Ano 6 - Nº 23

Outubro/2018

COMPLIANCE MASTERMIND
Profissionais especialistas, os participantes deste inovador programa
da LEC vivenciam experiências únicas e exclusivas, produzem
conteúdos relevantes e debatem as melhores práticas em compliance,
alavancando o desenvolvimento profissional e pessoal de todo o grupo

e mais:
Como o seguro garantia Ex-servidores públicos Compliance concorrencial
ajuda o compliance? avançam na área privada ganha mais destaque
 LEC • sumário

10.capa - compliance mastermind

O programa da LEC para gestores da área de Compliance
reuniu seus membros num evento exclusivo, com a presença
de Deltan Dallagnol. Discussões de alto nível e troca de
experiências entre os participantes sobre os desafios
presentes e reflexões sobre para onde os profissionais
devem olhar no futuro.

A primeira publicação de negócios com
foco em compliance do Brasil
Idealizador: Daniel Sibille
Diretora: Alessandra Gonsales
Gestor de Comunicação:
Renato Paim – renato@lecnews.com
Editora LEC
Rua Martin Afonso, 150 – Belenzinho
03057-050 – São Paulo – SP
contato@lecnews.com
www.lecnews.com
REDAÇÃO E EDIÇÃO
Fundador: José Luiz de Paula Jr.
Editor e Publisher: Aûani Cusma de Paula
Colaborou nesta edição: Marcus Frediani
Cusman Editora Especializada Ltda
Rua Dom Duarte Leopoldo, 678 – Cambuci
01542-000 – São Paulo – SP
Fone: (11) 3392-2584
auani@cusmaneditora.com.br
A revista LEC não se responsabiliza pelas
informações emitidas por terceiros.
6.LEC News
Não teve jeito, a Petrobras teve que
admitir sua culpa nos problemas de
corrupção, das quais também foi vítima,
para fechar acordo com as autoridades
dos Estados Unidos.
24.LEC News Anticorrupção
A Sapin 2, lei francesa anticorrupção,
é muito elogiada pelas obrigações
que imprime às empresas em termos
de conduta e compliance. Mas alguns
dos seus mecanismos apresentam
dificuldades importantes para funcionar.
32.Setorial
As mudanças no texto da Lei de
Licitações abre novas possibilidades
para o mercado de seguros participar
de forma mais efetiva em obras
públicas de grande porte. A seu modo,
é algo que ajuda no trabalho de
compliance também.
42.Compliance Digital
Os desafios que o profisional de
compliance terá de enfrentar para
adequar sua empresa às novas legislações
de proteção de dados pessoais são
gigantescos. E o prazo, curto.
18.Papo de Compliance
Movimento comum nos Estados
Unidos, a ida de profissionais oriundos
de orgãos de controle do Poder
Público rumo à área de Compliance na
iniciativa privada é uma boa notícia
para o desenvolvimento do mercado.
Basta que as partes tenham prudência.
28.Mercado
O Direito da concorrência não é novo.
Mas, só agora que os profissionais
de compliance de setores não tão
expostos aos problemas concorrenciais
começam a dar atenção a essa
legislação.
40.LEC News PLD
O Credit Suisse falhou em ser diligente
nos seus controles de PLD em três dos
maiores casos globais de corrupção da
história.
46.Compliance Financeiro
Os membros do Comitê de Compliance
Financeiro da LEC ajudam a esclarecer
alguns dos pontos mais relevantes das
novas regras para proteção de dados
pessoais no setor financeiro.

www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 3

lec • editorial
Sejamos sinceros com nós mesmos
Diante da amplitude e da diversidade de riscos aos quais as empresas estão expostas atualmente,
não é de se estranhar que, se for avaliado na prática, o seu programa de compliance vai demonstrar
algumas fragilidades
O
seu programa de conformidade foi desenhado
para funcionar de verdade?
Acredito que a resposta inicial de quase todos
os leitores que já tiveram a experiência de criar
ou aplicar um programa de compliance dentro de uma com-
panhia, independentemente do porte e do tipo de negócio,
dirá que sim, que o programa dele funciona. Pode-se até re-
conhecer a modéstia e as condições de limitações de recursos
sob as quais o plano foi desenvolvido (embora creia que a
maioria dos leitores acredite, naturalmente, que seu programa
é robusto); mas ele vai se manter firme na tese de que aquele é
um plano adequado para manter a empresa fazendo negócios
no caminho da ética e da transparência.
É compreensível que a maioria dos profissionais reaja as-
sim, quase que na defensiva, diante de uma pergunta dessa
natureza. Como compliance officers, atuamos para combater
a corrupção, para evitar os desmandos nas empresas, pensan-
do em deixar um “legado” para os nossos filhos e netos que
poderão então viver num lugar mais íntegro do que este em
que vivemos hoje. Quem questiona a eficácia e o valor do
nosso programa de compliance, mais do que não demonstrar
apreço pelo trabalho que fazemos, está questionando a nossa
integridade profissional e, por que não, nossa integridade pes-
soal, nos acusando, nos ofendendo. “Como o programa que
eu - uma pessoa tão ética e correta - desenvolvi, não vai ajudar
a empresa a ‘estar em compliance’”?
Claro que todo o parágrafo acima está carregado na tinta.
Foi proposital, para chamar sua atenção.
Apesar da carga dramática, o que ali está descrito reflete sim
a visão de muitos profissionais de integridade, inclusive pro-
fissionais que exercem posição de liderança. E o que eu quero
dizer com isso? Que para muitos de nós, o compliance ainda é
sinônimo de ética, que no Brasil de hoje, equivale - da perspec-
tiva da área - a mitigar os riscos de a empresa se expor a situ-
ações de corrupção. Ponto. Se o seu programa de compliance
tiver como pilar principal a política anticorrupção mais bem
elaborada do mundo, a verdade é que perante aos desafios e às
amplitude de riscos que se impõem aos negócios hoje, a proba-
bilidade desse programa necessitar de aprimoramento é grande.
Sejamos honestos, combate à corrupção e mesmo preven-
ção à lavagem de dinheiro, os dois temas mais bem explorados
da área (com certeza, os mais abordados ao longo de mais de
cinco anos de vida desta publicação) são questões bem endere-
çadas em algumas empresas, mas que não representam, nem de
4 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
longe, o cenário mais amplo de riscos aos quais as companhias
estão expostas. Assumir essa nova realidade é o primeiro passo
para que você possa fazer uma análise fria e verdadeira a respei-
to do seu programa. E aí, o ponto focal é avaliar se a sua análise
de riscos, que serviu de base para direcionar o seu programa,
foi feita a partir dessa visão mais ampla, moderna e honesta dos
riscos que podem impactar o negócio e o seu trabalho.
Quando digo, honesta, é no sentido de buscar entender,
realmente, o quadro mais amplo do negócio mesmo. Pegue
a nova legislação de proteção de dados pessoais. Ela traz de-
safios gigantescos e totalmente novos para os profissionais
de compliance, que muito provavelmente, só agora estão
começando a ter a noção mais exata da própria amplitude
do conceito de dados pessoais. Apenas aí, já recebemos um
choque de realidade que nos alerta para o fato de que nossos
programas precisam evoluir, já que a entrada em vigor da
legislação nada mais é do que reflexo de mudanças na forma
como a sociedade vem se moldado a partir de dados. Quer
outro exemplo? A evolução da legislação concorrencial, com
reguladores muito mais atuantes e incisivos, tem deixado
uma série de empresas em risco, com um detalhe importan-
te: muitas delas não têm a menor noção disso.
São apenas dois aspectos de uma realidade que se impõe
sobre nós, profissionais da área, e das quais ainda pouco sa-
bemos. Não por coincidência, os dois temas são abordados
em matérias desta edição. Ao admitir nossas “fraquezas”,
despindo-nos de vaidade, teremos condições de entender e
desenhar programas de compliance mais adequados à realida-
de de hoje, com a certeza de que elas não valerão muita coisa
amanhã. Esse desafio é, também, um dos aspectos maravilho-
sos da nossa área. Precisamos nos atualizar e aprimorar nossos
programas constantemente.
Boa leitura,
Alessandra Gonsales
P.S.: Se você criou ou implementou
um programa de compliance sem
ter feito o mapeamento dos riscos do Alessandra Gonsales
negócio, a minha sugestão é realizá- Sócia-fundadora
lo o mais rápido possível . contato@lecnews.com
LEC • NEWS
Agora, ré
confessa
Q
uando a Lava Jata trou-
xe a tona os desmandos
impetrados por partidos,
políticos e funcionários
graduados à Petrobras,
uma das grandes questões que se colocava
era como as autoridades norte-americanas
iriam tratar a empresa brasileira.
De um lado, era claro que os contro-
les da companhia (todos eles, em todas as
instâncias), falharam feio em permitir que
a empresa – e consequentemente os seus
acionistas – fossem pilhados de forma os-
tensiva, contínua e por anos. Como a es-
tatal negocia papeis nos Estados Unidos,
além de manter operações relevantes por
lá, estava claramente configurado um caso
de violação ao FCPA.
Por outro, o fato de ser uma com-
panhia estatal e que as “mutretas” foram
organizadas e impetradas de dentro da
Petrobras, tornava o caso, no mínimo,
paradigmático. Como penalizar uma pes-
soa jurídica que foi, ela mesma, lesada – e
não lesou outra empresa pública ou país?
O Estado brasileiro optou por essa
6 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
segunda leitura, tratando a estatal como
vítima. Em linhas gerais, o que as auto-
ridades locais defenderam é de que como
a empresa teve toda a sua estrutura de
comando cooptada por empresários e
políticos, ela teria ficado “indefesa” frente
aos desmandos impetrados em comum
acordo com altos dirigentes de dentro da
própria companhia, sob a benção de seus
padrinhos políticos.
Agora, quatro anos o “petrolão” vir
à tona, as autoridades norte-americanas
emitiram seu veredito: a Petrobras, como
empresa, falhou em seus controles para
coibir, ou ao menos, alertar às autorida-
des sobre o que acontecia internamente.
E, por isso, deve pagar.
No último dia 27 de setembro, a es-
tatal brasileira assinou um non-prosecution
agreement (NPA) com o Departamento de
Justiça e a SEC, que regula o mercado de
capitais dos Estados Unidos, para encerrar
uma investigação contra a empresa por
violações ao FCPA. A multa determinada
pelas autoridades norte-americanas para
esse caso foi de US$ 853 milhões, o que a
coloca no segundo lugar entre as maiores
da história por violações ao FCPA, acima
dos US$ 800 milhões impostos à Siemens,
mas abaixo dos US$ 965 aplicados à sueca
Telia, no ano passado.
Diferente dos DPA, o deferread prose-
cution agreement, mais comum em casos
dessa magnitude, o NPA é um acordo
menos detalhado e que costuma impor
menos restrições às empresas, como a
necessidade de manter um monitor inde-
pendente por um determinado período
de tempo. Em geral, os NPA’s não con-
templam a admissão de culpa. É nesse
tipo de acordo que a frase “a companhia
não nega, nem confirma os supostos deli-
tos que deram origem à investigação”, se
faz mais presente.
Além de reconhecer que muitos de
seus altos executivos receberam e auto-
rizaram uma série de pagamentos ilegais
para políticos e partidos por meio de
terceiros, que tiveram sua vida facilitada
na Petrobras, a empresa admitiu que não
conseguiu criar e manter livros, registros
e contas que refletissem de forma precisa

e justa a capitalização de ativos imobili-
zados da estatal, e que certos executivos
assinaram falsas declarações referentes a
obrigações impostas pela Sarbanes-Oxley,
enquanto estavam envolvidos com os ilí-
citos. A Petrobras também admitiu que
alguns executivos não implementaram
controles financeiros e contábeis internos,
justamente para poderem continuar a fa-
cilitar pagamentos ilegais para políticos e
partidos políticos.
O valor negociado reflete um descon-
to de 25% sobre o limite mais baixo para
as multas aplicadas, segundo as diretrizes
de condenação dos EUA, graças à coope-
ração e as ações de remediação adotadas
pela empresa, ainda que ela não tenha fei-
to uma autodenúncia.
Seguindo o novo modelo que vem
sendo utilizados para a distribuição das
multas do FCPA, as duas agências norte-
-americanas vão receber apenas 10% do
valor da multa, cada. Os outros 80%
serão destinados ao Ministério Público
Federal, que irá constituir um fundo jun-
to com a Petrobras destinado a fomentar
www.lecnews.com.br
nova plataforma
da petrobras, em
santos (sp): o governo
dos Estados Unidos foi
“flexível” na punição,
mas não abriu mão da
confissão de culpa da
estatal brasileira.
programas sociais e educativos, à promo-
ção da cidadania, da integridade no setor
público e da transparência. Parte dos re-
cursos também poderá ser usada para o
ressarcimento de investidores do mercado
acionário brasileiro. Isso porque, o caso
da Petrobras ainda inclui uma penalida-
de relacionada com outra investigação da
SEC, que determinou multas e ressarci-
mentos que totalizam outros US$ 935,5
milhões, pelo fato de a empresa ter enga-
nado os investidores no mercado norte-
-americano. Só que esse valor poderá ser
abatido do pagamento feito para liquidar
a ação de classe impetrada por pessoas de-
tentores de ADR´s (os papeis de empresas
internacionais na bolsa norte-americana)
contra a petrolífera numa corte de Nova
York. Caso o valor pago não supere o da
multa imposta pela SEC – o que não deve
acontecer – a estatal terá de acertar a dife-
rença com o regulador norte-americano.
Essa ação não contempla os detentores de
papeis da empresa listados na bolsa brasi-
leira. Apesar do acordo, essa investigação
da SEC continua em andamento.
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
7
Foto: Andina Peru LEC • NEWS
Festa sob controle
A
té meados de 2021, quando
completará 200 anos da sua in-
dependência, o Peru espera ter
aplicado e operacionalizar as políticas
e estruturas de controles internos do
governo central em todas as regiões
do país andino, garantindo a indepen-
dência do trabalho dos funcionários da
Controladoria-Geral. Ao menos, esse
é o objetivo do controlador-geral, Nel-
son Shack.
Atualmente, em 30% das provín-
cias peruanas (que equivale no Brasil
as regiões dentro dos estados) não
contam com estrutura de controle in-
dependente do poder local. No nível
distrital (os nossos municípios), a situ-
ação é mais grave, uma vez que 90%
não têm nenhum tipo de controle.
A partir da nova Lei de Fortaleci-
mento, a Controladoria iniciou este
ano o processo para assumir os ór-
gãos de controle interno (OCI’s) das
províncias. Até aqui, 191 OCI’s pro-
vinciais, das 196 províncias do país,
foram assumidas, e agora contam
com um chefe indicado e controlado
pelo Gabinete do Controlador Geral.
Agora, a pasta dá início ao traba-
lho para reforçar as capacidades pro-
fissionais das unidades de controle
interno, com a formação de equipes
de auditoria básicas compostas por
engenheiros, advogados, contadores
8 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
controlador-
geral do
peru, shack
yalta (de
óculos): apoio
da população
para acompanhar
pequenas obras
públicas.
e administradores. Serão essas equipes
as responsáveis por estender o contro-
le do governo para os 1678 distritos (os
nossos municípios) que existem no terri-
tório nacional. Os distritos maiores, com
orçamento equivalente a 54 milhões de
soles (algo como R$ 65 milhões), conta-
ram com OCI própria, cuja equipe será
nomeada pela própria Controladoria-
-geral. Nos outros casos, o controle será
exercido pela OCI provincial.
O controlador Shack Yalta também
acredita que, antes do bicentenário, 50
mil cidadãos farão parte do programa
“Monitores Cidadão de controle”, criado
com o objetivo de supervisionar peque-
nas obras públicas, com orçamento infe-
rior a 10 milhões de soles (cerca de R$
12 milhões), especialmente nas áreas
mais isolados do país. “Todos os anos,
cerca de 30 mil obras públicas são inicia-
das no Peru. A Controladoria não tem o
pessoal para cobrir todas essas interven-
ções públicas, por isso, criamos o progra-
ma, convidando os cidadãos a participar
voluntariamente desse controle social”,
diz Yalta. Um programa piloto já está em
andamento e, para escalar o programa,
estão sendo estudados e estabelecidos
protocolos e medidas de segurança para
voluntários, bem como a criação de apli-
cativos para o gerenciamento deste pro-
grama. Os voluntários serão treinados
pela Escola Nacional de Controle.
Como fazer?
J
á é senso comum dizer que a
automação e o uso mais in-
tensivo de tecnologia podem
tornar mais fáceis e eficazes muitos
dos processos necessários à área
de Compliance. Até porque, ano
após ano, as lideranças da área de
Compliance nas empresas têm tido
que se virar para fazer mais com
menos. Mas, entre o discurso e a
prática, a distância tem sido maior
do que o esperado. Uma pesquisa
recentemente divulgada pela em-
presa de auditoria e consultoria
KPMG mostra que mais da metade
dos 206 chief information officers
(CIOs) e chief compliance officers
(CCOs) de empresas nos Estados
Unidos consultados, ainda não es-
tão automatizando suas atividades
de compliance.
Os resultados da pesquisa
sugerem uma abordagem base-
ada em três faixas: estabelecer
a estratégia, definir prioridades
e executar. Parece simples. Só
que, embora 90% dos entrevista-
dos digam que pretendem dedicar
mais recursos para programarem
a automação dos processos, ape-
nas 20% tem uma estratégia bem-
-definida de automação para o
compliance a ser executada nos
próximos dois anos.
A consultoria diz que é preci-
so que os principais responsáveis
pelo tema na empresa atuem de
forma colaborativa para identificar
oportunidades de automação em
conformidade e as soluções de
TI para implementá-las. Uma vez
identificada as oportunidades, é
preciso priorizá-las com base em
uma abordagem de obrigações re-
gulatórias e riscos. Por fim, a em-
presa deve estabelecer uma estru-
tura para monitorar o desempenho
dos processos automatizados, o
que ajuda a garantir que a organi-
zação esteja colhendo todo o be-
nefício do investimento.

Foto: Anton Petrus/Istock
Concorrência modernizada
E
m vigor desde 24 de maio, a nova Lei Antitruste Argen-
tina e as diretrizes que regulam sua aplicação são peças
fundamentais na modernização da economia argentina,
tornando as regras de defesa da concorrência mais efeti-
va e as punições mais severas.
A reforma estabeleceu a figura da Autoridade Antitruste, o equi-
valente portenho ao CADE brasileiro. A agência irá operar de forma
descentralizada e autorregulada dentro do Executivo. Sua estrutura
vai contar com três grandes áreas, o Tribunal Antitruste, responsável
pelos julgamentos dos casos de infração as regras concorrenciais; a
Secretaria de Investigação de Práticas Anticoncorrenciais; e a Secre-
taria de Concentrações Econômicas, que ficará encarregada da fase
de investigação em procedimentos relacionados à aprovação ou não
de operações de fusão e aquisição que podem resultar em concentra-
ção e interferir na livre competição.
Com as novas regras, o governo espera dar independência po-
lítica à autoridade antitruste do país, tirando essa função da esfera
da presidência e dos seus ministérios. Atualmente, essas funções são
executadas pelo ministério do Comércio, que continuará a exercê-las
até a criação efetiva da nova agência. O novo regime também só será
válido um ano após essa criação.
Um dos aspectos mais importantes da nova Lei é que ela realiza
uma espécie de atualização de valores, tanto em relação às multas
como no das transações passíveis de análise do órgão. E, não é para
menos. A inflação galopante dos nossos Hermanos ao longo das úl-
timas décadas tornou os valores limites extremamente baixos. Hoje,
operações de empresas com volume de negócios que excedam os
200 milhões de pesos (R$ 20 milhões pelo câmbio atual), precisam
ser avaliadas pelo órgão antitruste. A nova lei estabelece uma nova
regra, de que apenas as transações que estejam acima de 100 milhões
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porto madero, área
moderna de buenos
aires: os argentinos correm
atrás do tempo perdido com
regras ultrapassadas.
de unidades variáveis. Cada unidade variável equivale a 20 pesos,
valor que será ajustado anualmente. Com isso, de partida, apenas
operações envolvendo companhias com volumes de negócios aci-
ma de dois bilhões de pesos precisarão de aprovação da Autoridade
Antitruste. Com isso, o órgão acredita que poderá dedicar melhor
seus recursos para investigar e analisar casos com potencial realmen-
te grande para a concorrência. Se após 45 dias a Autoridade não
chegar a uma conclusão, a transação será considerada aprovada. Se a
operação puder restringir a concorrência, o prazo para a emissão de
uma decisão pode ser prorrogado por mais 120 dias.
Na outra ponta, o valor limite de 150 milhões de pesos (cerca
de R$ 15 milhões pelo câmbio atual) para as multas, também era
insignificante. Agora, as multas podem alcançar até 30% do volume
de negócios associados aos bens ou serviços envolvidos nas práti-
cas ilícitas, multiplicado pelo número de anos em que essas práticas
aconteceram; ou até o dobro do retorno econômico auferido pela
empresa. Vale o que for maior.
Outro ponto fundamental da nova lei é estabelecer a possibili-
dade dos acordos de leniência, por meio do qual qualquer indivíduo
ou empresa participante de um cartel que comparecer à Autorida-
de, poder receber imunidade ou redução das multas previstas na lei,
caso seja a primeira entre as partes envolvidas no cartel a solicitar
leniência, fornecer provas, cooperar com a Autoridade entre outras
obrigações. Quem não for o primeiro, ainda pode ser elegível para
uma redução entre 50% e 20% da multa se fornecer mais provas
para a investigação. A lei também estabelece a possibilidade de uma
leniência, na qual à empresa que divulgue e reconheça um segundo
cartel em outro mercado, pode se beneficiar de uma redução de 30%
da sanção ou multa que seria aplicável para seu envolvimento no
primeiro cartel, a chamada “leniency plus”.
9
capa • compliance mastermind
O que desafia o
compliance?
Perguntamos aos participantes do programa Compliance Mastermind,
profissionais responsáveis por tocar o compliance em empresas de diferentes
portes e segmentos, o que mais os desafia e lhes move na busca pelo
aperfeiçoamento profissional para lidar com as demandas de uma área em
permanente evolução
N
ão se pode dizer que compliance seja uma
carreira já estabelecida no mercado. Afi-
nal, a área ainda é novata no ambiente
corporativo. Entretanto, é possível dizer
que nela já atuam alguns “jovens vetera-
nos”, profissionais visionários, que enxer-
garam uma oportunidade de navegar e se destacar num tema
inexplorado até bem pouco tempo atrás, que recebia pouca
ou nenhuma atenção de estudantes e profissionais em iní-
cio de vida profissional. Outro grupo de “jovens veteranos” é
composto por profissionais que foram recrutados em outros
setores para uma missão: liderar, ou mesmo montar do zero,
o departamento de Compliance nas empresas em que traba-
lhavam. Esse movimento foi acelerado pela publicação da Lei
Anticorrupção brasileira, e, também, com a incorporação de
uma visão mais estruturada sobre o papel e o funcionamento
da área por mais empresas multinacionais e locais.
Quem acreditou no potencial e na importância que a área
poderia vir a ter – especialmente em um País como o Brasil
– e deu um jeito de “correr atrás” para aprender mais sobre o
tema, se beneficiou de um mercado que, já faz algum tempo,
tem uma demanda muito grande por pessoas qualificadas.
Na melhor tradição de quem trabalha com compliance,
esses profissionais foram “flechados” pelo tema. Para eles, o
trabalho se mistura com paixão e senso de dever, embora to-
dos tenham muito claramente que a função primordial dos
10
seus respectivos postos não é a de atuarem como paladinos
da ética e da moral, mas sim, a de manter suas respectivas
empresas o mais seguras possível contra riscos de descumpri-
mento de regulações e más condutas de negócios.
A jovialidade da área fez com que esses profissionais não
tivessem muita escolha, que não a de estabelecer uma linha de
estudo muito mais prática, a partir de necessidades bastante
reais do trabalho, adquirindo habilidades que um acadêmico,
estudioso da área, dificilmente terá. Ao final dia, a verdade é
que compliance é um trabalho muito mão na massa.
Não pode parar
Se existe uma verdade daquelas contra as quais não existe argu-
mento, é a de que não existe rotina em compliance. É claro que
é um trabalho que envolve muitos processos e documentações,
mas, especialmente para quem lidera a área, é mandatório estar
sempre aprendendo, se reinventando para acompanhar não só
as mudanças nas leis e regulações que podem lhe obrigar a fazer
alterações no programa de compliance; mas, principalmente,
em função das mudanças na sociedade, que impactam as em-
presas em diferentes frentes – muito menos óbvias do que uma
nova lei que estabelece (quase sempre) o que você pode ou não
pode mais fazer. São eventos que, de forma um tanto quanto
imprevisível, podem virar de cabeça para baixo a forma como
as companhias se relacionam com seus funcionários e clientes.
Dada a sua natureza, também são muito mais difíceis de serem
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
 PARTICIPANTES
DO COMPLIANCE
MASTERMIND: no
inovador programa anual
da LEC, gestores de
compliance participam
de experiências únicas
e exclusivas, debatem
as melhores práticas
e produzem conteúdo
relevante para nortear
a evolução da área.

