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985/2000:
aspectos conceituais e questões controvertidas
Talden Farias
Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande, com
estágio de pesquisa realizado junto à Universidade de Salamanca/Espanha. Doutorando
em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências
Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Professor da Universidade Federal da
Paraíba. Advogado. taldenfarias@gmail.com
1 Introdução
É no contexto da crise ambiental, a qual é definida por José Rubens Morato Leite (2003,
p. 21-22) como o quadro de escassez dos recursos naturais e de desastres ecológicos de
repercussão planetária causados pelas atividades humanas, que a discussão a respeito
dos espaços territoriais ecologicamente protegidos assume especial importância. As
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A compensação ambiental do art. 36 da Lei 9.985/2000:
aspectos conceituais e questões controvertidas
O inc. III, do § 1.º do art. 225, da CF/1988 (LGL\1988\3) determina que para assegurar
o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado cabe ao Poder
Público "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção". A Lei 9.985/1998 regulamentou
esse dispositivo ao criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza -
SNUC e estabelecer critérios e normas para a criação, implantação e gestão das UCs.
A compensação ambiental prevista no art. 36 da citada lei foi criada exatamente com o
escopo de financiar o planejamento, a implementação e a administração desses espaços,
cujo custeio é bastante elevado, uma vez que um percentual do valor de cada
empreendimento considerado capaz de causar significativa poluição será cobrado quando
do licenciamento ambiental.
Contudo, o atual modelo tem suscitado inúmeros questionamentos por parte dos
operadores do Direito e dos técnicos, notadamente no que pertine aos procedimentos e
à definição da natureza jurídica. Em vista disso, o objetivo do presente trabalho é
analisar de forma crítica os aspectos conceituais e as questões controvertidas
relacionadas à compensação ambiental, procurando também fazer sugestões para o seu
aperfeiçoamento. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, que estudou o
mencionado dispositivo legal, os atos normativos que o regulamentam e as decisões dos
tribunais superiores sobre a matéria.
Diante de tal situação, fazia-se necessário minorar os prejuízos ao meio ambiente. Foi
nesse contexto que o Conama expediu a Resolução 10/1987, determinando que o
licenciamento ambiental de obras de grande porte, aptas a causar destruição em
ecossistemas, traria à empresa responsável o dever de implantar uma Estação Ecológica,
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cujo custo não poderia ser inferior a 0,5% (meio por cento) do valor total do
empreendimento.
Tal ato normativo foi revogado pela Resolução 02/1996, segundo a qual a quantia paga
pelo poluidor poderia não só custear as Estações Ecológicas, mas qualquer UC de
domínio público e uso indireto, tendo sido mantido o piso de 0,5% (meio por cento).
Ocorre que a existência desse encargo ao empreendedor por meio de ato infralegal
trouxe sérios empecilhos práticos, conforme observa Marcela Albuquerque Maciel (2012,
p. 137):
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§ 1.oO montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade
não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo
com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.
Conforme assevera Ivan Dutra Faria (2008, p. 5), "em geral, os termos 'Compensação
Ambiental' e 'Medidas Compensatórias' são utilizados indiscriminadamente, como se
fossem sinônimos". Medida compensatória, normalmente, designa uma expressão
genérica, que abrange todas as espécies de compensações por danos ambientais
específicos exigidas no âmbito do licenciamento ambiental, a exemplo da obrigação de
instalar um mecanismo de reutilização de água ou de recuperar uma área degradada.
A compensação ambiental objeto do presente trabalho, por sua vez, diz respeito ao art.
36 da Lei 9.985/2000, que impõe ao empreendedor o dever de destinar recursos às UCs
antes e até independente da ocorrência de dano ambiental concreto. Quando se
mencionar o termo compensação ambiental, é a essa modalidade que se referirá o
presente texto de agora em diante.
"Tivemos acesso à pesquisa internacional realizada neste sentido pelo ICF Consulting,
contratada pela Petrobras, em cujo relatório consta a conclusão de que na legislação dos
países pesquisados (Estados Unidos, Canadá, Noruega União Europeia e Reino Unido)
não existe instituto similar à compensação ambiental, ou seja, de existência de
obrigação nos moldes da lei brasileira, originária de procedimento de licenciamento
ambiental de empreendimento de significativo impacto ambiental negativo não
mitigável, com recursos vinculados à aplicação em unidades de conservação."
