Austrália, Brasil, França, Guernsey, Itália, Mônaco e Rei-
no Unido forneceram assistência significativa neste assunto, assim como o Escritório de Assuntos
Internacionais da Divisão Criminal”.
Uma vez cientes sobre quais condutas devem ser investigadas, é necessário 73
avaliar quais jurisdições e quais autoridades podem ter envolvimento no caso,
tanto do ponto de vista de onde as condutas aconteceram, mas também determi-
nar quais países podem reivindicar jurisdição sobre o caso ainda que as condutas
não tenham ocorrido em seu território (e.g., possibilidade de aplicação extrater-
ritorial do FCPA).
CAPÍTULO 5
para as condutas e as empresas envolvidas em um caso. É importante ter em
mente que países diferentes proíbem e punem condutas diferentes. Por exemplo,
nos Estados Unidos, o FCPA contém dispositivo específico para punir empresas
que não mantêm registros contábeis precisos e adequados. Já o Reino Unido pro-
íbe corrupção entre privados. Por sua vez, a Lei Anticorrupção Brasileira permite
a responsabilização de pessoas jurídicas pelas práticas de atos fraudulentos em
licitações e contratos com a administração pública.
c. Timing
17
Muitas vezes investigações internacionais são realizadas em subsidiárias sediadas em países
diferentes de sua matriz de onde, muitas vezes, a investigação se inicia.
CAPÍTULO 5
Código Penal, Código de Processo Civil, Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994)
e Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A pro-
teção vem do amplo dever (e prerrogativa) de confidencialidade do advogado.
Nos Estados Unidos, ambas as proteções descritas acima têm extensa aplica-
ção, são amplamente respeitadas por advogados adversários e autoridades gover-
namentais e contam com extensa jurisprudência sobre o tema. Já no Brasil, esse
tópico não tem a mesma permeabilidade, embora venha sendo cada vez mais
discutido e debatido com a crescente exposição de advogados às mais variadas
proteções concedidas aos trabalhos de advogados e comunicações entre cliente e
advogados ao redor do mundo.
18
Norris, Evan. How Enforcement Authorities Interact. 2020. Disponível em: https://globalin-
vestigationsreview.com/review/the-investigations-review-of-the-americas/2020/article/how-en-
forcement-authorities-interact. Acesso em: 03 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 5
de um pedido. É comum que autoridades se utilizem dessa via para obtenção de
informações no contexto de investigações internacionais. Um ponto importante
e que pode representar um risco às investigações internas conduzidas por em-
presas, é a dificuldade das equipes de investigação de obter acesso aos dados e
documentos compartilhados por outras jurisdições com base em um pedido de
MLAT. Esse é um ponto relevante, pois pode enfraquecer a estratégia de coo-
peração de uma empresa com autoridades em uma determinada jurisdição, em
função do compartilhamento de dados proveniente de uma investigação paralela
em outra jurisdição que, por vezes, pode se encontrar em um momento mais
avançado do processo de cooperação, tendo tido acesso à documentos ainda não
compartilhados com outras autoridades.
Conclusão
A realização de investigações internacionais envolvendo múltiplas autorida-
des estrangeiras é uma tendência que vem se intensificando nos últimos anos, a
qual não temos motivo para acreditar que não irá continuar no futuro próximo.
Claramente essas são investigações com alto nível de complexidade, seja por
questões levantadas por diferenças culturais, de idiomas e legislações, mas tam-
bém pelas dificuldades de alinhar a realização de múltiplas frentes de trabalho e
eventuais interações com autoridades que trabalham em ritmos diferentes, com
expectativas diferentes.
79
CAPÍTULO 5
Medidas disciplinares
Por Everson Bassinello*
1. Contexto
Um programa de conformidade genuíno, instituído de forma robusta e efeti-
va, será aquele que contar com o comprometimento da alta administração, mas
também que definir de forma clara e objetiva medidas preventivas, detectivas e
corretivas, no intuito de identificar e mitigar riscos de conformidade.
A empresa deve ter diretrizes e normas internas que especifiquem quais são
as medidas disciplinares previstas e os casos em que se aplicam. Importante que
também haja procedimentos estabelecendo as responsabilidades de apuração dos
fatos, bem como de definição e de aplicação das medidas disciplinares.
CAPÍTULO 6
• Relacionadas aos contratos de bens e serviços: ser responsável, estar envol-
vido ou ser complacente com práticas ilegais, durante processos de contratação
de serviços ou compra de bens junto a fornecedores, tais como: cartel, prática de
sobrepreço, falsidade declaratória, entre outras práticas relacionadas.
3. Princípios
Os seguintes princípios podem ser observados, quando da avaliação da falta
disciplinar:
• Princípio da dupla punição: para cada ato faltoso deve corresponder uma
única medida disciplinar, ou seja, não se aplicando duas ou mais penalidades por
conta do mesmo ato, salvo disposição contrária da legislação local.
São exemplos de medidas disciplinares que podem ser aplicadas, não limita-
das a estas, de acordo com a legislação de cada país:
CAPÍTULO 6
5. Outras medidas
Além das medidas supracitadas, caso aplicável, caberá à empresa analisar
a necessidade e a viabilidade de adoção de outras medidas, educativas e até
legais, como:
6. Comitê disciplinar
A adoção de um comitê de ética ou disciplinar pode ajudar a organização e
os líderes na análise dos fatos de forma imparcial e na definição da medida dis-
ciplinar mais adequada. Tal órgão deve ser composto com profissionais seniores,
de diferentes áreas de expertise (Recursos Humanos, Jurídico, Compliance etc.),
Esse grupo pode também apoiar na resolução de dilemas éticos não previstos
nas normativas, dirimir dúvidas sobre situações controversas e garantir a manu-
tenção de uniformidade de critérios utilizados em casos semelhantes.
CAPÍTULO 6
as comunicações da empresa transmitem aos seus funcionários que a conduta
antiética não será tolerada e trará consequências imediatas, independentemente
da posição ou título do funcionário que se envolver na conduta.
9. Considerações finais
Os colaboradores devem compreender e se comprometer a cumprir totalmente
com o Código de Conduta da empresa e devem estar cientes de que os desvios de
suas disposições por ação, omissão ou complacência prejudicam a sociedade e
podem violar leis, além de macular a imagem e a reputação da companhia.
Importante reforçar que não basta a alta administração definir valores, regras
e condutas esperadas no seu mais alto grau aspiracional, registrados em docu-
mentos e disseminados verbalmente. Na prática, a cultura de integridade de uma
organização será moldada pelo pior comportamento que o líder estiver disposto
a tolerar. Daí a relevância do líder de além de estabelecer o tom adequado, de
CAPÍTULO 6
ser de fato exemplo de conduta ética ao se deparar com questões dessa natureza
e tomar a decisão correta. Todos observarão e tenderão a seguir essa conduta.
Referências Bibliográficas:
Programa de Integridade - Diretrizes para Empresas Privadas - Controladoria Geral da União
(CGU). Brasília, setembro de 2015.
Avaliação dos Programas de Conformidade Corporativa - Divisão Criminal do Departamento
de Justiça dos EUA (DOJ). Washington, junho de 2020.
88
CAPÍTULO 6
Compliance no setor farmacêutico
Por Felipe Ferenzini, Heloisa Uelze e Henrique Frizzo*
Introdução
O setor farmacêutico possui características únicas decorrentes de seus va-
lores essenciais: o melhor cuidado com a saúde do paciente e a autonomia do
profissional de saúde. A tarefa de se conciliar as crescentes pressões comerciais
e a ascendente complexidade de acesso ao mercado com a manutenção de um
ambiente íntegro de negócios, que prestigie esses valores essenciais, pode se
mostrar um tanto desafiadora.
1
Physician Payments Sunshine Act é uma lei dos Estados Unidos criada em 2010 para aumen-
tar a transparência na relação financeira entre médicos, hospitais e fabricantes de produtos para a
saúde a fim de minimizar eventuais conflitos de interesse. Essa norma cria o dever de os fabricantes
comunicarem anualmente os Centers for Medicare & Medicaid Services sobre os pagamentos
realizados em benefício de médicos.
CAPÍTULO 7
mento aos pacientes, afinal, é importante que os profissionais da saúde conhe-
çam as opções de tratamento disponíveis.
CAPÍTULO 7
Com a pandemia, houve uma mudança de cenário da prática da indústria.
As reuniões, que eram eminentemente presenciais, passaram a ser virtuais. Essa
nova realidade reforçou a relevância de se fazer registros e monitoramento das
interações promocionais virtuais.
Nesses casos, algumas regras de ouro são aplicáveis para que a relação com
os agentes públicos seja transparente, pautada por ausência de conflito de inte-
resses e voltada ao melhor interesse da saúde dos pacientes.
A regra basilar sobre a relação com agentes públicos é a de que não se pode
oferecer nem se prometer vantagem que possa influenciar na tomada de decisão
pelo agente público. Violações a essa regra, além de antiéticas, têm consequên-
cias gravíssimas. Além disso ser considerado crime de corrupção cometido pelos
envolvidos, violações dessa natureza podem gerar ainda sanções fundamentadas
na Lei Anticorrupção e/ou na Lei de Improbidade Administrativa para a empresa
envolvida na prática, com a aplicação de multas que podem chegar ao patamar
Nesse cenário, mesmo um profissional de saúde que não seja agente em sua
atividade principal, poderá ter função equivalente à de agente público em relação à
CAPÍTULO 7
Conitec ou a outro órgão regulatório. Portanto, a recomendação de fazer constar
o dever de declarar conflito de interesses à alta gestão do órgão público, a que
eventualmente se vincular, também se aplica às relações com profissionais da
saúde da área privada.
O agente público também poderá aceitar convites para café da manhã, almo-
ço ou jantar para tratar de assuntos relacionados com suas funções institucionais.
Nesse caso, deve informar a seu superior hierárquico e registrar nos sistemas
internos do órgão. É vedado o convite para eventos de entretenimento ou que
contenham entretenimento (exceto quando apenas há música ambiente para os
convidados). A alimentação não deve ser luxuosa e tampouco envolver bebidas
2.d - Doações
Algumas precauções são essenciais para se formalizar doações, como: (i) ve-
rificar se há legislação específica que regulamente a doação para aquele órgão e
que pode prever procedimentos específicos, como manifestação de interesse; (ii)
firmar contrato ou instrumento de doação delimitando o bem doado e as condi-
ções da doação e estabelecendo que a doação é espontânea e não condicionada a
nenhum benefício; (iii) monitorar a entrega e solicitar prestação de contas caso a
doação seja para uma finalidade específica; (iv) assegurar que a doação não seja
utilizada para fins pessoais de agente público; (v) verificar ausência de conflito
de interesses e (vi) realizar background check da entidade que receberá a doação
para se avaliar potencial exposição reputacional.
Além disso, o contato com pacientes, usualmente realizado por meio dos 97
canais da empresa, não pode se imiscuir na função de profissional da saúde, ou
seja, não pode prescrever nem recomendar produtos e tratamentos e deve sempre
orientá-los a procurar um médico. Também não pode dar qualquer informação
sobre uso off-label.
CAPÍTULO 7
Esses programas devem ser estruturados de forma a não influenciar indevi-
damente a prescrição nem propiciar a coleta irregular de dados dos pacientes.
Portanto, os profissionais da saúde não devem ser incentivados a influenciar
indevidamente os pacientes, estimulando-os a ingressarem no PSP e receberem
o tratamento. O PSP também não deve auxiliar indevidamente o paciente a
obter o tratamento. Tampouco a área ou o terceiro que estiver coordenando o
PSP poderá fornecer informações sobre o tratamento de pacientes para a área
comercial da empresa.
A relação dos fabricantes com tais associações também requer cuidados, pois
há um número relevante de investigações envolvendo o uso irregular de associa-
ções de pacientes para viabilizar o ajuizamento de ações judiciais solicitando o
fornecimento de medicamentos de alto custo para pacientes sem condições fi-
nanceiras, fenômeno conhecido como “judicialização da saúde”. Usualmente os
casos investigados pelas autoridades envolvem apoio financeiro de fabricantes
de medicamentos para determinada associação de pacientes, que possui relação
com advogados (ou até advogados em sua própria composição), os quais repre-
sentam pacientes em demandas que buscam o fornecimento do medicamento da
fabricante que fornece apoio financeiro.
Assim, a relação com associações de pacientes deve ser pautada pelo interes-
98 se dos pacientes, limitada ao fornecimento de informações e esclarecimentos de
dúvidas sobre o tratamento e, preferencialmente, conduzidas por profissionais da
área médica da empresa e não da sua área comercial.
CAPÍTULO 7
estabelecimentos e não para os balconistas ou profissionais que façam a dis-
pensação dos medicamentos.
Ainda ao que se refere a distribuidores, uma conduta usual e, que já foi con-
siderada como ilícita pela jurisprudência, é a criação de novas empresas pelo dis-
tribuidor à medida que o faturamento aumenta para que siga participando de li-
citações como micro ou pequena empresa, usufruindo dos benefícios destinados
apenas à micro e pequenas empresas (ex. direito de preferência em empate ficto,
licitação exclusiva, reserva de cota, dentre outros). Portanto, no monitoramento
dos distribuidores é recomendável verificar se eventualmente estão se valendo
desse artifício ilícito, já que a fabricante também pode vir a ser responsabilizada
juntamente pela Lei Anticorrupção.
No tema licitações, outro cuidado que deve haver é o de não interferir nas
propostas dos distribuidores caso eventualmente compitam com a fabricante em
um mesmo certame. Deve haver independência e não se podem discutir as pro-
postas previamente à licitação. Outro mecanismo de controle relevante em licita-
ções é o de monitoramento constante para capturar eventuais ações concertadas
dos distribuidores que possam gerar divisão de clientes públicos, por meio de
cartéis para fraudar licitações.
Por fim, há situações em que uma clínica pode ser cliente e revendedor de me-
dicamentos. Nesse caso, a concessão de descontos deve seguir critérios objetivos
e razoáveis para que não seja interpretada como forma de influenciar a prescrição.
101
7. Licitações para vendas ao governo
CAPÍTULO 7
como políticas de preços bem definidos. Os colaboradores que atuam direta-
mente com licitações devem ter consciência de que não podem atuar como se
fossem do governo, por exemplo, auxiliar o governo na elaboração dos editais e
a responder a impugnações apresentadas.
Outra área de risco nas licitações são as contratações diretas (sem competi-
ção), por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Tais contratações usualmen-
te são objeto de maior escrutínio pelas autoridades e, por isso, geram maior
risco. Durante a pandemia ainda foram editadas legislações que permitiram a
contratação emergencial sem licitação. Assim, inúmeras fraudes foram iden-
tificadas nas contratações no setor da saúde com muitos executivos e agentes
públicos presos por todo o Brasil.
2
https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2021/07/policia-federal-completa-
-mais-de-100-operacoes-contra-fraudes-relacionadas-as-acoes-de-enfrentamento-a-pandemia
Conclusão
O setor farmacêutico e da saúde é de alto risco para o compliance, pois é
altamente regulado, possui o governo como um relevante comprador e tem um
número expressivo de atores com atribuições distintas.
https://eticasaude.org.br/files/Marco_de_Consenso_II_27_de_agosto_2021.pdf
3
CAPÍTULO 7
Para além da relação com a agentes públicos, a complexa regulação do se-
tor e a sensibilidade do tema de saúde traz outras preocupações ao profissional
de compliance. Diversas condutas, como atividades promocionais abusivas,
relacionamentos escusos com profissionais prescritores e associações de pa-
cientes podem trazer consequências jurídicas e reputacionais extremamente
danosas para as empresas.
CAPÍTULO 7
Shadow investigation
Por Giovanni Paolo Falcetta, Franco Mikuletic Neto, Fran-
cisco Antonio Parada Vaz Filho e Gabriel Fabri Bella*
A auditoria independente, por sua vez, tem como objetivo aumentar o grau
de confiança dos usuários das DFs em relação àquelas informações financeiras
apresentadas. Esse aumento de confiança ocorre por meio da expressão de uma
opinião por parte de auditor independente sobre se as DFs foram elaboradas
em conformidade com uma estrutura de relatório financeiro aplicável e apre-
sentadas adequadamente, em todos os aspectos relevantes, de acordo com as
práticas contábeis aplicáveis. Também é pressuposto da auditoria que o usuário
das DFs tenha conhecimento apropriado do escopo e alcance dos procedimen-
tos executados pelos auditores independentes3.
Nesse sentido, para que o auditor independente emita sua opinião sobre
as DFs, é condição imperativa determinada nas NBCs TA que ele obtenha um
nível de segurança razoável de que tais DFs como um todo estão: “livres de
distorção relevante, independentemente se causadas por fraude4 ou erro”5.
2
NBC TA 200. P.5. https://cfc.org.br/tecnica/normas-brasileiras-de-contabilidade/nbc-ta-de- 107
-auditoria-independente/
3
Conforme o NBC TA 260 – Comunicação com os Responsáveis pela Governança está entre
os objetivos do auditor: “comunicar claramente aos responsáveis pela governança as suas respon-
sabilidades em relação à auditoria das demonstrações contábeis, e uma visão geral do alcance e da
época planejados da auditoria”. P.3. SRE – Sistema de Resoluções (cfc.org.br).