www.lecnews.com.br 11
capa • compliance mastermind

“O compliance tem de manter uma
política de portas abertas e fácil
acessibilidade. Se alguém procura a
área para tirar uma dúvida, é porque
quer fazer a coisa de forma correta”
Sérgio pinto
Regional Sector Lead - Health Care Compliance
“Nosso desafio diário é transpor os
conceitos de riscos e atitudes éticas ao
negócio da empresa para torná-la
mais competitiva em um ambiente
corporativo cada vez mais saudável”
Felipe faria
Chief Compliance Officer
“O desafio do compliance está na
difusão da crença de ser possível obter
resultados através da confiança,
da disciplina e do cumprimento de
princípios e valores declarados”
carolina gazoni
Sócia na 360º Compliance

interpretadas da perspectiva do compliance, que continua sen-
do uma atividade cuja efetividade depende muito das pessoas
acreditarem no que você diz a elas.
Profissionais com essa experiência precisam de um ambien-
te com outros profissionais como ele para trocar ideias, discutir
conceitos ou mesmo tirar dúvidas. Afinal, alguns dos desafios
que um deles enfrenta no comando da área hoje, certamente
já foram vivenciados por outro colega. Ao mesmo tempo, a
vivência dele pode ajudar outros profissionais de liderança a
terem uma visão diferente e arejada de um determinado pro-
blema com que lidam em suas companhias.
O programa Compliance Mastermind foi criado pela LEC
para reunir um pequeno e exclusivo grupo de profissionais em
torno de experiências exclusivas, capazes de agregar algo novo
e único para pessoas que estão sempre em busca de conheci-
mentos para aperfeiçoar sua atuação profissional e levar seus
times a patamares de excelência ainda mais altos. O Complian-
ce Mastermind é dedicado exclusivamente para quem ocupa
posição de gestão na área de compliance, criando um ambiente
restrito, de altíssimo nível. O programa é anual e seu ciclo tem
início após a realização do Congresso Internacional de Com-
pliance. No seu evento inaugural, o Compliance Mastermind
trouxe uma aula especial do Procurador Deltan Dallagnol, que
apresentou em detalhes a evolução dos crimes de corrupção
e lavagem de dinheiro no Brasil e no Mundo e de como as
autoridades têm quebrado a cabeça para enfrentar casos cada
vez mais sofisticados. Por mais de duas horas, o coordenador
da Força Tarefa da Lava Jato não se absteve de responder aos
questionamentos e pedidos de esclarecimento dos partici-
pantes do Compliance Mastermind em temas relacionados a
mecanismos para definição de multas, o papel das instituições
financeiras no combate à corrupção e sobre como ele avalia o
arcabouço regulatório brasileiro.
Gerando conhecimento para todos
Apesar de ter como objetivo principal a evolução e o aperfei-
çoamento profissional dos membros do grupo, a importância
do Compliance Mastermind extrapola os limites do programa
em si. A diversidade de perfis e vivências dos seus participantes
oferece um caldo rico, cheio de histórias, permitindo o debate
de ideias que podem ajudar a direcionar os caminhos do futuro
do compliance no Brasil.
A revista LEC também quer compartilhar um pouco dessa
riqueza profissional com os seus leitores. Confira nas próximas
páginas, no que os “Compliance Masterminds” têm pensado
em termos de evolução e futuro do compliance.

12 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

“Não haverá programa de
compliance efetivo se apenas um
setor for designado como responsável
por garantir a integridade de toda a
empresa”
sérgio loureiro
Chief Compliance Officer
“A área de Compliance fascina por sua
dinâmica e constate evolução. Existe
um campo enorme de aprendizado e
pesquisa. Além disso, sua importância
é crescente nas organizações”
Massamitsu iko
Senior Manager Global Ethics & Compliance
“Agir com ética e dar lucro é a grande
tendência. Empresas que pensam e
agem assim serão as reais líderes de
mercado e terão acionistas, clientes e
funcionários cada vez mais satisfeitos”
Patrícia punder
Compliance Officer

Para além dos desafios do dia a dia, que já são muitos e complexos, existe algum grande tema de
Compliance – seja ele novo ou velho – que lhe “tira o sono”? Algo para o qual você dedica reflexões
e pensamentos em busca de uma resposta, que talvez não exista, mas que lhe move a pensar em for-
mas de como avançar com o papel da área de Compliance?

Alexandre Serpa: A questão de esclarecer às pessoas que o
programa de compliance não é uma nova forma de ética,
mas sim um tema de gestão de riscos, que deve sempre levar
em conta o apetite de riscos de cada empresa. O compliance
não pode ser visto como a solução para todos os problemas
éticos da sociedade. Há sim um efeito que o programa de
compliance corporativo leva às vidas das pessoas que tra-
balham nas empresas que contam com bons programas de
compliance, mas isso é um subproduto (extremamente po-
sitivo), não sua função primária.
Daniel Sibille: Um tema importante que tenho visto tanto
do lado de profissionais de empresas, quanto de escritórios
de advocacia, é a aparição dos chamados “especialistas”, que
não têm conhecimentos sólidos na área. Vejo, de forma até
bastante rotineira, profissionais sem nenhuma experiência
assumindo e implementando programas de compliance em
empresas de pequeno, médio e até grande porte, sem ter a
menor ideia do que estão fazendo. Isso é bastante problemá-
tico, porque a concorrência entre os prestadores de serviços
especializados certamente aumentou demais, e a busca por
preços mais baixos nem sempre é a melhor opção. Hoje,
existem empresas fazendo toda a implementação do progra-
ma de compliance por valores irrisórios. Ainda que seja um
primeiro passo, esse programa não será aderente à empresa
e não cobrirá os riscos, já que sequer é feita uma análise
de risco efetiva. Já do lado dos profissionais que têm assu-
mido posições de responsabilidade sobre a área dentro das
empresas, além de muitos não terem a experiência devida,
talvez não tenham as soft skills necessárias para desempenhar
a função. Experiência a gente adquire, foi assim comigo e
vai ser com outras pessoas. Não é esse o problema. Mas sim,

www.lecnews.com.br 13
capa • compliance mastermind

“Enfrento diversos desafios no campo
profissional, que me levam a ser mais
do que ‘só advogada’. O compliance
officer deve possuir conhecimento das
áreas de Finanças e Controles”
daniela leme
diretora de Compliance - Brazil e Latam
“Trabalhar com compliance trouxe
um significado para minha “vida”
corporativa. O fato de poder fazer
diferença na cultura da empresa e na
vida das pessoas é algo impagável”
ROGÉRIO MOLEIRO
Diretor de Ética & Compliance - Brasil
“Não é raro sermos desafiados a
demonstrar, na prática, como as
áreas de negócios podem cumprir
com uma lei sem que a empresa
perca negócios”
GUSTAVO LUCENA
Partner - Regulatory Risk/Risk Advisory

profissionais grossos, que não conseguem ser gentis com co-
legas de outras áreas, sem a capacidade de estabelecer uma
comunicação eficiente ou, pior, com problema de integri-
dade efetiva. É preciso atentar para essas pessoas.
Daniela Leme: Um tema que me faz refletir é o da res-
ponsabilidade do compliance officer nos crimes comissi-
vos por omissão, entendidos como sendo aqueles em que o
agente responde pelo crime, uma vez que atua na posição
de garante do bem jurídico tutelado. Há ainda muita dis-
cussão doutrinária sobre o assunto, quando o garante é vis-
to como o compliance officer. Entretanto, entendo que o
compliance officer, para estar enquadrado nesse tipo legal,
deve possuir os mesmos poderes de mandato conferidos
aos sócios e administradores. Penso que a disseminação da
cultura de compliance em uma empresa deve pautar-se na
responsabilidade de todos os seus funcionários, a partir do
momento em que assinam seu contrato de trabalho e suas
respectivas políticas de conduta. Essa mentalidade da ac-
countability, se bem implementada através de treinamentos
e disseminada através de meios de comunicação, é capaz
de promover a transformação de uma empresa, sua própria
cultura e das pessoas. O compliance officer deve ser visto
como um instrumento de meio e não um fim de um pro-
grama de integridade.
Alessandra Gonsales: O convencimento da liderança – não
apenas do top management, mas também de diretores e ge-
rentes – ainda é um grande desafio. Mesmo em empresas que
implementaram os pilares do programa, encontramos casos
nos quais o compliance não é efetivamente vivenciado den-
tro da organização. Muitos líderes ainda não compreenderam
sua relevância e o quanto que o compliance pode ajudá-los na
tomada de decisões, que continua sendo deles e não do com-
pliance officer. O compliance é um instrumento essencial
para mitigação de riscos que podem afetá-los diretamente.
Nos treinamentos que faço para líderes das empresas sempre
brinco que eles precisam fazer a área de Compliance trabalhar
ao máximo, para que eles possam “dormir tranquilos”.
Felipe Faria: A área de Compliance é uma realidade recente
para a maioria dos empresários e também para membros de
conselhos, acionistas e outros stakeholders. Por mais que os
profissionais saibam o que estão fazendo, me parece que a
integração da alta administração com a área é um ponto que
exige bastante reflexão. Como informá-los sobre as atividades

14 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

“Você lida diariamente com assuntos
diversos e precisa entender bem todo o
cenário antes de emitir a sua opinião
sobre a situação. Resumindo, não
existe rotina em Compliance”
igor silva
Corporate Compliance Senior Specialist
“Se conseguir conscientizar alguns
profissionais que atuam nos clientes
que atendo a agirem de forma
diferente na sua tomada de decisões,
já me sentirei realizada”
Alessandra Gonsales
Sócia de Compliance e diretora da LEC
“Compliance precisa gastar sola de
sapato e muita saliva. Cada situação é
única e a análise leva tempo. É preciso
serenidade, paciência e entendimento
completo dos casos, com metodologia”
Marília Zulini
Gerente de Compliance

e mantê-los na linha de frente do programa de compliance
(onde eles devem estar), uma vez que, não raro, eles enten-
dem pouco sobre o tema? Nas escolas de negócios, a matéria
ainda não é tratada com profundidade suficiente, diferente-
mente do que acontece com outras áreas, como finanças, por
exemplo. Não quer dizer que a maioria dos empresários e
gestores não consigam compreender as ações de conformida-
de. Pelo contrário, em minha experiência, eles querem parti-
cipar. Mas, essa comunicação e até a forma como eles podem
liderar algumas ações dentro do programa, são questões pou-
co exploradas, embora me pareçam importantíssimos como
tema. Faz parte de uma mudança de paradigma, porque não
adianta a alta administração mandar um e-mail, de vez em
quando, falando do programa de compliance.
Gustavo Lucena: Muito se tem feito de uns cinco anos
para cá. Agora é preciso lapidar o programa de compliance
não fazendo mais do mesmo. É preciso investir na cultura
de compliance na companhia. Aonde todos os colaborado-
res pensam e agem em cumprir regras. Treinar e aculturar
os gestores de negócios será um esforço contínuo do pro-
fissional da área, para que a cultura de compliance sempre
esteja implantada na empresa. Para isso, o conceito “Medi-
da Disciplinar” não pode gerar uma cultura do medo, em
que os erros não são comunicados e não são permitidos. As
empresas precisam buscar o conceito de “Just Culture” ou
“Cultura Justa”, na qual o gestor pode ser uma segunda vi-
tima do próprio erro, do processo operacional, ou até mes-
mo da companhia que não o preparou adequadamente para
conhecer todos os riscos que ele deveria gerir. Na “Cultura
Justa”, os gestores não são punidos por ações, omissões ou
decisões tomadas por eles quando essas são proporcionais à
sua experiência e treinamento. Em compensação, negligên-
cia, violações intencionais e atos destrutivos não são tolera-
dos. Nesse ambiente, os gestores possuem vontade e liber-
dade para reportar seus erros, contribuir com a melhoria
contínua e ajudam o profissional de compliance a evoluir
com seu programa de compliance, a partir do conhecimen-
to e da contribuição dos gestores do negócio.
Camila von Acken: Um tema sobre o qual reflito bastante
é como manter uma boa cultura empresarial tendo em vis-
ta o crescimento exponencial de algumas áreas do negócio.
Considero a cultura corporativa minha maior aliada, por-
tanto, me preocupo muito em como mantê-la viva e levá-la
rapidamente para os novos funcionários, já que temos pes-

www.lecnews.com.br 15
capa • compliance mastermind

“Se o programa se preocupar apenas
com criar normas e controles internos
para mitigação dos riscos, pode estar
fadado ao fracasso, especialmente no
viés da prevenção”
Matheus Cunha
Sócio - T4 Compliance
“O que mais me desafia é enfrentar
as rápidas mudanças do mercado.
Sobretudo, lidar com novos produtos,
serviços e a inovação tecnológica.
Tudo isso impacta no meu dia a dia”
DANIEL SiBILLE
Diretor de Compliance - Latam
Em 2002, participei de um grande
caso de FCPA e me apaixonei pela
área. Descobrindo casos de corrupção
e ajudando os clientes vi que meu
trabalho tinha impacto social”
Camila von acken
Regional Compliance Counsel

soas com as mais variadas culturas. Uma cultura favorável
previne problemas e também incentiva funcionários a re-
portarem fatos que eles enxergam e não concordam, ou não
acredita serem aquelas, situações que deveriam ser toleradas
apenas pela questão da cultura. Vejo um trabalho com RH
e com outras áreas que vestem a camisa da cultura da em-
presa como essencial para prevenir problemas que possam
gerar consequências à área de Compliance.
Sergio Loureiro: Acredito que o maior desafio seja a imple-
mentação de uma cultura eficiente de compliance. Quanto
maior e mais tradicional for a empresa, maior será o desafio
para implementar uma mudança cultural. E por que esta
mudança na cultura é essencial ao compliance? No passado,
certos desvios éticos eram socialmente aceitos. A ausência
de sanções significava permissividade para realização do ato.
Hoje, porém, mesmo com todas as ferramentas, controles
e regramentos da área de Compliance, é fundamental a
participação e a conscientização de cada colaborador. Caso
contrário, o programa de compliance certamente ficará pre-
judicado. Não haverá programa de compliance efetivo se
apenas um setor for designado como responsável por garan-
tir a integridade de toda a empresa. O compliance é cada
um de nós, é a nossa conduta dentro da companhia.
Camila Gazoni: Como provar, comprovar, atestar, de-
monstrar que o resultado financeiro não pode ser o único
resultado pretendido por uma organização? Seria este um
desafio da área de Compliance, mudar a consciência das
pessoas? Há, de fato, uma diferença entre o papel desempe-
nhado pelas empresas no mundo, daquele desempenhado
pelas pessoas, no que diz respeito à ética e honestidade? Es-
tas são questões às quais tenho dedicado muitas reflexões.
Marilia Zulini: O grande desafio é como mudar a convicção
das pessoas, fazê-las acreditar que agir sempre do jeito certo,
com ética e dentro das regras, é possível e é o melhor para
elas, para a empresa e para a sociedade. Mudando a convic-
ção das pessoas, muda também a cultura da empresa, para
o caminho da ética e da integridade. Nesse cenário ideal, as
pessoas sentem orgulho de trabalhar na empresa, há menor
necessidade de controles e menos punições. É nisso que dedi-
co minhas reflexões diárias e conversas com a equipe.
Igor Silva: Acho que um aspecto dentro da área de Com-
pliance que pode ser melhorado é a definição de KPI´s (in-

16 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23


“O desafio diário consiste em balancear
os interesses da empresa com as formas
de se atingir os resultados, conseguindo
explicar a cada colega qual o papel dele
no todo do programa”
Alexandre Serpa
Regional Compliance Head - Latam e Canada
dicadores de performance) capazes de medir a eficiência do
programa de compliance. Não tenho observado literatura
no Brasil que cite esses aspectos. Acredito que por ser uma
área na qual as empresas têm dedicado especial atenção
nos últimos anos, em decorrência da Lei Anticorrupção, a
tendência é que isso possa ser apresentado de forma mais
elaborada nos próximos anos por profissionais, veteranos e
novos, de Compliance no Brasil.
Sergio Pinto: Eu acho que a nova lei de privacidade, o
comportamento nas redes sociais e, também, o uso de in-
teligência artificial em compliance são assuntos que vão re-
querer mais atenção e foco de todos nós nos próximos anos.
Massamitsu Iko: Creio que existam temas muito recen-
tes como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e os
riscos de segurança cibernética que nos trazem mais preo-
cupação. Ainda existem muitas incertezas sobre a LGPD e
o prazo para adaptação não é muito grande. No caso dos
crimes cibernéticos, os riscos são enormes e os mecanismos
de mitigação não evoluem na mesma velocidade que esses
riscos surgem. Agora, a grande reflexão - e o que mais me
preocupa em relação ao trabalho - é determinar o que é um
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compliance efetivo, quais fatores devem ser considerados
para afirmarmos o que é efetivo. E o que nós podemos fazer
em um ambiente de recursos escassos e apoio moderado do
top management para manter um compliance efetivo.
Matheus Cunha: O tema para o qual dedicado 100% dos
meus estudos é, justamente, sobre “a efetividade dos progra-
mas de compliance”. As concepções “compliance = conformi-
dade” ou “fazer porque a lei manda” são, em minha opinião,
um equívoco. O compliance destina-se a instituições, sejam
elas públicas ou privadas, as quais são compostas de pessoas.
Estas pessoas praticam ações, as quais causam resultados. Se
um programa de compliance se preocupar apenas com criar
normas de conduta e controles internos para mitigação dos
riscos, pode estar fadado ao fracasso, especialmente no viés
da prevenção. Primeiro, porque as ações das pessoas são ba-
seadas também em suas experiências e crenças, que se não
forem fundadas nos valores da ética e integridade, tendem re-
cair em ilicitudes, especialmente quando não são observadas.
Já o “bypass” em controles é maior causa de fraudes corpo-
rativas, segundo a ACFE (associação que reúne especialistas
em prevenção de fraudes). Por isso, penso que os programas
de compliance precisam ser repensados para trabalhar com a
cultura das instituições, abrindo espaço para a disseminação
e conscientização de valores e princípios e, também, para o
sentimento de pertencimento de cada stakeholder. Mas a real
efetividade deles, assim como a forma de avaliá-los e garanti-
-los, são, para mim, as perguntas de um milhão de dólares.
Patricia Punder: Sim. A questão da efetividade dos pro-
gramas de compliance me tira o sono. Existem muitas, mas
muitas empresas com programas que não são de fato efetivos.
Alguns não são efetivos propositalmente, pois o negócio não
acredita em compliance. O programa existe devido à legis-
lação e para participar de licitações. Outras vezes, o negócio
considera apenas uma onda que vai passar e que o que vale,
de fato, são os contatos que os profissionais da área de ne-
gócio possuem. Apesar do pensamento retrogrado mencio-
nado, acredito que o compliance é parte de um movimento
disrupitvo no mundo dos negócios. Agir com ética e dar lu-
cro é a grande tendência do mercado atual. Empresas que
pensam e agem assim serão as reais líderes de mercado e terão
acionistas, clientes e funcionários cada vez mais satisfeitos.
Rogério Moleiro: Minha meta diária é: quem eu vou aju-
dar hoje, como eu posso contribuir para que a empresa ou
algum funcionário me veja como parceiro para melhorar
algo? E isto não tem preço! As pessoas valorizam complian-
ce pela segurança que podemos proporcionar, quer seja em
ações preventivas, com treinamentos interativos e engaja-
dores, ou como business partners atuantes para acompanhar
e recomendar caminhos para os desafios e dilemas éticos aos
quais os negócios estão sujeitos diariamente.
17
papo de compliance • carreiras
Do outro
lado do
balcão
Ter mais ex-profissionais dos órgãos de
controle do Estado é um movimento
novo e que pode ser muito salutar. Basta
algum grau de regramento sobre como
o processo deve acontecer, somado ao
bom senso dos envolvidos
L
idar com o Poder Públi-
co é sempre complicado,
seja em que país for. A
burocracia inerente (e, em
alguma medida, necessá-
ria) ao setor público, seus
regramentos internos e a linguagem pe-
culiar dos seus servidores, fazem dessa
tarefa uma missão que pode demandar
algumas expertises diferentes daquelas
utilizadas nas relações entre partes estri-
tamente privadas.
Na área de Compliance, em que a
relação com agentes em diferentes es-
feras do setor público é muito grande,
saber como pensa quem está do lado de
lá do balcão, pode ser algo de grande
valia. Obviamente, uma das melhores
formas de aprender sobre como as coi-
sas funcionam no setor público, é ter
atuado nele. Não que um profissional
18
sem essa bagagem não possa desempe-
nhar muito bem tal função. Mas, é na-
tural que quem já esteve do lado de lá
tenha mais facilidade para entender, ao
menos num primeiro momento, o que
pensam e o que esperam os agentes do
Estado que estão na mesa negociando
um acordo de leniência, por exemplo.
Como chama atenção e ainda tem
muita demanda para relativamente pou-
ca mão de obra qualificada, profissionais
que atuam na área pública passaram a
olhar com mais atenção para as oportu-
nidades que o compliance oferece para
quem tem o conhecimento, a vivência
e a cultura que eles têm. “Os servidores
estão enxergando que existe um nicho
de mercado ainda embrionário, que per-
mite vislumbrar uma longa estrada de
crescimento”, acredita David Rechulski,
advogado especializado com mais de 15
anos de atuação na área de Compliance
e de Criminal Compliance. Isso tem le-
vado alguns deles a olharem com mais
atenção para essa possibilidade de migra-
ção para o setor privado. “Ali, eles pode-
rão se desenvolver como prestadores de
serviço, atuando de forma mais abran-
gente e assim ter uma melhor contrapar-
tida financeira. É a valorização da vivên-
cia e da possibilidade do conhecimento a
ela inerente ser aplicado objetivamente,
sob uma perspectiva de maior amplitude
e efetividade”, emenda Rechulski.
Nos Estados Unidos, nação que ain-
da serve de referência global para as prá-
ticas da área, essa movimentação não só
é comum, ela é esperada e desejada. Al-
guns dos principais nomes que lideram
a área ou têm atuação destacada nas
bancas de Washington D.C. e Nova
York são ex-procuradores do Departa-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
 Foto: huichenethics.com/
apresentação de
hui chen: por dois
períodos ela esteve
no DOJ. Agora, é uma
estrela no mundo do
compliance corporativo.