O art. 170 da Constituição Federal elenca como princípios da ordem econômica: a função
social da propriedade (inc. III); a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação" (inc. VI).
Vale dizer que não se trata de uma punição em razão de um eventual crime ou infração
administrativa ambiental, pois o seu fundamento não são os danos causados no
passado, mas sim a compensação e a prevenção de possíveis danos a ocorrerem no
futuro (MOTTA, 2009, p. 64).
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADIn 3.378, confirmou que "é no
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âmbito do licenciamento ambiental que os empreendimentos sujeitos ao EIA serão
submetidos ao cálculo e cobrança da compensação, conforme análise técnica realizada"
(MACIEL, 2012, p. 190). Assinale-se, por oportuno, que as atividades efetiva ou
potencialmente poluidoras estão sujeitas ao licenciamento ambiental, segundo o art. 10
da Lei 6.938/1981, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Por sua
vez, as atividades que estão aptas a provocar significativo impacto ambiental, deverão
apresentar EIA/RIMA no licenciamento ambiental.
"Art. 1.º. Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer
alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por
qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou
indiretamente, afetam:
III - a biota;
II - Ferrovias;
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VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para
fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais
para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras
e embocaduras, transposição de bacias, diques;
XVI - Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior a dez
toneladas por dia."
Não é ocioso destacar que existem outras resoluções do Conama que também dispõem
sobre atividades sujeitas à EIA/RIMA. A Resolução 312/2002, é uma delas, pois
determina que algumas modalidades de empreendimento de carcinicultura, localizadas
na zona costeira, poderão ser obrigadas a apresentar o EIA/RIMA.
Por outro lado, também é possível elencar atividades que efetivamente não provocam
significativo impacto ambiental, como a construção de um pequeno imóvel em local que
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não seja um espaço territorial especialmente protegido.
A grande celeuma ocorre naquelas atividades que estão insertas numa zona cinzenta,
nas quais não é possível precisar se são ou não de significativo impacto ambiental. Em
tais hipóteses, impera a discricionariedade dos órgãos/entidades ambientais, cujas
decisões deverão ser pautadas no princípio da precaução. Nessa senda, havendo dúvida
acerca da existência ou não de significativo impacto ambiental, o Poder Público deverá
adotar a solução mais protetiva ao meio ambiente.
Dessa forma, é provável que a zona cinzenta para definir as atividades de significativo
impacto ambiental sejam reduzidas com o passar do tempo. Atualmente, é possível
afirmar que há um conteúdo jurídico mínimo para a expressão significativo impacto
ambiental. É possível utilizar, por exemplo, dois critérios para defini-la: a extensão dos
efeitos adversos aferidos tão somente pela conduta e aqueles obtidos pela comparação
do meio ambiente antes e depois da implementação da atividade (BENJAMIN; MILARÉ,
1993, p. 114).
O Termo de Compromisso ora comentado diz respeito ao instrumento por meio do qual é
celebrado um acordo entre o órgão gestor da UC e o responsável pelo empreendimento,
que se compromete a realizar as condutas relativas à compensação ambiental dentro de
um cronograma determinado. Caso haja o adimplemento da obrigação, o objeto do
pacto será alcançado. Por outro lado, havendo descumprimento, o órgão gestor da UC
realizará a cobrança não apenas da compensação ambiental, mas também das sanções
previstas no instrumento.
Caso uma dessas partes não queira firmar Termo de Compromisso, a compensação
ambiental deixará de existir? Decerto que não! Nesse caso, a Administração Pública,
sozinha, irá atestar a existência da dívida.
"Ação direta de inconstitucionalidade. art. 36 e seus §§ 1.º, 2.º E 3.º da lei 9.985, de 18
de Julho de 2000. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de
empreendimentos de significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do §
1.º do art. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da
Lei 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que
previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da
natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por
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não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos
administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de
acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório -
EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este
a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos
custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao
postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento
adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional.
Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio
ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da
expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a
implantação do empreendimento", no § 1.º, do art. 36, da Lei 9.985/2000. O valor da
compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto
ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa.
Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação
parcialmente procedente.
(STF, ADIn 3378/DF, Tribunal Pleno, j. 09.04.2008, rel. Carlos Britto, DJe-112 divulg
19.06.2008, public 20.06.2008, ement. vol. 02324-02 PP-00242)" (grifo nosso).
Percebe-se, de forma cristalina, que a decisão do Supremo Tribunal Federal possui três
postulados: (i) não pode ser fixado percentual mínimo em relação ao valor dos recursos
destinados à compensação ambiental; (ii) o quantum devido é proporcional ao impacto
ambiental; (iii) o órgão licenciador, ao apurar o valor, deve possibilitar ao empreendedor
a ampla defesa e o contraditório.
Se não deve mais existir percentual mínimo estabelecido a priori, qual o piso que deverá
ser utilizado pelos órgãos licenciadores? Eis um dos problemas criados pela decisão do
Supremo Tribunal Federal; tanto é que foram opostos dois embargos de declaração para
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esclarecer diversos pontos obscuros, os quais ainda aguardam julgamento.
Art. 31. Para os fins de fixação da compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei
9.985/2000, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
- Ibama estabelecerá o grau de impacto a partir de estudo prévio de impacto ambiental
e respectivo relatório - EIA/RIMA, ocasião em que considerará, exclusivamente, os
impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente.
§ 1.o O impacto causado será levado em conta apenas uma vez no cálculo.
(Omissis)
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(Omissis)
Art. 31-A. O Valor da Compensação Ambiental - CA será calculado pelo produto do Grau
de Impacto - GI com o Valor de Referência - VR, de acordo com a fórmula a seguir:
CA = VR x GI, onde:
§ 1.o O GI referido neste artigo será obtido conforme o disposto no Anexo deste
Decreto.
(Omissis)
Primeiramente, verifica-se que o caput do art. 31, não mais se refere a órgão ambiental
licenciador, mas ao Ibama, o qual é responsável unicamente pelo licenciamento
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ambiental de competência da União. Dessa forma, a nova redação fortalece a tese de
que o Decreto trata tão somente da compensação ambiental no âmbito federal (MACIEL,
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2012, p. 196), devendo os Estados e Municípios regulamentarem a matéria em sua
respectiva atuação.
Além disso, a normatização acima foi deveras negativa no tocante ao financiamento das
UCs. A compensação ambiental que outrora foi calculada com o piso (percentual mínimo)
de meio por cento, agora possui tal valor como teto (percentual máximo). Como se vê, o
piso previsto no Decreto é ínfimo, bem como afasta a possibilidade de correspondência e
proporcionalidade entre a compensação ambiental e o significativo impacto.
Embora não concordemos, segundo o Supremo Tribunal Federal, é possível que os entes
federados criem limite máximo para o cálculo da compensação ambiental, inclusive no
valor ínfimo de meio por cento, como fez a União.
Tal entendimento, no entanto, foi rechaçado pelo próprio STF. A expressão declarada
inconstitucional, embora contivesse os termos que expressam a base de cálculo como o
custo total do empreendimento, possuiu o objetivo único de retirar a fixação do valor
mínimo de meio por cento. Nesse sentido, veja-se o seguinte trecho da decisão do STF
na Reclamação 12.887:
(STF, Rcl 12887/DF, j. 24.05.2012, rel. Min. Dias Toffoli, DJe-105 divulg 29.05.2012,
public 30.05.2012) (grifo nosso).
Com tal decisão, o STF deixou claro que a ADIn 3.378 não declarou a
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inconstitucionalidade da base de cálculo como sendo o custo total do empreendimento.
Por sua vez, a alíquota não pode possuir valor mínimo, devendo ser calculada
proporcionalmente ao impacto ambiental, assegurada a ampla defesa e o contraditório
ao empreendedor. É possível a fixação de alíquota máxima por ato infralegal, que no
plano federal é de meio por cento.
"Ementa: Processo civil e ambiental. Violaçao do art. 535, II, do CPC. Omissão não
configurada. Compensação ambiental. art. 36 da lei 9.985/2000.