4
Apesar do seu conceito jurídico mais amplo, ressaltamos aqui a definição de fraude da
NBC TA 240 – Responsabilidade do auditor em Relação a Fraude, no Contexto da Auditoria
de DFs, que a descreve como “o ato intencional de um ou mais indivíduos da administração,
dos responsáveis pela governança, empregados ou terceiros, que envolva dolo para obtenção
de vantagem injusta ou ilegal”. Ao contrário do erro, a fraude pressupõe a intenção no ato, sen-
do, portanto, a característica que a distingue. NBC TA 240. P.4. https:https://www2.cfc.org.br/
sisweb/sre/detalhes_sre.aspx?Codigo=2016/NBCTA240(R1)
5
NBC TA 200. P.2. https://cfc.org.br/tecnica/normas-brasileiras-de-contabilidade/nbc-ta-de-au-
ditoria-independente/
CAPÍTULO 8
As NBCs TA estabelecem que, para se chegar ao nível de segurança razo-
ável, é de responsabilidade do auditor:
6
Distorção é a diferença entre o valor, a classificação, a apresentação ou a divulgação de (i)
uma demonstração financeira relatada e (ii) do que é exigido para que o item esteja de acordo com
a estrutura de relatório financeiro aplicável. Em geral são consideradas relevantes “se for razoável
esperar que, individual ou conjuntamente, elas influenciem as decisões econômicas dos usuários
tomadas com base nas DFs”. NBC TA 200. P. 3 e 5. https://cfc.org.br/tecnica/normas-brasileiras-
-de-contabilidade/nbc-ta-de-auditoria-independente/
7
NBC TA 580 – Representações Formais. P.9. https://www2.cfc.org.br/sisweb/sre/detalhes_
sre.aspx?Codigo=2016/NBCTA580(R1)
8
NBC TA 200. P.2. https: SRE - Sistema de Resoluções (cfc.org.br)
9
Conforme o NBC TA 250 - Consideração de Leis e Regulamentos na Auditoria de DFs, não
conformidades são “atos de omissão ou cometimento, intencionais ou não, praticados pela enti-
dade ou pelos responsáveis pela governança, pela administração ou por outras pessoas físicas que
trabalham para a entidade ou sob seu comando que são contrários às leis ou regulamentos vigentes.
A não conformidade não inclui conduta imprópria individual (não relacionada com as atividades
de negócios da entidade)”. NBC TA 250. P.4. https: SRE - Sistema de Resoluções (cfc.org.br)
10
O NBC TA 250 estabelece responsabilidades, ainda que distintas, ao auditor perante a
conformidade de duas categorias de leis e regulamentos: (i) com efeito direto “na determinação
dos valores e das divulgações relevantes nas demonstrações contábeis” e (ii) com efeito rele-
vante “para os aspectos operacionais do negócio, para a capacidade de a entidade continuar com
os negócios ou para evitar penalidades relevantes”. NBC TA 250. P.3. https: SRE - Sistema de
Resoluções (cfc.org.br)
CAPÍTULO 8
funcionários e terceiros envolvidos, bem como avaliar se existem potenciais
consequências jurídicas e financeiras.
11
Importante pontuar que o CTA 30 possui um propósito mais amplo. Trata-se de uma orienta-
ção/guia ao auditor independente sobre a abordagem em seus trabalhos de auditoria em entidades
envolvidas em assuntos relacionados a não conformidade (ou suspeita de não conformidade) com
leis e regulamentos, categoria na qual se incluem atos ilegais e fraude. Também orienta o auditor
na avaliação dos impactos desses assuntos nas DFs. Pontua ainda quais aspectos precisam ser con-
siderados pelos auditores, além de procedimentos e avaliações a serem realizados.
CAPÍTULO 8
envolvidas com assuntos relacionados a não conformidade (ou suspeita de não
conformidade) e com leis e regulamentos, incluindo atos ilegais e fraude.
12
NBC TA 620 - Utilização do Trabalho de Especialistas. SRE - Sistema de Resoluções (cfc.
org.br).
Nesse sentido, o CTA 30 também descreve uma lista de fatores14 que podem
ser considerados pelos auditores na definição da inconsequência do assunto em
investigação. De forma geral, mas não exclusiva, são usualmente alvos de pro-
cedimentos de shadow as investigações internas relacionadas a alegações com
potenciais impactos sobre (i) as DFs; (ii) a credibilidade da companhia, dos ad-
ministradores ou de empregados com funções significativas na preparação das
informações das DFs ou em controles internos relevantes; ou ainda que resultem
em (iii) uma possível violação de leis e regulamentos. O auditor externo pode,
13
No presente texto trataremos sobre a investigação interna (i) conduzida pelos profissionais
da própria companhia, ainda que conte com auxílio externo; e (ii) aquela conduzida unicamente
por assessores externos, de maneira independente, reportando à companhia de acordo com sua 113
governança. A investigação defensiva, feita para munir a companhia de provas para um processo
judicial ou procedimento administrativo, por ter natureza diversa, não será alvo de nossa análise.
14
O CTA 30 lista alguns fatores que o auditor poderá considerar nessa análise: se o fato “(a)
resulta de uma violação intencional de leis e regulamentos; (b) pode ser atribuído a ambientes de
alta pressão; (c) beneficiou a entidade ou indivíduos na entidade; (d) refere-se a uma questão de
interesse público; (e) tem relação direta com a operação da entidade; (f) refere-se a um indiví-
duo com funções significativas no controle interno ou envolvido no processo de elaboração das
DFs; (g) pode envolver membros da administração e inclusive afetar a avaliação da integridade
da administração e consequentemente a capacidade do auditor de confiar nas representações da
administração; (h) pode ter potencial reflexo relevante sobre a avaliação dos controles internos da
entidade; e (i) tem potenciais impactos relevantes, com base na NBC TG 25 – Provisões, passivos
e ativos contingentes ou outras normas contábeis relevantes”, dentre outros. P.10. SRE – Sistema
de Resoluções (cfc.org.br).
CAPÍTULO 8
então, de acordo com as análises efetuadas e com apoio de seu time forense, de-
cidir se a investigação deve ou não sofrer os procedimentos de shadow.
Com base nessa reflexão, é importante pontuar que não são todos os ce-
nários que ensejam a contratação de um investigador especializado indepen-
dente, como em casos nos quais os membros da alta administração não estão
diretamente ou indiretamente envolvidos no fato alegado. Nesse caso, é im-
portante que a companhia busque tornar a investigação interna independente,
procurando distanciar ao máximo o cargo dos investigadores dos investiga-
dos, tanto do ponto de vista hierárquico, quanto do ponto de vista pessoal,
criando, por exemplo, um comitê de reporte independente. E, caso aplicável,
adoção de medidas de afastamentos temporários dos funcionários potencial-
mente envolvidos. Lembrando que a questão de independência é primaria-
mente importante ao stakeholders internos da empresa de uma investigação,
sejam esses membros do Conselho de Administração, órgãos de governança,
acionistas, dentre outros. O fato de a independência estar presente nesse pro-
cesso é importante por aumentar a credibilidade nos resultados apresentados
e não investigação como um todo.
Convém lembrar que alguns dos aspectos avaliados pela equipe de shadow
é a objetividade e habilidade dos investigadores. Isso significa dizer que os
investigadores escolhidos pela companhia precisam ter independência e com-
petência apropriadas. Alguns exemplos do que podem ser entendidos como
114 pontos de atenção para a equipe de shadow, vez que as normas de contabili-
dade ditam que a confiabilidade da evidência de auditoria é maior quando ela
é obtida de fontes independentes: (i) a realização de uma investigação interna
que possui um claro conflito de interesses entre investigado e investigador;
(ii) investigação interna que está sendo conduzida por alguém que não tem
conhecimento técnico sobre o assunto; (iii) o investigador está diretamente ou
indiretamente exposto ao resultado da investigação interna.
CAPÍTULO 8
derivados das alegações. Um dos aspectos principais do escopo é o seu período
relevante, o qual compreende o espaço de tempo decorrido que será objeto
de análise dos investigadores. Isto é, todos os procedimentos serão realizados
pelos investigadores com o intuito de obter fatos e esclarecimentos sobre os
aspectos do escopo, dentro de um período relevante definido.
Com base nas alegações e seus aspectos, além dos resultados de avaliações
preliminares, como análise inicial de documentos e entrevistas de entendimen-
to, os investigadores terão condições de selecionar os empregados que são
(ou aparentam ser) relevantes para o escopo dos trabalhos. Esses empregados
serão conhecidos posteriormente no curso da investigação interna como cus-
todiantes, ou seja, aqueles que detêm a custódia de dados, especialmente não
estruturados (por exemplo, e-mails e documentos eletrônicos). O conjunto de
informações desses custodiantes formará uma parte importante da base de da-
dos da investigação interna.
Faz parte do processo de shadow entender se essa seleção foi feita de for-
ma condizente com as alegações, o escopo e o período relevante. Isso porque
a não inclusão de um custodiante pode afetar diretamente o resultado da in-
vestigação interna, vez que dados potencialmente relevantes deixariam de ser
analisados. Caso julgue necessário para sua obtenção de segurança razoável, a
equipe de shadow pode recomendar outros possíveis custodiantes à organiza-
ção e aos investigadores.
CAPÍTULO 8
Com a definição dos custodiantes15, os investigadores entram na fase de aná-
lise de dados , ou seja, etapa em que os documentos e as informações dos funcio-
nários são coletados, processados e, finalmente, analisados pelos investigadores.
15
A análise dos dados contempla a verificação de dados estruturados e não estruturados. Con-
forme já pontuado, dados não estruturados são, por exemplo, documentos eletrônicos e e-mails.
Por sua vez, dados estruturados são, por exemplo, dados extraídos de sistemas internos da compa-
nhia, como registros de pagamentos do SAP, logs de entrada, dentre outros.
Isso nos leva a um outro ponto relevante: palavras-chave. Essas são elabo-
radas pelos investigadores com o objetivo de selecionar, dentro do universo de
documentos da base de dados (de todos os custodiantes selecionados), aqueles
que possuem maior potencial de serem relevantes para o escopo. As palavras-
-chave, de forma sucinta, irão filtrar os documentos existentes, criando uma
base de documentos que será revista e analisada pelos investigadores, procedi-
mento conhecido como revisão de documentos eletrônicos.
Após a análise dos dados pelos investigadores, é uma boa prática que a
equipe de shadow tenha acesso aos documentos selecionados como relevan-
tes e uma amostra daqueles selecionados como não relevantes. Isso ocorre
por dois motivos: (i) os documentos selecionados pelos investigadores como
relevantes para o escopo da investigação têm maior probabilidade de indica-
rem situações que possam ensejar distorções relevantes nas DFs ou impactar a 119
confiabilidade da administração e outros empregados-chave para os auditores
independentes. Com a possibilidade dessa verificação no curso da investigação
interna, antes da elaboração do relatório final pelos investigadores, a equipe de
shadow poderá solicitar aos investigadores novos procedimentos, como novas
buscas na base de dados ou até inclusões de novos custodiantes, facilitando o
andamento dos trabalhos e evitando retrabalho após a finalização da investiga-
ção interna; e (ii) a análise de uma amostra de documentos selecionados como
não relevantes pelos investigadores é um meio pelo qual a equipe de shadow
avalia a qualidade dos trabalhos realizados, verificando, dentre os documentos
descartados, se algo referente às alegações deixou de ser analisado.
CAPÍTULO 8
Em muitos casos, especialmente aqueles que possuem alegações de algum
tipo de fraude interna, manipulação de valores da companhia e/ou qualquer
tipo de desvio de valores, é comumente realizada também a análise financeira.
A partir dos resultados preliminares desses testes, não são raras as vezes
em que os investigadores avaliam e discutem com as instâncias apropriadas
na companhia se o escopo da investigação interna precisaria ser ajustado ou
ampliado. Principalmente se forem identificadas evidências de fraudes, ou
até mesmo indícios de outros desvios de condutas (incluindo não conformi-
16
Layout padronizado, exemplo: bancos de dados que apresentem sempre as mesmas infor-
mações nas colunas de registros de transações, como nome do fornecedor, data da compra, valor
de pagamento, impostos, dentre outros.
CAPÍTULO 8
conter de forma clara e objetiva todos os procedimentos realizados, a meto-
dologia aplicada, as suas limitações, os resultados obtidos, as conclusões e as
recomendações, quando aplicáveis.
Isso significa dizer que, por meio da shadow, os auditores devem, de forma
independente, avaliar o procedimento realizado e os resultados obtidos pela
companhia para formar sua opinião de auditoria sobre as DFs. Ainda mais
considerando que investigações internas, a depender da natureza do assunto e 123
de suas conclusões, podem representar um fator de risco crítico para possíveis
distorções relevantes nas DFs.
17
Representação formal, para fins das normas de auditoria, é “uma declaração escrita pela
administração, fornecida ao auditor, para confirmar certos assuntos ou suportar outra evidência
de auditoria. Representações formais, neste contexto, não incluem as demonstrações contábeis, as
afirmações nelas contidas ou livros e registros comprobatórios”. NBC TA 580. P.3. SRE - Sistema
de Resoluções (cfc.org.br)
CAPÍTULO 8
comunicação dos incidentes aos auditores independentes pode trazer enormes
benefícios para a companhia uma vez que a bem fundamentada utilização da
shadow (sem extremismos de ambos os lados) pode criar uma sinergia es-
sencial para o desempenho dos trabalhos dos auditores independentes, para a
governança da organização e para o trabalho dos investigadores.
124
CAPÍTULO 8
Canal de denúncias:
um aliado para a integridade
e para a agenda ESG
Por Guilherme Misale e Tatiane Zichi*
Introdução
Este capítulo procura discorrer sobre algumas questões gerais e contempo-
râneas em relação ao canal de denúncias. Como premissa, é fundamental que
a organização compreenda a importância de internalizar uma verdadeira e ins-
piradora cultura de ética e integridade no dia a dia dos negócios, com apoio
inequívoco e sustentado da alta direção, com ações que reflitam o propósito da
conformidade e, assim, espraiando-a perante toda a organização, motivando co-
laboradores, parceiros, consumidores etc.
1
A título de referência, a existência de “canais de denúncia de irregularidades, abertos e ampla-
mente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes
de boa-fé” é um parâmetro a ser avaliado dentro do programa de integridade para fins da dosimetria
da Lei Anticorrupção (vide art. 7º, VIII, da Lei nº 12.846/2013 e arts. 41 e 42, X, do art. 56 e 57, X,
do Decreto nº 11.129/2022). Da mesma sorte, na Lei das Estatais verifica-se que, em se tratando das
regras de estrutura e práticas de gestão de risco e controle interno a serem adotadas pelas empresas
públicas e sociedades de economia mista, o Código de Conduta e Integridade a ser elaborado deve
dispor, dentre outros, sobre “canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas
e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas
internas de ética e obrigacionais”; e “mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de
retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias” (art. 9º, §1º, III e IV, da Lei nº 13.303/2016).
2
O termo apareceu pela primeira vez na publicação “Who Care Wins – Connecting Financial
Market to a Changing World”, publicada em 2004 pela International Finance Corporation, supor-
tada pelo Banco Mundial e diversas instituições financeiras (Disponível em: <https://d306pr3pi-
se04h.cloudfront.net/docs/issues_doc%2FFinancial_markets%2Fwho_cares_who_wins.pdf>). A
temática ESG vem ganhando mais eco ao redor do mundo, destacando-se movimentos de inves- 127
tidores institucionais, grandes gestores e outros agentes de mercado. Sobre os fundamentos ESG:
<https://corpgov.law.harvard.edu/2020/08/01/introduction-to-esg/>.
3
A título de exemplo, às vésperas da conferência climática da ONU (COP26), prevista para
novembro de 2021, um grupo de líderes do empresariado brasileiro (Conselho Empresarial para o
Desenvolvimento Sustentável) redigiu uma carta pontuando, entre outras questões, a importância
de o país levar objetivos climáticos ambiciosos para a conferência. Destacam também o momento
de ação para evitar o aquecimento global além de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial, ob-
servando os compromissos estabelecidos em 2015 no Acordo de Paris e as iniciativas tomadas para
a transição célere para uma economia de baixo carbono. Ver: VALOR ECONÔMICO. Empresário
pedem que Brasil leve “objetivos climáticos ambiciosos” para a CoP 26; veja a carta, 27 de setem-
bro de 2021. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/09/27/empresarios-pe-
dem-que-brasil-leve-objetivos-climaticos-ambiciosos-para-a-cop-26-veja-a-carta.ghtml>. Acesso
em: 27 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 9
Como será abordado brevemente neste capítulo, é crucial sublinhar os cui-
dados necessários na implementação, na operacionalização e na gestão de canais
de denúncias com estrutura, suporte e capacitação. Em especial, sob a ótica da
organização, esta deve comunicar de maneira clara e instrutiva, orientando e cons-
cientizando seus colaboradores sobre o funcionamento e o uso correto do canal
para “desmistificar” esse instrumento que, eventualmente, pode ser visto como
“black-box” por indivíduos mais desconfiados ou com pouca familiaridade. Nes-
sa hipótese, faz-se mister jogar luz e descortinar a opacidade que eventualmente
remanesça ou possa estar equivocadamente associada ao canal. Nada mais contra-
producente e desencorajador se visto sob esse prisma, pois exatamente o avesso do
espírito que deve informar o canal para estimular o seu uso adequado e consciente,
com denúncias que contribuam para o bom andamento da organização.