mento de Justiça (DoJ), ex-agentes do
FBI, da SEC, ou que acumulam passa-
gens em outros órgãos de regulação e
controle norte-americanos. São nomes
que agregam valor de ordem técnica às
empresas que precisam negociar com o
Estado, como profissionais experimen-
tados que são.
Um caso que ilustra bem essa situ-
ação é a de Hui Chen, profissional que
atuou por quase dez anos como advo-
gada no DoJ, passou outros 17 anos
ocupando posições de destaque nas
áreas Jurídica e de Compliance de em-
presas como Pfizer, Microsoft e Stan-
dard Cheatered Bank, para voltar ao
DoJ, em 2015, como a primeira Com-
pliance Counsel do departamento de
Fraudes da pasta. Nesse papel, Chen
foi autora do “Evaluation of Corpora-
te Compliance Programs” documento
de referência para quem atua na área,
seja do lado do governo, seja do lado
das empresas. Depois de “desenten-
dimentos” com a nova administração
Trump, a executiva deixou novamente
a pasta para se converter em uma das
grandes estrelas do universo do com-
pliance global.
Antes de seguirmos, é necessária
uma observação importante. É preciso
entender que, em solo norte-americano,
o trânsito entre as carreiras público e pri-
vada é bastante facilitado. Via de regra, o
DoJ e as agências reguladoras têm algum
grau de autonomia para contratar pro-
fissionais em diferentes níveis, de acordo
com as suas diferentes necessidades. Por
aqui, aos servidores públicos são concur-
sados e os concursos, extremamente dis-
putados por pessoas com excelente qua-
lificação, que buscam, principalmente, a
estabilidade oferecida por uma carreira
no setor público, cujos salários médios,
especialmente nos primeiros níveis da
carreira, costumam estar bem acima da
média do mercado. Por isso, quem en-
tra, tem muito receio de abandonar a
segurança oferecida para correr riscos de
uma carreira na área privada. Ao mesmo
tempo, é praticamente impossível para
quem está na iniciativa privada, buscar
essa experiência no setor público. No
DoJ, por exemplo, existem vagas abertas
periodicamente, inclusive posições que
demandam larga experiência e, não raro,
conhecimentos específicos.
Por aqui, não é permitido que o
Ministério Público faça o mesmo. As
poucas oportunidades para quem quer
vivenciar uma temporada no setor pú-
blico estão nos órgãos do Executivo,
especialmente em cargos de confian-

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papo de compliance • carreiras

ça. Foi o que aconteceu com Matheus o ministro wagner

Cunha, sócio da consultoria especiali- rosário, da cgu:
zada T4 Compliance. Ele começou a ter alguém do outro lado
estudar o tema ainda antes da aprovação da mesa de negociação
da Lei Anticorrupção. Matheus, aliás, que sabe como pensa
o Poder Público, não é
foi aluno de uma das primeiras turmas
mandatório, mas facilita
do curso de compliance anticorrupção a negociação.
da LEC. O escritório do qual era sócio
tinha atuação em São Paulo e também
no Mato Grosso e no Mato Grosso do
Sul. “Em São Paulo, surgiram clientes
sujeitos ao FCPA com demandas espe-
cíficas, mas no Mato Grosso não se fala-
va nada disso, era incipiente”, lembra o
especialista, que começou a escrever ar-
tigos e a realizar eventos com entidades
locais para tratar do assunto. Em 2016,
a movimentação chamou atenção do
Governador e da secretária de Estado
de Transparência do Mato Grosso. “Fui
convidado para ser secretário-adjunto
desse órgão. Os objetivos da minha pre-
sença ali ficaram muito claros: dar uma
contribuição técnica para tornar a lei
anticorrupção aplicável e criar uma cul-

tura de compliance no setor público e
no setor privado local. Minha principal
incumbência era criar um programa de
conduta do estado”, lembra Matheus,
que após essa passagem, montou sua
empresa de consultoria.
Como o trânsito não é fácil, o movi-
mento mais em evidência por aqui tem
sido o da migração de profissionais após
obterem sua aposentadoria no setor pú-
blico, em geral, após terem alcançado o
topo da carreira. Entre esses casos estão
os do ex-ministro da CGU, Valdir Si-
mão, que fez carreira como auditor da
Receita Federal; e do ex-delegado-geral
da Polícia Federal, Leandro Daielo.
Coincidentemente, ambos atuam no
mesmo escritório, o Warde Advogados,
que reforçou sua área de Compliance e
Anticorrupção com a chegada dos dois
ex-servidores.
Ao fim do ciclo de setor público,
nada mais justo que os servidores que
tenham talento e disposição, conti-
nuem trabalhando na inciativa privada.
E, apesar de salutar, é claro que é preci-
so pensar nas consequências desse novo
movimento.
AS VANTAGENS DE TER
ALGUÉM PENSANDO IGUAL
Ainda que valores como integridade se-
jam universais, os processos na área pú-
blica são burocráticos por natureza. Ter
estado do lado de lá faz com que o pro-
fissional tenha uma visão mais clara do
funcionamento da máquina. “Se você
vai fazer uma compra pública, você
tem que seguir um procedimento que é
muito mais burocrático. Enfrentar este
processo demanda mais planejamento”,
diz Matheus. Por outro lado, o setor
público está muito mais exposto e so-
fre fiscalização mais intensa. “Por isso, a
administração pública precisa se pautar
em controles mais efetivos”, pontua o
especialista da T4 Compliance.
Além disso, na relação entre as em-
presas e o Estado, existe algo relativa-
mente novo, a possibilidade de colabo-
ração. Isso muda a dinâmica tradicional
de uma modelo no qual, basicamente, o
Estado acusava e a empresa se defendia.
Foto: Divulgação
Trata-se de uma cultura nova e ainda
não arraigada entre as empresas. “Num
acordo de leniência, às vezes as empre-
sas chegam aqui sem o espírito real da
lei, que é ter a sua responsabilidade ob-
jetiva assumida sobre os fatos. Elas vêm
colaborar, mas, ao mesmo tempo, tam-
bém querem se defender”, diz Wagner
Rosário, ministro da Transparência e
Controladoria-Geral da União (CGU).
“Quando você tem um profissional que
sabe como a gente pensa, o que a gente
espera, isso pode facilitar. Não é man-
datório, mas não posso negar que quem
conhece o funcionamento da máquina
pública passa a ter um diferencial de
saber o pensamento interno daquele ór-
gão”, pontua o ministro.
Via de regra, essa mesma linha de
raciocínio se aplica a outros órgãos de
Estado. “Quem esteve no setor público
já trabalha com a perspectiva do Estado
e reconhece a mentalidade, as preocu-
pações e a orientação estatal. Isso repre-

20 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

senta uma expertise diferente e facilita
muito os processos de interlocução com
agentes públicos nas negociações”, cor-
robora Luis Adams, ex-Advogado-Geral
da União e ex-Procurador-Geral da Fa-
zenda, que hoje atua no setor privado,
como sócio da área de Compliance do
escritório Tauil & Chequer. Ao contrá-
rio de seus colegas que se aposentaram
no serviço público, o advogado ainda
teria mais dez anos pela frente até ob-
ter o benefício. Tendo chegado ao topo
da carreira e sem mais possibilidades de
avançar, ele decidiu mudar. “Entendi
que precisaria procurar novas oportuni-
dades que eu pudesse me desenvolver.
Eu confesso que me adaptei muito facil-
mente do lado de cá”, cita o advogado.
Como tudo o que envolve legis-
lação de combate à corrupção no País
está meio que centralizado na CGU,
os advogados e outros profissionais que
atuam na área de Compliance acabam
conhecendo um pouco melhor o fun-
cionamento do órgão de controle do
executivo, o que não o torna isento de
peculiaridades. Mas, no Ministério Pú-
blico (MP), existe um grande volume
de regramentos internos desconheci-
dos de boa parte dos profissionais que
lidam com compliance, mas que acaba
moldando a forma de pensar e agir dos
Procuradores, que olham com muita
atenção para essas regras, até para que
eles não tenham problemas. Isso faz
com que quem venha do MP, por conta
do conhecimento desses meandros ad-
ministrativos, já possa prever boa parte
da forma de atuar do ex-colega da pro-
motoria. “Se eu sair do MP e for para a
iniciativa privada, eu já sei como ele vai
se comportar, porque ele vai se pautar
por esses regulamentos internos”, conta
um Procurador da República, que falou
em condição de anonimato.
OS RISCOS DE
CONFLITO DE INTERESSE
Claro que esses novos movimentos
também trazem questionamentos e,
como tudo nessa vida, riscos. O caso
que exemplifica muito bem os estragos
que uma transição feita sem cuidado
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pode gerar é o do ex-Procurador da Re-
pública, Marcelo Miller, que atuava de
forma muito próxima do gabinete do
chefe do Ministério Público Federal,
Rodrigo Janot. Miller deixou seu pos-
to para assumir uma posição de sócio
no escritório Trench, Rossi, Watanabe,
responsável por negociar um acordo de
delação entre a J&F, dos irmãos Joesley
e Wesley Batista e a Procuradoria-Geral
da República. Embora todo o processo
tenha se dado de forma muito estranha,
ainda mais se considerarmos o fato de
que o ex-procurador seria sócio da área
de Compliance de um dos maiores es-
critórios do País, juridicamente, a mera
ida dele do MP para a banca privada da
forma como se deu, não pode ser en-
quadrada como uma infração. De qual-
quer forma, ele lançou luz solar sobre a
situação de conflito de interesses, dan-
do ares nefastos ao movimento, até por
conta das circunstâncias e dos reflexos
políticos e econômicos que toda a situ-
ação acabou gerando.
Um dos grandes problemas é que
as regras para quem vai migrar do se-
tor público para o privado, quando
existem, deixam muitas decisões im-
portantes abertas à interpretação e ao
bom senso dos servidores. Mesmo nas
funções abarcadas pelas regras de con-
flito de interesse para servidores da alta
administração pública, a imposição de
uma quarentena depende da análise da
comissão de ética, que vai avaliar o caso
e a necessidade, ou não, de impor uma
quarentena. Só que a comissão preci-
sa ser provocada pelo próprio servidor
para entrar em ação. “A gente espera
que esses profissionais que estão dei-
xando o funcionalismo público, espe-
cialmente os que estão indo atuar em
Compliance, não manche seus nomes
ao omitir essa informação”, conta o
chefe da CGU. Para as posições mais al-
tas do Executivo Federal, quando existe
potencial de conflito de interesses, pela
área de atuação ou tipo de atividade a
ser exercida, por exemplo, a quarentena
imposta é de seis meses. De acordo com
o Wagner Rosário, não existe nenhum
plano para ampliar esse prazo.
Mas, mesmo fazendo o report à co-
missão de ética, tem gente fazendo pe-
didos que desafiam o bom senso. Um
caso recente demonstra bem o potencial
negativo que a falta de regras mais ex-
plícitas pode exercer. Um Procurador da
AGU fez um pedido ao órgão solicitan-
do autorização para realizar trabalhos de
consultorias na área de Compliance. Até
aí, ok. Mas, o servidor queria realizar tais
trabalhos sem abrir mão da sua função
pública. Dada a natureza da atuação
da AGU, parte direta em negociações
envolvendo casos de corrupção e frau-
de contra o Estado, ainda que atuando
apenas como consultor na estruturação
de programas de compliance, o fato de
estar dentro do órgão, com acesso privi-
legiado aos seus colegas e a informações
internas, seria, no mínimo, um despro-
pósito. Mas, como o Brasil não se cansa
de nos surpreender, o primeiro parecer
emitido pela AGU a esse pedido foi
positivo. A decisão estabelecia algumas
regras básicas, como a de que o procu-
rador da AGU não poderia exercer essas
funções dentro do horário de trabalho e
que não afetasse a sua produtividade no
órgão público, não ocupasse cargo de de-
dicação exclusiva e não configurasse situ-
ações de conflito de interesse, como uso
de informação privilegiada. O ministro
da Transparência explica que a questão
do conflito de interesse é algo sempre
complicado, uma vez que cada caso tem
suas peculiaridades, tornando-o único.
Mas, sem se referir ao caso específico
da AGU, ele concorda que não é plau-
sível que um servidor público que atue
em algum órgão de controle, atuar em
qualquer área de Compliance enquanto
ainda atua no órgão.
Felizmente, algum bom senso pre-
valeceu e em novo despacho, o pare-
cer foi derrubado. Procurada, a AGU
não disponibilizou um porta-voz para
esta matéria.
Ao menos por enquanto, não será
possível que esse servidor atue nos dois
lados do balcão, de forma simultânea.
Mas, é uma situação ilustrativa das
“brechas” que podem gerar conflitos
de interesses “legalizados”. É um risco
21
papo de compliance • carreiras
grande porque quem participa de ór-
gãos de controle, acaba tendo acesso a
informações também de outros órgãos,
que atuam em cooperação técnica ou
em fóruns como a ENCCLA. “Esse é
um ponto de conflito de interesses que
exige cautela fundamental e que precisa
ser resguardado. Quem ainda exerce a
função pública acaba tendo os privilé-
gios de fazer parte dos órgãos e conhecer
os caminhos de informação, fora o risco
de tráfico de influência, que é crime”,
reforça Matheus Cunha. Na falta de
uma regra própria para a sua situação,
o sócio da T4 usou como referência as
regras de conduta da alta administração
pública em sua volta ao mundo priva-
do. Obviamente, a quarentena para
atuar em casos nos quais ele de alguma
forma atuou na esfera pública é eterna.
“Mas, são critérios que eu estabeleci,
para evitar problemas. Cada profissio-
nal deve fazer sua análise para não se co-
locar numa situação de risco”, lembra.
ALGUMA REGRA É PRECISO TER
No caso do Ministério Público, ainda
não existe um regulamento específico
limitando ou regulando como os Pro-
curadores que deixarem o Ministério
Público devam atuar ao migrarem para
o setor privado. O que existe é um pa-
ralelismo com a regra que existe para
magistrados e juízes que estabelece um
prazo de três anos, para que eles atuem
nas cortes e tribunais em que atuavam.
Mas, esse paralelismo é feito para a atu-
ação judicial. No caso da área de Com-
pliace, a atuação se dá mais na esfera
administrativa, extrajudicial, e, com o
estouro do caso Marcelo Miller, as dis-
cussões sobre a regulação da atuação de
ex-procuradores no setor privado vol-
tou à tona.
Em março, o Senado aprovou um
Projeto de Lei, que estabelece uma qua-
rentena de três anos para que ex-juízes
e ex-promotores exerçam advocacia
privada, alterando o Estatuto da Ad-
vocacia (Lei 8.906/1994). De acordo
com o texto, que agora está para vota-
ção na Câmara, o impedimento deverá
valer para o juízo ou tribunal do qual
22
se afastaram, estendendo-se a qual-
quer atividade que caracterize conflito
de interesse ou utilização de informa-
ção privilegiada. Caso seja aprovada a
nova legislação, ex-promotores ficarão
impedidos de prestar, direta ou indi-
retamente, qualquer tipo de serviço
à pessoa física ou jurídica com quem
tenha estabelecido relacionamento re-
levante em razão do exercício do cargo
ou emprego, ou celebrar com órgãos ou
entidades em que tenha ocupado cargo
contratos de serviço, consultoria, asses-
soramento ou atividades similares, ain-
da que indiretamente.
Destruição de reputações
Hoje, é relativamente fácil atuar para
abalar reputações, seja de quem for.
Como as regras ainda não cobrem todas
as situações, e nem sempre são claras, o
espaço para a interpretação e o discer-
nimento cria um risco maior para “der-
rapadas” que podem manchar a repu-
tação de um profissional, um escritório
ou do cliente. E nesse contexto, quando
não existe clareza do que é permitido ou
não, qualquer detalhe, ainda que não
configure nada errado, pode gerar, na
melhor das hipóteses, muita chateação. QUEM BUSCA UM NOME PENSANDO
Pior! Mesmo sem nenhuma “derra- EM ACESSO PRIVILEGIADO, NÃO
pada”, essa falta de clareza já pode con- ESTÁ FAZENDO COMPLIANCE
figurar uma dor de cabeça para muita Outro elemento que merece muita
gente, ainda mais hoje, quando tudo atenção em relação à transição do se-
pode ser deturpado e publicizado, an- tor público para o setor privado é a
tes de ser checado. ”O momento, so- questão do tráfico de influência. E aí,
ciologicamente, é muito complicado e o fato de também não termos por aqui
dentro desse processo ocorrem exces- uma atividade de lobby regulamenta-
sos. Presunções são tratadas como fatos da, abre espaço para deslizes a más in-
concretos e sempre de forma desairosa”, terpretações. É comum, por exemplo,
diz Rechulski. Isso é um dos pontos que escutar questionamentos na mídia de
deve fazer com que a contratação de al- que ex-juízes, depois de deixaram os
guém vindo do setor público, para atu- tribunais superiores, acabam venden-
ar na área de compliance, seja clivada de do seus serviços a preço de ouro, pela
um nível de cuidado e atenção mais do experiência, obviamente, mas, tam-
que redobrado. Para Matheus, o grande bém por terem porta abertas para en-
problema é que, a partir de um único trar nos gabinetes dos seus ex-colegas.
caso concreto, tudo se generaliza, sem Não se trata de uma verdade, necessa-
ao menos se avaliar o caráter das pesso- riamente, mas é preciso também anali-
as. “Se a gente começa a generalizar to- sar a questão em perspectiva. “É difícil
das as situações em função de um caso você advogar nos tribunais superiores.
que foi triste, a gente corre o risco de ser Por isso, advogados com tradição de
injusto”, diz o sócio da T4 Compliance. atuação nessas cortes tem maior aces-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