5. A indenização por dano ambiental, por seu turno, tem assento no artigo 225, 3º, da
Carta da Republica, que cuida de hipótese de dano já ocorrido em que o autor terá
obrigação de repará-lo ou indenizar a coletividade. Não há como se incluir nesse
contexto aquele foi previsto e autorizado pelos órgãos ambientais já devidamente
compensado.
6. Os dois institutos têm natureza distinta, não havendo bis in idem na cobrança de
indenização, desde que nela não se inclua a compensação anteriormente realizada ainda
na fase de implantação do projeto."
Na verdade, a maior parte das atividades descritas no art. 2.º da Resolução 001/1986
(transcrita alhures), nas quais há uma presunção absoluta de significativo impacto
ambiental, são realizadas pelo poder público. Erika Bechara (2009, p. 220/221) lembra
que inúmeros são os empreendimentos públicos que sofreram a exigência de
compensação ambiental, a exemplo da construção do Centro Experimental Aramar pela
Marinha do Brasil, da Usina Termelétrica de Três Lagos pela Petrobras S/A, dentre
outros.
Urge destacar que a fiscalização pode ser efetivada por qualquer órgão ambiental, pelo
Ministério Público, pelas organizações não governamentais, ou mesmo pelo cidadão, que
poderá ter acesso aos dados e informações constantes nos órgãos/entidades do
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"Art. 2.º Para os fins do disposto nesta Instrução Normativa, entende-se por:
(Omissis)
A escolha das UCs a serem beneficiadas cabe ao órgão ambiental licenciador, ouvido o
responsável pelo empreendimento, podendo até mesmo haver a destinação dos recursos
para a criação de novas unidades, nos termos do art. 36, § 2.º da Lei 9.985/2000. Nesse
momento é importante a realização de audiências públicas em respeito ao princípio da
participação, pois se ao EIA se dará publicidade (art. 225, § 1.º, IV, CF/1988
(LGL\1988\3)), à aplicação do montante de recursos que dele se origina também deverá
ser conferida discussão/divulgação.
Ademais, conforme salienta Erika Bechara (2009, p. 263), "a lei atrela inteiramente a
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compensação ambiental às unidades de conservação"; ou seja, é uma receita
vinculada. Logo, qualquer uso distinto por parte da Administração Pública caracteriza
desvio de finalidade, isto é, ato de improbidade administrativa (art. 11, I, da Lei
8.429/1992).
Por sua vez, o § 3.º, art. 36 da Lei 9.985/2000, determina que, na hipótese de a
atividade de significativo impacto ambiental afetar uma unidade de conservação
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específica (ou sua zona de amortecimento), esta deverá ser uma das beneficiárias da
compensação ambiental, mesmo que não pertença ao Grupo de Proteção Integral. Além
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disso, o licenciamento de tal atividade só poderá ser efetivado mediante a autorização
do órgão gestor da UC afetada.
O Dec. 4.340/2002 trouxe uma ordem de prioridade para a aplicação dos recursos:
"Art. 33. A aplicação dos recursos da compensação ambiental de que trata oart. 36 da
Lei 9.985, de 2000, nas unidades de conservação, existentes ou a serem criadas, deve
obedecer à seguinte ordem de prioridade:
O parágrafo único desse dispositivo, por sua vez, dispõe que quando a posse e o domínio
não sejam do Poder Público, no caso da Reserva Particular do Patrimônio Natural, do
Monumento Natural, do Refúgio de Vida Silvestre, da Área de Relevante Interesse
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Não deixa de ter alguma razão à crítica de que tais prioridades deveriam ser atendidas
pelos orçamentos das UCs (ANTUNES, 2012, p. 709). Contudo, isso não condiz com a
realidade brasileira, onde até os serviços essenciais sofrem com a falta de apoio. De
mais a mais, se fosse assim, a compensação ambiental nem precisaria ter sido criada.
O pagamento pode ser parcelado? Não há proibição nesse sentido, tanto na Lei do SNUC
quanto no regulamento. Dessa forma, é possível que o órgão gestor da UC beneficiária,
no Termo de Compromisso ou em ato unilateral, estabeleça a forma/prazo de
pagamento. Nos casos de pagamento parcelado ou de concessão de prazo, o valor
deverá ser acrescido da correção monetária.