4
Para mais informações sobre o relatório e respectiva metodologia, ver: ASSOCIATION OF
CERTIFIED FRAUD EXAMINERS. Report to the Nations: 2020 Global Study on Occupational
Fraud and Abuse. p. 19. Disponível em: <https://acfepublic.s3.us-west-2.amazonaws.com/2022+Re-
port+to+the+Nations.pdf>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
5
Para mais informações sobre a pesquisa e a respectiva metodologia, ver: KPMG. Perfil do
Hotline no Brasil 2020. Disponível em: <https://home.kpmg/br/pt/home/insights/2021/03/hotline-
-compliance.html>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
6
Ainda que não seja objeto de nossas considerações, é válido destacar o investimento em canais de 129
denúncias também por parte dos reguladores, no sentido de permitir que os cidadãos reportem práticas
suspeitas ou irregulares para apuração. Como exemplo, citamos o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – CADE, que conta com um canal de denúncias desse tipo (“Clique Denúncia”), que foi
modernizado e aperfeiçoado recentemente. O canal está disponível para o denunciante (na qualidade
de concorrente, consumidor ou cidadão) reportar aquilo que acredita se tratar de ato que lesa ou tem o
potencial de prejudicar a concorrência. Vide: <https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/denun-
cias-de-praticas-anticompetitivas-ao-cade-aumentam-apos-modernizacao-da-plataforma-201cclique-
-denuncia201d> e <https://www.gov.br/cade/pt-br/canais_atendimento/clique-denuncia>. Acesso em:
24 de setembro de 2021.
7
PROENÇA, José Marcelo Martins; MISALE, Guilherme Teno Castilho. Sistema de compliance
e canal de denúncia: A denúncia de boa-fé fortalecendo a conformidade empresarial. JOTA, 23 de julho
de 2019. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sistema-de-compliance-e-ca-
nal-de-denuncias-23072019>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 9
• Disponibilizar diferentes meios de contato, de acesso fácil, rápido e intui-
tivo – e.g., linhas diretas (hotlines) com atendimento em tempo real e individua-
lizado, desejavelmente com uma equipe multidisciplinar à disposição (algumas
estruturas contam com o importante apoio de psicólogos, por exemplo), web-
sites, e-mails, intranet, chats, aplicativos para celulares, QR Code etc., além de
outros meios e recursos para garantir acessibilidade;
CAPÍTULO 9
O aperfeiçoamento dos canais de denúncia no con-
texto da economia digital
Diante da Indústria 4.0, com maior digitalização da economia, automatização
de processos e a expansão de mercados digitais, testemunha-se constante desen-
volvimento de novas tecnologias, ampliando-se exponencialmente a circulação de
dados e informações, alimentando Big Data e sistemas de inteligência artificial,
com implicações diretas para a engenharia dos sistemas de compliance.9
Por outro lado, essas novas tecnologias e ferramentas, que podem ser emprega-
das para o bem da organização, também podem ser utilizadas no sentido contrário
por invasores de sistemas, por exemplo, suscitando riscos e ameaças. Nesse senti-
do, poder-se-ia cogitar vulnerabilidades tecnológicas que potencializam fraudes e
irregularidades10 – e.g., fraudes cibernéticas a partir da falsificação de documentos
e informações contábeis, ataques ransomware responsáveis por roubar e sequestrar
dados, segredos comerciais e informações estratégicas, desestabilizando e derru-
bando redes e sistemas corporativos,11 com hackers exigindo resgates de grande
monta e em moedas digitais; com efeito, trata-se de risco que tende a ser cada
vez mais presente no ecossistema digital.12 A governança cibernética é certamente
132 um tema fulcral e não menos complexo na agenda do empresariado, exigindo in-
vestimentos robustos, conhecimento e permanente atualização para evitar ataques
cibernéticos e outras ameaças bastante críticas na arena virtual.
9
PETRUS, Gabriel; MISALE, Guilherme. Compliance na 4ª revolução industrial. Valor Econô-
mico, 13 de junho de 2018. Disponível em: <https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2018/06/13/
compliance-na-4a-revolucao-industrial.ghtml>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
10
KPMG. Global profiles of the fraudster: Technology enables and weak controls fuel the fraud.
Maio 2016, p. 20. Disponível em: <https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/pdf/2016/05/profiles-of-
-the-fraudster.pdf>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
11
VALOR ECONÔMICO. Mais da metade das empresas vítimas de ransomware pagam aos
invasores, diz pesquisa. 20 de setembro de 2021. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/
noticia/2021/09/20/mais-da-metade-das-empresas-vtimas-de-ransomware-pagam-aos-invasores-di-
z-pesquisa.ghtml>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
12
CNN. Ataques cibernéticos a empresas brasileiras crescem 220% no 1º semestre. 22 de julho
de 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/ataques-ciberneticos-a-empresas-
-brasileiras-crescem-220-no-1-semestre-de-2021/> ; VALOR ECONÔMICO. Perdas com ataques
cibernéticos crescem e acendem um alerta global. 26 de agosto de 2021. Disponível em: <https://
valor.globo.com/empresas/noticia/2021/08/26/perdas-com-ataques-crescem-e-acendem-um-alerta-
-global.ghtml>; e UOL ECONOMIA. Brasil já é o 5º maior alvo global de ataques de hackers a em-
presas. 12 de setembro de 2021. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-con- 133
teudo/2021/09/12/brasil-e-5-maior-alvo-de-cibercrimes.htm>. Acessos em: 24 de setembro de 2021.
13
Em que pese não ser o foco deste capítulo, pontuamos impactos negativos e repercussões sis-
têmicas resultantes da severa crise da pandemia da Covid-19. A título de referência, segundo a Orga-
nização das Nações Unidas (ONU), trata-se da pior crise sistêmica para o planeta desde a criação da
referida organização em 1945, que atinge a população mundial de forma desproporcional, aprofunda
desigualdades e torna mais distante o atingimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) de 2015. Nesse sentido, relatório publicado em 29 de setembro de 2021 pelo Pnud, em parce-
ria com a Unicef, a Unesco e a Opas, indica que o mundo está retrocedendo em relação aos ODSs (em
linhas gerais, ações de impacto para reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e melhorar a qua-
lidade de vida). Ver: Sachs, J., Kroll, C., Lafortune, G., Fuller, G., Woelm, F. (2021). The Decade of
Action for the Sustainable Development Goals: Sustainable Development Report 2021. Cambridge:
Cambridge University Press. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/sustainabledevelopment.
report/2021/2021-sustainable-development-report.pdf>. Acesso em: 29 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 9
mais sistemático e moderno. O desenvolvimento tecnológico também con-
tribuiu para viabilizar a criação de novos negócios e instrumentos, além do
aperfeiçoamento de canais de denúncias. Entrementes, vários desafios foram
evidenciados e potencializados, como a convivência entre os colaboradores
no ambiente virtual e formas seguras de monitorar as atividades profissionais.
14
ASSOCIATION OF CERTIFIED FRAUD EXAMINERS. Fraud in the wake
of Covid-19: Benchmarking report. Dezembro de 2020. Disponível em: <https://
www.acfe.com/uploadedFiles/ACFE_Website/Content/covid19/Covid-19%20Ben-
chmarking%20Report%20December%20Edition.pdf>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
15
“Segundo o Google Trends, ferramenta que mostra o volume de buscas sobre um termo no Google,
o interesse pelo ESG atingiu, em 2021, seu nível mais alto em 16 anos. A procura foi quatro vezes maior
que a média do ano passado e 13 vezes superior à de 2019 [...] De acordo com a Bloomberg, fundos que
adotam estratégias relacionadas ao ESG aumentaram seus ativos em 31% no ano passado. O valor chegou
ao recorde de US$ 1,8 (R$ 8,8 trilhões) e a tendência é crescer ainda mais. Um relatório da consultoria
PwC também mostrou que 57% dos ativos europeus estarão alocados em fundos que têm os três princí-
pios como critério até 2025. Além disso, 77% dos investidores do continente pretendem parar de comprar
produtos ‘não ESG’ nos próximos dois anos. No Brasil, os números ainda são baixos, mas vêm crescendo.
Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), em
2020 havia cerca de R$ 700 milhões em fundos ESG, quase três vezes mais que no ano anterior”. FOLHA
DE S.PAULO. Entenda o que é ESG e por que a sigla virou febre no mundo dos negócios. 26 de jun.
134 de 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/entenda-o-que-e-esg-e-
-por-que-a-sigla-virou-febre-no-mundo-dos-negocios.shtml>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
16
WORLD ECONOMIC FORUM. Stakeholder Capitalism: over 50 companies adopt ESG repor-
ting metrics, disponível em: <https://www.weforum.org/our-impact/stakeholder-capitalism-50-com-
panies-adopt-esg-reporting-metrics/>; EXAME. Investidores vão à luta por melhores dados de ESG,
23 de setembro de 2021, disponível em: <https://exame.com/bussola/investidores-vao-a-luta-por-
-melhores-dados-de-esg/>; e VALOR ECONÔMICO. ESG é fator crítico para os investidores,
31 de agosto de 2021, disponível em <https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/
2021/08/31/esg-e-fator-critico-para-os-investidores.ghtml>. Acessos em: 27 de setembro de 2021.
17
ESTADÃO. Para tentar evitar greewashing, fundos ESG terão normas e siglas, 23 de setembro
de 2023, disponível em: <https://economia.estadao.com.br/blogs/coluna-do-broad/para-evitar-gre-
enwashing-fundos-esg-terao-normas-e-sigla-proprias/>; e ESTADÃO. IFC bate recorde no Brasil
em 2021 e mira uso indevido do ESG, 17 de agosto de 2021, disponível em: <https://einvestidor.
estadao.com.br/investimentos/ifc-recorde-no-brasil>. Acessos em: 27 de setembro de 2021.
Sob a perspectiva dos consumidores, o foco em práticas ESG pode ser atri-
buído, dentre uma miríade de razões, face a uma gradual mudança na preferência
e no perfil do consumo, assumindo maior conscientização sobre os impactos
de suas ações em termos abrangentes, demandando transparência das empresas
nesse sentido.18 Nesse cenário, quase metade dos consumidores indica estarem
dispostos a parar de utilizar suas marcas de preferência em prol de produtos eco-
lógicos, enquanto que 38% dos consumidores pagariam mais por tais produtos,
segundo dados da consultoria Boston Consulting Group (BCG).19
18
ESTADÃO. Pegada de carbono é estampada em rótulos para conquistar consumidores, 19 de
setembro de 2021. Disponível em: <https://pme.estadao.com.br/noticias/geral,pegada-de-carbono-e-es-
tampada-em-rotulos-para-conquistar-consumidor,70003842773>. Acesso em: 27 de setembro de 2021.
19
WORLD ECONOMIC FORUM; BOSTON CONSULTING GROUP. Embracing the New Age
of Materiality: Harnessing the Pace of Change in ESG. Março de 2020, p. 11. Disponível em: <http://
www3.weforum.org/docs/WEF_Embracing_the_New_Age_of_Materiality_2020.pdf>. Acesso em:
24 de setembro de 2021.
20
THE INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Sixth Assessment Re-
port: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/assess-
ment-report/ar6/>. Acesso em: 24 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 9
do século 19 (Revolução Industrial), o mundo aqueceu cerca de 1,1ºC com
projeções de cenários inegavelmente preocupantes para as próximas déca-
das, caso não sejam tomadas medidas imediatas, sustentadas e ambiciosas
para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Eventos cli-
máticos adversos para a humanidade e o planeta, como ondas de calor inten-
sas, secas extremas, incêndios e devastações florestais, chuvas, inundações
e alagamentos, aumento do nível do mar e da temperatura dos oceanos etc.,
podem se intensificar pelas próximas décadas se cortes agressivos, rápidos e
generalizados de emissão não ocorrerem.21
21
SCIENCE. Intergenerational inequities in exposure to climate extremes. Disponível em:
<https://www.science.org/doi/10.1126/science.abi7339>. Acesso em: 27 de setembro de 2021.
22
THE ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Sus-
tentability and Competition, OECD Competition Committee Discussion Paper, 2020, disponível em:
<https://www.oecd.org/daf/competition/sustainability-and-competition-2020.pdf>; e EUROPEAN
COMMISSION. Executive Vice-President Vestager’s keynote speech at the 25th IBA Competition
Conference, delivered by Inge Bernaerts, Director, DG Competition, 10 de setembro de 2021, dispo-
nível em: <https://ec.europa.eu/competition-policy/index/news/executive-vice-president-vestagers-
-keynote-speech-25th-iba-competition-conference_en>. Acessos em: 27 de setembro de 2021.
23
PANEL ON CLIMATE CHANGE. Sixth Assessment Report: Climate Change 2021: The Phy-
sical Science Basis. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/assessment-report/ar6/>. Acesso em: 24 de
setembro de 2021.
Diante disso, espera-se cada vez mais que os agentes mapeiem profunda-
mente vulnerabilidades e a causa raiz de problemas à luz da agenda ESG para
desenvolver, reparar e refinar estratégias, métricas e procedimentos de governan-
ça. Com isso, busca-se monitorar e gerenciar adequadamente os riscos de suas
atividades, inclusive, e de fundamental relevo, aperfeiçoar controles robustos
ao longo da cadeia produtiva, prestando contas para o mercado em relatórios
dedicados e explicativos.
Por certo, essa observação deve ser lida sob o contexto particular de cada
empresa, devendo ser adaptada e customizada de acordo com cada realidade, tal
como observamos para a implementação do canal de denúncias. Isso porque, as
necessidades de uma grande multinacional, por exemplo, são distintas daquelas de
pequenas e médias empresas (“PMEs”). No entanto, isso não invalida nem desna-
tura a importância de que as PMEs também se empenhem quanto à conformidade
corporativa, à agenda da sustentabilidade e à adoção de boas práticas ESG.
24
Para detalhes, ver: SCHWAB, Klaus. Stakeholder Capitalism: A Global Economy That Works
for Progress, People and Planet. Wiley, 1ª edição, 27 janeiro de 2021. Adicionalmente, destacamos
o chamado “Movimento B” (B Corporation) com empresas e lideranças buscando um “sistema eco-
nômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo para as pessoas e para o planeta”. No Brasil, ver:
<https://www.sistemabbrasil.org/>. Acesso em 27 de setembro de 2021.
25
FRAZÃO, Ana. Capitalismo de stakeholders e investimentos ESG – Parte II, 05 de maio de
2021. Disponível em: <https://lnkd.in/eFJ6rrJ>. Acesso em: 27 de setembro de 2021.
26
Para aprofundamento, ver: ELKINGTON, John. Green Swans. Fast Company Press, 7 abril
de 2020.
CAPÍTULO 9
diversidade e inclusão, compreendendo temáticas afeitas a: classe social, cor,
etnia, gênero, idade, orientação sexual, religião etc., assédios moral e sexual, vio-
lência contra a mulher, desrespeito à legislação trabalhista, como uso de trabalho
análogo à escravidão e de menores e tráfico humano. Da mesma sorte, é possível
vocacionar canais para temas ambientais, a exemplo do manejo e descarte ina-
dequado de resíduos, desmatamento ilegal, desperdício de recursos naturais etc.
Cumpre alertar, de todo modo, que assim como eventuais práticas gre-
enwashing no bojo da agenda ESG podem ser aventadas, não se ignora, por
hipótese, uma suposta elaboração de canais de denúncias que simulam um
comprometimento no entorno da temática, apenas na aparência, sem real en-
gajamento, estrutura e compreensão necessárias para endereçar os vetores que
dinamizam a valiosa agenda ESG.
Considerações finais
Como exposto neste capítulo, o canal de denúncias é uma ferramenta rele-
vante dentro do sistema corporativo de integridade, constituindo um dos pilares
que conformam programas de compliance robustos. Exemplificamos algumas
recomendações práticas para a implementação, a gestão e o incentivo ao uso do
canal, a serem cotejadas caso a caso, que entendemos de fundamental valia para
a taxa de sucesso dessa ferramenta, sob risco de eventuais disfuncionalidades
ante a sua não observância.
139
CAPÍTULO 9
Treinamento e comunicação
em programas de integridade/
compliance
Por José Marcelo Martins Proença*
Dessa forma, como será desenvolvido no decorrer deste breve capítulo, não
basta a existência de um programa de compliance. Ele deve ser conformado
segundo as características do mercado em que a organização está inserida e de
acordo com as particularidades dessa empresa, de como é o seu controle (dilu-
ído, concentrado, interno, externo). Deve também envolver terceiros parceiros
de acordo com a cadeia da produção, além de inúmeras outras particularidades
(regulação setorial, legislação estatal, autorregulação, padrão de concorrência no
mercado envolvido, dentre outros).
CAPÍTULO 10
regulada, típica dos programas de compliance, há, na verdade, uma espécie de
corregulação, pois as disposições estatais estabelecem preceitos, que podem ser
mais ou menos detalhados, ou criam estruturas que estimulam a autorregula-
ção e/ou tornam vinculantes medidas de autorregulação”1. Nota-se que não há
a renúncia do Estado do poder de regular mercados, mas apenas a concessão de
poder e incentivo para a criação, individual e privada de sistemas com o objetivo
de alcançar uma maior conformação, uma melhor adaptação, um efetivo cum-
primento, um melhor entendimento/ conhecimento, uma autofiscalização, um
autocontrole, dentre outros. Tudo relacionado à legislação estatal.