so, porque eles têm mais conhecimen-
to, de fato”, pontua Adams, do Tauil
& Chequer. Ele lembra que isso não é
uma exclusividade do Brasil e que, nos
Estados Unidos, também existe um
núcleo de advogados que são mais re-
conhecidos pela Suprema Corte. A di-
ferença é que aqui, qualquer um pode
tentar ao menos. Por lá, é preciso se
qualificar e estar cadastrado para atuar
no tribunal superior.
Nomes de referência que chegam do
setor público para a iniciativa privada
após terem alcançado o topo em suas
respectivas carreiras, são os que costu-
mam chamar mais a atenção do mer-
cado, por motivos óbvios. São figuras
reconhecidas por uma parcela bem mais
ampla da sociedade, que tiveram grande
exposição na mídia e, em muitos casos,
são encarados como atores de destaque
no combate à corrupção.
Alguns estão umbilicalmente li-
gados ao próprio sucesso que tiveram
www.lecnews.com.br
Foto: Agência Brasil
os ex-ministros da cgu,
valdir simao e jorge
hage: aposentados da
vida pública, eles levam sua
experiência e conhecimento
para as empresas.
atuando na Lava Jato ou no próprio ali-
cerce legislativo que hoje da sustentação
para se combater a corrupção no país, e
isso, por si só, já agrega muito valor ao
negócio sob uma perspectiva legítima
de marketing, de imagem.
Não obstante, para além da com-
petência técnica, alguns clientes, ainda
vendo a nova realidade sob uma ótica
de “não compliance”, podem imagi-
nar que ao contratar esses nomes, pelo
seu prestígio, terão acesso facilitado
ao Poder, a Justiça. “Claro que essa
leitura (por parte dos clientes) é pos-
sível. Mas, acompanhe comigo. Uma
empresa que pensa desse jeito, em con-
tratar um ‘figurão’ pensando em ter
qualquer tipo de vantagem junto ao
governo, ela já parte de uma premissa
errada e não deveria estar implemen-
tando um programa de compliance”,
afirma o ministro da CGU, que garan-
te que os órgãos estão mais preparados
para lidar com essa situação, graças,
entre outros motivos, à aplicação dos
programas de integridade em todos
os órgãos do Executivo federal. “Esta-
mos levantando os riscos – e conflito
de interesse é um deles – e adotando
medidas para que esses riscos não se
materializem. Eu tenho certeza de que
os profissionais que estão fazendo esse
movimento sabem muito bem de pos-
síveis conflitos e que eles estão sendo
chamados mais por sua capacidade
profissional, do que por qualquer ten-
tativa de influenciar o poder público.
Porque, isso eles não conseguiriam”,
garante o ministro.
Ao que tudo indica, estamos en-
trando mesmo numa era na qual as em-
presas tendem a perseguir uma relação
mais saudável com o Estado e, para isso,
quem veio do setor público acaba sendo
um profissional igualmente interessado
nessa perspectiva, esperando que se pri-
vilegie a competitividade pela compe-
tência e não por razões outras.
Para Luis Adams, é a trajetória do
profissional que deve ajudar a abrir as
portas desse novo mercado. “Os ame-
ricanos fazem isso muito melhor que
a gente. O brasileiro fala da formação
academia, os americanos falam das
suas carreiras. Isso traz diferença de
perspectiva”, acredita. De fato, o co-
nhecimento prático pode ser tão ou
mais valioso que o acadêmico. “É ób-
vio que o conhecimento acadêmico é
muito importante, essencial, mas tam-
bém é certo que um profissional que
já trabalhou por anos em compliance
no seu dia-a-dia, e tenha assim ad-
quirido um conhecimento casuístico
mais profundo, pode ter uma visão
adicional que agregue muito valor a
qualquer projeto de implementação
de Compliance, sobretudo num país
com tantas idiossincrasias. Logo, pela
demanda crescente que ainda teremos
por anos à frente, a tendência será fir-
me de ex-servidores públicos migran-
do para a iniciativa privada nesse se-
guimento de Compliance, vindo aliar
sua experiência prática com a dos mais
acadêmicos, em prol do sistema como
um todo”, conclui David Rechulski.
23
LEC • NEWS - anticorrupção
Foto: Divulgação/Embraer
A conta da negligência chegou “ ”
P
romulgada em novembro do ano passado, a Lei
13.506/17, deu à CVM, a reguladora do mer-
cado brasileiro de capitais, o poder para punir
executivos de empresas de capital aberto por
situações de corrupção, seja pela prática do ato
ou pela falta de diligência em evitar que elas
acontecessem. Tanto em um caso quanto em outro, a CVM
entende que os executivos violaram os seus deveres para com
os acionistas, o que os torna passíveis de punição. E elas
devem começar a serem aplicadas.
Em setembro deste ano, a CVM concluiu o primeiro
caso julgado por falhas de observância que permitiram a
prática de corrupção. O Processo Administrativo Sancio-
nador foi instaurado para apurar a responsabilidade de dois
executivos da fabricante de aviões Embraer. Luiz Carlos Si-
queira Aguiar, que entre 2006 e o início de 2009 exerceu
a função de vice-presidente para o Mercado de Defesa e
Governo e, desde o final de 2008, assumiu a vice-presidên-
cia Financeira e de Relações com Investidores; e Orlando
José Ferreira Neto, que sucedeu Luiz Carlos, foram julga-
dos pela suposta prática de atos para viabilizar pagamentos
24
aviões de defesa da
embraer: executivo
da empresa foi o primeiro
a ser punido pela CVM
por um caso de falha no
combate à corrupção.
indevidos de U$S 3,5 milhões para um coronel da Força
Aérea Dominicana. Na época dos acontecimentos, Orlando
era diretor de Projetos Especiais e esteva diretamente rela-
cionado à venda de aeronaves Super Tucano da Embraer
para o país caribenho.
Ao julgar o caso, o colegiado da CVM absolveu Luiz
Carlos, por falta de provas. Mas, condenou Orlando José
Ferreira Neto à inabilitação temporária por cinco anos para
o exercício do cargo de administrador ou de conselheiro
fiscal de companhia aberta. O colegiado entendeu que o
executivo atuou para ludibriar os controles internos da com-
panhia e viabilizar a realização dos pagamentos ilícitos, atu-
ando contra o interesse da companhia e dos seus acionistas.
Em 2016, a Embraer celebrou acordos com autoridades
do Brasil e dos Estados Unidos admitindo sua participação
em atos de corrupção no exterior.
A expectativa é que, a partir de agora, a CVM passe a
julgar processos sancionadores, referente à responsabilidade
de diretores e executivos no controle e prevenção à corrupção
nas empresas, já nos próximos meses, podendo tornar o Natal
de muita gente um tanto quanto triste.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
 Foto: Reprodução Internet/Commons
Milhões de
interesses
P
oucas relações profissionais são tão delicadas como as que envol-
vem médicos e a indústria da saúde. Ao mesmo tempo em que de-
pendem umbilicalmente uns dos outros, a total independência do
profissional de saúde em sua atuação é a base do seu trabalho. Por
isso a transparência é um remédio tão necessário e de uso contínuo para a ma-
nutenção de um mercado saudável. Entretanto, quando essas relações ficam
opacas, pode ter certeza que problemas virão. Que o diga o Dr. José Baselga,
um dos mais renomados especialistas em tratamento de câncer do mundo.
Baselga era o responsável médico do Memorial Sloan Kettering, hospital que
está entre os mais renomados no tratamento do câncer nos Estados Unidos.
Ele teve que renunciar ao posto quando uma reportagem do jornal The New
York Times e do portal ProPublica, assinada pelos jornalistas Katie Thomas
e Charles Ornstein, demonstrou que o médico falhou ao não reportar o re-
cebimento de milhões de dólares em pagamentos de empresas de saúde em
uma série de artigos científicos publicados. Por conta do escândalo, Baselga
também renunciou a cadeira que ocupava no conselho de administração da
farmacêutica Bristol-Myers Squibb.
Pelo impacto que exercem sobre a comunidade médica (na prescrição de
certas drogas, por exemplo), as sociedades profissionais da área e os jornais mé-
dicos adotaram regras bastante restritas de report sobre o relacionamento de seus
autores (os médicos) com a indústria, graças a uma serie de escândalos uma
década atrás, quando médicos proeminentes falharam em não deixar claro em
seus artigos que recebiam pagamentos de companhias farmacêuticas. Como
lembra o ProPublica em sua reportagem, “reportar esses laços permite que o pú-
blico, outros cientistas e médicos avaliem a pesquisa e pesem sobre os conflitos
potenciais”. Entre os laços financeiros não informados por Baselga estava o fir-
mado com a farmacêutica suíça Roche, cuja subsidiária Genentech desenvolveu
o Herceptin, medicamento de sucesso no tratamento de câncer de mama em
estágio inicial cujas vendas, em 2017, somaram o equivalente a R$ 28 bilhões.
Pesquisando no Open Payments, um banco de dados federal que mostra os
pagamentos feitos aos médicos por empresas de saúde, a reportagem levantou
que, entre 2013 e 2017, o médico recebeu US$ 3,5 milhões em pagamentos.
Cerca de US$ 3 milhões vieram da Genentech, pela compra da Seragon, em
2014, empresa na qual Baselga tinha participação acionária. Mas, a reportagem
ressalta que pagamentos feitos por empresas que não tiveram seus produtos
aprovados pelo FDA, o regulador do mercado farmacêutico nos Estados Uni-
dos, não constam do Open Payments, uma vez que, nesses casos, a empresa não
é obrigada a declarar a informação. A startup Infinity Pharmaceuticals, ainda
o médico josé
sem medicamentos aprovados, pagou cerca de US$ 250 mil em dinheiro e op-
baselga: relações
ções de ações, para que Baselga fizesse parte do conselho da companhia. O sa- potencialmente
lário anual do médico no hospital era de mais de US$ 1,5 milhão. Baselga disse conflituosas foram
que espera que a comunidade médica possa trabalhar em conjunto para desen- omitidas pelo
volver um sistema mais padronizado para reportar seus laços com a indústria. profissional.

www.lecnews.com.br 25
LEC • NEWS - anticorrupção

Mais um
para a conta
Abalo N
ão é segredo que um dos gran-

sísmico
des casos de combate à corrup-
ção em andamento nos Estados
Unidos é aquele em que as autoridades
do país têm construído contra pessoas
envolvidas com o pagamento de subor-
nos na PDVSA, a problemática estatal
venezuelana de petróleo. Até aqui já

P
or mais de 30 anos, a companhia britâ-
nica Güralp Systems tem sido referência
global em sismômetros, com equipamen-
tos de alta tecnologia utilizados em organizações
acadêmicas, públicas, governamentais e priva-
das de todo o mundo para entender e explorar
o mundo.
Mesmo assim, com todas essas qualidades,
funcionários da empresa não se furtaram em re-
correr ao pagamento de propinas para garantir
contratos para seus produtos. Desde dezembro
de 2015, a empresa é alvo de uma investigação
criminal, instaurada pelo Serious Fraud Office
(SFO), o órgão de combate à fraude e à corrup-
ção no Reino Unido. A investigação é focada
em pagamentos supostamente corruptos a He-
on-Cheol Chi, chefe do Instituto Coreano de
Geociência e Recursos Minerais da Coreia do
Sul, que teriam acontecido entre 2002 e 2015.
No final de agosto, o fundador da empresa
Cansun Güralp (foto), e Andrew Bell, diretor
executivo, foram levados ao Tribunal de Ma-
gistrados de Westminster para serem acusados.
Pouco tempo depois, em setembro, Natalie
Pearce, outra funcionária da empresa, também
foi acusada pelo SFO de conspirar para fazer
pagamentos corruptos.
O mesmo caso já foi julgado nos Estados
Unidos e o sul-coreano foi condenado em um
tribunal de Los Angeles, a uma pena de 14
meses de prisão por lavagem de mais de US$
1 milhão em propinas da Güralp e da norte-
-americana Kinemetrics. Heon-Cheol Chi, de
59 anos, também foi condenado a pagar uma
multa de US$ 15 mil e terá de cumprir um ano
de liberdade supervisionada após deixar a pri-
são. Em troca dos subornos, Chi deu às empre-
sas informações privilegiadas sobre contratos
abertos e defendeu que o centro do terremoto e
outros comprassem seus equipamentos.
foram acusados 18 indivíduos, 14 dos
quais se declararam culpados. O mais
recente nome a integrar essa lista é o
de Juan Carlos Castillo Rincon. O cida-
dão norte-americano se declarou cul-
pado de ter violado o FCPA por conta
de um esquema para garantir contra-
tos e extensões de contratos, de for-
ma ilícita, com a estatal venezuelana,
Petroleos de Venezuela SA (PDVSA).
Sua sentença será conhecida em 21 de
fevereiro do próximo ano.
De acordo com as admissões fei-
tas pelo acusado, por volta de 2011
e, pelo menos, até 2013, Juan Carlos
atuou como gerente de uma empresa
de logística e agenciamento de cargas
baseada em Houston, no estado do
Texas. Na função, ele teria conspirado
para subornar um funcionário da PDV-
SA, que em troca ajudou a empresa a
obter contratos, prorrogação de contra-

Suborno “pouco”, cana alta

tos e termos favoráveis, além de infor-
mações privilegiadas sobre o processo
de licitação e de apoiar a empresa te-
xana em reuniões internas da estatal
Se fossemos fazer uma proporção entre a pena aplicada ao ex-diretor do Departa-
sobre decisões de compra.
mento de Tecnologia da cidade de Detroit (DTS), nos Estados Unidos, e o total de
O funcionário em questão, José Or-
subornos que ele recebeu, e, aplicá-las a realidade brasileira, tem muita gente que
lando Camacho, residente em Miami,
iria precisar de algumas dezenas, quissa centenas, de encarnações para pagar suas
dívidas com a Justiça. mas que anteriormente vivia no Texas,
Charles Dodd, o ex-chefe do DTS, foi sentenciado há passar 20 meses na prisão e se declarou culpado por conspiração
mais dois anos de liberação supervisionada. O motivo? Ter recebido cerca de US$ para cometer lavagem de dinheiro. Ele
29.500 (algo como R$ 120 mil pelo câmbio atual) em subornos de duas empresas da também será sentenciado em fevereiro
área de Tecnologia de Informação que prestavam serviços à cidade de Detroit. Dodd de 2019. “Continuaremos a investigar
assumiu sua culpa num Tribunal Distrital dos EUA. Diretor da DTS desde 2014, Dodd agressivamente pessoas físicas e jurí-
comandou uma equipe de dezenas de funcionários e empreiteiros da cidade, com in- dicas que violam o FCPA para garan-
fluência substancial sobre a administração de contratos multimilionários entre a cida- tir condições justas e equitativas para
de e empresas privadas de TI. O ex-dirigente admitiu que entre 2009 e 2016, aceitou empresas e consumidores dos EUA”,
pagamentos em dinheiro, totalizando mais de US$ 15 mil e uma viagem à Carolina disse o agente Mark Dawson, da área
do Norte, de uma empresa; e outros US$ 14,5 mil em dinheiro de outra companhia do de investigação da Secretaria de Segu-
setor. Em troca do dinheiro, ele admitiu fornecer tratamento preferencial às empresas. rança Interna.

26 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

 la defense, centro
econômico da
capital francesa:
critérios para a
negociação de acordos
de leniência pela Sapin 2
dão muita margem para
interpretações individuais.
Falta um manual de uso
A
Lei Sapin 2, representou um grande avanço da França
em sua legislação de combate à corrupção empresarial.
Assinada no final de 2016, a lei estabelece, por exem-
plo, que companhias com mais de 500 funcionários
em solo francês precisam cumprir com regulamentos
específicos, como a criação de um código de conduta específico para
o país, incluindo regras e procedimentos anticorrupção, que também
devem fazer parte do regulamento interno da companhia. Também é
exigido um processo interno para atendimento aos denunciantes; ma-
pear regularmente os riscos de corrupção baseado numa abordagem
geográfica de onde a empresa faz negócios; além de processos de due
diligence para grandes clientes, fornecedores e intermediários, entre
outros aspectos.
A lei também tornou possível o fechamento de acordos de leniência,
os DPA’s, como são conhecidos na sigla em inglês. O problema é que
não está claro qual o procedimento e os critérios pra o fechamento desses
acordos extrajudiciais. Ao menos é o que pensam os advogados franceses
especializados na área, Stéphane Bonifassi e Victoire Chatelin, do Boni-
fassi Avocats. Em artigo publicado no site FCPA Blog, eles dizem que as
diretrizes emitidas pelo ministério da Justiça francês, em 31 de janeiro
deste ano, sobre a regulação do tema deixam vários pontos vagos, ou
muito abertos à interpretação. “Embora a orientação do Ministério da
Justiça tenha fornecido algumas regras básicas, ela é muito menos ins-
trutiva do que o Manual dos Advogados dos EUA sobre a atual política
de fiscalização da FCPA”, dizem os advogados. Para eles, o memorando
é especialmente fraco no que diz respeito às circunstâncias em que os
procuradores podem oferecer o acordo, a forma de calcular os diferentes
elementos envolvidos no valor final da punição e como as negociações
devem prosseguir.
A única diretriz dada é a de que o promotor pode oferecer um acor-
do em dois estágios diferentes: quando estiver conduzindo uma inves-
www.lecnews.com.br
tigação, ou quando o juiz investigador se envolver. Como cabe só aos
promotores avaliar o que eles querem (ou devem) fazer, as empresas são
deixadas em uma posição incerta: elas devem, ou não devem, revelar os
fatos? Uma autodenúncia será automaticamente acionada?
Para os advogados, apenas a experiência dirá. “Mas, no momento,
parece que, a menos que os fatos sejam revelados em outros lugares -
talvez nos Estados Unidos - e haja um alto nível de risco na França, os
advogados provavelmente irão alertar as empresas para que não digam
nada”, dizem no artigo.
Caso o acordo seja feito, as obrigações são mais ou menos parecidas
com a proposta por outras legislações mundo afora: pagar uma multa,
instituir o programa de conformidade, arcar com os custos da investiga-
ção e compensar a vítima.
Stephane e Victoire acreditam que a forma de cálculo da multa tem
regras básicas e extremamente limitadas. Eles explicam que, pela nova
lei, a multa imposta pela autoridade é calculada proporcionalmente aos
“lucros obtidos com a fraude”, tendo como teto o equivalente a 30% do
faturamento médio da empresa nos três anos anteriores. O problema é
que não existem muitos critérios objetivos no texto para definir “lucros
obtidos com a fraude”. Assim, o promotor teria amplo poder de decisão
para definir o valor da multa, segundo os advogados franceses.
Também ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, nem
a Sapin 2, nem suas diretrizes exigem que a empresa, para se beneficiar
de reduções na multa, entreguem o nome do infrator. “É difícil imagi-
nar os franceses aceitando qualquer coisa como as diretrizes rígidas de
condenação que caracterizam o sistema de justiça criminal dos EUA. A
oposição a tal medida seria intensa. Dito isto, o Memorando do Ministé-
rio da Justiça é um passo bem-vindo na direção certa, que se beneficiaria
de mais precisão e menos discrição judicial e judiciária. Com o tempo,
os profissionais aprenderão o que esperar do procedimento de acordo”,
conclui o artigo.
27
mercado • compliance concorrencial

Ponto de partida
Foto: Andina Peru

posto de combustível
no rio: um dos setores
Foto: Tomaz Silva/AgBr

que já foi alvo de grandes

investigações de cartel.

O compliance concorrencial ganha espaço na medida em que a atuação dos

reguladores que atuam com o tema é mais forte e assertiva do que nunca

28 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

Q
uando alguém fala
em compliance,
naturalmente o com foco na legislação de proteção a
termo é relaciona-
do à ética, transpa-
rência, combate à
corrupção. Aqui no Brasil, a relação
com este último tema é praticamente
automática, reflexo dos incontáveis
casos negativos envolvendo as rela-
ções entre o público e o privado. É
bem verdade que a notoriedade al-
cançada pelo mercado de compliance
no Brasil deve-se exatamente a esse
problema, que não é exclusividade
nossa, mas ganha contornos mais dra-
máticos por aqui. Posto isso, é salutar
lembrar que, na verdade, o complian-
ce tem muito mais ver em sua origem
com outro aspecto: a defesa de um
ambiente de negócios equânime, que
favoreça a competição entre as empre-
sas, que devem contar apenas com as
suas competências para vencer dentro
das regras estabelecidas para a conten-
da. Trata-se de algo igualmente no-
bre - embora menos midiático - e que
tem na corrupção um inimigo capaz
de desequilibrar o jogo. Em resumo,
a necessidade do compliance foi ge-
rada, antes de tudo, para garantir a
lisura dos mercados e a livre concor-
rência. Por isso, é interessante ver que
na evolução da área nos últimos anos,
um braço que vem ganhando mais
destaque a cada dia é o que se con-
vencionou a chamar de compliance
concorrencial.
Trata-se de um assunto relativa-
mente novo para boa parte dos com-
pliance officers (muitos deles ainda
com pouco tempo de vivência na
área), mais afeitos às questões ligadas
a fraudes e corrupção – ou a prevenção
de lavagem de dinheiro, no caso dos
profissionais de instituição financeira.
Só que, na verdade, essa é uma prática
que vem se desenvolvendo a bem mais
tempo do que o próprio compliance
anticorrupção. O advogado Carlos
Francisco de Magalhães, do escritó-
rio Magalhães Dias, especializado em
www.lecnews.com.br
Direito concorrencial, escreveu um
manual de compliance para executivos
concorrência ainda nos anos 1970.
Uma movimentação mais forte em
termos de prevenção das empresas con-
tra delitos concorrenciais, entretanto,
ganhou tração a partir de 2012, com a
entrada em vigor da Lei 12.529/2011,
que estabeleceu um novo regramen-
to para a defesa da concorrência no
Brasil. Com a nova lei, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), autarquia responsável pela
defesa da concorrência no Brasil, ga-
nhou mais agilidade para lidar com
questões relacionadas à análise de fu-
sões e aquisições de empresa, permi-
tindo que o plenário do órgão tivesse
mais espaço e condições para julgar
casos relevantes contra a livre concor-
rência, especialmente os de cartel, que
passaram de menos de 20% dos casos
julgados em 2013, para mais 55% no
período entre 2014 e 2016. Também
a partir de 2012, vieram à tona uma
série de casos envolvendo cartéis inter-
nacionais, que acabaram alcançando o
Brasil, colocando ainda mais pressão
sobre as empresas.
José Del Chiaro, advogado que dá
nome a um dos escritórios mais tradi-
cionais no campo do Direito da con-
corrência, reconhece que a procura das
empresas pelo assunto tem crescido.
“Temos feito muitos treinamentos de
compliance concorrencial. É cada vez
maior a demanda por esse tipo de in-
formação e serviço, com as empresas
bem mais preocupadas com o tema”,
diz o advogado. Trata-se de uma reali-
dade cada vez mais presente no dia a dia
das empresas, e não apenas as de grande
porte, que já davam atenção ao assunto
há mais tempo. “Hoje, é difícil encon-
trar uma empresa grande ou média que
não tenha uma política de compliance
concorrencial”, reforça o advogado.
O compliance concorrencial cos-
tuma ser parte do programa de com-
pliance e seus conceitos mais gerais
costumam estar expostos no código de
conduta da companhia. O tema é, ma-
joritariamente, tratado dentro da área
de Compliance, e em setores mais ex-
postos, costuma contar com uma po-
lítica específica, que esmiúça as regras
e procedimentos para evitar problemas
nessa seara. Em essência, ela não difere
muito do objetivo da política de com-
pliance anticorrupção. Existe para pre-
venir e tratar de eventuais riscos, para
que a empresa atue em conformidade
com a lei de defesa da concorrência
aplicada a realidade dela.
Não é só cartel
A formação de carteis é, sem sombra
de dúvidas, a face mais conhecida dos
delitos contra a livre concorrência, es-
pecialmente para o público médio. Só
que nem todos os cartéis são organi-
zados de forma tão estruturada, com
regras como as de um campeonato es-
portivo, tal qual o montado para lesar
a Petrobras. Existe uma série de outras
situações, algumas bastante sutis, que
podem vir a configurar uma infração
as regras de defesa da concorrência.
Reuniões em associação de classe,
troca de informações sensíveis entre
concorrentes, ou mesmo determina-
das conversas entre vendedores de em-
presas rivais nas salas de espera de um
cliente. Casos de dumping, quando
produtos ou serviços são vendidos por
um preço muito abaixo do seu real va-
lor, por exemplo; ou o abuso de posi-
ções dominantes, dificultando o acesso
de outros players ao mercado, também
são temas afeitos ao compliance con-
correncial.
Com essa amplitude é preciso to-
mar cuidado. Uma empresa que tem
uma posição de liderança folgada em
seu mercado, precisa tomar cuidados
para que a sua ação no mercado não
seja considerada abuso de posição do-
minante, como forçar vendas casadas
de determinados produtos, ou recusar-
-se a negociar, sem uma boa explicação
aparente, com um determinado cliente.
Mesmo que não tenham noção
dos meandros das legislações especí-
29
mercado • compliance concorrencial
ficas, as pessoas ao menos sabem que
é errado subornar alguém para obter
uma vantagem, o que torna os temas
de combate à corrupção, mais com-
preensíveis e assimiláveis pelo grande
público dentro das empresas. No caso
da defesa da concorrência, as pessoas
podem até ter alguma noção do que
seria um cartel, mas, de fato, não são
conceitos que estão todos aí, no dia a
dia das pessoas. Isso torna o trabalho
dos profissionais que lidam com a área
mais desafiador. Como fazer com que
o tema possa ser compreendido por
funcionários de diferentes áreas e ní-
veis da empresa, particularmente em
companhias de setores mais expostos
ao acompanhamento dos órgãos de
defesa da concorrência? Adriana La-
porta Cardinali Straube, gerente geral
Jurídica da Votorantim Cimentos, es-
clarece que, na empresa, os procedi-
mentos de compliance concorrencial
estão explicitados em uma política es-
pecífica que possui anexos relativos a
procedimentos e cuidados que os pro-
fissionais devem tomar em determina-
das situações. Existe um treinamento
sobre o tema, via e-learning, que é
mandatório para todos os profissio-
nais da empresa, independentemente
do nível e da área de atuação.
Mas, é no treinamento presencial
aplicado aos profissionais que atuam
nas áreas mais expostas a riscos des-
sa natureza dentro da empresa, que
o entendimento é aprofundado. “O
treinamento presencial, especialmente
no Direito da concorrência, é extre-
mamente relevante. É nele que você
vai tratar das duvidas que aparecem
na prática. É aí que as pessoas, de fato
aprendem, com exemplos e exercí-
cios”, explica Adriana. A executiva diz
que se vale sempre de exemplos reais
do mercado de atuação da empresa,
incluindo precedentes internacionais
(a Votorantim Cimentos faz cerca de
40% das suas vendas no exterior), para
que as pessoas realmente incorporem o
conceito do compliance concorrencial
e saibam como agir diante de situações
do dia a dia. Isso porque, muitas situ-
30
O advogado josé del chiaro: em tempos de crise, aumentam os riscos
para a prática de delitos relacionados com as leis de defesa da concorrência.
ações que suscitam dúvidas podem até
ser lícitas, mas alguns cuidados pre-
cisam ser tomados. Esse é um ponto
muito importante. Não é que você não
vai nunca mais falar com uma pessoa
da concorrência, mas existem uma
série de cuidados que precisam ser to-
mados em vários contextos, inclusive
o de eventualmente não falar num de-
terminado período. Por exemplo, fazer
benchmark em concorrente é possível?
Sim, mas é preciso se precaver para
que uma situação lícita não seja con-
vertida em um problema concorren-
cial. O mesmo vale para reuniões em
associações de classe, em que é preciso
estabelecer mecanismos para evitar a
divulgação de informações considera-
das sensíveis. Na Votorantim Cimen-
tos, reuniões em associação de classe e
contatos com concorrentes devem ser
supervisionados pelas áreas Jurídica ou
de Compliance. “O acompanhamen-
to do advogado, pelo menos dentro
do nosso programa, é muito relevan-
te e um dos itens essenciais do nosso
compliance concorrencial”, reforça a
gerente da cimenteira.
Ainda que não seja necessariamen-
te permeado por toda a organização,
especialmente naquelas não tão expos-
tas a situações de infrações à legislação
concorrencial, o nível de entendimen-
Foto: Reprodução YouTube
to médio sobre o tema evoluiu bas-
tante nos últimos anos, aí sim, prin-
cipalmente entre os profissionais das
empresas ligados mais diretamente ao
tema. “Até alguns anos atrás, sentía-
mos nos treinamentos que, de forma
inocente até, infrações poderiam ter
ocorrido. Hoje, isso é muito mais re-
moto de acontecer”, diz Del Chiaro.
Um dos motivos para isso é que no
compliance concorrencial, na prática,
os riscos para os indivíduos envolvidos
na infração são mais comuns do que
em casos de corrupção empresarial. O
risco é grande e as consequências mui-
to graves, o que leva as pessoas a aten-
tarem mais às regras e a cumpri-las.
“Sempre começamos o treinamento
mostrando o que pode, eventualmen-
te, acontecer. Claro que nesses casos,
a empresa pode ter problemas de ima-
gem, financeiros... Só que a pessoa fí-
sica pode ir para cadeia. Por isso, os
profissionais, de fato, tem um grande
receio de não atuar em conformidade
com a lei”, pontua Adriana, para quem
é perceptível o aumento no nível de
conscientização dos profissionais, com
receio que elas têm de agirem de de-
terminada forma. “Você percebe que o
conceito entrou no DNA das pessoas,
até mesmo em razão das consequências
que elas podem sofrer”, reforça.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
Mais privado do que público gado e sócio do Del Chiaro, acredita cartel na revenda de combustíveis no
Outro ponto importante é que, ao que passando esse momento de Lava Distrito Federal. A Cascol, uma das
contrário do que acontece com o com- Jato, cerca de 70% dos casos se dão na acusadas, assumiu compromisso de
pliance anticorrupção, que foca princi- esfera privada. desinvestimento em postos geridos
palmente nos riscos existente na relação Exemplos não faltam. Sucos, peças por ela, com o objetivo de reduzir a
da empresa privada com o setor públi- automotivas, cimento, próteses, com- concentração e permitir a entrada de
co; os atentados contra a defesa da con- bustíveis, gases hospitalares... Todos concorrentes.
corrência, tradicionalmente, costumam esses setores já foram alvos da ação de Pouco acostumado a respeitar as re-
acontecer de forma mais frequente nas cartéis. Alguns, de cartéis “hard core”, gras de concorrência, o mercado de pro-
relações entre agentes privados. É certo como os especialistas do setor definem dutos médicos, como próteses e marca-
que nesse momento, essa tradição foi, as situações em que a prática no setor -passos também apontam para uma
em alguma medida, ofuscada pelos inú- se dá de forma institucionalizada e situação muito grave de cartelização,
meros casos de grandes cartéis descorti- horizontalizada. De acordo com um envolvendo empresas de médio porte.
nados pela Lava Jato e operações congê- artigo assinado pelos sócios do Del
neres recentes, que têm o Estado como Chiaro, desde 2014, o mercado de Tempos de crise.
alvo. As grandes empreiteiras brasileiras autopeças, tem sido investigado e já Tempos de risco
estão implicadas em investigações que conta com mais de dez processos. Em Em períodos de crise, o treinamento
envolvem a Petrobras, mas, também em 2017, mais cinco novos processos ad- de compliance concorrencial ganha
outros casos, como os das licitações do ministrativos foram instaurados. Aliás, ainda mais importância. Para Jose
Metro e do Rodoanel, em São Paulo, uma das investigações que envolve o Del Chiaro, os setores mais expostos
ou da Eletronuclear. Boa parte delas setor é fruto de um cartel que atuava são sempre aqueles afetados por crise,
já firmou acordos com o CADE. Mas, de forma global. O mesmo artigo cita situação que pode levar as empresas a
Ademir Ferreira Junior, também advo- outro caso, que trata da formação de adotarem políticas comerciais inade-