Por fim, não é obrigatório que o pagamento ocorra exclusivamente pela transferência de
pecúnia do empreendedor para o órgão gestor. Até porque o caput do art. 36 da Lei
9.985/2000 não utilizou a expressão "pagar o valor x", mas apenas destacou que o
empreendedor é obrigado a apoiar a implantação/manutenção de UC pertencente ao
Grupo de Proteção Integral. Nesse palmilhar, Erika Bechara (2009, p. 281) cita o caso do
empreendimento denominado Rodoanel Mário Covas, cujo responsável adimpliu a
compensação ambiental pela obrigação de demarcar/cercar e elaborar o plano de
manejo de UCs, dentre outras atividades.
O tributo é definido pelo art. 3.º do Código Tributário Nacional como sendo "toda
prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que
não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada".
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A partir desse conceito legal, percebe-se que não existem tributos in natura ou in labore;
caso fosse possível a prestação em bens, haveria a estranha situação narrada por
Ricardo Alexandre (2012, p. 9):
Com isso, resta claro a impossibilidade de tratar a compensação ambiental como tributo.
Tanto é que o instituto em comento não se subsume a qualquer das espécies tributárias:
imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições
especiais (MACIEL, 2012, p. 157).
Além disso, a definição legal exige que a cobrança seja realizada por meio de atividade
administrativa plenamente vinculada, o que não ocorre com a compensação ambiental.
Nesta, a Administração Pública atua com ampla discricionariedade, pois o aspecto
significativo do impacto ambiental é aferido pelo órgão licenciador caso a caso (MACIEL,
2012, p. 156/157). Ademais, a própria Lei 9.985/2000 não fixa teto (alíquota máxima)
para a obrigação.
Por sua vez, o preço público (ou tarifa) designa o pagamento devido pela utilização
voluntária de um bem ou serviço, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça
(REsp: 156459, DJ 27.04.1998 p. 103). Tal definição "não se coaduna com a
obrigatoriedade da compensação ambiental. Além disso, o pressuposto da compensação
ambiental é o impacto ambiental negativo não mitigável, e não o uso de bens
ambientais" (MACIEL, 2012, p. 159).
Existe outra tese no sentido de que a compensação ambiental é uma técnica reparatória
(RODRIGUES, 2007, p. 9/10), e como tal é indissociável da responsabilidade civil
(BECHARA, 2009, p. 204). Seria, pois, uma hipótese legal de responsabilidade civil
objetiva prévia.
A teoria criada para o tratamento da reparação do dano passa, com isso, a envolver
aspectos de prevenção e precaução estranhos ao seu escopo, mais como uma tentativa
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de adaptá-los a casos sobre os quais não objetivava dispor do que pela compreensão de
que tais situações efetivamente se enquadrariam."
Além de não existir dano, também não há que se falar em ato ilícito, uma vez que a
compensação ambiental não é oriunda da contrariedade à ordem jurídica, mas de uma
desconformidade com a função socioambiental da propriedade (MOTA, 2011, p. 29).
Explica-se.
Nessa senda, somos favoráveis à corrente que considera a compensação ambiental como
sendo um instrumento econômico decorrente do princípio do poluidor-pagador. É que a
destinação de recursos às UCs em virtude de atividade de significativo impacto
ambiental desemboca na internalização de custos pelo empreendedor (MACIEL, 2012, p.
171). Além disso, a compensação ambiental não possui cunho reparatório, mas objetiva
"contrabalançar os impactos ambientais ocorridos ou previstos no processo de
licenciamento ambiental" (FARIA, 2008, p. 12).
Em consonância com a natureza jurídica ora discutida, faz-se a seguinte indagação: caso
a compensação não seja cobrada em momento oportuno (no licenciamento ambiental),
pode-se falar em prescrição? Para responder tal questionamento, algumas observações
merecem destaque.
Já que a compensação ambiental não é tributo, preço público ou dívida pública lato
sensu, não há que se falar em prescrição. Ela é cabível a todo empreendimento de
significativo impacto ambiental concebido ou instalado após a vigência da Resolução
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10/1987 do Conama.