Sobre o assunto, muitas são as teorias, todas com relevantes questões para
reflexão, mas que não merecem grande destaque nesse texto. Merece destaque
aquilo que trata de ações continuadas, como a pressão para alcance de meta;
142 deriva da massificação das relações empresariais; eventualmente até do desco-
nhecimento da natureza ilícita da conduta; ou, ainda, da ideia de que a conduta
ilícita é a regra de mercado. “Mas todos agem assim! Por que eu deveria agir
diferente?”, dentre outros.
• Comprometimento da alta administração (tone at the top ou tone from the top);
CAPÍTULO 10
competitividade, estabilidade e perenidade da empresa; bem como os severos
riscos de descumprimento, não apenas para a empresa, mas também para eles.
2
Fazendo a ressalva de que programas de integridade não são exclusivos para entidades priva-
das, não obstante a especial atenção deste capítulo para esses nota-se, atualmente, especial desenvol-
vimento e incentivos de desenvolvimento de programas de integridade para o setor público. Nesse
sentido, exatamente no momento da redação deste capítulo, foi publicado Decreto Presidencial ins-
tituindo o Programa de Integridade da Presidência da República, destacando entre os seus princípios
a capacitação/o treinamento de agentes públicos e a comunicação contínua, nos termos seguintes:
“ DECRETO Nº 10.795, DE 13 DE SETEMBRO DE 2021
144 Art. 1º Fica instituído o Programa de Integridade da Presidência da República, que estabelece
os princípios, as diretrizes e os mecanismos relativos à integridade pública, no âmbito dos órgãos
da Presidência da República e, supletivamente, da Vice-Presidência da República.
Art.2º São princípios do Programa de Integridade da Presidência da República:
I - apoio e comprometimento da alta administração;
II - existência de unidade gestora e de instâncias de integridade responsáveis pela implemen-
tação do Programa;
III - estratégia e gerenciamento de riscos de integridade;
IV - capacitação de agentes públicos e comunicação contínua; e
V - monitoramento contínuo do Programa.
.....
Art. 4º São diretrizes do Programa de Integridade da Presidência da República:
...
VI - promover a comunicação efetiva e a capacitação dos agentes públicos para a aplicação
dos padrões e dos mecanismos de integridade.”
Com efeito, seria inútil ter políticas, procedimentos e outros controles per-
feitamente desenhados, se, depois, não nos assegurarmos de que são conhecidos
e que são corretamente aplicados pelo pessoal da organização e pelos terceiros
parceiros.
CAPÍTULO 10
Diante disso, faz-se necessário explorar com mais detalhes algumas boas
práticas de comunicação/treinamento.
Para ser eficaz, a comunicação deve ser clara, concisa e idealmente criati-
va. Contudo, isso não é tão simples como parece. São muitos os desafios para
garantir a comunicação assertiva de um determinado tema, de uma política e de
uma regra específica. Um deles é que muitas organizações possuem operação
em diversos locais do mundo com idiomas e culturas diferentes. A organização
pode ser formada por diversas empresas e negócios, colaboradores com níveis de
formação distintos, dentre outros.
Não obstante os desafios acima, vale ressaltar que qualquer tipo de comu-
nicação deve ser feito de forma abrangente e contínua e, por causa disso, surge
146 o maior desafio de todos: promover o engajamento da organização por inteiro.
CAPÍTULO 10
Não se treina matéria relacionada a insider trading e gun jumping para
trabalhadores de plantas industriais. Mas quem e como devem ser treinados?
Adicionalmente, como treinar colaboradores analfabetos funcionais sobre te-
mas como: discriminação racial, sexual, religiosa, idadismo ou sobre o uso
indevido de ativos?
• Casos práticos, ou seja, exemplos de situações que ocorrem no dia a dia da or-
ganização, explicando qual é a atitude que o colaborador deve adotar em cada caso;
CAPÍTULO 10
por atos de terceiros integrantes da sua cadeia de valor. Atos esses praticados por
seus terceiros parceiros. Por isso, atualmente, fala-se muito sobre a disponibili-
zação de treinamentos sobre matérias de compliance a terceiros, como clientes
e fornecedores.
Nota-se ainda que algumas organizações veem esse pilar como uma opor-
tunidade, tornando o treinamento relevante para o cômputo de bonificações,
engajamento e comprometimento de gestores. Em longo prazo, a organização
150 também pode realizar processos de recrutamento voltados a encontrar soft skills
e aderência ética nos candidatos.
3
Costa, Helena Regina da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o julgamento da
AP 470. São Paulo; Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2014, p.221.
CAPÍTULO 10
Referências Bibliográficas:
Brasil. Decreto Nº 10.795 de 13 de setembro de 2021. Institui o Programa de Integridade da
Presidência da República. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Decreto/D10795.htm. Acesso em: 19 nov. 2021.
CARLOS, Sylvia Enseñat. Manual del compliance officer: Guía práctica para los responsa-
bles de Compliance de Habla Hispana. España: Editorial Aranzadi, SA, 2016
COSTA, Helena Regina da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o julgamento da
AP 470. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2014
DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DO REINO UNIDO: Disponível em: https://www.legisla-
tion.gov.uk/ukpga/2010/23/contents. Acesso em: 19 nov. 2021.
DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS EUA. Disponível em: http://www.justice.gov/crimi-
nal/fraud/fcpa/docs/fcpa-portuguese.pdf. Acesso em: 19 nov. 2021.
HAYWARD, Andrew; OSBORN, Tony. The Business Guide to Effective Compliance and
Ethics: Why compliance isn’t working – and how to fix it. Great Britain and United States, Kogan
Page Limites, 2019;
PUYOL, Javier. Guía para la implantación del Compliance en la empresa. Barcelona: Wolters
Kluwer, S.A, 2017;
VILLAS BÔAS CUEVA, Ricardo; FRAZÃO, Ana. Compliance – Perspectivas e desafios dos
programas de conformidade. Belo Horizonte. 2018. Forum. p. 75;
ZURIAGA, Isabel Giménez. Manual Práctico de Compliance. España: Editorial Aranzadi,
S.A.U., 2017.
152
CAPÍTULO 10
Responsabilidade social corporativa
e compliance no setor da saúde
Por Ligia Maura Costa*
Introdução
Desenvolvimento econômico e responsabilidade social corporativa (CSR –
Corporate Social Responsibility) são o verso e o reverso da mesma medalha. A
Carta das Nações Unidas reafirma a promoção do progresso social e econômico
dos povos ao dizer:
Na verdade, somente nos idos dos anos 1980, é que a noção de desenvolvi-
mento econômico com responsabilidade social corporativa fez sua entrada triun-
fal. As formas de interação do homem com a natureza devem ser realizadas sem
1
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documen-
tos_carta.php. Acesso em 15 de setembro de 2021.
2
REPORT OF THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOP-
MENT: OUR COMMON FUTURE. Relatório Brundtland. 1987. Disponível em: http://www.
un-documents.net/wced-ocf.htm. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
3
DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO DA ONU SOBRE O AMBIENTE HUMANO, 1972. Dis-
ponível em: http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm. Acesso em 15 setembro de 2021.
A sociedade civil não mais admite empresas que não sejam “empresas ci-
dadãs”. É verdade que o papel tradicional da empresa é o de gerar lucro aos
seus acionistas5. Lucro, atualmente, está intimamente relacionado a aspectos de
responsabilidade social corporativa, como o meio ambiente, a transparência das
atividades financeiras, a não discriminação e a aspectos trabalhistas, socioeconô-
micos, de governança, entre outros. Para atender às expectativas e às exigências
da sociedade, é esperado um forte senso de ética e de responsabilidade social nos
negócios. Esse é o desafio das empresas no mundo de hoje.
Este capítulo tem por objetivo a análise do setor da saúde e os aspectos re-
lacionados à responsabilidade social corporativa e ao compliance. A pandemia
da Covid-19 trouxe várias possibilidades e oportunidades para práticas ilícitas
no setor da saúde. Existe uma grande preocupação de que os recursos possam
ser apropriados por agentes públicos e privados e que prejudiquem os movimen-
tos para reter a explosão, a disseminação e a contenção do vírus SARS-CoV-2,
bem como, afetem o setor da saúde como um todo. As práticas ilícitas podem
certamente negar o acesso das pessoas menos favorecidas ao sistema de saúde
pública. A pesquisa aqui é teórica baseada em trabalhos específicos sobre res-
ponsabilidade social corporativa e compliance no setor da saúde.
1. Revisão da literatura
Responsabilidade Social Corporativa 155
4
REPORT OF THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOP-
MENT: OUR COMMON FUTURE, 1987 (Relatório Brundtland). Op. cit.
5
Roberts, P.W. e Dowling, G.R. (2002). Corporate reputation and sustained superior finan-
cial performance. Strategic Management Journal. Vol. 23, n. 12, p. 1077.
CAPÍTULO 11
seguir linhas de ação desejáveis em termos de objetivos e valores para a nossa
sociedade”7. Já McGuire entende que:
6
Adams, C. (2002). Internal organizational factors influencing corporate social and ethical re-
156 porting. Accounting, Auditing and Accountability. Vol. 15, n. 2, p. 223-250; Carroll, A. (2000). A
commentary and overview on key questions on corporate social performance measurement. Business
and Society. Vol. 39, n. 4, p. 466-478; Zerk, J. A. (2006). Multinationals and corporate social respon-
si¬bility limitations and opportunities in international law. Cambridge: Cambridge University Press;
Costa, L. M. (2008). Battling corruption through csr codes in emerging markets: oil and gas industry.
RAE Eletrônica. Vol. 7, n. 1. Disponível em https://rae.fgv.br/rae-eletronica/vol7-num1-2008/battlin-
g-corruption-through-csr-codes-emerging-markets-oil-and-gas. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
7
Bowen, H. R. (1953). Social responsibilities for the businessman. New York: Harper, p. 6.
8
McGuire, J. W. (1963). Business and society. New York: McGraw-Hill, p. 144.
9
Rasche, A., Morsing, M.; Moon, J. (2017). The changing role of business in global society:
Csr and beyond. Corporate social responsibility. Strategy, communication, governance. Cambri-
dge: Cambridge University Press, p. 6.
10
Costa, L.M. (2009). Direito internacional do desenvolvimento sustentável e os códigos de
conduta de responsabilidade social: análise do setor do gás e do petróleo. Curitiba: Juruá, p. 19.
Compliance
A palavra compliance, do inglês to comply with, significa estar em confor-
midade com leis, normas, padrões, regras, sejam internas ou externas, coibindo,
dessa forma, condutas antiéticas e práticas ilícitas.
11
DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO DA ONU SOBRE O AMBIENTE HUMANO,
1972. Preâmbulo, item 2. Disponível em: http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm.
Acesso em: 15 setembro de 2021.
12
Lei nº 12.846/2013 sobre responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 15 de
setembro de 2021.
13
Decreto nº 8.420/2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/decreto/d8420.htm. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 11
“Programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no
conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria
e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar
desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a adminis-
tração pública, nacional ou estrangeira.”14
14
Decreto nº 8.420/2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/decreto/d8420.htm. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
15
Costa, L.M. (2019). Um mal que nos pertence. GV-Executivo 18(3), 12-15. Disponível
em https://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/ligia.pdf. Acesso em: 15 de setembro de 2021
CAPÍTULO 11
Setor da saúde
O mundo enfrenta uma crise de saúde, que traz danos aos países desenvolvi-
dos e em desenvolvimento, concomitantemente. A rápida disseminação do vírus
SARS-CoV-2 e da sua doença a Covid-19 fez com que a saúde da população
fosse a prioridade máxima de todos os governos. Uma pandemia como a da
Covid-19 expôs as falhas estruturais dos sistemas de saúde e com elas, os riscos
potenciais de condutas ilícitas.
16
Transparency International. (2020). Corruption and the coronavirus. Disponível em
https://www.transparency.org/news/feature/corruption_and_the_coronavirus. Acesso em: 15 de
setembro de 2021.
17
Instituto Ética Saúde. (IES). (2020). Fraudes na saúde geram prejuízo de mais de R$
14,5 bilhões por ano no Brasil, estima Instituto Ética Saúde. Disponível em https://eticasaude.
org.br/Noticias/NoticiaDetalhe/355. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
18
Spínola, L. M. C. (2017). O compliance no setor de saúde. Revista de Ciências Médicas e
Biológicas. Vol. 16, n. 2, p. 131-132. Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/cmbio/
article/view/24558/16517. Acesso em: 15 de setembro de 2021. 161
19
Constituição Federal. (1988). Art. 196. http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfIn-
ternacional/portalStfSobreCorte_en_us/anexo/constituicao_ingles_3ed2010.pdf. Acesso em:/15
de setembro de 2021.
20
Constituição Federal. (1988). http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacio-
nal/portalStfSobreCorte_en_us/anexo/constituicao_ingles_3ed2010.pdf. Acesso em: 15 de se-
tembro de 2021.
21
Lei nº 8.080/1990 sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponí-
vel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
22
Lei nº 8.142/1990 sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de
Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da
saúde e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.
htm. Acesso em: 15 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 11
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regula as relações contratuais
públicas com o setor privado de assistência médico-hospitalar23.
2. Recomendações
As recomendações deste artigo se baseiam numa seleção de livros e artigos
de pesquisa, sobre responsabilidade social corporativa, compliance e códigos de
conduta de CSR, e, em particular, sobre o setor da saúde.
3. Conclusão
Este capítulo analisa os aspectos relacionados à responsabilidade social
corporativa e os programas de compliance no setor da saúde e traz recomenda-
ções de melhoria para as empresas por meio da integração de práticas ética e
socialmente responsáveis. Os códigos de CSR e os programas de compliance
são importantes instrumentos de harmonização dos aspectos socioeconômi-
cos, humanitários e ambientais nas empresas. Se as empresas cumprirem as
declarações de seus respectivos códigos de CSR na implementação de seus
programas de compliance, elas podem ser mecanismos eficazes de propagação
de práticas corporativas socialmente éticas. Só assim será possível responder
às necessidades atuais e presentes, sem, todavia, comprometer as necessidades
das gerações futuras24.
Embora seja importante o impacto dos códigos de CSR e dos programas de 163
compliance no combate às práticas ilícitas no setor da saúde, a força coercitiva
e de persuasão deles é incomparável com a de um sistema jurídico nacional
regido pelo Estado.
24
REPORT OF THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOP-
MENT: OUR COMMON FUTURE, 1987. Disponível em: http://www.un-documents.net/wce-
d-ocf.htm. Acesso em: 06 de janeiro de 2021.
CAPÍTULO 11
ções que poderiam ser obtidas explorando dados qualitativos ou quantitativos
por meio de entrevistas com representantes do setor da saúde.
Embora esta pesquisa possa ter limitações, ainda assim tem valor no sentido
de ajudar a trazer uma proposta de combate a práticas ilícitas no setor saúde, em
especial durante uma crise pandêmica.
Dessa forma, este capítulo não tem o objetivo de trazer uma análise exausti-
va sobre o tema. Há várias questões que devem ainda ser abordadas e que mere-
cem uma análise mais aprofundada e cuidadosa. Os resultados deste estudo en-
corajam pesquisas futuras sobre estudos comparativa de caso, que podem ajudar
a construção de dados empíricos, cujas intervenções podem funcionar de forma
mais eficaz.
Referências Bibliográficas:
ACORDO CONSTITUTIVO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Dis-
ponível em http://www.mdic.gov.br/arquivo/secex/omc/acordos/portugues/02estabeleceomc.pdf.
Acesso em: 15 de setembro de 2021.
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O Direito internacional no terceiro milênio. Estudos em homenagem ao prof. Vicente Marotta
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ROUSSEAU, J.-J. (1947). Du contrat social. Livro II, cap. XIII, Genève: Les Editions du
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SPÍNOLA, L. M. C. (2017). O compliance no setor de saúde. Revista de Ciências Médicas e
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www.transparency.org/news/feature/corruption_and_the_coronavirus. Acesso em: 15 de setembro
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ZERK, J. A. (2006) Multinationals and corporate social responsi¬bility limitations and
opportunities in international law. Cambridge: Cambridge University Press.
166
CAPÍTULO 11
Governança e a importância
dos programas de integridade
e gestão de riscos
Por Margarida de la Riva Smith
CAPÍTULO 12
Qualquer que seja a definição, nota-se que os componentes básicos estão
sempre lá: transparência, confiança, conduta e estabilidade. A questão é: como
criar um arcabouço que permita que esses pilares estejam presentes de maneira
transversal e sejam exercidos no dia a dia com eficiência? Ainda, de maneira
mais tangível, como garantir que a cultura e o framework que dão vida a ela
alcancem todos os rincões da companhia? Como implementar uma gestão de
riscos tão internalizada no comportamento dos indivíduos a ponto que ninguém
tenha dúvidas sobre a atuação esperada ou ainda que ninguém tenha que decidir
entre manter seu emprego e fazer a coisa certa? Onde colocar os incentivos para
que os representantes (executivos) tenham motivos para zelar pelos interesses
dos acionistas e não pelos seus interesses individuais? Isso tudo é governança.
CAPÍTULO 12
É nesse contexto que a função de compliance e mais tarde de integridade
ou de gestão integrada de riscos ganha protagonismo e se transforma em um
parceiro importante na gestão do ambiente de controles e interligação entre os
ambientes executivo e de supervisão.
Os programas devem ser construídos de tal maneira que seja possível de-
monstrar que, apesar de o ambiente não ser perfeito (o que seria irreal), há uma
estrutura de monitoração e de supervisão contínua que permite que os problemas
sejam detectados e tratados de maneira ágil e tempestiva.