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representa outras empresas da rede Protiviti e não tem autoriadade para obrigar ou vincular outras empresas na rede Protiviti.
mercado • compliance concorrencial
quadas. “Nessas situações, as pessoas
podem assumir o risco de fazer algo
errado, uma posição racional mes-
mo”, lembra. Não é por outro moti-
vo que as penalidades estão cada vez
maiores. E, no caso das empresas, a
responsabilidade é objetiva, ou seja,
ela também responde pela infração do
funcionário, ainda que ele tenha agi-
do por conta própria.
Um ponto importante a se notar é
que uma política comercial mais agres-
siva, uma decisão comum nas empresas
em períodos de “vacas magras”, não
precisa ser inadequada. Para fins da de-
fesa da concorrência, ela deve ser anali-
sada pela “regra da razão”, que vai ava-
liar se a política, embora agressiva, não
atinge a concorrência no mercado onde
aquela empresa se insere de forma razo-
ável, tornando a uma mera decisão de
negócios. Uma queima de estoque, ou
uma semana de ofertas com tudo pela
metade do preço, por exemplo, dificil-
mente seriam consideradas uma infra-
ção às regras da concorrência, uma vez
que são medidas esporádicas e aceitáveis
do ponto de vista dos negócios.
DD concorrencial
Analisar e julgar casos de fusões e aqui-
sições (M&A) de empresas, levando
em conta o impacto de uma eventual
concentração no mercado, é uma das
principais atividades do CADE. Certa-
mente, esse é um tema muito afeito ao
compliance concorrencial. A autarquia
estabelece uma série de regras e cuida-
dos que as empresas devem tomar nas
due dilligences de fusões e aquisições.
Um cuidado adicional nesses processos,
quando envolvem concorrentes, diz res-
peito ao acesso dos dados da empresa
no data room (o ambiente onde os in-
teressados podem analisar os números
da empresa). “O guia do CADE traz
alguns passos para isso. É preciso esta-
belecer um rito e evitar que certas áreas
tenham acesso a esses dados, preservan-
do informações sensíveis do ponto de
vista da concorrência para evitar quais-
quer riscos de infração à ordem econô-
mica”, explica Adriana, da Votorantim
32
adriana cardinali, da votorantim:
não conhecer a legislação concorrencial pode
expor empresas de todos os setores, e não só
daquelas mais expostas ao regulador.
Cimentos. Ademir Ferreira Júnior,
do Del Chiaro, lembra também que é
em processos de due dilligence concor-
rencial, quando existe uma fusão ou a
venda de uma empresa brasileira, que se
constata a existência de cartéis.
Competente e atuante
Dos órgãos reguladores brasileiros, o
CADE é hoje, sem sombra de dúvi-
das, um dos mais atuantes e eficientes
e com uma postura bastante agressiva
no mercado. “O CADE é reconheci-
damente uma das maiores e mais im-
portantes agencias de defesa da con-
corrência do mundo, tendo sido eleita
a melhor agência das Américas”, reco-
nhece José Del Chiaro.
Outro ator que tem sido mais atu-
ante na defesa da concorrência é o Mi-
nistério Público, especialmente em si-
tuações que envolvam cartéis, atuando
de forma cada vez mais especializada
e realizando busca e apreensões tanto
nas empresas quanto nas casas dos exe-
cutivos investigados.
Em termos de arcabouço le-
gal, além da Lei 12.529/2011, é
possível, com base na legislação
civil, que empresas e pessoas pos-
sam ser acionadas judicialmente
por violações à livre concorrên-
cia. “Se a empresa, por conduta
unilateral, prejudicar uma con-
corrente, já existem mecanismos
legais para ela se defender e bus-
car uma reparação na Justiça”,
explica Adriana.
Com a atenção de todos
Mercados que são mais concen-
trados, indústrias com maiores
barreiras de entrada e os setores
que já carregam um histórico de
problemas estão, naturalmente,
mais suscetíveis ao rigor dos ór-
gãos de defesa da concorrência.
Por isso mesmo, empresas que
atuam nesses setores costumam es-
tar mais desenvolvidas em relação ao
compliance concorrencial. “A sensibi-
lidade para, no dia a dia, identificar o
que eventualmente pode ser uma pos-
tura de risco, um caminho que não
deve ser seguido, é maior no caso de
empresas desses setores, especialmen-
te por parte da alta direção”, aponta a
executiva da Votorantim.
Entretanto, mesmo nos segmen-
tos da economia menos fiscalizados
pelo CADE, é um risco grande não
olhar para a legislação concorrencial,
esteja em que mercado estiver. Até
porque, ela traz conceitos que podem
expor o negócio a certas regras do
CADE, que sem o conhecimento es-
pecífico do funcionamento das regras
de defesa da concorrência, podem ser
ignoradas pelas empresas, expondo-
-as ao risco de infringirem a lei. “É
preciso que todas as empresas tenham
consciência da legislação e estabele-
çam procedimentos para lidar com
ela. Pode até ser algo mais simples,
porque o CADE diz que a estrutu-
ra depende do porte da empresa e do
mercado que ela atua. Mas, é preciso
conhecer para não descumprir a lei”,
conclui Adriana.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
 Apresentado por:
Foto: Commons/Wikipedia
Tendências legislativas em
programas de integridade
Mais estados e cidades estabelecem a obrigatoriedade de programas de compliance
N
o esteio do estado do Rio de
Janeiro (Lei nº 7.753/2017)
e do Distrito Federal (Lei nº
6.112/2018), o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimen-
to e o estado do Rio Grande do Sul, por
meio da Portaria nº 877/2018 e da Lei nº
15.225/2018, respectivamente, também
estabeleceram a obrigatoriedade da imple-
mentação de um programa de integridade
para as empresas que contratarem com tais
entes, caso preenchido determinados crité-
rios de valor e prazo destes contratos.
Há um movimento em estados e muni-
cípios para a criação de leis incentivando a
implementação de programas de integridade
pelos particulares. Muito similar às leis men-
cionadas acima, existem projetos de lei nos
municípios do Rio de Janeiro (Projeto de
Lei nº 471/2017), São Paulo (Projeto de Lei
nº 498/2018) e Joinville (Projeto de Lei nº
431/2017) e nos estados da Bahia (Projeto
de Lei nº 22.614/2017), Goiás (Projeto de
Lei nº 52/2018) e Tocantins (Projeto de Lei
nº 8/2018) que também estabelecem a obri-
gatoriedade da implementação de programa
de integridade quando contratarem com a
Administração Pública dessas localidades.
Como um passo adiante, no município
de São Paulo também tramita o Projeto de
Lei nº 723/2017 que dispõe sobre a possibi-
lidade da Administração Pública estabelecer
a adoção de programa de integridade como
critério para desempate em licitações.
Neste tópico, na esfera federal, embo-
ra posteriormente questionado, o edital nº
01/2017 publicado pelo Ministério da Edu-
cação estabeleceu como condição de partici-
pação da licitação que o editor comprovasse
que detinha um sistema interno de controle
para identificação de irregularidades e frau-
des para atuação junto aos órgãos públicos
no âmbito de aquisições de livros escolares.
A obrigatoriedade da implementação
do programa é um passo adiante ao que já
dispunha a Lei Federal nº 12.846/2013 que
prevê que os programas de integridade estru-
turados dentro dos parâmetros do Decreto
Federal nº 8.420/2015 serão avaliados para
redução de multa em 1-4%. Assim, até este
momento, não havia na legislação brasileira
disposição que obrigasse as empresas a im-
plementarem um programa de integridade.
Os normativos mencionados acima bus-
cam garantir não apenas maior transparência
aos processos licitatórios destes entes, como
também iniciam uma tendência legislativa
de prezar por mecanismos que assegurem a
prevenção de atos irregularidades por parte
dos particulares.
Considerando as leis já em vigor, os pro-
jetos de lei em tramitação e as ainda tímidas
referências em editais federais, a implemen-
tação dos programas de integridade passa a
www.trenchrossi.com
pelourinho, em
salvador (ba):
mais unidades da
Federação impõem
a obrigatoriedade
de programas de
integridade para
contratar com o
setor público.
ser uma realidade necessária.
Para aquelas empresas que ainda não
possuem um programa de integridade,
como ponto de partida, a referência deve ser
o disposto no Decreto Federal nº 8.420/15 e
nos manuais da CGU (Programa de Integri-
dade – Diretrizes para empresas Privadas e o
Manual Prático de Avaliação de Programa
de Integridade em PAR), muito embora os
responsáveis pela aplicação das normas men-
cionadas acima possam vir a solicitar parâ-
metros mais restritivos do que os adotados
na experiência federal.
Para aquelas empresas que já possuem
um programa de integridade estruturado, há
também um nível de preparação a ser adota-
do, pois a realidade do que será exigido por
tais entes ainda é incerta e passará por um
processo de amadurecimento. Nesta hipóte-
se, poderá haver um incremento nos custos
de adaptação e manutenção nos programas
de integridade destas empresas. Como uma
alternativa para demonstrar às autoridades
locais a efetividade destes programas, os se-
los anticorrupção podem ser trunfos valiosos
para esta validação, ainda que não signifique
que estas autoridades os levarão em conside-
ração em suas avaliações.
Camila Pepe e Rodrigo Libanori
são associados da área de Compliance
do Trench Rossi Watanabe.
SETORIAL • seguro garantia
Mais eficiência
em meio ao caos
A maior participação do mercado de seguros pode tornar os processos
licitatórios mais eficientes e, como colateral, contribuir para minimizar os
riscos de corrupção
S
ão vários os aspectos dos
quais o Brasil não tem ne-
nhum motivo para se orgu-
lhar. Um que nos enche de
vergonha é a incapacidade
de conseguir que obras pú-
blicas importantíssimas para o desen-
volvimento do País sejam executadas
dentro de prazo e custos razoáveis, ou,
ao menos, próximos do que foram acer-
tados originalmente.
Não que seja uma exclusividade
nossa. Até a organizadíssima Alema-
nha já enfrentou problemas dessa na-
tureza. As obras do novo aeroporto de
Berlin, capital e maior cidade do país,
estão com mais de sete anos de atraso,
bilhões de euros acima do orçamento e
com previsão de entrega, agora, apenas
para 2020. Mas, o nosso track record
nesse particular é realmente imbatível
entre as nações relevantes e que se que-
rem sérias.
Para evitar que descalabros como a
Ferrovia Norte-Sul e a transposição do
São Francisco, ainda inacabadas após
anos de “investimentos”, sejam tão
recorrentes, será preciso resolver uma
série de questões de ordem técnica, ju-
rídica, econômica e mudanças culturais
na relação entre os setores público e
34
privado (e isso não diz respeito apenas
às relações eventualmente promíscuas
entre ambos, mas, principalmente ao
papel que cada um desses atores deve
desempenhar), para ficar apenas nos as-
pectos mais importantes.
Isso não vai acontecer rapidamente.
Mas, existem algumas ações relati-
vamente simples que podem melhorar
o ambiente e tornar o processo mais
seguro para todas as partes, inclusive
à população, que no final das contas é
quem “paga a conta” e mais sofre por
conta de obras das quais não pode usu-
fruir, pois não ficam prontas nunca.
Já aprovado no Senado, o Projeto
de Lei 6814/2017 trata de uma série de
mudanças na Lei de Licitações e já está
pronto para ir ao plenário da Câmara
dos Deputados. Entre as medidas, es-
tão algumas que aumentam o nível de
garantias exigidas para participar de
licitações e contratar grandes obras de
engenharia com o setor público.
Trava contra “aventureiros”
Hoje, ao licitar uma obra, o poder
público pode estabelecer algumas exi-
gências para as empresas que queiram
concorrer ao processo. Entre elas, está
exigir capital ou patrimônio líquido
equivalente a até 10% do valor da obra;
ou o fornecimento de uma garantia.
Esse dispositivo foi criado para pro-
teger a licitação, minimizando os riscos
da participação de “aventureiros”, já
que caso a empresa vencedora não assi-
ne o contrato com o governo, a garantia
é executada. Existem algumas opções
que podem ser utilizadas como garantia
nesses casos, como uma fiança bancária,
um depósito caução ou uma apólice de
Seguro Garantia, modalidade que já vi-
nha ganhando espaço no mercado gra-
ças ao menor impacto potencial sobre o
caixa das empresas. Afinal, quem hoje
em dia tem condições de deixar dinhei-
ro ou espaço de crédito parado durante
toda a obra?
O problema é que o valor dessa ga-
rantia – isso se prevista na licitação – é
considerado baixo. Atualmente, ela não
pode superar o equivalente a 1% do
valor da obra. Para os agentes do mer-
cado, isso não inibe a participação de
empresas que, como franco-atiradores,
participam de 10, 20 licitações ao mes-
mo tempo sem ter nenhuma condição
para isso. Para Edmur Almeida, coorde-
nador da Comissão de Crédito, Garan-
tia e Fiança do Sincor-SP, o sindicato
dos corretores de seguros de São Paulo,
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
obras da ferrovia norte-sul: maior participação do mercado de seguros em grandes obras públicas pode emprestar mais eficiência aos processos.
são empresas que “mergulham” com
os preços lá para baixo e depois atuam
para fazer algum ajuste e tentar ganhar
mais do que ela esperava.
Pela proposta pronta para votação
na Câmara, a garantia para assegurar a
assinatura do contrato ao fim da licita-
ção continuaria a ser uma opção, e não
uma obrigação, para o licitante. Mas,
ao menos, o percentual exigido pelo
Poder Público poderá ser de até 5% do
valor da obra que se quer licitar. É um
número muito mais eficaz para dissua-
dir a participação de empresas que não
tenham total interesse ou capacidade
real para tocar a obra. Ainda que os va-
lores sejam ressarcidos aos participantes
ao final do certame, isso deve obrigá-los
a estudar melhor cada projeto antes de
optar por competir.
Valor compatível
Mas, é após o processo licitatório que
as medidas previstas no Projeto de Lei
terão maior impacto, especialmente na
contratação de grandes obras públicas.
E, essas mudanças vão dar maior peso
www.lecnews.com.br
e relevância ao papel do mercado de
seguros.
Atualmente, depois de vencer a li-
citação, a empresa contratada para exe-
cutar uma obra pública precisa oferecer
uma garantia (dentre as opções aceitas
e já citadas) que costuma ser equivalen-
tes a 5% do valor do contrato, poden-
do chegar a até 10% em caso de obras
de maior porte e complexidade. Caso a
empresa contratada abandone, ou seja
afastada da obra, por algum motivo, o
contratante (no caso o poder público)
pode acionar essa garantia. O proble-
ma é que receber o equivalente a 5%
do valor estimado não permite ao po-
der público terminar o serviço na quase
totalidade dos casos. “Esse valor acaba
sendo uma multa por inadimplência.
Aí, o governo faz uma chamada para
uma nova licitação, só que esses 5%
não cobrem o processo”, lamenta Ma-
rili Réquia, presidente da Marili Réquia
Corretora de Seguros, especializada em
Seguro Garantia.
O sócio da área de Seguros, Resse-
guros e Previdência do escritório Mat-
tos Filho, Cássio Gama Amaral, explica
que em projetos mais simples, como
um edifício comercial, se acontece o
default, se gasta, em média, de 20% a
25% do valor total, para que um novo
construtor termine a obra. “Imagine
em grandes projetos de infraestrutura,
de energia, o quão difícil é fazer essa
substituição. E, o sobrecusto é bem
maior do que 5%, 10%. Na prática, a
garantia acaba não cumprindo com o
seu objetivo”, diz o advogado.
Assumindo os riscos e a obra
Para o Estado, o que importa não é o
dinheiro da apólice, mas sim concluir
a obra.
No atual contexto, pela sua nature-
za, ainda que com o impacto limitado
pelos percentuais envolvidos, o Seguro
Garantia já é o modelo de garantia que,
de alguma forma, mais contribui para
melhorar a segurança nas licitações.
Ainda que em percentuais mais baixos,
nenhuma seguradora concede uma apó-
lice dessa natureza – que pode superar as
dezenas de milhões de reais – sem fazer
35
SETORIAL • seguro garantia

uma análise relativamente aprofundada

sobre a segurança financeira e a capaci-
dade operacional da empresa, além de
outros fatores que podem impactar di-
retamente na capacidade dela concluir
a obra. Mas, caso seja aprovado e entre
em vigor, o PL 6814/2017 vai tornar
a contratação do Seguro Garantia obri-
gatória para as obras de grande vulto,
aquelas com valor de contratação supe-
rior a R$ 100 milhões.
Essa “exclusividade” do Seguro
Garantia como mecanismo aceito nas
licitações de grandes obras não virá
de graça. Em última instância, cabe-
rá as seguradoras a responsabilidade
de garantir tal entrega. Nesses casos, a
apólice deverá, obrigatoriamente, ser
equivalente a 30% do valor da obra,
que, em caso de alguma impossibili-
dade de conclusão por parte da vence-
dora da licitação, seria concluída sob a alvARO IGREJAS E RENATA ANDRADE, DA WILLIS TOWERS WATSON: clareza dos contratos
em relação às coberturas e aos limites de responsabilidade da seguradora é essencial.
responsabilidade da seguradora, sem a
necessidade de uma nova licitação. De
acordo com fontes do mercado segura- ter a contratante a um processo muito executivo da Willis Towers Watson.
dor, na maioria dos casos, o percentual mais rigoroso. Com o maior valor da Por tudo isso, a análise técnica dos
de 30%, aliado ao saldo contratual, é apólice e a maior diligência das segura- projetos tende a ser muito mais apura-
o suficiente para retomar e concluir os doras, o certame tende a ser disputado da do que as que são realizadas hoje, na
empreendimentos. por empresas que tenham disposição, medida em que as responsabilidades
Nesse novo contexto, as empresas condições financeiras e operacionais de serão muito maiores também. “As se-
seguradoras terão que acompanhar a aguentar a obra. “Isso é emprestar mais guradoras que quiserem trabalhar com
execução da obra, tanto técnica quan- eficiência ao processo de licitação”, afir- essa modalidade precisarão adequar
to contabilmente. Na verdade, essa ma Almeida, do Sincor-SP. suas estruturas a nova realidade, inclu-
possibilidade de “fiscalização” deve es- Todas essas alterações trazidas pela sive incorporando mais profissionais
tar prevista no contrato assinado com eventual aprovação do projeto de lei com nível de especialização em obras e
a contratante da apólice, garantindo a afetarão profundamente o mercado de engenharia, para poder analisar os pro-
seguradora o livre acesso às instalações Seguro Garantia, com reflexos nos pro- jetos e acompanhar as obras até o seu
e a liberdade para fiscalizar a execução cessos e na profundidade da análise de fim”, pontua Roque Melo, presidente
do contrato principal e atestar a con- riscos envolvido em cada contrato. “O da Comissão de Crédito e Garantia da
formidade dos serviços e dos materiais Projeto de Lei é de interesse das segura- Fenseg, federação que reúne as compa-
empregados, além do cumprimento doras, para dar maior transparência ao nhias de seguro em atuação no Brasil,
dos prazos pactuados. A seguradora processo”, concorda Alvaro Igrejas, di- e vice-presidente do Grupo Segurador
também pode realizar auditoria técnica retor Executivo de Seguros Financeiros J Malucelli
e contábil e requerer, a qualquer mo- da Willis Towers Watson, companhia As mudanças, apesar de grandes,
mento, esclarecimentos ao responsável britânica que atua nas áreas de gestão de não devem inviabilizar a participação
técnico pela obra. risco e corretagem de seguros. Na ou- das seguradoras no mercado, especial-
Se o mercado de seguros já servia tra ponta, as seguradoras podem sofrer mente aquelas que já operam nesse
como uma espécie de filtro para as em- uma multa equivalente a 100% do valor segmento.
presas que desejavam se valer do Segu- da garantia, caso não concluam a obra a Mas, Roque reconhece que a apó-
ro Garantia para seguir com a licitação bom termo. “Elas terão de realizar uma lice de 30% do valor da obra pode ter
ganha, para aprovar uma apólice que subscrição mais rigorosa, e entender a reflexos no mercado, uma vez que a
pode ser até seis vezes maior, as em- corresponsabilidade que assumem pela sua aprovação está diretamente ligada
presas do setor certamente vão subme- execução da obra pública”, pontua o à capacidade financeira das empresas