5 Sugestões
Bruno Aguiar (2014, p. 81) realizou um estudo empírico recente, obtendo as seguintes
conclusões:
(ii) Disciplina legal, pois a atual normatização (art. 36 da Lei 9.985/2000) é insuficiente
para a adequada realização do instituto em comento. Faz-se mister a edição de lei para
pormenorizar a matéria, o que também ajudará na unificação dos critérios no âmbito
nacional e na diminuição da ampla discricionariedade administrativa.
(iii) Uniformização dos critérios no âmbito nacional, a fim de gerar maior segurança para
a proteção do meio ambiente e para o setor produtivo. Esse objetivo só poderá ser
alcançado mediante a regulamentação do cálculo do grau de significativo impacto
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6 Considerações finais
7 Referências
AGUIAR, Bruno Augusto de Souza. Parque de papel: um estudo de caso Mata do Zumbi -
PE. 2014. 98 p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Ambiental) - Associação Instituto
de Tecnologia de Pernambuco - ITEP, Recife.
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A compensação ambiental do art. 36 da Lei 9.985/2000:
aspectos conceituais e questões controvertidas
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
BENJAMIN, Antonio Herman V.; MILARÉ, Edis. Estudo prévio de impacto ambiental:
teoria, prática e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 245 p., 1993.
COSTA, Sildaléia Silva; MOTA, José Aroudo. Compensação ambiental: uma opção de
recursos para implementação do SNUC. Revista de Direito Ambiental. Vol. 58, p. 174.
São Paulo: Ed. RT, Abr/2010.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. Ed. São Paulo: Max Lomonad, 2001.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2010.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 22. ed. São Paulo:
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aspectos conceituais e questões controvertidas
Malheiros, 2014.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo:
Saraiva, 2004.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004.
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Recursos hídricos e energia. In: FERREIRA, Maria Augusta;
FARIAS, Talden; CIRNE, Lúcio Flávio Ribeiro. Direito ambiental - uma perspectiva
ambientalista: homenagem aos 30 anos da ASPAN. Fundação Antônio dos Santos
Abranches, 2011.
TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. São Paulo: Editora
Juarez de Oliverira, 2002.
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6 Tal instrumento normativo não foi apenas recepcionado pela Constituição Federal de
1988, mas previsto expressamente no art. 225, § 1.º, IV: "exigir, na forma da lei, para
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade". Este
dispositivo alçou o EIA à condição de instrumento constitucional de defesa do meio
ambiente.
7 A qual dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas
críticas de poluição.
8 Segundo Pereira e Scardua (2008, p. 95), "é possível definir os espaços territoriais
especialmente protegidos como aqueles espaços, públicos ou privados, criados pelo
poder público e que conferem proteção especial ao meio ambiente, tomado este em sua
acepção mais ampla".
(Omissis)
h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição
da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial
poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;
14 Tal autonomia dos Estados e Municípios deverá ser realizada de acordo (e nos
limites) com o art. 36 da Lei do SNUC e na decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn
3.378.
15 De tal decisão, o PGR interpôs agravo regimental, que ainda não foi apreciado pela
Corte. Ressaltamos, no entanto, que é improvável a reforma da decisão do relator, pois
no julgamento de agravo regimental idêntico - Rcl 12.887 AgRg, rel. Min Dias Toffoli -, a
decisão colegiada foi no sentido de que o acórdão da ADIn 3.378 apenas proibiu a
fixação de percentual mínimo.
Na prática, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das reclamações, tem adotado a
teoria restritiva em detrimento da teoria da transcendência dos motivos determinantes.
Vale dizer, a parte vinculante da decisão que está apta a ser utilizada como paradigma,
em sede de reclamação, é a constante no dispositivo; a ratio decidendi (fundamentação)
não possui caráter vinculante.
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A compensação ambiental do art. 36 da Lei 9.985/2000:
aspectos conceituais e questões controvertidas
21 Se a UC afetada é uma das beneficiárias, qual a parte que lhe é devida do montante
apurado pela compensação ambiental? Eis outro problema ocasionado pela normatização
insuficiente do instituto em comento. Nesse contexto, não há proibição expressa para os
órgãos ambientais aplicarem a menor parte do montante nas UCs afetadas.
26 Art. 83. Deixar de cumprir compensação ambiental determinada por lei, na forma e
no prazo exigidos pela autoridade ambiental:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
27 Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir
obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo
da multa.
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