CAPÍTULO 12
• Monitoração, com utilização de métricas e índices;
CAPÍTULO 12
O reconhecimento de que as organizações corporativas possuem papel rele-
vante na economia e na sociedade aliado à necessidade de acesso a capital e ao
talento levou à evolução do conceito de governança corporativa.
176
CAPÍTULO 12
Métricas e indicadores 1
de compliance e eficácia
Por Martim Della Valle e Daniela Arantes Prata*
Introdução
O que é um programa de compliance eficaz? A pergunta levanta uma das
discussões mais debatidas entre profissionais da área.2 Apesar do aumento da
importância e da sofisticação do compliance na última década – assim como de
gastos em programas de conformidade – ainda existe pouco consenso acerca do
que constitui um programa de compliance eficaz.3
1
Neste capítulo, utilizamos o termo “eficácia” como sinônimo de “efetividade”. Embora
existam, sobretudo no campo da administração, tentativas de diferenciar o conteúdo de ambos
os vocábulos, entendemos que tal uso ainda não está suficientemente disseminado e não há razão
adicional no vernáculo para a distinção.
2
Ver DELLA VALLE, Martim, Compliance é dever dos controladores?, 2019.
3
Ver SOLTES, Eugene, Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs:
establishing a model for prosecutors, courts and firms, v. 14, n. 3, 2018.
4
Ibid., p. 974.
Essa não foi, entretanto, a interpretação de boa parte do mercado, que rece-
beu o documento como um “manual” de compliance eficaz, compreendendo que
respostas adequadas a tais perguntas implicariam um programa satisfatório, ao
menos aos olhos de promotores e tribunais.8 O resultado não foi, necessariamen-
te, a melhoria ou maior eficácia de programas de compliance, mas despertou a
discussão acerca de compliance de ‘papel’ ou fachada (window-dressing). Nes-
se sentido, uma interessante provocação acadêmica feita por Laufer acerca do
‘compliance game’: jogo marcado por uma combinação de aparências, na qual
se gasta para minimizar riscos de responsabilização de empresas9, e que deriva
de um sistema regulatório incapaz de determinar a efetividade de um programa,
mas fomenta uma crescente e lucrativa indústria de ética negocial10.
179
5
U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE CRIMINAL DIVISION, Evaluation of Corporate
Compliance Programs, 2017.
6
SOLTES, Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs: establishing a
model for prosecutors, courts and firms, p. 971–2.
7
Ibid.
8
Ibid.
9
Ver LAUFER, William, The Compliance Game, in: SAAD-DINIZ, Eduardo; BRO-
DOWSKI, Dominik; SÁ, Ana L. (Orgs.), Regulação do abuso no âmbito corporativo: o papel do
direito penal na crise financeira, São Paulo: LiberArs, 2015.
10
Conforme Laufer, são inúmeros os exemplos de abuso de poder e infrações normativas no
século passado que expuseram a desconexão entre a realidade do comprometimento de uma cor-
poração quanto à ética, à integridade e ao compliance e suas aparências e retórica. Ibid., p. 64.
CAPÍTULO 13
Atualmente, ao menos, é consenso que programas não devam ter apenas
aparência de eficácia, mas também conter substância significativa.11 Ainda exis-
te, entretanto, muita ambuiguidade nos critérios para avaliar tais programas.12 E
a inabilidade de verificar a efetividade de programas de compliance não resulta
apenas da falta de consenso, bem como da ausência de dados básicos e modos
de avaliá-los – havendo dificuldade tanto por parte de monitores externos ou
promotores quanto também de equipes de compliance e controle interno.13
CAPÍTULO 13
plementado caso ele possa medi-lo; e um regulador ou monitor apenas saberá
se um controle é eficaz se puder verificar a sua correta implementação. Há aqui
a dupla face das métricas: elas são voltadas a prover empresas e administrado-
res com a habilidade de avaliar seu progresso e, quando necessário, diagnos-
ticar problemas e remediá-los17; mas, ao mesmo tempo, mensurar efetividade
é, por exemplo, o papel dos monitores – tanto como previsto na legislação
estadunidense e acordos do DOJ, assim como na Lei Anticorrupção brasileira.
Métricas adequadas, pois, possuem função dupla; e a eficácia de programa de
compliance recai em ambas. É um lugar-comum antigo e verdadeiro no campo
da administração a máxima de que “somente se gerencia aquilo que se pode
medir.” A nosso ver, a máxima aplica-se integralmente à compliance.
17
SOLTES, Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs: establishing a
model for prosecutors, courts and firms, p. 985.
18
Ver DELLA VALLE, Diário de um chefe de compliance.
No tema, Hui Chen e Eugene Soltes elencaram quatro principais motivos pe-
los quais métricas de efetividade de programas falham: (i) métricas incompletas;
(ii) métricas inválidas; (iii) confusão de responsabilidade jurídica com efetivi-
dade de compliance; e (iv) viés de seleção.23 Métricas incompletas são aquelas
que capturam uma porção limitada da variação desejada no resultado, podendo
levar a inferências incorretas e enviesadas. Um exemplo seria a das auditorias
de due diligence que não cobrem todos os fornecedores. Métricas inválidas, por
sua vez, são aquelas que não se correlacionam com o impacto do programa de
fato. É o exemplo do uso de taxa de realização de treinamentos para avaliar a
efetividade dos treinos de funcionários. Outro exemplo seria tomar os números
de comunicação feitas aos executivos de uma empresa como indicador de com-
prometimento com a integridade.
19
Ver SOLTES, Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs: esta-
blishing a model for prosecutors, courts and firms, p. 973.
20
“Organizations are still measuring their compliance program effectiveness by utilizing
internal audit, monitoring compliance training completion rates and analyzing hotline calls.”
DELOITTE; COMPLIANCE WEEK, In Focus 2016: Compliance Trends Survey, 2016.
21
SOLTES, Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs: establishing a
model for prosecutors, courts and firms, p. 973.
22
Ver DELLA VALLE, Diário de um chefe de compliance.
23
CHEN, Hui; SOLTES, Eugene, Why Compliance Programs Fail —and How to Fix Them,
n. March-April 2018, 2018.
CAPÍTULO 13
Outro problema são vieses de seleção na escolha de métricas: empregados podem
ser relutantes em responder (ou, pelo menos, responder honestamente) questões
acerca de conduta imprópria dos outros ou de si próprios – principalmente aque-
les do alto escalão e/ou participantes de práticas irregulares.24
São diversos os tipos de métricas que podem possuir desde critérios objeti-
vos, como auditorias e pesquisa de histórico de fornecedores (due diligence), até
mesmo análises de caráter comportamental, como medir a percepção de terceiros
184
sobre o comportamento da sua empresa e a percepção interna de bom comporta-
mento e justiça organizacional.
24
Ver também SOLTES, Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs:
establishing a model for prosecutors, courts and firms, p. 990–1.
CAPÍTULO 13
Esses processos também podem e devem se valer da padronização de ope-
rações que permite o uso de serviços compartilhados para gerenciar processos
e produzir análises e relatórios gerenciais com maior inteligência analítica – in-
cluindo a utilização de algoritmos que auxiliem o processamento de dados em
larga escala.
25
SOLTES, Eugene, The Professionalization of Compliance, in: VAN ROOIJ, Benjamin;
SOKOL, D. Daniel (Orgs.), The Cambridge Handbook of Compliance, 1. ed. [s.l.]: Cambridge
University Press, 2021, p. 31.
26
SOLTES, Eugene, The Professionalization of Compliance, in: VAN ROOIJ, Benjamin;
SOKOL, D. Daniel (Orgs.), The Cambridge Handbook of Compliance, 1. ed. [s.l.]: Cambridge
University Press, 2021, p. 31.
Conclusões
A eficácia de um programa de compliance depende, em última análise, de
dois fatores: a equivalência entre riscos e as medidas de controle; bem como
a qualidade da implementação destas medidas. A qualidade da implementação,
187
por sua vez, depende em grande medida de métricas adequadas. O velho adágio
de administração ainda continua válido: somente se gerencia o que se mede.
Sistemáticas de mensuração melhores e mais rigorosas são necessárias para que
o compliance não seja apenas um sistema no papel, mas sim algo voltado a so-
luções para melhor cultura empresarial. Métricas constituem o pilar essencial da
busca pela eficácia de programas de compliance. Possuir métricas adequadas não
é condição suficiente, mas necessária para a eficácia.
CAPÍTULO 13
* Martim Della Valle. Advogado. Integrante do Conselho Consultivo de
Ações Coletivas do UN Global Compact Brasil. Coordenador da Comissão
de Compliance e Integridade da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Dou-
tor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Pro-
fessor da International Anti-Corruption Academy (Áustria) e pesquisador
sênior do FGVethics - Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integri-
dade e Compliance.
Referências Bibliográficas:
CHEN, Hui; SOLTES, Eugene. Why Compliance Programs Fail —and How to Fix Them. n.
March-April 2018, 2018.
DELLA VALLE, Martim. Compliance é dever dos controladores? 2019.
DELLA VALLE, Martim. Diário de um chefe de compliance. [s.l.]: Jota, 2018.
DELOITTE; COMPLIANCE WEEK. In Focus 2016: Compliance Trends Survey. 2016.
LAUFER, William. Corporate Bodies and Guilty Minds: the failure of corporate criminal
liability. [s.l.]: University of Chicago Press, 2006.
LAUFER, William. The Compliance Game. In: SAAD-DINIZ, Eduardo; BRODOWSKI,
Dominik; SÁ, Ana L. (Orgs.). Regulação do abuso no âmbito corporativo: o papel do direito penal
na crise financeira. São Paulo: LiberArs, 2015.
MCKENDALL, Marie; DEMARR, Beverly; JONES-RIKKERS, Catherine. Ethical Com-
pliance Programs and Corporate Illegality: Testing the Assumptions of the Corporate Sentencing
Guidelines. Journal of Business Ethics, v. 37, 2002.
SOLTES, Eugene. Evaluating the effectiveness of corporate compliance programs: esta-
188 blishing a model for prosecutors, courts and firms. v. 14, n. 3, 2018.
SOLTES, Eugene. The Professionalization of Compliance. In: VAN ROOIJ, Benjamin;
SOKOL, D. Daniel (Orgs.). The Cambridge Handbook of Compliance. 1. ed. [s.l.]: Cambridge
University Press, 2021, p. 27–36.
U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE CRIMINAL DIVISION. Evaluation of Corporate Com-
pliance Programs. 2017.
WEISSMAN, Andrew; NEWMAN, David. Rethinking Criminal Corporate Liability, 82
IND. L.J. 411 (2007), pp. 441-449. v. 82, n. 2, p. 411–452, 2007.
CAPÍTULO 13
Monitoramento independente
de acordos de leniência
Por Otavio Yazbek*
Introdução
O monitoramento independente de acordos de leniência, relacionado, em es-
pecial, ao acompanhamento de obrigações assumidas pela empresa, perante as
autoridades, que tenham por objeto a criação de estruturas adequadas de confor-
midade e de controles, é matéria ainda nova no Brasil.
190 O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) vem utilizando o mo-
nitoramento externo, previsto em Deferred Prosecution Agreements (DPAs) ou
Non-Prosecution Agreements (NPAs) relacionados ao Foreign Corrupt Practi-
ces Act (FCPA), desde o início da década de 1990 . Daquela época para cá houve
diversos aprimoramentos na adoção do instrumento, assim como alguns dife-
rentes ciclos, relacionados às tendências do DOJ em determinados momentos .
CAPÍTULO 14
empresas tendem a começar a voltar a trilhar os caminhos que, antes, lhes
asseguravam uma posição privilegiada.
Nem todos os casos, afinal, são claros como o da Siemens, uma empresa que
realizara milhares de pagamentos irregulares ao redor do mundo, por um longo
período, ignorando sistematicamente diversos sinais de alerta . De qualquer for-
ma, nos últimos anos têm se formado alguns consensos em torno dos elementos
que, de alguma maneira, podem ser associados a uma necessidade de acompa-
nhamento posterior.
Primeiro, é evidente que alguns setores são mais vulneráveis e, por conta de
seu histórico, mais estigmatizados que outros: concessão de determinados tipos
de serviços públicos e execução de obras públicas são bons exemplos de setores
em que é mais provável a imposição de medidas daquela natureza. Também é
192 importante atentar para as estruturas de governança e de controles em vigor na
empresa envolvida: o que já existe? Em que medida aquilo que existe ajudou a
remediar os problemas encontrados?
Na sua Export Control and Sanctions Enforcement Policy for Business Or-
ganizations, por exemplo, o DOJ reconhece que atos de revelação voluntária de
ilícitos (voluntary self-disclosure), ampla cooperação com as autoridades (full
cooperation) e remediação ágil e adequada dos problemas (timely and appro-
priate remediation) são importantes na negociação de acordos e na definição dos
efeitos desses acordos.
A independência do monitor
Outra discussão ainda preliminar quando se está tratando do monitoramento
externo diz respeito ao que caracteriza a independência do monitor. Tal questão
será explorada brevemente neste tópico e aprofundada quando se tratar dos me-
canismos de seleção de monitores.
CAPÍTULO 14
as comunicações por ele realizadas estariam sujeitas à proteção do privilege que
vale para a relação entre advogado e cliente? Vale lembrar que, se no Brasil não
temos exatamente o mesmo modelo, também aqui vigoram regras de confiden-
cialidade para os advogados, previstas nos artigos 25 a 27 do Código de Ética e
Disciplina da OAB.
Nos dois casos, porém, a resposta deve ser negativa: afinal, o monitor não
representa a empresa, não presta serviços para ela, não se aplicando à relação
nada daquilo que caracteriza as relações entre advogado e cliente. Ainda assim,
porém, os documentos e as informações a que se teve acesso no exercício da
função devem ser protegidos por sigilo perante terceiros, que decorrerá muito
mais dos termos do mandato outorgado ao monitor e da sua contratação. Nesses
casos, de qualquer forma, não se pode ter exatamente o mesmo tipo de proteção
que existiria em uma relação tipicamente advocatícia.
Um elemento comum a diversos casos, nos Estados Unidos, até alguns anos
atrás, era o questionamento quanto à conduta de representantes do DOJ, aos
quais se acusava de indicarem antigos colegas para a posição de monitores. Tais
profissionais chegavam ao cargo em uma posição que lhes permitia, inclusive,
CAPÍTULO 14
negociar modelos bastante distorcidos de remuneração . Esse quadro começou a
mudar com o já referido Morford Memorandum, de 2008. Foi o primeiro de uma
série de memorandos, que começaram a aprimorar alguns aspectos do monitora-
mento. Atualmente o processo é estruturado mais ou menos da seguinte manei-
ra: a empresa indica à autoridade profissionais qualificados e com os quais não
tenha relação profissional prévia; a autoridade realiza um processo de seleção,
sendo, o escolhido, contratado e pago pela própria empresa.
Ainda que, dessa forma, se lide de maneira mais adequada com alguns confli-
tos, é importante atentar para outros aspectos. Isso porque os próprios termos da
contratação devem estar sujeitos a certos tipos de controles: o modelo de remu-
neração do monitor, por exemplo, pode trazer estímulos bastante inadequados a
interesses da empresa (como o interesse no encerramento acelerado dos trabalhos).
A duração do monitoramento
Outro tema relevante é o da duração dos processos de monitoramento ex-
terno, que pode variar muito, dependendo da situação da empresa e das preo-
cupações da autoridade. Em geral, o prazo de duração varia de dois a quatro
anos , mas não existe uma regra muito clara acerca dos critérios que devem ser
estabelecidos para a definição do prazo.
Em nenhum dos dois temas acima referidos se está lidando com mudanças
simples. É por esse motivo que os processos de monitoramento são organizados
por ciclos, nos quais: (i) é feito o diagnóstico da situação da empresa e dos riscos
a que ela está exposta; (ii) são formuladas as primeiras recomendações; (iii) é
acompanhada a implementação das soluções adequadas e das recomendações,
com as correspondentes testagens, correções de rumo etc.
Já a extensão de prazo costuma ser malvista pelas empresas por gerar novos
custos e manter um terceiro acompanhando as atividades sociais por um prazo
adicional. Muitas vezes, porém, a extensão é benéfica para a empresa ao permitir
que se superem determinadas dificuldades. É o que aconteceu, por exemplo, no
caso da Odebrecht S.A., em que o alongamento do prazo permitiu que se lidasse
melhor com os efeitos da grave crise econômica que afligiu o grupo e que, de
outra maneira, colocaria em xeque a certificação final.
Ainda que a extensão do mandato esteja, desde a sua nomeação, clara para
o monitor e que ele já tenha uma visão da forma pela qual desenvolverá os tra-
CAPÍTULO 14
balhos, o plano de trabalho deve sempre demandar alguns esforços adicionais.
Assim, é comum que os primeiros meses do monitoramento sejam destinados a
uma imersão na empresa para que se compreenda, pelo menos: (i) o modelo de
negócio adotado e a forma pela qual se organizam as atividades operacionais; (ii)
a natureza das irregularidades praticadas e a forma pela qual elas foram levadas
a efeito; e (iii) as estruturas de governança e de controles e as suas vulnerabilida-
des. Com base nessa compreensão preliminar será possível identificar os fatores
de risco mais relevantes, de modo a estruturar os trabalhos.