36 | LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23


que querem contratar o seguro. Assim
como vai a acontecer com as análises
técnicas, as seguradoras tendem a rea-
lizar uma análise financeira muito mais
rigorosa sobre as empresas. “No caso
concreto, se esse  projeto de lei fosse
aprovado ainda este ano, a dificulda-
de seria asseverada,  face ao impacto
da crise econômica atual nos balanços
das empresas”, acredita Álvaro Igrejas.
Para Roque Melo, da Fenseg, será um
processo de amadurecimento natural e
que terá de ser analisado dentro de um
contexto novo, que o mercado que vai
ter que encampar.
Adequado à realidade
Chegar aos termos finais do projeto
demandou um longo processo entre
os diferentes atores impactados pelas
mudanças. “Discutimos isso em várias
frentes, para atender aos anseios do go-
verno de chegar a percentuais que pos-
sibilitassem a retomada da obra sem um
novo processo de licitação”, explica Ro-
que Melo. O dirigente acredita que esse
novo modelo será um divisor de águas e
poderá exercer efeito positivo nos inves-
timentos de infraestrutura no País.
A primeira versão do texto estabe-
lecia à seguradora a assunção de todo
www.lecnews.com.br
marili réquia:
a análise feita
pelas seguradoras
para conceder
a apólice é uma
garantia adicional
à sociedade.
o passivo envolvido na obra incluin-
do fornecedores, salários e impostos.
Algo que foi alvo de uma luta comum
das entidades do setor, garantindo que
o valor da apólice seja utilizado para
concluir a obra. Para garantir o cum-
primento dessas outras obrigações, o
novo projeto dá ao licitante a opção de
exigir garantias adicionais nessas gran-
des obras, como outros seguros que
vão cobrir, por exemplo, o pagamento
de indenizações e verbas rescisórias aos
funcionários da empresa envolvidos na
obra, que, eventualmente, possam ter
ficado a ver navios com o impedimento
da vencedora original da licitação con-
cluir com o trabalho.
Ainda assim, não é possível dizer
que as seguradoras, na prática, terão
o conforto jurídico e regulatório para
exercer esse papel importante. Como a
contratação desses seguros adicionais é
opcional, não existe o risco de que, na
medida em que as seguradoras tenham
que garantir a entrega da obra, a Justi-
ça possa entender que ela tem também
a responsabilidade com passivos de ou-
tras naturezas gerados pela obra segu-
rada? “É importante que o contrato do
seguro seja claro com relação as suas
coberturas e até onde atende o edital,
uma vez que temos diversos tipos de
seguro a serem aplicados a uma mesma
obra, como o de Riscos de Engenha-
ria e Responsabilidade Civil”, explica
Renata Andrade, compliance officer da
Willis Towers.
E, precisamos reconhecer que segu-
rança jurídica no Brasil de hoje é pas-
sível de interpretação. Como a entrada
da seguradora para concluir a obra,
o chamado de step in, aconteceria de
fato. “A seguradora vai entrar para
tocar a obra? Ok. Mas, ela contrata o
segundo colocado na licitação ou vai
ter liberdade para contratar quem ela
quiser? Os critérios serão os mesmos
usados na licitação? Ela tem que seguir
os mesmos parâmetros? Assume a res-
ponsabilidade por terceiros não pagos?
E vão existir mecanismos para garantir
que o fluxo de pagamentos pela con-
tratante seja contínuo? Tudo isso de-
veria ser colocado como contrapartida
do valor da garantia”, acredita Cássio,
do Mattos Filho.
O Estado precisa ajudar
As mudanças propostas pelo projeto
de lei vão exigir mudança na maneira
como o Estado estabelece os seus proje-
tos. Uma delas é o fim do projeto básico
e do projeto executivo, que darão lugar
ao chamado projeto completo, mas es-
miuçado e detalhado, no caso das obras
de grande vulto.
O sócio do Mattos Filho conta que a
empresa fez um estudo com a Confede-
ração Nacional de Seguros sobre o con-
forto do setor nesse novo cenário. “Os
projetos terão que ser muito mais deta-
lhados e elas precisarão de um staff de
advogados, engenheiro, auditores para
entender o projeto desde o início. A se-
guradora entra no risco, mas precisa que
o Estado cumpra com a sua parte: bons
projetos, regras claras, pagamentos...
Elas podem e devem exigir a contrapar-
tida do Estado”, afirma.
Como nos contratos de Seguro
Garantia o segurado é o Estado, quem
aciona a seguradora é a administração
pública. Com isso abre-se um sinistro
automaticamente. Um ponto impor-
37
SETORIAL • seguro garantia
tante a se destacar é que, ao menos em
tese, o governo pode acionar a segu-
radora para receber a apólice, mesmo
que a execução da obra tenha sido
paralisada por falta de pagamentos
do poder público. Nesse caso, como
explica Marili Réquia, a empresa que
contratou o seguro tem que ir à Justi-
ça se defender. “Isso acontece direto,
porque é só o poder público que tem
direitos nesse caso”, lamenta. E ai da
empresa que não cumprir o contrato,
mesmo nessas situações. Para a empre-
sária, o poder público vai ter de se re-
organizar para não comprometer toda
a cadeia do mercado segurador.
Caso esse novo cenário se concre-
tize, com maiores responsabilidades e
riscos e, também, uma maior partici-
pação desde o início do processo, as
seguradoras não vão ter tantas possi-
bilidades de negar o sinistro por ques-
tão de detalhes. Para Cássio do Gama
Amaral, hoje a seguradora entra no
final da cadeia, até porque temos um
valor pequeno da garantia e um mer-
cado super disputado em termos de
taxa. Mas, com prêmios mais altos, se
participarem desde o início e acompa-
nhar a obra, como pode acontecer, vai
ser mais difícil encontrar pelo em ovo
para não executar o contrato.
Ajudar sim, combater não
Outra vantagem que o mercado se se-
guros pode emprestar aos processos
licitatórios no Brasil é contribuir para
mitigar o risco de corrupção. Mas, é
preciso destacar que essa contribuição é
marginal e vem mais no bojo da maior
eficiência que a participação delas ofe-
rece ao processo do que uma ação es-
pecífica por parte delas para investigar.
“Não existe seguro que cubra atos de
corrupção. Esse é um problema que
não será resolvido pelo Seguro Garan-
tia”, afirma Roque Melo, para quem a
modalidade é uma ferramenta saudável
em obras de infraestrutura.
Mas, é claro que se não tem a capa-
cidade de punir, o mercado de seguros
contribuiu com uma diligência mais
ampla sobre as empresas que vão par-
38
roque melo, da fenseg: não existe seguro garantia que proteja contra atos de corrupção.
ticipar e com o acompanhamento da
execução das obras, como um agente
externo independente. A construtora
XPTO vai participar de uma concor-
rência. É claro que os seguradores todos
vão fazer uma pesquisa profunda e de-
talhada sobre essa empresa e qualquer
notícia que aponte para um problema
de corrupção, será um elemento impor-
tante na análise de risco da seguradora.
“A diferença é que nesse caso, se algo
der errado é ele quem paga a conta. Se
passa pelo crivo de uma, duas, três se-
guradoras de grande porte, o Estado e
a Sociedade podem estar mais confortá-
veis, porque teve muita gente olhando
o processo e isso expurga parte da ine-
ficiência”, diz Cássio, do Mattos Filho.
Muitos governos não sabem a real
situação das empresas que estão con-
tratando. Só vão descobrir isso no final
do processo, quando recebem a do-
cumentação já para liberar o dinheiro
para a obra. “As seguradoras analisam
balanço, contrato social, quem são os
sócios, o regime de casamento deles, se
existe pessoa politicamente exposta ou
está em lista restritiva, se a empresa ou
outros negócios dos sócios quebraram
anteriormente... Tudo isso é analisado
pela seguradora, porque, no caso de
um sinistro, ela também ter como se
ressarcir”, explica Marili Réquia. Junto
com a apólice, a contratante assina uma
contragarantia, que autoriza a segura-
dora a cobrar dele a multa que foi paga
à administração pública pelo não cum-
primento do contrato. O próprio mer-
cado se protege e, indiretamente, filtra
as empresas que vão participar da licita-
ção. “Se uma empresa não cumprir com
os contratos públicos que ela ganha, ge-
rando um sinistro, ela não contrata Se-
guro Garantia com mais ninguém. Por
isso, a expectativa de sinistro é muito
baixa”, garante Marili.
Poderia ser mais amplo
Apesar do reconhecido avanço, um
ponto a se lamentar no novo projeto de
lei é que, exceto pelas obras de grande
vulto, a legislação não tornou obriga-
tório o estabelecimento de um tipo de
garantia nos contratos de licitação. Ela
só abre a possibilidade de que o licitante
possa solicitar uma garantia (qualquer
uma das modalidades aceitas) de até
20% do valor da obra. O texto ainda
diz que percentual deve ser justificado
mediante análise de custo-benefício que
considere os fatores presentes no con-
texto da contratação. Roque Melo ex-
plica que a obrigatoriedade de uma ga-
rantia – seja ela qual for – para todas as
obras públicas de engenharia e infraes-
trutura é uma reivindicação do merca-
do que não foi acolhida. Especialmente
em pequenas prefeituras e em obras de
menor porte nos estados, isso se torna
um gap, já que é muito expressivo o vo-
lume de contratos que acabam ficando
descobertos de alguma forma de garan-
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
tia. Outro ponto de preocupação para
a Fenseg é a aceitação da garantia fide-
jussória, uma espécie de garantia pes-
soal, nas contratações públicas que não
sejam de grande vulto e exijam algum
tipo de garantia.

Risco diluído
Ampliar de 5% para 30% a cobertura
do Seguro Garantia vai exigir fôlego fi-
nanceiro do setor de seguros e terá um
impacto importante no mercado de res-
seguros. As resseguradoras, aliás, serão
fundamentais para sustentar o avanço
do Seguro Garantia como base para a
contratação de obras públicas.
Recorrer às resseguradoras no Bra-
sil e no exterior é o método mais uti-
lizado pelas seguradoras para diluir o
seu risco no Seguro Garantia. A segu-
radora mantém um percentual do ris-

co do contrato e divide o restante com
o mercado. “Essa é a grande vantagem
do seguro em relação a outros tipos de
garantia. Eu divido o risco do contrato
entre 16 resseguradoras de vários paí-
ses. O risco de crédito é muito menor
porque ele está pulverizado”, explica
Gama Amaral.
Atualmente, cerca de 20 segura-
doras oferecem o Seguro Garantia no
Brasil, embora algumas delas estejam
muito mais focadas no Seguro Garan-
tia Judicial, que chega a responder por
cerca de 80% da modalidade, de acor-
do com estimativas do mercado. Para
Marili Réquia, o mercado brasileiro
está preparado para assumir os novos
percentuais que estão sendo propostos
para o Seguro Garantia. “Muitas segu-
radoras já contam com resseguradoras
e existem R$ 17 bilhões aplicados em
fiança bancária. O mercado de Segu-
ro Garantia tem muito para crescer”,
acredita a empresária. De fato, ele será
de grande importância para dar maior
segurança aos investimentos em infra-
estrutura de que o Brasil tanto precisa
e que devem ser retomados, em algum
momento, assim que a política e a eco-
nomia voltem ao rumo. Torcemos to-
dos para que isso aconteça o mais rapi-
damente possível.
100% não
Uma das 70 medidas contra à corrupção,
apontadas pela Transparência Internacio-
nal e pela FGV, é a que trata dos Perfor-
mance Bonds. A medida tem sido bastante
defendida pelo advogado Modesto Carva-
lhosa, que enxerga nessa modalidade um
mecanismo que, entre outras coisas, dimi-
nui substancialmente a exposição do poder
público e os riscos de corrupção, uma vez
que esse mecanismo digamos, de forma
bem superficial, terceiriza à seguradora a
responsabilidade pela entrega da obra. O
próprio governo, até bem pouco tempo, de-
sejava passar essa responsabilidade para o
mercado segurador, com projetos prevendo
que o percentual de garantia pudesse che-
gar até 100% do valor da obra.
Os principais atores do mercado são
unânimes ao dizer que não existe a neces-
sidade de um seguro que garanta 100%
do contrato. Primeiro, porque o merca-
do brasileiro de seguros, de forma geral,
ainda é jovem e pouco difundido. Não se
pode comparar, por exemplo, com o mer-
cado dos Estados Unidos, por exemplo.
Por lá, esse é um mercado extremamente
construção de ponte na
califórnia (eua): lá, Performance
Bonds são utilizados há mais de 100 anos.
Mas, a realidade deles não é a nossa.
maduro e presente na vida das pessoas e
empresas, tanto que os Performance Bon-
ds são utilizados em obras públicas há
mais de 120 anos.
Aqui no Brasil, o Seguro Garantia é uti-
lizado, com algum relevo, há pouco mais
de 15 anos. E mesmo nos Estados Unidos,
a proteção de 100% acontece em alguns
estados e em algumas obras e não para
tudo e em todos os lugares. “Aqui no Bra-
sil, em primeira análise, a contratação de
uma garantia de 100% do valor da obra,
acarretará em uma seleção mais rigorosa
da seguradora na aceitação do seguro e,
provavelmente, dada à conjectura atual,
o custo de contratação seria elevado”, diz
Alvaro Igrejas, da Willis Towers.
“No atual cenário econômico e polí-
tico, com as grandes construtoras ainda
buscando se reestruturar, em decorrência
das intervenções do Ministério Público e
da Polícia Federal, com certeza seria mui-
to difícil viabilizar neste momento uma
garantia de 100% de uma obra públi-
ca para uma construtora”, conclui Rena-
ta Andrade, também da Willis.