Ainda que a decisão final sobre o conteúdo dos relatórios caiba ao monitor,
também tais documentos devem ser discutidos com a empresa antes da sua apre-
sentação às autoridades. É com a apresentação do último dos relatórios e depen-
dendo do seu conteúdo que se abre espaço para a certificação, pelo monitor, do
cumprimento das obrigações pela empresa.
Conclusões
O presente capítulo procurou estabelecer uma definição dos processos de
monitoramento externo – ou independente – de acordos de leniência e trazer,
com base em referências diversas (que incluem a experiência pessoal), esclareci-
mentos quanto a algumas das principais etapas desse tipo de atividade.
CAPÍTULO 14
* Otavio Yazbek. Advogado e sócio do Yazbek Advogados. Integrante do
Conselho de Autorregulação Bancária da Federação Brasileira de Bancos
(Febraban). Doutor em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo (USP). Professor do Insper.
Referências Bibliográficas:
BARKOW, Anthony S. e Ross, Michael W., “Introduction”, in Barkow, Anthony S.; Baro-
fsky, Neil M.; e Perrelli, Thomas J. (eds.), The Guide to Monitorships, London: Global Investiga-
tions Review, 2019.
BAROFSKY, Neil M.; Cipolla, Matthew D.; e Schrantz, Erin R., “Changing Corporate Cul-
ture”, in Barkow, Anthony S.; Barofsky, Neil M.; e Perrelli, Thomas J. (eds.), The Guide to Moni-
torships, London: Global Investigations Review, 2019.
SARUBBI. Erica Sellin e Mesquita, Tomás Fezas Vital, “External Compliance Monitorships”,
in Levine, Andrew M.; Radilla, Reynaldo Manzanarez; Plastino, Valeria; e Selhorst, Fabio (eds.),
Latin Lawyer – The Guide to Corporate Compliance, London: Law Business Research, 2021.
SZMID, Rafael, Monitores Corporativos Anticorrupção no Brasil: Um Guia para sua Utiliza-
ção no Processo Administrativo e Judicial, São Paulo: Quartier Latin, 2021.
WARIN, F. Joseph; Diamant, Michael S.; e Root, Veronica S., “Somebody’s Watching Me:
FCPA Monitorships and How They Can Work Better”, 13 J. Bus. L. 321, 2011.
200
CAPÍTULO 14
A responsabilidade do encarregado
de dados frente às exigências da
LGPD e do compliance corporativo
Por Paulo Salvador Ribeiro Perrotti*
Introdução
Sob a forte influência em diversos aspectos da General Data Protection Re-
gulation (GDPR), regulamentação europeia de proteção de dados, a partir de
18 de setembro de 2020 entrou em vigor a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de
Proteção de Dados ou, como é conhecida, LGPD) no Brasil, que passou, então,
a surtir efeitos legais e práticos tanto no que diz respeito à pessoa jurídica quanto
à pessoa física no que se refere à coleta, ao tratamento e ao armazenamento de
dados pessoais de terceiros, sejam brasileiros ou estrangeiros.
Esta regulação possui amplo alcance, fazendo com que as empresas, inde-
pendentemente do ramo de atuação, comecem a estruturar uma estratégia de pla-
nejamento sobre a forma de proteção ao tratamento dos dados pessoais de seus
clientes e colaboradores a fim de evitar infrações que certamente irão culminar
em impactos financeiros e danos para a reputação.
O Art. 5º, inciso VI, da LGPD, determina que o controlador é “pessoa natural
ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referen-
tes ao tratamento de dados pessoais”. Em suma, é o controlador que determina as
finalidades, as condições e os meios do processamento de dados pessoais.
CAPÍTULO 15
I - Confirmação da existência de tratamento;
IX - Revogação do consentimento.
Por sua vez, denomina-se operador aquela pessoa física ou jurídica contra-
tada que atua por conta e ordem do seu contratante, que deverá realizar o trata-
mento dos dados pessoais segundo as instruções fornecidas pelo controlador, que
verificará a observância das próprias instruções e das normas sobre a matéria.
CAPÍTULO 15
VII - Proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
X - Proteção do crédito.
1
Razão 47 da EU Regulação Geral sobre a Proteção de Dados. Disponível em: https://www.
privacy-regulation.eu/pt/r47.htm. Acesso em: 10 de agosto de 2021.
2
CAVOUKIAN, Ann. The 7 foundational principles: implementation and mapping of fair
information practices. Ontario, Canada: Information & Privacy Commissioner, 2016. https://
iapp.org/media/pdf/resource_center/pbd_implement_7found_principles.pdf. Acesso em: 10 de
agosto de 2021.
CAPÍTULO 15
• Descrição da natureza dos dados pessoais afetados;
• Medidas que foram ou que serão adotadas para reverter ou mitigar os efei-
tos dos prejuízos e minimizar os impactos às vítimas.
A LGPD, por incrível que pareça, não estabelece qualquer tipo de qualifi-
cação para este profissional que deverá zelar pela integridade e preservação dos
dados pessoais da empresa, apesar do fato que no Projeto de Lei havia uma de-
terminação nesse sentido e que foi excluída, determinando a qualificação técnica 209
e regulatória deste profissional para o desempenho da função.
CAPÍTULO 15
citação, monitoramento, documentação, auditoria e denúncia de colaboradores
que venham a infringir as políticas de privacidade de dados.
3
Fonte: https://cnpd.public.lu/content/dam/cnpd/fr/decisions-fr/2021/Decision-20FR-2021-
sous-forme-anonymisee-.pdf Acesso em: 10 de agosto de 2021.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/328258/belgica--empresa-e-multada-por-ter-
4
CAPÍTULO 15
Dessa forma, é necessário compreender que a atividade do encarregado
de dados é considerada de meio e não de fim. Ou seja, o objetivo esperado na
prestação do serviço do encarregado de dados pode não ser necessariamen-
te alcançado, embora deva ser sempre buscado. Assim sendo, a obrigação de
meio limita-se a um dever de desempenho, isto é, há o compromisso de agir
com zelo e diligência, aplicando-se a melhor técnica e perícia para alcançar um
determinado fim, mas sem obrigar-se à efetivação do resultado.
Por sua vez, quanto aos recursos humanos, além de exigir, de forma rígida,
o cumprimento das políticas de segurança, é necessário capacitação constan-
te. Estatisticamente, a maior concentração de infrações de dados pessoais no
ambiente corporativo ocorre em razão de falhas humanas dos próprios colabo-
radores, seja provocado por criminosos, que querem de forma ardil persuadir
212 os usuários a comprometer a segurança dos sistemas tecnológicos, ou mesmo
por simples negligência desses colaboradores por não se atentarem ao tema,
uma vez que não foram capacitados ou treinados para adotar boas práticas de
mercado a respeito da segurança de dados.
213
Conclusão
Por fim, cumpre esclarecer que a função do encarregado não é apenas e tão
somente aguardar a ocorrência de um incidente de dados pessoais para que seja
acionado, seja por parte do titular do dado, quanto de qualquer tipo de autoridade
governamental, seja a própria ANPD ou mesmo o Ministério Público, bem como
qualquer outra entidade com competência policial e fiscalizatória. Neste sentido,
cumpre também ao encarregado de dados assegurar as seguintes providências:
CAPÍTULO 15
• Participação de reuniões de tomada de decisão estratégica;
215
CAPÍTULO 15
Referências Bibliográficas:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 31000: gestão
de riscos: princípios e diretrizes. Rio de Janeiro: ABNT, 2009. Disponível em: https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/4656830/mod_resource/content/1/ISO31000.pdf. Acesso em: 10 de agosto
de 2021
Brasil. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Bra-
sília, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.
htm. Acesso em: 10 de agosto de 2021
Brasil. Ministério da Economia. Instrução Normativa nº 1, de 4 de abril de 2019. Dispõe sobre
o processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC pelos
órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Infor-
mação - SISP do Poder Executivo Federal. Diário Oficial da União, Brasília: Secretaria Especial
de Desburocratização, Gestão e Governo Digital; Secretaria de Governo Digital, ed. 66, seção 1, p.
54, 5 abr. 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/
content/id/70267659/do1-2019-04-05-instrucao-normativa-n-1-de-4-de-abril-de-2019-70267535.
Acesso em: 10 de agosto de 2021.
CAVOUKIAN, Ann. The 7 foundational principles: implementation and mapping of fair infor-
mation practices. Ontario, Canada: Information & Privacy Commissioner, 2016. https://iapp.org/me-
dia/pdf/resource_center/pbd_implement_7found_principles.pdf. Acesso em: 10 de agosto de 2021
União Europeia. Regulamento geral sobre a proteção de dados. 2016. Disponível em: https://
gdprinfo.eu/pt-pt. Acesso em: 10 de agosto de 2021.
216
CAPÍTULO 15
A compensação de valores
em acordos de leniência
multijurisdicionais
Por Renato Portella, Luiza Cattley e Mirella Katz*
Introdução
A relação entre países vem sendo constantemente alterada pelo fenômeno
da globalização, que os torna cada vez mais conectados e dependentes entre
si. Se, por um lado, o mundo globalizado trouxe efeitos positivos, advindos
do ritmo acelerado de desenvolvimento e integração econômica, por outro, o
aumento das transações comerciais internacionais não só tornou mais desafia-
dor para as empresas operarem de forma segura e responsável, como pode ter
contribuído para a proliferação de atos de corrupção, que não distinguem as
fronteiras geográficas entre os Estados.1
1
GARCIA, Emerson. A corrupção: uma visão jurídico-sociológica. Rio de Janeiro, Brasil:
Revista De Direito Administrativo, 2003. https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edi-
coes/revista26/revista26_203.pdf. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
A internacionalização da corrupção
219
No início dos anos 90, diversos organismos multilaterais dedicaram-se à ela-
boração de estudos teóricos sobre a corrupção, incluindo o Fundo Monetário In-
ternacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial.
Parte desses estudos reconhecia que a intensificação das relações internacionais
e o fortalecimento da globalização demandavam a adoção de medidas em escala
global para combater os atos corruptivos.2
2
NOTARI, Marcio Bonini. As Convenções Internacionais Ratificadas pelo Brasil no Com-
bate à Corrupção. São Paulo, Brasil: Revista de Direito Internacional e Globalização Econômi-
ca, 2017. https://revistas.pucsp.br/index.php/DIGE/article/view/32771/22625. Acesso em: 22 de
novembro de 2021.
CAPÍTULO 16
À época, a principal legislação de combate à corrupção existente era a lei
doméstica dos Estados Unidos, promulgada em dezembro de 1977. O Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA) também foi a primeira lei anticorrupção a regular
a corrupção em nível internacional, levando o país a ser chamado de um “solda-
do solitário” nessa luta.3
É nesse contexto que se atribui ao FCPA ser a força propulsora para a criação
de outros instrumentos globais desenvolvidos para o controle da corrupção. Em
resposta, diversos tratados e convenções internacionais foram celebrados.
3
JORDAN, Jon. The Need for a Comprehensive International Foreign Bribery Compliance
Program, Covering A to Z, in an Expanding Global Anti-Bribery Environment. Pensilvânia, Es-
tados Unidos: Penn State Law Review, 2012. http://www.pennstatelawreview.org/117/1/117%20
Penn%20St.%20L.%20Rev.%2089.pdf. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
4
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Convenção da OCDE sobre o Combate da Cor-
rupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Bra-
sília, 2007. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/articulacao-internacional-1/
convencao-da-ocde/arquivos/cartilha_com-marca.pdf.. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
5
DA SILVA, Alex Pizzio; DE PAIVA, José Eudacy Feijó. Gestão do Judiciário e Gestão da
Qualidade: uma questão de princípios. Brasil, Rio de Janeiro: Revista de Direito da Administra-
ção Pública, 2018. http://www.redap.com.br/index.php/redap/article/download/153/96. Acesso
em: 22 de novembro de 2021.
CAPÍTULO 16
“Diferente de outros tratados multilaterais internacionais relacionados ao
crime de corrupção, tais como a Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais,
de 1997 (Convenção da OCDE) e da Convenção Interamericana contra a Cor-
rupção, de 1996 (Convenção da OEA), a Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção, de 2003 (Convenção de Mérida), prevê, pela primeira vez no âmbito
do direito internacional, a recuperação total dos ativos relacionados ao crime de
corrupção e a adoção de mecanismos de prevenção para fortalecer os Estados
para o desenvolvimento de uma cultura anticorrupção.” [grifos nossos]
Mais de uma década depois, outro avanço importante nesta seara foi a De-
claração de Brasília sobre a Cooperação Jurídica Internacional contra a Corrup-
ção. O documento, firmado em fevereiro de 2017 por procuradores-gerais de 11
países afetados pelos escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava
Jato7, considerava necessário “fortalecer a cooperação jurídica internacional e
auxiliar os vários países interessados e obter provas a fim de darem seguimento
a investigações e ações penais em suas respectivas jurisdições”.
Desde então, tornou-se cada vez mais evidente que o esforço internacio-
nal de combate à corrupção mostra-se indispensável para lutar contra delitos
6
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas contra a Cor-
rupção. 2003. Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/index.html. Aces-
so em: 22 de novembro de 2021.
7
O Brasil, a Argentina, o Chile, a Colômbia, o Equador, o México, o Panamá, o Peru, Por-
tugal, a República Dominicana e a Venezuela.
CAPÍTULO 16
debate “supera[m] a mera análise dicotômica territorialidade/extraterritorialida-
de”, dando ênfase à definição de consequências da proibição da dupla perseguição.
Lava Jato
“Brazil specified in its response that the resolution of a case through a re-
solution in another jurisdiction does not prevent subsequent investigation, pro-
secution or resolution for foreign bribery. Nonetheless, Brazilian authorities
would take into account the terms of the resolution signed abroad whenever
possible”. [grifos nossos]
12
ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.
Resolving Foreign Bribery Cases with Non-Trial Resolutions. 2019. Disponível em https://
www.oecd.org/daf/anti-bribery/Resolving-foreign-bribery-cases-with-non-trial-resolutions.pdf
Acesso em: 22 de novembro de 2021.
13
ESTADOS UNIDOS. Department of Justice. Plea Agreement Cr. No. 16-643 (RJD).
United States of America v. Odebrecht. 2016. Disponível em: https://www.justice.gov/criminal-
-fraud/fcpa/cases/odebrecht-sa. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
14
HOLTMEIER, Jay; PARKER, Kimberly; SLOANE, Erin. New DOJ Policy to Prevent
“Piling-On”. 2018. https://www.wilmerhale.com/en/insights/client-alerts/2018-05-30-new-doj-
-policy-to-prevent-piling-on. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
CAPÍTULO 16
Tal prática é utilizada pelas autoridades estadunidenses até a época presente.
Em janeiro de 2020, foi celebrado um acordo global com autoridades na França,
nos Estados Unidos e no Reino Unido para pôr fim a acusações de certas práticas
corruptivas. O acordo celebrado com o DOJ prevê expressamente que o montan-
te de multas pagas a outras autoridades será deduzido do valor total do acordo, a
fim de evitar o pagamento em duplicidade.
(B) BRASIL
15
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Acordo de Leniência. 2021. Disponível em: ht-
tps://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao/acordo-
-leniencia. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
16
Há, no total, 41 acordos de leniência firmados com o MPF. Destes, 24 são públicos e 17
estão sob sigilo. BRASIL. Ministério Público Federal. Acordos de Leniência homologados pela
5ª CCR. Disponível em: https://sig.mpf.mp.br/sig/servlet/mstrWeb?evt=3140&src=mstrWe-
b.3140&documentID=DE8159D411EA799D1A090080EF2586DD&Server=MSTRIS.PGR.
MPF.MP.BR&Project=Unico&Port=0&share=1. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
17
O princípio estabelece que ninguém poderá ser punido mais de uma vez pelos mesmos
fatos ilícitos. Apesar de não estar expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, a
doutrina discute a sua influência em diversos diplomas legais. Por exemplo: (i) no Estatuto do
Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), ao estabelecer no artigo 77, V que “não se concederá a extradição
quando o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido
no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido”; e (ii) no Pacto de São José da Costa
Rica, ratificado pelo Brasil, ao prever no artigo 8, item 4 que “o acusado absolvido por sentença
passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.
CAPÍTULO 16
“(...) O Ministério Público Federal poderá realizar interlocução com as
autoridades estrangeiras com o intuito de dar conhecimento a essas autorida-
des dos termos deste Acordo de Leniência para evitar a aplicação da dupla
penalização (bis in idem), bem como para que sejam considerados os termos
deste Acordo em acordos de colaboração nesses países.”
Não foi diferente nos acordos celebrados com outras duas empresas da in-
dústria naval, os quais também possuem reconhecimento expresso visando evi-
tar o pagamento das penalidades em duplicidade.
Conclusão
A diferença de tratamento, no que diz respeito à possibilidade de se compen-
sar os valores devidos a estados estrangeiros, fica bastante evidente, quando se
analisam os casos mencionados acima.
18
GARCIA, Emerson. A corrupção: uma visão jurídico-sociológica. Rio de Janeiro, Brasil:
Revista De Direito Administrativo, 2003. https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/arti-
cle/view/45445/44994. Acesso em: 22 de novembro de 2021.
229
CAPÍTULO 16
Compliance como ferramenta
de gestão de crise/ESG
Por Roberta Pegas*
Introdução
Nos últimos anos, tem-se intensificado a preocupação com os riscos ESG
Environmental, Social Responsibility and Corporate Governance (ESG) ou, em
português, Ambiental, Social e Governança (ASG). As crises têm-se tornado mais
frequentes e severas. A pandemia da Covid-19 é uma constatação deste fato.
Crises e ESG
Crises são eventos que demandam uma resposta imediata e têm grande po-
230 tencial de impacto adverso para a organização, sua reputação e suas partes inte-
ressadas. Há muitos tipos de crise, mas sejam elas as imprevisíveis ou as laten-
tes1, todas demandam uma estratégia de gestão.
1
Segundo Pytkin & Ponosova (2011, p. 186 apud NAZAROVA & BROILO, 2015, p. 247)
“In order to recognize the latent crisis, the standard method for calculating the main indices of
entrepreneurial activity and economic sustainability of the organization and their comparison
with the standards are ineffective just as diagnostic indices integrated probability of a crisis. The
need to build a whole system of monitoring and forecasting of crisis for tracking the dynamics
of the main indices of economic sustainability of the organization; timely capture signals indica-
ting a possible decrease in the economic stability of the organization; build shortand long-term
forecasts of the organization”.
“One of the things COVID-19 did was to align interests and priorities very
quickly across organizations. You knew you needed to protect your employees
and your clients, and you knew you’d get stakeholders’ support. When you have
these high levels of alignment, you can achieve a lot in a short time, whether
facing a crisis or transforming your organization for the better. That’s one of the
glories of resilience”. (GOVINDARAJAN & VETTORI, 2021)
231
2
Disponível em: <https://www.mckinsey.com/business-functions/risk-and-resilience/our-
-insights/the-resilience-imperative-succeeding-in-uncertain-times>. Acesso em: 10 de setembro
de 2021.
CAPÍTULO 17
Na mesma linha, um estudo realizado pelo professor George Serafeim em
conjunto com a State Street Associates (SERAFEIM, 2020, p. 4), no período de
fevereiro a março de 2021, analisou a performance de 3.075 empresas globais,
representando o montante de US$ 59 trilhões em capitalização de mercado, e
constatou que o mercado recompensou mais as empresas que: (i) reagiram com
maior agilidade quanto à ressignificação e ao redirecionamento de propósito
dos seus produtos e serviços para oferecer soluções às demandas e aos desafios
gerados pela pandemia da Covid-19, e (ii) aquelas empresas que trataram seus
funcionários e fornecedores com responsabilidade social.
Um novo paradigma
Alcançamos fronteiras históricas e limítrofes nas áreas ambiental e social
que demandam um esforço de diversos protagonistas e setores da economia. Do
ponto de vista empresarial, verificou-se, de certa forma, que era o momento de
revisão de valores e condutas, ou seja, it’s time to reset.
3
Anualmente, Larry Fink, CEO da BlackRock, publica uma carta direcionada aos CEOs de
diversos setores. A carta de 2021, assim como as anteriores, reafirma os compromissos mencio-
nados. Disponível em: https://www.blackrock.com/corporate/investor-relations/larry-fink-ceo-
-letter. Acesso em: 10 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 17
Para alcançar essa visão de futuro, é necessário um modelo de governança
que considere esses fatores ambientais e sociais. Esse modelo integrado de go-
vernança deve incluir uma gestão de risco que também considere os riscos e as
oportunidades ESG no seu mapeamento e, por conseguinte, na sua avaliação,
no seu monitoramento e na sua mitigação. Parte dessa estratégia de futuro e de
mitigação de riscos compreende a construção de um plano de gestão de crises e
de continuidade do negócio.
Gestão de crises/ESG
Não obstante, o Fórum Econômico Mundial já ter considerado a alta proba-
bilidade de ocorrência de uma grande pandemia em seu relatório de 2018 (Word
Economic Forum, 2018)4, bem como de as empresas de capital aberto e a grande
parte das demais empresas já possuírem algum sistema de gestão de riscos; a
grande maioria das organizações não havia considerado em seus mapeamentos
de riscos a possibilidade de ocorrência de uma pandemia como a da Covid-19.
“Companies may need to assess how evolving environmental and social re-
alities may place their business models at risk and find strategies to provide re-
assurance and confidence to nervous investors, employees, consumers and other
stakeholders. […] The crisis has also shown that companies do not operate in a
vacuum and that external environmental and social issues can have a material
4
Para mais informações sobre esse assunto, ver “Relatório que previu a pandemia mostra
riscos à economia global em 10 anos”, disponível em: https://exame.com/economia/relatorio-
-que-previu-a-pandemia-mostra-riscos-a-economia-global-em-10-anos/. Acesso em: 10 de se-
tembro de 2021
Algumas premissas foram críticas nesta análise: quão preparada estava a em-
presa para lidar com a crise? Existia uma definição de papéis e responsabilidades
para liderar em um cenário de crise? Quão resiliente a empresa é para responder
a cenários “VUCA” (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity)? (BEN-
NET & LEMOINE, s.d.) Como a reputação da empresa impactou (negativamen-
te ou positivamente) a companhia nestes tempos de crise?
A maior parte das empresas que relataram estar em melhor posição financei-
ra atestaram a existência e a relevância das funções de gestão de crise e resili-
ência organizacional. Tais empresas demonstraram ter realizado, dentre outros,
um exame minucioso da resposta a crises e a incorporação de lições aprendidas
alinhadas a uma estratégia de longo prazo, bem como de ter uma estrutura prees-
tabelecida de gestão de crise. Dessa forma, foram aptas a adotar medidas imedia-
tas frente às necessidades e aos desafios apresentados. A resiliência e a reputação
foram competências e características priorizadas por essas organizações como
vetores críticos de superação da crise. (PwC, 2021, pp. 8-9)
O papel do compliance
O profissional responsável pela área de riscos dentro da empresa é normal-
mente designado para liderar os planos de gestão de crise e de continuidade de
negócio por sua experiência com projetos transversais e conhecimento de áreas,
CAPÍTULO 17
processos e risco da organização. O time de gestão de crise é multidisciplinar.
Diversas áreas devem compor este time para que o plano de gestão de crise tem
um olhar holístico, estratégico e prático.
• Investigação;
Por sua vez, há alguns fatores de risco e metodologias comuns que devem ser
considerados quando da sua construção. Decisões rápidas precisam ser tomadas
pelas pessoas certas e de forma coordenada, eliminando o máximo possível de
variáveis na equação. Para tanto, minimamente deve-se:
CAPÍTULO 17
bom plano de comunicação – interno e externo. A cultura e a governança da
empresa devem ser comunicadas de forma assertiva. Há estudos que demons-
tram que a reputação de governança de uma empresa é conquistada quando há
um interesse legítimo, um modelo de governança eficiente e uma comunicação
efetiva. Não basta apenas comunicar sem ação e não bastam iniciativas efeti-
vas de ESG sem comunicação.
Por mais que se tenha o melhor plano de gestão de crises, situações imprevis-
tas e adversas podem ocorrer e nesses casos a boa reputação é elemento crítico
para a resiliência e a sustentabilidade da empresa.
CAPÍTULO 17
NAUCK, F., PANCALDI, L., POPPENSIEKER, T., & WHITE, O. The resilience imperative:
Succeeding in uncertain times. McKinsey & Company 17 de mai de 2021. Disponível em:<https://
www.mckinsey.com/business-functions/risk-and-resilience/our-insights/the-resilience-imperati-
ve-succeeding-in-uncertain-times>. Acesso em: 10 de setembro de 2021.
NAZAROVA, I., & BROILO, E. V. Strategic Aspects of the Diagnosis of Latent Crisis in
Organizations. Review of European Studies, v. 7, n. 7, p. 245-261, mai. de 2015. Disponível em:
<https://pdfs.semanticscholar.org/f0ed/4698ce6c4f7b9619f370c32b1b134faf92ad.pdf>.
Acesso em: 10 de setembro de 2021.
PWC. PwC’s Global Crisis Survey 2021 - Building resilience for the future. PwC Reasearch,
mar de 2021. Disponível em: <https://www.pwc.com/gx/en/crisis/pwc-global-crisis-survey-2021.
pdf>. Acesso em: 10 de setembro de 2021.
REDE BRASIL DO PACTO GLOBAL; FEA-USP; FEA-RP/USP. Ambição pelos ODS - Ex-
pandindo o impacto sobre os negócios na década de ação. Rede Brasil do Pacto Global. Disponível
em: <https://d15k2d11r6t6rl.cloudfront.net/public/users/Integrators/7ba73aaa-3da9-4cf1-abf2-ccc-
85dea5875/uid_3084837/AMBITION_DAVOS%20(VF).pdf>. Acesso em: 10 de setembro de 2021.
SERAFEIM, G. Crisis as Catalyst: Corporate Resiliency and the Future of ESG. State Street
Corporation, Boston, 2020. Entrevista concedida ao State Street Corporation. Disponível em: <ht-
tps://www.statestreet.com/content/dam/statestreet/documents/Articles/Crisis-as-Catalyst-Corpo-
rate-Responsiblity-and-ESG-George-Serafeim.pdf>. Acesso em: 10 de setembro de 2021.
SILK, D. M., KATZ, D. A., & NILES, S. V. Key ESG Considerations in the Crisis. Harvard
Law School Forum on Corporate Governance, 21 de abr de 2020. Disponível em: <https://corp-
gov.law.harvard.edu/2020/04/21/key-esg-considerations-in-the-crisis/>. Acesso em: 10 de setem-
bro de 2021.
WORD ECONOMIC FORUM. The Global Risks Report 2018 (13th Edition). Fórum Eco-
nômico Mundial, Geneva, 2018. Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/WEF_GRR18_
Report.pdf>. Acesso em: 10 de setembro de 2021.
240
CAPÍTULO 17
Cabem mais incentivos a
whistleblowers na realidade brasileira?
Por Roberto Di Cillo*
Introdução1
Alguns se lembrarão de Sherron Watkins, ex-executiva da Enron, a grande
empresa de energia que quebrou no início deste milênio nos Estados Unidos.
Sherron tinha sido auditora da empresa de auditoria que, igualmente, sofreu um
abalo letal naquela época. Depois de assumir uma posição mais sênior no ex-
-cliente de seu ex-empregador, Sherron identificou problemas na contabilidade
da Enron e informou o CEO da empresa.
Num primeiro momento, há relatos de que Sherron teria feito uma denúncia
anônima em papel, uma vez que na época não havia os canais de reporte atual-
mente existentes. Importante lembrar que muito do que foi desenvolvido desde
o escândalo da Enron teve como base legal a Sarbanes-Oxley, lei estadunidense
que causou profundas alterações em governança, controles internos e complian-
ce, muito além do que já estava para acontecer no panorama do combate à cor-
rupção sob o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) estadunidense e normas
brasileiras que vêm sendo editadas principalmente após a assinatura e a ratifica-
ção das três principais convenções internacionais sobre o combate à corrupção,
inclusive a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ou Económico (OCDE).
1
O artigo foi escrito anteriormente à edição do novo Estatuto da Advocacia e alguns
detalhes serão desenvolvidos oportunamente.
O valor das opções de ações da Enron que Sherron teria vendido importa me-
nos do que o fato de ter vendido opções de ação de sua então empregadora com
informações privilegiadas dentro do contexto que aqui se propõe discutir, o que
não elimina possíveis discussões suplementares para quem queira se debruçar
sobre aspectos quantitativos e até qualitativos de outras análises e que possam
abordar possíveis sanções que poderiam ser aplicáveis a Sherron ou pessoas em
situações equiparáveis.
Em julho de 2021, Sherron deu uma entrevista ao Wall Street Journal reco-
nhecendo que se “as proteções atuais a whistleblowers existissem à época, ela
teria podido relatar suas preocupações à Securities and Exchange Commission,
243
mantendo seu nome confidencial”4. Naturalmente Sherron estava se referindo à
Lei Dodd-Frank, de 2010, e sua regulamentação inclusive pela Securities and
Exchange Commission, que já permitiram que mais de US$ 1 bilhão tenham
sido pagos a whistleblowers nos EUA5.
2
https://www.theguardian.com/business/2003/jun/21/corporatefraud.enron. Acesso em: 13
de setembro de 2021.
3
https://www.foxnews.com/story/whistleblower-enron-considered-firing-me-for-talking.
Acesso em: 13 de setembro de 2021.
4
https://www.wsj.com/articles/former-enron-executive-sec-whistleblower-program-is-a-
-game-changer-11625662801. Acesso em: 13 de setembro de 2021.
5
https://www.sec.gov/news/press-release/2021-177. Acesso em: 13 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 18
A Securities and Exchange Commission (SEC), como o órgão regulador do
mercado de capitais nos Estados Unidos, tem atribuições equiparáveis à Comissão
de Valores Mobiliários no Brasil (CVM), mas num mercado notoriamente muito
mais amplo. Como reguladores, ambas têm em comum o desafio de equilibrar
sanções premiais com punitivas, induzindo comportamentos melhores no curto,
médio e longo prazos. E a questão de whistleblowers é de tamanha relevância que
a SEC organizacionalmente até possui uma espécie de diretoria para eles .
A SEC permite que whistleblower (a) resida em país outro que não os Es-
tados Unidos e (b) esteja ou não assistido por advogado, teoricamente até não
admitido em qualquer Ordem dos Advogados de quaisquer dos 50 Estados dos
Estados Unidos, algo que envolverá algum risco de insucesso, naturalmente.
CAPÍTULO 18
iniciado pela “dica” (informação original) recebida pela interessada ou interes-
sado é que será aberto o prazo para que se peça uma recompensa via o formu-
lário WB-APP em questão.
Recompensas limitadas
A SEC condiciona recompensas a situações em que a sanção pecuniária de
um caso supere a cifra de US$ 1 milhão e, obviamente, a dica precisa ter sido
relevante para o caso. Uma lista de casos em que é possível solicitar uma recom-
pensa é disponibilizada no link https://www.sec.gov/whistleblower/claim-award
e lá consta, por exemplo, um caso de pessoa jurídica brasileira.
7
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION.
Disponível em: https://www.law.cornell.edu/cfr/text/17/240.21F-6 . Acesso em: 14 de setembro
de 2021.
8
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION,
Formulário WB-APP, p. 8.
9
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION.
Disponível em: https://www.sec.gov/rules/other/2021/34-92622.pdf. Acesso em: 14 de setembro
de 2021.
O fator negativo mais comum apontado pela SEC é atraso fora do razoável (e
injustificado) no relato de ilícitos à Comissão. Além disso, é levado em conside-
ração se os ilícitos identificados pela ou pelo whistleblower/colaborador (a) foram
interrompidos ou não durante o período de atraso, se investidores foram lesados
também no período e se a ou o whistleblower poderia ter proveito do atraso em
razão de continuidade delitiva, resultando em sanções pecuniárias maiores.
Por outro lado, a SEC reportou ter sido sensível na classificação de atra-
sos justificáveis e listou algumas hipóteses: no caso de a ou o whistleblower ter
acessado o processo interno de reporte por um período razoável e o atraso estar
relacionado à doença ou outra situação pessoal ou familiar e no caso de também
a ou o whistleblower utilizar um tempo razoável tentando averiguar fatos ou
contratar apoio jurídico para se manter no anonimato.
Em tese é possível que atrasos por parte de whistleblower não lhe acarretem
redução no valor da recompensa ou que a redução seja pequena. A SEC expres-
samente se refere ao atendimento do interesse público, promoção de proteção a
investidores e objetivos do Programa de Whistleblowers11, que é da Comissão e 247
não de empresas (o que não impede que companhias ajam diligentemente para
incentivar whistleblowers e voltar-se-á à questão dos incentivos além de recom-
pensas pouco mais adiante).
O óbvio às vezes precisa ser dito e a SEC disse textualmente que em caso
de responsabilidade ou interferência pelo whistleblower, que talvez devesse ser
10
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMIS-
SION, Formulário WB-APP, p. 9.
11
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMIS-
SION. Disponível em: https://www.sec.gov/files/owb-award-determination-guidance2.pdf, p. 4.
Acesso em: 14 de setembro de 2021.
CAPÍTULO 18
mais adequadamente chamado de colaborador, a área que determina valores de
recompensas da comissão (Claims Review Staff) leva em consideração se a pessoa
estava envolvida ou participou dos ilícitos e, em caso afirmativo, qual era a função
da pessoa12. Nesse contexto, seria natural supor, por exemplo, que quanto menor o
nível hierárquico (sendo o caso) da pessoa, menor seria a redução da recompensa.
Num dos casos mais recentes quando da finalização do presente, o valor foi de
US$ 40 milhões a serem pagos pela SEC (e mais US$70 milhões por outro órgão
estadunidense)14, ficando pouco atrás de uma recompensa anunciada em 2020 no
valor de US$ 52 milhões (e mais US$ 62 milhões pagos por outro órgão estaduni-
dense)15. Uma nota nas orientações da SEC deixa claro que se não houver fatores
negativos caberá o limite máximo de US$ 5 milhões previsto na lei (obviamente,
observado os 30% do valor da sanção aplicada à empresa, prevalecendo o que for
menor), mas a prática tem revelado que é um limite referencial apenas.
12
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMIS-
SION, disponível em: https://www.sec.gov/files/owb-award-determination-guidance2.pdf, p. 4.
Acesso em: 14 de setembro de 2021.
13
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMIS-
SION, disponível em: https://www.sec.gov/files/owb-award-determination-guidance2.pdf, p. 2.
Acesso em: 14 de setembro de 2021.
14
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMIS-
SION, disponível em: https://www.sec.gov/news/press-release/2021-177 . Acesso em: 14 de
setembro de 2021.