www.lecnews.com.br 39
LEC • NEWS - PLD
Respondendo
a pressão
U
m dos grandes bancos globais, o Credit Suisse foi acusado
pela FINMA, a reguladora do mercado bancário suíço de
ter falhado em três dos casos mais emblemáticos de corrup-
ção em todo o mundo. A autoridade do país europeu iden-
tificou deficiências no trabalho de prevenção à lavagem de dinheiro no
banco, falhando com suas obrigações de observância nos casos de cor-
rupção envolvendo a Petrobras, a FIFA e a estatal venezuelana PDVSA.
Em 2015, o regulador instaurou investigações relacionadas aos três casos
em diversos bancos suíços. E não é só. Em outra investigação, a FINMA
identificou relações de negócios significativas com pessoas expostas po-
liticamente. De acordo com o órgão, também nesse caso aconteceram
falhas nos processos de prevenção à lavagem de dinheiro, além de falhas
nos mecanismos de controle e gestão de risco da instituição. As inves-
tigações sobre o Credit Suisse cobriram o período de 2006 até 2014.
O banco reconheceu os problemas apontados pela FINMA e disse
que seguirá trabalhando para intensificar as ações já tomadas (algo tam-
bém reconhecido pela FINMA) para lidar com essas deficiências.
Em comunicado, o Credit Suisse disse que encomendou revisões in-
dependentes sobre a conduta nos casos investigados, fez o autorrelato das
suas deficiências e colaborou com a autoridade suíça ao longo de todo
o processo, tomando medidas proativas de remediação. “Somos gratos à
FINMA pelo reconhecimento das melhorias que foram feitas em nossa
estrutura de conformidade e controle nos últimos anos e das medidas adi-
cionais já planejadas pelo banco. Observamos que, como resultado desta
revisão, a FINMA não impôs nenhuma multa ao Credit Suisse, não orde-
De olhos nas campanhas eleitorais
Com a política na América Latina ainda sob impacto dos laços
heterodoxos entre políticos e o setor privado – empreiteiras bra-
sileiras principalmente –, o Equador lançou uma nova resolução,
tornando obrigatórias para instituições financeiras e para empre-
sas de seguro e resseguro o estabelecimento de programas de
combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de progra-
mas terroristas.
Em linhas gerais, as regras estabelecidas seguem as dire-
trizes estabelecidas pelo GAFI, o grupo que dita as regras de
combate ao terrorismo e a prevenção à lavagem de dinheiro.
Entre os aspectos principais, o apontamento do papel e do nível
de responsabilidade atribuídos ao conselho de administração, ao
comitê e ao diretor de Compliance e outros funcionários em re-
lação à prevenção de lavagem de dinheiro; a obrigatoriedade da
criação de um comitê de Compliance com a participação de um
membro do conselho e um representante legal da empresa (ou
alguém delegado por ele), entre outros profissionais.
Também fica estabelecido a necessidade do Know your
40
nou qualquer redução nos lucros nem qualquer limitação das atividades
comerciais”, segue o comunicado da instituição financeira.
Entre as ações tomadas pelo banco, destacam-se a separação do co-
mando das áreas Jurídica e de Compliance, com a criação no final de
2015 de uma função dedicada a Compliance e Assuntos Regulatórios,
que se reporta diretamente ao CEO. A ocupante dessa posição, a execu-
tiva Lara Warner (foto), também ganhou assento no comitê executivo
do banco.
Nos últimos três anos, o quadro global de compliance do Credit
Suisse cresceu 42% agregando mais de 800 novos especialistas em con-
formidade. Esse aumento foi importante para suportar a nova estrutura,
que realizou mais de 10 mil aprimoramentos de controle em todo o
banco. O banco também criou três laboratórios que aprimoram conti-
nuamente os recursos de prevenção e detecção. “Agora, temos 40 cien-
tistas de dados focados em conformidade que gerenciam e aprimoram
nossa capacidade de detectar riscos em tempo real”, reforça o comuni-
cado. O Credit Suisse também desenvolveu um programa de clientes
único, que dá aos profissionais da área de Compliance, a capacidade
de ter uma visão integrada deles, algo inédito na história da instituição.
client, com a definição de perfis econômicos e transacionais e
comportamentais, para determinar se a transação do cliente é
ajustada aos perfis transacionais e comportamentais estabele-
cidos; e a identificação do beneficiário final também estão pre-
vistas nas novas regras; bem como a due dilligence estendida,
quando houver clientes “politicamente expostos”, que terão con-
troles mais rígidos, exigindo a autorização e a aprovação da alta
administração em suas transações. Se até aí, não existe nada de
novo, é interessante notar que a resolução passa a exigir mais
monitoramento e controle no caso de transações feitas durante
as campanhas políticas. “Todas as instituições financeiras de-
vem projetar e adotar metodologias eficazes, eficientes e opor-
tunas para identificar os gerentes econômicos da campanha,
incluindo todas as pessoas autorizadas a fazer depósitos, além
de condições para detectar e relatar doações e contribuições
injustificadas”, diz Martín Gangotena, advogado equatoriano es-
pecialista em crimes do colarinho branco, em artigo para o site
Global Compliance Review.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
Apresentado por:
Respondendo aos novos anseios
Na Ceptis, a visão de Integridade nasce de dentro para fora da empresa, uma das pouquíssimas
a ter conquistado a certificação ISO 37001, conhecido como “selo antissuborno”, no Brasil
D
e tempos em tempos a socie-
dade, e em especial o ambiente
empresarial, são brindados com
novos conceitos sobre relações
produtivas, fórmulas inovadoras de atuação/
produção e revisões de padrões éticos (nor-
malmente mais exigentes). Em todas elas, um
profundo olhar crítico sobre teoria e prática
nos remete à questão: ser ou parecer?
Num piscar de olhos podemos enume-
rar várias dessas ondas nas últimas décadas,
todas acometidas da banalização dos concei-
tos. Viraram “modinhas”, tornando difícil
a diferenciação entre instituições com selos
e certificados de fachada, ou com mero dis-
curso vendedor, e aquelas com densos pro-
cessos de internalização das novas doutrinas.
Foi assim com a onda da Ecologia/Sustenta-
bilidade, na virada da década de 1980 para
a de 1990; com a Responsabilidade Social,
entre as décadas de 1990 e 2000; e mais re-
centemente processos como o tratamento
de questões de gênero. Evidenciaram-se na
mídia e na literatura de economia e negócios
uma infinidade de casos negativos nos quais
o público soube, após crises eclodirem, de
práticas irregulares (ou até ilícitas!) ocorren-
do por trás de um discurso bonito.
A má notícia é que a onda do complian-
ce trará uma dinâmica ainda mais aguda
para as instituições e pessoas físicas. A boa
notícia é que nunca foi tão fácil achar refe-
rências de como transformar exigências em
muito mais do que boa reputação e imagem,
mas sobretudo resultado para seu negócio,
sua atividade-fim, seus relacionamentos e –
por que não? – existência.
Vive-se a era da reputação. Em tempos
de fake news, de questionamento e deslegi-
timação das instituições, a economia mais e
mais se associa à confiança e segurança. Os
resultados a qualquer custo não são valoriza-
dos e a forma como os resultados são obtidos
são levadas em conta na avaliação de uma
empresa. E mais: o processo é de dentro para
fora, começando com o ambiente interno, a
cultura organizacional.
Foi com essa visão que a Ceptis empre-
endeu seu Programa de Integridade e, em
complementaridade, sua certificação ISO
37001 – o chamado “selo antissuborno”.
A complexidade do processo pode ser en-
tendida por todos os elementos subjetivos e
simbólicos envolvidos: somos uma empre-
sa do segmento de rastreabilidade segura,
cujos produtos/serviços estão intimamente
ligados à necessidade de segurança, inviola-
bilidade e eficácia, e fornecidos ora a órgãos
públicos, ora a empresas com níveis críticos
de regulação e controle.
Tome-se a mais antiga linha de negócio
da Ceptis para a demonstração da susceti-
bilidade. A companhia fornece as tintas de
segurança especiais para impressão de papel-
-moeda brasileiro, inserindo-se no vínculo
de FIDÚCIA que caracteriza a relação en-
tre sociedade e os órgãos estatais responsá-
veis pela produção e controle do dinheiro.
Simplificando, devem-se manter os laços de
confiança e legitimidade em tudo o que en-
volve a produção e circulação de cédulas e
moedas, com base na legislação e referenciais
normativos.
Uma vez quebrado qualquer ínfimo elo
nessa cadeia de valores, expectativas, repu-
tações, tem-se muito mais que uma simples
crise para a imagem de uma instituição.
Estaria em jogo um dos pilares sociais: a
confiança no sistema monetário (apenas
um exemplo de nossos vários negócios sen-
síveis). E unindo esse cenário àquele ideal
de incorporar o compliance “de dentro pra
fora”, surgem angústias como: cada um dos
funcionários da empresa vislumbra a dimen-
são de tudo o que está envolvido quando ele
executa suas tarefas? E também quando não
está dentro dos limites da fábrica?
Há mais autoindagações: como fazer
para cada colaborador adotar diretrizes de
Integridade como aspiração e hábito, em
www.ceptis.com.br
vez de obrigação enfadonha e “inócua”? A
resposta é de simples enunciado e complica-
da execução: construindo a mentalidade e a
pedagogia sobre NOVOS ANSEIOS. É por
novos anseios que as pessoas clamam e ins-
tituições líderes atuam. Todo o cenário crí-
tico vivido hoje pelo Brasil diz respeito aos
novos anseios ainda não contemplados: paz
social, redução das desigualdades e fim dos
privilégios, ambiente pró-desenvolvimento,
respeito às liberdades e escolhas individuais.
Você provavelmente está fadado ao
fracasso se não for capaz de provar que os
macroprocessos sociais têm tudo a ver com
o que fazemos em nossas vidas e nas nossas
rotinas de trabalho (onde passamos a maior
parte do dia). E tem sido desse jeito que pro-
movemos diretrizes como o empoderamento
dos funcionários na relação com o Comitê
de Compliance e com o canal independente
de denúncias sobre más práticas. Se não for
assimilado o “sentimento de dono”, assim
como a concretização dos “novos anseios”,
de nada adiantaria implementar aquelas no-
vidades. Precisamos da VIVÊNCIA dos va-
lores. Faz parte de nosso DNA, diferencial e,
ao fim e ao cabo, nossa sobrevivência.
Existem desafios enormes, como estar
disposto a ouvir e constatar percepções crí-
ticas a partir de um diálogo mais horizontal
e franco com os funcionários. Sobretudo no
“andar de cima”, harmonizar o ambiente em
meio à remodelagem de estruturas organiza-
cionais que implicam novos fluxos, papéis,
prerrogativas.
Após muita diligência na estruturação
e implantação disso, entramos com o pro-
cesso de certificação na ISO 37001. Fomos
certificados em agosto, entrando para um
seleto grupo de dez empresas (até o fecha-
mento desta revista) com este título no País.
Temos certeza de estar no caminho
certo, e satisfeitos por ser uma construção
coletiva. Não queremos parecer, escolhe-
mos SER.
compliance digital • legislação
O desafio do
momento
Adequar-se às novas regras impostas pela
legislação de proteção de dados pessoais pode
ser uma missão daquelas de tirar o fôlego
S
e existe um tema que está
atraindo boa parte da atenção
dos profissionais de conformi-
dade no Brasil, esse é a ques-
tão da proteção de dados pes-
soais. Basta uma consulta informal com
alguns nomes da área para ter a certeza
de que é, nesse momento, um ponto fo-
cal para a maioria deles.
Lidar com a proteção de dados pes-
soais representa um dos mais comple-
xos e trabalhosos desafios já enfrentados
pelos compliance officers. Primeiro, por
conta da própria amplitude do conceito
de dados pessoais, que vai muito além
do que seria uma interpretação mais
formal do assunto, como números de
identificação oficial ou um endereço de
e-mail. Pelas novas legislações que vão
surgindo mundo afora, qualquer infor-
mação capaz de identificar uma pessoa,
como gosto, interesses, geolocalização...
Tudo isso pode se enquadrado nesse
novo conceito de dados pessoais. “As
pessoas estão começando a ter noção de
quão ampla é essa lei. Pode ser aquele
perfil do que você comprou na farmá-
cia”, diz Luana Peporini, sócia do Ma-
chado Meyer Advogados e especialista
na lei de proteção de dados.
Além disso, estamos migrando para
uma sociedade baseada em dados – é
42
por meio deles que o Facebook lhe
manda mais ou menos informação so-
bre um determinado assunto – o que
faz com que existam muito mais infor-
mações espalhadas por toda a empre-
sa do que as pessoas possam imaginar
num primeiro momento.
Outro aspecto que torna lidar com
a proteção dos dados pessoais dentro da
empresa algo desafiador é a necessidade
de envolvimento e suporte intensos das
áreas de TI e Segurança da Informação
(no caso das empresas mais estruturadas
nesse sentido). Não são raros os casos
de companhias que têm dividido a mis-
são de lidar com a questão de proteção
de dados pessoais entre o compliance e
essas áreas.
O cenário no que diz respeito à
proteção de dados pessoais vem evo-
luindo rapidamente nos últimos anos,
na mesma velocidade em que tudo o
que fazemos vai ficando mais digital, e
que as grandes corporações dessa nova
era, ganham cada vez mais dinheiro e,
principalmente, mais poder por conta
da sua gigantesca capacidade e compe-
tência para captar e minerar esses dados
em favor do seu negócio.
Obviamente, os legisladores de todo
o mundo tem ficado mais desconfortá-
veis em ver tamanho poder concentra-
do nas mãos de alguns poucos nomes
poderosos dessa indústria disrupitiva. A
população, especialmente em mercados
mais “zelosos” da sua privacidade, tam-
bém passou a dar mais atenção ao tema
e valor dos seus dados, exigindo mais
transparência das empresas.
O FCPA da proteção de dados
O primeiro grande marco na evolução
da questão da proteção de dados por
empresas foi a aprovação, em meados de
2016, da GDPR, a legislação de proteção
de dados pessoais da União Europeia. O
novo regramento estabeleceu uma clara
referência sobre como as empresas de-
vem se relacionar com esses dados, como
podem ser captados, como devem ser
utilizados, armazenados, descartados e,
além disso, uma série de procedimentos
e regras de governança sobre como pro-
ceder em diferentes situações.
Embora a GDPR verse sobre os da-
dos pessoais dos cidadãos europeus, a
presença global das empresas do velho
continente e a importância do merca-
do consumidor europeu – o mais rico
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23

novos tempos: com a vida digitalizada, mais dados
pessoais passam a “transitar” pelas redes, ajudando a
direcionar as estratégias das empresas em diferentes áreas.
e sofisticado do mundo – somada a gislação do velho continente, as multi-
robustez da legislação, dão a ela poten- nacionais já estavam se adaptando sob
cial para se tornar a lei de referência em as diretrizes passadas pelas matrizes. “A
proteção de dados por todo o mundo. nossa lei de proteção de dados não vai
Fazendo um paralelo, a GDPR está ter muito impacto para essas empresas,
para as legislações de proteção de dados que já estão bem preparadas. O setor fi-
como o FCPA está para as leis de com- nanceiro, muito regulado, também está
bate à corrupção, é o padrão global. bem preparado, pois já tem padrões
Nossa legislação sobre o tema, a Lei muito altos de segurança”, reforça Lu-
Geral de Proteção de Dados (LGPD), ana, do Machado Meyer.
é um bom exemplo da influência da Mas, mesmo as maiores e bem es-
GDPR. As empresas aqui no Brasil truturadas companhias precisam de
que já se adequaram (ou estão se ade- uma adequação jurídica para estar em
quando) as regras da União Europeia, conformidade com a lei de proteção de
estão num nível de maturidade bas- dados tupiniquim. As empresas maiores
tante elevado em termos de proteção já têm áreas que lidam com esse tema,
de dados. “Principalmente as grandes seja a de compliance, de segurança da
já sabem tanto da proteção de dados informação, ou mesmo a de gestão de
como da questão de ética das empre- riscos. Até para o atendimento de leis
sas em relação ao tratamento dos seus setoriais que já existiam, esse tema já
dados”, explica Roni Vainzof, sócio do era incorporado à agenda de muitas
escritório especializado em Direito di- corporações. “O que é novo agora, e
gital Opice,Blum e vice-presidente da nós buscamos demonstrar aos clientes,
Associação Brasileira de Proteção de é o passo a passo de adequação jurídica
Dados (ABPDados). Como as empre- que precisa ser feita”, explica Rony, do
sas tiveram um prazo de dois anos entre Opice, Blum. E esses ajustes devem co-
a aprovação e a entrada em vigor da le- meçar a ser feitos o quanto antes.
www.lecnews.com.br
Os prazos para implementação pa-
recem longos, a lei entra em vigor por
aqui em fevereiro de 2020. Mas, a de-
pender do tamanho da empresa, das
áreas de negócios envolvidas e do nível
de investimento, os projetos de adequa-
ção podem consumir de três meses até
15 meses. E, sem dúvida nenhuma, a
lei é bastante clara ao estabelecer cla-
ramente responsabilidades e riscos. A
multa por infrações à LGPD pode che-
gar a até 2% (limitado a R$ 50 milhões)
por infração. A lei responsabiliza os in-
fratores civil e administrativamente.
O processo é trabalhoso. De partida,
é preciso fazer o mapeamento do uso de
dados por toda a empresa, entendendo
o tipo de dado com que cada área lida
e o ciclo de vida desses dados em todos
os setores da empresa. São elaborados
questionário para ter os insumos de cada
área da empresa para saber o ciclo de
vida. É uma análise jurídica. “O ciclo de
vida permite analisar o motivo pelo qual
aqueles dados são coletados, qual sua fi-
nalidade e como você usa e descarta esses
dados”, explica o advogado. Pela lei bra-
sileira, você precisa ter uma justificativa
jurídica para manter esses dados arqui-
vados. Na área de marketing, esse dado é
coletado com consentimento, para uma
promoção ou ação específica. Depois de
atingida a finalidade, esse dado precisa
ser descartado. A lei estabelece 10 mo-
tivos que permitem a empresa justificar
o tratamento desses dados. “Mapeamos
essas hipóteses dentro da empresa e ava-
liamos eventuais gaps, para depois supe-
rarmos eles. Quando a gente trabalha no
projeto de adequação jurídica, a gente
faz um data mapping de todas as áreas
e todos os projetos que envolvem dados
pessoais, do RH até a área de vendas”,
pontua Roni.
A lei brasileira exige que as empresas
estabeleçam uma política de proteção de
dados pessoais que contemple o planeja-
mento de respostas e ações a serem toma-
das em casos de violação e vazamentos
de dados; que estabeleça o fluxo de in-
formações e a clara governança de dados,
e estabeleçam um profissional para ficar
encarregado de “cuidar” da integridade
43
compliance digital • legislação
dos dados das pessoas em poder da em-
presa, o Data Protection Officer (DPO).
As empresas também serão obri-
gadas a olhar para o lado do usuário,
mais do que nunca, e que também exige
preparação. Os usuários tem direito de
acesso aos dados dele que são tratados
dele, inclusive com a possibilidade de
revogação do consentimento, direito de
retificação, de portabilidade dos dados.
“A gente avalia se todos esses direitos es-
tão sendo cumpridos. A questão é com-
plexa e por isso que demanda todo esse
tempo de adequação”, garante Roni, da
ABPDados.
Setores mais afetados
Empresas que têm como foco do negócio
o tratamento de dados são, obviamente,
mais suscetíveis e visadas. Mas, indepen-
dentemente disso, a LGPD é transversal
e todos os setores serão impactados por
ela. Isso é percebido pelos advogados nas
demandas que têm recebido. Luana Pe-
porini pontua que na parte de segurança
e nos sistema da informação, as compa-
nhias são muito parecidas. “Talvez em-
presas que lidem mais com o consumi-
dor. Um varejista que vende produtos
pela internet, por exemplo, pode ter um
pouco mais de trabalho, pois lidam com
mais dados”, explica a advogada. No
caso do e-commerce, inclusive, com o
uso de ferramentas que, literalmente, fa-
zem com que os anúncios da loja visitada
persigam o usuário em sua navegação, o
impacto inicial pode ser maior. “O que
teremos de entender daqui para frente é
que será preciso ter mais transparência.
Os dados (da navegação) são coletados
como? Para que? Esses setores vão ter
que se preocupar mais nesse sentido de
dar mais informações ao usuário, e não
simplesmente enriquecer sua base de da-
dos, reforça Luana.
Os desafios para as
pequenas e médias
As discussões sobre a lei tiveram um ní-
vel bastante satisfatório de divulgação,
em tese, o suficiente para tornar o tema
minimamente reconhecida no ambien-
te empresarial, incluindo aí empresas
44
roni vainzof, do opice, blum: quem
ainda não começou a se adequar às novas
regras deve começar a fazê-lo imediatamente.
pequenas e médias, sem falar nas star-
tups. Apesar disso, a maturidade sobre
o tema nas PMEs ainda é muito baixa.
Fato é que muitas não sabiam nem da
GDPR nem da nova lei brasileira. “É
necessário um trabalho cultural para as
PMEs, especialmente as que trabalham
com dados pessoais, que lidam com in-
teligência artificial, que exploram big
data”, acredita Roni Vainzof.
Um aspecto extremamente crítico
para as empresas de menor porte é que
existe no Brasil um grande mercado
de compra e venda de dados. “Muitas
empresas menores enriquecem sua base
com essas listas compradas, sem saber a
origem dessas bases de dados enormes,
com perfil e monitoramento do com-
portamento das pessoas”, alerta Luana.
A advogada do Machado Meyer explica
que, com a LGPD, essas empresas te-
rão que revalidar essas bases de dados.
E é plausível acreditar que elas o farão?
“Muita gente vai correr o risco, princi-
palmente as empresas menores. Antes
de a lei entrar em vigor, em fevereiro
de 2020, acho que (essas empresas me-
nores) não vão se preocupar muito”,
lamenta. Embora, também seja verdade
que isso implica em outros riscos para
elas, especialmente se elas tem planos
de fazer negócios ou receber investi-
mentos das grandes empresas, que estão
preocupadas com as multas pesadas que
as violações de dados pessoais possam
gerar, sem contar todo o dano repu-
tacional. “Por conta da GDPR, uma
grande empresa notificou diversos dos
seus parceiros, pedindo aditivos aos
contratos, atestando que eles estavam
de acordo com o que preconiza a lei
europeia de proteção de dados. É uma
preocupação real”, diz Luana.
Quando uma empresa de maior por-
te decide aportar um investimento numa
empresa menor, antes que o negócio se
concretize, é feito uma due dilligence.
Nesses casos, a atuação dos escritórios de
advocacia – e isso se aplica na verdade
as due dilligences feitas pelos escritó-
rios mesmo em situações que envolvam
clientes maiores – é bastante formal, fo-
cando principalmente em check-ups de
contratos entre as partes, para assegurar
que do ponto de vista legal, os requisi-
tos da LGPD estão sendo cumpridos, se
o fornecedor dos serviços na “nuvem”
está ok. “Os escritórios de advocacia
não podem ir nos equipamentos checar
os procedimentos e avalia-los. Para isso
é necessário um técnico de TI. Mas, as
empresas estão ajustando os contratos (e
isso são os escritórios que fazem) para ga-
rantir a possibilidade de auditoria de da-
dos nesses parceiros”, conta a advogada.
Os buracos que
deixamos para trás
A discussão da lei gerou uma conscienti-
zação da importância do tema bastante
grande . Mas, ela deixou de fora um ele-
mento essencial para o funcionamento
de muitos dos seus aspectos: a ausên-
cia da Autoridade Nacional de Dados
Pessoais atrapalha. Trata-se da agência
independente responsável por dar dire-
trizes e acompanhar a aplicação da nova
legislação. Na verdade, ela estava pre-
vista no projeto original, aprovado pelo
congresso, mas acabou vetada pelo pre-
sidente Michel Temer, alegando o vício
de iniciativa, já que o texto do projeto
de lei enviado para votação não previa
explicitamente a criação da Autoridade.
Segundo o governo, um novo PL está
praticamente pronto ser encaminhado
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
ao Parlamento, mas na atual conjuntu-
ra, não se sabe se o projeto chegará à
casa ainda nesta legislatura.
É a Autoridade que vai orientar e
dar as diretrizes sobre muitos aspectos
da aplicação da LGPD, como padrões
de segurança e a própria interpretação
das normas, além de garantir segurança
jurídica. Isso porque, outro reflexo da
falta da Autoridade, é que todo mun-
do pode querer aplicar as sanções da lei.
“Isso aconteceu com o marco civil da in-
ternet. Vai ter uma judicialização maior.
Sem a Autoridade, a lei perde um pouco
da efetividade, porque não vai ter quem
aplique as sanções”, acredita Luana.
Peça central dentro das empresas
nesse novo contexto de proteção de da-
dos pessoais, O DPO também tem sua
atuação influenciada pela Autoridade,
que precisa determinar algumas regras
para a nomeação, e, mesmo tornar mais
claro em que tipo de situação é realmen-
te necessário designar uma pessoa para
exercer essa função. Na GDPR, por
exemplo, tais situações são bem claras e
envolvem setores e situações específicas.
Por aqui, ao menos por enquanto, todo
mundo precisa ter um DPO.
Não existe ainda um perfil claro so-
bre quem tem sido mais indicado para
esse posto. Até aqui, e os processos já
iniciados estão em fase relativamente
inicial, o que existe é um mix do pesso-
al do compliance e do jurídico, ainda
que um bom entendimento de TI seja
necessário. Para Frederico Costa, dire-
tor da Randstad Technologies, empre-
sa de serviços de outsourcing e recru-
amento, a demanda por profissionais
especializados em segurança da infor-
mação deve crescer cerca de 30% nos
próximos seis meses no País. “Como
o prazo para adaptação das empresas
brasileiras é o dobro do que os euro-
peus tiveram, haverá tempo para trei-
nar os profissionais atuais”, explica.
Frederico aponta que a Europa viu a
demanda por esses profissionais crescer
em 80% nos três meses até que a lei
entrasse em vigor, e muitas empresas
tiveram que terceirizar as soluções de-
vido ao curto prazo para adaptação.
www.lecnews.com.br
Formação para uma nova realidade
Um reflexo positivo da lei é que deve crescer o número de empresas que buscam por
certificações independentes e, também, o de profissionais que buscam qualificar-se
para ocupar a posição de DPO. Em 26 e 27 de novembro, a LEC, em parceria com a
ABPDados, realiza o primeiro Congresso Internacional de Proteção de Dados. O evento
será organizado em dois dias, e, como já é tradição, terá um forte direcionamento
para a prática. Entre as diversas atrações do congresso, vale destacar as presenças de
Guilherme Roschke, conselheiro na área de proteção internacional do consumidor na
poderosa Federal Trade Commission norte-americana; e de Sophie Kwasny, Head da
unidade de proteção de dados do Council of Europe.
O site do eveto é o www.congressodeprotecaodedados.com.br.
A LEC também lançou, em meados de setembro, o seu Curso de Proteção de Dados.
O sucesso foi tamanho que, em pouco mais de um mês, foram realizadas três turmas,
totalizando quase 100 alunos formados. O curso apresenta aos participantes, de forma
prática, o novo contexto legal sobre proteção de dados pessoais no Brasil e no mundo,
incluindo questões de segurança e governança da informação, transferências de dados
internacionais e direitos do usuário. A próxima turma está programada para o dia 24
de novembro, em São Paulo. Para o próximo ano, a LEC também planeja levar o curso
para outras cidades do Brasil. Para mais informações acesse: lecnews.com.
E os terceiros? diz que a maturidade dos fornecedores
Como ainda estamos falando de com- varia bastante de caso para caso, mas
pliance, claro que a preocupação com que eles precisam começar a se adequar.
os terceiros não poderia ficar de fora. Aqueles que tratam os dados de forma
Para atender a LGPD, é fundamental insegura, vão ser descartadas pelas em-
atuar junto a eles. A lei estabelece a fi- presas que a contratam por conta do
gura do controlador, o responsável pela risco jurídico que existe.
guarda dos dados, e do operador, que Com o avançar do tempo, muitas
vai tratar esses dados fornecidos pelo situações vão ajudar a estabelecer o en-
controlador para uma determinada fi- tendimento dos limites em relação aos
nalidade. “Temos um score que avalia dados pessoais e até que ponto as em-
o nível de proteção de dados de um ter- presas estão dispostas a ir para captarem
ceiro. E, os contratos precisam ser mui- dados que, na prática, talvez nem sejam
to bem amarrados, para que se tenha o tão importantes assim para o negócio
mesmo nível de proteção de dados, in- delas. Mas, que nos sentiríamos mais
clusive com hipóteses de auditorias para seguros e confortáveis em guardarmos
confirmar”, reforça Rony Vainzof. Ele somente para nós.
45
compliance financeiro • legislação
Todos prontos?
GDPR, LGPD e Resolução 4658/18. Aplicabilidade, impacto e desafios no
segmento financeiro
P
roteção de dados pessoais. Desde a edi-
ção da Lei de Proteção de Dados Europeia
(GDPR), em vigor desde 25 de maio deste
ano, muito tem se falado sobre o tema. Com
a edição da Lei Geral de Proteção de Dados
brasileira (LGPD), que passa a valer já no
início de 2020, o tema ganhou ainda mais repercussão e
a atenção das empresas e dos profissionais, especialmente
os que atuam em áreas que terão sua atuação diretamen-
te impactada pela nova legislação e, claro, os que terão a
missão de levar a cabo o planejamento e a implementação
dos novos processos para adequar às empresas a esse novo
contexto legal.
Aqui no Brasil, a Constituição Federal, o Código de
Defesa do Consumidor, o Código Civil e o Marco Legal
da Internet já trazem um bom rol de obrigações e cuida-
dos das empresas em relação aos dados coletados e tra-
tados por elas. Mais do que nunca, a automatização dos
meios produtivos e o uso da internet e meios eletrônicos
são instrumentos de fruição de informações e dados que
agora estão protegidos por lei na atividade empresarial e
empreendedora no Brasil e no mundo.
Pois bem! Como lidar com o potencial conflito de
interesses entre os direitos aos dados pessoais do titular
e o valor econômico desses dados para a empresa? Como
proteger o bem individual quando ele ultrapassa as fron-
teiras do particular e adentra ao ambiente de mercado?
São questões que a lei de proteção de dados e o marco
civil da internet já endereçam, transformando o concei-
to de propriedade, e, consequentemente, o uso desses
mesmos dados.
Para ajudar o leitor a “navegar” em meio a um ema-
ranhando de dúvidas, inerente à aplicação na prática de
qualquer legislação nova e complexa, como é o caso das
leis de proteção de dados que estão surgindo mundo afo-
ra, o Comitê de Compliance Financeiro da LEC elencou
questões importantes, comuns aos profissionais de con-
formidade que atuam na área financeira, e apresentou res-
postas e explicações baseadas nos estudos e nas experiên-
cias práticas já vivenciadas pelos seus membros.
46
espalhados por
aí: mapear todos os
departamentos da empresa
para entender com quais
dados cada um deles lida é
essencial para começar o
planejamento para LGPD.
Quais são os primeiros passos para adequação
às diretrizes tanto da LGPD, quanto da GDPR?
Para estruturação de um sistema de governança de segurança
da informação e proteção de dados, o primeiro passo é saber
quais informações se quer proteger e tratar.
Mapear a situação interna, no que se refere às operações
de processamento de dados, a fim de compreender em que
medida a GDPR (que já está em vigor) e a LGPD se aplicam
ao seu negócio. Com o mapeamento da situação interna,
para a identificação dos riscos, poderá ser realizado um gap
assessment, permitindo a análise e avaliação dos riscos diante
das exigências legais para tratamento e avaliação dos meca-
nismos de segurança das bases de dados.
Com os riscos identificados, será possível definir um
projeto de adequação de acordo com as necessidades e ca-
racterísticas do negócio, inclusive definindo prazos e res-
ponsabilidades, readequando e documentando os processos
internos de tratamento de dados.
Para que tudo seja realizado de acordo com o programa-
do, é preciso conscientizar as equipes, com ações educacio-
nais, incentivando a adoção de boas práticas e a mudança na
cultura interna.
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
 Não podemos nos esquecer de que as ações de implemen-
tação do projeto deverão ser acompanhadas. Elas devem con-
templar, por exemplo, a elaboração ou revisão (I) das políticas
de privacidade (internas e externas); (II) dos contratos com
colaboradores e terceiros que impliquem no processamento
de dados (operadores), assegurando-se dos meios para garan-
tir sua execução; (III) da documentação do processo, permi-
tindo as análises e o registro de processamento de dados; e
(IV) da política de tratamento dos incidentes, para garantir o
cumprimento de requisitos legais de reporte e comunicação às
autoridades em caso de vazamentos ou uso indevido de dados
pessoais, evidenciando o monitoramento e as notificações.
Cenário Brasil - LGPD.
Aplicabilidade e principais exigências
A LGPD é aplicável a qualquer operação de tratamento rea-
lizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica (público ou
privado), independentemente do meio, do país de sua sede
ou do país onde estejam localizados os dados, desde que: (I)
a operação de tratamento dos dados aconteça no território
nacional; (II) a atividade de tratamento relacionada com a
oferta ou o fornecimento de bens ou serviços de indivíduos
localizados no território nacional; (III) os dados pessoais tra-
tados sejam coletados no território nacional.
Com relação às exigências da nova lei, apresentamos
aquelas consideradas principais:
- Restrições para tratamento de dados pessoais sensíveis e de
crianças e adolescentes;
- Autorização para o tratamento de dados.
- No tratamento de dados pessoais deve observar a boa-fé e
os 10 princípios de privacidade.
- Direitos do titular (informação, correção, acesso,
eliminação e portabilidade, bloqueio, anonimização,
informações de compartilhamento, revogação de
consentimento).
- Eliminação de dados após o término do tratamento.
- Regras para transferência internacional de dados.
- Manutenção de registro das operações de tratamento.
- Nomeação e divulgação do encarregado pelo tratamento de
dados.
- Medidas para proteger os dados (controle de acesso,
prevenção à destruição, perda, alteração dentre outros).
- Notificação de incidentes de privacidade que podem
acarretar risco ou dano ao titular.
- Estrutura de governança de privacidade com políticas,
normas e procedimentos para atendimento de petições de
titulares e requisitos da legislação.
A conformidade à LGPD é opcional?
Não. Aderir à lei é mandatório, não uma opção. E, o custo
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de não cumpri-la é alto. As penalidades por descumprimento
da LGPD incluem advertência, obrigação de divulgação do
incidente, eliminação de dados pessoais, bloqueio, suspensão
e/ou proibição parcial ou total do exercício de atividades rela-
cionadas a tratamento de dados pessoais, multa de até 2% do
faturamento da pessoa jurídica, grupo ou conglomerado no
Brasil no seu último exercício, excluído os tributos, limitada a
R$ 50 milhões por infração.
Para atendimento das diretrizes da LGPD e GDPR, a
empresa deve se concentrar na governança de TI
ou na governança de segurança? É a mesma coisa?
Na verdade, em ambas. Governança de tecnologia da infor-
mação (TI) e governança de segurança são coisas diferentes,
mas que se complementam, interagindo entre si. O que a or-
ganização deve garantir é que ela conte com um sistema ade-
quado de gestão e segurança de dados.
Quais são os níveis de responsabilidades das
áreas e profissionais envolvidos para a apura-
ção e comunicação de ocorrências que envol-
vem incidentes de segurança?
Um ponto sensível que envolve a proteção de dados é a comu-
nicação tempestiva quando da ocorrência de incidentes de se-
gurança, tais como invasões a sistemas e vazamento de dados.
No caso da LGPD, por exemplo, fazer essa comunicação é
uma obrigação do “controlador”, no caso a empresa que tem a
responsabilidade de manter a integridade dos dados coletados.
A comunicação deverá conter informações como a natureza
dos dados afetados; os titulares envolvidos, os riscos relacionados
ao incidente; as medidas que haviam sido tomadas para a pro-
teção dos dados; as medidas que foram ou serão adotadas para
reverter, ou mitigar, os efeitos do incidente.
Na prática, para apuração dessas informações é necessário o
envolvimento de diversas áreas e seus responsáveis. As medidas
de reversão ou mitigação envolvem planos de ação que devem
ser “fatiados” para a correta e ideal divisão de tarefas e atribuição
de responsabilidades. Nenhum plano de ação de segurança fun-
ciona de forma isolada. Logo, é fundamental atribuir e definir
responsabilidades visando o correto tratamento das ocorrências,
contemplando, inclusive, os responsáveis por obter as informa-
ções para os relatórios, a revisão das medidas de segurança, ações
imediatas para gestão de crise, a apuração dos riscos relacionados
à ocorrência, comunicação aos públicos de interesse, etc.
Os dados pessoais de cidadãos brasileiros po-
dem ser armazenados em outros países?
Sim, desde que o outro país tenha níveis de proteção seme-
lhante ao brasileiro ou que a companhia que manterá os dados
tenha certificações que garantam tratamento adequado dele.
47
compliance financeiro • legislação
CO-WORKING EM RECIFE
(PE): mesmo na nuvem, a
responsabilidade pela guarda
dos dados é do “controlador”
e não do provedor do serviço.
Atividades de processamento de dados dentro e
fora do país estão sujeitas a lei?
Operações de tratamento de dados realizadas dentro do
território brasileiro estão sujeitas a aplicação da LGDP.
Além de operações de tratamento realizadas dentro do
País, quando o tratamento tiver por objetivo a oferta ou
fornecimento de bens ou serviços, ou o tratamento de da-
dos de indivíduos localizados no território brasileiro, a lei
também pode se aplicar, ainda que a organização respon-
sável por essa atividade esteja sediada ou localizada fora do
país. Assim, o local onde os dados são tratados não é requi-
sito único ou preponderante para aplicação da lei, sendo
também importante identificar a localização do indivíduo
cujos dados serão coletados.
Projeto GDPR/LGPD.
Quais são as principais recomendações?
Limite as solicitações de dados
• Identifique os dados necessários no início do projeto
ou no início do contrato com o cliente. Para quem
já é cliente, o melhor é melhor revisar a abordagem
acordada anualmente.
• Limite as solicitações de dados apenas às Informações
Pessoais relevantes necessárias para o desempenho do
trabalho.
o Peça apenas as informações que você realmente
precisa para fazer o seu trabalho.
o Sempre que possível, utilize dados sem identificação
e evite coletar elementos confidenciais (por
exemplo, números de documentos emitidos
pelo governo, números de conta bancária). Isso
é o que se chama de anonimização de dados.
• Caso o cliente forneça mais informações pessoais do
que o solicitado, elimine-as e solicite um arquivo com
dados mais limitados
48
Limite o acesso aos dados
• O acesso às informações pessoais deve ser restrito.
Apenas os membros da equipe trabalhando com aquele
cliente devem ter acesso
• Mantenha exigência com restritos protocolos de acesso.
Certifique-se de que as listas e equipes que tratam com
o cliente sejam revisadas regularmente
A eliminação de dados é item importante
Respeitado os limites e prazos legais, as informações devem
ser extirpadas. A eliminação dos dados também deve ser re-
alizada quando solicitada pelo próprio cliente ou por algum
outro critério determinado na politica de retenção de dados e
retenção de documentos da instituição.
Obtenha Garantia de Terceiros
Antes de disponibilizar as informações pessoais para um pro-
vedor, subcontratado ou parceiro de negócios, exija uma ga-
rantia por escrito de que as referidas partes só utilizarão as
informações pessoais apenas para os fins especificados no
contrato, e que adotarão medidas razoáveis para proteger as
informações pessoais coletadas.
• Os Terceiros devem:
o Assinar um termo ou Acordo de Confidencialidade
e Garantia de Segurança de Dados e passar por
uma avaliação de segurança.
o Funcionários temporários e contratados sem
vínculo de trabalho com a instituição devem
assinar um Contrato de Fornecedor Independente
ou um Acordo Individual de Confidencialidade.
O que motivou o Conselho Monetário Nacional
a editar a Resolução 4658?
A resolução dispõe sobre a implementação, por parte das insti-
tuições financeiras, de política de segurança cibernética e sobre
os requisitos para a contratação de serviços de processamento e
armazenamento de dados e de computação em nuvem.
A norma prevê o conteúdo mínimo da política de segurança
cibernética e estabelece requisitos para contratação de serviços de
processamento e armazenamento de dados e de computação em
nuvem, incluindo exigências contratuais mínimas. Além disso,
são estabelecidas exigências quanto ao tratamento dos incidentes
relacionados ao ambiente cibernético. As instituições devem, ain-
da, desenvolver ações para o compartilhamento de informações
sobre esses incidentes.
Essa iniciativa de regulação levou em conta a crescente utili-
zação de meios eletrônicos e de inovações tecnológicas no setor
financeiro, o que requer que as instituições tenham controles e
sistemas cada vez mais robustos, especialmente quanto à resiliên-
cia a ataques cibernéticos. Nessa linha, a regulamentação buscou
| LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE • ED 23
 lotérica da caixa: caso
fortalecer, nas instituições reguladas, a prevenção e o tratamento atuem estritamente com
dos incidentes relacionados ao ambiente cibernético. serviço de atendimento aos
A Resolução 4658 do CMN e a LGPD possuem aspectos usuários, os correspondentes
comuns em relação as responsabilidade dos detentores de dados bancários estão “livres” de
sensíveis contra a utilização não autorizada; as estruturas de ges- atender à resolução do CMN.
tão de controle necessárias; e aos procedimentos de resposta e
controle de eventuais ataques cibernéticos e/ou “vazamentos”
de dados, estejam eles armazenados nas próprias instalações dos
detentores dos dados ou em terceiros, incluindo aí os dados ar-
mazenados na “nuvem”.