15
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SECURITIES AND EXCHANGE COMMIS-
SION, disponível em: https://www.sec.gov/news/press-release/2020-266 . Acesso em: 14 de
setembro de 2021.
Deveria ter ficado claro, na seção anterior, que o fato de alguém ter até parti-
cipado de ilícitos e/ou ter se omitido e/ou tentado interferir em investigação inter-
na não inibe, em tese, o pagamento de recompensa a whistleblower pela SEC na
sistemática atual, eis que os bens tutelados mais importantes são os interesses dos
investidores e do mercado16. Além disso, no caso de Sherron, o que ela apontou foi
CAPÍTULO 18
maior do que a venda de opções por seus colegas (e, aparentemente, por ela
mesma) com informações privilegiadas, o que constituiria um ilícito a mais,
mas não o que deu causa ou contribuiu significativamente para a ruína da En-
ron (e da Arthur Andersen).
17
Vide nota 3.
18
Tradução livre.
19
A SEC disponibiliza, anonimizando dados dos recompensados e recompensadas, as de-
terminações de pagamento e de recusa, justificando sumariamente as decisões no seguinte site:
https://www.sec.gov/whistleblower/final-orders-of-the-commission. Acesso em: 15 de setembro
de 2021.
20
V WHISTLEBLOWING INTERNATIONAL NETWORK. Disponível em: https://whis-
tleblowingnetwork.org/Membership/Our-Members/Members/Transparency-International-Italy
Acesso em: 15 de setembro de 2021.
21
ITÁLIA, LEGGE 30 novembre 2017, n. 179
22
LEGGE 30 novembre 2017, n. 179, Art. 1.
23
Ibidem, Art. 6, 7 e 8.
24
Ibidem, Art. 7.
CAPÍTULO 18
mesmo pelos ilícitos cometidos com relação aos fatos relatados ou mesmo por
responsabilização civil por dolo ou culpa grave não haverá garantias previstas na
lei à ou ao whistleblower25. Vê-se, portanto, que é algo diferente do que optou
por aplicar a SEC nos Estados Unidos com relação a recompensas, que podem
ser concedidas até a quem tenha participado de ilícitos.
25
V Ibidem, Art. 9.
26
Ibidem, Art. 2.
27
Ibidem, Art. 2.
28
https://www.sec.gov/rules/final/2011/34-64545.pdf, p. 68. Acesso em: 16 de setembro de 2021.
29
https://www.sec.gov/news/pressrelease/2015-73.html. Acesso em: 16 de setembro de
2021.
30
https://www.sec.gov/news/press-release/2014-180. Acesso em: 16 de setembro de 2021.
31
https://www.sec.gov/news/press-release/2021-168 . Acesso: 16 de setembro de 2021.
32
Artigos 326 (agentes públicos), 622 (agentes privados em geral) e 623 (relativo a segredos
industriais e científicos) do Código Penal Italiano e Artigo 2105 (obrigação de fidelidade de
prestador de serviços) do Código Civil Italiano.
33
LEGGE 30 novembre 2017, n. 179, Art. 3.
34
REIS E RODRIGUES DA SILVA, Compliance, A Nova Lei de Licitações e Contratos
e os Whistleblowers. Campinas: Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual de
Campinas, 2021.
CAPÍTULO 18
O projeto que levou à nº 13.608/2018 estava dentro do contexto capitaneado
pelo Ministério Público Federal das dez medidas contra a corrupção e não surgiu
de uma inspiração divina ou mesmo da prática da Operação Lava Jato. As mesmas
autoras comentam mais: “O conceito do whistleblower possui previsão expressa
no artigo 33, da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e também no
artigo 3º, §8º, da Convenção Interamericana Contra a Corrupção19 (...).”
Logo, a não adoção de uma lei que buscasse positivar no Direito Brasileiro
a figura do whistleblower criava mais do que uma saia justa para o País, que
deve ser avaliado por pares de tempos em tempos nos termos da Convenção
das Nações Unidas, como já foi feito35. A pena para um descumprimento ou
cumprimento parcial de dispositivo em convenção internacional pelo Brasil
passa, naturalmente, pelo aumento da percepção de risco de investimento no
País. Afinal, quem vai querer investir num país em que a percepção de ilícitos,
inclusive corrupção, seja alta, como é? Muitos investidores, claro. E muitos,
senão todos, precificarão o risco e sua percepção de forma que a “precificação”
em questão continuará a contribuir para uma série de ineficiências, que mere-
ceriam ser tratadas autonomamente.
36
BRASIL, Lei 13.608/2018, Art. 4 B, com a redação dada pela Lei Anticrimes.
37
IBID, Parágrafo Único do Art. 4 B, com a redação dada pela Lei Anticrimes.
38
IBID, Art. 4º-C.
CAPÍTULO 18
De qualquer forma, as proteções adicionais em comento compreendem
“proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do
direito de relatar, como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou
atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de
qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou indiretos ou negativa de for-
necimento de referências profissionais positivas”. Além disso, nos termos dos §§
1º, 2º e 3º do mesmo Artigo legal: “A prática de ações ou omissões de retaliação
ao informante configurará falta disciplinar grave e sujeitará o agente à demissão
a bem do serviço público”, “O informante será ressarcido em dobro por even-
tuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação,
sem prejuízo de danos morais” e “Quando as informações disponibilizadas
resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração
pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5%
(cinco por cento) do valor recuperado” [grifos nossos].
E cabe, por fim, uma ressalva: não é somente no Brasil que há incertezas
sobre proteções a whistleblowers40.
39
BRASIL, Portal da Transparência. Disponível em: https://www.portaltransparencia.gov.
br/orgaos/30911?ano=2020. Acesso em: 17 de setembro de 2021.
40
https://www.theguardian.com/australia-news/2021/apr/30/australias-whistleblowers-are-
-being-scared-into-silence-by-significant-gaps-in-protections-research-finds. Acesso em: 16 de
setembro de 2021.
A primeira norma é o Artigo 154 do Código Penal, que proíbe “revelar al-
guém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministé-
rio, ofício ou profissão e cuja revelação possa produzir dano a outrem” sob uma
pena que poderia variar entre detenção e multa, não fossem dispositivos mais
recentes que podem determinar sua não aplicação em casos concretos, mas o dis-
positivo legal está lá, com uma clareza e um desafio que também se encontram
semelhantemente no ordenamento italiano, já comentado antes.
Conclusões
Incentivos para toda aquela ou todo aquele que detenham informações origi-
nais para contribuir contra atividades ilícitas ainda precisam ser bem desenvol-
vidos em vários níveis no Brasil. Não parece que caiba aguardar um posiciona-
mento da Comissão de Valores Mobiliários, que eventualmente adote condutas
similares às que a SEC tem adotado nos Estados Unidos, país no qual o mercado
de capitais é infinitamente maior. Aliás, outras agências e órgãos naquele país
CAPÍTULO 18
têm também recompensado whistleblowers como forma de sua proteção e, em
alguma medida, criação de uma independência que pode ser realmente vital para
salvaguardar o interesse público, inclusive de manter um mercado livre de fato-
res que artificialmente inibam a livre concorrência.
As imperfeições nas leis editadas nos últimos anos no Brasil e para incenti-
var whistleblowers não deveriam constituir um entrave grande demais para que a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e funda-
ções, empresas públicas e sociedades de economia mista façam mais do que criar
unidades de ouvidoria ou corregedoria, mas verdadeiramente adotem normas
que prevejam recompensas a whistleblowers e divulguem sua aplicação, preser-
vando-se dados sensíveis, inclusive a identidade de whistleblowers.
Nesse sentido, não parece haver óbice legal para que um critério de con-
cessão de recompensas pagáveis a whistleblowers seja percentual de multa
aplicada às pessoas jurídicas reportadas, seja sob o amparo da Lei 12.846/13,
por exemplo, seja sob o amparo de outras leis que possam ser razoavelmente
beneficiadas, em sua aplicação, por um instituto que vem sendo aplicado com
sucesso nos Estados Unidos.
CAPÍTULO 18
Boas práticas na condução
das entrevistas de investigação
corporativa
Por Yoon Jung Kim*
Introdução
Com o presente artigo propomos discutir alguns aspectos relacionados às
boas práticas na condução das entrevistas de investigação corporativa como
um dos procedimentos fundamentais na estrutura dos programas de integrida-
de das empresas brasileiras. Antes de analisar este tema específico, contudo,
vale antes ampliar o foco para tecer breves comentários sobre o atual cenário
do compliance no País.
1
Art. 317 do Código Penal, Corrupção passiva: solicitar ou receber, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas
em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclu-
são, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa; Art. 333 do Código Penal, Corrupção ativa: ofe-
recer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a prati-
car, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
2
Lei 8.429/1992 (Lei dos atos de improbidade administrativa).
3
Art. 37 da Constituição Federal: a administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...) 261
4
Com o objetivo de coibir o problema da corrupção de oficiais estrangeiros, o congresso
norte-americano aprova em 1977 o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) que, paralelamente à
previsão de aplicação de sanções criminais aos indivíduos que praticam o suborno, estabelece a
exigência de que as companhias mantenham um sistema de livros e registros que reflitam com
precisão e fidelidade suas transações e que elaborem um sistema adequado de controles contá-
beis internos.
5
Convenção da OCDE sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangei-
ros em Transações Comerciais Internacionais, de 1997; Convenção contra a Corrupção envol-
vendo Oficiais Europeus ou Oficiais de Estados Membros da União Europeia, de 1997; Conven-
ção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003 e United Kingdom Bribery Act, de 2010.
6
Podemos apontar ainda, como continuidade deste movimento de moralização, a limitação
de doações às campanhas eleitorais às pessoas físicas, resultado de decisão do Supremo Tribunal
Federal no Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, em 2015.
CAPÍTULO 19
Destaque para esta última, a conhecida “Lei da Empresa Limpa”, ou “Lei de
Probidade Empresarial” ou simplesmente “Lei Anticorrupção”, que inaugura um
mecanismo legal de responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção
no Brasil. A inovação foi amplamente aclamada dada a extrema dificuldade de,
até então, sujeitar as companhias a sanções por atos lesivos ao patrimônio público
e aos princípios informadores da administração. Como explica Eduardo Cambi:
7
CAMBI, Eduardo. A Atuação do Ministério Público no Combate à Corrupção na Lei
12.846/2013. Revista do Conselho Nacional do Ministério Público, nº 4, 2014. p. 13.
8
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da
Lei Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas. Fórum Administrativo [recurso
eletrônico]: Direito Público, 2014. p. 8.
9
Lei 12.846/2013, Art. 7º: Serão levados em consideração na aplicação das sanções: [...]
VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incenti-
vo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito
da pessoa jurídica.
CAPÍTULO 19
credibilidade e a reputação do programa e da empresa sejam preservadas. Fa-
la-se assim na tríade do compliance: prevenção, detecção e remediação.
10
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
11
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 33.
CAPÍTULO 19
Vale mencionar que a Justiça Trabalhista brasileira em algumas ocasiões
afirmou a improcedência de pedidos de indenização por dano moral por mera
sujeição do empregado a procedimentos de auditoria interna:
[...] diante de ocorrência que possa dar ensejo à aplicação de sanções dis-
ciplinares, é prerrogativa do empregador buscar, no exercício regular do seu
poder diretivo, investigar o ocorrido de modo a garantir tanto a identificação
do responsável, bem como que não sejam aplicadas sanções disciplinares inde-
vidas. Não sendo comprovada a ocorrência de abuso no exercício desse direito,
descabida a compensação a título de indenização por dano moral.12
No mesmo sentido:
12
“TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST-RR-35700-08.2006.5.02.0079, Acór-
dão 1ª Turma, Relatoria do Ministro Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 29 de abril
de 2015. p.24.
13
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST-AIRR-907-78.2012.5.09.0001, Acórdão
8ª Turma, Relatoria da Ministra Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 15 de abril de 2015.
14
BLOCH, Meric Craig. Guide to Conducting Workplace Investigations, The Society of
Corporate Compliance and Ethics, 2008. p. 3.
CAPÍTULO 19
presa tenha a eles se obrigado. É o entendimento sintetizado na Súmula nº 77
do Tribunal Superior do Trabalho (TST):
Por fim, é importante ter cuidado para não revelar ao entrevistado informa-
ções sensíveis, zelando pela discrição com o manejo de documentos e anotações.17
15
Sã BONVICINO, João. Técnicas de Entrevistas Investigativas. IBRAC – Investigações
Corporativas e Compliance, outubro de 2017.
16
Ibidem.
17
Ibidem.
CAPÍTULO 19
3.3. O tratamento de testemunhas entrevistadas
As entrevistas com os colaboradores devem incluir qualquer pessoa que tenha
observado um incidente relevante ou que possua alguma informação importante;
autores de documentos; o supervisor do investigado e as pessoas que o denunciante
e o investigado tenham solicitado que sejam entrevistadas.
Contudo, há quem aconselhe que as entrevistas não devam ser gravadas por
recurso de áudio ou vídeo a fim de não intimidar os entrevistados. Nesse caso,
orienta-se a presença de dois entrevistadores que devem conjuntamente tomar
notas das declarações apresentadas.18
18
Trata-se de sugestão de Meric Craig Bloch: “You should not tape-record the interview.
Recording may have a chilling effect on the person being interviewed. While a taped account
may maximize accuracy, the better approach is a more conversational format with one or two
notetakers present. Thereafter, the interview notes can be reviewed and cross-checked to have
an accurate account of the interview”. BLOCH, M. C. op. cit. p. 6.
19
LIGHTHOUSE. Best Practices for Handling an Ethics Hotline Report: Developing Poli-
cies and Procedures for Conducting an Effective Ethics Investigation, 2010. p. 9.
20
SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Upjohn Company v. United States, 449
U.S. 383 (1981).
CAPÍTULO 19
das investigações internas. É preciso ter em mente que a entrevista expõe não
só o entrevistado, mas por vezes todo o setor do qual ele faz parte e, em alguns
casos, toda a companhia. Logo, um tratamento que provoque o mínimo de des-
conforto e não comprometa as operações cotidianas da empresa é o que se deseja
nesse momento, sobretudo porque a investigação pode revelar a inocência do
investigado ao final do procedimento.
Assim como as entrevistas não devem servir como provas suficientes para
272
um parecer positivo ou negativo de autoria, concluir pela credibilidade ou não de
uma entrevista baseada exclusivamente em body language ou tonalidade de voz
seria temerário. O somatório de todas as evidências ou provas coletadas devem
ser conjuntamente consideradas.
21
MEYER, Pamela. Detector de Mentiras: técnicas de interpretação da linguagem corporal
e da fala. Rio de Janeiro: Nobilis, 2017. p. 157.
CAPÍTULO 19
De forma geral, aconselha-se uma investigação minimamente intrusiva, que
proporcione baixo grau de constrangimento aos envolvidos e o respeito ao seu
direito fundamental à privacidade. A confidencialidade, como medida de preser-
vação de eficácia das investigações, também deve ser observada em relação à
identidade de eventual denunciante e às declarações e documentos obtidos. Aos
responsáveis pela condução do procedimento exige-se comportamento profissio-
nal, objetivo e imparcial.
Com relação aos investigados, deve ser preservado seu bem-estar durante o
ato, evitando entrevistas desgastantes do ponto de vista físico e psicológico. De-
vem ainda ser entrevistados sob a mesma principiologia constitucional associada à
posição de defesa em processos judiciais e administrativos de forma geral, respei-
tando-se a lógica da presunção de inocência, do direito à defesa técnica, e a prer-
rogativa de não autoincriminação, que abrange o direito ao silêncio. Aconselhável
274 ainda a preservação do bem-estar do entrevistado durante o ato, evitando entrevis-
tas muito longas e desgastantes tanto do ponto de vista físico quanto psicológico.
CAPÍTULO 19
LIGHTHOUSE. Best Practices for Handling an Ethics Hotline Report: Developing Policies
and Procedures for Conducting an Effective Ethics Investigation, 2010.
MAZZILO, Leonardo. Investigações Internas e Justa Causa. Disponível em: <https://lec.com.
br/beta2021final/investigacao-interna-e-justa-causa/> Acesso em: 26 de agosto de 2021.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei
Anticorrupção – Reflexões e interpretações prospectivas. Fórum Administrativo [recurso eletrôni-
co]: Direito Público, 2014.
MEYER, Pamela. Detector de Mentiras: técnicas de interpretação da linguagem corporal e da
fala. Rio de Janeiro: Nobilis, 2017
SERPA, Alexandre da Cunha. Investigações de Compliance. Disponível em: <https://docero.
com.br/doc/n81cnsn> Acesso em: 26 de agosto de 2021.
SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Upjohn Company v. United States, 449
U.S. 383 (1981).
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST-AIRR-907-78.2012.5.09.0001, Acórdão 8ª
Turma, Relatoria da Ministra Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 15 de abril de 2015.
TURBAY, Marcos. FLEIDER, Fernando. Técnicas de Entrevistas. [publicado em: 4
set. 2019 por Decipher Academy]. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-
cwOpK4P6aYE&ab_channel=DecipherAcademy> Acesso em: 25 de agosto de 2021.
UNITED KINGDOM BRIBERY ACT, 2010.
ZACLIS, Daniel. Investigações Internas nas Empresas Nacionais. Disponível em: <https://
valor.globo.com/legislacao/noticia/2019/10/24/investigacoes-internas-nas-empresas-nacionais.
ghtml> Acesso em: 26 de agosto de 2021.
276