A resolução 4658 determina que as institui-

ções financeiras devam designar um diretor
responsável pela política de segurança ciber-
nética e pela execução do plano de ação e de
resposta a incidentes. Mas não estipulou prazo
de cumprimento deste requisito. Existe alguma
instrução sobre isso?
O Banco Central esclareceu que não há, de fato, nenhuma
determinação explícita quanto ao prazo limite para a desig-
nação de diretor responsável. Porém, orientou às institui-
ções que procurem definir esse representante o quanto antes,
sobretudo para apoio e responsabilidade perante o cumpri-
mento de requisitos já vigentes e para que este já possa atuar
no processo de desenvolvimento e implementação previstos
para a política de segurança cibernética e para o plano de
ação e de resposta a incidentes. Como o prazo final para a
aprovação da política de segurança cibernética é o dia 6 de
maio de 2019, a mesma data vale como limite para a desig-
nação do diretor responsável.
Como TRATAR os correspondentes bancários
para fins de atendimento da resolução?
O Banco Central esclareceu que para as atividades prestadas
por correspondentes bancários não se aplicam os requisitos da
resolução 4658, uma vez que correspondentes bancários não
atuam como instituição prestadora de serviço para processa-
mento, armazenamento de dados e de computação em nu-
vem. O que elas fazem é prestar serviços de atendimento aos
clientes e usuários das instituições financeiras, atividades para
a qual, em geral, utilizam os próprios sistemas das instituições
contratantes. Mas, o Banco Central também esclareceu que
caso um correspondente bancário extrapole as funções previs-
tas na regulação pertinente à atividade primária e desenvol-
va serviços de processamento, armazenamento de dados e de
computação em nuvem com ativos relevantes da instituição
contratante, automaticamente tal atividade atrai todos os re-
querimentos previstos na resolução e a instituição contratante
deverá cumprir os requisitos determinados pela norma.

Cenário regulatório global sobre o tema “privacidade de dados”

O arcabouço legal global sobre o tema contempla os seguintes países. Brasil: Lei 12.965/14 Marco Civil da Internet e Lei 13.709/18
– Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Leis Federais dos EUA: HIPAA, GLBA, COPPA, CAN-SPAM, Do Not Call, Safe Harbor
Principle, FCRA. Califórnia (EUA): California Online Privacy Protection Act 2003, Security Breach Notice (Código Cirvil 1798 Ante-
riormente SB 1386); Canada: PIPEDA, CASL and Provincial Privacy Laws. Suíça: Lei Federal de Proteção de Dados de 1992. União
Europeia (UE): General Data Protection Regulation (GDPR), Proteção de Privacidade de UE, Diretiva de Retenção de Dados de Comu-
nicação (2006), Diretiva de UE de Privacidade e Comunicações Eletrônicas, implementada por 27 diferentes Leis de Proteção de Dados
dos Membros de Estado; - Rússia. Lei Federal de 27 de Julho de 2006, Nº 152-FZ sobre dados pessoais. Coreia do Sul: Lei sobre
Promoção da Utilização de Informação e Rede de Comunicação, e Proteção de Dados de 2000. Taiwan: Lei de Proteção de Dados
Pessoais Processados por Computadores. Hong Kong: Decreto de Privacidade dos Dados Pessoais. Filipinas: Lei de Privacidade de
Dados proposta pelo ITECC, Lei Civil do Direito de Privacidade. Nova Zelândia: Lei de Privacidade de 1993, Emenda de Privacidade
de 1993 e 1994. Austrália: Lei Federal Australiano de Privacidade de 1988, Lei de Privacidade Emendada, Lei de Anti-Spam de 2004.
Índia: Proposta legislativa em discussão, Lei de Tecnologia da Informação de 2000. Dubai: Lei de Proteção de Dados de 2007. África
do Sul: Lei de Comunicações e Transações Eletrônicas. Uruguai: Lei de Proteção de Dados Pessoais de 2008. Argentina: Lei de
Proteção de Dados Pessoais de 2000, Lei de Confidencialidade da Informação. Chile: Lei de Proteção de Vida Privada, Lei de Proteção
de Dados Pessoais de 1998. Colômbia: Lei de Proteção de Dados Pessoais de 2012.

www.lecnews.com.br 49
Apresentado por:
Lei Geral de Proteção de Dados renova políticas de privacidade
nas empresas, mas não apresenta mudanças substanciais
A
Lei de Proteção de Dados Europeia,
GDPR, atuante desde 25 de maio, e
a Lei de Proteção de Dados (LGPD
ou PLC 53/2018), que entrará em
vigor em fevereiro de 2020, criam atualmente
um movimento intenso em plataformas e aplica-
tivos da internet no que tange à atualização dos
termos e condições de uso, onde também estão
presentes as políticas de privacidade de dados
Em linhas gerais, ambas as leis regulamentam
como as empresas devem tratar os dados pessoais
de seus usuários e estabelece punições para con-
dutas abusivas. Mas qual a relação da aprovação
destas leis com este movimento de atualização das
políticas de privacidade? O que afinal de contas é
alterado nestes termos e por quê?
Para responder tais perguntas, segue uma aná-
lise dos principais aplicativos e redes sociais para
que você conheça as mudanças. O resultado desta
comparação surpreendeu justamente pela ausência
de mudanças substanciais.
Embora não haja uma pesquisa específica
a esse respeito, há uma percepção geral de que a
maioria dos usuários nunca lê os “Termos de Uso”
destas plataformas, consequentemente, não len-
do também a “Política de Privacidade”. Tanto é
verdade que alguns dos serviços analisados sequer
disponibilizam uma versão em português, como é
o caso do LinkedIn, Waze e WhatsApp.
Existem até sites especializados em resumir
e apresentar os principais tópicos destes termos
para facilitar a vida dos usuários, como no caso do
site https://tosdr.org (tosdr = Terms Of Service
Didn´t Read), cujo próprio nome brinca com o
fato de que as pessoas não lêem estes termos.
De fato, a vida dos usuários não é fácil
quando se trata de garantir sua privacidade.
Além de muito extensas e cansativas, as políticas
de privacidade não dão a opção de continuar
utilizando o serviço plenamente sem que o usu-
ário autorize o uso das informações coletadas.
A única alternativa para não concordar com o
uso é cancelar sua conta e deixar de utilizar o
serviço. Como mostra o aviso abaixo.
“A continuação do uso de nossos Serviços ratifi-
ca sua aceitação de nossa Política de Privacidade e
alterações posteriores. Caso você não concorde com a
Política de Privacidade revisada, pare de utilizar os
Serviços. Consulte nossa Política de Privacidade pe-
riodicamente”. (WhatsApp)
Então, alguém poderia dizer: “Eu não que-
ro me expor. Portanto não vou usar estes apli-
cativos”. Mas você sabia que mesmo assim seus
dados podem estar sendo coletados?
O Facebook, por exemplo e, consequente-
mente, todas as empresas do grupo, coleta dados
sobre você mesmo sem ter uma conta com eles.
Sim, é isso mesmo! O Facebook estabelece inú-
meras parcerias com outros serviços online, tais
como jogos, portais de compras e vários outros
produtos virtuais os quais estabelecem uma re-
lação de compartilhamento dos dados dos usuá-
rios. O aviso a seguir aponta isso
“Esses parceiros fornecem informações sobre suas
atividades fora do Facebook, inclusive informações so-
bre seu dispositivo, os sites que você acessa, as compras
que faz, os anúncios que visualiza e sobre o uso que
faz dos serviços deles, independentemente de ter ou
não uma conta ou de estar conectado ao Facebook.”
(Texto extraído da última versão da política de dados
do Facebook divulgada em 19 de abril de 2018)
Como se não bastasse esse tipo de parceria,
temos também um outro elemento importante
que pode permitir que os aplicativos acessem
dados sobre você. Por mais que você não esteja
conectado a nenhuma dessas redes, caso algu-
ma pessoa que você conheça e que o tenha em
sua lista de contatos, tenha compartilhado esta
informação com os aplicativos, minimamente
estes aplicativos terão acesso ao seu nome, nú-
mero de telefone e qualquer outro dado que
esta pessoa tenha registrado sobre você, como
e-mail, endereço, empresa em que trabalha, etc.
Portanto, concluímos que o único jeito de
não ter seus dados compartilhados na internet
seria estar completamente desconectado da ci-
vilização moderna, sequer fazendo uso de boa
parte dos serviços públicos ou cumprindo com
suas obrigações de cidadão.
Mas se você não tiver vocação para se tornar
um ermitão, você pode opcionalmente enten-
der o que afinal de contas essas empresas fazem
com seus dados pessoais. E é neste sentido que
as novas Políticas de Privacidade se aprimoraram.
Estão, de maneira geral, deixando mais clara a
forma como os dados são coletados e utilizados.
www.protiviti.com
Por Renato Anaia*
Um consenso evidente entre as empresas
analisadas (dentre as quais Facebook, iFood,
Waze, Uber, Twitter e Instagram) é o fato de to-
das elas compartilharem suas informações, seja
com parceiros, afiliados ou com prestadores de
serviço. Ainda na onda do compartilhamento,
estas empresas também recebem outros dados,
não informados por você, mas compartilhados
por outros aplicativos ou provedores de serviço.
Outro ponto percebido foi a modificação nas
novas políticas quanto à forma de divulgação de
futuras alterações. Em alguns casos, os aplicativos
comunicavam as alterações apenas por um aviso
em suas páginas. Já nas novas políticas as empre-
sas se comprometem a comunicar novas versões
de maneira mais enfática, seja enviando e-mail
ou utilizando outras formas de mensagens para
os usuários, como no exemplo do iFood abaixo:
“Se fizermos alguma alteração na políti-
ca em termos materiais, colocaremos um aviso
no nosso site, juntamente com a Política de Pri-
vacidade atualizada.” (iFood versão anterior)
versus “Se fizermos alguma alteração na política em
termos materiais, podemos colocar um aviso no nosso
Website, Aplicativo ou te enviar um e-mail, junta-
mente com a Política de Privacidade atualizada. Por
isso é sempre importante manter seus dados de contato
atualizados.”(iFood versão atualizada)
Mas se no final das contas poucos leem estes
termos de que vai adiantar avisar sobre as novas
versões? Na prática não vai mudar muita coisa,
assim como a essência das políticas também não
mudou muita coisa ainda. Os aplicativos conti-
nuarão coletando seus dados, compartilhando e
fazendo uso deles para as inúmeras análises so-
bre o comportamento dos usuários.
O que a nova lei de proteção de dados nos
oferece, portanto, é a punição para eventuais
casos de abuso no uso dos dados. Empresas
que não estiverem em conformidade com a
nova lei, poderão arcar com multas e punições
severas, o que pode criar uma barreira de entra-
da para “aventureiros” nesta área.
*Renato Anaia é diretor de Forensic da Protiviti, consultoria
global especializada em finanças, tecnologia, operações,
governança, risco e auditoria interna, e coordenador da
pesquisa bienal do Perfil Ético dos Profissionais Brasileiros.
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